21
A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL PARA FINS DOMÉSTICOS Jéssica Caroline da Costa Souza* Salvador de Oliveira Santos Junior** Thyago da Costa Vieira*** RESUMO: A Exploração do Trabalho Infantil para fins Domésticos é um grande problema que afeta não somente as vítimas, mas a sociedade como um todo. Ela é propiciada pela grande desigualdade social presente no Brasil e pela cultura da pretensa “ajuda” que os patrões dariam à criança, quando na verdade apenas a exploram e dificultam seu acesso e aproveitamento à escola. A inviolabilidade do lar e o fato de que as ações são praticadas no privado dificultam a fiscalização e punição dos exploradores, resultando em dano físico e psíquicos muitas vezes irreversíveis. PLAVRAS-CHAVE: Trabalho Infantil Doméstico; Exploração; Baixa Escolaridade; Desigualdade Social; Inviolabilidade do Lar; Meninas 1. INTRODUÇÃO No Brasil, diariamente milhares de crianças e adolescentes são retiradas do seio de suas casas e famílias ludibriadas por falsas promessas de ajuda financeira,

A Exploração Do Trabalho Infantil Para Fins Domésticos

Embed Size (px)

DESCRIPTION

A Exploração do Trabalho Infantil para fins Domésticos é um grande problema que afeta não somente as vítimas, mas a sociedade como um todo. Ela é propiciada pela grande desigualdade social presente no Brasil e pela cultura da pretensa “ajuda” que os patrões dariam à criança, quando na verdade apenas a exploram e dificultam seu acesso e aproveitamento à escola. A inviolabilidade do lar e o fato de que as ações são praticadas no privado dificultam a fiscalização e punição dos exploradores, resultando em dano físico e psíquicos muitas vezes irreversíveis.

Citation preview

A EXPLORAO DO TRABALHO INFANTIL PARA FINS DOMSTICOSJssica Caroline da Costa Souza*Salvador de Oliveira Santos Junior**

Thyago da Costa Vieira***

RESUMO: A Explorao do Trabalho Infantil para fins Domsticos um grande problema que afeta no somente as vtimas, mas a sociedade como um todo. Ela propiciada pela grande desigualdade social presente no Brasil e pela cultura da pretensa ajuda que os patres dariam criana, quando na verdade apenas a exploram e dificultam seu acesso e aproveitamento escola. A inviolabilidade do lar e o fato de que as aes so praticadas no privado dificultam a fiscalizao e punio dos exploradores, resultando em dano fsico e psquicos muitas vezes irreversveis.PLAVRAS-CHAVE: Trabalho Infantil Domstico; Explorao; Baixa Escolaridade; Desigualdade Social; Inviolabilidade do Lar; Meninas1. INTRODUO

No Brasil, diariamente milhares de crianas e adolescentes so retiradas do seio de suas casas e famlias ludibriadas por falsas promessas de ajuda financeira, educao de qualidade e mais oportunidade na vida em troca de alguns pequenos favores domsticos.

No entanto, o que se observa que essas vtimas, em geral meninas, so induzidas a partirem ou suas famlias so convencidas a entrega-las a famlias que utilizam a mo-de-obra desta criana de forma indiscriminada, sem regulamentao ou qualquer direito trabalhista, usurpando as chances de uma infncia feliz e um desenvolvimento completo dessas garotas.__________________________________________________________

*Formanda do Curso de Bacharelado em Direito pela Universidade Federal do Par. Matrcula n: 200906140173** Formando do Curso de Bacharelado em Direito pela Universidade Federal do Par. Matrcula n 201006140131

*** Formando do Curso de Bacharelado em Direito pela Universidade Federal do Par. Matrcula n 201106140062Este tema, apesar de quase sempre invisvel devido inviolabilidade do lar, tem ganhado cada vez mais espao no somente nas mesas de debate como na nossa legislao ptria, a qual protege integralmente as crianas e visa garantir a proteo deste grupo to vulnervel.O presente artigo, objetiva mostrar a origem da explorao do trabalho infantil no Brasil, bem como suas causas, consequncia, o combate a este crime, bem como as estatsticas alarmantes desta pratica aviltante.

2. EVOLUO HISTRICA DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL

No Brasil, temos o incio da explorao do trabalho infantil com a relao entre os primeiros colonizadores e os indgenas do litoral, no sculo XVI, na qual as crianas e adolescentes ajudavam os adultos a extrair o pau-brasil e a construir as primeiras habitaes da rea e em troca distribuam quinquilharias como espelhos e conchas coloridos a todos. J dentro das matas, muitas crianas dedicavam-se procura de mel, ovos de tartaruga e outros produtos de origem animal, bem como carregavam tambm carne e armas para a aldeia e espantavam os pssaros das roas no perodo que precedia a colheita.

A cultura europia da explorao de crianas chegou ao Brasil atravs dos hbitos e costumes que atravessaram o Atlntico nas embarcaes portuguesas. Em 1530, crianas e adolescentes embarcavam em navios portugueses rumo a nossas terras, trabalhando como grumetes e pajens, submetidos a toda sorte de abusos, desde a explorao exaustiva de suas foras fsicas na realizao dos piores e mais perigosos trabalhos existentes nas embarcaes, at privaes alimentares, culminando com sevcias sexuais.

J na poca da escravatura pouco se discutia acerca da questo do trabalho infantil no Brasil, haja vista que os escravos eram objetos, posses, e deveriam trabalhar assim que tivessem desenvolvimento fsico para tal, muitas vezes sendo separados dos pais ainda crianas e vendidos para outros senhores, rompendo assim qualquer lao familiar ou vivncia de um infncia que pudesse ter. Aos quatro anos de idade os escravos desempenhavam tarefas domsticas leves nas fazendas, aos oito anos poderiam pastoriar o gado; as meninas aos onze anos costuravam e, aos quatorze anos, tanto os meninos quanto as meninas, j laboravam como adulto. Com o advento das lutas abolicionistas as quais se proliferavam pelo pas e o sentimento generalizado de que seria a proibio da escravatura era iminente, fez-se necessrio imprimir um novo olhar sobre a ideia de trabalho at ento concebida: o que antes era considerado obrigao dos escravos, agora passa a ser visto como instrumento de dignificao do homem. Houve, portanto, a necessidade de se inverter os valores (RIZZINI; FONSECA, 2002, p. 15). Nesse contexto destacam Chalhoub e Rizzini (apud RIZZINI; FONSECA, 2002, p. 15) que:

Esta fundamental reverso de valores, do trabalho forado e humilhante para o trabalho livre e enobrecedor, enraizou-se de tal forma que a ociosidade passa a ter a conotao de vcio e crime. No trabalhar ou mostrar-se avesso ao trabalho era profundamente repudiado socialmente. Incutir nas crianas desde a mais tenra idade os valores da disciplina associada ao trabalho era tarefa considerada crucial, visando um futuro civilizado para o Brasil.

neste contexto, aps a Lei do Ventre Livre em 1871, que as famlias burguesas comearam a suprir a ausncia da mo de obra escrava por meio do trabalho de crianas e de adolescentes, as quais recebiam recompensas pelos servios prestados s suas novas famlias, proporcionalmente idade e qualidade com que realizava os trabalhos. Os meninos eram absorvidos nos trabalhos braais e as meninas, em sua maioria, nos trabalhos domsticos (Kuznesof e Meznar, apud RIZZINI; FONSECA, 2002, p. 14-15).Com o advento da abolio, muitas crianas ex-escravas ficaram ao relento junto com seus pais e, sob o pretexto de que deveriam aprender um ofcio para escaparem da marginalidade, a sociedade passou a incentivar o trabalho precoce das crianas e adolescentes, no entanto o que se escondia por trs desta preocupao era o anseio de possuir uma mo-de-obra submissa e barata para as casas e fbricas, instaurando uma espcie de neo-escravido.

Foi desta maneira que se estabeleceu no Brasil a ideia de que as crianas que trabalham esto construindo um futuro, alm de ajudar suas famlias. Tais argumentos ainda so defendidas por muitos que exploram o trabalho infantil domstico, com suas reais intenes escondidas sob a grande farsa da generosidade e pretensa ajuda fornecida s crianas dentro das casas.3. CONCEITO E NOESO trabalho infantil aquele realizado por crianas e adolescentes que esto abaixo da idade mnima para entrar no mercado de trabalho e que executam tarefas insalubres e perigosas, as quais comprometem sua integridade fsica, moral, psicolgica e social, pois debilitam o desenvolvimento de pequenos ainda em fase de formao fsica e mental.Considerando que o conceito de trabalho infantil domstico no Brasil aquele realizado por menores de 16 anos que prestam servios de natureza contnua e de finalidade no lucrativa pessoa ou famlia para o mbito residencial desta, temos que, de todas as formas de explorao do trabalho infantil, a menos notada certamente o trabalho infantil domstico, uma vez que ocorre dentro dos lares inviolveis de famlias exploradoras, onde por trs de muros e mentiras, esconde-se uma realidade de explorao e injustia. Caracteriza-se por ser um trabalho de natureza contnua pessoa ou famlia, para o mbito residencial destas, as quais se utilizam de manipulaes sobre famlias, em geral, muito pobres e prometem alimento, habitao e educao s meninas que no veem outra opo na vida se no aceitar.Esse tipo de trabalho ocorre no interior das casas e permanece oculto ou invisvel para a sociedade - muitas vezes condescendente com o crime e quase sempre no tem fim lucrativo algum, tratando-se de explorao pura e simples, principalmente de meninas, j que culturalmente as tarefas domsticas so atribudas s mulheres.

Levando-se em contas as diversas formas de explorao do trabalho infantil, a que mais prejudica a escolaridade das meninas exploradas. Elas frequentam a escola, mas como cumprem jornadas interminveis, no tm tempo ou disposio para estudar. Quanto mais jovem a menina submetida ao trabalho infantil domstico, menor a sua oportunidade de concluir o ensino fundamental. Um dado revoltante que a famlia que explora o trabalho infantil domstico se considera como protetora e assim vista pela sociedade.4. CAUSAS E CONSEQUNCIAS DA EXPLORAO

Indubitavelmente, a principal causa do trabalho infantil domstico a pobreza e o baixo grau de escolaridade das meninas exploradas e de suas famlias, as quais so levadas a entregarem suas filhas com a esperana de que estas estudaro e conseguiram galgar um caminho melhor na vida. Mesmo no sculo XXI, em que os Direitos Humanos alcanaram sua merecida importncia nas legislaes de todo o mundo e militam diariamente pela manuteno dos direitos fundamentais de todos, inaceitvel a existncia de forma to vil e enganadora de explorao, tendo em vista que esse problema no atinge apenas suas vtimas, mas sim os seus autores, porquanto o que est sob enfoque o futuro da sociedade (DUTRA, 2007).

Apesar desta constatao, a verdade que o fator econmico no deve ser considerado o nico causador do trabalho infantil, embora seja o principal. Nesse sentido, afirmam Veronese e Custdio (2013, p. 85):

Os indiciadores sobre o trabalho infantil domstico no so apenas resultantes do acirramento da excluso econmica e empobrecimento da populao, mas, tambm, indicam uma continuidade da dinmica histrica consolidada por prticas jurdicas institucionais, que sempre deslocaram a responsabilidade para crianas e adolescentes pela sua prpria subsistncia e tambm do grupo familiar.

Diante de tal afirmao, notamos que a explorao domstica infantil um fenmeno de alta complexidade, caracterizada pela soma de diversos fatores que favorecem a vulnerabilidade destas crianas, dentre eles a desigualdade social, o baixo grau de escolaridade dos pais, a falta de informao e, o olhar deturpado da sociedade frente a este tipo de explorao, a qual considerada por muitos como uma ajuda para a criana, uma adoo, na qual expresses como tratada como uma filha so amplamente utilizadas pelos exploradores a fim de justificar seus e mascarar esta terrvel prtica.Para ilustrar essa situao, transcrevemos um depoimento retirado do texto de Rizzini e Fonseca (2002, p.17-18):

Salete, caula de sete irmos, nasceu em um distrito interiorano, na fronteira entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Desde cedo, trabalhava junto aos demais membros de sua famlia como agregada na roa dos vizinhos: "pegava na enxada, andava de cavalo, fazia tudo igual aos irmos". Porm, chegado seu dcimo segundo aniversrio, sua me anunciou que achara uma colocao para a menina. Salete lembra o desespero que sentiu ao separar-se da famlia: Chorava, chorava tanto, que meu patro disse que ia me chamar de Sal derrete em vez de Salete... Tambm lembra a longa rotina de trabalho dirio: "Levantava cedo, antes do patro e sua mulher ir para a roa porque eu que fazia caf. Depois, cuidava dos quatro filhos a manh inteira e ainda tinha que fazer o almoo. De tarde, a patroa ficava em casa enquanto eu ia para o riacho com uma trouxa desse tamanho de roupa para lavar... e, de noite, depois da janta, ainda tinha que arear as panelas e limpar a cozinha. s vezes, ia at meia noite". Apesar do trabalho pesado e as saudades de casa, Salete no pensou em resistir contra a vontade de sua me. "A gente fazia o que ela mandava. Imagine se ela ia me deixar voltar para casa!. Aquele casal pagava bem e, quando chegava o fim do ms, a me estava sempre l, porta da cozinha deles, para receber seu pagamento.

O trabalho domstico pode ocasionar uma variedade de impactos nas crianas, visveis ou no. Os visveis so sequelas, como problemas de coluna por ter que carregar excesso de peso, haja vista que o trabalho domstico, por se caracterizar como atividade que demanda esforo repetitivo, pode prejudicar o desenvolvimento do menor; riscos de intoxicao por ter contato direto com produtos qumicos; riscos de acidentes por ter acesso a facas e ao fogo na cozinha; ou at mesmo agresses fsicas e espancamentos por parte dos exploradores.Quanto aos impactos no-visveis, podemos citar os efeitos psicolgicos provocados por uma srie de fatores, como o impacto de deixar a famlia, a mudana na relao com os pais e irmos, bem como a atribuio de responsabilidades e obrigaes de adultos a essa criana, a qual muitas vezes cuida dos filhos dos patres, apesar de ter idade prxima a deles e no ter os mesmo direitos. Os efeitos negativos se agravam, ainda mais, quando ocorre violncia fsica ou abuso sexual.Muitas e terrveis so as consequncias geradas pelo labor infantil domstico, como a dificuldade de acesso escola, em razo das longas jornadas, a evaso e do baixo nvel de rendimento (VERONESE; CUSTDIO, 2013, p. 109), pois muitas crianas ainda trabalham um nmero excessivo de horas, o que prejudica no rendimento escolar (quando estudam) devido ao cansao. As notas baixas podem influenciar na personalidade, causando baixa autoestima. O decreto 6.481/2008 elenca os riscos ocupacionais aos quais as crianas e adolescentes esto submetidos, so eles:

Esforos fsicos intensos; isolamento; abuso fsico, psicolgico e sexual; longas jornadas de trabalho; trabalho noturno; calor; exposio ao fogo, posies antiergonmicas e movimentos repetitivos; tracionamento da coluna vertebral; sobrecarga muscular e queda de nvel. Tambm destaca como provveis repercusses a sade a presena de: Afeces msculo-esquelticas(bursites, tendinites, dorsalgias, sinovites, tenossinovites); contuses; fraturas; ferimentos; queimaduras; ansiedade; alteraes na vida familiar; transtornos do ciclo viglia-sono; DORT/LER; deformidades da coluna vertebral (lombalgias, lombociatalgias, escolioses, cifoses, lordoses); sndrome do esgotamento profissional e neurose profissional; traumatismos; tonturas e fobias. (Brasil. Decreto n. 6.481, 2014).

5. DO COMBATE EXPLORAO DO TRABALHO DOMSTICO INFANTIL

A primeira lei brasileira de proteo infncia no que tange ao direito do trabalho de 1891, entretanto, at meados de 1980, o Trabalho Infantil foi tolerado pelo governo e pela sociedade, pois este problema era praticamente ignorado ou aparecia diludo em meio s questes sobre crianas abandonadas ou em situao de rua.A legislao ptria que trata do trabalho infantil est norteada segundo os princpios estabelecidos na Constituio Federal que, por sua vez, esto harmonizados com as atuais disposies da Conveno dos Direitos da Criana, da Organizao das Naes Unidas (ONU), e das Convenes de n 138 e n 182, da Organizao Internacional do Trabalho (OIT).

A Constituio de 1988 foi marcada por uma forte mobilizao social de organizaes governamentais e no-governamentais na busca do estabelecimento de princpios constitucionais que prezassem pela criana e o adolescente e introduzissem um novo modelo de ao nas polticas sociais a eles destinadas.

Apesar de nossa Carta Magna dispor em seu art. 7, XXXIII a proibio de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condio de aprendiz, a partir de quatorze anos", esta exceo constitucionalmente prevista no se aplica ao trabalho domstico, tendo em vista que nesta modalidade o que importa aos empregadores no a capacidade de aprender, mas o que, quanto e com que qualidade a criana e o adolescente so capaz de produzir.

Apesar de o Brasil ser considerado como modelo no que tange a proteo formal contra o trabalho infantil, esse pas tem muito que se aperfeioar para ser assim tratado (CAMPOS, 2012, p. 166). Veja-se que, para combater os altos ndices de explorao infantil, o Estado delega suas responsabilidades aos rgos de proteo como o Ministrio do Trabalho e Emprego, ao Ministrio Pblico e ao poder judicirio (CAMPOS, 2012, p. 167).

Por sua vez, o Ministrio do Trabalho e Emprego, assim como os outros rgos, desempenha papel fundamental no combate explorao do trabalho infantil, e, nas palavras de Campos (2012, p. 167), considerado:O embrio da fiscalizao e inspeo do trabalho originou-se da proteo da prpria infncia e, ao longo do tempo, evoluiu, mantendo sempre o vnculo com a questo do trabalho infantil, o qual mantido at os dias atuais, porm de modo mais sistemtico.A Lei n. 8.069 de 13.7.1990 (Estatuto da Criana e Adolescente ECA) que regula a proteo do menor revogou o Cdigo de Menores, trazendo uma nova viso na forma de garantir e tutelar os direitos concernentes aos menores (LIBERATI; DIAS, 2006, p. 70). O Estatuto da Criana e do Adolescente adota o Princpio da Proteo Integral, e tem por fundamento o pleno desenvolvimento fsico e mental das crianas e adolescentes (NASCIMENTO, 2003, p. 65).

Segundo Nascimento o referido estatuto rompeu com toda a sistemtica at ento tradicionalmente adotada no tratamento das questes relacionadas aos menores, trazendo alteraes significativas de contedo e mtodo (NASCIMENTO, 2003, p. 65).

Alm disso, o ECA distinguiu a criana do adolescente sendo a criana a pessoa com idade de at doze anos completos e o adolescente aquele com idade entre 12 e 18 anos , alm da importante mudana terminolgica reconhecendo a criana e o adolescente como sujeitos (VERONESE; CUSTODIO. 2013, p. 123). O novo estatuto abandonou o conceito assistencialista fortemente presente no Cdigo de Menores de 1927 e 1979, para conseguir mais efetividade no que concerne criana e ao adolescente, por meio de programas socioeducativos (NASCIMENTO, 2013, p. 66).

Cabe salientar que, no mbito do trabalho infantil, os artigos 60 a 69 tratam do direito profissionalizao e proteo no trabalho. Os referidos artigos demonstram a imensa necessidade de tentar coibir ao mximo a explorao do trabalho das crianas e dos adolescentes (LIBERATI; DIAS, 2006, p. 72).

Assim, as atividades laborativas noturnas, penosas, insalubres ou perigosas formao e ao desenvolvimento do menor ficaram proibidas (LIBERATI; DIAS, 2006, p. 72). Importante ressaltar que o artigo 63 do Estatuto determina o cumprimento do disposto no inciso III, 3, do artigo 227 da Constituio Federal, ao regulamentar a garantia de acesso e frequncia do menor ao ensino regular (NASCIMENTO, 2003, p. 67).

Desse modo, fica bem claro que o Estatuto da Criana e do Adolescente provocou mudanas com relao ao tratamento dos menores, conforme descreve Nascimento (p. 68, 2003):O Estatuto da Criana e do Adolescente estabeleceu uma profunda e radical mudana em relao ao tratamento dos menores no Brasil, disciplinando, para a garantia da proteo integral das crianas e dos adolescentes, que compete famlia, sociedade e ao Estado o dever prioritrio de assegurar-lhes o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria.O Estatuto estabelece uma poltica de proteo s crianas e aos adolescentes, de modo que seu principal objetivo consiste em resguardar seus direitos, assegurar proteo integral contra as formas de violao e buscar a erradicao do trabalho infantil domstico (VERONESE; CUSTODIO, 2013).6. ESTATSTICAS APRESENTADAS PELA ONU

O UNICEF estima que cerca de 150 milhes de crianas com idades entre 5 e 14 anos, ou quase uma em cada seis crianas nessa faixa etria, estejam envolvidas em trabalho infantil nos pases em desenvolvimento.

De acordo com as ltimas estimativas da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), 7,4 milhes de crianas na mesma faixa etria esto envolvidas no trabalho domstico, que desproporcionalmente realizado por meninas. (ONUBR, 2014)Segundo o Fundo, os trabalhadores domsticos esto entre os trabalhadores mais explorados e abusados por uma srie de razes, incluindo a discriminao, a excluso das leis trabalhistas, o isolamento e sua natureza oculta.

As crianas esto em risco ainda maior, devido sua idade, falta de conscincia dos seus direitos, separao de sua famlia e dependncia de seu empregador.

Embora nem todas as crianas trabalhadoras domsticas sofram abuso ou explorao, as crianas que trabalham como empregadas domsticas esto particularmente vulnerveis ao trfico, ao trabalho forado e s piores formas de trabalho infantil, tornando o trabalho infantil domstico uma das formas mais comuns e potencialmente exploradoras do trabalho infantil no mundo de hoje.A situao do trabalho infantil domstico no Brasil pouco se alterou entre 2008 e 2011, de acordo com relatrio divulgado pelo Frum Nacional de Preveno e Erradicao do Trabalho Infantil (FNPETI). (UNICEF, 2013)Enquanto o quantitativo de crianas e adolescentes na faixa etria entre 5 e 17 anos que trabalhavam caiu 17,9% nesse perodo, o nmero de casos de crianas e adolescentes ocupados no trabalho infantil domstico diminuiu de 325 mil (2008) para 258 mil (2011) uma reduo de 67 mil casos. Em termos proporcionais, a reduo foi de apenas 0,2 ponto percentual: de 7,2% em 2008 para 7% em 2011.

Esse nmero pode ser ainda maior. Em 2011, dos 3,7 milhes de crianas e adolescentes em situao de trabalho infantil, 57,5% ou seja, 2,1 milhes de crianas e adolescentes trabalhavam e ainda eram responsveis pelas tarefas domsticas em suas prprias casas.

Ou seja, as mesmas atividades lavar, passar, cozinhar, limpar a casa, cuidar de crianas etc. realizadas por aqueles que prestam servios domsticos para outras famlias so realizadas tambm por eles em suas prprias casas, segundo Isa Oliveira, secretria executiva do FNPETI.

De acordo com a pesquisa de 2011, 93,7% do universo de crianas e adolescentes ocupados no trabalho infantil domstico so meninas (241 mil). Os meninos somam 16 mil. E 67% dos trabalhadores infantis domsticos so negros (172.666), enquanto os no negros somam 85.026.Em 2011, do universo de 258 mil crianas e adolescentes (entre 5 e 17 anos) em situao de trabalho infantil domstico que prestavam servios para outras famlias, 102.668 (39,8%) estavam na Regio Nordeste; 66.663 pessoas (25,9%), no Sudeste; 35.590 (13,8%), no Norte; 34.755 (13,5%), no Sul; e 18.015 (7%), no Centro-Oeste.No mesmo perodo, os Estados de Minas Gerais (31.316), Bahia (26.564), So Paulo (20.381) e Par (19.309) apresentavam os maiores nmeros absolutos de crianas e adolescentes em situao de trabalho domstico.Conforme se pode observar, o Par est sempre presente no ranking de explorao infantil domstica. De acordo com informaes fornecidas pelo Ministrio Pblico Federal e o Tribunal Regional do Trabalho ao Globo.com, a explorao da mo de obra no Par, representa 7,5% do total registrado no Brasil. Segundo o TRT, mais de 19 mil crianas e adolescentes trabalham no estado. "As pessoas pegam uma menina nova para pagar menos, s do roupas e objetos de higiene pessoal. No Par, existe uma questo cultural de trazer meninas do interior para trabalhar na cidade", afirmou a juza Zuila Dutra.7. CONSIDERAES FINAIS

Com o presente artigo, ficou claro que a explorao do trabalho infantil para fins domsticos no recente, mas resultado de um longo processo histrico que vai desde o escambo do trabalho das crianas indgenas em troca de quinquilharias que os portugueses lhes davam.

J durante a escravatura, as crianas eram exploradas desde cedo e separadas de sua famlia quando vendidas, por exemplo, sem que houvesse qualquer preocupao com o estado fsico ou psicolgico delas.Com a Lei do Ventre Livre e, depois, a Abolio, as crianas ex-escravas tornaram-se ento fonte de grande lucro para as fbricas que passaram a utilizar os infantes como mo-de-obra barra e subserviente, bem como eram procuradas pelas famlias aristocrticas para trabalharem nas casas por quantias irrisrias e sem qualquer direito.

Hoje, o que vemos uma grande quantidade de meninas retiradas de suas casas por famlias que lhes prometem melhores condies de vida ou em troca de dinheiro para a famlia, para trabalharem exaustivamente nas tarefas domsticas e cuidando dos filhos dos patres que, muitas vezes, tem a mesma idade ou muito prximo.

Com essa prtica corriqueira e normal aos olhos de grande parte da sociedade, essas meninas ficam merc de todo tipo de explorao, abuso e aviltamento possvel, haja vista que no h qualquer fiscalizao do trabalho exercido devido a esta ser uma prtica privada e, consequentemente, invisvel.

A explorao do trabalho infantil domstico gerado principalmente pela grande desigualdade social presente no Brasil, assim como escolaridade baixa das famlias mais humildes e acarretam numa srie de prejuzos fsico e psicolgicos s garotas, as quais perdem qualquer possibilidade de viverem uma infncia saudvel e ter um desenvolvimento pleno de todas as suas capacidade e habilidade, bem como dificulta demasiadamente o acesso escola, haja vista que, aps exaustivas horas de trabalho, no sobra tempo ou disposio para estudar, resultando em baixo rendimento e evaso escolar.

O fato que a legislao vigente no Brasil probe qualquer trabalho exercido por menos de 16 anos, exceto na condio de aprendiz, o que no o caso do trabalho infantil domstico, pois que no se aprende nada, apenas se produz. Entretanto, para erradicar esta terrvel e oculta forma de explorao, preciso mais que leis, necessrio promover polticas pblicas para garantir o acesso educao de qualidade famlias mais suscetveis a este crime, buscar formas de diminuir cada vez mais a desigualdade social presente nas diversas regies do Brasil, a fim de coibir a retirada de meninas em situao de vulnerabilidade social para explorao domstica.8. BIBLIOGRAFIA

BRASIL. CLT. Consolidao das Leis do Trabalho. In: Vade Mecum. So Paulo: Saraiva,2015.________. Constituio da Repblica Federativa do Brasil (1988). In: Vade Mecum. So Paulo: Saraiva, 2015._______. Constituio (1988). Emenda Constitucional n 20, de 15/12/1988. Braslia: Poder Legislativo/ Dirio Oficial da Unio, 16 de dezembro de 1988._______. Decreto n 5.209 de 17/09/2004. Presidncia da Repblica._______. Estatuto da Criana e do Adolescente. In: Vade Mecum. So Paulo: Saraiva,

2015.

_______. Programa de erradicao do trabalho infantil. Disponvel em: . Acesso em: 20 de jun. de 2015. ______.Decreto 6.481, 12 de junho de 2008.Lista das piores formas de trabalho infantil. Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/d6481.htm>. Acesso em: 20 de jun. 2015.CAMPOS, Marco Antnio Lopes. Proposies Jurdicas: Fonte de proteo Social do Trabalho Infantil. So Paulo: Tr, 2012. 190p.DUTRA, Maria Zuila Lima.Meninas Domsticas, Infncias Destrudas Legislao e Realidade Social. So Paulo: LTr, 2007. 149p.GLOBO. TRT e MPE investigam casos de explorao do trabalho infantil no PA. Disponvel em: . Acesso em: 20 de jun. 2015

LIBERATI, Wilson Donizeti; DIAS, Fbio Muller Dutra. Trabalho Infantil. So Paulo: Malheiros, 2006. 175p.LIMA, Danilo Chaves.Trabalho infantil domstico.Revista Jus Navigandi, Teresina,ano 20,n. 4208,8jan.2015. Disponvel em:. Acesso em:28 jun. 2015.

LIRA, Teralia Suassuna Vaz. A invisibilidade do trabalho infantil domstico e a violao de direitos. Cognitio Juris, Joo Pessoa, Ano III, Nmero 8, dezembro 2013. Disponvel em . Acesso em: 29 de Junho de 2015NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 25. ed. So Paulo: Saraiva, 2010. 1461p.NASCIMENTO, Nilson de Oliveira.Manual do Trabalhado do Menor. 1. ed. So Paulo: Ltr, 2003. 166p.ONU. 150 milhes de crianas de 5 a 14 anos sofrem com trabalho infantil nos pases em desenvolvimento. Disponvel em: http://nacoesunidas.org/150-milhoes-de-criancas-de-5-a-14-anos-sofrem-com-trabalho-infantil-em-todo-mundo-alerta-unicef/. Acesso em: 20 de jun. de 2015.

ONU. Nmeros do trabalho infantil domstico no Brasil preocupam, diz FNPETI. Disponvel em: http://www.unicef.org/brazil/pt/media_25610.htm. Acesso em: 20 de jun. 2015.PORTAL MPT.Manual de Atuao do Ministrio Pblico na Preveno e Erradicao do Trabalho Infantil.Disponvel em:< http://www.mprs.mp.br/areas/infancia/arquivos/manual_erradicacao_trab_infantil.pdf>. Acesso em: 20 de jun. 2015

RIZZINI, Irene; FONSECA Claudia.As meninas e o Universo do trabalho domstico no Brasil.Aspectos histricos, culturais e tendncias atuais. Disponvel em: Acesso em: 20 de jun. 2015.VERONESE, Josiane Rose Petry; CUSTDIO, Andr Viana.Trabalho Infantil Domstico no Brasil. So Paulo: Saraiva, 2013. 276p.