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A estética como desconotação praticada pela modernidade * Luís Carmelo Universidade Autónoma de Lisboa Índice 1 A mesma catedral em dois mundos 1 2 Baumgarten e os ’juízos de gosto’ de Kant 2 3 Sublime, ’bela arte’ e génio de Kant 6 4 Hegel, entre o histórico e o absoluto 8 5 Heidegger e a obra de arte que, por si, se abre e desoculta 10 6 A disenção do sentido 12 7 A desconotação 13 8 Bibliografia 16 Os poetas são os hierofantes de uma inspiração inapreendida; os espelhos das gigantescas sombras que a futuridade lança sobre o presente... P.Shelley, Defesa da poesia 1 1 A mesma catedral em dois mundos A modernidade estatui-se como recriação de um mundo de actividades. O técnico, o ci- * Abril 2000 1 P. Shelley, Defesa da poesia, Guimarães editores, Lisboa, 1986:82. entífico, o jurídico, o religioso, o econó- mico e o artístico tornam-se em segmentos diferenciais que já não partilham um mesmo ser fundador; uma mesma substância pe- rene anterior. A modernidade redescobre- se como retomar quase absoluto da inven- ção do mundo, segunda criação ou, mesmo, reinício total. As manufacturas, a demogra- fia, o trabalho e o novo cultismo técnico- científico impõem-se como actividade-farol; ou, pelo menos, como aquela actividade que preside ao laboratório com que se amplia e transformam as capacidades da natureza. A cultura autonomiza-se da natura; o ho- mem reinventa-se decididamente, enquanto sujeito, e, dentro de cada separada esfera de actividade, processam-se inevitáveis cli- vagens. No político, degladiam-se ideias para o poder; no religioso, compartilham-se seitas e dogmas mais tradicionais; no económico, reluz o mercado; no jurídico, enfrentam-se ordens constitucionais distintas; no técnico- científico, conflitualiza-se a pragmática dos inquéritos e teorias; finalmente, no artístico, confrontam-se correntes, vanguardas, vora- gens e estilos. Aquilo que é a arte - como actividade específica, subitamente autono- mizada, cindida de um universo anterior de

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A estética como desconotação praticada pelamodernidade∗

Luís CarmeloUniversidade Autónoma de Lisboa

Índice

1 A mesma catedral em dois mundos 12 Baumgarten e os ’juízos de gosto’ de

Kant 23 Sublime, ’bela arte’ e génio de Kant 64 Hegel, entre o histórico e o absoluto 85 Heidegger e a obra de arte que, por si,

se abre e desoculta 106 A disenção do sentido 127 A desconotação 138 Bibliografia 16

Os poetas são os hierofantes de umainspiração inapreendida; os espelhos das

gigantescas sombras que a futuridade lançasobre o presente...

P.Shelley, Defesa da poesia1

1 A mesma catedral em doismundos

A modernidade estatui-se como recriação deum mundo de actividades. O técnico, o ci-

∗Abril 20001P. Shelley, Defesa da poesia, Guimarães editores,

Lisboa, 1986:82.

entífico, o jurídico, o religioso, o econó-mico e o artístico tornam-se em segmentosdiferenciais que já não partilham um mesmoser fundador; uma mesma substância pe-rene anterior. A modernidade redescobre-se como retomar quase absoluto da inven-ção do mundo, segunda criação ou, mesmo,reinício total. As manufacturas, a demogra-fia, o trabalho e o novo cultismo técnico-científico impõem-se como actividade-farol;ou, pelo menos, como aquela actividade quepreside ao laboratório com que se ampliae transformam as capacidades da natureza.A cultura autonomiza-se da natura; o ho-mem reinventa-se decididamente, enquantosujeito, e, dentro de cada separada esferade actividade, processam-se inevitáveis cli-vagens.

No político, degladiam-se ideias para opoder; no religioso, compartilham-se seitase dogmas mais tradicionais; no económico,reluz o mercado; no jurídico, enfrentam-seordens constitucionais distintas; no técnico-científico, conflitualiza-se a pragmática dosinquéritos e teorias; finalmente, no artístico,confrontam-se correntes, vanguardas, vora-gens e estilos. Aquilo que é a arte - comoactividade específica, subitamente autono-mizada, cindida de um universo anterior de

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completude - é, neste momento, tudo o quese quiser, com a certeza, porém, de que éalgo de corrosivamente novo que surge nanovidade, também ela, moderna.

Naquilo que os modernos passaram a de-signar por Idade Média, a catedral era aindaa obra. À imagem, aliás, do que sobretudoera a grande obra, ou seja, - toda a naturezacriada por Deus e o seu Livro sagrado. Acatedral era, portanto, uma obra para alémda experiência - para além do mero trân-sito da vida humana - e, até porque atraves-sava várias gerações, na sua construção, elaimpunha-se como ícone de intemporalidade.A catedral era, de facto, a majestade ou o vi-gor ímpar que, na terra, representaria a di-mensão incalculável da grandeza, eternidadee incumensurabilidade que era atribuída aoprimeiro Ser.

A catedral era a reunião fundamental dapaisagem natural com o alicerce essencial,através e a partir do qual o mundo era in-terpretado. Mas se a catedral era a obra,não era contudo uma obra de arte, entre vá-rias outras; era antes única; era a obra, ouo marco; ou ainda o centro absoluto que, naterra, desvelava Deus. Nesse desvelar estavatudo o que de principal fazia a catedral sera catedral. A catedral era uma expressão re-cortada na pedra, nos vidros/vitrais, nas ma-deiras mais diversas, no metal, nas inscri-ções porventura mágicas. Mas, os conteúdosemulados ou exalados apenas respiravam ohalo da transcendência. O inevitável, incom-parável e insubstituível conteúdo possível.

*

Na modernidade, subitamente, face a umsensus communis rapidamente enformado, acatedral passa a ser, não a obra, mas uma

obra de arte. Na modernidade, a pouco epouco, a catedral passará de obra única a edi-fício construído por homens, porventura porsobre-humanos, eivados de mistério. Agoraa catedral é um objecto-edifício, consideradosoberbo, mas em que sobretudo, para alémdo antigo halo de transcendência, são agoraos homens quem se celebra; até porque fo-ram eles que participaram no seu vir a ser.A catedral torna-se, de repente, num logo-tipo magno da espécie humana. A catedralfascina, é verdade, mas passa a significaruma realidade que é intraduzível e inaliená-vel, para além de querer dizer - homem (onovo e múltiplo deus da modernidade). Acatedral deixa, com efeito, de ser vista comoa obra, tal como era vista pelo mundo quea criou, para passar a ser equiparada a ’obrade arte de um tempo dado’, fruto da sublimecriação humana. Da catedral esvai-se, agora,uma ideia de criação quase anterior, fundadana fé, ou seja, fundada na visão de um enscreadum cuja origem superior residia na pri-mordial unidade matéria-forma.

O que se terá passado, no alvor e nos cor-redores da modernidade, que, tendo tambémlevado na sua torrente significativa a cate-dral, releva agora do narcisismo do sujeitohumano, a sós com o seu génio criador nomundo? O que é e de onde procede estanova actividade que, ao longo das Luzes, e,no limiar de oitocentos, se começa a traduzir,através de velha palavras (ou raízes verbais),tais como como ’arte’ e ’estética’(linguageme meta-linguagem, respectivamente)?

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2 Baumgarten e os ’juízos degosto’ de Kant

Baumgarten, em 1750, na primeria parte dasua Esthetica, uniria num único corpo umconjunto de actividades, até então disper-sas, e que eram consideradas da ordem prá-tica, ou do ’fazer’, por um lado, e da or-dem contemplativo-lúdica, ou do ’espírito’,por outro lado. Este núcleo de actividadescorrespondiam, mais concretamente, e emprimeiro lugar, à tradição das ’artes’ (acti-vidades do legado técnico-mecânico sob aégide do ’fazer’, de que são exemplo a es-cultura, a arquitectura, ou todo o produtooriundo de manufacturação); em segundolugar, a tradição do ’estranhamento’ poé-tico (tal como Aristóteles o caracterizara)e que se pretendia erguer, com autonomia,contra o finalismo prático das novas ciên-cias (o cultismo e conceptismo barrocos sãodisso exemplo); e, por fim, em terceiro lu-gar, "de signis pulchre cogitatorum et dispo-sitorum"(o belo concebido, ou raciocinado, edisposto; W.Noth,1995:421), enquanto espé-cie de racionalidade, cuja finalidade estaria"virada para a livre e gratuita finalidade dobelo"(R.Barilli,1992:26).

A ’estética’, instituída deste modo, en-quanto nova área autónoma e unificadorade vários agires humanos, viria a ser desig-nada por Baumgarten a partir da raíz verbaldo Grego ’aisth’, ligada sobretudo à ideiado ’sentir’, "não com o ’coração’ e o senti-mento, mas sim com os sentidos, com a redede percepções físicas"(ibid.:21). O estabele-cimento da beleza constituia-se agora comoobjectivo surpremo deste novo saber, oujulgar, cuja manifestação decorreria de um"acordo de pensamentos"conducente a umúnico fenómeno que, por sua vez, seria "ob-

jecto de sensação"(R.Bayer,1995:180); esteacordo interno de "coisas belamente pensa-das"teria ainda como base uma adequaçãointerna, de tipo icónico, entre expressão epensamentos. Uma tal crença na inclinaçãonatural, decerto inata, do homem para "belospensamentos"tornava-se vital para a própriafundação da nova disciplina.

Na mesma época2, quer em Recherchessur l’origine et la nature du beau de Dide-rot (1751), quer no Dictionnaire philosophi-que de Voltaire (1769), o ’belo’ foi assumi-damente requerido como parâmetro defini-dor deste novo valor, o estético. No primeirocaso, o belo identificava-se com as grandesobras de génio, mas não com as de merafinalidade técnica; no segundo caso, a di-ferença que separaria, por exemplo, literatoe génio passaria também pela presença dobelo neste último. Um tal quadro de refe-rências prova-nos que, no início da segundametade do século XVIII, estava já desenhadauma moldura de valores que, de modo ne-nhum, se podiam restringir à esfera técnico-científico, racional ou moral e que impu-nham novas formas de comunicar e de per-ceber o mundo. O objecto deste novo jul-gar, centrado no belo, contudo, rapidamenteviria a evoluir para uma metalinguagem daprópria arte; actividade e crítica, crítica e ac-tividade viriam, portanto, a formar a novahermenêutica moderna do círculo reflexivo:arte-estética-arte.

Neste quadro, entretanto, a Crítica da fa-culdade do juízo faria culminar o período"crítico"de Kant. Foi em finais de De-zembro do ano de 1787 que o seu autor,

2Sobre o tema, Cf. Vitor M.Aguiar e Silva, TeoriaLiterária, Almedina, Coimbra,1993:2-9.

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em carta3, admitiu estar ocupado com umanova "crítica do gosto"(cit. in A. Marques:1998:8), justificando a tarefa pela "necessi-dade de encontrar os princípios que regemaquela parte do ânimo (Gemuet)"(ibid.:8) si-tuada entre as duas faculdades já estuda-das em críticas anteriores, nomeadamente,o "conhecimento"(na Crítica da razão pura)e a "apetição"(na Crítica da razão prática;ibid.:8). O "Gefuel der lust un Unlust", ouseja, o "sentimento de prazer e de despra-zer"passaria, pois a delimitar o âmbito destasúbita terceira crítica que, na sua ’primeiraparte’ (’Crítica da faculdade de juízo esté-tica’), se ocupava, em dois livros, respecti-vamente, da "analítica do belo"(que nos in-teressa, sobretudo; ibid.:89-136) e da "analí-tica do sublime"(ibid.:137-272).

Na Analítica do belo, Kant prescrevequatro diferentes momentos do "juízo dogosto". No primeiro, a distinção ou aferi-ção do belo parte de uma representação quese alicerça apenas na "faculdade da imagi-nação"(ibid.:89). Isto significa que o su-jeito sente uma afectação que não provémde uma realidade de "representação empí-rica"(ou seja, de uma objectividade), masantes da referência ao puro "sentimento deprazer e desprazer"(ibid.:89). Por outrolado, complementando, o autor define "in-teresse"como "comprazimento que ligamosà representação da existência de um ob-jecto"(ibid.:91); nesta medida, no caso dadeterminção do belo, em nada interessa a"existência da coisa, mas sim como a ajuiza-mos na simples contemplação"(ibid.:91). Oobjecto que se representa, ou que se pode re-presentar, torna-se, pois, secundário face à

3Carta a Carl Leonhard Reinhold de 28-31 de De-zembro de 1787 (A.Marques,1998:8).

satisfação, - o que quer dizer que o sujeitojamais dependerá do objecto para a deduçãoda sua possível beleza. A imanência destemovimento caracteriza, portanto, a reflexi-vidade ou o ensimesmamento que o sujeitopratica. Desinteressado, por via do compra-zimento (ou do seu oposto), o sujeito julga,assim, uma dada representação e é nesseacontecer que define o gosto:

Gosto é a faculdade de julga-mento de um objecto ou de ummodo de representação medianteum comprazimento ou descompra-zimento (independente de todo ointeresse). O objecto de tal com-prazimento chama-se belo.("Ex-plicção Do Belo Inferida Do Pri-meiro Momento-ibid.:98)

T.Adorno viu neste primeiro momento dos’juízos do gosto’ uma "antítese da teoriafreudiana da arte4"já que, nele, o comporta-mento estético está isento de "desejos ime-diatos", ou seja, - "a ausência de interesseafasta-se do efeito imediato, que a satisfa-ção quer conservar"(1993:22-24). Este "he-donismo castrado"da estética de Kant condu-ziria, ainda segundo Adorno, à "concepçãofilistina da obra de arte"entendida como har-monia pacífica e morna de contrários - pre-núncio do futuro kitsch -, no seio da qual a li-berdade se referiria apenas à "imanência psí-quica"(ibid.:23) do sujeito face ao objecto.No segundo momento dos ’juízos do gosto’,

4"Para Freud as obras de arte não são imediata-mente realização de desejos, mas transformam a li-bido primeiramente insatisfeita em realização social-mente produtiva, em que o valor social da arte persisteás claras, incontestado no respeito acrítico da sua vali-dade pública"(T.Adorno, Teoria estética, Edições 70,Lisboa,1993:21-22).

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aquilo que era considerado em Baumgar-ten como a ’universalidade do conhecimentosensível’, associa-se agora à universalidadedo prazer desinteressado do belo.

Quer isto dizer que o apuramento do belo,realizado com radical independência face aqualquer interesse, passa a motivar no sujeitokantiano - naquele que julga - uma liberdadeapenas "com respeito ao comprazimento quededica ao objecto"(ibid.:99); esta entregaque, por sua vez, não se funda em con-ceitos ou em "qualquer inclinação"privada(ibid.:99) do mesmo sujeito, baseia-se noque designaríamos por uma exigência deconcordância do outro. Uma tal expectativasignifica que, na liberdade do julgamento dobelo, o sujeito, "pressupõe"ou "pretende"queum outro juíz ou sujeito, como ele próprio,possa também levar a cabo um "comprazi-mento semelhante"ao seu. Este ’aprazer-se’que proclama (ou quase exige) a adesão dooutro convoca a ideia de universalidade, talcomo sucintamente surge caracterizada no"segundo momento do juízo do gosto":

Belo é o que apraz universal-mente sem conceito("ExplicçãoDo Belo Inferida Do Segundo Mo-mento-ibid.:108)

Esta demanda do belo, assente num sub-jectivismo empreendido através de juízos degosto, independente de conceitos ou inte-resses, está ligada a finalidades muito dis-tintas das que estão, por natureza própria,ligadas à vontade. Esta, enquanto "facul-dade da apetição"(ibid.:109), determinada,portanto, por conceitos destina-se a agir con-formemente a fins práticos a atingir, baseadaem efeitos e causalidades (todo o agir hu-mano, e não só, assim procede). Contudo,

uma tal "conformidade a fins"(...) "podeser sem fim", como refere Kant, na medidaem que não se encontrem "as causas destaforma numa vontade"(ibid.:109-110); o queacontece, porque os juízos de gosto "repou-sam sobre fundamentos a priori"(ibid.:111)e, por isso mesmo, torna-se impossível asso-ciar quaisquer efeitos ou causas a sentimen-tos de prazer ou desprazer. Nesta medida -e na sequência da já referida "ars pulcre co-gitandi"de Baumgarten ou das Recherches.de Diderot - ainda que a beleza desvendadanum objecto possa ser encarada "conformea fins", a sua presença, todavia, tornar-se-ásempre incompatível com quaisquer finali-dades práticas (ou,por outras palavras, como ciclo de causas e efeitos):

Beleza é forma da conformi-dade a fins de um objecto, na me-dida em que ela é percebida nelesem representação de um fim("Ex-plicção Deduzida Deste terceiroMomento-ibid.:127)

Reiterada a ideia de que a obra de artenão se conforma com fins práticos, no iní-cio do quarto momento dos ’juízos de gosto’,Kant fará notar que o "agradável"produz, demodo quase imediato, o prazer. No entanto,dada a sua distinta natureza, o belo implicarájá uma "referência necessária ao comprazi-mento"(ibid.:128). Esta necessidade, por suavez, - prossegue o autor - nem pode ser de-duzida de conceitos determinados (dado ofacto de o juízo estético não ser um juízoobjectivo ou de conhecimento); nem podeser inferida "da universalidade da experi-ência"(ibid.:128). Denominada pelo autorcomo "exemplar", esta necessidade do com-prazimento (que pressupõe o belo) acabará

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por corresponder ao "assentimento de todosa um juízo que é considerado como exemplode uma regra universal que não se pode in-dicar"(ibid.:128). Esta universalidade, preg-nada de subjectividade, é, ao mesmo tempo,assentimento silencioso de todos os que jul-gam e, por outro lado, reflexividade anterior,embora não conceptual, de cada um:

Belo é o que é conhecido semconceito como objecto de um com-prazimento necessário("Explic-ção Do Belo Inferida Do QuartoMomento-ibid.:132)

Os quatro juízos do gosto fundam-se, as-sim, de modo articulado, em outras tantas ca-tegorias, a saber: a relação (desinteressada);a quantidade (assentimento universal subjec-tivo); a qualidade (inexistência de fins práti-cos) e, por fim, a modalidade (ou a relaçãonecessária entre a beleza e a própria satisfa-ção).

3 Sublime, ’bela arte’ e génio deKant

Na ’Analítica do sublime’, Kant refere obelo (fundado num comprazimento necessá-rio e partilhado por um ’sensus communis’- ibid.:196) como concordante "com o su-blime", apenas pelo facto de ambos "apra-zerem por si próprios", embora este últimotraduza sobretudo a ideia de satisfação, pro-veniente da razão ou do ’destino moral hu-mano’. O ’sublime’, neste quadro, referirátudo "o que é absolutamente grande". Con-tudo, face, por exemplo, à vastidão, sentida epressentida na natureza, o sentimento de su-blime acabará também por originar um "sen-timento de desprazer a partir da inadequação

da faculdade da imaginação"para poder ava-liar (esteticamente) essa mesma vastidão ougrandeza.

Um tal "respeito", ou consideração, di-ante do cenário da própria grandeza, levaráKant a considerar a natureza como ’dinami-camente sublime’, na medida em que, pelomenos aparentemente, se impõe ao homemcom todo o seu "poder"(ibid.:157). Todavia,no reverso deste "poder", Kant considera quea razão se pode sobrepôr à natureza, sobre-tudo por ser capaz de conceber ou pensar oinfinito, do mesmo modo que também a mo-ral humana requer mais perfeitação e recti-dão do que o próprio poder natural. Diantedesta natureza hiperbolizada, a desafiar a ra-cionalidade e a moralidade do homem, a arte- enquanto emular ou mimesis da naturezaprimeira - ainda não se prefigura (por trásdeste esquema) como uma realidade que seexorbite, que se exceda, ou que tenda, ine-vitavelmente, para um "sair de si mesma"(T.Adorno:1993:79).

De facto, a modernidade de Kant, no querespeita à caracterização da arte, continuaainda a ser aferida, na ’dedução dos juízosestéticos puros’, de acordo com jogo dosatributos do ’belo’ (&44/1997:208). Nestasecção, depois de uma referência à arte emgeral (na tradição das ’artes liberais’ deBaumgarten), Kant definirá ’bela arte’ comoa dimensão abrangida pela "arte estética"e,portanto, não enquadrável na designada "arteagradável"(onde o autor, curiosamente, in-clui o entretenimento da narração, a "con-versação franca"ou ainda os jogos "de deixarpassar o tempo"). A ’bela arte’ acabará porser considerada pelo autor como "um modode representação que é por si própria con-forme a fins e, embora sem fim, todavia pro-

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move a cultura das faculdades do ânimo à co-municação em sociedade"(ibid.:209).

Separando, de seguida, ’bela arte’ e ’be-leza natural’, Kant delimitará a primeira noâmbito da criação, ou seja, do "génio"que ca-racteriza como "talento (dom natural) que dáregra à arte"e "faculdade produtiva inata doartista". Esta naturalidade inata do artista éainda definida, com mais rigor, quando o au-tor afirma: "Génio é a inata disposição doânimo (ingenium), pela qual a natureza dáa regra à arte"(ibid.:211). Contudo, ressaltanesta definição uma contradição entre, porum lado, a presença de uma "regra", a qualjamais pode determinar o que é, ou não, arte;e, por outro lado, a ausência dessa mesmaregra, sem a qual não se poderia considerarartístico o que o é. Para sair deste aparentecírculo fechado, Kant atribui ao "Génio"trêsqualidades essenciais:

(o Génio) - 1) é um talentopara produzir aquilo para o qualnão se pode fornecer nenhumaregra determinada, e não umadisposição de habilidade para oque possa ser apreendido segundoqualquer regra; consequentementeque a originalidade tem que sera sua primeira propriedade; (...)-2) "os seus produtos têm que serao mesmo tempo modelos, isto éexemplares; por conseguinte elespróprios não surgiram por imita-ção e, têm que servir a outros comopadrão de medida ou regra de jul-gamento; 3) que ele próprio nãopode descrever ou indicar cienti-ficamente como realiza o seu pro-duto, mas que, como natureza, for-nece a regra; e por isso o pró-

prio autor de um produto, que eledeve ao seu génio, não sabe comopara isso as ideias se encontramnele e tão pouco tem em seu poderimaginá-las arbitrária ou planea-damente e comunicá-las a outrosem tais prescrições, que as põemem condição de produzir produtoshomogéneos (182/ibid:212).

O novo sujeito criador de Kant (queemerge deste binómio génio-dom) é um su-jeito que encontra na regra com que signi-fica a obra de arte uma não-regra, ou, poroutras palavras, - a volubilidade de uma re-gra indeterminada. Ao mesmo tempo, estenovo sujeito criador encontra na (beleza dasua) obra de arte finalidades, mas que nãosão conforme a fins (movidos por uma neces-sária ordem de causa-efeito). O novo sujeitocriador, auto-reflexivo, desinteressado, autó-nomo na sua radical subjectividade, é sobre-tudo povoado por um "dom"da natureza, an-terior a ele - o génio - e que determina aoriginalidade do seu produto, ou mesmo, acrença viva numa autenticidade única. Estenovo sujeito criador é, também, e ainda, porvia do mistério que o povoa, um portador deideias e imaginações, ou antes, - um media-dor entre, por um lado, o matricial e modelarda obra de arte enformada e, por outro lado, anatureza que lhe conferiu o dom insondáveldesse mistério.

A obra de arte, nesta óptica, contida aindaem limites ideais, não pode ser sinsígnica,reproductível, ou imitativa; contudo, se con-formada com a sua característica lesisígnica,de "padrão", ou de devir original, já podeestender-se - como "medida- ao julgamentocomum dos outros, tentando encontrar no"gemeinschaftlichen"(sentido partilhado em

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comunidade) a concordância e a universali-zação subjectiva que a pressupõem ("o prin-cípio subjectivo do julgamento do belo é re-presentado como universal-ibid.:2605).

Por fim, todo este insondável mistério (emoralidade) que afecta o novo sujeito cria-dor, definido por Kant - por via de um domque (já) é ’natural’ e não explicitamente di-vino -, deve ainda incluir-se num terreno quenão é o da explicação lógica, científica e,portanto, objectiva. Um tal mistério deverá,de facto, incluir-se no terreno aberto por estanova faculdade autónoma6 do ’ânimo’, ca-racterizada pela faculdade de julgar a belezado mundo, independentemente dos seus ob-jectos7, a partir de uma exclusiva imagina-ção, imanente e universal, do sujeito8.

5Embora "não como cognoscível por algum con-ceito universal"(ibid.:263).

6Tal como nas outras novas ( e autónomas) ac-tividades da modernidade, também a arte surge di-vidida na Crítica de Kant: "as artes elocutivas sãoeloquência e poeisia"(ibid.:227); "as artes figurati-vas"correspondem às artes plásticas (com mediaçãoda "vista e tacto") e à pintura (com mediação exclu-siva da vista- ibid.:229) e "ambas formam figuras noespaço para a expressão de ideias"; "a arte do belojogo das sensações"(ibid.:230), de que são exemplo a"música e arte das cores".

7(de tal modo que a própria beleza se torna emsímbolo da moralidade, de acordo com assentimentoface ao outro, não já, por via do julgamento do beloem obras de arte, mas por via do ânimo que se tornaconsciente de "enobrecimento e elevação", ao mesmotempo que "aprecia também o valor dos outros se-gundo uma máxima semelhante da sua faculdade dojuízo-ibid.:252).

8Sendo, todavia, "a liberdade da faculdade da ima-ginação concordante com a legalidade do entendi-mento- ibid.:263).

4 Hegel, entre o histórico e oabsoluto

O idealismo hegeliano9 é necessariamentehistórico e, por isso, um seu "ideal da arte"sóse poderia supor na medida do "decurso"do"desenvolvimento", ao longo da diacroniatemporal. (1972-IV:331). Segundo o au-tor, repondo no arcaísmo inicial do mundoa fruição e o prazer imediatos da arte (quenunca se encontram em Kant), esta teria so-bretudo como missão "tornar presente, deum modo concreto, aquilo que possui umconteúdo rico". É justamente na prospecçãodeste conteúdo que Hegel, ao longo de umaescalonada continuidade cronológica, justa-põe, respectivamente, as três fases do incre-mento da arte: a arte simbólica, a arte clás-sica e a arte romântica (1972-IV:167).

Para Hegel, o "início da arte foi carac-terizado pela tendência da imaginação parase separar da natureza a fim de se orientarpara a espiritualidade". Este ponto de par-tida revela, desde já, uma tendência duplae inevitável do ser humano. Por um lado,essa tendência natural prescreve uma disso-ciação original face à própria natureza; poroutro lado, essa mesma tendência define umavia autónoma da imaginação humana que seperspectivaria em direcção à meta que Hegeldesignou por "espiritualidade". No fundo,é como se uma providência, anterior e algopré-determinada, já encaminhasse o homema uma tarefa prévia e irrecusável. Na fase

9Análise realizada a partir de Estética I-A Ideia eo Ideal; Estética II, O belo Artístico ou o Ideal; Es-tética III, A arte simbólica; Estética V, Arquitectura eEscultura; Estética VI, Pintura e Música; Estética VII-Poesia e, sobretudo, para a síntese empreendida, Es-tética IV - A Arte Clássica e a Arte Romântica (Gui-marães editores, Lisboa,1972).

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primeira dessa ’tarefa’ - a arte simbólica -apenas se tratava ainda -

de uma tentativa do espíritoque, por não ter encontrado o ver-dadeiro conteúdo a dar à arte, eraobrigado a contentar-se com re-vestir as significações naturais deformas exteriores ou as interiori-dades substanciais de abstracçõesque não possuem subjectividade,de fazer de tais formas exteriorese de tais abstracções o centro daarte (ibid.:168).

A arte era ainda, portanto, um revesti-mento, já que o espírito, no seu ampliar-se,ainda não havia descoberto conteúdos ade-quados à grande ’tarefa’ humana. Este pro-cesso - que se mantém sempre nos limites dohistórico - transpõe, para a segunda fase, a daarte clássica, a própria espiritualidade "comobase e princípio do conteúdo"(ibid.:168). Atarefa hegeliana deixa, portanto, de se redu-zir ao revestimento para se elevar e, destemodo, a forma, passa ser penetrada pela"espiritualidade"e adquire, em consequên-cia, "perfeição"; por outro lado, a mesmaforma tornar-se-á também numa "realidadeadequada ao espírito"que é, ao fim e ao cabo,o actor maior desta inevitável ’tarefa’ hu-mana, (chegando até a idealizar a natureza,através "dessa bela união entre o fora e odentro"). A época clássica acabará por ser,portanto, segundo Hegel, a da "representa-ção mais autêntica do ideal"e simultanea-mente a própria "implantação do reino da be-leza"(ibid.:168).

Contudo, esta totalidade do ideal "só-lida e simples"em que o "elemento ex-terior"imprimia "à realidade sensível uma

existência conforme e adequada", iria aca-bar por se desenvolver enquanto oposiçãoface ao "verdadeiro conceito de espírito". Ocolapso do clássico, ou a "desagregação doideal", acabará por residir nesta oposição etraduzir-se-á numa cisão definitiva. De umlado deste divórcio surgirá o ideal subjec-tivo e, do outro lado, o ideal da manifesta-ção exterior; ou seja, - "assim adquire o es-pírito a consciência de ter em si mesmo oseu ’outro’, a sua existência enquanto espí-rito e de gozar a sua infinitude e a sua liber-dade"(ibid.:169).

O princípio em que se irá fundar aterceira fase da grande tarefa humana -a fase romântica - alicerça-se justamenteno âmago desta cisão, onde se descobreo novo horizonte do sujeito autónomo eemergente, assim como "a objectividadeque até então tinha sido"apenas procurada"no mundo sensível". Este duplo lance,que consubstancia a "elevação do espí-rito para si mesmo"consubstancia tambémo próprio "princípio fundamental da arteromântica"(ibid.:169-170).

A inferência mais importante desteorientar-se histórico do espírito para aperfeição culmina no facto de a beleza,enquanto expressão mais adequada doconteúdo clássico, deixar, agora, na faseromântica, de ser o "fim surpremo"da de-manda artística. Como Hegel diz, - "na faseromântica, o espírito sabe que a sua verdadenão consiste em mergulhar no corpóreo",encontrando a sua verdade apenas "quandose retira do que é exterior para regressar asi mesmo". De facto, este parâmetro fixoda idealidade clássica, a beleza, passa agoraa mero atributo secundário. No entanto, éenquanto refluir para a interioridade que abeleza se agiganta e persiste como uma espé-

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cie de elemento decisivo "da subjectividadeinfinita e espiritual em si mesma"(ibid.:170).

No projecto de Hegel, a arte, efémera masdoada ao absoluto, deve "instalar-se no in-finito"e o espírito que ela persegue deverá"erguer-se no sentido do Absoluto, acimada personalidade formal e finita"(ibid.:171).O tema da consciência da infelicidade - nofundo, aquilo que jamais a experiência, porsi, poderá traduzir - advém deste aparenteparadoxo, entre a transitoriedade vivida eperfectibilidade augurada. T.Adorno referiu,a este propósito, que o "sofrimento, reduzidoao seu conceito, permanece mudo"e, por issomesmo, a posição hegeliana acabaria por serde triunfo, em "oposição contra a sua própriacondenação da arte"(1993:30). Como que,disputando a eternidade, a arte (e a sua crí-tica) começa agora a exceder-se e a reque-rer tentações de impertinência de sentido, dedeterminação autotélica, de oculta expressãoprogressiva.

Shelley, na defesa da sua dama maior, apoesia, já o havia avisado:

A poesia imortaliza, assim,tudo quanto há de mais belo e demelhor no mundo; detém as fuga-zes aparições que assombram osinterlúdios da vida e, velando-as,quer com palavras quer com for-mas, envia-as à humanidade, por-tadoras de doces novas de ale-gria afim, àqueles com quem assuas irmãs moram - moram por-que a expressão não transita dascavernas do espírito que elas ha-bitam para o universo das coi-sas. A poesia redime da corrup-ção as visitações da divindade no

homemP.Shelley, Defesa da poe-sia,1986:77 (cf.n.103)

5 Heidegger e a obra de arte que,por si, se abre e desoculta

Em A origem da obra da arte10, Heidegger,no primeiro parágrafo, começa por definir:"Ao que uma coisa é como é chamamos es-sência". De acordo com essa noção, a ori-gem terá como significado "aquilo a partir doqual e através do qual uma coisa é o que é".O "como é"da essência de uma coisa passaa ter, deste modo, a sua origem naquilo deonde a coisa viria a ser "o que é", ou seja,voltando a citar: "a origem de algo é a pro-veniência da sua essência".

No entanto, a coisa que é obra de arte nãoé definível, nem pela "soma de atributos"quea definiriam enquanto tal; nem pela simples"dedução de princípios"que a legitimassemcomo arte. Segundo Heidegger, há que "cir-cular na coisa que é obra de arte"para en-tender esse facto aparentemente oculto. Em-bora não da forma como Hegel se referiu aooutro que a sua fase romântica teria desve-lado, ao instituir-se, também em Heideggerse afere existir na coisa que é arte "um ou-tro", acabando esse outro por constituir "o ar-tístico". Na senda de investigar sobre a natu-reza deste outro, o autor acabará por proporque é no seio do binómio forma-expressão11

("matéria", no texto de Heidegger) que deve

10M.Heideger, A origem da obra de arte, Edições70, Lisboa,1991.

11Por uma questão de consistência, utilizamos otermo ’expressão’ em vez de matéria, para traduzir,segundo a proposta de L.Hjelmeslev, ou a materialia-dade sígnica (forma de expressão), ou a materialidadesubstancial (substância de expressão), ou a materiali-dade total (continuum de expressão).

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enquadrar-se toda a reflexão "sobre a estéticae teoria da arte".

De facto, é este binómio forma-expressão- ou a própria amálgama de que são feitose significados os objectos - que acaba por"determinar"o ser da coisa (nuvem, pedra ouapetrecho, se entendido enquanto artefactofabricado pelo homem), para além de consti-tuir a base da "constituição do ente"(no caso,da coisa que é artefacto), para o qual o ho-mem contribuiu no modo como o mesmo"veio ao ser"(na medida em que o fabri-cou). A ideia de criação reside, para qual-quer objecto, mesmo não artístico, nesta con-tribuição humana de "trazer ao ser"; ou seja,no processo em que acontece o fabrico deum artefacto, visto no seu lado instrumental(cesto, mesa, candeeiro, etc.).

No entanto, a concepção de criação éacompanhada, no ocidente, de cenografiashistóricas mais complicadas, já que, pelomenos desde o "Tomismo", que se "funda"na"fé", tendo em conta que o "ens creadum"éaí pensado "a partir da unidade-matériaforma"(ibid.:22). Esta subsistência profundaconduz ao facto, segundo Heidegger, de noslimitarmos a chamar "às coisas propriamenteditas meras coisas"(um mero cesto, umamera mesa, um mero candeeiro-ibid.:22), oque, por sua vez, comprova que o ocidente selimitou a pensar, "até aqui, no ser do ente",- e não no ente, ele mesmo (a mera coisa).Para ilustrar este facto óbvio, o autor apre-senta o exemplo dos sapatos da camponesaque vivem com ela, que se calçam nela e queestão, nesse acto quotidiano, no ’aí’ da suafunção concreta, ou uso, ou instrumentali-dade tácita (ibid.:23-4).

No entanto, se, de repente, esses mes-mos sapatos (meras coisas) surgirem evoca-dos numa tela de Van Gogh e, portanto, sur-

girem radicalmente suspensos da sua instru-mentalidade, uso e função - logo, nesse pre-ciso momento de desnudação, como que serepõe, "no indefinido", o ser do que eram, atéentão, esses meros sapatos. A essência, ou "oser como é"dos sapatos, recoloca-se, emergee transforma-se, assim, subitamente, naquiloque é. Nesta medida, a representação dossapatos, no óleo de Van Gogh, "constitui aabertura do que o apetrecho, o par de sapa-tos da camponesa, na verdade é"(ibid.:27);ou melhor: "na obra, não é da reprodução doente singular que cada vez está aí presente,que se trata, mas sim da reprodução da es-sência geral das coisas"(ibid.:28).

Quer isto dizer que o puro despertar daessência das coisas (diga-se, a designaçãodo que uma coisa é como é) traduz a na-tureza do outro que, ao fim e ao cabo, fazda ’mera coisa’ uma ’coisa de arte’. Nesteordem de ideias, como acrescenta Heideg-ger mais à frente no seu ensaio, a "ver-dade"que acontece na obra, quando esse ou-tro que nela está se desoculta, torna-se "in-temporal e supranatural"(ibid.:29). Um se-gundo exemplo, o do templo grego, váriasvezes evocado na Introdução à metafísica,surge, depois, neste mesmo quadro, para de-monstrar como é que o outro das coisas dearte se funda nesta ocultação fundamentalque é a aparição da essência da coisa. O au-tor refere que "o templo grego", no seu sítio,"não imita nada", ao contrário das superfí-cies indexicais-icónicas de Van Gogh. Con-tudo, o edifício encerra a "clara forma dodeus e nesta ocultação (verbergung) deixa-a assomar através do pórtico para o recintosagrado. Graças ao templo, o deus advémno templo"(ibid.:32). Este advento de deus"é em si mesmo o estender-se e o demarcar-se (die Ausbreitung und Ausgrenzung) do re-

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cinto como sagrado."(...)"A obra que é tem-plo, ali de pé, abre um mundo e ao mesmotempo repõe-no sobre a terra"(ibid.:32-33).

O mundo que, neste caso, se abre é tal equal como o mundo que a camponesa detém,na medida em que as coisas - os entes; os sa-patos - que com ela aí convivem também sepoderão vir a abrir da mesma maneira (parase transformarem no que ’são’). A desocul-tação das coisas é, pois, tarefa do próprioser, ou seja, no caso da obra de arte, o "ser-criado da obra"é o ser "estabelecido da ver-dade na forma", o que, por sua vez, se traduzno combate ("rasgão") entre a ’expressão’ eo vir a ser da ’forma’ (e aquilo que estatuia forma/"ge-stell"), - no que Heidegger de-signa por "juntura de traçado e risco funda-mental, de diâmetro e e contorno"(ibid.:51).

Isto significa, por outras palavras, que éna luta com os materiais (no combate; ou noringue da ’formatividade’ como dirá, maistarde, L. Pareyson) que o ente (a coisa) acabapor ocupar, autonomamente, por si mesmo,"o aberto da verdade", desocultando-se,mostrando o seu outro e criando um mundo.A obra de arte significará, deste modo, a suaprópria realidade e, enquanto pura expres-são, desocultar-se-á por si própria. Por ou-tras palavras: é a própria obra de arte queimpõe e ostenta, ela mesma, o outro, o quejá não sucede com todas as outras ’meras’coisas quotidianas, embora, como se viu, de-vido a uma simples aparência que apenas ar-reigadas tradições ocidentais explicam.

Seja como for, para Heidegger, a arte pro-cede do ente que, como ente, por si, se abre;ou melhor ainda, - "a arte, enquanto o pôr-em-obra-da-verdade12, é Poesia"(ibid.:60).

12Sobre a verdade que estatui o "estabeleci-mento"da forma, no "combate", convém verifi-

6 A disenção do sentido

Uma coisa é fixar o que é a práxis da artee, nesse discurso, ou seja, na hermenêuticaentre a actividade crítica e o ’fazer-criado’,saber delimitar a actividade (é o que se re-flecte nas teorias até aqui veiculadas). Noentanto, outra coisa é entender o fluido ou atorrente da própria actividade, no momentoem que esta inunda já os vales e os obser-vatórios do seu ’escrever-se’ e ’propagar-se’na modernidade. A sucessão das vanguar-das, ligada à desintegração das linhas de sen-tido (ou traçados de objectividade empírica)e, portanto, ligada também às rupturas for-mais e performativas, deixará, de facto, emcerto momento da modernidade, de depen-der de uma estreita codificação, socialmenteprescrita e redutoramente analisável. Su-bitamente, a nova actividade, distanciando-se de si, da tradição, da sua própria ori-gem e pondo em causa essa "proveniência dasua essência"(M.Heidegger,1977:11), passaa traduzir, ou clivagens de intimidade, ouclivagens manifestatárias de grupo (baseadas

car como, no Ser e Tempo, ela é relacionada,não entre’ meros’ entes, mas sim com a desco-berta/pesquisa/demanda, sob o modo de "ser des-cobridor"versus "ser verdadeiro", relação apenas ac-tualizável enquanto o ser-no-mundo: "A verdadenão possui"(...)"a estrutura de uma concordânciaentre o conhecimento e objecto, no sentido deuma adequação entre um ente (sujeito) e um ou-tro ente (objecto)"(1997-I:286-7/&44)."Ser verda-deito enquanto ser descobridor é um modo de serdo dasein (pre-sença na tradução utilizada). "O quepossibilita este descobrir em si mesmo deve ser ne-cessariamente considerado ’ verdadeiro’ "(ibid.:288)."Enquanto ser descobridor, o ser-verdadeiro só é,pois, ontologicamente possível com base no ser-no-mundo"(ibid.:287);"ser-no-mundo, no sentido de li-dar familiarmente na ocupação com os entes que vêmao encontro dentro do mundo".

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na recusa, no enaltecimento do absurdo, ouda máquina-raínha e ainda, por fim, no pra-ticar da abstracção, da dissonância e até doculto pela desmitificação do novo culto docorte moderno). Esta novíssima moderni-dade estala, singra e emerge, com uma re-beldia ímpar, antes e logo após a PrimeriaGrande Guerra Mundial.

Enquanto única actividade vinculada aoagir íntimo do sujeito, numa cultura progres-sivamente massificada e desligada já da "se-renidade"13 pré-moderna, a arte redescobre-se neste exceder-se em dois grandes cam-pos essenciais. De um lado, a arte for-mativa, tentando harmonizar as suas figurascom os espelhos sociais da industrializaçãodo mundo (o stijl, o concretismo, o cons-trutivismo, etc), ou, através do fauvismo, docubismo e do abstraccionismo, tentando so-brepor a sua própria morfologia plástica àradicalidade dos expressionismos. Do ou-

13J.Júlio Lopes refere, a par da prática tea-tral, por exemplo de Shakespeare, uma atitude "a-histórica"que igualmente conflui em Bach e que setraduz do seguinte modo- "Algumas das suas obraseram compostas para ocasiões determinadas, passa-das as quais pouco mais vezes voltavam a ser ouvidas.Esta atitude em relação à sua própria produção artís-tica, representa aquilo a que aqui chamaremos sere-nidade"(1986:7). Quer isto dizer que a marca do su-jeito pré-moderno se enquadra num tempo de quaseosmse divina, sem a necessária presença de uma sin-gularidade específica que fosse, no quadro de umaprimeira pessoa, a sua. Esta "serenidade", avessaà reprografia formal moderna, terá apenas reencon-trado num certo experimentalismo performativo al-gum eco de aparente mimetismo com as vanguardasartísticas. Contudo, a sua essência pertence antes àgénese e à prática de uma teosemiose anterior mesmoà ideia de criatividade moderna, enquanto um "trazerao ser"do "ens creadum", a partir da unidade hjelmsle-viana substância-forma capaz de projectar o sujeito nademanda de conteúdos autotélicos e residuais (dentrodo que definiremos por "desconotação"em 2.4.g).

tro lado, a arte da negatividade, crítica e ca-tárquica, - capaz de reunir os elos dadaísta,surrealista, informalisma, assim como a va-riada tradição expressionista (poética, pictó-rica e conematográfica). É evidente que estadivisão não se quer - de modo nenhum -estatuída como modelo, até porque há cor-rentes que não se integram ou reduzem aoquadro de uma tal dicotomia (os futurismos,da aeropintura à contra-cultura dos manifes-tos, espalha-se por ambos os campos, acon-tecendo o mesmo, embora por razões sobre-tudo simbólicas, por exemplo, com o infor-malismo matérico de Fautrier).

Esta sangria do corpo moderno, ou estedecantar da physis contemporânea - que seouve em Albenberg e se lê em Breton ouem Pessoa -, mais do que um mero sinaldos tempos considerados sempre-actuais, irátornar-se num epicentro profundo que dá voze cenário à mudez da celeridade sentida e,também, à mutilação sempre pressentida nocoração maquínico (que bate forte) da mo-dernidade. Como Adorno dirá, a arte nãopode nunca deixar de corporizar a nega-ção do mundo presente; entenda-se negaçãocomo o corte que ela já é, não proque re-flicta necessariamente o tecido social ondeemerge, mas porque esse é o seu desígniopróprio, ou seja, o desígnio de uma disençãodo sentido.

A questão que, neste momento se pode pôré a seguinte: Se a arte vive desse desígniode quase não-ser, por que é que ela se terátornado, no seio das comunidades, num dosmais obsessivos factores de repulsa/atracçãoda modernidade? Utilizada (atacada ou de-fendida) pelas correntes políticas mais di-versas; difundida nos aerópagos de classe-contra-classe; associada com a épica mo-derna das ’grandes-guerras’ e das ’massas’;

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iconizada enquanto ’progresso’, ’libertação’,’rebelião’, ’máquina’, entre outras etique-tas modernas; disputada nas conquistas eenaltecida em manifestos; celebrizada comomarco de décadas e de topografias; enfim,desenterrada como alfa e gama, princípio efim, no horizonte "indefinido"e subrepticia-mente crente do homem moderno, pergunta-se: qual é o desígnio, porventura mais intrín-seco, que fez da arte, na modernidade, umponto de morto de ’tudo ou nada’?

7 A desconotação

Comecemos pelo princípio na nossa expli-cação. No estádio pré-moderno, o imensocenário da natureza e a própria sintaxe doacontecer no tempo era discurso de Deus;por outro lado, o Livro sagrado era a partedesse mesmo discurso sob a forma de le-tra e directa revelação, de acordo comas capacidades comunicacionais humanas.Neste contexto, todas as formas de expressãodo mundo remetiam, inelutavelmente, parauma moldura de conteúdo fundamental que,como vimos, através do exemplo da catedral,assentava, e só, na tanscendência.

A arte e o seu metadiscurso, numa herme-nêutica que depois se propaga ao exceder-sedas vanguardas, despontam, no alvor da mo-dernidade, enquanto formas expressivas ele-mentares sobre as quais se lucubra e discorre(fundamentalmente a partir do ’belo’, depoisdo ’espírito’; depois, ainda, a partir do ’intra-duzível’ e do ’caótico-desintegrado). Nestesurgir de uma nova actividade, entre muitasoutras, a arte e o seu metadiscurso delimi-tarão a sua existência visível e a sua práxisatravés da evidência destas formas expres-sivas, ou seja, do mostrar tangível dos su-portes, pintados ou esculpidos; das aventuras

sonoras, poéticas ou musicais; ou dos luga-res, teatralizados ou performativos, projecta-dos etc.

No entanto, estas novas formas de ex-pressão, de algum modo, suspendiam ou si-mulavam o que de facto eram, por trás doseu "mero"encantamento imediato e visível,- através da ocultação/ desocultação de umoutro que no seu interior se albergaria. A in-terrogação que se terá colocado - pelo me-nos numa certa juventude da modernidade- foi a de saber qual a natureza deste outroque tornava uma superfície pintada (parede,tela, papel, amianto, metal ou madeira) emarte, ou em não não-arte. A ideia que nosencaminha hoje para o entendimento da arte,enquanto realidade moderna e nascente, faz-nos sobretudo pensar numa espécie do ’re-verso da conotação’ (chamemos-lhe mesmodesconotação).

Isto significa que é possível interpretaras novas formas expressão artísticas comoherdeiras do que, no antigo estádio pré-moderno, haviam sido as formas de conteúdoe expressão dominantes. Segundo esta li-nha interpretativa, estas últimas teriam do-ado à nova arte, respectivamente, ou algu-mas materialidades que já se manufactura-vam ainda sem o julgamento de um meta-discurso estético (pintura, escultura, algumaarquitectura, música, etc); ou, as imateriali-dades transcendentes que se assim se teriamtransferido da teosemiose para atributo in-trínseco da nova actividade. Por outras pala-vras, as formas expressivas da nova arte ha-viam, deste modo, recebido no seu seio, nasua constituição originária, quer as formas deexpressão pré-modernas que lhe conferiama visibilidade tradicional (dispositio materialde palavras, cores, sons, etc), quer as formasde conteúdo pré-modernas que lhe passavam

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a conferir um halo de transcendência intrín-seca (as mesmas que, anteriormente, eramcomuns a tudo no mundo e que, agora, nodespontar moderno, passavam a ser apenasatributo ou essência da nova actividade artís-tica)

Porque nos referimos, então, a ’reverso daconotação’ (chamemos-lhe, mais uma vez,desconotação), neste processo? Diga-se quea explicação é simples, porque é, também,basicamente simétrica. Isto é, se a conota-ção é a passagem de um signo a um outro,através da transposição de uma forma de ex-pressão do primeiro signo a uma dupla for-mal de expressão e de conteúdo do segundosigno, neste nosso caso, o processo é inverso,já que é uma nova forma expressiva (a novaforma de expressão artística) que é subita-mente modalizada ou constituída, através dolegado de uma prévia dupla formal de con-teúdo e expressão (pré-modernas).

O outro heideggeriano, o intraductível, ouo mistério que se desoculta como um bri-lho inefável na obra de arte moderna residi-ria, portanto, nesse conteúdo intrínseco (re-cebido da teosemiose) e que a própria ex-pressão, por si, exalaria ou libertaria a cadamomento. No entanto, a obra de arte, paraalém de conter, em si, este resíduo modali-zado de conteúdo, procedente de uma trans-cendência que já fora, não deixa, por ou-tro lado, a partir do uso interpretativo diário(no confronto com a sua exterioridade), decriar, igualmente, a sua realidade própria, au-tónoma e autotélica, o que implica, ao fim eao cabo, a presença de um segundo conteúdoque ela - a obra de arte - semioticamente co-nota.

Neste sentido, a obra de arte torna-senuma forma de expressão que conota semi-oticamente conteúdos variados (como tudo

na vida), mas por outro lado contém, na suamais recôndita subliminaridade, o halo deuma transcendência que é o seu conteúdo ou-tro - não localizável, intransitivo e ocultável-, a não ser através do que a experiência nãopode exprimir. Fruto de uma expressão comconteúdos pares - um intrínseco, outro se-miótico - o signo estético seria, neste arru-mar conclusivo, como a própria definição ni-etzscheana de verdade - "Truths are illusionswhich we have forgotten are illusions; theyare metaphors that have"(...)"been drained ofsensuous force"14; isto é, existem ilusões,ou nostalgias perdidas, que perduram nestesobjectos de arte, do mesmo modo que, ne-les, sobretudo a partir de metáforas, se pode(sempre) gerar a corrente normal de interpre-tação.

*

Esta notação de duplos conteúdos - quepasso a traduzir através do substantivo des-conotação - é patente, de modo latente e en-quanto tentação, nos autores por que passá-mos revista mais acima, e não só. Em Kantestes duplos conteúdos ressaltam a partir dasinstâncias que os podem produzir, ou seja, -o lugar da ’imanência desinteressada’ e, poroutro lado, a ’pressuposição’ de uma comu-nhão com o julgamento dos outros. Em He-gel, esse desdobrar é visível com o adventoda fase romântica, no momento em que, se-gundo o autor, por um lado, a beleza refluipara a "interioridade"e aspira ao absoluto e,por outro lado, no momento em que surgea "objectividade"que, até então, "tinha sidoapenas procurada no mundo sensível". EmHeidegger este desdobrar liga, por um lado,

14On truth and lies in a Nonmoral Sense in Art andInterpretation, E.Dayton,Toronto,1998:119

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o outro que gera os efeitos de conteúdo quepermitem reconhecer o artístico e, por outrolado, a interpretação da "mera coisa", justi-ficada pelo autor, como procedendo de umlimite civilizacional ocidental que confina opensamento apenas ao "ser do ente".

Para Shelley, por sua vez, como afirma- "o poeta participa do eterno, do infi-nito e do uno; não existem, pois, tempo,lugar e número que determinem as suasconcepções"; por outro lado, noutro nívelde conteúdo, continua o poeta, - "as for-mas gramaticais, que exprimem modos detempo"(...)"são convertíveis à surprema po-esia"15. Entre o divino explícito e auguradoe, por outro lado, a interpretação poético-retórica, o desdobrar de conteúdos continua,também aqui, a reiterar-se. Em Ortega e Gas-set parece-se igualmente descobrir o con-teúdo intrínseco da nova obra de arte, quandoo autor comenta o conceito de Einfuhlung,ou "simpatia", de Teodoro Lipps: "Y aquelloque acaso era un montón inerte de pidras,puestas las unas sobre las otras, se levantaante nosotros como dotado de una vitalidpropia"(...)"En realidad somos nosotros mis-mos quienes gozamos de nuestra actividad,de sentirnos poseedores de poderes vitalestriunfantes, pero lo atribuimos al objeto"16;ou seja, mais uma vez, de um lado, surge-nos o labirinto conotativo/ conotativo da cu-riosidade interpretativa, sobretudo diante do"montón de piedras"nu e cru; no entanto, dooutro lado, emerge o reconhecimento quase

15"A razão está para a imaginação como o ins-trumento para o agente, ocorpo para o espírito, asombra para a substância", P.Shelley, Defesa da po-esia,Guimarães editores, Lisboa,1986:37-8.

16J.O.Y Gasset, La desumanización del arte yotors ensayos de estética, Editorial Optima, Barce-lona,1987:112.

expressionista de se ter escavado, ou pros-pectado, um outro conteúdo, cuja génese éda maior intimidade e anterioridade huma-nas. W.Benjamim (1992:84), embora numcontexto em que não refere o factor pré-após(início da) modernidade, insistiu nesta du-plicidade, sem, contudo, a mencionar taci-tamente enquanto tal: "a recepção da arteverifica-se com diversas tónicas, das quaisse destacam duas. Uma assenta no valor deculto, a outra no valor de exposição da obrade arte".

Com efeito, este desdobrar dos conteú-dos da arte (tensionalmente geradores docaos dos sentidos) acabaria por ressacrali-zar uma época em que o sujeito se sentiacom evidente carência de ser. Este proce-dimento, modalizado e lento, levou a arte atransformar-se na nova intimidade, onde soa,na surdina da denegação, essa luta nietzsche-ana entre Apolo e Dionísio que as antigas ca-tedrais escondiam por trás de uma desocul-tada completude milenária.

Talvez por isso mesmo, na actualidade, avida tenda, cada vez mais, a esteticizar-seno seu todo. De repente, sintomaticamente,o mundo logotécnico parece querer inclinar-se, em estado de perfeita simulação, para umnovo céu sem forma, como se fosse, todoele, uma catedral; como se voltasse a que-rer ser a obra. A única. Votada e voltadapara o novo Deus; esse inomeável, cuja in-visibilidade residiria, em última análise, nasúmula contemporânea dos produtos imate-riais da instantaneidade.

8 Bibliografia

Abbgnano, N.,História da Filosofia (vol.VII), 1994, P resença, Lisboa

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