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A estrutura do sentimento e das formações sócio-culturais: O sentido de literatura e de experiência para a sociologia da cultura de Raymond Williams

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A estrutura do sentimento e das formações sócio-culturais: O sentido de literatura e de experiência para a sociologia da cultura de Raymond Williams.

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  • 371Estudos de Sociologia, Araraquara, v.14, n.27, p.371-396, 2009

    A ESTRUTURA DO SENTIMENTO E DAS FORMAES SCIO-CULTURAIS:

    O SENTIDO DE LITERATURA E DE EXPERINCIA PARA A SOCIOLOGIA DA

    CULTURA DE RAYMOND WILLIAMS1

    Paul FILMER2

    Traduo: Leila Curi Rodrigues OLIVI3

    RESUMO: Williams elabora o conceito de estrutura de sentimento de diversas maneiras em vrios trechos importantes de sua obra. Este conceito adquire uma signifi cncia metodolgica especial ao relacionar o extraordinrio da literatura imaginativa ao ordinrio do processo cultural. Ele empregado particularmente para mostrar o sentido de literatura na articulao de alternativas para as vises dominantes de mundo, e, consequentemente, para a poltica da mudana social. As diferentes formulaes do conceito apresentadas por Williams so discutidas atravs da maneira como a experincia refl exiva se relaciona com as estruturas institucionais, com o estruturalismo genrico de Goldmann e com os conceitos de habitus e campo cultural de Bourdieu. Trs tipos de crticas so levados em conta e tm em comum a ideia de que o conceito no claro. Ao ser usado na anlise da literatura e seus smbolos, este conceito pode contribuir para o esclarecimento da complexidade dos processos de comunicao refl exiva da experincia, que esto enraizados na ordem e na mudana social.

    PALAVRAS-CHAVE: Cultura. Experincia. Formao. Ideologia. Literatura. Estrutura.

    1 Artigo originalmente publicado no British Journal of Sociology, Londres, v.54, n.2, p.199-219, jun. 2003. ISSN: 0007-1315 print/1468-4446 online.2 Socilogo ingls. University of London. Departamento de Sociologia do Goldsmiths College. Londres Inglaterra.3 UNESP Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Cincias e Letras. Araraquara SP Brasil. 148000-901 [email protected]

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    Introduo

    As muitas formulaes do conceito de estrutura de sentimento de Raymond Williams indicam que um conceito fundamental em seu trabalho. Ele tem sido, entretanto, considerado problemtico por quem havia tentado us-lo e tambm por quem o rejeitara. Para Prendergast (1995), que considera este conceito fundamental em Williams, ele notrio; Simpson (1995, p.36) acha que este conceito , de uma certa maneira, como [...] aquele famoso e claramente pessoal item do vocabulrio metodolgico..., uma formulao chave.....(com) alguns problemas fundamentais e ambiguidades no resolvidas na .... exposio [...]; da mesma forma, Pickering (1997, p.34) o chama de elusivo por causa do momento inicial do processo cultural para o qual ele procura dar uma formulao geral, e difcil de defi nir por que foi feito do que formalmente indefi nido; Kaplan (1995, p.219) o acha escorregadio, da mesma forma que Tredell (1990, p.31), para quem o conceito um signifi cado mutante; Jameson (1991, p.xix) pensa que o conceito uma forma muito estranha de caracterizar o ps modernismo culturalmente. Na verdade, o prprio Williams (1979, p.162-164) sentia uma necessidade enorme de reformular os limites do prprio sentido, e que, s vezes, o uso, [...] confundia a qualidade da presena, que distingue a estrutura de sentimento de uma doutrina explcita ou codifi cada, com o presente histrico [...] embora ele nunca se referisse a ele com a mesma exasperao que reservava cultura: por muitas vezes, ele desejava nunca ter ouvido falar dessa palavra maldita. (WILLIAMS, 1979, p.154). Apesar de suas prprias difi culdades com a idia, Williams continuou, no entanto, a refi n-la para chegar a um conceito central e carregado de sentido, tendo a arte e a literatura como fontes cruciais para suas anlises das relaes entre as restries estruturais das ordens sociais e as estruturas emergentes das formaes interpessoais, sociais e culturais. Em termos relativos, esse conceito tem sido submetido a discusses e aperfeioamentos por crticos tericos e analistas culturais, em muitos campos epistemolgicos (e.g. COCKS, 1989; MIDDLETON, 1989; JAMESON, 1991; PRENDERGAST, 1995; HIGGINS, 1999) e aplicado anlise de uma variedade de textos culturais e processos sociais. A contnua relevncia do conceito para a sociologia (ELDRIDGE; ELDRIDGE, 1994), para o marxismo (BRENKMAN, 1995) e para os estudos culturais (HALL, 1986; PICKERING, 1997) indicado para a explorao das relaes com o conceito de episteme de Foucalt (SHIACH, 1995, p.58), com o conceito de habitus de Bourdieu (MILNER, 1994, p.66-67), e com os recorrentes debates sobre sua relao com o conceito de hegemonia de Gramsci (OCONNOR, 1989; HOLUB, 1992).

    Defi nir este conceito de uma s vez impossvel, embora fosse apropriado faz-lo agora. Williams sempre invoca esta possibilidade, por mais de trinta anos,

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    colocando-o em uma posio central em seu trabalho que, desde o comeo, pretendia caminhar pelos interstcios entre as epistemologias tradicionais e as disciplinas acadmicas vigentes os nicos espaos apropriados para o carter interdisciplinar sintetizador que Williams procurou encontrar. Em vista de todas essas reformulaes do conceito, em vrios trechos da obra de Williams, neste artigo, vou procurar explic-lo, em vez de defi ni-lo. Vou procurar dar as suas relativas caractersticas e os momentos mais importantes de sua elaborao.

    H duas caractersticas constantes do conceito: em primeiro lugar, sua especifi cidade emprica histrica. A estrutura sempre a do sentimento real, ligado particularidade da experincia coletiva histrica e de seus efeitos reais nos indivduos e nos grupos. Sua qualidade emprica no sempre naturalstica ou sociolgica: tem tudo a ver com a fenomenologia da conscincia intersubjetiva e com os processos interativos estruturais por meio dos quais formado e subsequentemente transformado em estruturas sociais e culturais nascentes e emergentes (SCHUTZ, 1962).

    Em segundo lugar, este conceito est mais acessvel na arte e na literatura de um perodo, embora ele possa ser encontrado tambm em livros de histria social ou de cultura do pensamento, daqueles que nem dominam e nem cujos interesses so satisfeitos primariamente pela ordem social e institucional estabelecida. nesse trabalho que gerado o simbolismo no qual a comunicao humana se coloca como a raiz para todas as culturas e em todos os perodos histricos. A relao entre essas duas caractersticas quer dizer que as estruturas de sentimento so geradas atravs da interao imaginativa e das prticas culturais e sociais de produo e resposta que so, em essncia, prticas sociais de comunicao refl exiva de experincia que esto na raiz da estabilidade e da mudana das sociedades humanas.

    Para identifi car o conceito necessrio que ele seja explicitado agora. A conjuno de estrutura e smbolo que Williams prope nas propriedades interativas estruturais da experincia histrica refl exiva, e cujo sentido expressivo articulado em prticas simblicas imaginativas de arte e pensamento, a base para a teoria geral da prpria sociedade humana. luz dessa necessidade, estranho que alguns crticos tenham sugerido que o conceito seja insatisfatrio ou nebuloso (HALL, 1989; OCONNOR, 1989). Como qualquer conceito formulado para a anlise do fl uxo emergente do processo social, ele precisa ser claro toda vez que introduzido em um discurso crtico e toda vez que aplicado anlise crtica das prticas sociais e culturais empricas e concretas. No entanto, esta caracterstica no o torna insatisfatrio. A fora do conceito se revela pela tenso oximornica de sua formulao na justaposio de estrutura com sentimento. Williams o empregou como um instrumento do mtodo de anlise crtica para traar um caminho atravs das vrias dicotomias redutivas que problematizam os discursos sociolgicos sobre cultura. Este instrumento possibilitou a Williams falar sobre as oposies sem se enredar nelas:

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    teoria e empirismo, materialismo e idealismo, determinismo e autonomia, estrutura e ao, objetivismo e subjetivismo, estruturalismo e culturalismo, cultura popular e de minorias. Isto fez com que ele se distanciasse da tradio marxista que foi, inicialmente, o bero de suas ideias, [...] para tentar, ao trabalhar conjuntamente, desenvolver uma teoria de totalidade social [...] para substituir a frmula de base e superestrutura por uma ideia mais atuante de um campo de foras determinantes mtuas e desiguais. No centro desse projeto estava a sociologia da cultura focada no [...] estudo das relaes entre elementos numa vida plena; [...] modos de estudar a estrutura, trabalhos e perodos em particular, que poderiam fi car em contato e iluminar alguns trabalhos de arte e formas, mas tambm formas e relaes de vida social mais abrangentes. (WILLIAMS, 1980, p.20). Essa ateno aos detalhes das obras de arte em si, tanto quanto s suas relaes refl exivas com os contextos scio-culturais em que so produzidas e respondidas, continuam a ser a caracterstica distintiva da obra de Williams. Assim, o conceito de estruturas do sentimento continua a ser a chave metodolgica mais apropriada para a elucidao crtica das prticas artsticas atravs das quais as obras de arte se relacionam sociologicamente aos processos sociais gerais.

    Formulaes do Conceito

    Ao longo do desenvolvimento da obra de Williams, este conceito tem trs momentos principais e muito importantes: Primeiramente, foram as formulaes iniciais e suas aplicaes prematuras (WILLIAMS; ORROM, 1954; WILLIAMS, 1961) que, embora se sustentassem, davam uma sensao de tentativa e hesitao. Esta qualidade nunca desapareceu de todo, porque ela apropriada ao carter emergente das estruturas de sentimento, e, talvez por ser o nvel preliminar de conscincia que ainda sentimento, Williams desenvolveu o conceito para ser usado. Embora ele misture o uso de sentimento e de experincia em vrias ocasies, e tenha se referido experincia uma vez (WILLIAMS, 1977, p.132) como a melhor e a mais sbia palavra, ele continua com o sentimento, como anotou Miklitsch (1995, p.84), [...] porque este se refere tanto ao carter processual da experincia social quanto conscincia prtica de uma forma atual numa continuidade liberadora e atuante. Em segundo lugar, h um momento onde o refi namento de um conceito fortalecido e esclarecido permite que Williams torne seu projeto, especialmente as partes analticas e literrias de sua obra, diferente do estruturalismo gentico da sociologia da literatura de Goldmann (1980). E, fi nalmente, h o perodo de consolidao e reviso do projeto, particularmente em relao ao conceito de hegemonia de Gramsci.

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    A ideia de estrutura de sentimento aparece logo que suas obras crticas so publicadas (WILLIAMS; ORROM, 1954, p.21-22), quando usada para identifi car [...] o elemento para o qual no h contrapartida externa que permanea quando uma obra de arte analisada na totalidade de um perodo [...] a estrutura do sentimento de um perodo histrico [...] percebida somente atravs da experincia da obra de arte, como um todo. Esta qualidade residual e esttica complementada em sua posterior reformulao do conceito (WILLIAMS, 1961, p.48), por meio de uma forte compreenso de suas caractersticas sociais e histricas. Ele representa

    [...] um sentido particular da vida, uma especial comunho de experincia que raramente precisa de expresso, atravs da qual as caractersticas de nossa vida [...] aconteceram de uma certa maneira, dando a elas uma cor particular e especial, [...] um estilo particular e original, [...] fi rme e forte como uma estrutura sugere e opera nos mais delicados e menos reais momentos de nossa atividade. (WILLIAMS, 1961, p.48).

    Esta aplicao do contexto levantou uma grande discusso (WILLIAMS, 1961) sobre a relao entre as formaes sociais e as estticas literrias na Inglaterra de 1840, e deu o princpio metodolgico que sustentaria as muitas anlises substantivas histrico-empricas das formaes scio-culturais que complementaram o trabalho critico e terico de sua sociologia da cultura posteriormente (WILLIAMS, 1970, 1973, 1980). O conceito central para sua discusso da obra de Lucien Goldmann, em que ela assinalou um rumo muito importante no engajamento refl exivo com seu prprio trabalho, que to caracterstico nas obras de Williams, em relao formulao de uma sociologia de literatura que surge da emergente sociologia da cultura. O termo visto como necessrio, nesta discusso, para esclarecer o arcabouo metodolgico implcito da anlise crtica dos textos literrios, e os processos sociais de sua produo e recepo interpretativa, dos quais dependia muito a obra anterior (WILLIAMS, 1958, 1961, 1966).

    Cada uma dessas novas, distintas e hesitantes formulaes do conceito tentava articular inefveis qualidades da experincia intelectual e prtica que, embora compreendidas corretamente, pareciam fi car alm da expresso e da explicao.H dois sentidos nessa distancia que eram adequados obra de Williams, e cada um deles ligado inevitabilidade da confrontao dos processos das imprevisveis mudanas socioculturais.O primeiro pode ser chamado de alteridade e o segundo de possibilidade. A alteridade uma experincia que desarticulada atravs da excluso a alteridade dos grupos sociais e culturais deslocados pelas distores das estruturas formais de interesse poltico e social e das instituies econmicas dominantes de produo e de troca. Possibilidade o sentido de futuro como a

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    mudana na ordem das relaes sociais existentes. Mudana uma possibilidade por causa da experincia social refl exiva. Os processos que produziram as estruturas distorcidas e constrangedoras do presente so o resultado de atos humanos vividos e que podero assim ser repensados conscientemente para produzir mudanas. Para Williams, as estruturas de sentimento so a evidncia de que essas refl exes esto se encaminhando para a mudana e so a possibilidade de desenvolver condies para a legitimidade e signifi cado das alteridades da ordem estabelecida. O tom hesitante das duas formulaes iniciais do conceito so bem fortes por serem apropriadas inefabilidade experimental da alteridade e da possibilidade s quais se refere.

    A prpria experincia de Williams com a aplicao de seu conceito no decorrer de sua obra fez com que ele o elaborasse mais e o ampliasse. Ele foi capaz de lidar ao mesmo tempo com as perspectivas histricas, analticas e literrias de seu conceito e com seu engajamento com o mtodo sociolgico de anlise literria de Goldmann. Foi exatamente o uso que Goldmann fez do conceito de estrutura que levou Williams a refi nar o termo at que ele se tornasse uma forma preliminar de seu prprio sentido de mtodo de anlise das mudanas nas formas literrias [...] atravs das quais uma experincia pode ser diretamente apreendida com as mudanas no ritmo da vida. (GOLDMANN, 1980, p.27).

    Williams (1980, p.20) resumiu o conceito de estrutura de Goldmann como um termo e um mtodo de conscincia aplicvel na anlise das relaes entre literatura e sociedade tanto pela sociologia como pelos estudos literrios. Para ambas as disciplinas, o conceito pode se tornar possvel, atravs de uma tenso necessria e at contraditria do mtodo, a explicao da [...] relao real [...] na totalidade da conscincia: uma relao que vista e revelada em vez de apreendida e explicada. Isto signifi cava que, em sua obra, Williams [...] tinha que desenvolver a ideia de estrutura de sentimento [...] para indicar certas caractersticas de um grupo de escritores mas tambm dos outros, em uma situao histrica particular. A relao entre os autores e os outros a verdadeira relao.... dentro da totalidade da conscincia que, argumenta Williams, para Goldmann [...] ao mesmo tempo, a conscincia emprica de um grupo social particular e o mundo imaginrio criado pelo autor. Goldmann (1980) defi niu a relao como uma homologia estrutural entre expresses diferentes de uma conscincia coletiva emergente. Como conscincia emprica em potencial, estas expresses eram ideologias nascentes; e como o mundo imaginativo dos escritores e pensadores, elas eram vises de mundo. Esta homologia estrutural entre a contnua experincia refl exiva da vida social e suas formulaes literrias refl exivas era, para Williams (1980, p.23),

    [...] em literatura, o fato social signifi cante. A correspondncia de contedo entre um escritor e seu mundo menos signifi cativa do que essa correspondncia de

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    organizao e estrutura. A relao de contedo pode ser mera refl exo, mas a relao de estrutura, muitas vezes ocorrendo onde no h uma aparente relao de contedo, pode mostrar para ns o principio organizador pelo qual uma viso particular de mundo, e da a coerncia do grupo social que a mantm, opera realmente na conscincia.

    Mas ainda fi ca um problema de coerncia nas formulaes da conscincia estruturada que compem esta homologia: elas dependem, segundo Goldmann, de uma distino entre a conscincia real e a possvel, que esto ambas [...] a alguma distncia das estruturas reais e dos processos da literatura. Em resposta a esta distncia que Williams (1980, p.24-25) desenvolveu a sua ideia de estrutura de sentimento.

    [...] em algumas das maiores literaturas, uma simultnea produo e resposta... s estruturas subjacentes e formadoras ... constituem o fenmeno literrio especfi co: ...o ato imaginativo, o mtodo imaginativo, a organizao especifi ca e genuinamente nova... que estes atos compem, em um perodo histrico, uma comunidade especfi ca: uma comunidade visvel na estrutura de sentimento e demonstrvel, acima de tudo, nas escolhas fundamentais de forma ... E .... especialmente mais importante nestas estruturas de sentimento modifi cadas que elas precedem as mudanas mais facilmente reconhecveis de relaes formais institucionais, que so as mais acessveis, e, na verdade, a histria mais normal.

    A certeza evidente e diferenciadora dessa formulao aparece em outro lugar como um princpio metodolgico inequvoco [...] uma estrutura de sentimento uma hiptese cultural [...] a princpio muito mais simples do que as hipteses sociais formalmente estruturadas, e [...] mais adequadas ao mbito real da evidncia cultural [...] (WILLIAMS, 1977, p.132-133).

    A referncia a uma maior adequao metodolgica faz surgir outras caractersticas mais distintivas dessa hiptese, que advm de sua particular relevncia arte e literatura, desde que [...] ela pode ser especifi camente relacionada evidncia das formas e convenes fi guras semnticas que, na arte e na literatura, esto frequentemente entre as primeiras indicaes de que uma nova estrutura est se formando [...] (WILLIAMS, 1977, p.133).

    O conceito de fi gura semntica se refere no somente a formas conhecidas explicitamente e a convenes de arte e literatura. Antes de qualquer coisa, esse conceito se refere a colocaes lingsticas verbais, sons e movimentos para-lingusticos que as precedem e das quais ainda dependem (WILLIAMS, 1977,

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    1980; OCONNOR, 1989). As fi guras semnticas so reais, mas carregam, com um refi namento conceitual apropriado, a delicadeza das menos tangveis partes de nossa atividade, s quais Williams se refere em suas formulaes anteriores da ideia de estrutura de sentimento. Elas so, no entanto, vitais para a manuteno da continuidade com as formulaes posteriores e mais incisivas. Elas tambm so importantes na fi co de Williams (DAVIES, J. 1993; DI MICHELE 1993; ELDRIDGE; ELDRIDGE, 1994), em que so adotadas para invocar e representar a qualidade de movimento como a expresso de subjetividade conhecida pela experincia vivida por diferentes grupos sociais famlias, comunidades de trabalho e de moradia cujos membros, sob intensas condies internas de tenso ou momentos de extrema ameaa externa, no podem, ou escolhem no poder, articular sempre suas diferenas verbalmente por causa de problemas e que, se fi zessem isto, confundiriam a sua integrao contnua (WILLIAMS, 1989). As fi guras semnticas tambm so aspectos de infl exo e timbre de um discurso familiar que carrega o que j conhecido, e que no precisa de uma articulao elaborada. Elas ainda so as infl exes cruciais para o conceito de estruturas de sentimento nos termos em que geraes conhecem, atravs de sua lngua, as particularidades diferentes da vida de sua prpria cultura comum em contrapartida com as de seus predecessores e de outros porque nenhuma gerao fala a mesma lngua que seus predecessores[...] e a descrio que mais se adapta mudana o termo literrio estilo. (WILLIAMS, 1977, p.131). Estilo tambm foi escolhido como o termo que identifi ca no s culturas de gerao diferenciadas, mas tambm aquelas da multiplicidade das minorias, que caracterizam, em larga escala, as formaes sociais complexas da modernidade tardia (veja, por exemplo, HEBDIGE, 1979). O estilo literrio, alm disso, um termo que resume efetivamente algumas caractersticas das relaes entre as formas estticas e as convenes que Williams invoca especialmente como referencial para as fi guras semnticas. As relaes refl exivas entre formas e convenes que constituem o estilo so especialmente signifi cantes para o conjunto de questes do mago da esttica realista (veja, por exemplo, CAUTE, 1972; FILMER, 1978; LUKCS, 1964). Elas so, assim, signifi cantes tambm para a identifi cao e articulao de estruturas de sentimento, j que so um meio pelo qual as correspondncias de estruturas de conscincia entre escritores e outros grupos sociais podem ser diferenciadas das correspondncias de contedo. Elas tornam possvel a transcendncia de relaes de refl exo de contedo ao revelar o princpio que organiza a conscincia coletiva e, consequentemente, sustenta a coerncia do grupo social que o mantm.

    A anlise detalhada das relaes entre forma e conveno na identifi cao e anlise de estruturas de sentimento deu a Williams um conjunto de recursos para pensar e diferenciar seu projeto de outros semelhantes em outras disciplinas e reas de trabalho. J vimos como isto pde fazer com que Williams diferenciasse

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    as estruturas de sentimento das homologias estruturais e diferenciasse os estudos literrios, da forma como ele os entendia, da sociologia de cultura (de Goldmann), que era complementar ao seu trabalho. Mais importante ainda, a relao aquela em que as formas no explcitas e no articuladas de experincia estruturante podem ser identifi cadas e usadas, o que faz com que Williams oferea uma alternativa tanto s sociologias da cultura e da comunicao, sejam elas crticas ou normativas.

    Um exemplo desta alternativa, com a qual Williams se engajou diretamente, a parte principal, rica e unifi cada da teoria e obra emprica de Bourdieu (GARNHAM; WILLIAMS, 1986, p.116). H semelhanas bem claras entre o conceito de estrutura de sentimento e o conceito de habitus de Bourdieu, como anotou Milner (1994, p.66). Williams v habitus como uma alternativa para o que ele chama de conscincia prtica que

    [...] opera de acordo com relativa coerncia ... a lgica da prtica que fora ... formada primeiramente na primeira infncia dentro da famlia, pela internalizao de um conjunto de condies objetivas e determinadas tanto pelo material diretamente, como pelo material mediado atravs... das prticas dos adultos presentes no contexto.

    Enquanto sua lgica empobrecida pelo fato de no poder ser operacionalizada conscientemente e no poder ser inculcada explicitamente, ela , no entanto, fl exvel o sufi ciente para ser aplicada como o princpio estruturante da prtica em uma vasta gama de situaes. (GARNHAM; WILLIAMS, 1986, p.120). Habitus tanto estruturado como estruturante; socialmente adquirido, relaciona todas as prticas que produz at atingir um conjunto unifi cador de princpios que regula as prticas individuais comuns s condies sociais coletivas presentes como tal, a base do conceito de classe de Bourdieu. Mas por ser uma estrutura implicitamente adquirida, uma operao inconsciente, ela permanece, em alto nvel, um determinado conjunto de prticas estruturadas, e, portanto, diferencia-se signifi cativamente do conceito de Williams de estrutura de sentimento. Por diferenciar o conceito das formas residuais de hegemonia em sua obra posterior, Williams (1977) descreveu suas estruturas de sentimento como manifestaes emergentes, at mesmo pr-emergentes, de resistncia e oposio s praticas e s ideologias hegemnicas dominantes da ordem social existente. O conceito de Bourdieu, em contrapartida, uma formulao refl exiva tanto do contexto institucional como das prticas informais que produzem, e, consequentemente, reproduzem as condies socioculturais existentes. , fi nalmente, uma formulao feita atravs de uma teoria de reproduo cultural. A lgica prtica de habitus, embora seja fl exvel, estruturalmente determinada pela trajetria das expectativas institucionais da ordem social existente: na sociedade de

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    classe aquela que tem a mobilidade social legitimada e tem julgamentos estticos distintos (BOURDIEU, 1984), por exemplo. Ento, apesar de ter seu valor ao explicar a detalhada prtica estratgica refl exiva de reproduo cultural, ela fi ca, em comparao com o conceito de Williams, aquilo a que Milner (1994, p.67) chamou de um sistema de disposies durveis antes de ser um padro de experincia sentida, que limita sua capacidade analtica de explorao das possibilidades para a ao coletiva direcionada mudana social progressiva.

    Igualmente, em comparao com a aplicao de Williams do conceito de estruturas de sentimento em sua anlise das estruturas internas e das linguagens de textos literrios ou no, as anlises de Bourdieu so essencialmente anlises das estruturas contextuais, a que ele chama de campo de produo artstica. Trs elementos constituem a realidade social deste campo: a histria e a posio do campo artstico no perodo contemporneo dentro do campo de poder; a estrutura das relaes do campo entre as posies ocupadas por indivduos ou grupos competindo por legitimidade artstica em um determinado momento; e a gnesis dos diferentes produtores do habitus (BOURDIEU, 1993, p.194). Em nenhum lugar h possibilidade para a anlise do contedo das obras de arte quanto suas relaes constitutivas refl exivas com o campo. Onde Bourdieu (1993, p.145-160) no usa o conceito, como por exemplo em sua anlise da Educao Sentimental de Flaubert, ele est preocupado com o contedo do romance em termos de estruturas codifi cadas de narrativa e caracterizao, mas no com a linguagem. Quando ele analisa a linguagem, ele quer ver como a linguagem da vida diria produz um princpio de interpretao gerador, tanto na literatura como na biografi a, e que a vida uma narrativa coerente e que o fi m de uma vida tambm seu objetivo. Bourdieu (1993, p.193), em vez dessa colocao tcita, prope, ento, que [...] somente a sociologia gentica poder perceber [...] a gnesis e a estrutura de um espao social onde o processo criativo se formou. Todas as obras de arte, no obstante sua particularidade emprica, social e cultural ou suas formas estticas especfi cas de produo, devem ser sociologicamente analisadas por suas propriedades comuns analticas, i.e., como cdigos gerados dentro e atravs das estruturas do campo cultural de sua produo e interpretao. Enquanto recoloca historicamente a anlise estruturalista das obras de arte, tambm abstrai inevitavelmente as obras para poder cham-las de representativas, tpicas e sintomticas de uma particular manifestao de processos mais gerais: isto faz com que Bourdieu mostre as relaes estruturais refl exivas de qualquer obra de arte em seus contextos scio-culturais de produo e recepo. Mas, em contrapartida, no mostra como as prticas artsticas de qualquer obra(s) especfi ca(s) contribuem para a realizao e a manuteno dessas relaes e como, desta forma, elas contribuem para o processo emprico de estruturao da mudana social. O mtodo de Bourdieu mostra claramente como os cdigos da produo artstica e de interpretao reforam

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    e reproduzem a ordem existente do campo cultural no pela identifi cao da estrutura de sua organizao, mas pelo desafi o.

    A preocupao de Williams com as formaes socioculturais estabelecidas institucionalmente, que estruturam a experincia atravs de processos formais de socializao e de reproduo cultural, tinha um foco bem diferente. Como uma verso da ordem sociocultural, Williams (1961) entendia a direo e o controle da produo social e cultural de acordo com os interesses naturais das relaes da ordem de poder estabelecida, que seria operacionalizada pelo processo a que ele chamou tradio seletiva de relaes entre cultura e sociedade. Embora fosse seletiva, esta tradio no monoltica. Contm varias formas de estruturar a experincia, embora nenhuma seja adequada complexidade voltil daquilo a que ele chama

    Conscincia prtica (que) , quase sempre diferente da conscincia ofi cial ... o que est sendo vivido no momento, no s o que se pensa que est sendo vivido, ... uma espcie de sentimento e pensamento que verdadeiramente social e material, mas cada um em uma fase embrionria ... (WILLIAMS, 1977, p.132-133).

    Os fenmenos emergentes gerados pela conscincia prtica indicam que as mudanas sociais esto em perigo de se transformar no que Williams v como a reduo formal dos conceitos de sociedade e do social. Os fenmenos de conscincia prtica so quase sempre diferentes dos da conscincia ofi cial porque eles ainda no foram sujeitos ao deslocamento redutor da particularidade da experincia. Mas eles j so sociais nos dois sentidos:

    Primeiro so as chances de presena e segundo, embora sejam emergentes e pr-emergentes, eles no tm que esperar defi nio, classifi cao ou racionalizao antes de exercer as presses palpveis e estabelecer os limites efetivos na experincia e na ao. (WILLIAMS, 1977, p.132).

    Eles j se confi guram em fi guras de linguagem e, consequentemente, em exemplos de formas sociais ativas e historicamente variveis de linguagem, movimento e representao. Na relao com processos e prticas mais formalmente institucionalizadas, estas fi guras constituem a unidade complexa de inter-relaes, que tarefa de anlise da sociologia da cultura:

    [...] uma tarefa distinta da sociologia reduzida das instituies, formaes e relaes comunicativas, e, como sociologia, tambm radicalmente distinta da anlise de formas isoladas. Muitas vezes, as duas tendncias dominantes dos estudos culturais burgueses a sociologia de uma reduzida mas explcita sociedade e

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    a esttica do social excludo refeito como uma arte especializada apiam e ratifi cam uma outra numa diviso signifi cativa de trabalho....Esta diviso, agora ratifi cada por disciplinas seguras, que a sociologia da cultura tem que sobrepor e suplantar, reforando o que um processo material e social nico e conectado. (WILLIAMS, 1977, p.140).

    Parte dessa unidade e conexo do processo material social exige que se debruce de novo sobre a linguagem e sua relao com as formas de literatura e de escrita. Estas formas tm uma certa autonomia, que a chave para sua relao refl exiva com as formas de convenes lingsticas de expresso e comunicao, e, portanto, constituem o estilo.H um ponto no processo de escrita no qual Williams (1989, p.86) sempre insiste, [...] que qualquer pessoa que tenha observado cuidadosamente seu prprio processo de escrita pode achar eventualmente que ... o que est sendo escrito, enquanto no for separado dele, no somente ele, mas ... esta outra fora, a forma literria.

    Tudo isto complementado pelo comprometimento do autor com a linguagem em que foi criado e sentida como natural e que , igualmente e simultaneamente, a chave constitutiva da original situao social com todas as suas perspectivas, das quais posteriormente os indivduos podem abstrair se. Isto signifi ca que a forma pode distanciar a linguagem de sua habilidade de articular a especifi cidade da experincia, da mesma forma como Williams (1989, p.86) sugere que o romance, a forma literria burguesa, foi [...] virtualmente impenetrvel para os escritores da classe trabalhadora por trs ou quatro geraes.

    A hiptese cultural da estrutura de sentimento, ento, operacionaliza a metodologia para a anlise das formas estticas e da continuidade da linguagem que concebida especialmente para garantir a sua autonomia como fenmenos scio-culturais. feita para se opor no s ao cientifi cismo redutor da sociologia normativa, mas tambm ao determinismo bruto de base simplista/ modelos de superestrutura de linguagem e forma literria. Williams 1977, p.133) assinala que

    [...] como assunto de teoria cultural, este o caminho para defi nir formas e convenes na arte e literatura como elementos inalienveis de um processo material social: [...] mas, como uma formao social de um tipo especfi co que pode se transformar em articulao... de estruturas de sentimento..., so muito mais amplamente experimentadas.

    Esta a chave para completar as relaes refl exivas entre as estruturas organizadoras da conscincia e as realidades de experincia vivida. Estas

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    experincias se engajam no processo material social de estruturao onde elas so confi guradas semanticamente, porque aqui o lugar no qual, acima da privacidade dos sentimentos subjetivos e da publicidade das falas lingusticas, elas se expressam como pr-formulaes para os signifi cados intersubjetivos e compartilhveis. Elas so articuladas nas convenes da linguagem e elaboradas atravs das estruturas de forma expressiva e comunicvel. Por estes processos, elas se tornam agentes refl exivos de um processo totalizador que estrutura a experincia pessoal em formaes sociais, tornando-as histricas.

    Isto ocorre porque as estruturas de sentimento podem ser definidas como experincias sociais em soluo4, distintas das outras formaes sociais semnticas que foram precipitadas5 e so mais evidentes e mais imediatamente disponveis. De forma alguma, a arte no se relaciona toda a uma estrutura de sentimento contempornea. As formaes efetivas da arte real se relacionam s formaes sociais j manifestas, dominantes ou residuais e, a estrutura do sentimento, enquanto soluo, refere-se, primariamente, s formulaes emergentes (embora muitas vezes na forma de modifi cao ou perturbao de formas mais velhas). (WILLIAMS, 1977, p.133-134).

    Esta historicizao inicial desenvolvida at a sua totalidade, por meio de articulaes especfi cas de novas fi guras semnticas descobertas na prtica material, muitas vezes,

    [...] como sempre acontece em situaes relativamente isoladas, que so vistas mais tarde como composio de uma gerao signifi cativa, (de fato, uma minoria); em geral, uma gerao que se liga substancialmente a seus sucessores. , ento, uma estrutura especfi ca de ligaes, nfases e supresses particulares, onde esto frequentemente as formas mais reconhecveis, pontos de partida e concluses profundos e particulares. (WILLIAMS, 1977, p.133).

    A qualidade quase aleatria deste processo, como imaginou Williams, embaralha as concluses profundas que produz: concluses que so a base das instituies, algumas das quais sero seletivamente incorporadas a uma tradio de estruturas institucionalizadas de poder e interesse.

    4 N.T. no original in solution5 N.T. no original have been precipitated

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    Crticas ao Conceito

    Os crticos de Williams se apiam nessa afi rmao de estrutura sobre a experincia para tentar anular a idia de estrutura de sentimento nenhum deles, no entanto, prope que as anlises de textos especfi cos e que se sustentam, os conjuntos de pensamento e a crena e suas prticas correlativas sejam consideradas mais do que interessantes e problemticas por terem sido conduzidas, organizadas e informadas pelo conceito. As questes so metodolgicas no sentido de que as metodologias so operacionalizaes da teoria crtica e se refi ram a importantes caminhos para a ideologia, caminhos s vezes no muito claramente defi nidos. Eles podem ser organizados em trs grupos.

    Em primeiro lugar, os limites epistemolgicos da experincia como base para o conhecimento crtico conceitual. Eagleton (1976, p.33-38) faz esta crtica, quando dispensa a dependncia de Williams da experincia como um teste de pensamento, como uma concesso incapacitante ao humanismo burgus liberal. Entretanto, as razes de Williams so muito claras ao insistir no teste experimental. A tradio conceitual com a qual Eagleton estava comprometido na poca, e, dentro da qual ele formulou sua crtica a Williams, era uma tradio (problematicamente seletiva) totalmente ausente da tradio na qual Williams havia comeado a trabalhar. Na verdade, parte da seletividade da tradio britnica para a anlise da cultura e sociedade, a qual Williams (1958) tinha to cuidadosamente documentado em termos crticos experimentais, era a excluso da tradio crtica ideolgica na qual Eagleton se baseava (WILLIAMS, 1980). Eagleton s pode perguntar, com uma incredulidade retrica e com base em uma reinterpretao pr-estruturada e particularmente parcial da obra de Williams e especialmente de sua releitura de Marx se algum espera seriamente, da forma como Williams prope, que o teste de adequao explanatria dos modelos de base/superestrutura fossem contra a experincia prtica. Eagleton estava na poca muito infl uenciado por outras (re) leituras de Marx (ALTHUSSER, 1971) que o levaram (sem nenhum sentido aparente de ironia) a abstrair da esttica de Williams um conjunto de categorias tericas para uma crtica materialista que iria retifi car o que ele via como as falhas do humanismo e idealismo de Williams (EAGLETON, 1976). Com a severidade dessas e de outras observaes, tanto quanto com a questo da experiencialidade6 das relaes base/estrutura, Eagleton (1989) mais tarde se desdiz,interessantemente, com base na qualidade e carter da experincia que ele usou anteriormente para questionar a obra de Williams. H sentido nisso porque Eagleton (1976, p.22-23) sempre soube que, na obra de Williams, experincia era

    6 N.T. no original experientiality

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    a luta por articulaes tericas criticas dos conceitos necessrios para as prticas crticas, tanto quanto necessrio o engajamento emprico com as prticas em si. E, luz dessa conscincia, que sua referncia to estranha para o conceito de estrutura de sentimento pessoalmente inventado aquela fi rme mas intangvel organizao de valores e percepes que age como categoria mediadora entre o conjunto psicolgico de uma formao social e as convenes incorporadas em seus artefatos...(que) designam, em efeito, ... uma ideologia. A tenso calculada entre estrutura e sentimento, ele continua,

    [...] tambm a marca de limite do prprio pensamento dele (Williams) que, para ir alm da noo de complexo-de-sentimento em direo noo de estrutura-de- sentimento, ...carece os termos tericos que podiam especifi car as articulaes precisas desta estrutura. , consequentemente, reduzido ao estatuto de mero padro. (EAGLETON, 1976, p.33-34).

    Aqui importante anotar que o conceito de estrutura do sentimento, desde seu nascimento, tem sido adaptado por Williams especialmente devido a problemas de confrontar as difi culdades de articulao do que ainda no era articulvel, e, nesse sentido objetifi cvel7 sobre as experincias intersubjetivas de alteridade ou possibilidade. As experincias invocadas so padronizadas, sem, no entanto, serem ainda estruturadas e nem estruturadoras. No existia nada de simples em sua qualidade padronizada o sinal indicador, por exemplo, de sua pr-formulao como estruturas (o que Williams chamou posteriormente de pr-emergncia). Se os termos existentes eram adequados s emergentes estruturas de sentimento, ento, poderia se pensar que o conceito em si seria redundante. Sua necessidade, no entanto, era premente exatamente porque termos e conceitos adequados teoricamente no existiam ainda e sua contribuio serviria para a identifi cao do que os novos conceitos teorizariam futuramente. Por esta razo Williams (1984) afi rma que um sentido de base necessrio para o engajamento lingustico prtico e essencialmente refl exivo com a experincia, que a obra literria. Este sentido de base, no entanto, est longe de ser o sentido materialista que continuou a permear o Marxismo estrutural, modelo para a prpria viso de Eagleton.

    O argumento de Eagleton antecipa o segundo grupo de crticos do conceito: o de que ele metodologicamente inadequado s necessidades de uma crtica socialista extremamente terica do recente capitalismo industrial. Isso faz com que Hall diga que o conceito bem insatisfatrio e seus efeitos tericos incapacitantes. No obstante as constantes e enfticas crticas aos processos sociais e materiais que

    7 N.T. no original objectifi able

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    esto subjacentes s formulaes de Williams, Hall (1989, p.62-63) insiste que uma noo no examinada de experincia, que subjaz ao que ele chama de paradigma experiencial, continua a causar algumas dvidas na obra de Williams sobre problemas-chave, tais como determinao, totalidade social e ideologia. O problema, de novo, trata de uma viso preconcebida do conceito de estrutura (e, por implicao, de inspeo tambm), mas neste caso em relao ao conceito de totalidade e, em particular, ao estatuto de causalidade dentro da estrutura de relaes s quais a totalidade se refere. A centralidade da experincia na teoria de Williams, diz Hall (1989, p.62), produz

    [...] um avano terico inevitvel em direo viso de todas as estruturas como se fossem correlacionadas expressivamente entre si: simultneas em efeito e determinao porque elas acontecem simultaneamente em nossa experincia... estruturas podem ser simultneas temporariamente, mas no podem ser, exatamente por isso, iguais na sua causa.

    Esta a principal formulao da clssica distino entre a causalidade sincrnica e diacrnica. Sincronia pressupe que a simultaneidade temporal nos fenmenos causais garanta a eles um sentido causal igual ao sentido causal de sua explicao, e procurem sustentar o pressuposto atravs do esboo de mltiplos modos de realidade temporal e da promoo de modos especfi cos de, quase sempre hermenuticos, explicaes apropriadas a eles. Este sempre o trabalho sociocultural da gnesis dos smbolos e, frequentemente, da obra de arte. Ele central para a emergncia e consolidao de formaes sociais e culturais novas. A causalidade diacrnica, em contrapartida, a forma explicativa da histria emprica normativa, da sociologia e da cincia poltica, por exemplo; estas disciplinas, segundo Williams, muito facilmente formalizam e reduzem o fl uxo de experincia para o qual o conceito de estrutura de sentimento foi feito. Hall (1989) deixa de lado, porm, o que para Williams a questo central da explicao: os processos da experincia coletiva nascente e suas estruturas ordenadoras emergentes so organizados de maneira diferente, e so ordens bem diferentes de fenmenos, para aqueles que se deixam facilmente levar para uma anlise da prioridade causal e sequncia diacrnica das ordens constitucionais das totalidades sociais, a continuidade dos elementos substantivos que as constituem, e a estrutura de relaes entre elas. Em suas formulaes da aparente e quase aleatria ocorrncia das estruturas internas das relaes das formaes sociais e culturais emergentes, que so totalidades nascentes, Williams apresenta a questo importante e distintiva da explicao histrica delas. O que ser, mais tarde, compreendido como a sequncia causal e a prioridade dos elementos constitutivos na sua eventual transformao

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    A estrutura do sentimento e das formaes scio-culturais:o sentido de literatura e de experincia para a sociologia da cultura de Raymond Williams

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    histrica como totalidades, depender ainda do processo de atuao humana. No caso especfi co das totalidades nascentes, no entanto, este processo ainda no tinha comeado conscientemente como prtica, e ainda estava em processo de articulao atravs do simbolismo que ainda era evasivo ao senso comum e ao discurso normativo. Um argumento comparvel, que pode ajudar a esclarecer a posio de Williams sobre esta questo, foi dado por Thompson (1968; FILMER 1975) com relao ao conceito de classe social. Embora ele ache que classe uma formao social e cultural que quase sempre encontra a sua expresso, Thompson argumentou que isto [...] no pode ser defi nido abstratamente, ou isoladamente, mas somente em termos de relaes com as outras classes. Uma classe sempre

    [...] um conjunto mal defi nido de pessoas que compartilha de um mesmo conjunto de interesses, experincias sociais, tradies e sistema de valor, que est disposto a se comportar como uma classe, de defi nir-se em suas aes e em sua conscincia na relao com outros grupos de pessoas como uma classe ... classe em si no uma coisa, um acontecimento. (THOMPSON, 1968, p.939).

    As relaes que constituem a experincia vivida de classe so caracterizadas, Thompson (1968, p.10) insiste, por [...] uma fl uncia que foge anlise se ns a estacionamos em um determinado momento e anatomizamos sua estrutura. A anlise e a compreenso dessa fl uncia exige estratgias metodolgicas, como as do conceito de estruturas de sentimento, que so adequadas sutileza necessria para sua apreenso e anlise, e no precisa da aplicao retrospectiva de uma historiografi a causal particular como condio para uma anlise formal e estrutural que possa considerar ser o processo histrico total na poca. Tal historiografi a exige do processo social temporal que ela formula e sobre ele impe um sentido de ordem estrutural institucional sufi ciente para que ele seja caracterizado como total, e isto, precisamente, segundo Williams, o que impede a apreenso analtica das estruturas de sentimento mais explicativas e experimentais que esto em processo em qualquer tempo.

    O terceiro grupo de crticos do conceito prope que suas difi culdades podem ser resolvidas atravs da interpretao que Williams faz do conceito de hegemonia de Gramsci. Eagleton acha que essa uma possibilidade, mas OConnor (1989, p.30) descobre um caminho atravs da obra de Williams que lhe d condies de lidar com este conceito como se fosse um fato estabelecido. Ele primeiro endossa as difi culdades em esclarecer o termo, como o prprio Williams fez, e posteriormente diz que [...] hegemonia tem a mesma dimenso fundamental da estrutura de uma gerao. o conjunto de prticas e atividades que so intrinsecamente parte do dia a dia. Incorpora socializao, educao e

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    outros aspectos da tradio seletiva e, ento, explica a possibilidade de prticas culturais opostas emergentes. (OCONNOR, 1989, p.106-107). Na realidade, em seu ltimo trabalho (WILLIAMS, 1979, p.164-165), em que faz a diferena entre dominante e subordinado ou estruturas de sentimento menores, Williams foi capaz de incorporar o conceito de Gramsci como processo social [...] um conjunto de prticas e expectativas que envolvem a vida toda, ...um sistema vivido de signifi cados e valores, ...um sentido de realidade para a maioria das pessoas em uma sociedade. (WILLIAMS, 1977, p.110) por causa de seu carter mais formal e codifi cado. Mas isto difi cilmente justifi ca a alegao de OConnor (1989, p.114-115) de que a noo ...(de) hegemonia deveria ser entendida como substituta da noo de estrutura de sentimento em seus trabalhos iniciais[...], deixando [...] o novo conceito de estrutura de sentimento (que) vai se referir principalmente ao momento da pr-emergncia de uma nova e transformada forma cultural. dessa forma que Williams (1961) procurou aplicar o conceito nas tentativas de sua formulao inicial. A ironia dessa tentativa de reduo , de novo, que ela pe em evidncia os mesmos problemas de codifi cao formal que a prpria crtica terica de Williams procurou enfrentar. Porm a posio de OConnor continua a ser endossada, como se a submisso das estruturas de sentimento hegemonia seja um fato estabelecido, ao trat-la como o momento de hegemonia emergente ou mesmo pr-emergente. Johnson (1998, p.90) identifi ca esta diferena, descuidadamente, nos captulos de Williams sobre a teoria de hegemonia de Gramsci; Milner (1994, p.55) diz que Williams reformulou o conceito de Gramsci de maneira indiscutvel. Surpreendentemente, Pickering (1997, p.47), como Milner, continua a empregar o termo, e diz que Williams substituiu sua formulao inicial pelo conceito de hegemonia cultural, embora ele apresente a possibilidade de que [...] a hegemonia como conceito no absorva os elementos de pensamento e sentimento que esto paradoxalmente englobados na reproduo do senso comum. Embora a chance de reformular o conceito de estruturas de sentimento como hegemonia tenha ocorrido a Williams, no captulo Teoria Cultural em Marxismo e Literatura (1977), ele escolheu dedicar captulos separados para tratar da discusso de cada um deles. Aqueles que os confundem parecem ter perdido o ponto importante em que a separao embora implcita faz a distino entre literatura e ideologia, que aparecer mais claramente nos trabalhos posteriores de Williams e est explicita no conceito de escrita como uma prtica. Quero examinar esta distino como forma de terminar esta discusso.

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    A estrutura do sentimento e das formaes scio-culturais:o sentido de literatura e de experincia para a sociologia da cultura de Raymond Williams

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    Concluso: Linguagem e Instruo8, Escrita e Literatura

    Ao discutir o estruturalismo literrio de Althusser e Macherey, e o pensamento de Eagleton sobre isso, Williams (1984, p.207-208) aponta que as formas estabelecidas de escapar da absoluta infi ltrao da ideologia i.e., o inconsciente e a teoria so complementares com a literatura, que est em uma situao relativamente privilegiada. Embora a literatura seja

    [...] inescapavelmente ideolgica, ...sua relativa autonomia uma forma de escrever, uma forma de prtica, na qual a ideologia tanto existe como ou pode ser internamente discutida e encarada distncia. O valor da literatura est precisamente no fato de ser uma das reas onde o domnio da ideologia ou pode ser afrouxado ... o ponto em que sua literalidade um contnuo questionamento interno de si mesmo.

    A referncia autonomia da literatura, prpria de seu carter como uma forma de escrever, uma forma de prtica mostra como ela de signifi cncia primordial na obra de Williams. Ele mesmo diz que [...] j se dedicou muito mais ... fi co do que a qualquer outra forma de escrita. (WILLIAMS, 1979, p.271). A prtica de escrever o trabalho com a lngua, a que Williams (1950, p.107) chamou de a textura fundamental da vida (do povo), para o qual a literatura

    [...] supremamente importante como uma agente de descoberta e anlise. A tradio literria a depositria de um nmero muito grande de escolhas. Dessa forma, ela nos d a mais profunda experincia sobre a qual podemos nos debruar e fazer nossas escolhas em nosso tempo na histria. A importncia em nossas vidas de uma lngua rica, vital e em constante renovao de um valor inestimvel.

    Neste sentido a literatura encarna os aspectos importantes da socialidade9 da cultura, e, portanto, contribui signifi cativamente para a compreenso do aspecto sociolgico da cultura. Mas h outros aspectos, e eles so acessveis por meio da anlise verbal e de outros processos lingusticos e paralingusticos, que no esto includos na inevitvel seleo da tradio literria ou no(s) paradigma(s) literrio(s) dominante(s) (WILLIAMS, 1984, p.192). Isto qualifi ca a questo sociolgica e histrica da instruo verbal e paraverbal. Williams identifi cou dois momentos importantes no desenvolvimento gradual e nas mudanas na instruo. Primeiro

    8 N.T. no original literacy.9 N.T. no original sociality.

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    quando ele percebeu que [...] somente em algum momento no sculo 19, em um perodo posterior da literatura inglesa, a maioria da populao inglesa sabia ler e escrever. Em segundo lugar,

    [...] sua preocupao com a grande mudana cultural em nosso prprio perodo, no qual as relaes entre escrita, fala e... ao dramtica, e, de formas totalmente novas, entre a escrita e a composio de imagens, mudaram ou foram se desenvolvendo em radio, televiso e fi lmes.

    O que ele chamou de o novo perodo cultural em que j estamos e outros chamaram de ps-modernidade, um perodo [...] no qual a impresso e at mesmo a leitura silenciosa so de novo uma das muitas formas culturais. (WILLIAMS, 1984, p.5-7).

    Apesar de nenhuma dessas formas ser dependente da linguagem, no entanto, e difcil ver como qualquer uma delas no dependente, se tivermos em mente um sentido de linguagem que no estrutura sempre o paradigma dominante a anlise lingstica da literatura pode ser relevante como um modelo metodolgico para analis-las. A literatura o agente de descoberta e anlise da linguagem o teste da adequao da linguagem experincia. a forma como o escritor refl ete sobre a experincia e como a comunidade social, objeto de refl exo, testada. Para o entendimento desse teste, o conceito de estruturas do sentimento central o meio pelo qual o analista literrio pode explicar a relao de autorizao refl exiva entre a linguagem e a literatura: linguagem d autoridade literatura tanto para articular a experincia geral como para expressar a particularidade do ato de escrever crtico, autoral e refl exivo.

    Os problemas das implicaes socioculturais das relaes entre literatura e linguagem so compostos por um segundo conjunto de questes, que apareceram depois das implicaes das perspectivas ps-estruturalistas e ps-modernistas. Esta uma rea para um possvel desenvolvimento a partir da obra de Williams (MILNER, 1994; WILLIAMS, 1989) e precisa de muito cuidado, porque seria uma das tarefas maiores da anlise cultural contempornea que ele mesmo se havia imposto (WILLIAMS, 1989). As principais questes podem ser sufi cientemente bem colocadas, de uma maneira breve. Primeiro, o ps-estruturalismo se desenvolve atravs das formas valiosas do estruturalismo para levantar a questo da condio de ser literatura dos textos e da escrita pela eliminao do autor do texto literrio (WILLIAMS, 1984). Para o ps-estruturalismo, esta eliminao implica a remoo da autoridade do texto literrio. Esta condio corre o risco de tirar da literatura sua habilidade de forjar uma relao emergente entre a subjetividade do autor e a linguagem que, por causa da textura de experincia coletiva que tem em seu bojo, o

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    A estrutura do sentimento e das formaes scio-culturais:o sentido de literatura e de experincia para a sociologia da cultura de Raymond Williams

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    recurso essencialmente refl exivo da literatura. Da mesma forma, o ps-modernismo, atravs da des-historizao da narrativa literria e, atravs da privao da tipifi cao experiencial exemplar das personagens, impede a explorao imaginria e a descoberta das possveis alternativas para a ordem das relaes sociais e culturais existentes arrisca-se a tornar o planejamento impossvel por carregar sua insignifi cncia.

    Para Williams, estas eram as mais srias ameaas autoridade e historicidade da literatura e da arte, que continuavam a ser a chave para a anlise interpretativa da cultura poltica da modernidade mais recente. O conceito de estrutura de sentimento, em todos os estgios de desenvolvimento, modifi cao e refi namento na obra de Williams, foi usado para conter estas ameaas. Ele era empregado, invariavelmente, como uma formulao da realidade das experincias sociais em soluo10 experincias, isto , que esto sendo vividas, que no so experiencialmente inocentes e nem ingnuas, mas que, embora emergentes, no adquiriram ainda o reconhecimento coletivo que as marcar como formaes sociais institucionalizadas. O signifi cado da literatura est em propiciar um ambiente analtico e exploratrio em que as estruturas de sentimento possam descobrir como articular a sua emergncia. Ao fazer isso a literatura recupera a sua prpria autoridade refl exiva para a cultura. Neste sentido, literatura um modelo para as articulaes que sero testadas e afetadas pelas novas formas culturais da mdia eletrnica, porque a linguagem verbal vai permanecer como o modo dominante de comunicao e o modo de critica pr-eminente. Assim, especialmente interessante anotar que Williams criou o conceito de estruturas de sentimento, em sua obra, primeiramente para o fi lme. Seu uso na anlise da escrita e da literatura crucial para o desenvolvimento de mtodos paralelos de anlise de textos em outros formatos. o ponto central do que ele chamou de materialismo cultural [...] a anlise de todas as formas de signifi cado, onde a escrita o centro, dentro das condies e dos meios de sua produo. (WILLIAMS, 1984, p.210).

    Apesar de Hall (1989, p.62-3) ter dito, com forte tom depreciativo, que o conceito era um paradigma experencial11, ele ainda o mais importante elemento na obra de Williams. Sem ele, talvez teriam de ser abandonados no s o que foi denominado um conceito bem insatisfatrio, mas tambm as signifi cantes dimenses da abordagem de Williams sobre a anlise da cultura como processo social em particular, tambm o papel central da literatura e da arte que d os fundamentos de como necessria a ideia original de estrutura de sentimento desde o comeo. Como Eagleton (1989, p.8) concluiu, Sua crtica resgatou as formas culturais dos formalistas e descobriu nelas as estruturas das relaes sociais, histrias de possibilidades tecnolgicas e o aparecimento todo determinado socialmente de modos de ver o mundo.

    10 N.T. no original in solution.11 N.T. no original experiential.

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    Estudos de Sociologia, Araraquara, v.14, n.27, p.371-396, 2009

    O conceito de estrutura de sentimento vital para estes atos de resgate e descoberta, que so caractersticas tanto analticas como concretas de todos os aspectos e de todos os desenvolvimentos dos estgios da obra de Williams. Cultura e sua expresso literria imaginativa so inseparveis em uma totalidade de representaes que esperam por explorao, anlise, interpretao, explicao e compreenso atravs do questionamento que constitui a base para futuras aes de ordenamento de novas e diferentes formas de experincia. A chave para tal anlise de representaes est na compreenso de que elas representam estruturas de sentimento e que a refl exibilidade do questionamento est embasada em estruturas de sentimento como tpico e mtodo. Uma vez que este entendimento estabelecido, ento, como Williams concluiu (1989, p.179), [...] pode-se testar o mtodo de anlise das representaes historicamente, conscientemente e politicamente em vrias situaes diferentes e descobrir que embora sempre passvel de discusso por um detalhe ou outro o mtodo se sustenta.

    STRUCTURES OF FEELING AND SOCIO-CULTURAL FORMATIONS: THE SIGNIFICANCE OF LITERATURE AND EXPERIENCE TO

    RAYMOND WILLIAMSS SOCIOLOGY OF CULTURE

    ABSTRACT: Williams elaborates the concept of structures of feeling in different ways at important points in his writings. This gives it a particular methodological signifi cance in relating the extraordinariness of imaginative literature to the ordinariness of cultural process. It is employed particularly to show the signifi cance of literature for the articulation of alternatives to dominant world views, and thus to the politics of social change. Williamss different formulations of the concept are discussed in terms of their ways of relating refl exive experience to institutional structures and in relation to the genetic structuralism of Goldmann and Bourdieus concepts of habitus and cultural fi eld. Three types of criticisms are considered, which have in common the contention that the concept is unclear. Operationalized in analysing literature and its symbols, it can contribute towards clarifi cation of the complexity of the processes of refl exive communication of experience which are at the root of social order and change.

    KEYWORDS: Culture. Experience. Formation. Ideology. Literature. Structure.

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    A estrutura do sentimento e das formaes scio-culturais:o sentido de literatura e de experincia para a sociologia da cultura de Raymond Williams

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