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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE “
A EXCLUSÃO SOCIAL DOS INTITULADOS PELA SOCIEDADE “MENINOS DE RUA” VERÔNICA ALVES MARTINS AUTORA
ANTONIO FERNANDO VIEIRA NEY
PROF. ORIENTADOR
RIO DE JANEIRO MARÇO/2003
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE “
A EXCLUSÃO SOCIAL DOS INTITULADOS PELA SOCIEDADE “MENINOS DE RUA” VERÔNICA ALVES MARTINS AUTORA TRABALHO MONOGRÁFICO APRESENTADO COMO REQUISITO PARCIAL PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE ESPECIALISTA EM TERAPIA DE FAMÍLIA.
RIO DE JANEIRO MARÇO/2003
AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, onde encontro forças para superar obstáculos e atingir meus ideais, representando o porto
seguro, conforto e paz ;
Ao meu marido Julio Cesar, companheiro, amor e amigo cuja paciência fez com que eu não desistisse do
meu objetivo e conseguisse mais esta vitória .Te amo !!!;
Ao meu filho (Gustavo) que ainda no ventre proporcionou-me coragem para poder concluir este sonho,
apesar das dificuldades encontradas devido a distância ;
Aos colegas do curso que dividiram comigo os anseios e angústias para o cumprimento desta nova etapa .
DEDICATÓRIA
Dedico ao meu marido Julio Cesar, grande amor da minha
vida, que sempre respeitou os meus sonhos, acreditando na
determinação para realizá-los, compreendendo minhas
ausências com incentivo para prosseguir e, assim
permitiu que alcançasse mais esta conquista.
EPÍGRAFE
“ Triste mundo, que veste quem está vestido e despe quem está nu .” Calderón de La Barca
“Pátria que me Pariu” Uma prostituta chamada Brasil se esqueceu de tomar a pílula e a barriga cresceu, um bebê não estava
nos planos dessa pobre meretriz de dezessete anos, um aborto era uma fortuna e ela sem dinheiro teve
que tentar fazer um aborto caseiro, tomou remédio, tomou cachaça, tomou purgante, mas a gravidez
era cada vez mais flagrante, aquele filho era pior que uma lombriga, ela pediu prum mendigo
esmurrar sua barriga e a cada chute que levava o moleque revidava lá de dentro, aprendeu a ser um
feto violento, um feto que escapou da morte, não se sabe se foi muito azar ou muita sorte mas, nove
meses depois foi encontrado, com fome e com frio, abandonado num terreno baldio, Pátria que me
Pariu ! quem foi a Pátria que me Pariu, a criança é a cara dos pais mas, não tem pai nem mãe,então
qual é a cara da criança, a cara do perdão ou da vingança? será a cara do desespero ou da
esperança? num futuro melhor, um emprego, um lar... sinal vermelho, não dá prá sonhar, vendendo
bala, chiclete... num fecha o vidro que eu não sou pivete, eu num vou virar ladrão, se você me der
um leite, um pão, um vídeo - game, e uma televisão, uma chuteira e uma camisa do mengão pra eu
jogar na seleção, que nem o Ronaldinho, vou pra Copa, vou pra Europa...Coitadinho! acorda
moleque! você num tem futuro, seu time não tem nada a perder e o jogo é duro! você não tem defesa,
então ataca! pra num sair de maca, chega de bancar o babaca! eu não aguento mais dar murro em
ponta de faca e tudo que eu tenho é uma faca na mão, agora eu quero o queijo, cadê? tô cansado de
apanhar, tá na hora de bater, Pátria que me Pariu, quem foi a Pátria que me Pariu? mostra a tua
cara, moleque! devia tá na escola, mas tá cheirando cola, fumando um beck, vendendo brizola e crack
nunca joga bola, mas tá sempre no ataque, pistola na mão, moleque sangue bom, é melhor correr
porque lá vem o camburão, é matar ou morrer! são quatro contra um! eu me rendo! bum! boi, boi da
cara preta pega essa criança com um tiro de escopeta, calibre doze, na cara do Brasil, idade:
catorze, estado civil: morto, demorou mas, a sua Pátria mãe gentil conseguiu realizar o aborto.
Gabriel O Pensador.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO----------------------------------------------------------------------------------- -09
CAPÍTULO I – MENINOS DE RUA------------------------------------------------------------10
1-1- Os primórdios da história de exclusão-------------------------------- 11
1-2- A criação de Leis garantindo Direitos-------------------------------- 15
1-3- A sobrevivência nas ruas----------------------------------------------- 18
CAPÍTULO II – A INSTITUIÇÃO – ABRIGO-------------------------------------------------21
2-1- Programa Casa da Acolhida------------------------------------------ 22
2-2- O papel do Conselho Tutelar e do Juizado-------------------------24
2-3- A relação adolescente – família---------------------------------------26
CONCLUSÃO--------------------------------------------------------------------------------------34
REFRÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS--------------------------------------------------------------36
ANEXOS--------------------------------------------------------------------------------------------37
INTRODUÇÃO
O interesse pelo tema surgiu a partir da atuação profissional numa instituição-abrigo para
adolescentes, do sexo masculino, em situação de rua.
Observamos em nossa prática que a maioria é fruto de uma sociedade marcada pela desigualdade e
injustiça social, que, resumi-se em exclusão, haja visto seus direitos assegurados apenas no papel, onde o
mínimo é fadado ao acaso, evidenciando a ausência de um planejamento sério de políticas sociais que
considerem as necessidades, a dignidade destes adolescentes, em conformidade com a preconização do
Estatuto da Criança e do Adolescente ( ECA – 1990 ).
Em meio a tantas adversidades, assinalados pela violência a que são submetidos, os intitulados
“meninos de rua” tentam apenas sobreviver, adaptando os valores existentes de acordo com as exigências de
cada momento, cuja a vivência impede a formação de expectativas de longo prazo, projetos, sonhos para o
futuro, pois, carregam o estigma de jovens marginalizados.
Através deste trabalho monográfico pretendemos mostrar a trajetória da dura realidade daqueles que
estão inseridos à margem da sociedade, para isso, foram utilizados pesquisa qualitativa, relatos dos
adolescentes, visita domiciliar aos familiares, estudos bibliográficos, que contribuíram de uma forma
enriquecedora com determinados aspectos que levaram à reflexão para a feitura deste trabalho.
No primeiro capítulo, abordaremos a história da exclusão social que reflete na sobrevivência nas
ruas; e o segundo capítulo enfocaremos a Instituição-Abrigo Programa Casa da Acolhida, os órgãos
envolvidos para o funcionamento e desenvolvimento proposto no abrigo, e, a relação familiar dos usuários.
CAPÍTULO I – MENINOS DE RUA
1.1 – OS PRIMÓRDIOS DA HISTÓRIA DA EXCLUSÃO
Em 1549 foi criada a Santa Casa de Misericórdia, sendo a primeira instituição
brasileira voltada para o atendimento a população necessitada. A infância abandonada
no Brasil nasce paralelamente à nossa história, adquirindo características próprias de
acordo com o momento social, econômico e político vivido pelo país. Somente em
1725 cria-se na Bahia uma instituição chamada Roda dos Expostos, destinada a
receber órfãos em sistema de internato e baseada no anonimato dos progenitores, que
depositavam as crianças na roda sem a necessidade de serem identificados. A
assistência a estas crianças era precária, atestada pelos altos índices de mortalidade,
onde a preocupação centrava-se apenas na formação moral dessas almas,
caracterizando-se pelo caráter caritativo, o funcionamento dessa instituição perdurou
até 1940. De meados do século XIX até a metade do século XX há a predominância da
concepção evolucionista da história humana, expressão da nova ordem capitalista
nascente. A infância “moralmente abandonada” é vista como potencialmente perigosa
por não receber uma educação considerada adequada para os padrões da época.
Na República, observa-se um avanço do trabalho fabril. Os grandes
latifundiários, que detêm o domínio econômico, contribuem para a permanência
inalterada da situação social e política brasileira. Com o fim da ordem escravista as
relações de trabalho passam a ser livres, e com isso, as cidades viram centros de
atração, de modernidade, mas também de desordem, doença e criminalidade. Então, a
pobreza é vista como ameaça à paz social e a questão da infância abandonada torna-se
projeto de Estado.
Em 1901 o Dr. Moncorvo Filho cria o Instituto de Proteção e Assistência a
Infância no Rio de Janeiro, que serviu de modelo para a criação de outras obras do
gênero. As elites começam a se mobilizar em torno da construção do “problema do
menor “ proveniente das classes desfavorecidas. A assistência ao menor é vista como
uma forma de prevenir a desordem e a criminalidade, os menores são classificados por
critérios de moralidade e classe social.
O higienismo infantil pretendeu atingir a família, investindo na criança,
representava uma política de caráter conservador e repressivo perdurando durante o
tempo de funcionamento do Serviço de Assistência aos Menores ( SAM –criado em
1941 ) cujas instalações eram mero depósito de crianças e jovens das classes
populares, sendo conhecido como “ Escola do Crime” em virtude das más condições a
que eram submetidos seus internos.
Em 1973, foi criada a Fundação Nacional do Bem- Estar do Menor ( FEBEM ),
mas por ser baseada no sistema de reclusão, não trouxe benefícios para os menores,
nem para a sociedade.
Com a criação, em 1974, do Programa de Garantia da Atividade Agrícola
(PROAGRO ), é introduzido no país a agricultura empresarial, este novo modelo
agrícola provocou a concentração de renda nas mãos de poucos e contribuiu para
aumentar a miséria relativa da população ao privilegiar o setor internacionalizado da
burguesia.
Os mecanismos de mercado no setor agrícola prejudicou os pequenos e médios
proprietários rurais, que transformados em assalariados( “bóias-frias”“sem-terra “),
migraram para as periferias das cidades na ilusão de um melhor padrão de vida. A
urbanização forçada provocou um “inchaço” urbano, agravado com o tempo por não
haver qualquer planejamento a nível governamental. A composição familiar sofreu
alterações, as mulheres passaram a chefiar a família e, esta instabilidade conjugal fez
com que a renda familiar diminuísse, os filhos abandonaram mais precocemente a
escola e a dissolução dos laços afetivos e familiares tradicionais surge como uma
decorrência natural.
A pobreza passa a ser sinônimo de marginalização, associada às noções de crime
e desordem moral, pois a sociedade capitalista concede legitimidade social e dignidade
pessoal através da ética do trabalho.
“ A produção capitalista não é só reprodução da relação; é sua reprodução numa escala sempre crescente, e, na mesma medida em que, com o modo de produção capitalista se desenvolve a força produtiva social do trabalho, cresce também frente ao trabalhador a riqueza acumulada, como riqueza que o domina, como capital (...) e
na mesma proporção se desenvolve por oposição sua pobreza, indigência sujeição subjetiva.” ( MARX, in: IAMAMOTO, 1996, p.63 )
A miséria é responsável pelo aumento das pressões familiares sobre os filhos, no
sentido de contribuírem para a renda familiar. As crianças inicialmente vão para as
ruas com esse propósito, entre os 07 e 12 anos e permanecem até os 15 e 16 anos
buscando emprego estável e melhor remunerado, como não conseguem colocação nem
mesmo no mercado informal acabam abandonando a casa e juntam-se a bandos de
jovens, os quais designam ser a sua família.
A questão racial é um fator relevante entre os meninos de rua, onde observa-se a
segregação como um fenômeno típico da cultura ocidental. Apesar de declararem haver
“escolhido” viver nas ruas para ajudar suas famílias, foram identificadas relações
familiares conflituosas, abuso e violência, desejo de liberdade.
O risco que estes adolescentes correm expostos na rua é repercutido em
noticiários, sendo poucos casos solucionados, com os criminosos impunes, como o fato
ocorrido na Candelária em 1993 onde sete meninos de rua foram executados na porta
da igreja, no centro do Rio de Janeiro, vítimas de justiceiros, traficantes e grupos de
execução formados por policiais civis e militares e seguranças particulares.
Assim, estes meninos vão se transformando em “não–cidadãos”, pois a sociedade
não lhes concede direitos, porque a socialização de rua os educacontra as normas,
valores e expectativas sociais, transformando-os em seres despersonalizados, incapazes
de controlar seus desejos e instintos, de assumir responsabilidades por seus atos. Com o
declínio do “Welfare State”, em decorrência da globalização e da internacionalização
do capital ,a falta de perspectivas é agravada ainda mais, o que dificulta a viabilização
de soluções para o problema da exclusão social dessa parcela da nossa juventude.
1.2- A CRIAÇÃO DE LEIS GARANTINDO DIREITOS.
Em 1948, foi produzida a Declaração Universal dos Direitos Humanos, visando
a necessidade de mudança para a recuperação da consciência da dignidade e dos valores
básicos da pessoa humana, contendo em seu artigo 1o tal proclamação: “Todos os seres
humanos nascem livres e iguais em direitos e dignidade.”
A partir deste artigo percebemos a ocorrência de uma violação de direitos, à
medida que, ser livre nascido na pobreza, sem ter acesso à educação, saúde, alimentação,
moradia, enfim , as necessidades básicas para sobrevivência e dignidade, não tem o poder
de ser livre. A existência de pessoas que já nascem excluídas, não terão as mesmas
oportunidades e liberdade quanto ao acesso aos direitos fundamentais como os que são
frutos da classe dominante, ainda que, se afirme a igualdade de todos.
Na década de XX, a “fabricação do menor” atinge o seu ápice no Brasil com a
criação do primeiro Juizado de Menores em 1923, e a aprovação do primeiro Código de
Menores em 1927. Consolida-se assim o modelo de assistência e proteção aos menores,
com predominância do modelo filantrópico como uma nova forma de proteger a ordem
social, promovendo a reintegração social do menor “inadaptável” em asilos
profissionalizantes. À “pobreza honrada” era reservado o atendimento preventivo através
de uma rede de creches, escolas, ambulatórios, etc. À “infância perigosa”, o afastamento e
as técnicas de sujeição, como forma de devolver à sociedade indivíduos produtivos e
adaptados ao meio social. Ou seja, este Código é elaborado sob a doutrina da situação
irregular baseado no binômio abandonado/infrator, o termo “menor” é associado à
menoridade penal e não à civil, e popularmente se atribuirá a condição de “menor” ao
indivíduo alcançado pelos dispositivos do Código: pobre ou infrator, traduzindo uma
enorme dose de preconceito, criando uma estigmatização que poderia se perpetuar como
marca negativa sobre aquele indivíduo.
Após a aprovação da Constituição Federal em 1988, com a inclusão dos artigos 227 e 228
dispondo sobre os direitos da criança e do adolescente, passou-se a buscar a regulamentação destes artigos e
a substituição do Código de Menores de 1979. Em 1990 foi aprovado um Projeto que tornou-se Lei, e ,
recebeu o nome de Estatuto da Criança e do Adolescente, caracterizado pela substituição da doutrina de
situação irregular do Código de 1979 pela da proteção integral, onde crianças e adolescentes passam a ser
vistos como sujeitos de direitos, cidadãos integralmente, e não apenas como objetos da atenção do Estado,
rompendo com a titulação de “menor”, embora , ainda hoje os próprios meios de comunicação fazem
referência aos situados na esfera da camada pauperizada da população como “menor”, e jamais acerca
daqueles que advém de alguma família da alta sociedade. Apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente (
ECA ) ser aplicado a todos, independente de sua situação social, não há denominação politicamente correta
que mude por si a realidade social, assim sendo, a reconstrução da realidade não deve ser apenas discursiva,
para que haja o rompimento da rotulação.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é considerado um avanço, pois, prevê
instrumentos para sua viabilização. Entre os principais encontram-se os Conselhos de
Direitos, os Conselhos Tutelares e os Fundos da Criança e como última instância é possível
recorrer à ação civil pública para responsabilização de autoridades que, por ação ou
omissão, descumprirem o ECA. Entretanto, apesar dos avanços ocorridos, ainda existe no
Brasil, “uma cultura política democrática que formule e sustente valores e ações que
consolidem a cidadania de todos.” As desigualdades sociais brasileiras não foram abolidas:
crianças e adolescentes continuam sendo vítimas da pobreza e da exclusão em vários
níveis. As ações de atendimento a essa população permanecem sendo discriminatórias e
compensatórias, seja “por falta de vontade política ou por frentes de resistência em relação
ao novo reordenamento político- institucional.”( GRACIANI,1997, p.273-4).
1.3- A SOBREVIVÊNCIA NAS RUAS
Viver nas ruas significa estar exposto à riscos, a todo tipo de violência como tráfico de drogas,
a exploração sexual e a criminalidade, de uma forma geral .
Sob a aparência superficial de liberdade e autonomia, está a realidade, bastante cruel, do medo e da
insegurança, e por isso, é necessário adquirir uma percepção aguçada e crítica do que ocorre à sua volta, tanto
ao nível factual quanto ao nível das relações, para conseguir sobreviver.
O importante para os meninos de rua é viver o presente da forma como se
apresenta, enquanto o passado serve apenas como acúmulo de experiência para defender-
se. Cada um deve ser capaz de cuidar de si, já que as situações- limites como a prisão, a
tortura e a morte devem ser enfrentadas completamente só . Desde a infância, é
interiorizado a noção de que devem responsabilizar-se por sí , e até que devem assumir o
sustento da família, com isso, a pressão dessas obrigações torna-os, ao mesmo tempo,
muito rígidos e práticos na solução dos problemas cotidianos e muito criativos e
desenvoltos na elaboração de estratégias de sobrevivência, onde não há espaço neste
universo para preocupação com o Direito e a Moral, pois, isto impediria o
desenvolvimento dessa capacidade de sobreviver a qualquer custo. Contudo, a
aproximação da maioridade faz com que haja um aumento de tensão, pois, a repressão
policial torna-se mais violenta e as garantias quase que inexistem. Ser preso aos dezoito
anos por algum delito, seja ele qual for, fundamentado ou não, adicionado aos antecedentes
que já os envolveram com a máquina da repressão desde a menoridade, acarreta pouca
perspectiva de vida para esses meninos. E, a partir desse momento, sua classificação como
criminosos é quase que permanente e irreversível. A necessidade de sobrevivência
imediata impede que os projetos se concretizem mesmo quando se tem uma amplitude
mais compatível com as práticas e as oportunidades oferecidas às populações
marginalizadas.
Será que o emprego surgirá desta vez? Como explicar e justificar as passagens pela
FEBEM, o endereço incerto? Como deixar de sentir e até de aceitar que a sociedade o
acuse e tema? E as instituições que reprimem a delinquência desses menores, visam
“recuperá-los”? o que é recuperar? Para onde se encaminha após a recuperação? Quais as
perspectivas de vida? O que lhes pedimos e o que lhes damos?
“... Se não há conscientização sem desvelamento da realidade objetiva, enquanto objeto de conhecimento dos sujeitos envolvidos em seu processo, tal desvelamento, mesmo que dele decorra uma nova percepção de realidade desnudando-se, não basta ainda para autenticar a conscientização. Assim como o ciclo gnosiológico não termina na etapa de aquisição do conhecimento existente, pois se prolonga até a fase da criação do novo conhecimento, a conscientização não pode parar na etapa do desvelamento da realidade. A sua autenticidade se dá quando a prática do desvelamento da realidade constitui uma nidade dialética com a prática da transformação da realidade.” ( FREIRE, 1992, p.103).
A problemática dos meninos de rua deve ser retomada em várias direções, conhecer
o papel da violência neste perfil e sua atuação em diversos níveis: a família, a educação, o
aparato institucional, levantando a falsidade ideológica que o sustenta mediante a
estigmatização social dos grupos menos privilegiados e o uso arbitrário da máquina do
Estado no jogo da repressão-corrupção.
Este conhecimento também implica em analisar em que medida a assistência social
visa realmente solucionar o problema específico que atende, ou então reproduzir
simplesmente o assistido, mediante a manutenção das condições e causas do uso da pessoa
como propriedade e objeto.
Preconceito generalizado para com os grupos marginalizados leva à desvalorização de suas
estratégias de sobrevivência que, entretanto, podem apontar alternativas práticas de solução dos
problemas imediatos. A marginalização destes meninos, diz respeito a toda sociedade, mas, o que se
pode perceber é uma sociedade cada vez menos envolvida com reais encaminhamentos, dá a esmola,
dá o sopão e alivia a consciência, considera melhor vê-los, pelo menos, “trabalhando” na rua do que
roubando e alivia o medo, dá meios de sobrevivência aos meninos na rua. Na realidade dá sustentação
ao problema, ao mesmo tempo em que brada por uma solução, aceita o paliativo e pré-conceitua como
negativa qualquer possibilidade de ação e o pior aliena-se desta ação.
CAPITULO II- A INSTITUIÇÃO- ABRIGO
2.1 – PROGRAMA CASA DA ACOLHIDA
Representa uma instituição-abrigo para adolescentes ( 12 a 18 anos), do sexo masculino, em
situação de rua, é um órgão público, criado em 1997 pela Prefeitura Municipal de Resende a partir da
demanda apresentada na época, com capacidade de atendimento para quinze usuários, e funcionamento de
24 horas.
Tem como objetivo principal a reinserção familiar, os adolescentes são encaminhados através
do Conselho Tutelar, e ao serem inseridos na instituição possuem acesso ao Regimento Interno onde constam
as normas a seguir, as dependências da Casa Abrigo são mostradas, inclusive, o quarto em que permanecerá
até o momento de seu desligamento.
Durante o tempo em que ficará abrigado conviverá, além dos outros adolescentes, com
diversos profissionais responsáveis por sua assistência, dentre eles estão: educadores sociais (diurnos e
noturnos ), cozinheira, auxiliar de serviços gerais, psicóloga, assistente social e coordenadora, todos
comprometidos em “cuidar” da melhor maneira possível para que estes adolescentes sejam bem tratados,
pois, aceitar viver no abrigo, ainda que protegidos da exposição a quem foram submetidos nas ruas, significa
enfrentar desafios, superar uma realidade totalmente diferente da que estavam habitualmente “acostumados”,
pelo simples fato de precisar aprender a obter limites.
Posteriormente, após conhecer a história de vida de cada adolescente, enquanto usuários é
realizada matrícula em instituição de ensino e a participação em Oficinas Educativas onde têm a
oportunidade de aprender através de cursos de iniciação ao trabalho visando a aptidão, para que ocorra o
encaminhamento em Oficinas do seu interesse. O horário é alternado com o do colégio e há uma
remuneração de meio salário mínimo, cuja finalidade é estimular, preparando-os para o ingresso no
mercado de trabalho quando atingirem a maioridade. Também são providenciados documentos de
identificação (Carteira Profissional, de Identidade, Titulo de Eleitor, CPF e Certidão de Nascimento ) e o
acesso aos serviços de saúde possibilitando aos mesmos o exercício da cidadania.
Acontecem reuniões temáticas, quinzenalmente, enfocando aspectos da realidade atual, com
palestrantes capacitados na especificidade do assunto; cine-vídeo com filmes educativos diversificados;
passeios cultural e lazer.
A Casa da Acolhida recebe adolescentes também de outros municípios que encontram-se nas
ruas da cidade, em caráter provisório, com o intuito de preservação (principalmente à noite ), até que se
possa transferí-los para o local de origem.
Para que seja promovida a reinserção familiar daqueles que fazem parte do município, é
realizado visita domiciliar, com estudo psicossocial, objetivando a preservação do vínculo e posterior
convívio, não sendo possível, o adolescente é orientado a conquistar sua autonomia ao completar 18 anos de
idade.
Considerando o que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente ( ECA ), sendo
assegurado a proteção integral, como sujeitos de direitos, procura-se priorizar a escolha dos adolescentes
com possibilidades de obtenção de conhecimentos variados, incentivando a criatividade e a potencialidade
atrelados ao prazer, visto que, o fato de estarem numa instituição já acarretam inúmeras discriminações,
desde questões estruturais da sociedade com a negação de elementos básicos, como : moradia, convivência
familiar, etc., até o estigma de: meninos de rua, delinqüentes, pivetes. E, na busca de amenizar o sofrimento,
traumas a que foram submetidos, sendo socialmente destituídos, a implementação de ações efetivamente
educativas promoverá o resgate da inclusão, reforçando o cumprimento da Lei instituída.
2.2- O PAPEL DO CONSELHO TUTELAR E DO JUIZADO.
O Conselho Tutelar representa um órgão não jurisdicional encarregado de zelar pelo
cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Faz parte da proposta do Esta-
tuto da Criança e do Adolescente de desjurisdicionalização das questões sociais envolven-
do crianças e adolescentes. Desta forma retira-se dos antigos Juizados de Menores, hoje
Juizado da Infância e Juventude, as funções de assistência social.
Os casos que envolvam violação dos direitos de crianças e adolescentes são en-
caminhados ao Conselho Tutelar que busca soluções, quando necessário através do Minis-
tério Publico ou Judiciário, seja no trabalho junto à família e comunidade, seja requisitando
serviços públicos.
O Conselho Tutelar é formado por cinco pessoas, eleitas pela comunidade em
processo organizado pelo Conselho Municipal de Direitos. Seus direitos e vantagens, in-
clusive remuneração, devem ser definidos em lei municipal. As competências encontram-
se no Estatuto da Criança e do Adolescente. Sua infra-estrutura deve ser fornecida pelo Po-
der Público Municipal.
Fundamentalmente é uma forma de comprometer as comunidades com a solução
de seus problemas, rompendo com a política de “exportação”, que consistia em enviar à
Fundação Estadual do Bem- Estar do Menor (FEBEM) os jovens considerados problemáti-
cos, e com a impunidade nas violações de direitos, devidas às dificuldades de acesso ou
falhas na atuação de autoridades públicas.
Em relação ao meninos de rua cuja violência sofrida é evidente na sociedade bra-
sileira, onde possui várias fases, desde as desigualdades econômico- sociais até a prática do
extermínio, o Conselho Tutelar intervém encaminhando-os ou para instituição-abrigo, ca-
sas residentes, ou para o âmbito familiar, dependendo de cada caso.
A inserção na instituição de ensino também é facilitada pelo Conselho
Tutelar,
assim como, atitudes discriminatórias que venham a ocorrer. Enfim, esses adolescentes têm
contato direto com este órgão desde o encaminhamento ao abrigo.
Quanto ao Juizado da Infância e Juventude, este contribui para o cumprimento
dos direitos destes meninos marginalizados pela sociedade. Através dos técnicos é realiza-
do estudo psicossocial, analisando cada questão, visando o melhor desfecho nas situações
que lhes são apresentadas. O fato dos adolescentes encontrarem-se institucionalizados, o
acesso ao Juizado se faz de uma maneira mais simples, visto que, todos os usuários do
abrigo possuem abertura de processo (medida protetiva) no momento em que os profissio-
nais enviam relatórios semestrais, colocando este órgão informado sobre a história de vida
dos meninos. E com a finalidade de prestar atendimento aos mesmos, o Juizado procura
manter-se presente para em parceria tentar resolver os inúmeros problemas verificados.
2.3- A RELAÇÃO ADOLESCENTE –FAMÍLIA.
A miserabilidade das famílias é definitivamente o fator propulsor da ida para
a rua, embora os problemas de desestruturação familiar, violência e maus tratos, doenças
so-
ciais (alcoolismo/tóxico), apareçam como o estopim da crise. Nesse processo de saída de
casa, não são poucas as tentativas de membros isolados da família de resgatar o menino,
inclusive os vizinhos.
A família é considerado o espaço privilegiado de socialização, de prática de
tole-
rância e divisão de responsabilidades, de busca coletiva de estratégias de sobrevivência e
lugar inicial para o exercício da cidadania sob o parâmetro da igualdade, do respeito e dos
direitos humanos. É o espaço indispensável para a garantia da sobrevivência de desenvol-
vimento e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente da forma
como vêm se estruturando.
A experiência de vida e a riqueza de informações do menino de rua, assim como
o papel preponderante de sua contribuição para a manutenção do conjunto familiar, faz
com que as relações entre país e filhos sejam pouco hierarquizadas. Embora sejam verba-
lizados os valores dominantes acerca do respeito, autoridade, obediência que devem preva-
lecer nesses contatos, na realidade eles subsistem apenas para as situações em que não di-
ficultem as práticas que cada um deve desempenhar.
Para atender sua necessidades básicas de sobrevivência, a família se estrutura
em
termos de funções e papéis que articulam estratégias para solucionar o morar, consumir e
relacionar-se. Por isso, é comum a estes grupos a utilização de todos os membros da famí-
lia em atividades que gerem rendimentos de qualquer espécie. Para tanto, o processo de so-
cialização não demanda que o socializado seja sempre e só o consumidor de renda famili-
ar, alterando-se, portanto, tanto os papéis de provedores e consumidores quanto as funções
socializadoras, através de todos os integrantes do grupo familiar.
Logo, a criança e o jovem adquirem muito cedo a noção de seu posicionamento
social e das alternativas de ação que lhes competem assumir. Muitas vezes, passam a influ-
enciar o processo socializador dos adultos, ao invés de serem moldados pelo modelo que
estes lhes oferecem.
A figura paterna perde quase que totalmente o seu componente de autoridade e
poder, restando mais a relação de companheirismo e afetividade, ou de antagonização e
conflito, conforme seja a tônica predominante no relacionamento do grupo familiar.
Como a condição de marginalização da família é mais evidenciada pela dificul-
dade do chefe em exercer o papel de provedor, sua capacidade, responsabilidade e condu-
ta são quase sempre criticadas pela família: “ ele só vive bêbado, não presta nem para arru-
mar trabalho” (esposa). “é vagabundo mesmo, eu não ligo para o que ele fala”(filho- ado-
lescente).
A freqüência dos casos de chefes de família ainda relativamente moços que en-
contram em doenças verdadeiras ou imaginárias a justificativa para essa incapacidade é
muito grande. Levando-se em consideração as condições de vida dessas pessoas e o pro-
cesso de exploração a que se submetem para sobreviver, pode-se compreender a decâden-
cia física. Mas a esta devem ser adicionados fatores psicológicos decorrentes da percepção
da dissonância entre o que ele e a família esperavam de sua função e o que efetivamente
consegue realizar.
Muitas vezes, essa percepção conduz a comportamentos não aceitos pela família,
como a agressividade e o vício, que reforçam o prejuízo de sua imagem, estabelecendo in-
clusive o distanciamento e a carência afetiva.
“ Fatores como a separação dos país ou ausência de um deles, o com-portamento inadequado dos adultos e as relações conflituosas entre eles são considerados como determinantes do aparecimento de condutas de-sadaptadas ou patológicas ao nível psicossocial.” ( FERREIRA, 1979, p.120 ).
A mulher assume um papel importante na família marginalizada porque é sempre
em torno dela que se mantém o círculo familiar. Se o casal se separa ela mantém os filhos
consigo e o contato com o pai tende a desaparecer. Se a mulher separada assume novas
uniões, o parceiro deve sempre aceitar o conjunto familiar que ela possui. Com isto, sua
posição de controle e decisão torna-se efetiva mesmo que ela própria tenha uma função
provedora.
Mesmo nos casais em que a união é estável, observa-se essa predominância do
papel feminino, seja porque ela se mantém na casa em contato direto com os filhos, o que
lhe permite exerce sua autoridade e controle, seja porque a insignificância da função prove-
dora do marido coloca-o sob a direção da mulher, que recebe e gerencia os rendimentos
trazidos por cada elemento da família.
Cabe-lhe, portanto, a função de decidir pelo grupo, dividir e articular as atribui-
ções e responsabilidades de seus integrantes, controlar e exigir o cumprimento das funções
individuais.
Expostas aos veículos de informação e comunicação que agem direta ou incons-
cientemente sobre as massas, estas famílias elaboram projetos que reproduzem os valores
da sociedade industrial.
“ ( as classes) têm “necessidade” de consumir e de utilizar os novos meios técnicos, culturais, para sua reprodução; a este respeito as diferenças existentes são diferenças de renda, se o consumismo é o novo fetiche e a nova alienação, pedir à classe operária que desmiti- fique o fetiche sem ela estar no poder é como pedir “pêra ao olmo.”
( OLIVEIRA, in: FERREIRA, 1979, p.124 ). As mulheres orientam este comportamento de consumo determinando as neces-
sidades básicas ao equipamento doméstico e ao vestuário. Já os jovens, principalmente
quando estão desvinculados do convívio familiar direto, orientam seu consumo individual
para a alimentação, o lazer e o vestuário, segundo padrões do “modismo” de época, adapta-
do ao nível de preço que podem pagar.
Portanto, as relações familiares são influenciadas por articulações que visam a
sobrevivência e o consumo, nos termos dos padrões e valores vigentes na sociedade inclu-
siva.
Na divisão de funções no núcleo familiar, permanece como traço bastante carac-
terístico em que, mesmo nas famílias onde a mulher tem uma posição predominante, as fi-
lhas são subjugadas à autoridade dos pais e irmãos. As meninas cumprem o importante pa-
pel de criação de valores de uso próprios dos serviços domésticos, que dão a infra-estrutu-
ra para que os elementos provedores da família possam desempenhar suas funções com
plena liberdade. Este papel da menina é desempenhado desde muito cedo, principalmente
em famílias numerosas, onde a diferença de idade entre as crianças é pequena. O treina-
mento para função doméstica começa justamente com a atribuição de cuidar dos irmãos
menores e estende-se rapidamente para todas as tarefas do conjunto famliar.
Algumas meninas aceitam esse papel com a satisfação de sentirem que ele lhe
pertence exclusivamente. Outras reagem e, na maioria das vezes, manifestam o desejo de
acompanharem a trajetória dos meninos pelas ruas, que é atraente por conter uma “mística
de liberdade” e porque as tarefas nelas executas são direta e concretamente recompensadas
por algum bem.
Comparativamente, o trabalho doméstico além de ser rotineiro e “prender em ca-
sa” não é remunerado e, por isso não é considerado valioso para a família.
Embora seja comum que as famílias se desagreguem, em função de conflitos en-
tre os pais e das tentativas de novas uniões, não se pode afirmar que este comportamento
seja característico das camadas marginalizadas, nem tampouco determinante de sua condi-
ção e de suas prováveis conseqüências, entre as quais a deliqüescia.
Esta premissa apenas configura a estigmatização que vitima o pobre, atribuin-
do-lhe padrões de relacionamento e morais, promíscuos e irresponsáveis. Os problemas e
conflitos surgem, assim como a especificidade da estruturação e dinâmica familiares, em
decorrência da inserção destes grupos nos mais baixos estratos da hierarquia social vigen-
te.
Assim, mesmo os meninos que relatam experiências familiares desastrosas e
relações conflituosas com os pais, tendem a valorizar a instituição família e aspiram por
manter-se nela ou voltar a tê-la.
“Diferenças individuais quanto às percepções e necessidades são qualidades inerentes a relacionamentos. Cada indivíduo ocupa uma posição única no mundo, no que diz respeito à sua composição genética, temperamento, história, idade e associação com os diversos sistemas sociais. Cada pessoa é fonte de percepções, crenças e necessidades únicas num determinado momento. Essas diferenças intrínsecas nas percepções, crenças e necessidades do indivíduo em contexto relacional formam, no entanto, as bases do conflito na família.” (CALIL, 1987, p.23).
O ser humano é complexo e contraditório, ambivalente em seus sentimentos e condutas, capaz de
construir e destruir. Em condições sociais de escassez, de privação e de falta de perspectivas, as
possibilidades de amar, de construir e de respeitar o outro ficam bastante ameaçadas. Na medida em que a
vida à qual está submetido não o trata enquanto ser humano suas respostas tendem à rudeza de sua mera
defesa de sobrevivência.
As milhares de famílias sem-terra, sem casa, sem trabalho, sem alimento, enfrentam situações
diárias que ameaçam não só seus corpos mas, simultaneamente, seus vínculos e subjetividades.
Este estado de privação de direitos ameaça a todos, na medida em que produz
desumanização generalizada. A dimensão política é afetada pelo universo das
representações sociais, isto é, símbolos, idéias e imagens compartilhadas pelo coletivo.
Tais representações dos problemas relativos à pobreza acabam por determinar a
aprovação ou desaprovação de ações e programas desenvolvidos pelo poder público.
Os meninos em situação de rua expressam o nível de miséria de suas famílias
e de suas comunidades.
“ É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária.” ( ECA, 1990, artigo 4º )
É construída uma representação de que estes meninos não têm família, são “da rua “, ou então que
foram “abandonados por pais desprovidos de afetividade. Além de escapar da incômoda evidência de tanta
miséria, preenche-se este vácuo por uma retórica na qual os pobres são desqualificados enquanto pais.
Passam a ser vistos como pais que não amam, incapazes de estabelecer vínculos com seus filhos.
A rua afasta os adolescentes de suas famílias e comunidades oferecendo de modo sistemático
ingresso ao crime e à droga. Estes caminhos levam à violência, privação de liberdade e muitas vezes, à morte.
A organização de programas e serviços destinados a atender às famílias durante
todo o ciclo de vida pode evitar: a rua, a institucionalização e a violência.
Compreender a família enquanto um sistema dinâmico exige alteração na maioria dos programas
existentes. É importante que todos saibam que a pobreza não pode acarretar a perda dos filhos. Assim, cada
adolescente com problemas corresponde uma família em dificuldades.
O menino que freqüenta ou vive na rua exige projetos pedagógicos destinados a
reaproximá-lo de sua família e comunidade. Preparar a escola para acolher este adolescente
que regressa é muito importante, pois, quando ele fracassa, toda a sociedade está fracas-
sando. A luta cotidiana pela sobrevivência retira a perspectiva de futuro. Precisam ser insti-
tuídas medidas que apoiem as famílias em suas lutas para vencer o limiar de pobreza que
ameaça o vínculo. Tais medidas devem ser transitórias e promover, a curto prazo sua auto-
nomia.
“(...) a questão da pobreza dever ser encaminhada do ponto de vista estrutural, relacionada ao modelo de desenvolvimento que privilegia a concentração de riqueza e é determinada, em grande parte, por políti cas de ajuste internacionalmente impostas e que acarretam significa-tivos cortes orçamentários na ordem social.” ( BECKER ,in : KALOUSTIAN, 2000, p.63 )
As ações de enfrentamento da pobreza são ainda marcadas pelo assistencialismo e
clientelismo, quando não existentes. Como conseqüência, tem-se o enfraquecimento dos
vínculos familiares e o aumento de adolescentes nas ruas.
A convivência familiar entre os pobres é garantida a duras penas como estratégia
indispensável à sobrevivência material e afetiva, marcada pela submissão ao “apartheid ”
social torna-se evidente a exclusão.
CONCLUSÃO
No Brasil, a cidadania é resumida através dos direitos assegurados apenas no papel, instituída
e não cumprida, onde apesar de todos os avanços, a incapacidade de oferecer um mínimo de igualdade de
oportunidade as pessoas, é demonstrada com a exclusão social.
Conseguir intervir na causa e preveni-las será sempre um grande desafio, pois,
o “menino de rua” tendo experimentado o gosto da fuga da realidade pelas drogas, perdido
a auto-estima, assimilados novos valores e grupos sociais, ocorridas a evasão, expulsão,
desintegração, torna-se demasiadamente difícil a intervenção nestes pontos impalpáveis,
como o resgate de sentimentos e valores.
A violência a que estão expostos na rua serve como escola preparatória, todos
são vítimas de uma sociedade que não consegue garantir um mínimo de paz, que lhes nega
condições básicas de vida. A questão do menino de rua é histórica, pois, aparece como
conseqüência direta da escravidão, mesmo após a promulgação da Lei Áurea, o
Parlamento assinava o decreto de Repressão à Ociosidade que visava atacar os “vadios” de
rua, e junto com o decreto foram criados os “asilos correcionais” para crianças e
adolescentes.
“ Um menino de rua é mais do que um ser descalço, magro, ameaçador e malvestido. É a prova da carência de cidadania de um país, em que uma imensa quantidade de garantias não saiu do papel da Constituição. É um espelho ambulante da história do Brasil. No futuro, o menino de rua será visto como hoje vemos os escravos e os massacres dos indígenas: uma coisa do passado, uma vergonha a ser esquecida. Até lá, porém, a violência da renda mal distribuída e das drogas que anestesiam a dor e a consciência dos excluídos continuará a fazer vítimas inocentes e indefesas.” ( DIMENSTEIN, 2002, p.28 )
Ao término deste trabalho, esperamos poder contribuir para novas produções
sobre a problemática social que envolve o tema, pois a dinâmica da sociedade exige
aprofundamento nas pesquisas como forma de superação em cada contexto histórico, logo,
apenas alguns aspectos foram introduzidos, necessitando de um tempo maior para uma
abordagem mais profunda.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARIÊS, Philipe. História Social da Criança e da Família, RJ: Guanabara, 1978.
BRASIL, 1991 . Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Brasilia.
CALIL, Vera L. Lamanno. Terapia Familiar e de Casal, SP: Summus, 1987.
CONSTITUIÇÃO: República Federativa do Brasil, Brasilia: Centro Gráfico, 1988.
DIMENSTEIN, Gilberto. O Cidadão de Papel: a infância, adolescência e os direitos
humanos no Brasil, SP: Àtica, 2000.
FERREIRA, Rosa Maria Fischer. Meninos de Rua, SP: CEDEC, IBREX, 1979.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança, RJ: Paz e Terra, 1992.
GRACIANI, Maria Stela. Pedagogia Social de Rua, SP: Cortez, 1997.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de
uma interpretação histórica metodológica, SP: Cortez, CELATS, 1991.
KALOUSTIAN, Silvio Manoug. Família Brasileira a Base de Tudo, SP: Cortez,
UNICEF, 2000