A Estrutura Do Mercado de Trabalho Médico - Machado

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    MACHADO, MH., coord. Os mdicos no Brasil: um retrato da realidade. [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1997. 244 p. ISBN: 85-85471-05-0. Available from SciELO Books .

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    A estrutura do mercado de trabalho mdico

    Maria Helena Machado (coord.)

  • A ESTRUTURA DO MERCADO DE TRABALHO MDICO

    O TRABALHO NO CONTEXTO ATUAL

    A revoluo tecnolgica nas diversas reas das cincias, a globalizao da economia e as grandes mudanas sociais, econmicas e polticas que esto ocorren-do em todos os pases tm levado a uma reconfigurao do mundo do trabalho, afe-tando diretamente o comportamento dos trabalhadores. O mercado de trabalho, por sua vez, tem experimentado mudanas profundas, sofrendo crises de oferta e demanda, desemprego, necessidade forada de reduo de jornada de trabalho, greves. O mercado de trabalho, seja do setor primrio, seja do secundrio ou terci rio, tem buscado responder a essa nova ordem de questes globalizantes que afe-tam indistintamente os trabalhadores. Relatrio divulgado pela Organizao Interna-cional do Trabalho (OIT) sobre emprego no mundo traz um alerta quanto a esta si-tuao tanto nos pases pobres quanto ricos. Segundo esse relatrio, existem atual-mente quase um bilho de desempregados e subempregados, isto , 30% da fora de trabalho, sendo que, destes, 34 milhes esto localizados em pases ricos.1

    Em nosso entendimento, essa nova ordem de problemas transformou-se numa questo fundamental para melhor entender a dinmica do mercado de traba-lho. Na perspectiva do emprego, observa-se atualmente o contrrio do que ocorria em outros ciclos econmicos: o desemprego surge como reflexo da reestruturao produtiva, uma vez que os investimentos se deslocam, de setores intensivos em ca-pital e mo-de-obra, para os ramos produtivos mais modernos, que passam a utilizar

    1 No caso dos EUA, havia 5,8% desempregados e, desde 1970, o salrio pago ao trabalhador urbano vem sendo reduzido sistematicamente ("Um bilho de desempregados". Veja. 14/06/95). Segundo relatrio da OIT, o desemprego ameaa os grandes centros urbanos e poder resultar em problemas sociais agudos e de difcil controle, como uma onda de violncia generalizada ("Desemprego ameaa cidades, adverte OIT" . O Estado de So Paulo, 29/05/96).

  • largamente tecnologia avanada (mquinas e equipamentos), bem como se intensifi-cam a gesto e o controle dentro das fbricas.2

    O desemprego estrutural, uma vez que no h mais demanda por uma massa de trabalhadores semiqualificados, que perderam seus postos de trabalho devido adoo de novas tecnologias na produo. (Souza, 1997:41) Stotz & Giovanella (1996:125) mostram que o ndice de desemprego nos pa-

    ses desenvolvidos tem crescido: na Alemanha, por exemplo, esse ndice, em 1996, era de 9,0%; na Frana, de 11,6%; na Itlia, de 12,4%, e na Espanha, 22,6%.

    No Brasil, a situao no diferente, de acordo com dados do Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatstica (IBGE): o desemprego passou de 3,4% em 1994 para 4,4% em 1995, acompanhado de uma reduo generalizada de salrios, demons-trando, assim, clara deteriorao das condies de trabalho e vida da maioria da po-pulao brasileira. A ampliao das atividades modernas, somada diversificao de vnculos informais de trabalho, fez do setor tercirio o grande responsvel pelo 'cres-cimento' de empregos, agregando mais da metade (55,2%) do total de pessoas ocu-padas, includas a as vinculadas assistncia sade. No entanto, a gerao insufi-ciente de empregos coloca-se, mais do que nunca, como um dos principais proble-mas a serem enfrentados. Profissionais de diferentes reas esto experimentando co tidianamente o fato de que suas habilidades pessoais no garantem mais a manuten-o do emprego.

    Berger & Offe (1989), por exemplo, destacam diversas ordens de problemas que consideram fundamentais para entender a nova dinmica do mercado de traba-lho no contexto da globalizao. A primeira delas refere-se capacidade de compe-tio internacional das chamadas high income economies, que combinam altos sal-rios com programas sociais e controle sindical das condies de trabalho. A segunda refere-se a uma certa saturao do mercado interno de produtos de consumo dur-veis (automveis, aparelhos domsticos, rdios, televisores). Uma terceira ordem de problemas o da oferta de mo-de-obra jovem. Por fim, uma quarta ordem est as-sociada oferta e demanda de fora de trabalho: oferta pessoal e temporal de tra-balho, produtividade e demanda de bens.

    A ESTRUTURA DO MERCADO DE SERVIOS MDICOS

    De modo geral, ao abordar questes referentes s atividades do setor de ser-vios, recorremos correta conceituao funcional adotada por Berger & Offe (1991 ) , 3 que considera esse setor como aquele que se insere num processo global

    2 Sobre este assunto, ver o recente artigo de S T O T Z & G I O V A N E L L A ( 1 9 9 6 : 1 2 3 - 1 2 6 ) . 3 A definio de B E R G E R & O F F E sobre mercado de servios divide o setor em trs segmentos: a) servios

    comerciais; b) servios internos organizao e c) servios pblicos e estatais. Para uma anlise mais detalhada, consultar: B E R G E R & O F F E ( 1 9 9 1 ) , que descrevem o mercado de servios, especificando cada subsegmento.

  • de reproduo de uma estrutura social - ou seja, a satisfao social e as con-dies fsicas de sobrevivncia - por meio da produo em si e das atividades que servem manuteno e modificao das formas de preenchimento dessa fora.

    Esses servios prestados compreendem o oferecimento de servios de manu-teno das condies fsicas da vida social, dos sistemas de normas culturais e legais, a transmisso e o desenvolvimento de acervo de conhecimento de uma sociedade, seus sistemas de informao e circulao. A educao, a segurana pblica, os servi-os de bens de consumo sociais (comrcio, lazer, cultura, esporte etc.), servios ad-ministrativos da burocracia estatal, bem como a sade, so atividades que, na opi-nio de Offe, exercem "funes de proteo e resguardo". Portanto, so servios entendidos como 'metatrabalho' ou trabalho reflexivo. Enfim, tm eles a funo, in-clusive, de dar condies necessrias para que os membros da sociedade possam atuar como tais. Educao e segurana da mo-de-obra operria, lazer e cultura so alguns exemplos.

    O mercado de servios em sade faz parte dessa modalidade de prestao de bens de manuteno social a que nos referimos. De especial valor para a sociedade so os servios mdicos, que, por essa razo, requerem proteo, ateno e controle do Estado. So estabelecidas regras e sancionadas leis protecionistas com vistas ao resguardo desses servios, para que eles sejam prestados por profissionais reconheci-damente aptos tcnica e legalmente.

    Como dissemos no captulo 1, a constituio do mercado de trabalho uma das bases fundantes do projeto profissional da medicina, e no foi por acaso que a corporao mdica conseguiu construir, ao longo da histria, um complexo e exclu-sivo mercado de servios mdicos com forte credibilidade social. Seu trabalho se in-sere numa estrutura organizacional de grande complexidade e exige, por sua nature-za, que outros profissionais - de nveis de complexidade diferenciada - trabalhem em cooperao com sua atividade principal. Os mdicos-cirurgies so bons exem-plos dessa exigncia de um aparato organizacional que se estrutura a partir de sua atividade. Freqentemente, hospitais, ambulatrios, postos de sade e prontos-so corros funcionam tendo o mdico como centro de atividades.

    No captulo 1, tratamos tambm do processo de institucionalizao e, conse-qentemente, da racionalizao e burocratizao que o setor sade vem experi-mentando. No meio de todas essas transformaes, a medicina tambm passa por mudanas. Com os custos do ato mdico cada vez mais caros (fruto da revoluo tecnolgica) e amparado por tecnologia complexa e forte esquema organizacio-nal, buscando 'racionalizar' freqentemente suas aes - equacionando custo-bene fcio - , o trabalho mdico tem se tornado uma atividade desenvolvida cada vez mais em espaos institucionais. A institucionalizao do trabalho mdico uma realidade que se afirma, levando-o, assim, a redefinir seu espao de trabalho, suas atividades e, conseqentemente, sua clientela, inclusive aquela que freqenta seu consultrio.

  • Ao traar a trajetria da evoluo do sistema de sade brasileiro, percebemos esse processo de institucionalizao dos servios de sade, em particular dos servi-os mdicos.

    Especialmente a partir da dcada de 80, diversos estudiosos - dentre eles, Donnangelo & Pereira (1976); Cordeiro (1984); Luz (1984); Melo (1984); Teixeira & Oliveira (1984); Costa (1985); Labra (1985); Singer, Cam-pos & Oliveira (1988) e Moyss (1986) - se dedicaram a esclarecer como se deu e consolidou o sistema de sade brasileiro. Teramos muito o que discutir e analisar sobre a evoluo desse setor no Pas e a conformao do Sistema nico de Sade (SUS). A literatura sobre o tema vasta e competente e, para no sermos repetitivos, vamos nos ater ao momento atual, aos aspectos refe-rentes ao mundo do trabalho mdico e sua insero na estrutura do mercado de trabalho em sade.

    O setor de sade no Brasil est estruturado com uma rede de quase cinqen-ta mil estabelecimentos de sade com mais de quinhentos mil leitos e absorve em torno de dois milhes de trabalhadores. Destes, mais de um milho so profissionais que lidam diretamente com a assistncia mdica, composta por mdicos, odontlo gos, enfermeiros, farmacuticos, atendentes, auxiliares e tcnicos de enfermagem, laboratrio, raios X, entre outros.

    No Brasil, a forma como foi historicamente estruturado o modelo de assis-tncia sade provocou uma efetiva diviso de 'mercados de servios' entre as esferas pblica e privada. Mais especificamente, essa rede de prestao de servi-os est composta de 49.676 estabelecimentos de sade, entre hospitais, postos e centros de sade, prontos-socorros e ambulatrios, sendo que 27.092 estabele-cimentos so pblicos e 22.584 privados (IBGE-AMS, 1992). 4

    Nos perodos de 1980-87 e 1987-92, tanto o setor pblico como o pri-vado experimentaram taxas geomtricas elevadas de crescimento anual (Tabe-la 3.1).

    O comportamento das taxas de crescimento no perodo 87-92 revelou um fato curioso: pela primeira vez na histria recente do setor sade, o Sudeste teve uma maior oferta de servios na esfera privada, e experimentou o maior crescimento com taxas de 12,5% a.a. (Oliveira & Pinto, 1996:21 39).

    4 A Pesquisa de Assistncia Mdico-Sanitria realizada pelo IBGE anualmente e abrange todos os estabelecimentos de sade do Pas, excetuando-se consultrios particulares. Os dados divulgados, embora sejam referentes a 1992, so os nicos disponveis em nvel nacional.

  • As Tabelas 3.2 e 3.3 mostram, de um lado, uma rede ambulatorial predomi-nantemente pblica, constituda de postos, centros de sade e postos de assistncia mdica (PAMs), destinados prestao dos servios em clnicas bsicas. De outro lado, a hegemonia do setor privado, que responde por mais de 70% dos hospitais e por quase 80% de todos os leitos existentes no Pas.

    Analisando-se os dados na perspectiva das polticas pblicas de sade, cons-tata-se a inquestionvel predominncia da esfera privada e o 'encolhimento progres-sivo' do poder pblico na constituio da estrutura hospitalar do sistema de sade brasileiro nessas ltimas dcadas, configurando-se uma dependncia do setor pbli-co em relao ao privado na prestao dessa modalidade de assistncia popula

  • o. Esse encolhimento do setor pblico remete a uma questo sociolgica impor-tante: o 'hospital' como locus tradicionalmente privilegiado de desenvolvimento do trabalho mdico. nele que o mdico realiza a maioria de seus atos fundamentais: atividades tcnico-cirrgicas, acompanhamento e tratamento de pacientes enfermos que necessitam de hospitalizao, realizao de inmeros exames e diagnsticos, entre outros. tambm no ambiente hospitalar que os mdicos trocam experincias clnicas, l que se d a formao dos aprendizes da medicina (mdicos-residentes), a reciclagem dos profissionais em geral, os encontros entre os colegas e os profissio-nais de reas afins, e no ambiente hospitalar que a maioria dos enfermeiros e da equipe de enfermagem desenvolvem suas atividades. Entretanto, a literatura produ-zida na dcada de 80, qual nos referimos anteriormente, mostra que o setor priva-do nunca teve tradio nestes aspectos: formao, troca de experincias clnicas, aprendizagem etc. A literatura revela ainda que o setor pblico tem negligenciado seu papel no s de provedor e produtor de servios mdicos, como tambm de provedor e responsvel pela formao e capacitao de recursos humanos (no cap-tulo 2 abordamos esta questo).

  • Por outro lado, as recentes mudanas scio-econmicas ocorridas no Brasil nesta ltima dcada alteraram de forma marcante a dinmica do mercado de trabalho. O mercado de trabalho em sade, com nfase no setor pblico, representa uma alternati-va importante para a absoro de mo-de-obra excedente de outros setores da econo-mia. Em decorrncia dessa caracterstica, nos perodos recessivos h uma certa 'expan-so', mais caracterizada por um crescimento artificial dos empregos no setor de presta-o de servios, em especial naqueles de baixa complexidade tcnica. Dados do IBGE (1992) mostram que o setor sade no Brasil acusou, no incio da dcada de 90, um vo-lume de empregos da ordem de mais de um milho, o que significou a duplicao de sua capacidade de absoro em apenas uma dcada (Tabela 3.4).

  • Nos anos 80, a partir da crise econmica, ocorreu a expanso de empregos em sade, explicada em parte pela adoo de

    estratgias de crescimento do setor pblico, especialmente no campo das medi-das de sade coletiva e assistncia mdica. Programas como o PIASS5 criaram uma larga rede de servios de sade nos estados do Nordeste. Ao mesmo tem-po, a intensificao dos convnios do Inamps com as redes estaduais e munici-pais favoreceu o crescimento das contrataes para o setor pblico. Os pero-dos das eleies tambm representaram forte incremento no nmero de pes-soas ocupadas nos estabelecimentos pblicos de sade. Assim, entre 1977 e 1984, o nmero de empregos em sade na rede hospitalar e ambulatorial se ex-pande a uma taxa de 7,9% ao ano, justamente quando a crise econmica fazia declinar, em termos absolutos, o nmero de empregos nos setores mais dinmi-cos, como a indstria. (Machado et al., 1992:42)

    Nesse perodo, o emprego em sade cresceu de forma mais acelerada no se-tor pblico (5,6% a.a.) do que no privado (3,8% a.a.). Ocorre, ento, progressiva-mente, a perda relativa da hegemonia do setor privado na oferta e absoro de em-pregos. Como resultado da poltica de fortalecimento da rede pblica - especial-mente da rede ambulatorial - no final dos anos 80 e incio da dcada de 90, consta-ta-se a superao da rede privada como detentora de maior volume de empregos, tornando-se o setor pblico o mais importante empregador. Em 1980, por exemplo, o setor privado respondia por 307.673 empregos, e o setor pblico por 265.956, passando na dcada seguinte para 496.680 e 537.688 empregos, respectivamente (Tabela 3.5).

    5 Programa de Interiorizao das Aes de Sade e Saneamento.

  • A expanso dos empregos pblicos em sade ocorrida nesta ltima dcada implicou uma distribuio melhor destes entre os trs nveis administrativos. Com o processo da municipalizao em curso, verifica-se uma efetiva expanso no s da capacidade instalada (estabelecimentos e leitos), como de empregos municipais, com taxas de crescimento da ordem de 13,9% a.a. (Teixeira et al., 1996:152). A Ta-bela 3.6 mostra que, enquanto os estabelecimentos pblicos federais e estaduais acusaram no perodo 1987-91 um crescimento negativo (-6,3% a.a.), os municipais apresentaram, no mesmo perodo, um crescimento espetacular, da ordem de 15,7% a.a., chegando a 23,2% a.a. na regio Centro-Oeste.

  • O fato de a rede municipal, em 1992, concentrar mais da metade de seus empregos no Sudeste e no Sul (12.577 dos 19.560 empregos) e uma comparao com as taxas de crescimento dessas regies nos perodos de 1980-87 e 1987-92 nos levam a concluir que o processo de municipalizao em curso no Pas, embora len-tamente, tem atingido seus objetivos.

    O Grfico 3.1 elucida o que acabamos de afirmar. As taxas de crescimento dos empregos municipais em todas as regies esto muito acima das verificadas nos empregos estaduais e federais. Merecem especial ateno as taxas de crescimento de empregos municipais apresentadas pelas regies Norte, Sul e Centro-Oeste -19,2% a.a., 18,2% a.a. e 16,6% a.a., respectivamente.

    Os empregos da rede estadual tambm se mantiveram em crescimento em to-das as regies, embora em nvel inferior ao apresentado pela rede municipal. Com ta-xas de 5,6% a.a. para o Brasil, os empregos estaduais se destacam nas regies Norte e Nordeste, com crescimento da ordem de 9,6% a.a. e 7,7% a.a., respectivamente.

    Em situao oposta, mas coerente com a poltica de descentralizao adotada no SUS, a rede federal vem acusando uma visvel desacelerao de sua capacidade

  • de gerar empregos. Os dados mostram que, no mesmo perodo analisado, este setor apresentou taxas negativas (-2,6% a.a.), com maior visibilidade deste fenmeno no Sudeste (-4,7% a.a.), regio de tradicional gerao de empregos federais.

    INSERO INSTITUCIONAL DOS MDICOS: A SITUAO DO MERCADO O mercado de trabalho mdico estruturado tipicamente numa correlao

    equilibrada entre as redes pblica e privada e os tradicionais consultrios particula-res. A pesquisa "Perfil dos Mdicos no Brasil" retratou essa realidade fielmente, mos trando-se coerente com os dados divulgados pelo IBGE, aos quais j nos referimos.

    Esse mercado de servios mdicos apresenta algumas caractersticas que me-recem ateno especial (Quadro 3.1).

    Uma primeira caracterstica a 'homogeneidade' quanto ao comprador ou demandante de servios, ou seja, as esferas pblica e privada e os consultrios parti-culares ofertam servios, mostrando-se de igual importncia para o mercado de tra-balho mdico. A pesquisa revela que 69,7% dos mdicos atuam em estabelecimen-tos pblicos; 59,3% em estabelecimentos privados, e 74,7% mantm atividades em consultrios particulares.

    Outra caracterstica desse mercado o crescente aumento da participao feminina, o que, em futuro prximo, vai implicar mudanas significativas tanto na estrutura da produo dos servios prestados como na conformao do mercado de trabalho mdico especializado.

    Uma terceira caracterstica a constituio etria desse mercado, formado por um enorme contingente de profissionais com menos de 45 anos de idade, ou seja, 65,8% exercem a profisso h menos de 15 anos.

  • A 'urbanizao' outra caracterstica, ou seja, 65,9% dos mdicos esto atuando nas capitais brasileiras, em especial naquelas mais desenvolvidas social e economicamente, reforando em muito a concentrao desigual dos recursos huma-nos em sade. Como veremos mais adiante, a medicina no Brasil vem se tornando uma prtica de grandes centros urbanos, com freqncia realizada por mdicos al-tamente especializados, voltados para uma clientela urbana. A Tabela 1.3 (cap-tulo 1) demonstra esse fenmeno de urbanizao, acompanhado de uma m dis-tribuio demogrfica da mo-de-obra mdica. A relao mdico/1.000 habitan-tes existente no Brasil evidencia essa situao: 3,28 mdicos/habitantes para as capitais e 0,53 mdicos/1.000 habitantes para o interior. Especificamente, obser-va-se que, enquanto a capital do estado de So Paulo tem 3,02 mdicos/1.000 habitantes, a do Rio de Janeiro tem 4,84 e a do Esprito Santo, 6,89; as capitais dos estados do Acre, Roraima, Maranho e Mato Grosso apresentam, respectiva-mente, taxas de 0,78, 0,83, 1,70 e 1,75 mdicos/1.000 habitantes. Estes percen-tuais se mostram ainda mais dspares ao considerarmos as cidades de mdio e grande porte (Campinas, Ribeiro Preto, Juiz de Fora, Campina Grande, Londri-na, entre outras) como plos catalisadores de mo-de-obra mdica. Dados re-centes divulgados pelo IBGE mostram que inmeros municpios brasileiros no possuem sequer um mdico. Para se ter uma idia da magnitude desse proble-ma, vale a pena observar que, dos quase 200 mil mdicos existentes no Pas, em torno de 75% encontram-se nas regies Sudeste e Sul, sendo que quase 50% es-to apenas em dois estados - Rio de Janeiro e So Paulo.

    Os dados da Tabela 3.7 elucidam melhor essa concentrao nas capitais, es tratificada por tipos de estabelecimentos de sade (privado, pblico e consultrio).

    A Tabela 3.8 aponta a existncia de um mercado de trabalho com aproxima-damente 350 mil postos de trabalho (setores pblico e privado) para um contingente de 183.052 mdicos em todo o Pas. Alm disso, como dito acima, mais de 70% desses mdicos tambm exercem atividades em consultrio, o que significa um mer-cado de trabalho de quase 500 mil postos de trabalho, equivalendo a 3 empre-gos/atividades por mdico (Tabela 3.8).

    Com o processo de municipalizao, os empregos da esfera federal, que at a dcada de 80 se mantinham em destaque, vm perdendo sua importncia na composio do mercado de trabalho mdico ao longo desses ltimos anos. Segun-do a pesquisa, nas regies Sul e Sudeste, onde a municipalizao est em processo mais avanado, os empregos pblicos municipais representam 40,2% e 39,9%, res-pectivamente.

    J no setor privado, prevalece ainda, de modo geral, a tradicional par-ceria com o Estado, o que representa 38,8% dos estabelecimentos privados (conveniados com o SUS e/ou I N A M P S ) , sendo que este percentual sobe para 49,3% na regio Nordeste e para 44,8% no Sul. Por outro lado, destaca-se a participao da medicina de grupo, especialmente na regio Sudeste, com 12,4% (Tabela 3.8).

  • A atividade em instituies hospitalares uma das caractersticas do trabalho mdico. O hospital se destaca como lugar privilegiado de produo de servios mdicos nas esferas pblica e privada (Tabela 3.9). Tanto no setor pblico (46,9%) como no privado (55,1%), os mdicos encontram nas instituies hospitalares seu maior empregador, situao semelhante em todas as regies do Pas. Um segundo tipo de unidade assistencial a ambulatorial. No caso da rede privada, a polarizao entre servios hospitalares e servios ambulatoriais maior do que a que se apresenta na rede pblica. Enquanto o setor pblico oferece 46,9% de sua assistncia em hospitais e 12,4% em ambulatrios, a rede privada concentra 85,2% de suas atividades nessas duas modalidades assistenciais. Ressalte-se que, nas regies Norte e Centro-Oeste, os hospitais privados absorvem 61,4% e 63,6%, respectivamente, dos empregos mdicos.

  • Tradicionalmente, costuma-se associar a atividade liberal exercida pelo mdi-co sua atuao em consultrio particular. No entanto, as evidncias empricas no nos autorizam a afirmar que o mdico que atua no Brasil hoje desenvolve essa tpica atividade liberal. Como veremos no prximo captulo, a sensvel deteriorao eco-nmica dos 'compradores individuais e por conta prpria' de servios mdicos tem levado muitos profissionais a firmar convnios de diversas modalidades e, at mes-mo, a se associar medicina de grupo, como alternativa para manter seus consult-rios em funcionamento.

    Apenas 36,5% dos mdicos exercem suas atividades em consultrio - aluga-do ou prprio - de forma individual (Tabela 3.10). Isso significa que a maioria abso-luta o faz mediante a diviso dos gastos mensais para a manuteno desse estabele-cimento.6 So significativos os percentuais apresentados para os que exercem essa atividade inseridos em estabelecimentos de sade - comodato em hospitais (6,8%) - , os que cedem parte de sua produo (6%) e os que sublocam horrio (3,8%), to-talizando 16,6%.

    6 De acordo com estudos realizados pela Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas - FIPE, O custo mensal de um consultrio padro no estado de So Paulo de R$ 5.157,62. Para mais detalhes, ver artigo "Uma soluo civilizada". Jornal do Conselho Federal de Medicina, dez.96.