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    RICI: R.Ibero-amer. Ci. Inf., ISSN 1983-5213, Braslia,v. 5, n. 2, p. 19-28, jul./dez. 2012.

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    A evoluo dos arquivos e do conhecimento em Arquivologia

    Maria Teresa Navarro de Britto Matos

    [email protected]

    Universidade Federal da Bahia (UFBA)

    Resumo: Reflexo descritiva, fundamentada em pesquisa bibliogrfica, sobre a evoluo dosarquivos e do conhecimento em arquivologia. Trata da epistemologia do conhecimento,

    buscando evidenciar a epistemologia em arquivologia. Destaca as abordagens cronolgicas

    difundidas na literatura arquivstica para dar suporte ao estudo da histria dos arquivos e do

    conhecimento em arquivologia; e os perodos mais significativos na evoluo do conceito de

    arquivo e do conhecimento arquivstico, no ocidente.

    Palavras-chave: Histria dos arquivos; Arquivologia; Pesquisa - Arquivos

    Title: The evolution of archives and knowledge in archival science

    Abstract: Descriptive reflection, based on bibliographic research on the evolution of archivesand knowledge in archives science. Treats about the epistemology of knowledge, seeking

    evidence in archival epistemology. It highlights the chronological approaches widespread in

    archival literature to give the necessary support for the study of the history of archives and

    archival knowledge, and the most significant periods in the evolution of the concept of

    archives and archival knowledge in the West.

    Keywords: Archival history; Archival science; Research - Archives

    1 INTRODUO

    O estudo foi motivado, quando, na condio de professora e pesquisadora do Instituto

    de Cincia da Informao, da Universidade Federal da Bahia, compartilhamos do interesse em

    resgatar e compreender a evoluo dos arquivos e do conhecimento em arquivologia.

    Posteriormente, a partir da experincia vivenciada na direo do Arquivo Pblico do Estado da

    Bahia, buscamos responder a certo nmero de questes, dentro de uma abordagem histrica:

    qual a definio de Arquivo Pblico? Quais os usos sociais e polticos de um Arquivo Pblico?

    Quais os rumos que conduzem a prtica arquivstica e a teoria do conhecimento em

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    arquivologia? Enfim, tentar traar a evoluo dos Arquivos Pblicos e do conhecimento em

    arquivologia, atravs do tempo.

    A reflexo desenvolvida possui um carter descritivo. Aplicamos um procedimento

    qualitativo no levantamento, na seleo, na leitura e na interpretao de bibliografia

    especializada sobre a temtica histria dos arquivos e do conhecimento em arquivologia.

    Em um primeiro momento, procedemos a uma breve reviso bibliogrfica sobre

    epistemologia, de forma a estabelecer a reflexo sobre a epistemologia da arquivologia, em

    geral. Em seguida, foram destacadas e consideradas abordagens cronolgicas difundidas na

    literatura arquivstica para fundamentar o estudo da histria dos arquivos e do conhecimento

    em arquivologia. Vale mencionar a base terica utilizada para esta etapa: Agustin Vivas

    Moreno (2004); Armando Malheiro da Silva et al. (1999); e Jos Ramn Cruz Mundet (1994).

    Finalmente, destacamos os perodos mais significativos na evoluo do conceito de arquivo e

    do conhecimento arquivstico, no ocidente, e emitimos algumas consideraes finais.

    2 POR UMA EPISTEMOLOGIA DA ARQUIVOLOGIA

    Em sentido restrito, epistemologia, ou teoria do conhecimento, remete a uma longa

    tradio filosfica que aborda a questo da possibilidade do conhecimento como um problema

    nascido de um pressuposto filosfico especfico, no mbito de determinada corrente - o

    idealismo. O problema cujo tratamento tema especfico do conhecimento a realidade das

    coisas ou, em geral, do mundo externo (ABBAGNANO, 1998, p. 183). Contudo, no mbito

    das investigaes propriamente filosficas, o debate epistemolgico se voltou nos sculos XIX

    e XX para a discusso sobre o conhecimento cientfico, sua forma e validade. A Enciclopdia

    Luso-Brasileira de Filosofia (1990, vol.2 p. 116) destaca que o termo epistemologia seja

    utilizado para significar teoria do conhecimento empregado, hoje, preferencialmente, para

    designar o estudo crtico das cincias naturais e matemtica. Observa, tambm, que o objeto

    da epistemologia (ou da reflexo epistemolgica) a forma do conhecimento, no o seu

    contedo. Em aplicao mais generosa e ampla do conceito de epistemologia, Ferrater Mora

    (2001, tomo II, p. 852, grifo nosso), entende que:

    Durante algum tempo, tendia-se a usar gnosologia preferencialmente a

    epistemologia. Depois, e em vista de que o termo gnosologia era

    empregado muito frequentemente por tendncias filosficas de orientao

    escolstica, tendeu-se a us-lo no sentido geral da teoria do conhecimento,

    sem definir de que tipo de conhecimento se tratava, e a introduzir

    epistemologia para teoria do conhecimento cientfico, ou para elucidarproblemas relativos ao conhecimento cujos principais exemplos eram

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    extrados das cincias. Progressivamente, e em parte por influncia daliteratura filosfica anglo-sax, utilizou-se epistemologia empraticamente em todos os casos.

    O sculo XX foi, particularmente, fecundo em reflexes, discusses e avanos em

    epistemologia. Algumas formulaes decisivas para o pensamento contemporneo e o

    desenvolvimento das cincias esto fundadas nos debates epistemolgicos registrados no

    sculo anteriormente citado. O debate sobre as bases do conhecimento retomado com

    renovado vigor, por muitos filsofos, insistindo na base factual do conhecimento cientfico

    como pura materialidade. Enquanto outros afirmavam que fatos e dados no passam de

    representaes arbitrrias de cientistas e pensadores. Encontramos aqui, em meados do

    sculo XX, as formulaes de Karl Popper, afirmando a importncia de se considerar a

    possibilidade de refutao de uma hiptese como critrio de qualidade cientfica de uma

    futura tese; da dinmica e organizao social do saber cientfico em uma articulao designada

    por Thomas Kuhn como paradigma e negao radical do mtodo em cincia, protagonizada

    por Paul Feyerabend, para lembrar apenas alguns dos autores e debates marcantes. O

    importante que o legado epistemolgico do sculo XX resultou em uma profunda reflexo de

    todas as reas do conhecimento sobre a legitimidade de sua racionalidade, conhecimentos,

    mtodos e, mesmo, verdades.

    Numa apreciao sumria das vrias epistemologias contemporneas,

    legtimo afirmar que, de um modo geral, elas convergem em alguns pontos:

    a) reconhecimento mais amplo e aprofundado da iniciativa do sujeito na

    construo da cincia; b) discernimento mais cuidadoso das diferentes

    naturezas dos vrios elementos de qualquer sistematizao cientfica

    (metdicos, simblicos, sistemticos, ontolgicos, etc.); c) mais clara

    conscincia da peculiaridade do conhecimento cientfico em relao ao

    conhecimento filosfico; d) maior exigncia crtica e esforo mais lcido

    para uma cincia inteiramente cientfica (Enciclopdia Luso-Brasileira de

    Filosofia, volume 2, p. 122-123).

    Compreender como o conhecimento de uma rea do saber se estrutura, se organiza e

    se transforma condio crucial para o seu aperfeioamento. A evoluo do pensamento

    arquivstico deixa de ser aleatrio e casustico exatamente porque passou a ser objeto de sua

    prpria reflexo e autocrtica, resultado de debates e discusses epistemolgicas.

    A instituio arquivstica e suas formas de se organizar so decisivas para a produo

    do conhecimento em arquivologia e, mesmo, sua renovao e transformao. Fonseca

    identifica nas instituies arquivsticas a emergncia de novos espaos de produo do

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    conhecimento e de uma nova pauta de reflexes sobre a redefinio dos objetos prioritrios

    da arquivologia no Brasil, isto por que:

    (...) historicamente, a produo do conhecimento arquivstico tem-se

    estabelecido em relao privilegiada com as instituies arquivsticas e com

    a sua misso institucional de gerenciar grandes massas documentais

    oriundas da administrao pblica (FONSECA, 2005, p. 12).

    As instituies arquivsticas so, de fato, o locus prioritrio para reflexo sobre a

    construo do conhecimento em arquivologia, contribuindo, portanto, para os avanos

    epistemolgicos da rea. As diferentes formas como se organiza e dispe a trplice dimenso

    do objeto da arquivologia (arquivos documentos de arquivo informao) so essenciais

    para que novas formas de conhecer se elaborem e se revelem aptas para compor estratgias

    inditas na produo do conhecimento arquivstico (HEREDIA HERRERA, 1991, p.32).

    Duranti (1993, p.9, traduo nossa) afirma que:

    [...] os primeiros elementos da doutrina arquivstica (archival doctrine)

    podem ser encontrados no ltimo volume da obra monumental de Dom

    Jean Mabillon sobre diplomtica, publicado em 1681.

    Contudo, o marco inaugural daquilo que se poderia caracterizar como um

    conhecimento orgnico estruturado em arquivologia a publicao, em 1898, do Manual da

    Associao dos Arquivistas Holandeses, que segundo Fonseca assim reconhecido por

    diversos autores (Lodolini, 1990; Heredia Herrera, 1993; Silva et al., 1999; Thomassen, 1999 e

    Schellenberg, 2002). O Manual considera elementos essenciais para a configurao da rea,

    tanto do ponto de vista de suas bases tericas e conceituais quanto das conjunturas histricas

    e geogrficas de seu estabelecimento. Porm, no h meno, da inteno de codificao de

    um campo de conhecimento. Na realidade, as 100 normas que compem o Manual decorrem

    da primeira, dedicada a definir o que um arquivo (FONSECA, 2008, p. 6-8).

    Thomassen observa que a arquivologia enquanto rea de conhecimento, ou cincia,

    no era um tema prioritrio entre os autores desta poca, denominada por ele de

    arquivologia clssica (FONSECA, 2008, p. 9).

    A insero da arquivologia na episteme da Modernidade, especialmente na chamada

    esfera poltica, intensifica a relao entre a crescente necessidade de racionalidade na

    gesto do Estado e a construo de um saber arquivstico (FONSECA, 2008, p.8). Inclusive,

    Jardim destaca o Estado como campo informacional e as especificidades dos arquivos, tanto

    como conjuntos documentais produzidos pelo aparelho burocrtico, quanto como instituies

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    inseridas neste mesmo aparelho. A dicotomia que se apresenta entre prtica (esfera poltica)

    e teoria (saber arquivstico) marca, profundamente, a constituio de um saber

    arquivstico construdo ao longo do sculo XX. Esclarece, ainda, a decorrente importncia das

    instituies arquivsticas e a subordinao da disciplina em relao ao seu objeto, ou seja, uma

    dada certeza de que se a ideia de arquivo estiver clara, estar clara a ideia de arquivologia

    (JARDIM, 1998 apudFONSECA, 2008, p. 8).

    Nesta perspectiva, Villaverde (2006, p. 33, traduo nossa) afirma que:

    [...] a teoria necessita da prtica para ser real e a prtica necessita da teoria

    para continuar sendo inovadora. A prtica, portanto, consistiria no

    questionamento sistemtico da teoria, e, por sua vez, no questionamento

    sistemtico da prtica estaria a essncia da teoria.

    Villaverde (2006, p. 34, traduo nossa) enfatiza, ainda:

    A questo que se apresenta de forma imediata : desde quando podemos

    afirmar que este panorama corresponde na realidade ao contexto da

    arquivologia? O que o mesmo que: em que momento os arquivos

    comeam a desenvolver esta investigao em sua atividade diria e,

    consequentemente, se convertem no entorno natural da produo do

    conhecimento cientfico?

    A literatura evidencia que no h um consenso em torno do momento exato em que

    se possa fixar este ponto de partida. Alguns autores identificam a gnese da arquivologia como

    disciplina na Baixa Idade Mdia, uma poca que se caracterizou pelo renascimento das cidades

    (burgos) e pela expanso do comrcio (VILLAVERDE, 2006, p. 34). No obstante, a maioria dos

    autores situam as origens da arquivologia entre os sculos XVI e XVII. Sem dvidas, existe o

    reconhecimento da origem longnqua da arquivologia, que segundo Silva et al. (1999, p.45)

    data:

    [...] desde que a escrita comeou a estar ao servio da sociedade humana.

    Poder-se- definir como um fenmeno espontneo. E no por acaso que o

    nosso conhecimento sobre a existncia de arquivos remonta, precisamente,

    s antigas civilizaes do Mdio Oriente, em locais referenciados como

    bero da escrita.

    Mas, s podemos consider-la, com a devida propriedade, uma disciplina cientfica, no

    sculo XIX, a partir das circunstncias polticas e sociais derivadas da Revoluo Francesa. A

    noo de Estado Nao e o positivismo histrico terminam por perfilar no mesmo perodo a

    essncia da nova disciplina que surgir como um saber de Estado. A partir deste momento, a

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    arquivologia tender a percorrer uma longa trajetria at o ltimo decnio do sculo XX, para

    que possa se desenvolver como disciplina autnoma (VILLAVERDE, 2006, p. 33-34).

    3 ABORDAGENS CRONOLGICAS PARA O ESTUDO DA HISTRIA DOS ARQUIVOS DOCONHECIMENTO EM ARQUIVOLOGIA

    Couture, Martineau e Ducharme (1999, p. 55) apontam diversos autores, a exemplo de

    Gagnon-Arguin (1990); Gracy (1994); Muoz (1994); Pederson (1994) e Craig (1996) que

    propem um amplo espectro de campos de pesquisa na rea de arquivologia. Entre os campos

    estabelecidos destacamos aquele consagrado histria dos arquivos e da arquivologia

    (COUTURE; MARTINEAU; DUCHARME, 1999, p. 57-58). Este campo rene pesquisas relativas

    histria das instituies arquivsticas e do desenvolvimento dos princpios e fundamentos daarquivologia. Neste sentido, Marques (2011, p. 28) sublinha que o estudo dos arquivos antigos,

    como instituies, torna-se indispensvel para o entendimento da expanso do prprio

    pensamento arquivstico.

    A literatura arquivstica sublinha diversas abordagens cronolgicas para balizar o

    estudo da histria dos arquivos e/ou instituies arquivsticas1. Contudo, possvel observar o

    incremento de produo acadmico-cientfica sobre a temtica na dcada de 1990 do sculo

    XX, registrando o interesse pelo conhecimento das origens e circunstncias que determinaram

    a evoluo dos arquivos (VIVAS MORENO, 2004, p.77). No entanto, sabe-se que poucos

    estudos, at o momento, tem se dedicado a resgatar a histria dos arquivos e as suas

    caractersticas mais notrias, que determinam o uso e a representao social dos mesmos,

    capazes de evidenciar a experincia das instituies arquivsticas.

    Nesta perspectiva, Vivas Moreno (2004, p.80) aponta uma srie de descries de

    perodos histricos que caracterizam fases da evoluo dos arquivos e da arquivologia.

    Segundo este autor, a periodizao recorrente e comum foi proposta por Robert-Henri Bautier,

    descrita a seguir: Idade Antiga2; Idade Mdia3; Idade Moderna4 e Idade Contempornea5. A

    primeira noo de arquivo parte de uma concepo eminentemente patrimonial e

    1Registra-se que a histria dos arquivos e das instituies arquivsticas usualmente tratada, de forma geral, nos

    manuais da rea. Porm, Rastas (1992) lembra que existe uma recomendao do 3rd International Symposium onArchival Training sobre a necessidade e o interesse para que os professores e pesquisadores enfatizassem o estudo

    da Histria dos Arquivos, no mbito nacional e internacional.2

    Este perodo conhecido como a poca dos arquivos de Palcios.3

    Neste perodo, os arquivos so considerados tesouros documentais. Vale sublinhar o papel desempenhado pela

    Igreja na guarda de documentos em Catedrais e Mosteiros.4

    Segundo Jean Favier (1991), a noo de propriedade dos arquivos substituda pela de Arquivos Pblicos

    depositrios dos documentos do Estado. Consequentemente, esta poca passa a ser conhecida como a dosArquivos de Estado (REIS, 2006, p. 5).5

    Os arquivos so considerados como laboratrios da histria (CRUZ MUNDET, 1994, p.26).

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    administrativa. Mais tarde, durante o sculo XVI e XVII surgem os arquivos de Estado,

    motivando o surgimento dos princpios tcnicos arquivsticos. Neste perodo, os arquivos so

    concebidos como parte inerente s formas de poder institudas. Por fim, os arquivos deixam de

    ser considerados como um arsenal jurdico-poltico vinculado a uma estrutura de poder e

    passam a ser percebidos enquanto laboratrios de investigaes histricas. Ressalta-se que os

    arquivos acumularam estas competncias ao longo da sua histria, ou seja, atualmente as

    diferentes noes encontram-se articuladas na presente concepo de arquivo.

    Outra periodizao significativa foi proposta por Mendo Carmona, Cruz Mundet e

    Romero Tallafigo. Na concepo destes autores, pode-se identificar 4 fases: Arquivstica

    Emprica; Arquivstica como Doutrina Jurdica; Arquivstica como Disciplina Historiogrfica e

    Arquivstica Atual. De forma independente dos demais, Jos Ramn Cruz Mundet (1994, p.26-

    54) reconhece como necessrio acrescer mais 2 perodos: Pr-Arquivstico (Antiguidade; Idade

    Media e Antigo Regime) e o Perodo de Desenvolvimento Arquivstico.

    Soma-se, ainda, a cronologia difundida no minucioso resgate histrico elaborado pelos

    arquivistas portugueses Armando Malheiro da Silva, Fernanda Ribeiro, Jlio Ramos e Manuel

    Lus Real (SILVA et al., 1999). Identificam 4 prticas: Civilizaes Pr-Clssicas; Grega e

    Romana; Medieval e Moderna; Contempornea e a arquivstica como disciplina.

    Conforme registrado, anteriormente, por Silva et al. (1999, p.45), a histria dos

    arquivos inicia-se no Oriente, no entanto, nos pases ocidentais que evoluem os usos

    administrativos que esto na origem dos nossos comportamentos e conceitos

    contemporneos (GAGNON-ARGUIN, 1998, p. 30).

    4EVOLUO DO CONCEITO DE ARQUIVO E DO CONHECIMENTO EM ARQUIVOLOGIA

    O conceito central na rea de arquivologia o de arquivo, o que justifica uma

    definio mais aprofundada. Importante observar que os dicionrios de terminologia

    arquivstica identificam diferentes sentidos para o entendimento do termo arquivo.

    No mbito deste texto, o significado do termo arquivo deve ser compreendido como:

    a instituio (...) que tem por finalidade a custdia, o processamento tcnico, a conservao e

    o acesso a documentos (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p.27). Vale observar que, alm do

    referido termo, os dicionrios de terminologia arquivstica destacam como sinnimo Arquivo

    Pblico. Este, entendido como entidade coletiva pblica, independentemente de seu mbito

    de ao e do sistema de governo do pas (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p.35). Ambos os termos

    tendem a destacar especialmente os arquivos permanentes.

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    Atualmente, a utilizao da expresso instituio arquivstica tem sido recorrente em

    trabalhos acadmico-cientficos. Trata-se de um modelo contemporneo de Arquivo Pblico,

    cuja misso abrange, inclusive, a gesto dos documentos correntes e intermedirios. Neste

    sentido, Jardim (2011, p.1583) define instituies arquivsticas pblicas como aquelas

    organizaes cuja atividade-fim a gesto, recolhimento, preservao e acesso de

    documentos produzidos por uma dada esfera governamental (ex.: Arquivo Nacional, os

    Arquivos Estaduais e os Arquivos Municipais). Contudo, verificamos, ainda, a ausncia da

    citada expresso nos dicionrios de terminologia da rea de Arquivologia. Contudo, vale

    sublinhar que segundo FONSECA (2005, p.39):

    (...) as instituies arquivsticas, como hoje as concebemos, remontam

    criao, em 1789, do Arquivo Nacional da Frana, primeiramente comoArquivo da Assembleia Nacional e depois transformado, em 24 de junho de

    1794, no estabelecimento central dos arquivos do Estado (...).

    De acordo com a literatura da rea, e considerando as especificidades de cada pas, a

    concepo pioneira francesa repercutiu amplamente na Europa e nas Amricas, estabelecendo

    um modelo institucional, at meados do sculo XX (FONSECA, 2005, p. 40).

    A formao dos arquivos nacionais acompanha com relativa preciso a histria dos

    Estados Nacionais. A partir desta concepo, se estabelece a instituio arquivstica como

    rgo responsvel pelo recolhimento, preservao e acesso dos documentos gerados pela

    administrao pblica. Nesta perspectiva, consolida-se uma viso positivista da histria

    (FONSECA, 2005, p. 40). Os arquivos se colocam disposio dos estudos histricos,

    configurando-se como os novos laboratrios da histria (FAVIER, 1991, p.37 apudMARQUES,

    2011, p. 40).

    A Segunda Guerra Mundial acentuou a movimentao do volume de documentos, em

    razo de ordem poltica, ideolgica, militar, e mesmo, de Estado (SILVA et al., 1999, p. 131).

    Nos primeiros anos do ps II Guerra, o campo arquivstico redefinido, transformando o perfil

    das instituies arquivsticas (JARDIM; FONSECA, 1998). Os arquivos passam a integrar o

    quadro dos saberes de Estado. Esta abordagem se constituir em um referencial para o

    reconhecimento das fronteiras da disciplina e de suas possibilidades interdisciplinares

    (FONSECA, 2005, p.48).

    Fonseca (2008, p. 9) sublinha que duas vises emergem, na atualidade (final do

    sculo XX e sculo XXI), como predominantes nas reflexes sobre o campo do conhecimento

    em arquivologia: aquela que identifica o momento atual como de uma mudana de paradigma,

    e a outra que reconhece como o momento de insero em uma nova episteme - a da ps-

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    modernidade. Ambas no se apresentam como excludentes. Propem mudanas importantes

    na estrutura da disciplina. Inclusive, destacando o deslocamento de seu objeto de estudo - o

    arquivo para a informao arquivstica. Aqui, o termo arquivo compreendido no sentido de

    conjunto de documentos produzidos e acumulados por uma entidade coletiva, pblica ou

    privada, [...] (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 27).

    5 CONSIDERAES FINAIS

    Ao longo do texto, em um primeiro momento, destacamos sucintamente os

    elementos essenciais ao reconhecimento epistemolgico de uma rea do conhecimento. Foi

    possvel demonstrar a existncia de uma epistemologia em arquivologia. O que possibilitou

    compreender a importncia e o papel da instituio arquivstica e suas formas de se organizar,

    reconhecidas como decisivas para a produo do conhecimento em arquivologia e, mesmo,

    sua renovao e transformao.

    Em um segundo momento, apresentamos abordagens cronolgicas para o estudo da

    histria dos arquivos e do conhecimento em arquivologia, destacando a viso de alguns

    autores. Por outro lado, buscamos resgatar a evoluo do conceito de arquivo e do

    conhecimento em arquivologia.

    O estudo direcionado ao conhecimento em arquivologia torna-se um imperativo para

    consolidar a autonomia da arquivologia na episteme da ps-modernidade.

    Referncias

    ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de Filosofia. Traduo Alfredo Bosi. 2 edio. So Paulo:Martins Fontes, 1998.

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    Submetido em: 12/2012

    Aceito para publicao em: 01/2013