A Evolucao Do Conceito de Familia Noronha Maressa Maelly Soares Parron Stenio Ferreira

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    A EVOLUO DO CONCEITO DE FAMLIA

    NORONHA, Maressa Maelly Soares. (G/FACINAN)1 PARRON, Stnio Ferreira (D/FACINAN)2

    RESUMO: O presente trabalho visa examinar a evoluo do conceito de famlia. A famlia, sem sombra de dvida, foi um instituto que sofreu, ao longo do tempo, profundas adaptaes e modificaes. Outrora vista sob a tica inteiramente patrimonial, econmica e com fins de reproduo, passou a ser analisada a partir do vnculo afetivo que a embalava. De fato, a idia centralizada de que o ncleo familiar seria somente aquele constitudo por meio do matrimnio foi sendo afastado medida que novos agrupamentos foram se originando e conquistando espao em meio sociedade, o que, todavia, no poderia ser ignorado pelo legislador, fazendo-se necessrio reconhec-las e garantir sua proteo. Com a promulgao da Carta Magna de 1988, ao ser consagrado como macro princpio, a dignidade da pessoa humana, abriu alas para uma ampliao do conceito de famlia, antes restrito quele ncleo originado do casamento. Os princpios constitucionais, principalmente criaram uma nova diretriz para o direito de famlia, sendo impossvel restringir seu surgimento apenas como decorrncia matrimnio. Assim, ser analisado o deslocamento do eixo que regia a famlia, antes fixado sobre o casamento e agora fixado na afetividade. As consequncias de tal fato so notrias, em especial, com o surgimento de diversos tipos de famlias, todos dignos de proteo do Estado. Portanto, a presente pesquisa demonstrar que a famlia no mais se baseia em uma viso patrimonialista, com fins econmicos e de reproduo, mas sim, como meio de ser atingida a dignidade humana. Palavras-Chaves: Famlia Princpios constitucionais - Dignidade da pessoa humana Afetividade.

    SUMRIO: 1. Introduo; - 2. Aspectos histricos da origem da famlia; - 3. Evoluo do conceito de Famlia: constituio e cdigo civil; - 4. Princpios constitucionais norteadores do direito de famlia: 4.1. Digninidade da pessoa humana, 4.2. Igualdade e respeito s diferenas, 4.3. Solidariedade familiar, 4.4. Pluralismo das entidades familiares, 4.5. Proteo integral s crianas, adolescentes e idosos, 4.6. Proibio do retrocesso familiar, 4.7. Afetividade; 5. Entidades Familiares Expressamente reconhecidas pela Constituio Federal e o Princpio da Dignidade Humana; 6. A funo social da famlia; 7. A nova concepo de famlia: o afeto como condio; 8. Consideraes finais; 9. Bibliografia.

    1 INTRODUO

    premissa bsica, ao passo que tambm incontroversa que, o ser humano,

    ao receber o dom da vida, est ligado de alguma maneira ao seio familiar,

    1 Acadmica do 6 Semestre do Curso de Direito da Faculdade de Cincias Contbeis de Nova

    Andradina FACINAN. 2 Professor de Direito Civil e de Direito Processual Civil do Curso de Direito da Faculdade de Cincias

    Contbeis de Nova Andradina FACINAN. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pelas Faculdades Integradas Antonio Eufrsio de Toledo de Presidente Prudente. Mestrando em Cincias Jurdicas pelo Centro Universitrio de Maring CESUMAR.

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    considerado como estrutura bsica social3.

    O grande vnculo natural que une o homem famlia faz tornar verdadeira a

    mxima de que no existe qualquer outra instituio que seja to intimamente ligada

    a ele. Simples ou complexa, assente do modo mais imediato em instintos

    primordiais, a famlia nasce espontaneamente pelo simples desenvolvimento da vida

    humana. Como aponta o pesquisador LECLERCQ.

    Seja pelo instinto de perpetuao da espcie ou pelo repdio solido, o fato

    que a dimenso que a abarca as estruturas familiares , sem dvidas, muito

    ampla, haja vista que o seu conceito tem acompanhado as constantes

    transformaes que permeiam a sociedade, sendo necessrio princpios

    constitucionais que iro reg-las, em suas variedades, no mbito jurdico.

    Destarte, faz-se necessrio a aplicao de variados ramos do conhecimento,

    inclusive e principalmente a cincia jurdica, para que se compreenda as diferentes e

    mltiplas peculiaridades de cada agrupamento familiar, que se analisados sob uma

    tica singular, desvirtuam de sua real aparncia.

    Na seara jurdica, a Carta Magna de 1988 constitucionalizou o Direito de

    Famlias, acarretando modificaes que incidiram sobre os paradigmas que

    regulamentam a famlia como base da sociedade, no tendo mais por escopo o

    patrimnio e sim o seu sujeito, uma vez que os valores jurdicos atriburam maior

    valor s pessoas; a ilegitimidade da prole, a indissolubilidade do casamento, a

    inferioridade feminina bem como as supersties que circundavam as variedades

    familiares foram desviadas, preponderando a afetividade4.

    Nesses parmetros, sem intuito exaustivo, este trabalho abordar de modo

    sistemtico e objetivo as transformaes relativas famlia, tanto na sociedade

    quanto no mbito jurdico, buscando, primordialmente, no bojo constitucional amparo

    s novas entidades familiares que se desencadearam ao longo dos tempos.

    Outrossim, tratar dos princpios norteadores que traaram diretrizes ao

    Direito de Famlias, refletindo sobre a funo social familiar bem como a nova

    concepo a ela atribuda.

    3 FARIAS, Cristiano Chaves. Direito Constitucional Famlia. Revista Brasileira de Direito de

    Famlia. Porto Alegre, IBDFAM/Sntese, n. 23, abril-Maio 2004, p.05. 4De acordo com pensamentos de PEREIRA, Rodrigo da Cunha; Direito de Famlias, 'xl'.

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    2 ASPECTOS HISTRICOS DA ORIGEM DA FAMLIA

    A origem da famlia est diretamente ligada histria da civilizao, uma vez

    que surgiu como um fenmeno natural, fruto da necessidade do ser humano em

    estabelecer relaes afetivas de forma estvel.

    Pois bem, deixando de lado a famlia da antiguidade, em sua forma primitiva,

    possvel afirmar que a famlia brasileira tem como base a sistematizao formulada

    pelo direito romano e pelo direito cannico.5

    A famlia romana era formada por um conjunto de pessoas e coisas que

    estavam submetidas a um chefe: o pater familias. Esta sociedade primitiva era

    conhecida como a famlia patriarcal que reunia todos os seus membros em funo

    do culto religioso, para fins polticos e econmicos.

    AUREA PIMENTEL PEREIRA, descreveu a estrutura da famlia romana neste

    estgio:

    Sob a auctoritas do pater familias, que, como anota Rui Barbosa, era

    o sacerdote, o senhor e o magistrado, estavam, portanto, os membros da primitiva famlia romana (esposa, filhos, escravos) sobre os quais o pater exercia os poderes espiritual e temporal, poca unificados.No exerccio do poder temporal, o pater julgava os

    prprios membros da famlia, sobre os quais tinha poder de vida e de morte (jus vitae et necis), agindo, em tais ocasies, como verdadeiro magistrado. Como sacerdote, submetia o pater os membros da

    famlia religio que elegia.6

    O direito romano teve o mrito de estruturar, por meio de princpios

    normativos, a famlia. Isto porque at ento a famlia era formada por meio dos

    costumes, sem regramentos jurdicos. Assim, a base da famlia passou a ser o

    casamento, uma vez que somente haveria famlia caso houvesse casamento.7

    Pois bem, com a ascenso do Cristianismo, a Igreja Catlica assumiu a

    funo de estabelecer a disciplina do casamento, considerando-o um sacramento.8

    Assim, passou a ser incumbncia do Direito Cannico regrar o casamento, fonte

    nica do surgimento da famlia.

    5 WALD, Arnoldo. O novo direito de famlia. 15. ed. So Paulo: Saraiva, 2004, p. 9.

    6 PEREIRA, Aurea Pimentel. A nova Constituio e o Direito de Famlia, Rio de Janeiro: Renovar,

    1991, p. 23. 7 LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de direito de famlia: origem e evoluo do casamento.

    Curitiba: Juru, 1991, p. 57. 8 CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e unio estvel: requisitos e efeitos

    pessoais. Barueri-SP: Manole, 2004, p. 31.

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    No tempo do Imprio somente o casamento catlico (in facie Ecclesiae) era

    conhecido, pois era essa a religio oficial do pas. Assim, apenas poderiam casar-se

    as pessoas que professassem a religio catlica.

    No incio, esta condio no causava inconvenientes uma vez que as

    pessoas que ocupavam o Brasil eram, em sua maioria, catlicas. Esta situao foi

    modificada com o crescimento populacional decorrente, sobretudo, da imigrao que

    fez aumentar sobremaneira a populao de acatlicos. As pessoas que tinham

    outras convices religiosas, ou seja, aquelas que no seguiam o catolicismo,

    estavam impedidas de contrarem o matrimnio.

    Note-se que, neste perodo inicial, a Igreja detinha o monoplio das regras

    pertinentes ao matrimnio, era ela quem ditava as regras e impunha condies. As

    normas reguladoras do casamento seguiam os ditames do Conclio de Trento de

    1563 e das Constituies do Arcebispo da Bahia.9

    Foi ento que o Estado decidiu intervir, criando o casamento misto pelo qual

    era possvel a unio de pessoas pertencentes a seitas dissidentes, observando as

    prescries religiosas respectivas.

    Desta forma, no Brasil, quando da Colnia e Imprio, eram praticadas trs

    modalidades distintas de casamento: o casamento catlico; o casamento misto

    (catlico e acatlicos) e o casamento entre pessoas de seitas dissidentes.10

    No Brasil, no perodo colonial, com a chegada do 'homem branco colonizador',

    era de natureza comum e corriqueira os relacionamentos amorosos provenientes do

    contato entre os europeus com as ndias que aqui se encontravam, o que no era

    considerado famlia, vez que os europeus embasavam-se na instruo diretiva dada

    pela Igreja Catlica, que por sua vez, via tais acontecimentos como transgresso

    dos preceitos religiosos e que iam de encontro aos valores morais cristos.

    Com a resistncia por parte dos indgenas em serem escravizados, a opo

    encontrada pelo reino portugus foi a de trazer mo de obra africana, momento em

    que os negros aqui se instalaram desencadeando uma intensa miscigenao; fato

    influente na cultura, crena e comportamento de todos os povos, porm visto de

    maneira pecaminosa pelo catolicismo predominante. Apenas depois da metade do

    9 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Famlia, 1. ed., Rio de Janeiro: AIDE, 1994, v. I, p.29.

    10 PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de Direito Civil, 11. ed., Rio de Janeiro: Forense,

    1997, v. V, p. 40.

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    sculo XVIII, com a criao da Lei do Marqus de Pombal11, o casamento entre

    gentios 12 e brancos foi permitido, em virtude do extermnio da escravido indgena.

    O que se pode detectar, portanto, que tanto o Direito Cannico, por meio de

    suas normas de cunho moral, idealizadas e impostas pela Igreja Catlica, quanto

    outras regras estipuladas e moldadas pelos portugueses, mantinham todas as

    famlias sob intensa fiscalizao e vigilncia, fossem formadas por brancos, negros,

    ndios ou advindas da fuso destes.

    Desta forma, a famlia se desenvolveu no Brasil, fruto de uma mistura de

    raas e culturas, sob a tentativa de um controle intenso e repressor realizado a pela

    igreja catlica. Tal constatao mostra-se de suma importncia para a compreenso

    da evoluo da famlia, tpico no qual dedicar-se- ateno especfica nas linhas

    seguintes.

    3 A Evoluo do conceito de famlia

    Por questes histricas j mencionadas, tornou-se invivel estabelecer um

    modelo familiar uniforme, havendo a necessidade de traduzi-la em conformidade

    com as transformaes sociais no decorrer do tempo, como cita FARIAS E

    REOSENVALD.

    No entanto, o Estado ainda sofria forte influncia da igreja catlica, sendo tal

    viso traduzida em regras que geravam preconceito em relao s unies que no

    decorriam do casamento catlico.

    No entanto, aos poucos o Estado comeou a se afastar das interferncias da

    igreja e passou a disciplinar a famlia sob o enfoque social; a instituio familiar

    deslocou-se do posto de mero agente integralizador do Estado, para pea

    fundamental da sociedade. Nesse compasso, inicia-se a mudana do ideal

    patrimonialstico, com indcios ligados ao modelo familiar estatal, alm do carter

    produtivo e econmico, abrindo espao para a estrutura afetiva embalada pela

    solidariedade.

    At a promulgao da Carta Magna de 1988, o rol era totalmente taxativo e

    limitado, vez que apenas aos grupos gerados por meio do casamento era conferido

    11

    CHIAVENATO, J.J. O Negro no Brasil: da senzala abolio. So Paulo: Editora Moderna, 1999. p.31. 12

    Gentios era a designao para os no cristos, os pagos. Tal palavra deriva etimologicamente de gens, que significa cl ou grupo familiar. Disponvel em www.infopedia.com/gentios. Acesso em 05.11.2011.

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    o 'status familiar', preconizado pelo Cdigo Civil de 1916 que, sob forte influncia

    francesa, traava parmetros matrimonializados. Sob este mesmo prisma, destaca-

    se a Lei do Divrcio, que atribua parte culpada pela separao, vrios tipos de

    sanes, aludindo que a qualquer preo o liame familiar formado pelo matrimnio

    deveria ser mantido. Era, basicamente, o sacrifcio da felicidade pessoal dos

    membros da famlia em nome da manuteno do vnculo de casamento13.

    Veja, portanto, que o Estado entedia, at ento, que a famlia apenas surgia a

    partir do casamento. Os conjuntos de pessoas unidos sem tal conveno no eram

    considerados famlia e, em razo disso, no mereciam a proteo estatal.

    Contudo, com a promulgao da Constituio Federal de 1988, houve um

    impacto relevante sobre tais concepes, por meio dos princpios constitucionais

    elencados que refletiram diretamente no Direito de Famlias.

    O artigo 1, III, da Constituio Federal, que consagra o princpio da dignidade

    da pessoa humana, considerado por alguns doutrinadores, como o ponto de

    transformao do paradigma de famlia; num nico dispositivo espancou sculos de

    hipocrisia e preconceito 14. Deste modo, com toda essa ordem de valores trazidas

    pela Carta Magna, o Cdigo Civil, que estava em trmite no Congresso Nacional

    antes desta ser promulgada, precisou passar por um 'tratamento profundo', para que

    se adequasse aos parmetros constitucionais. Como leciona Maria Berenice Dias

    da o sem-nmero de emendas que sofreu, tendo sido bombardeado por todos os

    lados.

    A partir de ento, foram vrias as inovaes jurdicas; merecem destaque: a

    igualdade conferida aos homens e mulheres, tornando igualitria a proteo de

    ambos e se estendendo, tambm, aos filhos, fossem provenientes, ou no, do

    casamento ou por adoo; o divrcio, como mtodo de dissolver o casamento civil

    (nova redao dada ao 6 do art. 226 da CF) e, do mesmo modo, a equiparao,

    no que tange aos direitos garantidos famlia formada atravs do casamento, assim

    como constituda pela unio estvel e s monoparentais, figuras novas do

    ordenamento jurdico brasileiro.

    13

    IDEM,cit. p.04 14

    VELOSO, Zeno. Comentrios lei de Introduo ao Cdigo Civil- Arts. 1 6. Belm UNAMA,2005.

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    de suma importncia salientar que, a mulher, outrora tratada com

    inferioridade, teve sua capacidade reconhecida no que diz respeito sua posio de

    cnjuge. Detecta-se, portanto, que ao ncleo familiar passou a ser imputado maior

    prioridade o prprio ser humano, sendo considerado absolutamente inconstitucional

    violar direitos que dizem respeito sua dignidade; o conceito de famlia-instituio

    foi substitudo para famlia-instrumento do desenvolvimento da pessoa humana,

    protegida de acordo com interesse de seus componentes, com igualdade bem como

    solidariedade entre eles15.

    Em suma, pode-se concluir que a famlia, no antigo Cdigo de 1916, era

    fundada sob o aspecto matrimonializado, patriarcal, hierarquizado, heteroparental,

    biolgico, como funo de produo e reproduo e carter institucional; esse

    quadro reverteu-se com a Lex Fundamentallis de 1988, refletindo tambm no Cdigo

    Civil de 2002, tornando-se pluralizada, democrtica, igualitria substancialmente,

    htero ou homoparental, biolgica ou socioafetiva, com unidade socioafetiva e

    carter instrumental16.

    Como se no bastasse a importante ampliao do conceito de famlia

    estabelecido pela Constituio Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal, em

    julgamento histrico entendeu que as unies entre homossexuais deveriam ser

    consideradas formas de famlias, recebendo assim a mesma proteo do Estado

    destinada aos casais unidos pelos vnculos da unio estvel.17

    4 Princpios constitucionais norteadores do direito de famlia.

    A Constituio Federal surgiu, sem sombra de dvidas, recheada de

    princpios bases para as demais normas do ordenamento jurdico, sendo que estes

    so at mesmo considerados leis das leis. Nas palavras de Paulo Bonavides os

    princpios constitucionais foram convertidos em alicerce normativo sobre o qual se

    assenta todo o edifcio jurdico do sistema constitucional.

    Com o reconhecimento da dignidade da pessoa humana como um dos

    fundamentos do Estado, consolidou-se a idia de que as demais leis deveriam tomar

    15

    Conforme posicionamento de FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson; Direito das Famlias, p.11 16

    IDEM, p.11. 17 LBO, Paulo. A repersonalizao das relaes de famlia. Revista Brasileira de Direito de Famlia. Porto Alegre, IBDFAM/Sntese, n. 24, p. 138, jun-jul. 2004.

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    por base a Lei Maior, inclusive o Cdigo Civil. Destarte, os princpios constitucionais

    passaram a informar todo o sistema legal de modo a permitir a incidncia de tal

    fundamento, em todas as relaes jurdicas e sociais.

    No mbito do Direito de Famlia, tais princpios demonstram seus reflexos;

    sejam de forma explicita ou implicitamente, so dotados da mesma importncia.

    Seguindo a trilha de pensamento de Francisco Amaral18, no tocante proteo e

    modo organizacional da famlia, criana e adolescente, considera-se onze princpios

    fundamentais, que merecem ser citados, quais sejam o reconhecimento da famlia

    como instituio bsica da sociedade e como objeto especial da proteo do Estado

    (CF,art.226); a existncia e permanncia do casamento, civil ou religioso, como

    base, embora sem exclusividade, da famlia; a competncia da lei civil para regular

    os requisitos, celebrao e eficcia do casamento e sua dissoluo; a igualdade

    jurdica dos cnjuges (CF,art.266 5); o reconhecimento, para fins de proteo do

    Estado, da entidade familiar formada pela unio estvel de homem e mulher, assim

    como da entidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes; a

    possibilidade de dissoluo do vnculo matrimonial pelo divrcio (CF art.226 6);

    direito de constituio e planejamento familiar, fundado no princpio da paternidade

    responsvel, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e cientficos

    para o seu exerccio; igualdade jurdica dos filhos, proibidas quaisquer designaes

    discriminatrias; proteo da infncia, com o reconhecimento de direitos

    fundamentais criana e ao adolescente , e responsabilidade da famlia, da

    sociedade e do Estado por sua observncia; a atribuio aos pais do dever de

    assistncia , criao e educao dos filhos e a proteo do idoso (CF, art. 230).

    sabido que alguns princpios esto intimamente ligados s diversas

    disciplinas abordadas pelo direito, os chamados princpios gerais, ao passo que

    outros destinam-se a regular matrias especficas, no que tange o direito das

    famlias, norteando as vrias questes que permeiam as relaes familiares.

    Assim sendo, destacar-se- alguns princpios constitucionais que influenciam

    diretamente na compreenso atual da famlia.

    18

    AMARAL, Francisco. Direito Constitucional. p. 319.

  • 9

    4.1 Da dignidade da pessoa humana

    Considerado como alicerce de todo o nosso ordenamento jurdico19, o

    princpio da dignidade da pessoa humana faz com que, a partir dele, floresam os

    demais, visto que produz efeitos sobre todas as relaes jurdicas que permeiam a

    sociedade.

    Invocando a arguta preleo de Maria Berenice Dias,20 depara-se que:

    Na medida em que a ordem constitucional elevou a dignidade da pessoa humana a fundamento da ordem jurdica, houve uma opo expressa pela pessoa, ligando todos os institutos a realizao de sua personalidade. Tal fenmeno provocou a despatrimonializao e a personalizao dos institutos, de modo a colocar a pessoa humana no centro protetor do direito.

    Depreende-se, portanto, que o Estado se vale de tal princpio tanto para

    limitar quanto para nortear sua atuao, possuindo o dever de promover condutas

    eficazes que possibilitem o mnimo de condies existncias para cada ser humano,

    tendo em vista que este o foco a ser protegido.

    No que tange multiplicidade das entidades familiares que floresceram no

    decorrer dos tempos, sabe-se que a partir desse macro-princpio decorre a garantia

    constitucional de trat-las uniformemente, ou seja, pressupe dispensar cuidados

    igualitrios, independente de sua formao, assim como garantir liberdade individual

    na escolha de manter ou no o ncleo familiar.

    Sendo assim, o respeito e proteo a dignidade da pessoa humana (de cada

    uma delas e de todas as pessoas) constituem (ou, ao menos, assim o deveriam) em

    meta permanente da humanidade, do Estado e do direito21.

    19

    PIOVESAN, Flvia Cristina. Direitos humanos, o princpio da dignidade humana e a Constituio brasileira de 1988. Revista dos Tribunais. v. 833/41-53. So Paulo: Ed. RT, mar. 2005, p. 42. 20

    DIAS. Berenice. Manual de Direito das Famlias. 5. ed. revista, atualizada e ampliada. 2 tiragem. So Paulo Revista dos Tribunais, 2009. p. 61. 21

    DIAS. Berenice. Manual de Direito das Famlias. 5. ed. revista, atualizada e ampliada. 2 tiragem. So Paulo Revista dos Tribunais, 2009.cit. p. 63.

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    4.2 Igualdade e respeito diferena.

    Na arguta preleo de Rui Barbosa22 de que tratar a iguais com

    desigualdade ou a desiguais com igualdade no igualdade real, mas flagrante

    desigualdade, aponta-se que indiscutvel a gigantesca responsabilidade do

    Estado em garantir a real igualdade a todos que estejam sob sua jurisdio.

    No Texto Constitucional fica evidente a preocupao no sentido de garantir o

    direito de igualdade; observa-se que, alm de fazer constar em seu prembulo,

    tambm destaca no artigo 5, caput. que todos so iguais perante a lei. Ademais,

    no primeiro inciso, preconiza a igualdade entre homens e mulheres no que tange

    direitos e obrigaes bem como em relao sociedade conjugal (art.226, 5).

    Outrossim, o princpio da igualdade repercute em relaes aos filhos, sejam

    provenientes ou no do casamento, ou adotados (art.227,6), sendo inadmissvel

    qualquer indcio de discriminao.

    O Cdigo Civil, neste mesmo seguimento, em vrios de seus artigos

    demonstra a influncia de tal princpio no mbito familiar, valendo mencionar o art.

    1.511, que se relaciona com a igualdade atribuda aos cnjuges no que diz respeito

    a direitos e deveres entre eles; art.1.566 no qual se apregoa os deveres recprocos

    entre eles; art.1.567 ditando sobre a direo da sociedade conjugal e art.1.583 e

    1.834 que disciplinam acerca da guarda da prole.

    De fato, h diferenas que perduram entre os gneros e, por conseguinte, o

    direito no pode virar as costas para isso. No entanto, evidente que a hipocrisia

    discriminatria est sendo marginalizada, pois o que deve permanecer o senso de

    igualdade e respeito diferena, gerador do ideal de justia.

    22

    Que soube compreender como poucos a lio de Aristteles em sua obre tica a Nicmaco e sintetizar tal entendimento com a frase que tem atravessado dcadas.

  • 11

    4.3 Solidariedade familiar

    No prembulo constitucional mencionada a expresso sociedade

    fraterna, dando amparo legal a este princpio to significativo, que por sua vez

    engloba ideais de fraternidade e reciprocidade.

    Encontram-se, tambm, no Cdigo Civil, vrios dispositivos que visam

    assistncia aos cidados, sendo que a famlia est absorvida e envolvida nesse

    contexto. O Estado, ao promover essa gama de direitos de carter recproco entre

    os componentes de uma entidade familiar est, de certa forma, repassando a

    responsabilidade para esta e ficando em segundo plano. Exemplo prtico de tal

    acontecimento ocorre tanto nos casos que se relacionam aos idosos, como crianas

    e adolescentes, no qual a ordem em garantir os direitos de assistncia ligados

    solidariedade, esto juntos famlia seguida da sociedade e por fim, o Estado.

    4.4 Do Pluralismo das entidades familiares

    O pensamento centralizado de que apenas o casamento deveria ser

    reconhecido, por efetivamente caracterizar uma entidade familiar, foi ultrapassado

    posto que junto s constantes modificaes sociais, alargaram-se costumes e

    conceitos. Essa exclusividade foi sendo afastada medida que novos ncleos

    familiares comearam a surgir e foram sendo constitucionalmente reconhecidos

    (art.226, 3 e 4, Constituio Federal).

    Com efeito, enxergar sob a tica do princpio do pluralismo admitir e dar

    crdito s variadas organizaes familiares, que a partir do vnculo da afetividade,

    surgem de forma cada vez mais intensa no meio social; fato este que no pode ser

    ignorado tanto pela sociedade quanto pelo legislador.

    4.5 Da proteo integral s crianas, adolescentes e idosos

    Considerando que os cidados menores de dezoito anos so vistos como

    seres em formao, sabido que a eles deve-se dispensar um cuidado diferenciado

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    no que toca a sua proteo. O artigo 227 da Constituio Federal, elenca direitos

    conferidos a esta categoria, sendo considerados fundamentais embora no

    mencionados no clebre artigo 5, CF.

    Tais direitos constituem verdadeiros guias para reger as variadas relaes

    existentes entre as crianas e adolescentes no seio famlia, social e estatal. Sade,

    educao, lazer e profissionalizao so algumas das garantias asseguradas e que

    devem ter efetiva aplicabilidade, objetivando o melhor interesse do menor ; tambm

    no ECA (Estatuto da Criana e do Adolescente) encontram-se as melhores maneiras

    de implementao de todo este leque de direitos e garantias.

    Alm do princpio do melhor interesse do menor, pelo qual o ECA regido,

    h de se mencionar o princpio da paternidade responsvel e proteo integral, com

    intuito de assegurar um desenvolvimento promissor ao menor, de maneira que se

    torne um cidado responsvel, embasado em princpios morais e ticos.

    No que diz respeito aos vnculos de filiao, vedado qualquer

    manifestao discriminatria entre os filhos, como j exposto acima, nos termos do

    6 do art.227, CF, bem como, as relaes paterno-filias que recebem amparo

    constitucional no que diz respeito isonomia de tratamento, devendo ser afastadas

    quaisquer indcios de diferenciao. Nesse mesmo sentido, o idoso recebe abrigo

    legal, sendo vedada a discriminao decorrente da idade ao passo que torna-se

    dever da famlia, sociedade e Estado,promover sua participao na comunidade,

    dignidade e bem-estar e garantir-lhe o direito vida (art.230, CF). Por fim, cumpre

    relevar que o Estatuto do Idoso dedica queles com mais de 65 anos um cuidado

    especial, sempre frisando que se trata de direitos e garantias fundamentais,

    portanto, de aplicao imediata.

    4.6 Da proibio do retrocesso social

    Na esteira do que aqui se sustenta, sabe-se que a Constituio Federal

    estabeleceu diretrizes no que toca o Direito das Famlias, quais sejam a igualdade

    entre homens e mulheres na convivncia familiar, o pluralismo das entidades

    familiares merecedoras de proteo e o tratamento igualitrio entre os filhos.

  • 13

    Destarte, por serem de carter subjetivo, as normas que tratam do assunto

    requerem a no limitao ou qualquer outra forma que as restrinja, haja vista que

    so consagradas como regras constitucionais.

    Na arguta preleo de Lenio Streck nenhum texto proveniente do

    constituinte originrio pode sofrer retrocesso que lhe d alcance jurdico social

    inferior ao que tenha originariamente, proporcionando retrocesso ao estado pr-

    constituinte.

    Nessa linha de inteleco, conclui-se que medida que o Estado garante

    tais direitos sociais, deve tambm atentar para seu cumprimento satisfatrio posto

    que vo alm do campo de mera obrigao positiva e no podem ser ignorados

    quanto sua efetiva realizao.

    4.7 Da afetividade

    medida que o Estado estabelece para seus cidados um leque imenso de

    direitos individuais e sociais a fim de que se assegure a dignidade de todos,

    transparece o princpio da afetividade que, mesmo no sendo expresso em palavra,

    tem um valor amplo e um campo de incidncia alargado. Nesses arranjos, com a

    aceitao das unies estveis, as famlias monoparentais bem como outras

    entidades diversificadas, demonstram que o afeto foi consagrado direito

    fundamental. Essa qualificao pode ser entendida quando ligada garantia da

    felicidade, que no deve ser medida, imposta ou manipulada, porm colocada sob a

    concepo de direito a ser atingido. Sob esta mirada, constata-se que o vnculo da

    afinidade atende s modificaes familiares que deixaram de ser modelo nico e

    matrimonializado, para seguir uma nova ordem, a qual atribuda o valor jurdico do

    afeto.

    Por todas estas e outras elementares, afirma-se que aqui est o principal

    princpio norteador do Direito de Famlias, o da afetividade.

  • 14

    5 ENTIDADES FAMILIARES EXPRESSAMENTE RECONHECIDAS PELA

    CONSTITUIO FEDERAL E O PRINCPIO DA DIGNIDADE HUMANA

    Como j exposto anteriormente, foi constituda pela Carta Magna de 1988,

    uma nova ordem jurdica, trazendo inovaes relativas ao conceito e concepo de

    famlia, desvinculando do pensamento tradicional de que esta seria somente aquela

    composta por um homem e uma mulher, selados pelo matrimnio, e, eventualmente,

    pelos filhos decorrentes desta unio.

    Ao ser consagrado como clusula ptrea, a dignidade da pessoa humana

    (art.1, III, CF 88) abarcou outros ideais, alm do matrimnio, no que tange

    estrutura famlia; a unio estvel (art.226,3) e a famlia monoparental (art.226,4)

    receberam expresso amparo constitucional.

    No entanto, necessrio mencionar que o rol do referido artigo no

    taxativo, partindo do pressuposto de que, em seu prembulo, a Constituio deixa

    perfeitamente declarado os princpios da igualdade e liberdade, intimamente ligados

    ao princpio da dignidade da pessoa humana. Nessa esteira de pensamento, como

    o indivduo o ponto principal, o elemento finalstico para receber a proteo do

    Estado, tem-se que todas as demais normas, principalmente as que dizem respeito

    ao direito de famlia, devem regular as mais variadas e ntimas relaes do ser

    humano no seio social23, o que significa afirmar que as demais formas de entidades

    familiares, mesmo no expressas no texto constitucional, no podem ser

    marginalizadas e ignoradas, muito menos discriminadas, devendo receber o devido

    tratamento necessrio para sua proteo.

    Nada obstante a tal assertiva, a Constituio Federal tratou expressamente

    de algumas entidades familiares, vejamos cada uma delas.

    23

    TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. p. 328.

  • 15

    5.1 O matrimnio

    O modelo sustentado pelo Cdigo de 1916 era, basicamente, somente

    aquele constitudo pelo matrimnio, sob a configurao hierrquica e patrimonial.

    Nessa trilha, o homem, considerado o chefe familiar, era tido como a referncia

    daquela determinada entidade; mesmo que se fundissem duas pessoas em uma s,

    por meio do casamento, era o varo quem a identificava. A mulher, de outra banda,

    tinha sua capacidade reduzida (ou por vezes desconsiderada), no possuindo direito

    de exercer atividades de trabalho, muito menos de gerir seus bens. Em tese, o

    objetivo primordial da famlia era preservar seu patrimnio, fazendo dos filhos

    instrumentos para atingir tal finalidade.

    Por essas e outras concepes, detecta-se que havia uma oposio do

    Estado em aceitar as entidades que se formava na sociedade sem seu selo oficial.

    Porm, medida que transformaes sociais foram acontecendo, novas unies

    diversas daquelas tradicionais foram surgindo, houve a necessidade de adaptao

    do legislador para disciplinar cada uma delas; mudanas significativas comearam a

    despontar, tais como o modo de dissoluo da sociedade conjugal (Lei do Divrcio),

    em relao comunho de bens, que de universal passou para parcial, assim como

    o ponto controvertido sobre o emprego do nome do cnjuge varo, tornando seu uso

    facultativo e no mais obrigatrio. Mesmo com a certa liberdade conferida ao

    indivduo no que diz respeito ao matrimnio, no se deve olvidar que muitas so as

    condies impostas pelo Estado quanto sua celebrao, sendo vista por muitos

    doutrinadores como um autntico contrato de adeso24.

    Ademais, a to almejada proteo s outras organizaes familiares, se deu

    com a Constituio, que consolidou valores j estabelecidos, reconhecendo a

    evoluo por qual passou a sociedade e protegendo seus integrantes de maneira

    igualitria.

    24 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famlias. 3. ed., rev.,ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2011.

  • 16

    5.2 Unio estvel

    Embasando-se no pensamento expresso por Lamartine e Muniz25 extrai-se

    que o nexo famlia-matrimnio no mais o parmetro a ser rigorosamente

    seguido, vez que matrimnio e famlia constituem situaes diversas e a relao de

    fato conquistou importncia no mbito jurdico. Partindo desse pressuposto,

    incontestvel a figura da unio estvel, que tem seu conceito ligado uma entidade

    familiar exercida por um homem e uma mulher de modo pblico e contnuo, com

    semelhanas ao casamento. Atualmente, reconhecida quando ambos convivem de

    maneira duradoura e objetivando constituir uma famlia; o que impera, na verdade,

    o afeto entre os companheiros.

    De fato, tal espcie de entidade familiar foi legitimada pelo legislador,

    culminando em sua devida proteo jurdica a fim de que os casais convivessem sob

    aspecto de matrimnio. Nesse sentido cumpre relevar que o art.1726, do atual

    Cdigo Civil, disciplina acerca da converso da unio estvel em matrimnio.

    Tambm emanadas do Texto Maior, surgiram leis ordinrias disciplinando o assunto,

    tais como a Lei dos Companheiros (Lei n 8971, de 29 de dezembro de 1994) que

    trata de direitos pertinentes prestao de penso alimentcia entre os

    companheiros bem como questes de herana; e a Lei dos Conviventes (Lei n 9278

    de 10 de maio de 1996), regulando a partilha dos bens adquiridos onerosamente no

    decorrer da unio entre os conviventes e outros aspectos do gnero.

    5.3 Famlia Monoparental

    comunidade formada por qualquer dos pais com seus descendentes,

    devida a especial proteo do Estado, (art.266, pargrafo 4). So as denominadas

    sociedades monoparentais que correspondem a uma parcela significativa da

    realidade de muitos brasileiros, seja em decorrncia natural da estrutura

    organizacional familiar, ou pelo considerado avano tecnolgico (inseminao

    artificial), bem como privilgios conferidos pelas normas, como so os casos de

    25

    Nesse sentido, OLIVEIRA, Jos Lamartine Crrea de; MUNIZ, Francisco Jos Ferreira. Direito de Famlia- Direito Matrimonial, p. 89.

  • 17

    adoo por pessoas solteiras que possuem efetivamente condies econmicas e

    principalmente morais para cuidar do menor. Salienta-se que, apesar de gozar do

    amparo estatal, tal entidade no possui seus direitos infraconstitucionais

    devidamente regulados, o que constitui silncio por parte do Legislativo, merecendo

    ser colocada em foco.

    6 A FAMLIA E SUA FUNO SOCIAL

    Passada a etapa na qual a cincia do Direito estava voltada para fatos e no

    valores, firma-se que a neutralidade buscada pelo positivismo atualmente rebatida

    por valores que permeiam o seio social. Destarte, a norma jurdica deve ser utilizada

    como ferramenta a solucionar problemas decorrentes das mais variadas relaes

    sociais, a fim de que se estabelea decises coerentes e embaladas pela justia26.

    Tomando por base o fato de que a Carta Magna considerada uma carta de

    valores e princpios, consequentemente o Direito de Famlias integra essa realidade.

    Sendo assim, denota-se que todo instituto jurdico nasce para atingir determinada

    finalidade, que a sua funo.

    As normas de carter familiar devem estar em consonncia com os preceitos

    constitucionais, o que garantir o funcionalismo eficaz de seus institutos. Nesta trilha

    de pensamento, os regimes institudos pelo Direito de Famlias devem observar

    uma determinada finalidade, sob pena de perderem a sua razo de ser. Assim,

    deve-se buscar, nos princpios constitucionais, o que almejou o constituinte para a

    famlia, de forma a bem entender a normatizao27.

    Como norte do ordenamento jurdico, a dignidade da pessoa humana foi

    consagrada principio fundamental e, junto com outros princpios constitucionais

    concernentes famlia, quais sejam a igualdade, pluralidade familiares,

    solidariedade, entre outros, auxiliam a detectar sua finalidade social. Porm, de

    grande valia ressaltar que esse macro princpio no deve ser analisado

    26 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famlias. 3. ed., rev.,ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2011, p. 108 -109. 27

    GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; GUERRA, Leandro Santos, cf. Funo social da famlia, cit.126.

  • 18

    isoladamente, por poder propiciar um aspecto totalmente individualizado, haja vista

    que o ncleo familiar possui, tambm, sua feio social. No mesmo sentido, Sergio

    Gischkow dispara com mestria:

    Uma famlia que experimente a convivncia do afeto, da liberdade, da veracidade, da responsabilidade mtua haver de gerar um grupo familiar no fechado egoisticamente em si mesmo, mas sim voltado para as angstias e problemas de toda a coletividade, passo relevante correo das injustias sociais.28

    Em suma, tendo em vista que a famlia constitui espao de integralizao

    social, longe de aspectos centralizados e egosticos, as entidades familiares devem

    ser protegidas ao passo que atendam sua funo social, sendo esta voltada a

    propiciar ambiente seguro tanto para a convivncia entre os que a integram como

    para a prpria dignidade destes 29.

    7 A NOVA CONCEPO DE FAMLIA O AFETO COMO CONDIO

    So inquietantes e incontveis os fatores que exercem influncia no que diz

    respeito formao da personalidade de cada ser humano, porm no h o que se

    discutir que a famlia a maior responsvel de todas elas. Em outras palavras,

    compreende-se que esta no considerada apenas uma instituio de ordem

    biolgica, mas, acima de tudo, um agrupamento demarcado por caractersticas

    culturais e sociais30.

    Com o surgimento da Lei 11.340/06, posteriormente conhecida com Lei

    Maria da Penha, foi incorporado ao ordenamento jurdico mecanismos de ordem

    objetiva e subjetiva com a finalidade de repreenso e preveno da violncia contra

    a mulher no seio familiar e social, independente de raa, cultura e orientao sexual.

    No bastasse isto, apesar de poucos terem esse conhecimento, o artigo 5, inc. II,

    da Lei em questo, tratou de estabelecer infraconstitucionalmente, o conceito

    28

    PEREIRA, Srgio Gischknow, Tendncias Modernas do direito de famlia. Revista dos tribunais, v. 628, p.19-39. 29

    FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson; Direito das Famlias. p.109. 30

    ALVES, Leonardo Barreto Moreira. A funo social da Famlia. Revista Brasileira de Direito de Famlia. Porto Alegre, IBDFAM/Sntese, n. 39. dez-jan, 2007.

  • 19

    moderno de famlia, qual seja a comunidade formada por indivduos que so ou se

    consideram aparentados, unidos por laos naturais, por afinidade ou por vontade

    expressa.

    Partindo desse contexto e de que o Estado democrtico tem como um de

    seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, amparada pelos princpios da

    liberdade, igualdade e proibio discriminatria, destaca-se o inciso IV do art.3 da

    Constituio Federal que estabelece requisitos que probem distines.

    exatamente neste campo que se configura o reconhecimento das unies entre

    pessoas do mesmo sexo; mesmo embora no sendo explicitamente vedada sua

    discriminao, partindo dessa posio normativa, no h o que se indagar o gnero

    da espcie, mas os vnculos que os unem. Nesse sentido, em virtude do silncio

    proveniente da Lei, surgem posicionamentos no tocante legtima proteo desse

    novo tipo de entidade familiar, posto que atende aos preceitos fundamentais que a

    Constituio consagrou, pois o fato de algum se ligar a outro do mesmo sexo,

    para uma proposta de vida em comum, e desenvolver seus afetos, est dentro das

    prerrogativas da pessoa [...] no torna diferente, ou impede, o intenso contedo

    afetivo de uma relao emocional, espiritual, enfim, de amor, descaracterizando-a

    como tal 31.

    Desta maneira, como j explicitado, a concepo tradicional e monopolizada

    de que famlia estaria relacionada apenas a enlaces sanguneos e por meio do

    matrimnio foi sendo afastada. Nesse seguimento, abriu caminho de passagem para

    as demais entidades e arranjos no previstos constitucionalmente, que se formam

    em meio sociedade, unidos pela afetividade que permeia as variadas relaes

    familiares. Como ensina Maria Berenice Dias existe uma nova concepo de

    famlia, formada por laos afetivos de carinho e de amor32.

    Com posicionamento semelhante, vale invocar as palavras de Paulo Lobo,

    no sentido de que enquanto houver affectio haver famlia, unida por laos de

    liberdade e responsabilidade, e desde que consolidada na simetria, na colaborao,

    31

    TJRS, AI 599075496, 8 C.Civil., Rel. Ds. Breno Moreira Mussi, J. 17.06.1999. 32 DIAS. Berenice. Manual de Direito das Famlias. 5. ed.. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 52-53.

  • 20

    na comunho de vida33.

    guisa de todo o explanado, comprova-se que a famlia moderna esta

    definida como uma comunidade de afeto, local perfeitamente propcio ao

    desenvolvimento da dignidade da pessoa humana que culmina em um ambiente

    voltado para o ser humano, em sua natureza plural, democrtica, aberta e

    multifacetria.34 Sendo assim, considera-se que as entidades familiares vo alm do

    campo estabelecido pelas barreiras jurdicas e cada vez mais firmam-se sobre o

    rochedo do afeto, devendo a cincia do direito preocupar-se em tratar de cada uma

    delas, atendendo as novas demandas sociais.

    8 CONSIDERAES FINAIS

    Em vista do aqui se sustentou denota-se que o conceito de famlia se ajustou

    medida que transformaes sociais se despontaram, exigindo do legislador um

    posicionamento eficaz no que tange a tal fato. A famlia, com a instaurao da

    dignidade da pessoa humana (art.1,III, CF) deixou de ser considerada como ncleo

    econmico, patrimonial e de reproduo parar constituir-se sob a vertente afetiva,

    embalada por princpios de ordem constitucional, trazendo o affectio para o mbito

    da proteo jurdica. Destarte, os grupos familiares, atualmente, devem ser

    compreendidos pelos laos de afetividade que os une. Pensar diferente, seria um

    retrocesso.

    Nesse compasso, salienta-se que os indivduos so dotados de anseios e

    ideais que se intercalam, alteram, transformam no decorrer do tempo, porm a

    famlia considerada ponto em comum, visto que a referncia do ser humano em

    relao sociedade. Com efeito, sabe-se que o ordenamento jurdico no

    conseguiria tratar de cada inovao social, muito menos de todos os casos que

    surgissem; pensando nisso, fixou princpios, de ordem moral e com ampla

    incidncia, a fim de que refletissem nas mais variadas situaes que permeiam a

    33

    LBO, Paulo. A repersonalizao das relaes de famlia. Revista Brasileira de Direito de Famlia. Porto Alegre, IBDFAM/Sntese, n. 24, p. 138, jun-jul. 2004. 34

    ALVES, Leonardo Barreto Moreira. A funo social da Famlia. Revista Brasileira de Direito de Famlia. Porto Alegre, IBDFAM/Sntese, n. 39, dez-jan, 2007.

  • 21

    sociedade, cada qual com suas peculiaridades.

    V-se, portanto, que a famlia da ps-modernidade sustentada em laos de

    afetividade, sendo este sua causa originria e final. A finalidade da famlia para a

    sociedade permitir que seus integrantes desenvolvam de forma plena a sua

    personalidade para que possa assim, cada qual com sua individualidade, mas

    alicerados em elos comuns e indissociveis o afeto, atingir a felicidade.

    9 REFERNCIAS

    ALVES, Leonardo Barreto Moreira. A funo social da Famlia. Revista Brasileira de Direito de Famlia. Porto Alegre, IBDFAM/Sntese, n. 39. dez-jan, 2007.

    CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e unio estvel: requisitos e efeitos pessoais. Barueri-SP: Manole, 2004. DIAS. Berenice. Manual de Direito das Famlias. 5. ed.. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. FARIAS, Cristiano Chaves. Direito Constitucional Famlia. Revista Brasileira de Direito de Famlia. Porto Alegre, IBDFAM/Sntese, n. 23, abril-Maio 2004. FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famlias. 3. ed., rev.,ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2011. LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de direito de famlia: origem e evoluo do casamento. Curitiba: Juru, 1991. LBO, Paulo. A repersonalizao das relaes de famlia. Revista Brasileira de Direito de Famlia. Porto Alegre, IBDFAM/Sntese, n. 24, p. 136-156, jun-jul. 2004.

    PEREIRA, Aurea Pimentel. A nova Constituio e o Direito de Famlia, Rio de

    Janeiro: Renovar, 1991. PEREIRA, Sergio Gischkow. NCCB Aspectos Polmicos ou Inovadores. Revista Brasileira de Direito de Famlia. Porto Alegre, IBDFAM/Sntese, n 18, junho-julho

    2004. PIOVESAN, Flvia Cristina. Direitos humanos, o princpio da dignidade humana e a Constituio brasileira de 1988. Revista dos Tribunais. v. 833/41-53. So Paulo:

    Editora Revista dos Tribunais, mar. 2005. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Famlia. 1. ed., Rio de Janeiro: AIDE, 1994.