A Evolução Biológica Aos Olhos de Professores Não-licenciados

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Evolução biológica

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    CENTRO DE CINCIAS FSICAS E MATEMTICAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    CIENTFICA E TECNOLGICA

    A EVOLUO BIOLGICA AOS OLHOS

    DE PROFESSORES NO-LICENCIADOS

    ANA PAULA NETTO CARNEIRO

    Florianpolis, 2004.

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    CENTRO DE CINCIAS FSICAS E MATEMTICAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    CIENTFICA E TECNOLGICA

    A EVOLUO BIOLGICA AOS OLHOS

    DE PROFESSORES NO-LICENCIADOS

    ANA PAULA NETTO CARNEIRO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao Cientfica eTecnolgica da Universidade Federal de SantaCatarina como requisito parcial para obtenodo ttulo de Mestre em Educao Cientfica eTecnolgica.

    Orientadora: Prof. Dra. Vivian Leyser da Rosa

    Florianpolis, 2004.

  • Queridos alunos do Curso deComplementao para Licenciatura

    em Biologia, lhes dedico este

    trabalho, pois foi por vocs que o

    realizei.

  • Resumo

    Considerando os conceitos relativos Evoluo Biolgica como

    fundamentais para a compreenso das Cincias Biolgicas, bem como os problemas,

    registrados na literatura da rea, que envolvem seu ensino e aprendizagem, o

    presente trabalho tem por objetivo principal identificar as concepes que

    professores do ensino mdio de Biologia possuem a respeito do tema Evoluo

    Biolgica. Para isso utilizei, como material de anlise, 75 textos sobre o tema

    produzidos por professores de Biologia no licenciados da Rede Estadual da Bahia

    quando cursaram a disciplina de Gentica e Evoluo de um Curso de

    Complementao para Licenciatura em Biologia ministrado pela UFSC entre 2001 e

    2002. Nesses textos, foi identificada uma srie de equvocos conceituais

    relacionados ao domnio do conhecimento cientfico e dificuldades de abordagem do

    tema Evoluo Biolgica, no contexto do ensino de Biologia. Alguns desses

    equvocos esto relacionados ao objeto de estudo da Evoluo Biolgica, noo e

    significado da seleo natural e ao domnio das evidncias evolutivas. Tal

    constatao vem ao encontro de outros trabalhos de pesquisa realizados no Brasil a

    respeito do ensino de Evoluo Biolgica. Apesar do papel central ocupado pela

    Biologia Evolutiva entre as cincias da vida, ela ainda no representa nos currculos

    educacionais, uma prioridade altura de sua relevncia intelectual e de seu potencial

    para contribuir para as necessidades da sociedade, medida que esta fundamenta os

    estudos que permitem que a Biologia desenvolva muitas de suas aplicaes sociais,

    como por exemplo, a compreenso e combate das doenas genticas, sistmicas e

    infecciosas e pelo melhoramento de safras e diminuio dos prejuzos causados por

    patgenos, insetos e ervas daninhas. possvel relacionar as concepes expressas

    pelos professores/alunos com o desenvolvimento do pensamento evolutivo biolgico

    buscando identificar suas origens no contexto histrico. Este enfoque objetiva

    enfatizar a importncia do conhecimento do desenvolvimento do pensamento

    evolutivo para o ensino e aprendizagem do tema Evoluo Biolgica, apontar

  • algumas implicaes que este tipo de abordagem apresenta, bem como ressaltar a

    necessidade de uma formao docente que contemple tal prtica.

  • Abstract

    This dissertation aims at identifying and discussing concepts about Biological

    Evolution as expressed by secondary level Biology teachers, taking into

    consideration that, although this knowledge is considered to be fundamental for the

    full understanding of Biological Sciences, educational research in this area points to

    a number of problems involving its learning and teaching. Empirical data was

    obtained from texts written by Biology teachers working in public schools in the

    State of Bahia (Brazil), during a course about Genetics and Evolution, as part of an

    in-service teachers training inniciative promoted by Federal University of Santa

    Catarina, in 2001-2002. These teachers were originally professionals in different

    fields (such as Veterinary Sciences, Nursing and Pharmacy) and received their

    formal training for teaching by means of distance learning. Contents of their written

    texts were analysed and it was possible to identify a number of misconceptions

    related to teachers poor scientific understanding of Evolution process, as well as

    problems concerning its teaching. Some of those misconceptions were related to the

    object of study of Evolution, others to the notion and meaning of natural selection

    and also to the understanding of Evolution evidences. These aspects can be related

    to other similar findings in the literature. A central role is assigned to Evolution in

    life sciences, but not in science education curricula. Its intelectual relevance and its

    potential to contribute for society needs should be explored in many ways (for

    example, for the understanding of human genetic and infectious diseases, as well as

    its contribution to obtain improved crops and to fight pathogens and insects in

    agriculture). With the present study, it was possible to relate misconceptions

    expressed by teachers to the historical development of ideas about Evolution,

    looking for possible connetions between its origins in both contexts (history of

    science and science education). It is proposed that teaching and learning about

    Biological Evolution could profit from the knowledge about its historical origins.

  • This study points to some implications of this approach and emphasizes the need of

    incluiding historical aspects of science developments in Science teachers education.

  • Agradecimentos

    A concretizao deste trabalho s foi possvel graas contribuio de

    muitas pessoas. A elas dedico meu reconhecimento e peo desculpas pelas

    ausncias.

    Agradeo.

    Professora Doutora Vivian Leyser da Rosa, orientadora, pela dedicao,

    empenho, compreenso, amizade, competncia e profissionalismo demonstrados

    nesta caminhada, contribuindo em muito para meu aperfeioamento.

    Ao professor Demtrio Delizoicov, por ter sido membro de minha banca de

    qualificao e pelo importante papel que desempenhou na minha deciso de optar

    pela rea de educao.

    professora Ilada Rainha de Souza por ter sido membro de minha banca de

    qualificao e pelo inestimvel auxlio em todos os momentos em que este se fez

    necessrio.

    Ao professor Luiz O. Q. Peduzzi pelos emprstimos de materiais de pesquisa

    e pelo incentivo. Agora est pronta!

    A todo o corpo docente do PPGECT que demonstrou competncia e

    profissionalismo; em especial aos Professores Arden, Pinho, Angotti, Bazzo e Edel.

    Sandra, secretria do curso, por sua incansvel presteza e carinho.

    Aos colegas do curso, em especial amiga Lidiane, com os quais tive a

    oportunidade de conviver e de compartilhar esta caminhada.

    Aos professores/alunos do Curso de Complementao de Licenciatura em

    Biologia por terem aceitado fazer parte deste trabalho. Sem eles, ele no existiria.

  • Aos meus pais, Manoel e Teresa, irms e familiares pelo incentivo, apoio e

    compreenso demonstrados, mesmo distncia, durante o curso.

    Ao Programa de Ps-Graduao em Educao Cientfica e Tecnolgica do

    CED/CFM da Universidade Federal de Santa Catarina, pela oportunidade de realizar

    este trabalho.

    CAPES, pela concesso de bolsa de estudos durante o curso.

    A todos que de alguma forma contriburam, direta ou indiretamente, para a

    concretizao de mais esta fase, OBRIGADA.

  • Weu,Bem mais importante que ser um anjo bom,

    ser um homem bom. Obrigada por tudo.

  • SUMRIOResumo

    Abstract

    Agradecimentos

    Apresentao...........................................................................................................15

    CAPTULO I - Evoluo Biolgica......................................................................19

    1.1. Evoluo Biolgica: Importncia e Significados ..........................................19

    1.2. Desenvolvimento do Pensamento Evolutivo Biolgico.................................26

    1.2.1. Concepes Naturalistas - Perodo de Inferncias Mltiplas.................27

    1.2.2. Concepes Criacionistas - Perodo de Respostas Prontas.....................31

    1.2.3. Concepes Evolucionistas - Perodo de Libertao..............................34

    1.2.3.1. Evoluo Biolgica antes de Darwin...........................................35

    1.2.3.2. Evoluo Biolgica a partir de Darwin........................................48

    1.2.4. Tendncias atuais da Pesquisa Evolutiva Biolgica...............................56

    CAPTULO II - Evoluo Biolgica e Ensino.....................................................58

    2.1. O atual contexto do Ensino de Evoluo Biolgica.....................................58

    2.2. Ensino do tema Evoluo Biolgica - Uma argumentao histrica do

    desenvolvimento do pensamento Evolutivo Biolgico.................................65

  • CAPTULO III O cenrio da Pesquisa...............................................................69

    3.1. Curso de Complementao para Licenciatura em Biologia...........................69

    3.2. O curso de Complementao para Licenciatura de Biologia, Qumica, Fsica

    e Matemtica..................................................................................................75

    3.3. O Acompanhamento da Tutoria.....................................................................81

    3.4. O tema Evoluo Biolgica no Curso de Complementao..........................90

    3.5. Educao a Distncia.....................................................................................93

    CAPTULO IV Diferentes Concepes sobre o Tema Evoluo Biolgica.....96

    4.1. Concepes a partir dos textos elaborados pelos professores/alunos............96

    4.2. Concepes a partir dos questionrios respondidos pelos professores/

    alunos...........................................................................................................109

    CAPTULO V - Consideraes Finais.................................................................117

    VI - Referncias Bibliogrficas.............................................................................123

    VII -ANEXOS........................................................................................................128

    Anexo 1. Grade Curricular do Curso de Complementao de Licenciatura em

    Biologia.

    Anexo 2. Plano de Ensino da Disciplina de Tpicos Essenciais em Biologia

    Anexo 3. Plano de Ensino da Disciplina de Gentica e Evoluo

  • Anexo 4. Proposta de atividade para as Disciplinas de Tpicos Essenciais em

    Biologia e Gentica e Evoluo

    Anexo 5. Texto de Divulgao Cientfica Trs Aspectos da Evoluo (Gould,

    1997).

    Anexo 6. Questionrio de Pesquisa.

    Anexo 7. Trabalho apresentado no VIII EPEB USP, sob o ttulo: O tema Evoluo

    Biolgica entre professores de Biologia no Licenciados Dificuldades e

    Perspectivas (Rosa, 2002).

    Anexo 8. Trabalho apresentado no 49 ENPEC, sob o Ttulo: Trs Aspectos da

    Evoluo Concepes sobre Evoluo Biolgica em textos produzidos

    por professores a partir de um artigo de Stephen Gould. (Carneiro, 2003).

  • Nothing in biology makes sense except in the light of evolution."

    T. Dobzhansky (1973)

  • Apresentao

    Pensar o ensino de Cincias sempre foi algo muito presente em minhas

    atividades acadmicas e em minha prtica docente. Meu trabalho de concluso de

    curso foi desenvolvido na rea de ensino de Biologia, e buscou reativar um

    laboratrio de cincias de uma escola da rede pblica estadual de Santa Catarina,

    bem como investigar algumas prticas docentes ligadas a atividades experimentais.

    Conclui meu curso de graduao em dezembro de 2000 e, a partir de maio de 2001,

    passei a atuar, como tutora, em todas as disciplinas de Biologia oferecidas no Curso

    de Complementao para Licenciatura em Biologia, oferecido aos professores do

    ensino mdio do Governo do Estado da Bahia, na modalidade distncia. Surgiu

    ento, a oportunidade de aproximar a prtica profissional de algumas reflexes que

    caracterizaram a presente pesquisa.

    Com o ingresso no Programa de Ps-Graduao em Educao Cientfica e

    Tecnolgica, as experincias, como tutora, passaram a ser associadas ao contexto da

    pesquisa sobre Ensino de Cincias, mais especificamente sobre ensino de Biologia,

    privilegiando as abordagens sobre Evoluo Biolgica, por entender que este um

    tema pouco trabalhado no ensino mdio, devido a questes ligadas, entre outras,

    principalmente a problemas relacionados falta de domnio do conhecimento

    cientfico por parte dos docentes.

    Nesse perodo, em contato com os professores/alunos1 do Curso de

    Complementao e com as atividades por eles elaboradas, foi possvel detectar

    1 No presente trabalho de pesquisa, os alunos do Curso de Complementao foram designados como

    professores/alunos porque os mesmos exercem simultaneamente a funo docente. A designao de

    professores, ser relativa aos professores que ministraram as disciplinas do Curso. Quando houver referncias

    a alunos, ser relativas aos que cursam o ensino mdio.

  • diversas questes ligadas a concepes sobre Evoluo Biolgica que no

    correspondem ao conhecimento cientfico, podendo ser assim, consideradas

    equivocadas. A anlise de textos sobre o tema Evoluo Biolgica, elaborados por

    estes professores/alunos, sinalizou a necessidade de um estudo mais aprofundado

    sobre tais concepes, processo que resultou na presente dissertao.

    O objetivo geral deste estudo o de contribuir para o entendimento dos

    problemas que permeiam a abordagem docente do tema Evoluo Biolgica, a partir

    da identificao e anlise de diferentes concepes expressas por professores de

    Biologia do ensino mdio. Entendo que, a partir da identificao das concepes,

    corretas ou equivocadas, expressas por estes professores/alunos, ser possvel traar

    um quadro de importantes questes ligadas a este tema, como por exemplo, a idia

    de progresso e o conflito com crenas religiosas. As origens de tais concepes

    podem estar relacionadas s lacunas na formao inicial dos professores de Biologia.

    A partir desse quadro, podero ser traadas estratgias para identificar e oferecer

    contribuies para superar tais concepes, bem como, apontar questes que possam

    ser contempladas em programas de formao continuada.

    A amostra utilizada nessa pesquisa extremamente peculiar do ponto de vista

    das caractersticas dos professores/alunos, quando comparada a pesquisas similares.

    Peculiar ao ponto de ser considerada nica. Apesar de o grupo ser formado por

    professores de Biologia em exerccio na rede pblica estadual da Bahia, o mesmo

    heterogneo em sua formao inicial, pois poucos so bacharis em Cincias

    Biolgicas (8%), a maioria sendo formados em reas afins como Agronomia (23%),

    Enfermagem (28%), Farmcia (15%), Medicina Veterinria (14%) e Odontologia

    (12%). Alm desse diferencial, somente em 2001 estes professores iniciaram a

    licenciatura em Biologia em um curso com durao de um ano que no iria ser

    oferecido novamente na modalidade relatada no presente trabalho. Estas

    caractersticas da amostra permitem algumas inferncias diferentes das que

  • aconteceriam se a amostra fosse composta somente por professores oficialmente

    habilitados para as funes docentes e com formao inicial em Cincias Biolgicas.

    Levando em conta a heterogeneidade dos quadros funcionais, principalmente

    nas redes de ensino pblicas brasileiras, a anlise feita a partir dessa amostra ser de

    extrema relevncia, pois permitir uma melhor compreenso do contexto do ensino

    do tema Evoluo Biolgica, possibilitando avaliar de que forma as concepes de

    profissionais de diferentes formaes, quando tratam do tema Evoluo Biolgica,

    podem vir a interferir na sua atuao docente.

    Pretende-se, a partir deste estudo, oferecer alguns indicativos para que o

    ensino e a aprendizagem deste tema, considerado central para o entendimento da

    Biologia, se tornem mais efetivos e plenos de significados, para professores e

    alunos.

    Para tanto, no primeiro captulo, escolhi enfatizar a natureza, importncia e

    significados da Evoluo Biolgica a fim de contextualizar a relevncia dos

    conceitos evolutivos para a compreenso da Biologia, bem como, o

    desenvolvimento histrico do pensamento evolutivo biolgico. Demonstrar a

    trajetria desses conceitos ao longo do tempo permitir o entendimento da cincia

    enquanto uma construo humana configurada por um contexto scio-cultural.

    Perceber o tema Evoluo Biolgica no processo de ensino/aprendizagem a partir do

    seu desenvolvimento histrico pode contribuir para seu entendimento. Nesse

    sentido, Leite (2004) argumenta que Histria da Cincia pode ser utilizada como um

    recurso no ensino de Cincias Naturais e de Biologia, visando superar as concepes

    inadequadas sobre a natureza da Cincia e tambm como um expediente a fim de

    melhorar a educao cientfica, no esquecendo de enfatizar a necessidade de que os

    professores devam ser preparados para trabalhar nesta perspectiva.

    No segundo captulo dessa dissertao, a abordagem est centrada nas

    questes que envolvem o ensino e aprendizagem do tema Evoluo Biolgica. Com

  • base na bibliografia disponvel e registrada em anais de eventos realizados nos

    ltimos anos no Brasil, apontarei algumas das principais dificuldades identificadas

    no ensino mdio.

    No terceiro captulo, inicialmente relatarei as peculiaridades do contexto onde

    a pesquisa se desenvolveu, procurando localizar o leitor em relao a aspectos sobre

    a amostra utilizada. A seguir, caracterizarei o curso de Complementao para

    Licenciatura em Biologia, Qumica, Fsica e Matemtica e, finalmente, farei uma

    breve apresentao sobre o que preconizado pela modalidade Educao a

    Distncia.

    No quarto captulo, apresentarei uma anlise das diferentes concepes que

    os professores/alunos da amostra estudada, possuem sobre o tema Evoluo

    Biolgica. Mostrarei que tais concepes esto tanto identificadas com os conceitos

    atualmente compartilhados, na comunidade cientfica, sobre os processos e

    mecanismos da Evoluo Biolgica, como tambm apresentam elementos

    vinculados ao senso comum e crenas religiosas, conforme aponta a literatura da

    rea.

    No quinto captulo, baseada no estudo realizado, ofereo algumas

    consideraes finais procurando estabelecer conexes com as discusses

    apresentadas ao longo desta dissertao e aponto perspectivas de novas pesquisas

    sobre o ensino do tema Evoluo Biolgica.

  • CAPTULO I

    Evoluo Biolgica

    Neste captulo, no primeiro tpico, abordarei a importncia e

    significados da Evoluo Biolgica para o contexto das Cincias Biolgicas. No

    segundo tpico, ser dado destaque para o resgate histrico do desenvolvimento do

    pensamento sobre a origem das espcies. O intuito destas abordagens melhor

    compreender os fatos cientficos atualmente aceitos sobre Evoluo Biolgica, bem

    como, relacionar o contexto histrico de seu desenvolvimento com questes ligadas

    ao ensino e aprendizagem deste tema, neste e nos demais captulos desta dissertao.

    No desconsiderando que existam referncias mais atuais sobre o tema e

    enfoques mais ligado Filosofia da Cincia, estas abordagens tm como fontes

    principais as obras de Mayr (1998), Futuyma (1992, 2002), Stebbins (1970) e

    Dobzhansky e cols. (1988).

    1.1. Evoluo Biolgica: Importncia e Significados

    Ao iniciar uma abordagem sobre a importncia e o significado da Evoluo

    Biolgica para o contexto das Cincias Biolgicas, primeiramente cabe lembrar a

    afirmao feita por Theodosius Dobzhansky (1973) na clebre frase Nada em

    Biologia faz sentido se no for luz da Evoluo. Em outras palavras,

    Dobzhansky afirma que na Biologia, a realidade da Evoluo Biolgica que em

    ltima instncia confere coeso e vincula, direta ou indiretamente, cada um a todos

    os outros estudos biolgicos.

    Em um mundo que pode ter de dez a trinta milhes de espcies distintas, que

    exploram de diversas formas um grande nmero de habitats, a variedade de

  • possveis interaes entre as populaes e o meio ambiente enorme (Dobzhansky e

    cols. 1988).

    Atualmente, temos conscincia da enorme diversidade de seres vivos, todos

    eles descendentes de um antepassado comum que viveu em um tempo remoto.

    Segundo Ayala (1983), at o sculo XIX, o conjunto das explicaes dos processos2

    que permitiram toda esta diversidade, era chamado de Teoria da Evoluo

    Biolgica, no sentido de que poderia existir alguma probabilidade de que as

    explicaes fossem incorretas. Apesar do termo Teoria da Evoluo Biolgica ser

    usual nos meios de ensino e de pesquisa, j no se duvida que a Evoluo Biolgica

    seja efetivamente um fato. Aceitar algo como um fato, significa admitir sua

    existncia a despeito do que sabemos ou compreendemos a respeito. Nenhum debate

    cientfico recente tem posto em dvida o fato ou a realidade objetiva da Evoluo

    Biolgica, embora haja divergncias a propsito de sua reconstituio histrica ou

    sobre seus mecanismos causais. No entanto, polmicas cientficas sobre "como" ou

    "por que" a Evoluo Biolgica ocorreu no passado e continua a ocorrer no presente,

    no a suprimem como um fato. Bilogos modernos aceitam a Evoluo Biolgica

    como um fato to bem demonstrado como os fatos da histria antiga (Stebbins,

    1970).

    Futuyma (1992) argumenta que a Evoluo Biolgica um conjunto de

    afirmaes interligadas sobre seleo natural e outros processos que a causam,

    segundo uma gama de evidncias amplamente aceitas, assim como a teoria atmica

    e a teoria da mecnica newtoniana so conjuntos de afirmaes que descrevem

    causas e fenmenos qumicos e fsicos. A afirmao de que organismos

    descenderam, com modificaes, a partir de ancestrais comuns - a realidade

    histrica da Evoluo Biolgica no uma teoria. Apesar de nem todas as

    evidncias evolutivas poderem ser testadas empiricamente, ela um fato, tanto

    2 No presente trabalho, quando em referncia Evoluo Biolgica, o termo processo ser utilizado comosinnimo para os termos mecanismos e/ou fatores.

  • quanto o fato das revolues da Terra ao redor do Sol. Assim como o sistema

    heliocntrico, a Evoluo Biolgica comeou como uma hiptese e atingiu o status

    de fato medida que evidncias a seu favor se tornaram to poderosas que

    nenhuma pessoa destituda de preconceitos e munida de conhecimento pode negar

    sua realidade. Os oponentes atuais da Evoluo Biolgica, quase sem exceo,

    sustentam suas posies no com base em argumentao lgica, mas em emoes e

    crenas religiosas. Como exemplo, temos a teoria do Design Inteligente. Segundo

    Dembski (1999) e Behe (1997), esta teoria sustenta que causas inteligentes seriam

    responsveis pela origem do universo e da vida, em toda a sua diversidade. Seus

    defensores argumentam que ela uma teoria cientfica, oferecendo provas empricas

    da existncia de Deus ou de aliengenas super inteligentes. Acreditam que o Design

    Inteligente seja detectvel empiricamente na natureza e em sistemas vivos. Os

    argumentos a favor dessa teoria parecem ser os argumentos criacionistas sem

    referncias Bblia. Entre outros aspectos, rejeitam a noo de seleo natural, por

    entender que esta nega a possibilidade do universo ter sido projetado ou criado.

    Para as Cincias Biolgicas, a Evoluo Biolgica representa um elemento

    unificador atravs do qual muitos e diversos fatores como as semelhanas

    anatmicas e fisiolgicas entre diferentes espcies, os conhecimentos sobre

    embriologia animal, a diversidade de espcies e os registros fsseis entre outros, so

    integrados e explicados (Futuyma, 1992). Por esta razo, segundo Valotta (2000), a

    compreenso da Biologia moderna incompleta sem o entendimento da Evoluo

    Biolgica. Contudo, apesar de ser considerada um dos pilares da Biologia por

    cientistas e filsofos como, por exemplo, Francis Jacob e Stephen Jay Gould, a

    Evoluo Biolgica no tem merecido o mesmo status quando se trata de ensino de

    Biologia em nossas escolas onde, quando no suprimida, muito pouco abordada

    (Pacheco e Oliveira, 1997).

    A Evoluo Biolgica, um fato e no uma hiptese, o conceito central e

    unificador da Biologia (Gayon, 2001) e, segundo Futuyma (1992), como todos os

  • conceitos importantes, a Evoluo Biolgica gera controvrsia; como muitos

    conceitos importantes, ela tem sido usada como uma base ou fundamento intelectual

    para pontos de vista filosficos, ticos ou sociais. Em seu sentido mais amplo, a

    Evoluo Biolgica meramente mudana e, deste modo, uma idia de ampla

    penetrao - galxias, linguagens e sistemas polticos evoluem. Evoluo Biolgica

    a mudana nas propriedades das populaes dos organismos que transcendem o

    perodo de vida de um nico indivduo. A ontogenia de um indivduo no

    considerada evoluo; organismos individuais no evoluem. Para as populaes,

    somente as mudanas que so herdveis de uma gerao para outra, via material

    gentico, so consideradas mudanas evolutivas. A evoluo biolgica pode ser

    pequena ou substancial, ela abrange tudo, desde as pequenas mudanas at

    alteraes sucessivas que levaram os primeiros proto-organismos a se

    transformarem em caramujos, abelhas, girafas...(Futuyma, 1992 p.7)

    A unidade, a diversidade e as caractersticas adaptativas dos organismos so

    conseqncias da histria evolutiva e s podem ser plenamente compreendidas nessa

    perspectiva. A cincia da biologia evolutiva o estudo da histria da vida e dos

    processos que levaram sua unidade e diversidade. Nesse sentido, Futuyma (2002)

    enfatiza que, atualmente, trs grandes temas permeiam as Cincias Biolgicas:

    funo, unidade e diversidade.

    O tema funo refere-se aos processos que fazem os organismos funcionar.

    Muitos desses processos so adaptaes: caractersticas biolgicas que favorecem a

    sobrevivncia e a reproduo. J a questo da unidade diz respeito ao fato de que

    algumas dessas caractersticas so encontradas apenas em certos grupos de

    organismos, enquanto outras so compartilhadas por quase todos os seres vivos.

    Futuyma (2002) ainda aponta o tema da diversidade, uma vez que espantosa a

    variao das caractersticas biolgicas, entre milhes de espcies na Terra.

  • A partir do conceito evolutivo de espcie, proposto pelo paleontlogo George

    Gaylord Simpson em 1944, uma espcie uma linhagem evoluindo separadamente

    de outras. Portanto, numa perspectiva em longo prazo, a Evoluo Biolgica a

    descendncia, com modificaes, de diferentes linhagens a partir de ancestrais

    comuns e, desta forma, a histria da Evoluo Biolgica tem dois componentes

    principais: a ramificao das linhagens e as mudanas dentro delas (incluindo a

    extino). Espcies inicialmente similares tornam-se cada vez mais diferentes, de

    modo que, decorrido tempo suficiente, elas podem chegar a apresentar diferenas

    profundas (Simpson,1944).

    Segundo Stebbins (1970), a Biologia Moderna possui dois conceitos

    unificadores: o da organizao e o da continuidade. Quando se fala em organizao,

    fala-se que as propriedades da vida no dependem apenas das substncias de que a

    matria viva composta, e isto em qualquer nvel. Os seres vivos devem sua

    natureza maneira pela qual os componentes se organizam em padres ordenados,

    bem mais permanentes do que as prprias substncias. O outro conceito unificador,

    segundo Stebbins (1970), o da continuidade da vida atravs da hereditariedade e da

    Evoluo Biolgica. Segundo este conceito, h semelhanas entre organismos

    porque estes receberam de algum ancestral comum, genes que so semelhantes por

    serem constitudos pelos mesmos cidos nuclicos e pelo modo como estas

    substncias esto organizadas. Quando organismos aparentados diferem uns dos

    outros, isto significa que, em linhagens distintas da sua descendncia de um

    ancestral comum, ocorreram mudanas nos genes e essas mudanas se fixaram em

    populaes inteiras.

    Os processos da Evoluo Biolgica, tais como mutaes e isolamento

    geogrfico, incluem tambm a seleo natural, que responsvel pelas adaptaes

    dos organismos a diferentes ambientes. Segundo Futuyma (1992), nem a seleo

    natural, nem qualquer outro processo evolutivo, como por exemplo, as mutaes,

    so providenciais; a seleo natural, por exemplo, meramente a sobrevivncia e

  • maior reproduo de alguns organismos em comparao a outros, sob quaisquer

    condies ambientais que estejam prevalecendo no momento. Deste modo, a seleo

    natural no pode equipar uma espcie para encarar novas contingncias futuras e

    tambm no tem propsito ou direo - nem mesmo a sobrevivncia da espcie.

    Assim como os ambientes variam, tambm o fazem os agentes da seleo natural

    tais como recombinao e mutao. Deste modo, embora tendncias possam ser

    percebidas na Evoluo Biolgica de certos grupos de organismos, no se pode

    esperar uma direo consistente na Evoluo Biolgica de qualquer linhagem, muito

    menos uma direo a causas finais e eficientes (Gould, 2001).

    Freire-Maia (1986) coloca, como proposio geral, que a mutao a

    matria-prima da Evoluo Biolgica e que ela ocorre ao acaso, no sentido que seu

    aparecimento no responde s necessidades adaptativas. Entretanto, salienta que tal

    acaso no tem o sentido de que no haja limitaes de freqncia, de tipo e de

    amplitude. Segundo o mesmo autor, a constituio da matria determina o espectro

    das mutaes possveis, sendo, desta forma, um fator limitante e, at certo ponto,

    dirigente da Evoluo. Considera tambm que a seleo natural conduz as variaes

    genticas atravs de canais adaptativos, produzindo a Evoluo Biolgica, sendo

    ento aceita como anti-acaso, o qual, atuando sobre o acaso das mutaes,

    conseguiria dar direo aos processos evolutivos e criar novidades pequenas ou

    grandes de uma simples raa geogrfica aos vertebrados, aos mamferos, ao

    homem. Freire-Maia (1986) entende ainda que dizer que a seleo natural antia-

    caso significa conferir a capacidade de ir contra o acaso, a algo que deriva do acaso

    das mutaes e das variaes ambientais. O autor no v como o antia-caso possa

    realizar criaes em nvel megaevolucionrio, dando orientaes a longo prazo e

    criando algo completamente novo na base do que j existia.

    Segundo Freire-Maia (1986), na evoluo dos seres vivos, operam lado a lado

    fatores estocsticos (acontecimentos causais, que ocorrem ao acaso) e

    determinsiticos, que correspondem, at certo ponto, ao que, inspirado em

  • Demcrito, Monod (1970) chamou de acaso e necessidade. Freire-Maia (1986)

    considera a deriva gentica o fator evolutivo que acontece ao mais puro acaso e que,

    portanto, no constri nada alm do acidental.

    Segundo autores como Barahona (1998) e Gould (2001), a falta de

    propsito dos processos que levam Evoluo Biolgica no facilmente aceita. A

    Evoluo Biolgica j foi igualada com progresso das formas de vida inferiores s

    superiores, mas impossvel definir quaisquer critrios no arbitrrios pelos quais

    tal progresso possa ser medido. A prpria palavra progresso implica direo, se

    no mesmo o avano em relao a um objetivo, mas nem direo nem objetivo so

    fornecidos pelos mecanismos da Evoluo Biolgica. Isso era to evidente para

    Darwin que, segundo Futuyma (1992) ele escreveu, em seu caderno de notas, nunca

    dizer superior ou inferior, em referncia s diferentes formas de vida.

    Darwin, quando publicou sua principal e mais conhecida obra sob o ttulo Da

    origem das espcies por meio da seleo natural, ou a preservao das raas

    favorecidas na luta pela vida, que passou a ser conhecida historicamente apenas

    como A origem das espcies, defendeu que os organismos so produtos de uma

    histria de descendncia com modificao a partir de ancestrais comuns, e que o

    principal processo da Evoluo Biolgica o da seleo natural das variaes

    hereditrias (Gould, 2001). Segundo El-Hani e Videira (2000), a obra de Darwin

    tem sua contrapartida nos dois principais campos de estudo que constituem a

    Biologia Evolutiva atual: o estudo da histria evolutiva e a elucidao dos processos

    evolutivos.

    Em outras palavras, a Evoluo Biolgica trata de como teriam ocorrido as

    transformaes gradativas na matria viva, de modo a possibilitar a vida, bem como

    dos caminhos percorridos pelos seres vivos at chegar diversidade atual (Silva e

    Cols., 1997).

  • 1.2. Desenvolvimento do Pensamento Evolutivo Biolgico

    Em toda a disciplina cientfica, as idias predominantes e mesmo as questes

    formuladas so produto do desenvolvimento histrico (Fleck, 1986). Assim, para

    entender a Evoluo Biolgica, essencial conhecer um pouco de sua histria.

    Escrever sobre a histria do desenvolvimento do pensamento evolutivo

    biolgico requer que alguns perodos intelectuais do conhecimento cientfico sirvam

    como referncias. Nesse sentido, a cultura dos sculos V e IV a.C., o absolutismo da

    Idade Mdia e a revoluo cientfica do sculo XVII, so exemplos de meios

    intelectuais marcadamente diferentes.

    O resgate histrico-intelectual que fao desses perodos no presente trabalho,

    tem como foco principal as idias sobre Cincias Biolgicas, procurando, em

    especial, referncias sobre a Biologia Evolutiva ou indcios que poderiam levar ao

    seu desenvolvimento. Para isso, de forma geral, divido a histria intelectual do

    desenvolvimento do pensamento evolutivo biolgico em trs perodos distintos,

    conforme a maior ou menor tendncia ao desenvolvimento desse pensamento: (1)

    um perodo de inferncias mltiplas, caracterizado pelas concepes naturalistas, (2)

    um perodo de estagnao, caracterizado pelo cristianismo e (3) um perodo de

    libertao, caracterizado pelo evolucionismo. Os autores que subsidiaram o resgate

    aqui constitudo so Chassot (2002), Gleiser (1997), Dobzhansky e cols. (1988) e

    Mayr (1998).

    Inicialmente, examinarei o modo de ver do homem primitivo, em relao ao

    mundo. Segundo Chassot (2002), a sobrevivncia dos povos primitivos dependia

    dos conhecimentos que eles detinham sobre a natureza, o que os tornava

    marcadamente naturalistas. A seguir, examinarei a forma como a concepo

  • criacionista permitiu ou dirigiu o olhar do homem sobre o mundo. Segundo Chassot

    (2002), ao contrrio da Concepo Naturalista, a ao divina ou sobrenatural

    sobrepe-se explicao dada pelo fenmeno natural. Finalmente, e de forma

    mais extensa, examinarei o desenvolvimento das concepes evolucionistas.

    1.2.1. Concepes Naturalistas Perodo de Inferncias mltiplas

    H milnios, muito antes de existir o corpo de conhecimento que hoje

    chamamos de cincia, a relao dos seres humanos com o mundo era bem diferente

    da atual (Gleiser, 1997). At o sculo VI a.C., a natureza era a nica responsvel

    pela sobrevivncia do homem, que vivia de forma bastante rudimentar. Atribuir

    aspectos divinos natureza era uma forma do homem aliar-se a ela para no sofrer

    os efeitos de catstrofes tais como vulces, tempestades ou furaes sobre suas

    casas, plantaes e animais. O grau de deificao atribudo Natureza era

    determinado pela localizao, clima ou isolamento geogrfico de cada grupo.

    As Concepes Naturalistas tm como pressuposto, desde o pensamento

    grego, que a Natureza segue leis naturais, racionais e necessrias. Nada aconteceria

    ao acaso, pois o mundo seria regido por uma harmonia preestabelecida uma

    espcie de acordo natural entre os seres vivos e seu ambiente, como se tudo j

    estivesse organizado, pronto, sob a lei de foras naturais. A natureza, sob essa tica,

    concebida como se progredisse, gradativamente, das coisas inanimadas para as

    criaturas vivas (Cunha e cols. 2003).

    Gleiser (1997) ressalta que uma demonstrao dessa forma de pensar o

    princpio da Gerao Espontnea ou Abiognese, formulado por Aristteles,

    segundo o qual alguns seres vivos desenvolver-se-iam a partir da matria inorgnica

    em contato com um princpio ativo existente nas coisas. Assim, a vida surgiria de

  • suas adjacncias imediatas e sempre que as condies naturais do meio fossem

    favorveis. Os insetos e os vermes, por exemplo, surgiriam da gota de orvalho e do

    lodo. Os ratos e os peixes, por outro lado, surgiriam da areia e da lama.

    A Concepo Naturalista apresenta variaes, conforme se acentua o papel da

    vida orgnica ou dos elementos fsico-qumicos como causadores da realizao dos

    fenmenos, ou mesmo, quando no h prioridade de um sobre o outro. Segundo

    Dobzhansky e cols. (1988), tais variaes so o Animismo, o Vitalismo e o

    Finalismo.

    Segundo Dobzhansky e cols. (1988), no incio da histria da humanidade, o

    Animismo permitia que o homem primitivo interpretasse a natureza. Acreditava-se

    que tudo estava animado e vivificado, que os objetos da natureza eram, em sua

    singularidade e em sua totalidade, seres animados, como o deus sol, a divindade

    lunar, o trovo, a montanha sagrada, os espritos da gua, do fogo, do vento e outros.

    Portanto, a concepo da poca era a de que tudo na natureza tinha vida. Mesmo as

    rochas e o firmamento seriam habitados por espritos e deuses, e a natureza era

    entendida como viva e criativa. A animao de todos os seres era concebida de

    forma natural e prevalecia a crena de que os fenmenos e as foras da natureza

    eram capazes de intervir nos assuntos humanos. O Animismo atribua, portanto, at

    matria inanimada e mais elementar, qualidades biolgicas como a vida mais

    desenvolvida, ou qualidades psicolgicas, como a conscincia, e a intencionalidade

    do prprio homem. No existia diferena entre ser animado e inanimado, ser

    consciente e inconsciente. como se natureza e divindade se confundissem: Deus

    era inerente ao natural.

    J no Vitalismo, somente os seres vivos possuam vida e conscincia. Os

    seres vivos seriam animados por uma fora vital, uma espcie de centelha divina,

    alguma coisa fora do domnio da cincia. Assim, todas as funes e os processos da

    vida baseavam-se, portanto, na existncia de um componente no-fsico para

  • explicar a vida, o princpio vital inerente aos organismos vivos, independente de

    causas externas e de origem de seus complexos fenmenos (Cunha e cols. 2003).

    Segundo Chassot (2002), para essa concepo, a matria de que so feitos os

    seres vivos, uma planta, por exemplo, exibia algo mais que um simples arranjo

    diferente de tomos. Suas propriedades se deviam a substncias especiais e no s

    leis da Fsica e da Qumica, por serem essas mesmas leis insuficientes para explicar

    o fenmeno da vida. Os seres vivos, movidos por essa fora desconhecida, seriam

    capazes de reagir naturalmente e de maneira independente a qualquer tipo de

    circunstncias que os afetasse. Em resumo, por muitos anos, permaneceu uma

    indistino entre os fenmenos vitais e os fenmenos relacionados vida consciente.

    O Finalismo, por sua vez, concebia uma finalidade ou propsito intrnseco

    nas coisas, que seriam movidas por causas externas, como se tudo fosse

    necessariamente dirigido para o melhor fim e visando a perfeio. assim que essa

    concepo influenciou as cincias naturais, de tal modo que o conjunto dos

    fenmenos (especificamente, os processos vitais) era explicado em vista de um fim

    determinado, previsto, e numa ordem hierrquica: cada coisa era colocada numa

    ordem de continuidade, da mais inferior a mais complexa, visando perfeio. Cada

    coisa era, tambm, colocada tendo em vista uma funo, um fim a ser alcanado. Na

    concepo Finalista, por exemplo, a evoluo orgnica estava orientada para um

    claro propsito de especializao e aperfeioamento, comeando com o ser

    considerado mais imperfeito at chegar ao mais perfeito (Chassot, 2002).

    A concepo, ainda hoje expressa, de que a Evoluo Biolgica acontece para

    atender determinadas necessidades tendo, portanto, uma direo e uma finalidade

    especfica, parece ter sua origem no pensamento finalista. Esta forma de pensamento

    no justificaria de outra maneira que algumas espcies tenham, por exemplo,

    determinadas funes sensoriais mais desenvolvidas do que outras espcies se no

  • fosse para atender sua necessidade de sobrevivncia. No entanto, a sobrevivncia de

    tais espcies s ocorre porque elas possuem capacidades especficas.

    O pensamento Finalista aparece em Aristteles, no sculo IV a.C., quando

    ele, por exemplo, concebe que o olho teria como propsito final a viso, isto , o

    olho existiria para realizar sua finalidade que ver. Aristteles tambm considerava

    que os seres vivos se desenvolvem numa ordem do menos perfeito, ou mais simples,

    ao mais perfeito ou mais complexo. Na mesma linha de raciocnio, segue Teofrasto

    de Eresos (372-288 a.C.), discpulo de Aristteles e de Plato, denominado o

    fundador da Botnica. Teofrasto classificou os vegetais segundo a hierarquia

    finalista, em rvores, arbustos, subarbustos e ervas, classificao que hoje j no

    mais vlida na Botnica. Nessa concepo, no h uma ordem natural, uma escala

    harmnica que vai de um ser a outro, no aparecendo qualquer caracterstica que

    anuncie uma transformao, uma construo, nenhuma espcie de relao de troca

    entre seres vivos e elementos do ambiente (Gleiser, 1997).

    O que une as Concepes Animista, Vitalista e Finalista a existncia de um

    princpio vital, imaterial, para explicar os fenmenos naturais. A natureza possui

    vida e conscincia e as vontades dos homens e das coisas entrecruzam-se numa

    emaranhada rede.

    Segundo Gleiser (1997), o Vitalismo e o Finalismo mesmo com uma base

    anti-evolucionista, em especial com Plato e Aristteles, possibilitaram ao homem

    perceber a existncia de coisas inanimadas com movimentos prprios, com uma

    ordem, uma hierarquia e uma finalidade apesar de ter em comum uma causa natural.

    Esta viso era regida por divindades da mitologia grega (Zeus, Atenas, Apolo,

    Netuno), como o princpio ordenador ltimo, pois no detinham conhecimento sobre

    a matria que constitui a vida.

  • 1.2.2. Concepes Criacionistas - Perodo de Respostas Prontas

    As idias fundadas numa lei natural, imutvel e perfeita, atravessaram

    sculos, at que a noo do princpio vital fosse questionada, concebendo-se tais leis

    como submetidas ao contnua de um poder no plano Criador, mediante a

    interveno de Deus. Surgiu, assim, uma nova concepo o Criacionismo. Chassot

    (2002), afirma que, ao contrrio da Concepo Naturalista, no Criacionismo a ao

    divina ou sobrenatural sobrepe-se explicao dada pelo fenmeno natural.

    Em conseqncia disso, a idia implcita nessa concepo torna intil

    qualquer investigao cientfica a respeito da origem da vida, por justamente

    assentar sua base em um princpio dogmtico, ou seja, a criao pelo divino. Como

    exemplo dessa concepo, temos a explicao criacionista da origem da vida e a

    classificao botnica de Lineu (nos seus primeiros estudos), para quem as

    diferentes espcies seriam tantas quantas sassem da criao divina e assim seriam

    encontradas na natureza. Com base no Criacionismo, o contnuo surgimento de

    novas espcies nunca ocorre, j que todas foram criadas de uma s vez por Deus

    durante os seis dias da criao (Mayr, 1998).

    Mas no Criacionismo, a exemplo das Concepes Naturalistas, permanece a

    idia de uma harmonia pr-determinada, na qual Deus Criador justifica a criao.

    Tambm, fica de fora qualquer idia de transformao, pois as formas aparecem

    independentes uma das outras, ainda sem qualquer referncia causalidade

    evolutiva. O avano do Cristianismo, ao contrrio das concepes anteriores, est

    em afirmar a possibilidade de uma criao adquirida pouco a pouco, trazendo a idia

    de sucesso histrica para a explicao dos fenmenos que antes eram concebidos

    como atemporais. Segundo Gleiser (1997), no simplesmente no dogma de que o

    mundo foi criado em sete dias, portanto, que est a nfase do Criacionismo, mas no

    que ele passou a representar, pois o conceito grego de um mundo eterno e esttico

  • foi substitudo por um mundo temporal, quando a concepo criacionista conquistou

    o Ocidente. O conceito at ento existente foi substitudo pelo conceito de criao.

    Nesse sentido, pensar na ocorrncia de mudanas sucessivas localizadas em tempos

    diferentes, pode ter contribudo para o desenvolvimento do pensamento evolutivo

    biolgico.

    Segundo Chassot (2002), como a Bblia explicava to bem todos os

    questionamentos sobre as origens, no era em absoluto necessrio, e at mesmo

    impossvel, questionar o por que ou pensar em Evoluo Biolgica. O mundo

    criado por Deus era o melhor dos mundos possveis e o homem deveria portar-se

    nele conforme as orientaes postas por Deus. A natureza servia para atender o

    homem em suas necessidades, contrariamente s Concepes Naturalistas.

    No havia conflito entre a religio crist e a cincia na poca da Renascena.

    Principalmente no sculo XVIII, ambas foram sintetizadas como Teologia Natural,

    onde os filsofos naturalistas estudavam as causas prximas, pelas quais as leis

    divinas se manifestavam. Nenhum outro desdobramento no Cristianismo foi to

    importante para a Biologia como a viso de mundo conhecida como Teologia

    Natural, mas a liberdade intelectual e uma viso mais aberta dos acontecimentos

    naturais, que eventualmente a Teologia Natural tenha fornecido, no ocorreu

    efetivamente at o sculo XVII. A Teologia Natural uma viso de mundo que veio

    suplementar a viso de mundo posta pela Bblia, pois explicava os fenmenos

    naturais a partir dos preceitos bblicos. A natureza e seus fenmenos eram vistos

    como uma extenso ou manifestao do que a Bblia dizia. Era como se a Bblia

    continuasse a ser escrita. Esta viso de mundo, mesmo dentro da rigidez dos

    preceitos cristos e da falta de necessidade de explicaes, representou uma maneira

    de o homem entender melhor o que j estava posto como verdade absoluta pelas leis

    do Cristianismo, uma tentativa de burlar a estagnao intelectual imposta pelas

    explicaes bblicas (Cunha e cols., 2003).

  • Chassot (2002) afirma que ningum foi mais importante para a Teologia

    Natural do que Santo Toms de Aquino (1227-1274). A viso de mundo teleolgico

    tornou-se predominante no mundo ocidental por meio de seus escritos, nos quais

    defende que deve haver uma ordem e uma harmonia no mundo, o que leva a crer

    que deva existir um ser inteligente que dirige todas as coisas naturais ao seu fim.

    Segundo Chassot (2002), inquestionvel o fundamento que a Teologia

    Natural forneceu para a Biologia Evolutiva. Apesar da Evoluo Biolgica

    praticamente no ter recebido qualquer ateno antes de 1859, a Biologia Evolutiva

    beneficiou-se grandemente com a Teologia Natural, pois as questes por ela

    levantadas a respeito da forma como o poder criador adaptou todos os organismo,

    uns aos outros e ao seu ambiente, conduziram a estudos sobre os instintos animais e

    sobre adaptao das flores para a polinizao pelos insetos e s correspondentes

    adaptaes dos polinizadores. Somente no perodo darwiniano que os estudos

    sobre adaptao foram retomados com a mesma fora que o foram na Teologia

    Natural. Todos os telogos naturais descreviam, na poca, o que hoje entendemos

    por adaptao darwinista. Segundo Mayr (1998), quando a mo do criador foi

    substituda, no esquema explicativo, pela seleo natural, foi possvel incorporar

    na Biologia Evolutiva, quase inalterada, a maior parte da literatura da Teologia

    Natural sobre os organismos vivos.

    Portanto,o pensamento evolutivo, que se originou a partir de uma concepo

    naturalista livre, foi doutrinado por uma concepo criacionista. Posteriormente,

    desenvolveu-se uma concepo de Teologia Natural onde s questes naturais

    recheavam as concepes postas pela Bblia.

  • 1.2.3. Concepes Evolucionistas: Perodo de Libertao

    Na busca do contexto histrico do desenvolvimento do pensamento

    evolutivo, destacam-se duas concepes antagnicas a respeito das origens das

    espcies. A primeira delas, como visto nas Concepes Naturalistas e Criacionistas,

    no concebe a Evoluo Biolgica como determinante da diversidade dos seres

    vivos, enquanto que a outra, a evolucionista, encontra na teoria da Evoluo

    Biolgica, os argumentos para justificar tal fenmeno.

    Segundo Mayr (1998), a Evoluo Biolgica, de certa maneira, contradiz o

    senso comum. Entenda-se aqui, senso comum como o conhecimento oriundo da

    observao ingnua da regularidade da ocorrncia de certos fenmenos naturais,

    diferentemente do conhecimento cientfico que, segundo Chassot (2002), surge da

    necessidade do homem deixar de ocupar uma posio passiva em face dos

    fenmenos que o rodeiam, dinamizando sua racionalidade para, de uma forma

    sistemtica, metdica e crtica, desvelar o mundo a fim de compreend-lo, explic-lo

    e domin-lo. Para Lima (1999), o senso comum o conhecimento concebido a partir

    da percepo que o sujeito tem sobre a natureza e a experincia, a principal fonte

    de produo desse conhecimento. Portanto, o senso comum no contexto da Evoluo

    Biolgica pode ser entendido como um conhecimento que surge como conseqncia

    da necessidade de resolver problemas imediatos que aparecem na vida prtica e que

    so decorrentes do contato direto com os fatos e com os fenmenos que acontecem

    no dia-a-dia. Ainda no contexto da Evoluo Biolgica, o conhecimento fruto do

    senso comum impregnado por crenas religiosas e utilizado para explicar questes

    controversas como diferentes teorias sobre a origem das espcies.

    O uso dos conhecimentos cientficos de forma parcial ou inadequada tambm

    leva a origem desse tipo de conhecimento. Por exemplo, muito mais fcil dizer que

    a espcie humana veio dos macacos do que explicar que a espcie humana possui

  • um ancestral em comum com os macacos, pois tal colocao pressupe outras

    questes imediatas tais como definir ancestral comum, saber quem esse ancestral

    comum e explicar como a cincia chegou a tal concluso.

    Segundo Mayr (1998), foi necessria uma verdadeira revoluo intelectual,

    antes que a idia de Evoluo Biolgica fosse concebida. O maior obstculo para o

    estabelecimento da teoria da Evoluo Biolgica no final da Idade Mdia, residia no

    fato de que ela no pode ser observada diretamente como os fenmenos fsicos, tais

    como o cair de uma pedra, ou gua fervente, ou qualquer outro processo que

    acontece em segundos, minutos ou horas. Em vez disso, a Evoluo Biolgica s

    pode ser inferida. Alm desse obstculo, a viso de mundo que prevalecia na cultura

    ocidental tambm era incompatvel, na poca, com o pensamento evolutivo. Tal

    viso, fortemente Criacionista, apoiava-se, segundo Mayr (1998), em duas teses

    maiores. A primeira era a crena de que o universo, em cada um de seus detalhes,

    havia sido concebido por um poder criador inteligente. A segunda, era a idia de um

    mundo imutvel, de durao limitada. Estas idias eram to arraigadas na mente

    ocidental que parecia inconcebvel que pudessem ser desalojadas.

    1.2.3.1. Evoluo Biolgica antes de Darwin

    No resgate da histria do desenvolvimento do pensamento evolutivo, a falta

    de registros ou esquemas explicativos sobre fenmenos observados indica que a

    cincia das civilizaes primitivas no avanou significativamente. Mas, a partir dos

    sculos VI, V, e IV a.C., a caracterstica politesta dos gregos antigos, em contraste

    com o monotesmo do judasmo, cristianismo e islamismo, permitiu o

    desenvolvimento da filosofia e da cincia primitiva. A liberdade em acreditar em

    todas as foras, sobrenaturais e naturais, caracterizada pelas concepes

    Naturalistas, permitia total liberdade para que diferentes pensadores chegassem a

  • diferentes concluses e, nessa poca, destacam-se em especial trs perodos: o da

    histria natural, o da filosofia e o biomdico.

    Segundo Mayr (1998), na biologia grega destaca-se um perodo da histria

    natural, histria esta baseada em conhecimentos e observaes sobre plantas e

    animais locais. Estes conhecimentos, contudo, no representavam mais do que uma

    imagem tnue de um conjunto muito maior de conhecimentos que viriam a ser

    postulados em diferentes reas da Biologia em outras pocas. Nesse perodo, era

    permitido fazer analogias sobre diversos fatores biolgicos e comportamentais entre

    os animais e os homens, fato que veio a contribuir com o desenvolvimento de

    pesquisas nas reas de anatomia e medicina.

    Mayr (1998) ressalta que possvel destacar ainda, na biologia grega, a

    tentativa de explicar muitos fenmenos diferentes a partir de um fenmeno

    unificador, uma causa nica, da qual tudo o mais se originava. Para isso, filsofos

    gregos como Thales, Anaximandro, Anaxmenes e seus seguidores, relacionaram os

    fenmenos naturais com causas naturais como a gua, a terra, o ar ou uma matria

    indefinida, e no a espritos, deuses ou outros agentes sobrenaturais, marcando assim

    os primrdios da cincia.

    Em especial, nos sculos VI e V a.C. estabeleceu-se uma Tradio Filosfica.

    Nesse perodo, Empdocles postulou que a combinao variada dos quatro

    elementos (fogo, ar, gua e terra) conduzia, por vezes, maior homogeneidade e,

    por vezes, maior mistura, e teria dado origem a todo o mundo material.

    Ainda nesse perodo, Demcrito parece ter sido o primeiro filsofo a indagar

    se a organizao dos fenmenos naturais resultava puramente do acaso, ou se ela era

    uma necessidade dos componentes elementares, os tomos. Nesse sentido, a

    dualidade entre acaso e necessidade representa, desde ento, um tema de

    controvrsias entre filsofos. Segundo Mayr (1998), 2.200 anos mais tarde, foi

  • Darwin quem mostrou que acaso e necessidade no so as duas nicas opes, e que

    o processo de seleo natural afasta o dilema de Demcrito.

    Os filsofos dessa poca pensavam que podiam encontrar explicao para

    fenmenos biolgicos, como locomoo, nutrio, percepo e reproduo, por um

    pensamento concentrado somente sobre o problema. Porm, foi somente com a

    emancipao da cincia experimental, durante a Idade Mdia e a Renascena, que a

    forma de encontrar respostas para os problemas somente a partir da filosofia,

    comeou a mudar. Segundo Mayr (1998), a prolongada tradio de fornecer

    explicaes apenas filosofando teve um crescente efeito deletrio sobre a pesquisa

    cientfica nos sculos XVIII e XIX. Os filsofos daquela poca rejeitavam as

    descobertas experimentais, por conflitarem com suas dedues. Um bom exemplo

    desta postura so as objees que os filsofos essencialistas moveram contra

    Darwin. A aproximao filosfica dedutiva ajudou a fazer novas e mais precisas

    indagaes, o que levou a estabelecer as bases para uma abordagem com um carter

    mais cientfico, que ultimamente vem se destacando em relao filosfica.

    O perodo da Tradio Biomdica da escola de Hipcrates (em torno de 450-

    377 a.C.), foi marcado pelo desenvolvimento de um grande corpo de conhecimentos

    e teorias anatmico-fisiolgicas. Pesquisas sobre anatomia e fisiologia humana

    eram o maior interesse da Biologia desde o perodo aristotlico at o sculo XVIII,

    mas, para o pensamento ocidental, o mais importante ainda era o desenvolvimento

    da filosofia. No entanto, o corpo de conhecimento formado sobre anatomia e

    fisiologia humana durante este perodo, forneceu a base para o ressurgimento da

    anatomia e da fisiologia durante a Renascena.

    Segundo Mayr (1998), Plato e Aristteles, mais do que quaisquer outros,

    tiveram notvel influncia nos caminhos que a cincia seguiu. O essencialismo de

    Plato (427-327 a.C.) contribuiu de forma bastante inadequada para a Biologia e

    foram necessrios mais de dois mil anos para que esta se livrasse das amarras que

  • sua viso essencialista implantou em diversas reas do pensamento biolgico. A

    afirmao de Plato de que nenhum conhecimento verdadeiro pode ser adquirido

    pelas observaes dos sentidos, a sua nfase na alma e no arquiteto do Cosmo,

    permitiu, por meio do neoplatonismo, uma conexo com o dogma cristo que

    dominou o pensamento do homem ocidental at o sculo XVII e constituiu, tambm,

    um atraso para o desenvolvimento das Cincias Biolgicas. O aparecimento do

    moderno pensamento biolgico , em parte, a emancipao do pensamento

    platnico.

    J em Aristteles (384-322 a.C.), em razo de seu vasto conhecimento

    biolgico, e de seu inegvel empirismo, encontramos enorme contribuio para o

    entendimento do mundo vivo, o que determina que quase toda a abordagem sobre

    histria da Biologia deva iniciar-se por Aristteles. Segundo Mayr (1998),

    Aristteles foi o primeiro a distinguir diversas disciplinas da Biologia e a dedicar-

    lhes tratamentos monogrficos (De partibus animalium, De generatione animalium,

    e outros). Ele foi o primeiro a descobrir o grande valor heurstico da comparao e

    conhecido como o fundador do mtodo comparativo. Foi o primeiro a detalhar a

    vida de grande nmero de espcies animais, dedicou um livro inteiro Biologia

    reprodutiva e s histrias da vida e interessou-se muito pelo fenmeno da

    diversidade orgnica e pelo significado das diferenas entre animais e plantas.

    Mesmo dois mil anos antes da teoria da Evoluo Biolgica ser proposta, Aristteles

    fez um ordenamento dos animais invertebrados, superior ao feito, muitos sculos

    depois, por Carl Linnaeus (1707-1778).

    Segundo Mayr (1998), Aristteles se caracterizava pela procura de causas,

    no se satisfazia em saber o como e ousou formular porqus. Ele entendia

    claramente que os organismos vivos no se originam de matria bruta e que um

    princpio ativo deveria estar presente. Ao princpio ativo, que desempenhou em seu

    pensamento o mesmo papel que exerce o programa gentico na Biologia moderna,

    ele chamou de eidos. Para Aristteles, todas as estruturas e atividades biolgicas tm

  • um significado biolgico, ou, como hoje postula a Evoluo Biolgica, um

    significado de adaptao.

    Aristteles pensava que as substncias naturais agem por suas prprias foras

    e que todos os fenmenos da natureza so processos ou manifestaes de processos

    e, uma vez que todos os processos tm um fim, ele considerava o estudo dos fins

    essencial para o estudo da natureza.

    As questes aristotlicas do por que desempenharam um importante papel

    heurstico na histria da Biologia, sendo o porque a questo mais importante

    colocada pela Biologia Evolutiva. Mas a crena de Aristteles num mundo

    essencialmente perfeito exclua qualquer crena numa Evoluo Biolgica. Segundo

    Mayr (1998), o grande pecado de Aristteles foi o de acreditar que poderia tratar o

    macrocosmo e o microcosmo do mesmo modo e aplicar seu conhecimento biolgico

    bem desenvolvido Fsica e Cosmologia. Os maus resultados dessa generalizao

    das leis de Aristteles no passaram, nos sculos XVI, XVII e XVIII, despercebidos

    por autores como Francis Bacon e Descartes, que no lhe pouparam crticas.

    Depois de Aristteles, houve a continuao das trs tradies biolgicas

    gregas. A histria natural, em particular a descrio e classificao das plantas, foi

    desenvolvida por Theofrasto (371-268 a.C.) e Dioscrides (50-70 d.C.), e a Zoologia

    por Plnio (23-79 d.C.). A tradio biomdica alcanou seu mximo

    desenvolvimento com Galeno (131-200 d.C.), cuja influncia durou at o sculo

    XIX.

    Segundo Mayr (1998), a partir do sculo XIV, um novo esprito parece ter

    despertado no Ocidente. A poca das viagens, a redescoberta do pensamento dos

    antigos, a Reforma, as novas filosofias de Bacon e Descartes, o desabrochar da

    literatura secular e, finalmente, a revoluo cientfica nas Cincias Fsicas,

    acentuava a necessidade de um tratamento racional dos fenmenos da natureza. As

    explicaes sobrenaturais j no eram to aceitveis, como o eram at o final do

  • sculo XIII. Segundo Mayr (1998), nada de propriamente importante aconteceu na

    Biologia depois de Lucrcio e Galeno, da Antiguidade at a Renascena.

    No perodo da Renascena, ocorreu um movimento de volta natureza com a

    retomada do interesse pela histria natural. Nesse sentido, as viagens em busca de

    novos mundos tiveram um papel muito importante, pois contriburam de forma

    libertadora. O entusiasmo pela extraordinria diversidade biolgica foi ainda mais

    estimulado na Europa pelo sucesso de viagens como as Cruzadas, Viagens de

    Mercadores Venezianos, Travessia dos Navegadores Portugueses, dos Novos

    Mundos e de exploradores individuais que traziam cada vez mais informaes de

    plantas e animais exticos de outros continentes, que passavam a ilustrar vastas

    colees. Uma das conseqncias imediatas dessas viagens foi o conhecimento da

    diversidade da vida animal e vegetal em todas as partes da Terra que geraram

    publicaes contemplando diversas reas da Biologia, em especial a Zoologia

    (Mayr, 1998).

    Segundo Futuyma (1992), a Anatomia tambm foi ponto de interesse no

    perodo Renascentista, mas era ensinada nas escolas mdicas medievais de forma

    muito tmida. No havia a ousadia de descobrir novas informaes por meio da

    prtica da dissecao, mas de enfatizar o que Galeno j havia deixado. Quem

    primeiro ousou fazer dissecaes, elaborar novos instrumentos e publicar um

    trabalho sobre anatomia foi Andr Vesalius (1514-1564), que corrigiu inmeros

    erros de Galeno. Porm, mesmo ele fez um nmero restrito de descobertas e retinha

    o arcabouo aristotlico das explicaes fisiolgicas. Foi com Vesalius que a prtica

    da observao se estabeleceu, em detrimento do excessivo apego ao terico. Os

    seguidores de Vesalius deram seguimento ao desenvolvimento dos estudos da

    anatomia humana e alguns deles contriburam, embora no expressivamente, para a

    Anatomia comparativa e para a Embriologia. A importncia maior do

    desenvolvimento desses estudos est em ter proporcionado uma base para o

  • ressurgimento da Fisiologia, e por ter deixado registros que mais tarde deram

    sustentao Evoluo Biolgica.

    Segundo Mayr (1998), as Cincias Aplicadas, isto , a tecnologia e as artes da

    engenharia, prepararam o caminho, durante a Renascena, para um modo

    inteiramente novo de encarar as coisas. As contribuies mais positivas da revoluo

    cientfica, no que concerne Biologia, referem-se ao desenvolvimento de uma nova

    atitude em relao pesquisa. A lgica foi colocada em segundo plano em

    detrimento da observao e experimentao, isto , da coleta de dados empricos.

    Isso favoreceu a explicao das regularidades nos fenmenos do mundo, por meio

    das leis naturais, cuja descoberta se tornou a tarefa dos cientistas. Na Biologia, a

    rea mais frutfera foi a da Fisiologia, que foi interpretada atravs de uma

    abordagem mecanicista. A publicao dos Principia de Newton, em 1687, que

    propunha uma mecanizao de todo o mundo inanimado em bases matemticas,

    reforou grandemente esta abordagem. Tornou-se norma comum explicar tudo em

    termos fsicos de foras e movimentos, por mais inadequada que fosse essa

    explicao. Um bom exemplo, dentro da Biologia, a explicao aceita, por mais de

    150 anos, dos mamferos e aves terem sangue quente devido frico do sangue nos

    vasos sanguneos. Explicaes fisicistas fceis foram grande empecilho para a

    pesquisa biolgica, principalmente durante os sculos XVII e XVIII. Segundo Mayr

    (1998), s recentemente os bilogos tiveram a fora intelectual para desenvolver um

    paradigma explicativo que leva plenamente em considerao as propriedades nicas

    do mundo vivo como o funcionamento do DNA, e que ao mesmo tempo

    plenamente consistente com as leis da Qumica e da Fsica.

    Curiosamente, a revoluo cientfica newtoniana contribuiu para maior

    interesse na diversidade biolgica, pois permitiu o desenvolvimento do microscpio

    no final do sculo XVII, entre outros instrumentos. A microscopia, mesmo que no

    incio um pouco limitada, abriu um novo e promissor campo para a Biologia,

    permitindo o desenvolvimento da Citologia e da Gentica.

  • A descoberta da grande diversidade biolgica deu-se graas aos herbalistas e

    enciclopedistas que ressuscitaram a tradio de Theofrasto e Aristteles. Dessa

    forma, foi possvel constatar que o mundo da criao era muito mais rico do que

    supunham e julgavam.

    Segundo Futuyma (1992), o crescimento das colees cientficas de plantas e

    de animais levou a uma necessidade premente de um sistema de classificao que

    iniciou com Cesalpino (1509-1603) e alcanou o apogeu com Carl Linnaeus. O

    trabalho sobre sistemtica, por ele desenvolvido, foi notoriamente reconhecido, mas

    em uma fase de sua vida, foi acusado de ser altamente escolstico. Na qualidade de

    naturalista, Lineu observou a ntida descontinuidade entre as espcies, e admitia a

    impossibilidade de uma espcie mudar para outra. A sua insistncia na estrita

    delimitao das espcies, pelos menos nos seus primeiros escritos, foi o ponto de

    partida para o desenvolvimento subseqente de uma teoria evolucionista.

    Muitos cientistas da poca no se restringiram somente a descrever espcies.

    Alguns deles, como J. G. Klreuter (1733-1806), embora partindo do interesse

    tradicional na natureza das espcies, forneceram contribuies pioneiras para a

    Gentica, a fertilizao e para a Biologia das flores. Esses estudos tiveram

    continuidade com C. K. Sprengel (1750-1816), atravs de diversos experimentos de

    fertilizao das plantas. O trabalho desses dois pesquisadores, em especial,

    constituiu parte dos fundamentos sobre os quais Darwin mais tarde baseou a sua

    pesquisa experimental sobre a fertilizao (e a fertilidade) nas plantas (Mayr, 1998).

    Uma tradio em Histria Natural, muito diferente da de Carl Linnaeus, foi

    iniciada por Georges Buffon (1707 -1788), cuja Histoire Naturelle, publicada em 44

    volumes entre 1749 e 1804, era lida por praticamente todo europeu educado. Buffon

    teve uma enorme influncia liberal no pensamento contemporneo, em reas to

    diferentes como a cosmologia, o desenvolvimento embrionrio, as espcies, o

    sistema natural e a histria da Terra. Apesar dele no ter avanado na Teoria da

  • Evoluo Biolgica, certamente preparou terreno para que Lamarck postulasse sua

    teoria da Evoluo Biolgica, com todos os estudos que realizou e os registros

    desses estudos que deixou em suas obras.

    A descoberta das leis reguladoras da diversidade tornou-se um desafio para os

    estudiosos dessa rea e, enquanto desenvolviam seus estudos, contrariamente ao

    pensamento prevalente sobre a criao, proporcionavam muitas evidncias para a

    Teoria da Evoluo Biolgica.

    O interesse dominante do sculo XVIII era a descrio, a comparao e a

    classificao dos organismos. No fugindo dessa influncia, a Anatomia passou a

    ser cada vez mais comparativa e desenvolveu um mtodo novo no estudo da

    diversidade. O mtodo comparativo iniciou-se na segunda metade do sculo XVIII

    e, ainda hoje, um dos grandes mtodos da cincia, juntamente com a

    experimentao.

    George Cuvier (1769-1832), no incio do sculo XVII, valendo-se do mtodo

    comparativo e dando nfase aos invertebrados, demonstrou a ausncia de quaisquer

    intermedirios entre os maiores filos dos animais, o que o permitia refutar a scala

    naturae. Estudos anatmicos comparativos posteriores a 1859 forneceram, todavia,

    com toda certeza, algumas das evidncias mais convincentes em favor da teoria

    darwiniana da descendncia comum (Mayr, 1998).

    Segundo Chautard-Freire-Maia (1990), no contexto dos conhecimentos

    evolutivos, podemos considerar que a revoluo inicial foi dada pela primeira teoria

    da Evoluo Biolgica formulada em 1800 por Jean Baptiste de Monet, o Cavaleiro

    de Lamarck (1744-1829). Segundo Futuyma (1992), Lamarck foi o primeiro

    defensor da Evoluo Biolgica a no adotar solues de compromisso e o que

    primeiro apresentou uma exposio ampliada de sua teoria em Philosophie

    Zoologique (1809). Segundo Chautard-Freire-Maia (1990), Lamarck fez com que,

  • no incio do sculo XIX, a Evoluo Biolgica fosse um tpico de discusso,

    ocasionando uma revoluo contra a viso cientfica dominante, que era fixista.

    Quando Lamarck desenvolveu suas idias heterodoxas, tinha mais de

    cinqenta anos de idade. Os estudos que desenvolveu na rea da Geologia o

    convenceram que a Terra era muito antiga e que as condies sobre ela sofriam

    variaes. Por entender que os organismos esto adaptados ao seu ambiente, chegou

    concluso que eles tambm deveriam alterar-se para manterem tal adaptao.

    Assim, Lamarck props uma teoria de transformao, que postulava uma tendncia

    intrnseca dos organismos a buscarem a perfeio, bem como uma habilidade para

    ajustarem-se s condies do meio. As idias de busca pela perfeio e de

    capacidade de ajuste s condies do meio pelos organismos, so concepes sobre

    Evoluo Biolgica que se originaram nessa poca e persistem at os dias de hoje.

    Lamarck foi, ento, o primeiro cientista a propor uma Teoria da Evoluo

    Biolgica. Seus esforos, no sentido de explicar sua teoria, no tiveram maior

    sucesso principalmente porque dependiam de crenas convencionais na poca, tais

    como a herana dos caracteres adquiridos que tambm foram utilizadas por Darwin

    na Hiptese da Pangnese. O grande mrito de Lamarck, no entanto, no pode ser

    encoberto por isso. Lamarck foi o primeiro a inferir que os organismos vivos passam

    por mudanas adaptativas. Hoje, o significado maior de Evoluo Biolgica est

    centrado justamente nas mudanas que levam adaptao dos organismos. Lamarck

    tambm ficou reconhecido em razo de suas mltiplas contribuies para o

    conhecimento da Biologia, em especial para a Botnica e para a classificao dos

    invertebrados.

    Segundo Mayr (1998), credita-se a Lamarck, por vezes, o fato de haver

    inaugurado uma nova era da Biologia com a sua Teoria da Evoluo Biolgica e por

    haver cunhado o termo Biologia em 1802 (proposto independentemente tambm

    por Burdach, em 1800, e por Treviranus, em 1802). A teoria evolucionista de

  • Lamarck teve um impacto muito pequeno sobre a comunidade cientfica da poca, e

    at o incio dos anos 1800, o que existia era a Histria Natural e a Filosofia Mdica,

    em detrimento das Cincias Biolgicas, como hoje conhecida. Para surgir, a

    Biologia teve que esperar pelo estabelecimento da Biologia Evolutiva, e pelo

    desenvolvimento de reas como a Citologia.

    Curvier tambm muito contribuiu para o avano das Cincias. Em relao s

    suas contribuies para a Evoluo Biolgica, ele desempenhou um duplo papel.

    Enquanto contribua de forma indireta, produzindo algumas das melhores evidncias

    para a Evoluo Biolgica atravs de seus estudos de Anatomia Comparada,

    Sistemtica e Paleontologia, tambm tecia forte oposio teoria proposta por

    Lamarck. Esse fato fez com que os biologistas franceses, influenciados pelas

    concepes conservadoras de Curvier, fossem os ltimos cientistas de um pas

    europeu cientificamente ativo a aceitar a Evoluo Biolgica.

    Segundo Mayr (1998), apesar de Lamarck ser mais lembrado como algum

    que no estava certo, ele tem mrito inquestionvel como o primeiro cientista que

    advogou a Evoluo Biolgica e props um mecanismo para comprov-la. A

    herana das caractersticas adquiridas, base da teoria de Lamarck, era uma crena

    geral que foi incorporada por Darwin em A origem das Espcies. Lamarck no

    afirmou que os seres vivos tinham descendido de ancestrais comuns, mas sim que as

    formas de vida inferiores surgem continuamente a partir da matria inanimada por

    gerao espontnea, e progridem inevitavelmente em direo a uma maior

    complexidade e perfeio, atravs de poderes conferidos pelo supremo autor de

    todas as coisas isto , por uma tendncia inerente em direo complexidade.

    Ainda segundo Mayr (1998), Lamarck sustentou que o caminho particular da

    progresso guiado pelo ambiente, e que um ambiente em mudana altera as

    necessidades do organismo, ao que o organismo responde mudando seu

    comportamento e, conseqentemente, usando alguns rgos mais que outros. Em

    outras palavras, uso e desuso alteram a morfologia, que transmitida para as

  • geraes subseqentes. Essa teoria claramente se aplicaria mais aos animais do que

    s plantas.

    As idias de Lamarck foram pouco aceitas devido ao fato de que os

    naturalistas no reconheciam evidncias de Evoluo Biolgica, e no porque a

    teoria de Lamarck defendia a herana de caractersticas adquiridas. Cientistas como

    Georges Curvier (fundador da anatomia comparada e um dos bilogos e

    paleontlogos mais respeitados do sculo XIX) e Charles Lyel, em seu Principles of

    Geology, criticaram duramente Lamarck e tentaram demonstrar evidncias contra a

    Evoluo Biolgica.

    Apesar da Teoria da Evoluo Biolgica no ter surtido a merecida

    repercusso quando Lamarck a postulou, a idia no pereceu com sua morte em

    1829, permanecendo viva na Alemanha, na Inglaterra e na Frana.

    Mas, no sculo XVIII, o mundo estava em evidente progresso em diversas

    reas da sociedade e do pensamento humano, e foi nesse contexto que o pensamento

    evolutivo comeou a tomar corpo com a teoria proposta por Lamarck. No difcil

    imaginar que o pensamento evolutivo tambm tenha sido influenciado pela idia de

    progresso vigente na poca, que era em direo a um contnuo melhoramento do

    homem (Gould, 1992).

    Segundo Mayr (1998), se a Evoluo Biolgica implicasse no conceito de

    progresso contnuo, que ainda hoje constitui uma das concepes sobre este tema, e

    figura tambm como uma das mais combatidas por alguns estudiosos, - entre eles

    Stephen Jay Gould - os grandes naturalistas do sculo XVIII teriam feito esta

    ligao. Mas nem o naturalista George Buffon, Needham, Robinet, Fiderot, Bonnet

    ou Haller converteram o conceito poltico-filosfico de progresso vigente na poca,

    em uma teoria cientfica. Efetivamente, somente depois de instalada a reao ao

    Iluminismo, com a usurpao do poder na Frana por Napoleo, que Lamarck

    desenvolveu a sua teoria da Evoluo Biolgica.

  • Os naturalistas consideravam a idia de progresso bastante incompatvel com

    os incontveis fatos indicadores de uma evoluo regressiva (como o parasitismo e

    rgos vestigiais). Talvez o maior fator restritivo tenha sido o poder do

    essencialismo. Havia um pensamento de rejeio a qualquer mudana que no fosse

    pelo crescimento e a considerao de que a natureza uniforme em suas obras, no

    podendo, portanto, haver variao de gerao para gerao.

    De forma contrria ao pensamento essencialista, Gottfried Wilhelm Leibniz

    (1646-1716) considerava que a natureza tinha uma potencialidade ilimitada e que,

    em razo disso, tenderia a um contnuo e infinito progresso. A futura histria da

    Biologia Evolutiva foi afetada por dois elementos da filosofia de Leibniz. O

    primeiro deles, o conceito de continuidade e gradualismo. Ele afirmava que tudo na

    natureza avana gradualmente, e no aos saltos, e que essa regra controladora das

    mudanas fazia parte de sua lei da continuidade. Segundo Mayr (1998), a rejeio ao

    platonismo, por Leibniz constituiu uma importante e indispensvel contribuio para

    o pensamento evolucionista, constituindo-se em uma extraordinria argumentao

    de Darwin. Herbert Spencer (1820-1903), dentre outros filsofos que tambm

    compartilhavam as idias de Leibniz, afirmava ainda que o progresso no um

    acidente, mas uma necessidade benfica. O segundo conceito foi o de uma

    orientao interna para o progresso, seno para a perfeio. Afirmava que as

    mudanas aconteciam a partir de uma direo pr-determinada.

    O Iluminismo foi um perodo intelectualmente liberal onde qualquer dogma

    previamente aceito, fosse ele teolgico, filosfico ou cientfico, era criticamente

    posto em discusso. O Iluminismo no foi um movimento homogneo e, dentre

    algumas concepes iluministas, destaco a idia filosfica de igualitarismo de

    Condorcet (1743-1794) considerando que esta, por sua essncia, impediu o

    desenvolvimento do pensamento evolutivo biolgico. O igualitarismo de Condorcet

    reconhecia apenas trs tipos de desigualdades. As desigualdades relativas ao status

    social, riqueza e educao, no aceitando, porm, qualquer diferena nos dotes

  • nativos. A igualdade s poderia ser estabelecida se essas trs desigualdades no

    existissem.

    Nesse contexto, um conceito como seleo natural, ou mesmo Evoluo

    Biolgica, no faria qualquer sentido. O conceito de Evoluo Biolgica preconiza

    mudanas que levam as diferentes espcies e a seleo natural, por sua vez, admite

    que presses ambientais selecionem os organismos em funo da variabilidade que

    apresentam. Dentro dessa concepo igualitarista, as desigualdades (entenda-se

    variabilidade), necessrias para que ocorra seleo natural e Evoluo Biolgica,

    no eram aceitas.

    No entanto, como resultado das pesquisas e de importantes mudanas do

    meio cultural e intelectual durante os sculos XVII, XVIII e comeo do sculo XIX,

    estas idias foram, aos poucos, sendo substitudas por uma viso mais aberta de

    mundo.

    1.2.3.2. Evoluo Biolgica a partir de Darwin

    A discusso sobre a teoria da Evoluo Biolgica s comea a ganhar novo e

    maior destaque quando Charles Robert Darwin (1809-1882) e Alfred Russel

    Wallace (1823-1913) publicaram e apresentaram, juntos, seus trabalhos sobre a

    teoria da Evoluo Biolgica em uma reunio na Linnaean Society de Londres em 1

    de julho de 1859. Em razo da apresentao e da publicao dos artigos dele e de

    Wallace no terem tido a repercusso esperada, Darwin publica em 24 de novembro

    de 1859, um resumo de seu livro, sob o ttulo A Origem das Espcies por meio da

    Seleo Natural, ou a Preservao das Raas Favorecidas na Luta pela Vida. Essa

    publicao foi merecedora de enorme repercusso e ainda hoje alimenta a

    controvrsia a que deu origem a causa da diversidade biolgica.

  • Wallace merecedor de crditos como co-propositor do principal mecanismo

    da Evoluo Biolgica seleo natural pois sua teoria foi to cuidadosamente

    formulada quanto a de Darwin. Porm, Wallace, apesar de ter continuado seus

    estudos sobre tpicos evolutivos por boa parte de sua vida, nunca fez nenhuma

    publicao to expressiva como fez Darwin em A Origem das Espcies.

    A Origem das Espcies contm duas teses separadas: a de que todos os

    organismos descendem com modificao a partir de ancestrais comuns e a de que o

    principal agente de modificao a ao da seleo natural sobre a variao

    individual. Darwin foi o primeiro a ordenar em grande escala as evidncias da

    primeira tese, recorrendo para isto, aos registros fossilferos, distribuio

    geogrfica das espcies, anatomia e embriologia comparadas e modificao

    observada em organismos domsticos.

    indiscutvel a importncia de A Origem das Espcies, no apenas para as

    Cincias Biolgicas, mas para todos os ramos do pensamento humano, e mais uma

    vez se verifica o quanto a humanidade investe na busca do prprio entendimento.

    Com Darwin, o universo dos seres vivos foi colocado dentro dos domnios das leis

    naturais.

    As evidncias da Evoluo Biolgica, apresentadas e discutidas por Darwin

    causaram grande impacto e obtiveram alto grau de convencimento na poca, com

    exceo de alguns poucos cientistas proeminentes. De forma contrria, o processo

    da seleo natural idia original de Darwin como o principal agente causador da

    Evoluo Biolgica, no convenceu a muitos e, at o final dos anos vinte do sculo

    XX, s caiu em descrdito.

    Em seu livro A origem das Espcies, Charles Darwin convenceu

    muitos bilogos de que houve Evoluo Biolgica e estabeleceu a teoria da seleo

    natural para explic-la. Darwin rejeitou as teorias dos saltos dos essencialistas, e

    insistiu na Evoluo Biolgica completamente gradual, rejeitando, dessa forma, a

  • teoria lamarckiana, que concebia uma orientao intrnseca e automtica para a

    perfeio. Props uma causalidade estrita e separada para cada mudana evolutiva.

    Alm dos postulados de Darwin sobre seleo natural, outra revoluo dentro

    da rea biolgica, incorporada mais tarde teoria da Evoluo Biolgica, foi a da

    redescoberta dos trabalhos de Johann Mendel (1822-1885), em 1900. A mais

    importante contribuio individual da Gentica, extrada dos trabalhos de Mendel,

    substituiu o conceito antigo de herana atravs da mistura de sangue pelo conceito

    de herana atravs de partculas (os genes). O desenvolvimento da gentica, a partir

    desses estudos, permitiu reinterpretar a teoria da Evoluo Biolgica de Darwin

    luz das novas descobertas sobre a hereditariedade, sintetizando diversos

    conhecimentos isolados.

    O ponto frgil de sua teoria, isto , a falta de conhecimento sobre a natureza

    da hereditariedade, foi removido quando, nas dcadas de 1920 e 1930, os princpios

    mendelianos da hereditariedade foram corretamente aplicados a populaes e

    utilizados para explicar a variedade gentica na natureza. Segundo Stebbins (1970),

    um conflito que existia no primeiro quarto do sculo XIX entre naturalistas

    darwinistas e geneticistas mendelianos pioneiros foi resolvido por essa investigao

    da gentica populacional.

    Segundo Mayr (1998), Evoluo Biolgica consiste nas mudanas de

    adaptao e na diversidade e Darwin, em conseqncia da leitura dos Principles, de

    Lyell, e dos seus estudos sobre a fauna das Ilhas Galpagos e da Amrica do Sul,

    voltou sua ateno para a origem da diversidade, isto , para a origem de novas

    espcies. A primeira revoluo darwiniana, a da descendncia comum, concebia que

    todos os organismos derivavam, inclusive o homem, em ltima instncia, de uns

    poucos ancestrais primitivos, ou possivelmente de uma nica primeira vida. Esta

    concepo relegou o homem, sob uma viso materialista, ao mesmo plano de todos

  • os demais organismos vivos, contrariamente ao dogma cristo e filosofia de

    Descartes.

    A revoluo darwiniana, a da causalidade evolutiva, tinha dois pontos a

    serem esclarecidos para Darwin. O primeiro era a produo abundante de variao

    gentica, que Darwin no sabia explicar a origem uma vez que lhe faltava o

    conhecimento sobre a natureza biolgica da hereditariedade. O segundo ponto era a

    sobrevivncia diversificada e a reproduo, ou seja, a seleo entre a

    superabundncia dos indivduos produzidos em cada gerao. Esta seleo natural

    no era um fenmeno ao acaso, como Darwin tantas vezes foi acusado de haver

    admitido, mas causada estritamente pela interao entre herana gentica e fatores

    ambientais.

    Chauthard-Freire-Maia (1990) chama a ateno que a extraordinria

    contribuio de Mendel veio contrapor-se idia prevalecente na poca, de que a

    herana se dava atravs da fuso de elementos paternos e maternos.

    A partir do sculo XIX, tomando como essncia as noes de Darwin sobre

    seleo natural e as noes sobre gentica, destaca-se, respectivamente, duas

    correntes: a Corrente Selecionista e a Corrente Mutacionista.

    Os argumentos para a corrente Mutacionista comearam a surgir a partir das

    descobertas das leis de Mendel. Um outro paradigma evolutivo foi proposto quando

    ficou entendido que a herana era particulada e que inovaes hereditrias surgem

    espontaneamente por alteraes sbitas dos genes, conhecidas como mutaes. Esta

    hiptese de Evoluo Biolgica por mutao competiu com sucesso, nas primeiras

    dcadas desse sculo, com as idias de Lamarck e Darwin.

    A teoria darwiniana da descendncia comum foi uma das teorias mais

    heursticas que jamais foi proposta (Mayr, 1998). Ela mobilizou diversas reas da

    Biologia, principalmente a Anatomia Comparada, em prol da determinao do

    parentesco e das provveis caractersticas dos ancestrais comuns, tarefa esta

  • inacabada at os nossos dias, pois ainda permanecem diversas dvidas sobre o

    ancestral comum de diversos grupos de plantas e de animais.

    A mutao era a fora diretora da Evoluo Biolgica. A seleo natural

    somente contribuiria para eliminar as mutaes no vantajosas de uma populao.

    Ou seja, o progresso evolutivo ocorre quando surge uma mutao valiosa

    substituindo sua antecessora menos valiosa. H. de Vries, W. Bateson e T.H. Morgan,

    todos reconhecidos geneticistas e cientistas, foram defensores da corrente

    mutacionista.

    Segundo Mayr (1998), os argumentos que levaram queda do mutacionismo

    foram desenvolvidos no fim da dcada de 1920 e comeo da dcada de 1930. Eram

    argumentos matemticos baseados no fato de que Evoluo Biolgica das

    populaes ocorre pela disperso de caracteres favorveis e, desse modo, dos genes

    favorveis responsveis por eles. Para que a disperso de uma nova mutao seja

    imediatamente favorecida, seria necessrio levar em conta, entre outros fatores, o

    tamanho populacional, o nmero de geraes, a taxa em que a mesma mutao

    reaparece, o grau em que favorece seus portadores. A interao desses fatores

    determinante da taxa e da direo das modificaes das freqncias gnicas.

    Pensando assim, parecia que a Evoluo Biolgica poderia ser redefinida

    como uma mudana nas freqncias gnicas, uma vez que tais mudanas so a base

    da mudana de formas e de hbitos que ocorrem nos organismos. No necessrio

    que os genes sejam mutaes recm-surgidas, podemos dizer que est ocorrendo

    Evoluo Biolgica desde que suas freqncias aumentem ou diminuam,

    comumente devido a modificaes ambientais. Segundo Ayala e Valentine (1979),

    tornou-se evidente como os indivduos de uma populao de reproduo sexual no

    so todos geneticamente idnticos, o nmero total de genes que podem ser herdados

    pela gerao seguinte muito maior que o nmero de genes de um nico indivduo.

    O conjunto gnico, ou seja, todos os genes de uma populao, em qualquer

  • momento, constituem um reservatrio de toda a variabilidade gentica da populao.

    O nvel mais bsico da Evoluo Biolgica dado pelas mudanas nas freqncias

    de genes que constituem o conjunto gnico.

    A teoria de como as freqncias gnicas se modificam foi elaborada

    princi