A Ética na Sociedade, na Área da Informação e da Atuação Profissional

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  • 8/8/2019 A tica na Sociedade, na rea da Informao e da Atuao Profissional

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    CONSELHO FEDERAL DE BIBLIOTECONOMIACOMISSO DE TICA PROFISSIONAL

    HENRIETTE FERREIRA GOMESALDINAR MARTINS BOTTENTUIT

    MARIA ODAISA ESPINHEIRO DE OLIVEIRA(Organizadoras)

    A TICA NA SOCIEDADE, NA REA DA INFORMAO E DA

    ATUAO PROFISSIONAL:o olhar da Filosoa, da Sociologia, da Cincia da Informao e daFormao e do Exerccio Prossional do Bibliotecrio no Brasil

    Braslia, DF2009

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    Nenhuma parte deste livro pode ser fotocopiada, gravada, reproduzida ou armazenada numsistema de recuperao ou transmitida sob qualquer forma ou por qualquer meio eletrnico ou

    mecnico sem o prvio consentimento da editora.

    Reviso: ACESSO - Assessoria Documental - CRB-3/006Editorao, Diagramao e Arte: Alberto Filho

    Capa: Pedro Augusto de Sousa Nascimento

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    A tica na sociedade, na rea da informao e da atuao prossional: o olhar da Filosoa,da Sociologia, da Cincia da Informao e da formao e do exerccio prossional do

    bibliotecrio no Brasil. / Henriette Ferreira Gomes, Aldinar Martins Bottentuit eMaria Odaisa Espinheiro de Oliveira (Orgs.). Braslia, DF: Conselho Federal deBiblioteconomia, 2009.

    192 p.

    ISBN: 978-85-62568-01-5

    1. tica. 2. Deontologia. I.Gomes, Henriette Ferreira. II. Bottentuit, Aldinar Martins. IIIOliveira, Maria Odaisa Espinheiro de. IV. Conselho Federal de Biblioteconomia. V. Ttulo.

    CDU 023.4

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    P R E F C I OA Comisso de tica Prossional (CEP) do Conselho Federal

    de Biblioteconomia (CFB) estabeleceu um programa de trabalho nosentido de atuar numa posio mais formadora, no que tange questo

    tica.Movida pelo crescimento das discusses de alguns pesquisadoresbrasileiros e estrangeiros da rea, especialmente no mbito dos cursosde ps-graduao em Cincia da Informao, e pela clara compreensode que a disseminao do comportamento tico entre os prossionaisdemanda o fomento do debate na esfera da formao e atuao

    prossional, a 14. gesto do CFB vem realizando vrias aes emtorno da temtica da tica. Entre essas aes, a CEP elegeu como de

    fundamental importncia a publicao desta coletnea, com o objetivode apresentar novos olhares em torno da questo da tica, especialmente,

    por ter entre suas principais metas o estmulo introduo de umadisciplina sobre esse contedo nos currculos dos Cursos de Graduaoem Biblioteconomia, bem como incorporao desse tema nas agendasda rea e no prprio exerccio prossional.

    Apontar os aspectos concernentes ao assunto, seus referenciais,

    assim como estimular as discusses em torno deles, pode subsidiara composio do contedo programtico de uma disciplina sobretica. Acredita-se, ainda, que o aparecimento de publicaes voltadasespecicamente rea poder favorecer o cenrio de maior envolvimentodos formadores e bibliotecrios no aprofundamento das reexes emtorno dessa temtica na formao acadmica e no exerccio prossional.

    Tal compreenso justicou a concepo, a elaborao e a publicaoda coletnea A tica na Sociedade, na rea da Informao e da Atuao

    Prossional, apresentando em seu contedo os olhares da Filosoa,da Sociologia, da Cincia da Informao, assim como da formao edo exerccio prossional do bibliotecrio no Brasil, j que os desaos

    postos na contemporaneidade exigem a apropriao de outros domnios,alm dos aspectos deontolgicos do fazer prossional.

    Desse modo, este trabalho est constitudo em trs dimenses: dasrelaes entre tica, Filosoa e Sociologia, de autorias de WaldomiroSilva Filho e Bernard Sorj; das relaes entre tica e informaode autoria de Rafael Capurro, Juan Carlos Molina e Jos Augusto

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    Guimares em co-autoria com Fabio Assis Pinho, Carlos Cndido deAlmeida e Suellen Oliveira Milani; e da tica prossional e a formaoacadmica de autoria de Francisco das Chagas Souza, HenrietteFerreira Gomes, Aldinar Martins Bottentuit, Maria Odaisa Espinheiro

    de Oliveira e Mary Ferreira.Nesse esprito contou-se com a contribuio de importantes autoresdos cenrios nacional e internacional, cujas pesquisas tm aprofundadoas abordagens em torno da tica, fortalecendo a interlocuo entreos pesquisadores, acadmicos e as instncias de representao queinteragem diretamente com o prossional.

    Comisso de tica Prossional

    CFB - 14. Gesto

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    S U M R I O

    TICA, FILOSOFIA E SOCIOLOGIA p.

    tica sem fundamentosWaldomiro Jos da Silva Filho 9

    Sociologia e valores, os valores da SociologiaBernardo Sorj 31TICA E INFORMAO

    tica intercultural de la informacinRafael Capurro 43La informacin en el entorno digital: principalesreas con implicaciones ticasJuan Carlos Fernndez-Molina 65

    Aspectos ticos da organizao da informao: abordagenstericas acerca da questo dos valoresJos Augusto Chaves Guimares, Fabio Assis Pinho, CarlosCndido de Almeida e Suellen Oliveira Milani 94

    TICA PROFISSIONAL E A FORMAO ACADMICA

    Dos deveres prossionais ou a deontologiaFrancisco das Chagas de Souza 133

    Comportamento tico: fundamentos e orientaes normativasao exerccio prossional do bibliotecrioHenriette Ferreira Gomes 147

    Abordagens da tica nos cursos de Biblioteconomia e camposans das instituies de ensino superior brasileirasAldinar Martins Bottentuit, Maria Odaisa Espinheiro de Oliveira e

    Mary Ferreira 162

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    TICA, FILOSOFIA E SOCIOLOGIA

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    TICA SEM FUNDAMENTOS

    Waldomiro Jos da Silva Filho1

    1 UMA PERSPECTIVA PS-TICA

    Desenvolverei aqui uma posio que, na ausncia de termomelhor, chamo de uma perspectiva ps-tica. Isso pode sugerir maisuma dessas invencionices lingusticas ps-modernas, mas permitam-me, inicialmente, justicar-me. Nossa tendncia comum fazer uma

    interpretao moral da ao e da racionalidade humana, onde oracional, o bom, o correto e o tico, de algum modo, se confundem e seexplicam. E, de fato, comum que, partindo dos nossos valores morais,estigmatizemos uma ao, crena ou atitude, como sendo racional ouirracional apenas porque as aprovamos ou desaprovamos, concordamosou no. Donald Davidson, ao contrrio, entende o tema da racionalidadeda ao ou, ainda, da relao entre razo e ao, de um ponto de vista

    absolutamente alheio aos problemas ticos ou morais tratados pelaFilosoa Moral. Ele pensa a razo numa perspectiva normativa: paraele, devemos conceber porrazo aquilo que, num quadro discursivo,explica uma ao.

    Quando eu falo, aqui, em perspectiva ps-tica, estou apenassinalizando para um modo especco de tratar o problema daracionalidade da ao que no envolve aprovao ou reprovao moral,mas simplesmente a capacidade de compreendermos (interpretarmos)

    ou no o signicado da ao no contexto intersubjetivo da vida humana.

    2 AO E RAZO NO HORIZONTE DA FILOSOFIACONTEMPORNEA

    No horizonte da Filosoa contempornea, profundamente marcadapela crtica da ideologia, pela Filosoa Analtica, pelo Pragmatismo

    1 Prof. Adjunto do Departamento de Filosoa da Universidade Federal da BahiaPesquisador do CNPq

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    e pela Fenomenologia, o debate sobre razo e racionalidadeenvolve, de um lado, posies tericas divergentes, que vo da buscade uma fundamentao universal e/ou transcendental, como podemosencontrar em Jrgen Habermas e Karl-Otto Apel, at o relativismo,

    como em Joseph Margolis, ou simplesmente a defesa de um abandonoda discusso sobre a razo, como em Richard Rorty. Por outro lado, aprpria noo de racionalidade e seus corolrios crena racionale ao racional plural: J. Elster (1982) elencou, na literaturalosca recente, cerca de trinta signicados diferentes desta noo.2

    A publicao de Action, Reason, and Causes em 1963 e dos textosagregados em Essays on Action and Events, Donald Davidson lanouuma nova perspectiva sobre o estatuto do pressuposto de racionalidade

    na compreenso da ao e da crena. Davidson, em primeiro lugar, numaperspectiva aristotlica, coloca o problema sob a tica do raciocnioprtico. Ele se pergunta: Que relao h entre uma razo e uma aoquando a razo explica a ao dando a razo do agente para fazer o quefez? e sugere que podemos chamar tal explicao de racionalizao,e dizer que a razo racionaliza a ao. (DAVIDSON, 1980, p.3). Emsegundo lugar, ele defende uma posio controvertida e reconsidera a

    ideia de causa ou de que uma razo a uma causa racional.(DAVIDSON, 1980, p.233): Para entender como uma razo de qualquerespcie racionaliza uma ao, necessrio e suciente que vejamos, aomenos em um contorno essencial, como construir uma razo primria.[...] A razo primria para uma ao sua causa. (DAVIDSON, 1980,

    p.4).Para compreendermos o sentido e agudeza das teses de Davidson

    importante ressaltar que na tradio analtica (em particular nas

    dcadas de 1950 a 1970), principalmente sob inuncia da segundalosoa de Ludwig Wittgenstein (1982, 2000), comumente o problemada racionalidade da ao e das crenas esteve associado crtica aoracionalismo clssico de cepa cartesiana (que situava a razo como umafaculdade interior e privada), crtica ao reducionismo cienticista e suaexplicao causalista da ao (que procura explicar a ao humana nosmarcos de leis da natureza) e defesa do conceito de intencionalidade.

    No que concerne ao primeiro aspecto, depois de Wittgenstein, a2 Entre os melhores exemplos do debate hodierno sobre o tema da racionalidade encontramos em DANTO, 1973;

    HOLLIS, 1982; MARGOLIS, 1986; STICH, 1990; HABERMAS, 1998; RORTY, 2001; SEARLE, 2001.

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    Filosoa vem caracterizada por uma explcita rejeio do racionalismofundacionista, de acordo com o qual a racionalidade est ligadadiretamente intuio racional dos primeiros princpios por meioda introspeco subjetiva que rma crenas bsicas sobre a evidncia

    epistmica do eu, a partir do qual derivam dedutivamente as demaiscrenas racionais. Estabelecidos os primeiros princpios, unica-seo conhecimento e os procedimentos da razo e do agir (estabelecendoas crenas que sustentam todo o edifcio da vida humana). Aracionalidade aqui est instanciada numa conscincia reexiva que

    procura compreender primeiramente a sua prpria existncia interior eprivada como base e pressuposto de toda compreenso possvel. A ideiade sujeito da razo, nesses termos, vem identicada a este eu que

    representa a si mesmo sem as sombras do erro e da iluso posto queo eu diante de si,diferentemente de quando est diante de um objetoou de outra mente, no pode, sob qualquer hiptese, estar enganado.A conscincia da conscincia uma percepo interna que se dobrasobre si mesma, tornando-se objeto de ou para a conscincia: aconscincia da conscincia que forma e constitui a sustentao slidada conscincia e do conhecimento do ser, das coisas externas e das

    outras mentes.O segundo aspecto, a crtica ao reducionismo cienticista, integraratrs termos: a rejeio de um conceito unicado de razo, a rejeioda teoria causalista como explicativa da ao humana e a deniode ao racional como agir intencional. Neste vis, Alan Donagan,

    por exemplo, sugere que o pressuposto universal de racionalidade categoricamente falso e no til para explicar a ao ordinria das

    pessoas. (DONAGAN, 1994). Para ele, um olhar lanado na histria

    da humanidade talvez prove que as aes humanas so inteligveis,mas jamais que so racionais. Peter Winch, usando a ideia de jogosde linguagem e formas de vida de Wittgenstein, arma que no

    podemos pensar que todas as experincias humanas, da cincia religio e s artes, esto inscritas segundo as mesmas regras, formasde racionalidade e critrios formais da Lgica. (WINCH, 1958, p.98-103). A racionalidade (no singular) lgica no um dom outorgado

    por Deus aos homens; as racionalidades (no plural) surgem, de fato, apartir de certas formas de vida social e s so inteligveis nestes

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    contextos.Acima de tudo, as teses neowittgensteinianas e oxfordianas3

    consistiam em armar uma perspectiva explicitamente antinaturalistado ser humano: a racionalidade e a relao entre aes e razes estariam

    associadas ao intencional e uma conduta intencional humanae no deve ser explicada com os mesmos instrumentos conceituais dosprocessos da natureza fsica; a ao humana um processo que est forado alcance do conhecimento nomolgico e da explicao causal.

    Para A. I. Melden (1958, p.44), autor cuidadosamente comentadopor Davidson (1980) em Actions, Reason, and Causes, a noo derelao causal deveria exigir, por denio, que uma determinadacausa seja identicada e descrita independentemente do suposto efeito.

    No que concerne ao humana no h como discriminar causas (comoo desejo, motivo, volio, inclinao) sem se referir, ao mesmo tempo,ao seu objeto: fenomenologicamente, um desejo no pode ser separadodo desejo de fazer a ao-A e, do mesmo modo, dois desejos diferentess podem ser distintos porque desejo de fazer a ao-A1 em oposioao desejo de fazer a ao-A2. Quando se oferece o desejo de realizaruma ao como razo para uma ao, o que est em jogo no uma

    causa da ao, pois o conceito de desejo contm logicamente o conceitoda ao que a explica (no conceito de desejo de ir praia est contidoo conceito da ao desejada, ir praia). Um dos captulos de FreeAction de Melden (1958) foi intitulado Wanting and Wanting to do:se no podemos entender a natureza do desejo de sem incluir a aodesejada, o primeiro, o desejo, no pode ser logicamente a causa da ao.Um desejo pode explicar que vamos praia, mas essa seguramente no uma explicao causal. Por isso, no se pode descrever uma relao

    causal entre, de um lado, um desejo e, do outro, uma ao, j que ambosesto ligados intrinsecamente.

    Ora, a explicao que recorre a uma razo (um motivo ou desejo) possibilita uma descrio mais completa da ao, pois descreveno movimentos fsicos de corpos e eventos fsicos, mas procuracompreender uma categoria sui generis de eventos que s podem viridenticados a seres racionais, a saber, as aes. (MELDEN, 1958).

    3 Como podemos encontrar em MELDEN, 1958; WINCH, 1958; DRAY, 1960; ANSCOMBE, 1963; KENNY, 1963;WRIGHT, 1963.

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    O movimento corporal no contm, ele mesmo, nenhum elementoque o identique como ao e seria absurdo dizer, por exemplo, queo movimento de levantar o brao causa a ao de levantar a mo.Quando, na explicao intencional, apreende-se uma ao, o jogo de

    linguagem da ao substitui o jogo de linguagem dos movimentosobjetos e acontecimentos fsicos. O jogo de linguagem da ao um jogo intencional opera com as noes de pessoa, razo deagir, intencionalidade, sentido, responsabilidade, liberdade; procuraidenticar as atitudes e crenas do agente que foram, para ele, boasrazes de realizar a ao-A e estabelece um equilbrio entre ao emovimento, fazendo com que a ao, enquanto ao, aparea comoracional.

    J na explicao causal segundo esta visada neowittgensteiniana fala-se de objetos, causas, leis da natureza, movimentos, eventos,entidades materiais etc. A explicao neurosiolgica, ao explicar astransformaes orgnicas, qumicas e mecnicas de um organismo vivocomplexo, deixa intacto o nvel da ao, da inteno, do sentido... darazo. Segundo William Dray (1960), mesmo que a explicao racionalfaa uso de certos princpios de agir ao dizer que, em determinada

    situao-S, a ao-A algo racional a se fazer para qualquer agente quetem a razo-R para agir, esses princpios no so leis (no sentido dasCincias da Natureza) do comportamento.

    Para Dagnn Fllesdal (1982), a losoa e metodologia dainterpretao e explicao da ao devem conceber o ser humano comoum ser racional e esta pressuposio que distingue as cincias humanase a metodologia da compreenso do estudo da natureza e da explicaocausal.4 Para Fllesdal a noo de racionalidade constitutiva de

    conceitos como crenas, desejos, aes e intencionalidade: opressuposto de racionalidade no pode ser separado de outras hiptesesa propsito dos seres humanos como, por exemplo, que eles possuemcrenas, tm desejos, tm valores e agem. Diversamente s cincias danatureza, a interpretao e explicao da ao humana uma explicaodas razes do agir e no uma explicao da causao do agir:devemos perguntarpela razo da ao e no pelas leis estritas.4 De algum modo, a tenso entre a explicao causal e a explicao intencional da ao est no centro do inqurito e dos

    desacordos sobre a noo de racionalidade na Filosoa. E esta tenso reascende a Querelle des deux sciences, apolmica sobre a distino entre Erklren e Verstehen e a questo da ruptura epistemolgica entre a explicaodos fenmenos naturais e a compreenso do mundo humano, histrico e social pelas Cincias do Esprito.

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    Fllesdal (1982, p.311-316) defende quatro teses:

    a) para outorgar um sentido s noes intencionais necessrio prescrever um grau de racionalidade suciente para que nosso

    modelo de explicao seja uma explicao por razes mais doque uma explicao puramente causal; b) mesmo no caso onde fatores puramente causais paream

    sucientes, para explicar as aes devemos ter sempre em contarazes de agir;

    c) atribuir crenas, desejos e outras atitudes proposicionais a outrosa partir daquilo que ele diz ou faz coloca em questo, de um lado,o saber que temos sobre o modo que as crenas e as atitudes

    proposicionais so formadas e, do outro lado, nosso conhecimentodas experincias e dos traos de carter do outro para lhe atribuiras crenas e atitudes proposicionais;

    d) para o ser humano, a racionalidade uma norma, uma disposiode segunda ordem, do seguinte tipo: mesmo uma ao que pareairracional poder ser revista de um ponto de vista que identicacrena e valor e, conseqentemente, pode ser tornar um poucomais racional.5

    Retomando a argumentao de Melden (1958), parece que as aesno podem ter causas e, em ltima instncia, no podem ser explicadas:

    para ele ftil, por exemplo, insistir na tentativa de explicar a condutaatravs da eccia causal do desejo. O que pode ser explicado soacontecimentos, mas no a performance dos agentes. O que razovelnos homens o sentido que atribuem suas aes.

    H mesmo em Wittgenstein, mas tambm G. Ryle, uma sria crtica

    ao projeto de uma cincia da racionalidade e do comportamento nosmoldes da Psicologia: com efeito, Wittgenstien (2000) argumenta queem Psicologia existem mtodos experimentais e confuso conceitual

    os mtodos experimentais nos fariam imaginar que temos recursospara resolver os problemas que nos acossam, mas, no fundo, mtodos e

    5 John Searle, no seu Rationality in Action (2001), tambm defende que a causao no suciente para explicar aao. Para ele, armaes como aes, enquanto racionais, so causadas por desejos e crenas, racionalidade uma matria de obedincia a regras (o que distingue um pensamento ou comportamento irracional e a desobedincia a

    essas regras), so insustentveis (untenable) porque, de algum modo, tomam a racionalidade como uma capacidadecognitiva separada e autnoma.

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    problemas passam distantes um do outro.6

    A refutao do mito da interioridade e a crtica linguagemprivadas devastaram a conscincia como o lado de dentro e, com isso,desempenharam um decisivo papel na tendncia da Filosoa Analtica

    considerar que [...] a tentativa de fundar distines e conceitosloscos importantes em noes psicolgicas estava, desde logo,fadada ao fracasso.(ENGEL, 1994, p. 15).

    3 QUANDO RAZES SO CAUSAS DA AO: de um ponto devista ps-tico

    Davidson (1980, 1982) segue numa direo diversa e tira concluses

    diferentes da crtica ao mito da interioridade e do pressuposto deracionalidade da ao. Inicialmente, o que est em questo nas tesesdavidsonianas uma nova perspectiva sobre a relao entre racionalidadee ao, afastando-a do mbito estritamente da Teoria Clssica daAo Moral7. Como est no ensaio How is Weakness of the WillPossible? de 1970 e, posteriormente, em Paradoxes of Irrationality eIncoherence and Irrationality, este deslocamento da Teoria Moral para

    uma perspectiva ps-tica importante por duas razes: o vnculoentre razo, ao e moral fez com que, e.g., o problema da incontinncia(akrasia) ou fraqueza da vontade (weakness of the will) no qualuma ao intencional se realiza contra o melhor e mais racional do juzo

    prprio fosse tradicional e equivocadamente compreendida como umadebilidade morale de carter. Davidson escreveu que no conhecia umcaso onde o lsofo reconhea que a incontinncia no essencialmenteum problema de Filosoa Moral, mas um problema de Filosoa da

    Ao. Esta tendncia de interpretao moral fez com que muitos tenhamreduzido a incontinncia queles casos em que somos possudos pela

    besta que habita dentro de ns, em que no escutamos o chamadodo dever ou camos em tentao. (DAVIDSON, 1980, p.32).

    Esta guinada no conceito de ao racional (e no-racional) que integra, como veremos, elementos normativos,holsticos, materialistas e externalistas, caracterizou-se por

    6 Sobre a crtica de Wittgenstein Psicologia e Psicanlise cf. HACKER, 1982 e BOUVERESSE, 1991.7 Este movimento que desloca o tratamento da ao para fora do mbito da Teoria Moral eu chamo de perspectivaps-tica.

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    uma radical mudana no modo de inquirir a racionalidade: em vez deperguntar O que faz com que uma ao ou crena seja racional ouirracional?, Davidson esteve, desde 1963, ocupado em perguntar: o queh na ao, no pensamento e na linguagem que os torna interpretveis?

    O passo dado em Action, Reason, and Causes foi armar quemesmo quando falamos de uma ao em termos de dar uma razo,o que estamos fazendo, de fato, redescrever um evento do mundofsico em termos de ao e, ao fazer isso, localizar essa ao num

    padro e explic-la. Seria um equvoco imaginar que apenas situaruma determinada ao num padro conceitual e humanamente amplo (aliberdade, desejo, vontade, motivo, contexto) satisfaz a compreenso.Localizando a ao no seu contexto, possvel identicar uma oudiversas razes de agir do agente, mas no responde a questo de comorazes explicam aes e nada diz sobre o agente ter efetivamente agido

    por estas razes, pois de acordo com descries alternativas, ele podeter agido por uma outra razo ou ter um comportamento no-intencional(como ilustra o caso de uma pessoa ter acendido a luz e, com isso,afugentado um ladro). (DAVIDSON, 1980).

    O tema da debilidade da vontade, por exemplo, impe um grave

    desao para o intencionalismo. Esta perspectiva terica no ofereceriaum critrio claro para distinguir a situao em que um agente possuiuma certa razo de agir, mas no age por essa razo (como o caso deuma ao involuntria e da akrasia) e aquele quando ele efetivamenteage em virtude desta razo. Quando se exige que se d uma explicaoda ao, deste ltimo caso a que nos referimos. S possvel distinguircom segurana estes dois casos recorrendo noo de causa e dizendoque uma certa atitude favorvel e/ou uma certa crena do agente nomomento do agir causaram seu comportamento: [...] o modo pelo qual

    podemos explicar um evento localizando-o no contexto de sua causa.(DAVIDSON, 1980, p.10).

    O primeiro aspecto que salta aos olhos na posio davidsoniana orecurso a uma cosmologia extrema:

    A tese que a noo ordinria de causa que se introduz nas

    explicaes, tanto cientcas quanto do sentido comum, de assuntono psicolgicos, essencial tambm para entender o que atuar por

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    uma razo, ter uma certa inteno de atuar, ser um agente, atuar contrao prprio melhor juzo ou atuar livremente. A causa o cimento douniverso; o conceito de causa o que mantm unida nossa imagemdo universo, uma imagem que de outra maneira se desintegrariaem um diptych do mental e do fsico. (DAVIDSON, 1980, p.11).

    Em Action, um desejo e uma crena s se constituem em umarazo se causam uma ao. A ao intencional , no fundo, apenas umfragmento de comportamento cujas causas so razes. Para ser um poucomais explcito: a denio conceitual de ao envolve necessariamentea noo de uma razo que causa um determinado comportamento.Ou seja, um processo causal de certo tipo e se distingue de outros

    processos pelo tipo de causas que do lugar ao. A intencionalidadeoferece apenas uma informao mnima: o que podemos fazer usara frase I wanted to turn on the light para dar uma razo da verdade dafrase I turned on the light ou seja, podemos conceber que a ao foiintencional. Certamente razovel considerar o querer como o termoque explica o sentido da maioria das atitudes favorveis para o agir.(DAVIDSON, 1980, p.6). Mas isso apenas possvel no caso em queeste querer, na descrio da ao, a causa desta ao pois possvelum agente desejar um objetivo, cr que possvel realiz-lo medianteuma ao e, entretanto, no a realizar ou realizar o seu contrrio, comono caso da akrasia. (DAVIDSON, 1980, p.21-42). Pressupondo que aracionalidade identicada deciso e vontade um trao constitutivodo agir humano, como interpretar aqueles casos em que, de modo cabale sistemtico, o ser humano age supostamente de modo irracional?

    Ser que descrever a incontinncia e o autoengano no supe

    tambm uma norma de racionalidade? A noo de ao, crena einteno irracional constrangedoramente paradoxal8 e o paradoxe ofirrationality tem sua origem nas nossas maneiras mais fundamentaisde descrever, compreender e explicar os estados e eventos psicolgicos.

    Antes de seguir adiante, porm, a cosmologia da causao exigealguns esclarecimentos. Quando Melden diz que a explicao causal

    8 claro que [a] idia de uma ao, crena, inteno, inferncia ou emoo irracional paradoxal. Isso porque o ir-racional no apenas o no-racional, que se encontra fora do mbito do racional; a irracionalidade uma falha dentro

    da casa da razo. Quando Hobbes diz que somente o homem tem o privilgio do absurdo, ele est querendo dizer quesomente a criatura racional pode ser irracional. Irracionalidade um processo ou estado mental - um processo ou estadoracional - que falhou. Como isso possvel? (DAVIDSON, 1980, p. 289-290).

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    estaria se referindo a eventos no mundo fsico e no de aes humanas,Davidson responde, como armei acima, que uma ao corresponderealmente a um determinado evento e relao deste evento com outro ououtros eventos no mundo e que racionalizao um modo de descrever

    eventos e relaes causais entre eventos como aes. Mas o que istoquer dizer? Em primeiro lugar, que h no plano estritamente ontolgicoum existente, concreto e particular que o evento9: [...] no creioque possamos dar conta da ao, da explicao, da causalidade ou darelao entre o mental e o fsico, ao menos que aceitemos os eventoscomo individuais. (DAVIDSON, 1980, p.165). Em segundo lugar,que h uma distino entre ao e descrio da ao que pode sertestemunhado pelo fato corriqueiro de que um mesmo evento pode ser

    descrito de modos diferentes:

    Quando descrevemos nossas aes, inclumos no s o quefazemos intencionalmente, mas tambm coisas que fazemos no

    intencionalmente. Se se sustenta, como eu fao, que as aes nointencionais so intencionais em outras descries, ento a proposta

    pode formular-se dizendo que as descries da ao incluem

    descries de aes intencionais e algumas outras descriesdesses mesmos eventos. (DAVIDSON, 1980, p.70, grifos meus).

    O ponto de equilbrio deste raciocnio que uma relao causal uma relao entre eventos. Considerando a hiptese metafsica deque no h entidades abstratas gerais (como a brancura em geral oua desiderabilidade em geral), mas individuais materiais (como astros,

    pessoas e automveis) e eventos (como colises, exploses, conversas),o que distingue os primeiros, individuais, dos segundos, eventos, precisamente a cadeia de suas causas e seus efeitos. Mas esta distinono ontolgica ela, na verdade, depende das nossas descriesde individuas e eventos: uma descrio pode proporcionar o motivo,colocar eventos no contexto de uma regra, mencionar um resultado,apresentar uma avaliao. (DAVIDSON, 1980). E, como sabemosdesde Frege, um astro pode ser descrito como Estrela da Manh e como

    9 Como est em The individuation of events de 1969, Events as Particular de 1970 e Eternal vs Ephemeral Eventsde 1971 (textos reunidos em DAVIDSON, 1980).

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    Estrela da Tarde.As descries so expresso, para usar um termo tcnico, de certas

    atitudes proposicionais, como crenas, julgamentos, percepes,valores, intenes:

    A crena e o desejo que explicam uma ao devem ser tais que qualquerpessoa que tenha essa crena e esse desejo teriam uma razo para agir desse

    modo. Mais ainda, as descries da crena e do desejo que proporcionamosdevem exibir, na explicao teleolgica, a racionalidade da ao luz do

    contedo da crena e do objeto do desejo. (DAVIDSON, 1980, p.159).

    Isto parece semelhante ao argumento neowittgensteiniano, masDavidson acrescenta um ponto decisivo: ter crenas e julgamentostambm so eventos eventos mentais e que, como tal,so causados

    pelas coisas do mundo e, do mesmo modo, causam eventos nomundo (como o caso de desejos, vontades, intenes sugerido pelosintencionalistas).

    Neste sentido, Davidson desposa uma posio prxima aos partidriosdo naturalismo e da unidade da cincia sob o modelo da fsica como,

    por exemplo Hempel (2001. p. 311- 326). E, de fato, em 1976, numaconferncia em homenagem a Hempel, Hempel on Explaining Action,ele reconhece as proximidade, mas acentua as divergncias. SegundoHempel (2001), a suposio aristotlica de que o ser humano racionaldeve ser entendida como uma hiptese de explicao da ao humana

    uma hiptese emprica que serve para explicar a ao humana e tem,deste modo, o mesmo estatuto metodolgico da explicao causal em

    geral: uma explicao da ao, ao estabelecer um enunciado acerca do quefar um agente particular racional dadas determinadas crenas, desejose outras condies adicionais, proporcionaria uma generalizao que

    possibilitaria determinar leis estritas (ao modo do que se faz nas cinciasfsicas com suas leis causais) para a interpretao e previso do agir.

    Ora, segundo a interpretao de Davidson (1980, p.213-215),historicamente as teorias metafsicas assumiram trs partidos: omonismo nomolgico [nomological monism] que arma que h leiscorrelacionais e que os eventos correlacionados so apenas um (como,

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    por exemplo, a posio do materialismo para o qual h somente umacategoria de seres, os individuais e propriedades fsicas; os individuaise propriedades mentais, caso existam, devem ser idnticos ou redutveisaos individuais ou propriedades fsicos); o dualismo monolgico

    [nomological dualism] que aceita o paralelismo entre objetos materiaise objetos mentais-espirituais e admite o interacionismo (de acordocom dualismo metafsico clssico que remonta a Descartes, existemindividuais fsicos e individuais mentais ou propriedades fsicas e

    propriedades mentais, donde dualismo de substncias e propriedades)e o dualismo anmalo [anomalus dualism] que combina o dualismoontolgico com o fracasso geral da busca de leis que correlacionemo mental e o fsico. Davidson (1980), todavia, segue uma quarta via

    e tira concluses diferentes de Hempel: ele assume teses do monismomaterialista de que todos os eventos so fsicos, que os eventos mentaisso causalmente encadeados a eventos fsicos e que dois eventosso encadeados como causa e efeito, mas recusa o postulado centraldo materialismo de que os eventos mentais admitem explicaesexclusivamente fsicas; ou seja, Davidson defende um monismo queno implica a existncia de leis psico-fsicas estritas que conectem

    um evento mental com um evento fsico. Por isso ele subscreveum monismo dbil ou monismo sem lei que ele chama de monismoanmalo: monismo porque sustenta que os eventos mentais so eventosfsicos e anmalos porque insiste em que os eventos, quando descritosem termos psicolgicos, no podem ser descritos sob leis estritas.

    O monismo anmalo prescreve que a causalidade e a identidadeso relaes entre eventos individuais, independentemente do tipo dedescrio envolvida. No entanto, as leis que podemos solicitar para

    descrever e predizer os eventos (como podemos ver de modo inovadorno ensaio The Logical Form of Action Sentences de 1967) soleis lingsticas e no fsicas. Alm disso, a interao causal tratacom os eventos em extenso e totalmente cego para a dicotomiafsico-mental: o que faz com que um evento seja mental no algumacaracterstica ontolgica especial, mas o fato de ele ser descrito comomental, ou seja, a descrio de um evento causado que envolve umarazo ou a descrio de um evento causador que uma razo paraum efeito: os eventos so mentais apenas se assim se descrevem:

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    Se as causas de uma classe de eventos (aes) caem dentro deuma classe determinada (razes) e se h uma lei que respalde

    cada enunciado causal singular, disto no se segue que existaalguma lei que conecte os eventos classicados como razes com

    os eventos classicados como aes. (DAVIDSON, 1980, p.17).

    Na homenagem a Hempel, Davidson (1980) salienta que o que serequer para uma explicao racional-causal no uma prova de quandouma pessoa racional, mas quando as razes de uma pessoa resultamem uma ao.

    De qualquer modo, as posies de Davidson no so radicalmente

    contrrias pauta neowittgensteiniana. Sobre o problema daidenticao e da descrio de eventos mentais e de atitudes e crenasque explicam a ao, Davidson chega, em Mental events de 1970,a formulaes prximas s de von Wright. (Cf. WRIGHT, 1974). anatureza essencialmente aberta da identicao das atitudes cognitivase volitivas, assim como a dependncia recproca entre atribuio, a umagente, de tais atitudes e a imputao, a este agente, de uma ao queleva Davidson a rejeitar a possibilidade de estabelecer leis psicolgicas

    reduzidas s leis fsicas estritas: os eventos mentais, como percepes,lembranas, decises e aes resistem a serem capturados pela redemonolgica da teoria fsica10. Entretanto, ele mantm que a anomaliado mental no um obstculo explicao causal da ao, visto a

    possibilidade estabelecida em Actions, Reason, and Causes de seconstruir de maneira oblqua a relao causal entre atitudes cognitivase volitivas e a ao.

    Davidson (1980) preserva uma concepo causalista da explicaoda ao a despeito da impossibilidade de uma compreenso no-intencionalista da ao e das atitudes cognitivas e volitivas. Ele mostraque a explicao causal do comportamento deixa intacta a naturezaintencional de nossa apreenso comum da ao. No se pode negar, comos intencionalistas, que qualquer ao realizada por uma razo envolvealgum tipo de atitude favorvel ou predisposio e a crena de queessa ao precisamente aquela que realiza esta predisposio nisso

    10 Isto o que faz com Davidson arme em Psychology as Philosophy e The Material Mind que a Psicologia nopode ser uma cincia. Cf. DAVIDSON, 1980, p. 229-259.

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    esto includo vontades, necessidades, impulsos, intenes, desejos euma enorme variedade de perspectivas morais e estticas, valores deeconmicos e sociais.

    Davidson (1980) evocou, a propsito disto, a exigncia kantiana

    de conceber unidos no mesmo objeto as ideias de necessidade causal eliberdade. Posto que o monismo anmalo no nos engaja numa divisoentre dois reinos o da natureza e o da liberdade podemos admitira dualidade entre propriedades mentais e propriedades fsicas semadmitir que no haveria qualquer lei de dependncia entre as segundase as primeiras.

    nesta altura que devemos acrescentar o carter hermenutico da

    compreenso da racionalidade (da ao), sem, entrementes, subscreverao antinaturalismo enraizado nas concepes hermenuticas tradicionais(neowittgensteinianas ou fenomenolgicas): devemos considerar queuma razo racionaliza uma ao apenas se isso nos permite interpretara ao do agente, ou seja, se isso nos leva a ver algo que o agente viu,ou pensou que viu, em sua ao, revelando um trao constitutivo (umvalor, um desejo, um dever, um benefcio, um consentimento) da ao.(DAVIDSON, 1980).

    Quando se pergunta por que algum agiu como agiu, o que seespera uma interpretao. Esta pergunta pelo por qu, se sincera,deveu-se ao fato de que, de algum modo, a ao em questo tenha nos

    parecido estranha, sem sentido ou confusa:

    Quando aprendemos sua razo, temos uma interpretao, umanova descrio do que fez, o que se assenta num quadro familiar.

    O quadro inclui algo das crenas e disposies do agente; talveztambm metas, ns, princpios, traos caractersticos gerais, virtudes

    e vcios. Alm disso, a redescrio de uma ao fornecida poruma razo pode localizar a ao em um amplo contexto social,

    econmico, lingstico ou avaliativo. (DAVIDSON, 1980, p.10).

    Isto serve para ressaltar que os eventos mentais no so entidadesindependentes do atribuidor-intrprete, mas, outrossim, entidades que

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    existem na interao entre um intrprete e aquilo de que intrpretee que tambm a interpretao da ao no autnoma quanto asnormas de racionalidade de um intrprete. Da herana quineana,a estrutura da interpretao da ao (como do pensamento e das

    crenas) holstica e radical porque no pode ser determinada comabsoluta preciso e circunscrio (que isto gua depende de que isto lquido, que pode ser bebido e uma innidade de outras crenas), oque signica que haver muitos esquemas possveis de interpretaoe que haveria uma indeterminao necessria na interpretao.

    No deixemos de considerar que, para ele, o mental e o fsicocorrespondem a dois modos de descrever e entender eventos eestados particulares, no so dois modos de ser. H apenas um tipode entidades particulares no-abstratos que, em si mesmos, no sonem mentais nem fsicos (DAVIDSON, 1990; cf. tambm Cf. RSKA-HARDY, 1994). Por isso, o mental no uma categoria ontolgica,mas uma categoria conceitual. Os objetos e eventos mentais so,ao mesmo tempo, tambm objetos e eventos fsicos, biolgicos equmicos. Dizer de um evento que ele mental simplesmente dizerque ns podemos descrev-lo num certo vocabulrio e a marca desse

    vocabulrio a intencionalidade semntica. (DAVIDSON, 1987).

    4 INTERPRETAO E INTERSUBJETIVIDADE

    O conceito central da losoa de Davidson interpretao. Num texto de 1999 intitulado Interpretation: hard in theory, easy inpractice, Davidson situa como o principal desao da losoa formular

    uma resposta adequada ao ctico (que duvida que conhecemos e quetenhamos explicaes racionais)11 dizer que conhecemos o que se d namente dos outros por meio da interpretao. O grande problema dizercomo isto possvel, como a interpretao radical possvel. Para ele

    [...] enquanto no temos idia daquilo que ocorre nas mentes de outras

    pessoas, no tem sentido falar de objetividade, de algo existe no mundo

    11 O tema da crtica ao ceticismo de extrema importncia na formulao do argumento davidsoniano. Sobre isso trateino ensaio Interpretao, razo e ceticismo. Cf. SILVA FILHO, 2004. p. 153-170.

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    independentemente de ns. Os empiristas armam saber em primeirainstncia aquilo que ocorre no solipsismo da mente, e depois, apenas

    num segundo momento, aquilo que ocorre no mundo externo. Creioporm que primeiro preciso compreender o que existe na mente dos

    outros. (DAVIDSON; BORRADORI, 1994, p.50, grifos dos autores).

    Preservando a clssica diviso em trs tipos de conhecimento conhecimento do mundo, conhecimento da mente dos outros econhecimento da prpria mente Davidson defende que o maisimportante, [...] aquele sem o qual no existiria nenhum, oconhecimento em terceira pessoa, isto , o conhecimento daquilo queest na mente dos outros. (DAVIDSON; BORRADORI, 1994, p.51).A interpretao radical um modo de fazer epistemologia porque ointrprete radical aquele que busca estabelecer uma relao entre oque dito pelo seu interlocutor e as coisas e eventos que existem eacontecem no mundo objetivo (e que causam suas crenas): No existenada que se possa chamar de dado perceptivo, evidncia, estimulaonervosa, enquanto no existir pensamento, e o pensamento pressupea intersubjetividade. (DAVIDSON; BORRADORI, 1994, p.54).

    Dessarte, a comunicao lingstica o que estabelece a distinoentre o subjetivo e o objetivo (distino fundamental para o contedode uma crena). Na comunicao real entre interlocutores, para queseja possvel compreender a linguagem doutrem devemos ser capazesde conceber, pensar e julgar aquilo que ele concebe, pensa e julga.

    O sentido de objetividade em Davidson desconcertante: nossasatitudes proposicionais so objetivas no porque foram formadas luz de alguma evidncia, mas porque so verdadeiras ou falsas naconversa com os outros. Por isso, a objetividade consequncia datriangulao: o contedo do pensamento de uma pessoa depende dassuas relaes com outras pessoas e com o mundo, de modo que paraque se d tal triangulao se requer dois seres (supostamente racionais)que interagem com um objeto e que se inscrevem, pela interpretaoradical, num dilogo. Porque ambos partilham o conceito de verdadelhes permitido dar um sentido suposio de que cada um deles tem

    uma crena verdadeira sobre um mundo objetivo. Este externalismo,como disse acima, tem dois elementos caractersticos:

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    a) h a necessidade ontolgica de uma interao causal entreos objetos do mundo e nossas crenas;

    b) h a exigncia do carter pblico e social dospensamentos e dos signicados nas condies de uma

    comunicao intersubjetiva.

    O intrprete, para compreender a fala do outro, parte da suposioque a maioria das sentenas que um falante tem por verdadeiras especialmente aquelas que sustentam com mais obstinao, as maiscentrais no sistema de suas crenas so verdadeiras, ao menos naopinio do intrprete. O nico mtodo disposio do intrprete peautomaticamente as crenas do falante de acordo com seus prprioscritrios lgicos.

    Devemos partir do voto de que os interlocutores so, como ns,animais racionais e que agem segundo razes. Em Rational animals,Davidson escreve que para compreender a linguagem de uma outra

    pessoa devemos ser capazes de conceber ou pensar aquilo que elaconcebe ou pensa o que nos permite partilhar seu mundo. Elesalienta, entrementes, que no somos obrigados a concordar com todos

    os seus pontos; no entanto, mesmo para estarmos em desacordo somosobrigados a pensar a mesma proposio e, deste modo, a conceber,com os mesmos critrios de verdade, a mesma coisa.

    A comunicao na linguagem impe que o falante tenha umconceito de mundo e imagine que o outro falante tambm tenha umconceito correto do mundo. Imaginar que o outro no tem um conceitodo mundo (que nos seus traos mais gerais verdadeiro como o nosso)

    , de um lado, compreender que a linguagem e a ao do outro soirracionais e, ao mesmo tempo, pensar na impossibilidade de ummundo concebivelmente intersubjetivo (e o conceito de um mundointersubjetivo o conceito de um mundo objetivo, um mundo sobre oqual cada comunicante pode ter crenas).

    Ora, sem um intrprete que determine do exterior como uma cadeiacausal (que vai do mundo s palavras) determina o signicado deuma palavra, no h meio de denir se o sujeito utiliza esta palavra

    corretamente ou no, com sentido ou no. Para explicar o que e porque algum disse ou fez alguma coisa necessitamos interpretar os

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    objetivos, intenes, razes e crenas que o falante desposa: o trabalhode interpretao obrigatoriamente est associado ao ato de outorgardesejos e crenas e outros pensamentos a uma fala. Por isso, podemosarmar que o dilogo o contexto da objetividade. A comunicao na

    linguagem impe que o falante tenha um conceito de mundo e julga queo outro falante tambm tenha um conceito correto do mundo. Concluirque o outro no tem um conceito do mundo (que nos seus traos maisgerais verdadeiro como o nosso) , de um lado, compreender que alinguagem e a ao do outro so irracionais e, ao mesmo tempo, pensarna impossibilidade de um mundo concebivelmente intersubjetivo.O conceito de um mundo intersubjetivo o conceito de um mundoobjetivo, um mundo sobre o qual cada comunicante pode ter crenas.

    Estas condies de possibilidade de todo contedo mental e todosignicado excluem, a priori, o ceticismo global quanto existncia domundo exterior e de outras mentes.

    Com esses elementos o carter causal da relao entre razo,crena e ao e o princpio hermenutico da triagulao Davidson

    pode defender que a racionalidade um trao social e apenas os falantes a possuem. Para alm de uma imagem fundacionista da

    razo e essencialista da linguagem, podemos apenas como requisitoda interpretao, do ponto de vista do intrprete e da compreensona linguagem atribuir racionalidade s atitudes proposicionais dosfalantes e s suas aes.

    Posso concluir que a reexo crtica sobre este conceito ps-metafsico de razo, orientado numaperspectiva ps-tica sobre a aoe numa cosmologia materialista (um materialismo dbil, verdade) levaa uma concepo deacionada de racionalidade (ou simplesmente umarazo sem fundamentos metafsicos). Davidson se dirige sobretudo experincia comum, vida comum, demonstrando o carter apriorsticoda comunicao intersubjetiva cotidiana. A contribuio que Jeff Malpastem feito da leitura da obra de Davidson se caracteriza principalmente

    por ter apontado para esse interesse de Davidson por um realismo usualfora da querela entre realismo e anti-realismo: para Malpas (2005),Davidson est interessado com o nosso envolvimento ordinrio,

    cotidiano, dirio com o mundo. No h provas adicionais. A losoae os grandes experimentos mentais no podem oferecer dvidas mais

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    razoveis do que aquelas que nascem da interpretao na conversa...,mas tambm no pode oferecer explicaes melhores.

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    SOCIOLOGIA E VALORES, OS VALORES DA SOCIOLOGIA

    Bernardo Sorj1

    1 INTRODUO

    Neste artigo faremos uma apresentao das relaes entre aproduo de conhecimento social e os valores dos cientistas sociais.Trata-se de um vasto campo no qual losoa e cincia se encontram,sendo, portanto, rea preferida da losoa social e da epistemologia,

    pois trata dos pressupostos e das condies de possibilidade da produo

    do conhecimento cientco. Nosso enfoque do problema se dar desdeuma perspectiva sociolgica, utilizando fundamentalmente a obra deMax Weber, um dos fundadores da sociologia e um dos principais

    pensadores da sociedade moderna. A bibliograa sobre o tema e adiversidade de posies enorme e se modicam constantemente namedida em que a sociedade muda. Por qu? Porque, como veremos,a reexo sobre o mundo social inuenciada pelas transformaes

    da sociedade e as novas realidades culturais afetam e modicam nossapercepo do que seja conhecimento da sociedade. Portanto, o textotem um carter introdutrio e focalizar alguns dos temas centrais.

    2 O CONHECIMENTO SOCIOLGICO E OS VALORES

    A contribuio de Max Weber questo da objetividade das

    cincias sociais, isto , das inuncias valorativas que permeiama produo de conhecimento, continua sendo central e um excelenteponto de partida para introduzir o tema. Weber (1979, 2000) questionase o conhecimento social pode ser objetivo, isto , prescindir ou isolar-se totalmente dos valores pessoais do pesquisador. A sua resposta negativa. Toda realidade social histrica, mutante, as sociedades semodicam e junto com elas os valores. Os problemas que so relevantes

    1 Professor titular de Sociologia, UFRJ e Diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais..

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    numa poca no o so em outra. Assim sendo, os objetos de anlise eas questes que a pesquisa social se coloca so signicativos somentedentro de um dado contexto social.

    O signicado da vida social muda com cada cultura, e todo

    conhecimento histrico produto de um ponto de vista particular, dadopela poca. Os temas relevantes e o signicado que os fatos sociais tmpara os indivduos mudam de sociedade em sociedade. Neste sentido,o conhecimento social sempre contm um componente subjetivo, dado

    pela escolha dos fatos que consideramos importantes serem pesquisados.O recorte temtico e o sentido de relevncia dos fenmenos sociaisdependem de cada cultura e mudam com as transformaes sociaisque geram constantemente novas e imprevisveis realidades. Assim,

    toda obra sociolgica est condenada a ser datada, produto do espaoe do tempo em que foi criada. Novas realidades sociais exigem novasanlises e, eventualmente, mudana do foco do analista.

    Weber (1979, 2000) argumenta, assim, contra aqueles queprocuram leis gerais que seriam vlidas para todos os tempos e pessoas.Aqueles que assumem esta posio esto, na verdade, tomando comoeternas realidades histricas dadas, que so naturalizadas como sendo

    realidades permanentes, mas que so produtos da histria (por exemplo,o mercado). A cincia social focaliza fenmenos que so relevantes, nopor sua universalidade - pois implicaria imputar a todas as sociedades osmesmos valores -, mas por sua individualidade, sua especicidade e suarelevncia para uma dada cultura. Uma teoria social que procurasse darconta do conjunto dos fenmenos sociais seria um aglomerado innitode fatos, muitos dos quais pouco relevantes para ns.

    Sendo as perguntas que se coloca o cientista social e os valores que

    as orientam dados por um determinado contexto cultural, Weber (1979,2000) argumenta que elas so pressupostos do conhecimento cientco.A cincia no tem como decidir quais valores o cientista social deveescolher, pois estes so dados pela cultura de uma certa poca. Osvalores dependem de crenas e a cincia tem como referncia o mundoemprico. A discusso sobre valores situa-se no campo das crenas e daf, e no pode ser resolvida a traves dos mtodos empricos da cincia.

    O argumento de Weber (1979, 2000), na verdade, tem duas vertentes,uma j indicada anteriormente sobre o papel que nossa cultura tem sobre

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    nossas escolhas. Uma segunda vertente, complementar e igualmentefundamental, que toda sociedade est atravessada por mltiplosvalores, que exigem escolhas e prioridades sobre as quais a cincia notem instrumentos diretos para incidir.

    Weber coloca o problema do carter antinmico dos valores, ouseja, que a realizao absoluta de um valor pode signicar abdicar ouanular outros valores. A cincia no possui instrumentos para decidirque valores devem ser escolhidos ou a prioridade que devemos dar aeles. Nossas escolhas e prioridades esto dadas por nossas crenas evalores.

    Para Weber todo conhecimento cientico universal, na medida emque procura a verdade atravs de um mtodo empiricamente vericvel.

    Na medida em que a denio do que seja relevante altere entre pessoase culturas, certas construes cientcas podem ser consideradasdesinteressantes para alguns indivduos, embora elas no percam suavalidade como cincia.

    As decises quanto aos valores que devemos priorizar, se encontramj nos campos da ao e da poltica, e no do conhecimento e da cincia.No se trata, portanto, que a cincia social seja moralmente indiferente,

    mas de sua impossibilidade de denir os valores que o cientista socialdeve escolher.Se os valores esto fora do alcance da cincia, feitas as escolhas

    valorativas, esta deve se restringir ao espao de organizar conceitualmentea realidade emprica. No interior da cincia o nico critrio o davalidade emprica de um argumento dado, independentemente dosvalores que orientaram o cientista, j que a cincia no tem como julgara maior ou menor relevncia destes valores. Como veremos, a luta

    em torno de valores e ideais se d fora do espao do conhecimentocientico.

    3 OS VALORES SO AFETADOS PELA SOCIOLOGIA

    No s os temas que escolhemos para pesquisar so relevantes namedida em que so signicativos para uma dada sociedade, como a

    prpria aceitao do conhecimento cientico pressupe uma sociedadeque considera a cincia como uma forma vlida de conhecimento.

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    O valor que damos ao conhecimento cientico depende do contextocultural. A cincia no pode decidir entre crenas, e ela mesma sesustenta na crena do valor da pesquisa emprica como critrio paradenir a validade de um argumento. Mais ainda, a cincia social no

    pode denir os objetos que so mais ou menos relevantes como objetosde pesquisa, j que a escolha deles depende dos valores do pesquisador.Para Weber (1979, 2000), a cincia no pode decidir que ns

    devem orientar nossa ao. O que ela efetivamente pode auxiliar naidenticao dos meios para atingir um determinado m. Neste sentido,Weber argumenta que a cincia pode ajudar a criticar um m comoirrealista, na medida em que permite mostrar que os meios que ela se

    prope utilizar, podem ou no ser adequados para atingir certo m ou

    indicar as consequncias inesperadas que certos meios podem ter emrelao aos ns.

    A cincia, portanto, no pode decidir quais polticas devemser prioritrias, pois este um tema que est fora do alcance doconhecimento cientico. Mas, se a cincia no pode decidir que valoresso mais importantes e as prioridades que devemos ter, por outro lado,ela permite mostrar as implicaes que certas escolhas tm sobre

    os outros valores. Por exemplo, uma nfase unilateral na procura deigualdade pode afetar nossos valores de liberdade, ou a procura emassegurar o mximo de liberdade pode interferir sobre a solidariedade.

    O fato de a cincia no poder nos ajudar a escolher entre valores nosignica que sua prpria existncia no afete a vida social. Ela parte do

    processo de racionalizao do mundo pelo controle racional e calculadodas consequncias de nossos atos. Mas a cincia, diferentemente dasdoutrinas religiosas, no pode armar, como o fazem as religies, que

    o universo e a vida possuam um signicado, um sentido transcendente.Desta forma, ela no pode indicar um caminho para a salvao eregras para se conduzir na vida.

    O fundamento ltimo da religio no o argumento racional, masa f, a crena em uma esfera sagrada frente qual se suspende, oumesmo se sacrica, o raciocnio. O mundo da cincia um mundodesencantado, portanto, difcil de ser suportado. Se este for o caso,como argumenta Weber (1979, 2000), se ele resulta insuportvel paraos candidatos a cientista social, mais honesto permanecer no mundo

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    religioso do que procurar misturar cincia com crenas que no sesustentam no raciocnio cientco.

    Se a cincia no pode decidir os valores que devemos ter, elapermite, pelo menos at certo ponto, explicar sociologicamente como

    nossos valores so inuenciados pelo contexto social, por interesses dogrupo ao qual pertencemos ou outros fatores sociais. Esta explicaono anula as crenas e valores com os quais nos identicamos, mas dealguma forma os relativiza, na medida em que mostra que aquilo quevivemos como algo absoluto produto de condies sociais e histricasdeterminadas. Igualmente, na medida em que esclarecem a dinmicados processos sociais, as cincias sociais possuem um papel importantena vida poltica, pois favorecem uma tica da responsabilidade, isto ,

    uma tica que no se funda somente em valores absolutos, mas que levatambm em conta as conseqncias prticas da ao poltica.

    Para Weber (1979, 2000), excluindo aqueles que continuam aferradosa crenas religiosas absolutas, o indivduo moderno, inuenciado peloconhecimento cientico, um indivduo reexivo, para quem o sentidodas coisas passa pela inuncia do conhecimento cientco, ainda que aconstruo das vises de mundo esteja fora do mbito cientco, e suas

    modicaes sejam produtos da contraposio constante de diferentesideais.Nas lutas ideolgicas entre cientistas sociais com valores diferentes

    fundamental distinguir aquilo que conhecimento emprico e crenas,cincia e valores. Para Weber, dada a diculdade que existe por vezes emseparar num texto os valores do pesquisador de seu trabalho cientco,o mais adequado que o cientista procure esclarecer ao leitor quais soaqueles aspectos que esto inuenciados por suas escolhas valorativas

    e aqueles que se referem ao mundo emprico.Max Weber particularmente critico daqueles que se utilizam da

    plataforma acadmica e da legitimidade cientca para avanar agendas polticas. O papel do professor ensinar o mtodo cientco. Seusvalores e prioridades devem ser defendidos no espao pblico e navida poltica e no na sala de aula. O professor de cincias sociais podeindicar as implicaes da escolha de certos ns, mas no pode dizerquais so os meios mais adequados, e, menos ainda, dizer quais so osns que devemos escolher. O papel do cientista social, no melhor dos

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    casos, o de ajudar aos indivduos a serem capazes de autoesclareceras consequncias de suas condutas e escolhas, no devendo julg-las.O cientista social no pode dizer quais so os meios mais adequados emenos ainda dizer quais so os ns que devemos escolher.

    Se o acadmico tem um papel no mundo dos valores no ode argumentar a favor de certa posio, mas de identicar os fatosinconvenientes para qualquer posio, de educar para que os alunosse disponham a estar abertos aos fatos que no se adaptam a seus

    preconceitos. O cientista social engajado o oposto do cientista socialidealizado por Weber. o intelectual que se utiliza da legitimidade quelhe da sua posio no campo cientico para contrabandear valores queno se sustentam na cincia. Como argumenta Weber O profeta e o

    demagogo no pertencem plataforma acadmica. (WEBER, 2000).

    4 OS VALORES DA SOCIOLOGIA

    A cincia no pode justicar os valores dos cientistas, nem mesmoa opo de algum pelo conhecimento cientco como caminho

    privilegiado para compreender o mundo. Mas a aceitao deste caminho

    supe abraar no somente o mtodo cientco, como certos valores, emparticular o da liberdade, pois o pensamento cientco supe a liberdadede critica, do direito de duvidar de qualquer verdade estabelecida, a

    possibilidade de se expressar e de se contrapor, de pesquisar qualquertema e de expor as idias no mbito pblico.

    O pensamento cientco no nega a importncia das ideologias,inclusive porque no pode ocupar o lugar delas como expresses dasvises de mundo, do que desejvel para a sociedade. Mas seu contato

    com as ideologias sempre problemtico. As ideologias procuramse apropriar da cincia para dar legitimidade s suas propostas. Namedida em que o cientista social identica sua pesquisa com uma dadaideologia, coloca em risco o ceticismo e o antidogmatismo que so

    precondio do esprito cientco. Sobretudo abre mo do pressupostode que o campo cientco possui suas prprias regras de validao e quea pesquisa cientca no pode se submeter a outra esfera de poder, sejado poltico ou do ideolgico.

    O melhor antdoto que o cientista social pode aplicar sobre si

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    mesmo, para no ser instrumentalizado por outros subsistemas de poder, o de aplicar sobre si mesmo o esprito critico que ele mobiliza quandoanalisa outros fenmenos sociais. Assim, ele car alerta aos diferentesmecanismos sociais que atuam, consciente ou inconscientemente, sobre

    a escolha de seus objetos de anlise, elaborao conceitual e utilizaodos resultados de seus trabalhos.O amplo desenvolvimento da pesquisa cientica exige, assim,

    a criao de um espao institucional autnomo, onde somente oscientistas possam julgar o valor da obra de um colega. Esse espaoobviamente no est livre de jogos de poder e interesses internos eexternos ao mundo cientco, que podem prejudicar a avaliao deuma obra cientica. Mas sem ele dicilmente poder se desenvolver a

    pesquisa social.Na Amrica Latina a criao desse espao foi afetada, tanto por

    governos autoritrios, que consideravam a pesquisa social subversiva,quanto por ideologias revolucionrias que fusionavam cincia econhecimento social. Isto particularmente vlido para o marxismo,que foi dominante nas cincias sociais da regio nas ltimas dcadas ese considerava uma viso cientica da sociedade. Assim sendo, reduzia

    qualquer viso discordante ou diferente a ideologias a servio do grupodominante, deslegitimando-as como conhecimento cientco.A construo de uma cincia social na Amrica Latina supe outro

    problema: o dos valores e supostos culturais que informam os temase questes que o cientista social analisar. Como indica Weber (1979,2000), no podemos julgar cienticamente estes valores, mas podemosanalis-los sociologicamente. De forma resumida podemos dizer queos recortes valorativos dos cientistas sociais latino-americanos so

    inuenciados por marcos tericos construdos em torno de valoresdesenvolvidos em outras sociedades (paises avanados como, at poucotempo atrs, a Unio Sovitica e a China Popular).

    No se trata aqui de defender a existncia de valores autctonesoriginais, ou de uma cincia nacional versus uma cincia cosmopolita,mas de reconhecer que o papel dominante que tiveram os pasescentrais na elaborao dos marcos tericos que informam o cientistasocial e, muitas vezes, suas prprias aspiraes sociais, leva-o a aceitaracriticamente ou idealizar outras sociedades. O sentimento de viver

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    em sociedades decitrias (em termos de liberdade, igualdade,justia, riqueza, democracia), pois a medida de quem somos dada poroutras sociedades, tem produzido muitas vezes uma cincia social comdiculdades de pensar os percursos histricos de nossas sociedades,

    naquilo que elas tm no s de problemtico ou indesejvel, mas decriatividade e inovao.O resultado desta situao a falta de uma medida prpria que

    permita elucidar os caminhos especcos que percorremos comosociedades. O passado aparece geralmente como algo condenvel, poisele nos levou situao indesejvel em que nos encontramos. E o futuroaparece como algo que deve ser totalmente inventado, pois estamos

    profundamente insatisfeitos com os tempos presentes.

    Esta cincia social ca, assim, facilmente exposta aos cantos desereia dos polticos demagogos que prometem reinventar as sociedadesnacionais e produzir um novo comeo que rompa com o passadoinglrio. Desta forma, elas no cumprem seu papel de fortalecer umatica poltica da responsabilidade que, sem abandonar valores e ideais,se sustente numa compreenso das complexas tramas sociais e as

    possibilidades e impossibilidades que a complexa trama social delimita.

    5. CONCLUSES

    As relaes entre sociologia e valores, como mencionamos no incio,representam um tema extremamente vasto. Cada corrente sociolgicacontempornea apresenta respostas diferentes a este problema.Algumas procuram se associar a uma viso positivista, na qual a cinciasocial poderia ser capaz de se dissociar dos valores dos cientistas

    sociais. Uma verso desta perspectiva foi apresentada pelo socilogoKarl Mannheim (1936) que argumentou que as vises da sociedadeestavam a servio da manuteno da ordem social, que ele denominouideologias, ou a servio da transformao da sociedade, as utopias.Somente aos intelectuais lhes era dado produzir um conhecimentoobjetivo da sociedade. Para outros, como no caso do marxismo, valorese conhecimento cientco so convergentes e se confundem, pois osentido da historia do capitalismo contem um potencial virtuoso, e quemfaz cincia social estaria ao mesmo tempo contribuindo para a liberao

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    da humanidade. Numa verso diferente, menos teolgica, as cinciassociais devem desmisticar o senso comum, que esconde sempre umaforma de dominao, ou apontar as virtualidades de outras formas deorganizao social que a ideologia dominante procura esconder.

    Estas vises da sociologia perderam seu peso nas ultimas dcadase foram, em boa medida, substitudas por vises que desvalorizam aespecicidade do pensamento cientico. Para alguns o conhecimentocientco no mais do que uma narrativa possvel dos acontecimentossociais. Para outros o conhecimento social deve estar a servio decausas morais.

    Se neste trabalho enfatizamos a importncia da contribuio doWeber foi porque acreditamos que, embora ela no contenha as resposta

    aos novos problemas que a reexo sobre as questes ticas da cinciasocial deve enfrentar neste inicio de sculo, ela ainda representa aresposta mais equilibrada aos problemas dos valores na cincia social.

    REFERNCIAS

    MANNHEIM, K. Ideology and utopia. London: Routledge, 1936.

    WEBEtR, Max. Cincia e poltica: duas vocaes. So Paulo: Cultrix,2000.

    WEBER, Max. A objetividade do conhecimento nas CinciasSociais. In: ______. Sociologia. So Paulo: Atlas, 1979. cap. 3.

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    TICA E INFORMAO

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    TICA INTERCULTURAL DE LA INFORMACIN1

    Rafael Capurro2

    1 Cmo ha evolucionado el concepto de tica desde el surgimientode las nuevas tecnologas como Internet hasta hoy da? En unprincipio fue la tica de la computacin, luego la cibertica yahora la tica de la informacin?

    El debate comienza, por as decirlo, en 1948 con el libro de NorbertWiener Cybernetics or Control and Communication in the Animaland the Machine (Wiener 1948/1968). Contina con la publicacin

    de Marshall McLuhan Understanding Media en 1964 (McLuhan1964), Joseph Weizenbaum con Computer Power and Human Reason(Weizenbaum 1976) y Deborah G. Johnson Computer Ethics en 1985(Johnson 1985/1994), para citar slo algunas obras importantes de este

    perodo. Temas como privacidad y seguridad estn en el centro de lareexin, pero se percibe tambin que las nuevas tecnologas tienen unimpacto socio-cultural e incluso antropolgico, es decir, de cambio de

    autocomprensin humana muy amplio. Esto lo vio claramente NorbertWiener.Desde mediados de 1990 el debate tico sobre el impacto de la

    red digital mundial (World Wide Web) se concentra sobre todo en eltema de la as llamada brecha digital, o sea, el problema del accesoa Internet no slo dentro de una sociedad, sino tambin de pases eincluso continentes enteros excluidos de facto de la red. Este debateculmina con la Cumbre Mundial sobre la Sociedad de la Informacin

    organizada por las Naciones Unidas en 2003 en Ginebra y en 2005 enTnez. All se formula la visin de una sociedad de la informacin:

    [] centrada en la persona, integradora y orientada al desarrollo, en

    que todos puedan crear, consultar, utilizar y compartir la informacin yel conocimiento, para que las personas, las comunidades y los pueblos

    1 Esta entrevista con la periodista mexicana Diana Gutirrez Prez fue publicada en forma resumida en el peridico

    mexicano Reforma el 4 de febrero de 2008, p. 6. He actualizado algunos puntos. Agradezco al Prof. Oscar Krtli (LomaBola, Provincia de Crdoba, Argentina) por sus sugerencias y correcciones.

    2 Professor da Stuttgart Media University - Wolframstrasse 32 - 70191 Stuttgart - Alemania

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    puedan emplear plenamente sus posibilidades en la promocin de undesarrollo sostenible y en la mejora de su calidad de vida, sobre la base de

    los propsitos y principios de la Carta de las Naciones Unidas y respetandoplenamente y defendiendo la Declaracin de los Derechos Humanos.

    segn dice el prembulo de la Declaracin de Principios del 12 demayo de 2004 (WSIS, 2004). Tambin se indica a continuacin queel potencial de la tecnologa de la informacin ha de estar al serviciode los objetivos de la Declaracin del Milenio que incluye erradicar la

    pobreza extrema y el hambre, instaurar la enseanza primaria universal,promover la igualdad de gnero y la autonoma de la mujer, reducir lamortalidad infantil, mejorar la salud materna, combatir el VIH/SIDA, el

    paludismo y otras enfermedades, garantizar la sostenibilidad del medioambiente y forjar un mundo ms pacco y justo.

    Si la tica en general se puede entender como una reexinmetdica sobre los fundamentos morales de una buena vida, como laconceba Aristteles, la tica de la informacin es la reexin sobre lasoportunidades y problemas ocasionados por las nuevas tecnologas pararealizar una buena vida a nivel local y global como la esbozan en la

    Declaracin de Principios y el Plan de Accin de la Cumbre Mundialsobre la Sociedad de la Informacin.

    2 Cules son los nuevos problemas ticos planteados por la reddigital en Latinoamrica?

    Los nuevos problemas ticos tienen que ver, en primer lugar, conel no acceso a la red digital por parte de quienes no tienen los medios

    econmicos y, lo que es muy importante, la educacin necesaria parautilizar y sacar provecho de sus potencialidades. Estamos hablando,en este caso, de un problema de justicia social informacional y deldeber tanto de los ciudadanos mismos como del Estado de encontrarsoluciones, o mejor dicho, caminos viables para tratar con un campotan importante como la comunicacin bajo el signo de las nuevastecnologas.

    En segundo lugar, la red digital juega un rol cada vez ms importanteen la vida poltica, de modo que la tica debe plantear preguntas y hacer

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    estudios empricos as como tambin formular nuevos conceptos yteoras acerca de las nuevas posibilidades de participacin ciudadanaen o travs de la red. Pensemos por ejemplo en el rol que jugaron y an

    juegan los medios de comunicacin de masas en las democracias del

    siglo pasado, pudindose hablar casi de mediocracia.De un modo semejante las nuevas tecnologas, con sus potencialidadesde interaccin, multimedialidad y creacin o fortalecimiento decomunidades, van a transformar a corto y mediano plazo no slola vida poltica, sino tambin la concepcin o las concepcionesmismas de democracia y, por supuesto, la vida de la sociedad civil atodo nivel. Es por eso que el derecho a la comunicacin, y no sloa la informacin como se lo pensaba tradicionalmente bajo el ttulo

    de la libertad de prensa, se ha vuelto algo elemental que es necesariodiscutir y luego tambin implementar con los instrumentos polticos y

    jurdicos adecuados. A esto se suma el derecho a que la informacingubernamental ocial se presente de un modo que garantice sucomprensin. Un acceso digital meramente formal a dicha informacin,sin que se considere su transparencia, no ayuda a que la ciudadana seintegre activamente al proceso de construccin social. Incluso puede

    suceder que la informacin digitalizada se transforme en un obstculopara el empoderamiento de la misma.El acceso al saber es tambin un tema tico importante que

    concierne por ejemplo al tema de los derechos de autor o a la propiedadintelectual en general, incluyendo todo tipo de creaciones artsticas,especialmente msica y pelculas cinematogrcas, pero tambin todolo que concierne a patentes como instrumento para hacer pblicosconocimientos relacionados a invenciones que puedan ser explotadas

    industrialmente, pero en muchos casos, especialmente en el campode la medicina, a costa de quienes necesitan dichos productos pero no

    pueden pagarlos. Otro tema importante es el de un acceso equitativoal saber, particularmente en las instituciones de enseanza pblicas(escuelas, liceos, universidades, centros de investigacin pblicas),sobre todo si se piensa que una parte de la produccin de conocimientoscientcos es nanciada por el Estado. Un tema central concierne a la

    proteccin de la vida privada de los ciudadanos que est relacionadocon la responsabilidad del Estado en el campo de la seguridad pblica.

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    En el caso de estados autoritarios o semi-democrticos las nuevastecnologas pueden servir tanto para la represin social como para

    promover movimientos ciudadanos de participacin y/o de protestapoltica. Basta pensar, en el contexto de Centroamrica y el Caribe, el

    blog de la cubana Yoani Snchez. (SNCHEZ, 2008).A nivel de la vida diaria la red plantea problemas respecto a laeducacin de las generaciones jvenes que nacen en el mundo de lasnuevas tecnologas pudiendo, por tomar dos extremos, o bien quedarexcluidas de ellas por motivos econmicos o de segregacin social oeducacional, o bien hacerse adictas a ellas, transformndose en objetode todo tipo de engaos y manipulaciones, particularmente peligrosasen el caso de nios y adolescentes.

    Estos son temas que se abordan de diferente manera en distintasculturas, perspectivas histricas y situaciones econmicas, polticasy sociales singulares, como es el caso de Latinoamrica donde todosestos temas han de ser discutidos teniendo en cuenta las situaciones yopciones histricas de los pueblos de este continente. Muchos de estos

    problemas no son completamente nuevos si uno piensa en otros medioscomo la televisin, la radio, los libros... pero s se plantean en forma

    diferente en el horizonte de las nuevas tecnologas, especialmente de lared digital.

    En una contribucin al 6 Congreso Nacional de Bibliotecologay Documentacin, que tuvo lugar del 4 al 7 de julio del 2000 enBogot, yo citaba al periodista y socilogo mexicano Ral TrejoDelarbre (CAPURRO, 2000), hoy investigador titular en el Institutode Investigaciones Sociales de la UNAM y profesor en la Facultad deCiencias Polticas y Sociales de esa universidad, quien en 1999 escriba:

    En estas pginas, hemos querido ofrecer elementos para un diagnsticodel estado actual de la Internet, como parte del contexto de esa reexin.Los temas pendientes son muchos. Nos apoyamos en una indagacinreciente sobre la relacin entre conocimiento y pobreza global, paraenumerar algunos de los puntos del debate internacional, vigente peroincompleto, en torno al uso de nuevas tecnologas en los pases endesarrollo.

    Las estrategias de comunicacin y las infraestructuras, qu tan lejospueden y deben facilitar la produccin local y el intercambio sur/sur?

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    Quin, si es que alguien, debera controlar la generacin y el ujode informacin a travs de un sistema cuya transparencia tecnolgicafuncione en contra los regmenes de informacin altamente regulada

    por los gobiernos en muchos de los pases ms pobres?

    Cmo, si es factible, puede ser ubicado este enfoque en los planes

    de negocios de las industrias globales de comunicacin, conocidasextensamente en el ujo norte-sur de programacin para la radio yTV, libros, trco de telecomunicaciones, aprendizaje e intervencinespecializada?

    En qu magnitud amenaza ese ujo a las culturas frgiles?

    Cmo pueden ser protegidos los derechos de propiedad intelectual delconocimiento autctono?

    A esas preguntas aada Ral Trejo Delarbre (1999) los problemassiguientes:

    a) censura a los contenidos considerados como perniciosos y quecirculan en la red de redes;

    b) correo chatarra. Proliferacin de mensajes no deseados. Disemi-nacin de virus. Trco con listas de direcciones electrnicas.

    Preponderancia de la comercializacin por encima del servicio yla utilidad pblicos en la red de redes;c) encriptacin e intrusin. Proyectos de gobiernos como el de

    Estados Unidos para impedir la codicacin de mensajes conprogramas que no puedan ser reconocidos por sus corporaciones policacas, o para incorporar recursos capaces de permitir ladevelacin de informacin sin la voluntad de sus propietarios;

    d) dispersin y confusin de la informacin que circula por laInternet. Banalizacin y heterogeneidad de contenidos;

    e) comercializacin irrefrenable pero tambin inmoderada. Desplaza-miento, sustitucin o inexistencia de los espacios pblicos.Limitaciones de instituciones estatales y de las universidades

    pblicas para extender la red de redes con contenidos propios.

    Creo que estos problemas son tan actuales en Latinoamrica hoycomo lo eran hace diez aos. Sera muy importante hacer un anlisis

    emprico detallado, que encuentre soluciones o caminos viablesactuales concretos para estos problemas as como su relacin con

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    otros problemas que han surgido desde entonces, para lo cual el lectorencuentra abundante material en el sitio de Ral Trejo Delarbre. (TREJODELARBRE, 2008).

    3 Cul es la diferencia entre los problemas ticos planteados porInternet en contraposicin a los planteados por los medios demasa (tica de los medios o media ethics / communicationethics) incluyendo la tica laboral periodstica en Mxico oLatinoamrica?

    En general se puede decir que los problemas ticos planteados por

    los medios masivos de comunicacin eran, antes de Internet, ms fcilesde solucionar, dado que bastaba aparentemente poner reglas de controladecuadas en las emisoras e impartir una educacin tica adecuada alos intermediarios responsables de la seleccin y/o interpretacin delos mensajes, o sea, los periodistas. Por otra parte, haba que tomarrecaudos en la educacin del usuario para prever o evitar colisiones conlas normas sociales morales y/o legales vigentes. Digo en principio,

    porque por supuesto que este tipo de controles normativos tiene sus

    lmites cuando los mensajes distribuidos en una estructura jerrquicade uno a muchos se ubican en un contexto globalizado y multiculturaldonde lo que no es visto como nada ofensivo en un contexto local,lo es en otro contexto. Cuando un diario local dinamarqus publica el30 de setiembre de 2005 caricaturas del profeta Mahoma que son unaofensa para los musulmanes, esto no es un asunto meramente local.(JYLLANDS-POSTEN, 2008).

    Este tipo de problemas, que pueden resolverse parcialmente conun sistema de regulacin local, cae ms en crisis en el momento enque surge la red digital global, en la cual, en principio, todo receptor

    puede ser un emisor o, por as decirlo, tambin un periodista. Esto eslo que pasa actualmente con los blogs y otros sistemas de distribucinde mensajes que si bien no tienen el alcance de, digamos, la CNN, stienen impacto local o glocal (una palabra en la que se une lo globaly lo local) de diversa envergadura. Esto signica un proceso de

    liberacin del individuo o de comunidades que pueden ahora expresarseautnomamente, sin recurrir a una emisora o a un intermediario

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    establecido, como era el caso de los medios de masa o de las editoriales.Es as que surge un nuevo sistema interactivo y regulado, o regulableslo dbilmente, tanto desde el punto de vista legal como moral, si selo compara con el anterior.

    Todos estos sistemas, incluyendo el ms clsico de la comunicacinoral y la reunin fsica cara a cara, coexisten actualmente y, lo que esms, estn cada vez ms conectados a la red digital como un mediode medios. Esto plantea una inmensa tarea para la reexin losca,tica, sociolgica, psicolgica y naturalmente para la tcnica misma,a n de dar una forma y un sentido a dichos medios en los diversoscampos de la vida social. Los resultados de dicha reexin sirvende base para la discusin parlamentaria y las decisiones polticas y

    legales as como para las prcticas educacionales. No debemos olvidartambin que todos estos temas son tratados en campos tan importantescomo la literatura y el arte en general que inuyen profundamente enla gestacin de marcos de referencia y orientacin. A travs de dichasobras se crean mitos y metforas que pasan a ser parte de la memoriacultural de un pas o de toda una regin. Pensemos, sin ir ms lejos, enla obra de Jorge Luis Borges y en especial en su ensayo La biblioteca

    de Babel. (BORGES, 1941).4 Existe ya en Latinoamrica una cultura digital?

    Creo que lo que existe son culturas digitales en distintos estratosde las sociedades latinoamericanas, con distintos tipos de brechasdigitales que son expresiones de brechas educacionales, econmicas,culturales y polticas. No me atrevera a dar aqu ningn tipo de

    referencia emprica concreta sobre el estado actual de la penetracinde las nuevas tecnologas. Como introduccin a este tema puede verse(CAPURRO, 2008). Es indudable que en especial el telfono celular,que ya no es ms meramente un telfono, es decir, un instrumento decomunicacin entre dos personas, tiene ya una gran inuencia a todonivel en las sociedades latinoamericanas, y que dicha inuencia ha deser analizada crticamente desde un punto de vista econmico, social,tico y poltico.

    Una gran fuente de intercambio comunitario a muy alto nivel

  • 8/8/2019 A tica na Sociedade, na rea da Informao e da Atuao Profissional

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    con colegas latinoamericanos fue durante muchos aos la comunidadvirtual MISTICA (Metodologa e Impacto Social de las Tecnologasde la Informacin y de la Comunicacin en Amrica) (MISTICA,2003) creada por Daniel Pimienta. El grupo MISTICA produjo un

    documento Trabajando la Internet con una visin social que meparece un excelente punto de partida para un debate tico y polticoen Latinoamrica (MISTICA, 2002). Daniel Pimienta ha indicado endiversas ocasiones que luchar por la tica de la red es el reto esencial

    para el futuro del mundo virtual. Yo aadira que es el reto esencial parael futuro de un mundo en el que lo real y lo virtual estn ntimamenteconectados, ya que el mundo virtual es una realidad de gran peso en lavida diaria de millones de personas. Crear en Latinoamrica redes de

    lo que Daniel Pimienta llama muy adecuadamente saberes compartidoses algo fundamental para el desarrollo cultural, poltico y econmico deeste continente (PIMIENTA, 2006).

    Creo tambin que en este proceso las bibliotecas pueden y debenjugar un rol importante como centros de acceso libre a dichos saberesque forman parte de la memoria cultural de una sociedad. Es en laliteratura y en el arte en general donde se gesta una cultura digitallatinoamericana en la medida en que dichas producciones artsticasse inserten en el medio digital y que las bibliotecas latinoamericanasse hibridicen digitalmente. Como se puede ver, todo este campo vamucho ms all de un debate sobre cdigos de tica profesional a losque a veces se lo suele reducir. Es todo el complejo comunicacionalcon sus instituc