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Crítica ao ativismo judicial, utilizando-se de prévia abordagem histórico-teórica, seguida de crítica do ministro Roberto Barroso do STF, por ocasião de sua sabatina no Senado e a maneira como abordou o tema do Ativismo Judicial.
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A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crticaThe expression judicial activism, as a constitutional clich, must be abandoned: a critical analysis
Thiago Aguiar Pdua
SumrioEditorial ..........................................................................................................................VCarlos Ayres Britto, Lilian Rose Lemos Soares Nunes e Marcelo Dias Varella
Grupo i - atiVismo Judicial ............................................................................1
apontamEntos para um dEbatE sobrE o atiVismo Judicial ................................................ 3Inocncio Mrtires Coelho
a razo sEm Voto: o suprEmo tribunal FEdEral E o GoVErno da maioria .....................24Lus Roberto Barroso
o problEma do atiVismo Judicial: uma anlisE do caso ms3326 ......................................52Lenio Luiz Streck, Clarissa Tassinari e Adriano Obach Lepper
do atiVismo Judicial ao atiVismo constitucional no Estado dE dirEitos FundamEntais ..... 63Christine Oliveira Peter
atiVismo Judicial: o contExto dE sua comprEEnso para a construo dE dEcisEs Judi-ciais racionais ..................................................................................................................89Ciro di Benatti Galvo
HErmEnutica FilosFica E atiVidadE Judicial praGmtica: aproximaEs ................... 101Humberto Fernandes de Moura
o papEl dos prEcEdEntEs para o controlE do atiVismo Judicial no contExto ps-positi-Vista ................................................................................................................................ 116Lara Bonemer Azevedo da Rocha, Claudia Maria Barbosa
a ExprEsso atiVismo Judicial, como um clicH constitucional, dEVE sEr abandona-da: uma anlisE crtica .................................................................................................. 135Thiago Aguiar Pdua
a atuao do suprEmo tribunal FEdEral FrEntE aos FEnmEnos da Judicializao da poltica E do atiVismo Judicial ...................................................................................... 170Mariana Oliveira de S e Vincius Silva Bonfim
atiVismo Judicial E dEmocracia: a atuao do stF E o ExErccio da cidadania no brasil ..191Marilha Gabriela Reverendo Garau, Juliana Pessoa Mulatinho e Ana Beatriz Oliveira Reis
Grupo ii - atiVismo Judicial E polticas pblicas .....................................207
polticas pblicas E atiVismo Judicial: o dilEma EntrE EFEtiVidadE E limitEs dE atuao ..........209Ana Luisa Tarter Nunes, Nilton Carlos Coutinho e Rafael Jos Nadim de Lazari
controlE Judicial das polticas pblicas: pErspEctiVa da HErmEnutica FilosFica E constitucional ..............................................................................................................224Selma Leite do Nascimento Sauerbronn de Souza
a atuao do podEr Judicirio no Estado constitucional Em FacE do FEnmEno da Judi-cializao das polticas pblicas no brasil ..................................................................239Slvio Dagoberto Orsatto
polticas pblicas E procEsso ElEitoral: rEFlExo a partir da dEmocracia como proJEto poltico ..........................................................................................................................253Antonio Henrique Graciano Suxberger
a tutEla do dirEito dE moradia E o atiVismo Judicial ..................................................265Paulo Afonso Cavichioli Carmona
atiVismo Judicial E dirEito sadE: a Judicializao das polticas pblicas dE sadE E os impactos da postura atiVista do podEr Judicirio .................................................... 291Fernanda Tercetti Nunes Pereira
a Judicializao das polticas pblicas E o dirEito subJEtiVo indiVidual sadE, luz da tEoria da Justia distributiVa dE JoHn rawls ............................................................... 310Ur Lobato Martins
biopoltica E dirEito no brasil: a antEcipao tEraputica do parto dE anEncFalos como procEdimEnto dE normalizao da Vida ..............................................................330Paulo Germano Barrozo de Albuquerque e Ranulpho Rgo Muraro
atiVismo Judicial E Judicializao da poltica da rElao dE consumo: uma anlisE do controlE Jurisdicional dos contratos dE planos dE sadE priVado no Estado dE so paulo ..............................................................................................................................348Renan Posella Mandarino e Marisa Helena DArbo Alves de Freitas
a atuao do podEr Judicirio na implEmEntao dE polticas pblicas: o caso da dE-marcao dos tErritrios quilombolas ........................................................................362Larissa Ribeiro da Cruz Godoy
polticas pblicas E EtnodEsEnVolVimEnto com EnFoquE na lEGislao indiGEnista bra-silEira .............................................................................................................................375Fbio Campelo Conrado de Holanda
tEntatiVas dE contEno do atiVismo Judicial da cortE intEramEricana dE dirEitos Humanos ........................................................................................................................392Alice Rocha da Silva e Andrea de Quadros Dantas Echeverria
o dEsEnVolVimEnto da cortE intEramEricana dE dirEitos Humanos ........................ 410Andr Pires Gontijo
o atiVismo Judicial da cortE EuropEia dE Justia para alm da intEGrao EuropEia ...... 425Giovana Maria Frisso
Grupo iii - atiVismo Judicial E dEmocracia ..............................................438
libErdadE dE ExprEsso E dEmocracia. rEalidadE intErcambiantE E nEcEssidadE dE aproFundamEnto da quEsto. Estudo comparatiVo. a Jurisprudncia do suprEmo tri-bunal FEdEral no brasil- adpF 130- E a suprEma cortE dos Estados unidos da amri-ca. ...................................................................................................................................440Lus Incio Lucena Adams
a GErmanstica Jurdica E a mEtFora do dEdo Em ristE no contExto ExploratiVo das JustiFicatiVas da doGmtica dos dirEitos FundamEntais ................................................452Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
anarquismo Judicial E sEGurana Jurdica ...................................................................480Ivo Teixeira Gico Jr.
a (dEs)Harmonia EntrE os podErEs E o diloGo (in)tEnso EntrE dEmocracia E rEpbli-ca .................................................................................................................................... 501Alssia de Barros Chevitarese
promEssas da modErnidadE E atiVismo Judicial ............................................................ 519Leonardo Zehuri Tovar
por dEntro das suprEmas cortEs: bastidorEs, tElEVisionamEnto E a maGia da tribuna ..... 538Saul Tourinho Leal
dirEito procEssual dE Grupos sociais no brasil: uma VErso rEVista E atualizada das primEiras linHas .............................................................................................................553Jefferson Cars Guedes
a outra rEalidadE: o panconstitucionalismo nos istEitEs ..........................................588Thiago Aguiar de Pdua, Fbio Luiz Bragana Ferreira E Ana Carolina Borges de Oliveira
a rEsoluo n. 23.389/2013 do tribunal supErior ElEitoral E a tEnso EntrE os podE-rEs constitudos ............................................................................................................606Bernardo Silva de Seixas e Roberta Kelly Silva Souza
o rEstabElEcimEnto do ExamE criminolGico por mEio da smula VinculantE n 26: uma maniFEstao do atiVismo Judicial .........................................................................622Flvia vila Penido e Jordnia Cludia de Oliveira Gonalves
normas Editoriais .........................................................................................................637Envio dos trabalhos .................................................................................................................................................... 639
doi: 10.5102/rbpp.v5i2.3024 A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica*
The expression judicial activism, as a constitutional clich, must be abandoned: a critical analysis
Thiago Aguiar Pdua*
Resumo
A finalidade principal deste artigo realizar uma abordagem crtica sobre
as ideias do Ministro Lus Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal,
acerca da utilizao da expresso Ativismo Judicial. O presente artigo ob-jetiva realizar uma breve anlise sobre os problemas inerentes discusso
acadmica da expresso Ativismo Judicial, desde o nascimento da expresso
em 1947 na Revista Fortune com o famoso artigo de Arthur Schlesinger
Jr., at a importao acrtica da expresso por parte da doutrina brasileira,
observando-se que a expresso se tornou um clich constitucional. Anali-sa-se a utilizao da expresso Ativismo Judicial por parte do Ministro Lus
Roberto Barroso, especialmente em sua sabatina perante o Senado Federal
brasileiro, a partir de uma anlise de fontes primrias de pesquisa (notas ta-quigrficas, artigos, entrevistas) descobrindo-se que houve uma banalizao
da expresso Ativismo Judicial.
Palavras-chave: Ativismo Judicial. Clich Constitucional. Crtica ao Mini-stro Lus Roberto Barroso.
AbstRAct
The main purpose of this article is to make a critical approach to the
ideas of the Justice Roberto Barroso, from the Brazilian Supreme Court,
about the use of the expression Judicial Activism. This paper aims to con-duct a brief analysis of the problems inherent in academic discussion of
the expression Judicial Activism, since its birth in 1947 in Fortune Magazine
with the famous Arthur Schlesinger Jr. article. We observe the uncritical
importation of the expression (Judicial Activism) by the Brazilian doctrine,
and we observed that this expression became a Constitutional Clich. We
analyzed the use of the term Judicial Activism by the Justice Roberto Barro-so, especially in his confirmation hearings before the Brazilian Federal Sena-te, analyzing primary research sources (shorthand notes, articles, interviews),
discovering that there was a trivialization of the term Judicial Activism.
Keywords: Judicial activism. Constitutional clich. Critical to the Justice Ro-berto Barroso.
* Artigo convidado.
** Mestrando em Direito pelo UniCEUB. Pesquisador-Discente do CBEC Centro Bra-sileiro de Estudos Constitucionais. Bolsista da CAPES. Integra os Grupos de Pesquisa: Di-reito & Literatura, Debatendo com o Supremo, ISO Justia Processual e Desigualdade. Ad-vogado. E-mail: [email protected]
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1. IntRoduo1
Youve been with the professors (Voc esteve com os professores)And theyve all liked your looks (E todos eles gostaram da sua aparncia)With great lawyers you have (Com os grandes advogados que voc tm)
Discussed lepers and crooks (Discutiram leprosos e pilantras)Youve been through (Voc j passou por)
All of F. Scott Fitzgeralds books (Todos os livros de Scott Fitzgerald)Youre very well read (Voc bem letrado)
Its well known (Isso bem conhecido)But something is happening here (Mas est acontecendo alguma coisa aqui)
And you dont know what it is (E voc no sabe o que )Do you, Mister Jones? (Sabe Mister Jones?)
(Ballad Of A Thin Man - Bob Dylan Traduo Livre)
O presente artigo busca realizar uma abordagem sobre o iderio que considera a expresso ativismo
judicial como uma espcie de clich constitucional, buscando, para tanto, analisar o pensamento e o
comportamento do Ministro Lus Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.
Utilizam-se especialmente fontes primrias de pesquisa, como entrevistas, manifestaes e artigos es-critos por Lus Roberto Barroso antes de ser nomeado para o STF, realizando-se uma anlise das notas
taquigrficas de sua sabatina perante o Senado, em busca de compreender, nesse julgador, o significado de
ativismo judicial e de clich constitucional.
A pesquisa coletou e levantou os dados referentes ao pensamento de Lus Roberto Barroso, e visou
conferir maior relevncia, fundamental e primacial, quando fossem encontrados elementos referentes a sua
viso acerca do tema do ativismo judicial, com detida ateno para o perodo da arguio do Ministro do
Supremo Tribunal Federal perante o Senado.
O artigo se compe, alm das Consideraes Iniciais e Finais, de um ncleo que se inicia com uma
primeira anlise sobre o termo ativismo judicial, e em uma segunda parte se incursiona na questo dos
denominados clichs constitucionais para s ento, num terceiro momento abordar esses temas confron-tados com o pensamento e a ao do Ministro Lus Roberto Barroso.
A preocupao central da anlise ser o entendimento de Lus Roberto Barroso acerca da sua com-preenso terica do que seria ativismo judicial, observando-a antes e durante a sabatina perante o Senado,
especialmente tendo em vista a viso desse Ministro sobre os alegados papis do STF: a) contramajoritrio
e de b) representao2. Busca-se em alguma medida saber se h coerncia e consistncia nas afirmaes do
Ministro3.
1 Faz-se necessrio agradecer o apoio e o suporte intelectual do PPG/UniCEUB e do CBEC Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais pelo estmulo constante, especialmente nas pessoas dos professores e amigos Carlos Ayres Britto, Lilian Rose Le-mos Soares Nunes, Andr Pires Gontijo, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, Jefferson Cars Guedes, Paulo Carmona, Lus Carlos Martins Alves Jr., Pablo Malheiros da Cunha Frota, Ana Caroline Pereira Lima, Fbio Luiz Bragana Ferreira, Joo Paulo Echeverria, Ana Carolina Borges Oliveira, Paulo Cerqueira Campos, Debora Denys, Duguay Trouin, Tiago Felipe, Michelle Cardoso e Clarissa Tassinari.2 BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 20-21.3 Em linhas gerais, utiliza-se aqui a distino e a funcionalidade entre os conceitos de consistncia e coerncia em Neil Mac-Cormick, que considera a consistncia presente quando no houver contradio, vale dizer, quando entre vrias proposies, no se observe contradies entre elas. E ser coerente num plano em que um conjunto de proposies faa sentido em sua totalidade. Cfr. MACCORMICK, Neil. Retrica e estado de direito. Trad. Conrado Hubner Mendes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 248-302.
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O argumento ter em mira a possibilidade de transformao do termo ativismo judicial em um
clich constitucional, que lhe esvazia de sentido e serve para o proposital empobrecimento do debate que
se torna mais e mais necessrio. Embora se realizem sucintas crticas, todas elas so restritas ao fecundo e
necessrias ao campo das ideias, e nesse sentido, busca-se de fato a continuao desse dilogo.
A deciso de realizar a presente pesquisa e a seleo desse especfico partcipe institucional (Ministro Lus
Roberto Barroso do STF) ocorre por esse jurista ser um grande e reconhecido acadmico, pesquisador in-cansvel e Julgador dos mais preparados, e at por isso suas manifestaes precisam ser seriamente refletidas
e criticadas, vale dizer, as ideias e o Ministro do STF, e no a pessoa.
Em uma ambincia acadmica que fomenta e estimula a liberdade, a crtica e a reflexo, obviamente deixa
patente que as crticas e reflexes tambm esto sujeitas s mesmas ferramentas, e natural e saudvel que
assim seja.
No se trata de uma desconfortvel e rasteira patrulha ideolgica, esse conceito fluido e ele mesmo
clicherizado. At porque no possvel e nem desejvel que se separe uma categoria de anlises crticas
que no devem ser realizadas acerca de um ocupante de um dos mais importantes cargos pblicos do pas.
Na esteira do que Lnio Streck e Srgio Cademartori chamam de fator Jlia Roberts ou de cons-trangimento epistemolgico como forma de accountabillity, as crticas ao STF e a seus membros devem ser realizadas sem receio algum, e elas se referem s reflexes justericas, no sendo a favor e nem contra
personagens ou protagonistas4.
O mtodo5 escolhido para tal empreitada foi o de selecionar manifestaes especficas do Ministro Lus
Roberto Barroso, tais como entrevistas, artigos e manifestaes, inclusive sua sabatina perante o Senado
Federal, que tenham pertinncia com o tema ativismo judicial, e, a partir do material selecionado, realizar
uma anlise crtica e reflexiva.
2. umA bReve RefeRncIA Ao AtIvIsmo judIcIAl
A atuao e conformao do Supremo Tribunal Federal, da maneira como arquitetado a partir de 1988
e suas aes contemporneas e feies atuais, tem sido objeto de discusso h algum tempo e muito tem-se
refletido sobre temas como nova teoria da diviso dos poderes6, jurisdio constitucional7, dilogos ins-
4 Conforme observa Lnio Streck: No filme O Dossi Pelicano h uma cena na qual o professor de Direito Constitucional de Harvard relata para seus alunos que no Estado da Gergia fora aprovada uma lei alando a sodomia categoria de crime (pena de 1 a 20 anos) e que a US Supreme Court, instada a decidir acerca da inconstitucionalidade da lei em vista da violao privacidade dos cidados, decidiu, por 5x4, que no inconstitucional que o estado classifique determinadas condutas entre elas, a sodomia como criminosas. (case Bowers vs. Hardwick, 30.06.1986). Este o precedente, anuncia o professor no filme, passando j ao prximo assunto. Neste exato momento, uma aluna, interpretada por Julia Roberts, interpela o mestre para dizer The Supreme Court is wrong (A Suprema Corte est errada). Eis o fator Julia Roberts: dizer/sustentar que o Tribunal Maior (ou qualquer outro tribunal) com-eteu um equvoco. Cfr.: STRECK, Lnio Luiz. Compreender direito: como o senso comum pode nos enganar. So Paulo: RT, 2014. v. 2. p. 123-131.5 Como recorda Marc Fumaroli em defesa de Montaigne na sua polmica sobre o mtodo, este, em grego significa caminho e que todos os caminhos, mesmo e principalmente os mais rduos, no so necessariamente traados em linha reta, como o que Descartes se prope para sair mais depressa da floresta [...] [a palavra e a ideia de caminho] esto ligadas ao exerccio do passeio e da viagem, que pe em movimento o corpo com a mente, ainda que o itinerrio seguido no seja fixado de antemo, ainda que revele um fraco pelos desvios e pelas digresses, ainda que conduza quem passeia ou viaja a tomar, enquanto caminha, vrios pontos de vista muito diferentes sobre a prpria diversidade da paisagem atravessada. FUMAROLI, Marc. [Prefcio]. In: PASCAL, Blaise. A Arte de persuadir precedida de a Arte da Conferncia de Montaigne. Trad. Rosemary Ablio e Mario Laranjeira. So Paulo: M. Fontes, 2004. p. vii.6 SOUZA JUNIOR, C. S. O tribunal constitucional como poder- uma nova teoria da diviso dos poderes. So Paulo: Memria Jurdica, 2002.7 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdio constitucional: controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 4. ed. So Paulo: Saraiva, 2004; MENDES, Gilmar Ferreira. Estado de direito e jurisdio constitucional. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 2011; MENDES, Gilmar Ferreira. Estado de direito e jurisdio constitucional: 2002/2010. So Paulo: Saraiva, 2012.
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titucionais8, ativismo9, bem como entre aqueles que enxergam no ativismo judicial, talvez, um novo nome,
uma espcie de eufemismo, para criao judicial do direito10.
Tal discusso suscita muitos questionamentos e conformaes tericas diversas, bem como nos remete
ao famoso dilogo descrito por Bertolt Brecht entre um mendigo e um imperador que demonstra basica-mente que de um longo dilogo os debatedores podem estar a falar de coisas distintas11. evidente que
tal percepo pode ser atribuda muito mais, talvez, inpcia do hermeneuta do que inteno discursiva e,
ainda, ao fato de eventualmente tisnarem temas conexos, mas no em dilogos entre si.
A propsito, a densa pesquisa de Clarissa Tassinari recorda que, no mbito brasileiro, existe alguma
dificuldade de se fixar um acordo semntico mnimo acerca do que se entende por ativismo judicial, ora
significando exagerada interferncia judicial na sociedade (protagonismo judicirio), ora aquela expresso
acaba sendo invocada de maneira aleatria como critrio de convenincia12.
A mencionada pesquisadora observou a existncia de um ativismo judicial brasileira, terminologia
que evidencia ao menos duas importantes questes. Em primeiro lugar, haveria a conjugao de duas tradi-es (brasileira e norte-americana). Em segundo plano, seria possvel que esteja implcita a crtica utilizao
destes termos sem vinculao ao contexto de seu surgimento, implicando ao mesmo tempo a transpo-sio equivocada do conceito, e ainda, a ausncia de uma necessria adaptao do que se apreende do
constitucionalismo norte-americano13.
Complementa-se essa percepo com uma reflexo realizada no ano de 2001, quando o constituciona-lista norte-americano Mark Tushnet fez publicar um interessante artigo intitulado Mr. Jones & the Supreme Court. Aqueles que apreciam as letras e as melodias de Bob Dylan logo compreenderam a provocao, pois remontava ao sentido da msica elencada na epgrafe (Ballad of a Thin Man), fazendo uma stira a um jornalista (Mr. Jones14) que falava sobre inmeros assuntos, mas que, na verdade, no sabia absolutamente
do que estava falando.
So palavras do mencionado autor:
O que est acontecendo com o Direito Constitucional? Qualquer pessoa que preste ateno Suprema Corte sabe que alguma coisa est acontecendo, mas difcil dizer exatamente o que alguns Ministros ouvem os ecos do mundo anteriores a 1937, quando a Suprema Corte invalidou leis estaduais e nacionais a servio de uma viso restrita, de um governo quase libertarianista.15
8 MENDES, Conrado Hbner. Direitos fundamentais, separao de poderes e deliberao. 2008. Tese (Doutorado em Cincia Poltica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2008. Disponvel em: . Acesso em: 05 nov. 2013.9 LEAL, Saul Tourinho. Ativismo ou altivez? O outro lado do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Frum, 2010; CIT-TADINO, Gisele. Poder Judicirio, ativismo judicirio e democracia. ALCEU, n. 9, p. 105-113, 2004.; LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto; DIMOULIS, D. Ativismo e autoconteno judicial no controle de constitucionalidade. In: FELLET, Andr; GIOTTI DE PAULA, Daniel; NOVELINO, Marcelo. (Org.). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2011.10 COELHO, Inocncio Mrtires. Ativismo judicial ou criao judicial do direito? In: FELLET, Andr; GIOTTI DE PAULA, Daniel; NOVELINO, Marcelo. (Org.). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2011.11 BRECHT, Bertolt. O mendigo ou o cachorro morto. In: ______. Teatro completo. Traduo de Fernando Peixoto. Rio de Ja-neiro: Paz e Terra, 1986. v. 1. p. 168.12 TASSINARI, Clarissa. Ativismo judicial: uma anlise da atuao do judicirio nas experincias brasileira e norte-americana. 2012. 141 f. Dissertao (Mestrado em Direito) Universidade do Vale do Rio dos Sinos, So Leopoldo, 2012. p. 128.13 TASSINARI, Clarissa. Ativismo judicial: uma anlise da atuao do judicirio nas experincias brasileira e norte-americana. 2012. 141 f. Dissertao (Mestrado em Direito) Universidade do Vale do Rio dos Sinos, So Leopoldo, 2012. p. 92.14 Uma densa narrativa sobre Bob Dylan e tambm sobre o episdio de Mr. Jones pode ser observada em sua Cinebiografia, denominada No Estou l (Im Not There), um filme de 2007, dirigido por Todd Haynes, em que seis atores fazem distintas inter-pretaes das variadas e diferentes fases da vida de Bob Dylan atravs de tcnicas no tradicionais de narrativa (Cate Blanchett, Christian Bale, Heath Ledger, Bem Whishaw, Richard Gere e Marcus Franklin).15 Traduo nossa do original: Whats happening to constitutional law? Everyone who pays attention to the Supreme Court knows that somethings going on, but its hard to pin down exactly what. Some justices hear echoes of the world before 1937, when the Supreme Court invalidated state and national laws in the service of a vision of restricted, almost libertarian government. Cfr.: TUSHNET, Mark. Mr. Jones & the Supreme Court. Green Bag, v. 4, n. 2, p. 173-178, winter 2001.
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Parece que tal raciocnio tem serventia no apenas para a realidade da Suprema Corte Americana, mas
tambm para o Supremo Tribunal Federal, excetuada a questo da data, que l remontava a atuao jurdico--poltica daquela Corte no perodo do New Deal, mas sobre tal perodo que refletia o autor da expresso que daria origem ao termo judicial activism, que no apenas passou a dominar as discusses tericas brasi-leiras, mas tambm causar certa perplexidade ao se observar a prtica hodierna do STF.
Paulo Gustavo Gonet Branco constatara se tratar a expresso ativismo judicial de um conceito fugidio,
observando as origens de seu nascimento num contexto no tcnico, nascida com marcas de superficia-lidade. Tal expresso estaria mesmo vocacionada equivocidade e trivialidade de mtodo no seu empre-go, recebida no Brasil mesmo com vcios de origem16.
Um dos argumentos centrais desse breve artigo, menos quedado em oferecer respostas prontas e acaba-das do que instigar o debate, o de que a expresso ativismo judicial constitucionalmente inadequada
e precisa ser redesenhada, no passando de uma metfora, cunhada em um dia imaginativo por um fa-moso e importante historiador que em 1947, fazendo um bico de jornalista para a revista Fortune, escreveu
e cunhou a expresso que viria a se identificar como judicial activism, mas tal fato sequer mereceu destaque, ou mesmo foi mencionado no seu mais famoso registro obiturio bibliogrfico, que no uma nota curta de
rodap de jornal, mas sim uma longa abordagem de 12 pginas sobre seus mais notveis feitos17.
Isso quer dizer apenas que entre seus feitos memorveis, dignos de registro, no se encontrava o fato
de ter sido o pai criador (founding father) da expresso ativismo judicial, e que os profissionais do direito provavelmente do mais ateno a expresso do que ela merece, para designar coisas to distintas quanto
coloridas, retirando desse armrio uma quantidade aprecivel de fantasias, at porque, como mencionado
por Marshall Berman, h uma certa pardia do passado, na qual o pretrito precisa da histria porque a v
como uma espcie de guarda-roupa onde todas as fantasias esto guardadas 18.
No se contesta a proeminncia do autor da expresso, mas sim a sua serventia para o direito atual.
Observa-se que Arthur Schlesinger Jr., nascido em 1917 e falecido em 2007, foi um reconhecido historiador,
memorialista, ensasta, ativista poltico e conselheiro presidencial de John Kennedy19.
Alm de se tornar professor de histria em Harvard, Arthur Schlesinger Jr., em demonstrao de ativis-mo poltico, ajudou a criar o Americans for Democratic Action (ADA) em 1947. Tal agremiao se posicionava esquerda do Partido Democrata, e a organizao era devotadamente Anticomunista e frequentemente
travava disputas contra uma outra instituio, o Progressive Citizens of America (PCA)20.
Sobre o grupo de Arthur Schlesinger Jr., Americans for Democratic Action (ADA), alega-se que tentou estimular uma viso que alguns chamariam hoje de Guerra Fria do Liberalismo influenciada pelo Plano
Marshall (auxlio econmico) sobre a Doutrina Truman (interveno militar)21.
Importantes obras brasileiras sobre ativismo judicial reconhecem a origem do termo em Arthur Sch-
16 BRANCO. Paulo Gustavo Gonet. Em busca de um conceito fugidio: o ativismo judicial. In: FELLET, Andr; GIOTTI DE PAULA, Daniel; NOVELINO, Marcelo. (Org.). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2011. p. 389.17 MATTSON, Kevin. Arthur Schlesinger Jr.: biographical memoirs. Proceedings of the American Philosophical Society, v. 153, n. 1, 2009.18 BERMAN, Marshall. Tudo que slido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Trad. Carlos Felipe Moiss e Ana Maria Loriatti. So Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 22.19 MATTSON, Kevin. Arthur Schlesinger Jr.: biographical memoirs. Proceedings of the American Philosophical Society, v. 153, n. 1, 2009.20 MATTSON, Kevin. Arthur Schlesinger Jr.: Biographical Memoirs. Proceedings of the American Philosophical Society. v. 153, n 1, 2009, p. 119.21 MATTSON, Kevin. Arthur Schlesinger Jr.: Biographical Memoirs. Proceedings of the American Philosophical Society. v. 153, n 1, 2009, p. 119.
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lesinger Jr22, embora uma das mais densas e importantes delas sequer faa referncia ao autor americano.
Mencione-se, ad exemplum, a tese submetida por Elival da Silva Ramos23 na Universidade de So Paulo para a disputa do cargo de professor titular de Direito Constitucional, tendo concorrido e vencido o certame no
qual disputou com Marcelo Neves, que, por sua vez, apresentou a tese sobre o Transconstitucionalismo.
Elival da Silva Ramos aponta como importante a viso de Direito Comparado sobre o ativismo judi-cial: porquanto, se a caracterizao do ativismo judicial importa na avaliao do modo de exerccio da
funo jurisdicional, o fenmeno ser percebido diferentemente de acordo com o papel institucional que se
atribua em cada sistema ao Poder Judicirio24. O referido autor retoma o raciocnio da seguinte maneira:
Se o ativismo judicial, em uma noo preliminar, reporta-se a uma disfuno no exerccio de funo
jurisdicional, em detrimento, notadamente, da funo legislativa, a mencionada diferena de grau permite
compreender porque nos ordenamentos filiados ao common law muito mais difcil do que nos sistemas da famlia romano-germnica a caracterizao do que seria uma atuao ativista da magistratura, a ser repelida
em termos dogmticos, em contraposio a uma atuao mais ousada, porm ainda dentro dos limites do
juridicamente permitido25.
Reconhece-se que no h, de antemo um sentido negativo sobre a expresso ativismo judicial no
common law, e a sua discusso geralmente desagua no plano da filosofia poltica, em que a indagao cen-tral no a consistncia jurdica de uma atuao mais ousada do Poder Judicirio, e sim a sua legitimidade,
tendo em vista a ideologia democrtica que permeia o sistema poltico norte-americano26.
Alega-se que, nos Estados Unidos, adota-se uma conceituao ampla do termo ativismo judicial, que
pode ser visto como uso da interpretao teleolgica, de integrao de lacunas, e que, via de regra,
elogiado por proporcionar a adaptao do direito diante de novas exigncias sociais e de novas pautas axio-lgicas em contraposio ao passivismo27.
interessante notar que a abordagem terica desse autor acaba por incursionar pelas veredas do Estado
de Direito Democrtico, em especial pelo princpio da separao dos Poderes e sobre a discricionariedade
judicial interpretativa28, para ento referir sobre a sua prpria conceituao de ativismo judicial.
Menciona: Por ativismo judicial deve-se entender o exerccio da funo jurisdicional para alm dos li-mites impostos pelo prprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judicirio fazer atuar,
resolver litgios de feies subjetivas (conflitos de interesses) e controvrsias jurdicas de natureza objetiva
(conflitos normativos) 29.
Em que pese a abordagem terica densa, no se problematiza a prpria expresso ativismo judicial.
Tal questo parece indene de crticas, e passamos a importar a expresso ativismo judicial, cunhada por
um no profissional do Direito e ardoroso defensor do New Deal ao escrever sobre a histria evolutiva do New Deal na Suprema Corte Americana30. E efetivamos tal importao a partir de uma observao da Suprema Corte Americana que no a realidade brasileira, bastando dizer que embora possua semelhana
22 Entre vrias obras, confira-se algumas resultantes de pesquisas acadmicas de Dissertaes de Mestrado em Direito: LEAL, Saul Tourinho. Ativismo ou altivez? O outro lado do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Frum, 2010; CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 43; CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. A evoluo do ativismo judicial na Suprema Corte Norte-Americana (I). RIDB, ano 2, n. 6, 2013; CAMPOS, Carlos Al-exandre de Azevedo. A evoluo do ativismo judicial na Suprema Corte Norte-Americana (II). RIDB, ano 2, n. 7, 2013; CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Explicando o avano do ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal. RIDB, ano 2, n. 8, 2013.23 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saraiva, 2010.24 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 104.25 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 107.26 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 110.27 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 110.28 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 111-128.29 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 129.30 BARNETT, Randy E. Constitutional clichs. Capital University Law Review, v. 36, n. 3, p. 492-510, 2008. p. 493.
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com o STF, pelo fato de constiturem a cpula do Poder Judicirio, as coincidncias terminam por ai.
Enquanto a Suprema Corte Americana composta por 9 Justices, em que um deles o Chief Justice escolhido pelo Presidente dos Estados Unidos , at a data de sua morte ou aposentadoria volitiva, o
Supremo Tribunal Federal composto por 11 Ministros, com modelo presidencial bienal (eleio por seus
prprios pares); e ainda, os modelos deliberatrios de tomada de deciso (Decision-Making) so em tudo distintos. L adota-se uma deciso da corte, per curian decisions31, sem que participem das deliberaes quaisquer pessoas que no os prprios Justices, com publicidade restrita, e aqui adotamos decises fragmen-tadas, (seriatin decisions), em que cada Julgador pode emitir a sua opinio e com tomada de deciso, em tese, ao vivo e em cores, transmitidas pela TV Justia.
Embora os modelos de escolha e nomeao sejam de certo modo similares, l h uma efetiva disputa
bipartidria entre as nomeaes de Juzes para a Corte entre Democratas e Republicanos, que se reflete nos
debates do Senado para a Sabatina dos nomeados, e mais importante, l os Julgadores podem permanecer
de maneira vitalcia no cargo, enquanto aqui h a aposentadoria compulsria aos 70 anos de idade por im-periosa determinao Constitucional.
Por fim, a mais brutal diferena: enquanto l h o apego ao precedente com o acolhimento do stare decisis, em razo de representar o acolhimento de um modelo advindo da famlia do common law, o que permite a Suprema Corte Americana inclusive realizar julgamentos pelo modelo de Jri32, nos casos e pos-sibilidades constitucionalmente permitidas, aqui temos a impossibilidade de se falar em precedente33 e em
jurisprudncia34, sendo de se notar que adotamos modelo advindo do civil law.
Nesse sentido, sendo a expresso ativismo judicial importada de uma prtica judicial da Suprema Corte
Americana, mesmo enquanto modelo terico de descrio de uma atividade35, essa importao precisa
encontrar srias restries alfandegrias, especialmente quando vulgarizada como na afirmao de Lus Ro-berto Barroso de que o ativismo judicial como o colesterol: tem do bom e tem do ruim36.
31 HOCHSCHILD, Adam S. The modern problem of Supreme Court plurality decision: interpretation in historical perspective. Washington University Journal of Law & Policy, v. 4, jan. 2000; MOORHEAD, R. Dean. The 1952 Ross Prize Essay: concurring and dissenting opinions. American Bar Association Journal, v. 38, n. 10, p. 821, oct. 1952; STEWART, David O. A chorus of voices. American Bar Association Journal, v. 77, n. 50, p. 923, 1991.32 Um caso distinto e diferenciado, embora raro e na prtica atual quase inexistente, merece ser citado, qual seja, a previso de juris especiais na Suprema Corte Americana no exerccio de sua jurisdio originria, pois a Stima Emenda Constituio dos Estados Unidos, proposta em 1789, admite: In Suits at common law, where the value in controversy shall exceed twenty dollars, the right of trial by jury shall be preserved, and no fact tried by a jury, shall be otherwise re-examined in any Court of the United States, than according to the rules of the common law. Conforme se observa, a Suprema Corte Americana julgou pelo menos 3 casos pelo modelo de jri em 1870, dos quais apenas 1 restou registrado, qual seja, o caso Georgia v. Brailsford, 3 U.S. (3 Dall.) 1 (1797). Cfr.: SHELFER, Lochlan F. Special Juries in the Supreme Court, The Yale Law Journal, v. 123, n. 1, p. 208-252, 2013.33 Veja-se a densa abordagem de Jos Rodrigo Rodriguez na alegao de que em nossos tribunais, predominam opinies pessoais, confuso e dificuldade de compresso das decises, embora tal abordagem merea ser tambm criticada. Cfr.: RODRIGO RODRI-GUEZ, Jos. Como decidem as cortes? Para uma crtica do Direito (Brasileiro). Rio de Janeiro: FVG, 2013. p. 81.34 Ao fim e ao cabo de nossa realidade brasileira, no podemos falar que existe jurisprudncia no Brasil, na esteira do entendi-mento de Luiz Edson Fachin, pois segundo este pensador, no existe efetivamente jurisprudncia no Brasil, pois jurisprudncia mtodo, e deve ser correspondente a um resultado de compreenso dos sentidos acerca de determinado campo jurdico, propostos pela doutrina, bem como explicitados em julgamentos por meio de entendimentos consolidados que se projetam na cultura jurdica do pas a partir de sua expresso pelos tribunais. No caso brasileiro, percebe-se uma dupla falta, vale dizer, uma falta de solidez hermenutica que no traz previsibilidade e nem estabilidade em termos de precedentes, que so prprias do verdadeiro sentido da jurisprudncia, e falta ainda uma profunda e sistemtica ao doutrinria de comentrios crticos e efetivos sobre as decises judiciais. Cfr.: FACHIN, Luiz Edson. Um pas sem jurisprudncia. Programa de Mestrado e Doutorado em Direito do UniCEUB, Braslia, de 28 31 de julho de 2014. Texto enviado por Luiz Edson Fachin para o Prof. Doutor Pablo Malheiros da Cunha Frota, para o SJA Seminrio Jurdico Avanado Um Pas sem jurisprudncia: Como decidem os Tribunais no Brasil?.35 BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 20.36 BARROSO, Lus Roberto. Anabolizante judicial: entrevista: Lus Roberto Barroso, advogado constitucionalista. Conjur, 21 de setembro de 2008. Disponvel em: . Acesso em: 17 ago. 2014. Entrevista concedida a Rodrigo Haidar.
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Em certo momento anterior, Lus Roberto Barroso havia mencionado que ativismo judicial e judicia-lizao seriam primos, oriundos da mesma famlia e frequentadores dos mesmos lugares, mas que no
teriam, no entanto, as mesmas origens, afirmando-se que ativismo judicial uma atitude, a escolha de um
modo especfico e proativo de interpretar a Constituio37.
Lus Roberto Barroso alega que o ativismo judicial seria ento parte da soluo, e no do problema,
vale dizer, o ativismo judicial seria um antibitico poderoso cujo uso deve ser eventual e controlado:
Em dose excessiva, h risco de se morrer da cura. A expanso do Judicirio no deve desviar a ateno da real disfuno que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de reforma poltica. E essa no pode ser feita por juzes.38
Cabe recordar que Lus Roberto Barroso entende que o dficit democrtico do judicirio, decorrente da
dificuldade contramajoritria, no necessariamente maior que o do Legislativo, cuja composio pode estar
afetada por disfunes diversas, dentre as quais o uso da mquina administrativa nas campanhas, o abuso do
poder econmico, a manipulao dos meios de comunicao39.
Se confrontssemos as percepes de Elival da Silva Ramos com as de Lus Roberto Barroso, podera-mos ento indagar sobre Estado de Direito Democrtico do Bom, e Separao de Poderes da Boa, e
seus respectivos inversos, o que seria no mnimo curioso, embora academicamente instigante.
Perceba-se que logo a expresso ativismo judicial vai perdendo significado e sendo transformada em
Colesterol Bom e Colesterol Ruim, e j estaremos discutindo ativismo judicial com termos e expresses
mdicas (veja-se tambm o termo ativismo judicial antibitico poderoso), os quais a grande maioria das
pessoas desconhece efetiva e tecnicamente, induzindo que se aceite com naturalidade que existam ativismo
judicial do bom, e do ruim. Um pejorativo e outro louvaminheiro.
Tal situao ganha foros de dramaticidade quando Lus Roberto Barroso afirma que, em certos temas,
quando houver inrcia dos demais poderes, o Judicirio deveria se portar ento como o motor da histria,
e suas palavras ento foram as de que o povo na rua mobilizado por mudana a energia que move a hist-ria, mas que para ele Lus Roberto Barroso , pra fazer andar a histria no precisa estar com o povo
andando atrs, complementando a assertiva com a frase: est ruim, no est funcionando, ns temos que
empurrar a histria. Est emperrado, ns temos que empurrar40. Essa afirmao no passou desapercebida
e indene de crtica41.
37 BARROSO, Lus Roberto. Judicializao, ativismo judicial e legitimidade democrtica. In: COUTINHO, Jacinto Miranda; FRAGALE, Roberto; LOBO, Ronaldo (Org.). Constituio e ativismo judicial: limites e possibilidades da norma constitucional e da deciso judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 275-290.38 BARROSO, Lus Roberto. Judicializao, ativismo judicial e legitimidade democrtica. In: COUTINHO, Jacinto Miranda; FRAGALE, Roberto; LOBO, Ronaldo (Org.). Constituio e ativismo judicial: limites e possibilidades da norma constitucional e da deciso judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 275-290.39 BARROSO, Lus Roberto. Curso de direito constitucional contemporneo: os conceitos fundamentais e a construo do novo modelo. So Paulo: Saraiva, 2009. p. 390.40 BARROSO, Lus Roberto. Entrevista concedida ao Grupo Folha: parte 2. Poder e Poltica, Braslia, 18 de dezembro de 2013. Disponvel em: . Acesso em: 17 ago. 2014. Entrevista concedida a Fernando Rod-rigues.41 Mencione-se ao menos 4 inquietaes de acadmicos com relao a tal expresso motor da histria, ou com o caso ao qual ela vinculada, qual seja, votos dos ministros do STF e mais especificamente do Ministro Lus Roberto Barroso (e/ou sobre sua entrevista posterior) quando do julgamento sobre o financiamento de campanhas eleitorais (ADI 4650), nos artigos de Lnio Luiz Streck, Jos Levi Mello do Amaral Junior, Jos Miguel Garcia Medina e Rafael Tomaz de Oliveira: STRECK, Lnio Luiz. Senso incomum: o realismo ou quando tudo pode ser inconstitucional. Conjur, 2 de janeiro de 2014. Disponvel em: . Acesso em: 01 set. 2014; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Dirio de classe: financiamento de campanha e o STF como motor da histria. Conjur, 4 de janeiro de 2014. Disponvel em: . Acesso em: 01 set. 2014.; AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do. Anlise constitucional: inconstitucionalidade sem parmetro no Supremo. Conjur, 29 de dezembro de 2013; MEDINA, Jos Miguel Garcia. Processo novo: uma breve retrospectiva sobre o que o Supremo
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Um problema adicional ser vislumbrando se o trem da histria atropelar aquele que estiver atravessando
a rua, como dito em metfora pelo mesmo e prprio Lus Roberto Barroso: Houve uma mudana quali-tativa, uma mudana de paradigma. E o que era antes aceitvel, subitamente passou a ser objeto de grande
repulsa. Quem estava atravessando a rua nessa hora foi atropelado pelo trem da histria 42.
O trem da histria atropela, embora, nessa ltima frase, o referido autor no estivesse falando de ativis-mo judicial, mas se a histria empurra, e se o juiz pode empurrar a histria, que (e)histria essa? Esse o
motivo pelo qual parece importante abordar a questo sobre clichs constitucionais, para ento, posterior-mente, retomarmos a questo do ativismo judicial em Lus Roberto Barroso.
Observamos acima algumas distintas concepes sobre o ativismo judicial, e no prximo item iremos
refletir sobre como essa expresso se torna um clich, a partir da noo, conceito e crticas que essa ltima
expresso invoca, para chegarmos a uma ideia sobre o ativismo judicial como clich constitucional.
2.1. A questo dos clichs constitucionais
O conceito de clich no pertence a nenhuma disciplina reconhecida. Como uma noo que ganhou
corpo e ocorrncia a partir do sculo XIX, o clich no ocupa um lugar especial no campo da retrica43. Clich , originalmente o nome de um preformado bloco em pea de metal fundido para produo em
massa de material impresso, funciona como um instrumento de crtica no domnio cultural, e continua
sendo invocado em reviews, debates, e nos discursos do dia a dia sem que seja objeto de uma definio mais precisa44.
Em seu nvel mais bsico, chamar uma expresso de clich significa marc-la subjetivamente pelo ex-cesso de uso. A noo convencional de clich sugere que este ser utilizado quando um discurso tiver se
tornado irritante em face de seu uso repetitivo45. Mais especificamente:
Compreende-se o clich, geralmente, como uma maneira de expressar irritao com um pronunciamento por sua falha, divergindo at mesmo no menor grau de seu completo reconhecimento.
Isso , novamente, demanda maior estmulo de sentidos. Desde que o inteligvel est enraizado num acordo no apenas de sentidos, mas no progressivamente calcificado acordo com a comunidade, a irritao com o pronunciamento excessivamente inteligvel pode ser a expresso de um mal-estar esttico com um sistema de axiomas socialmente ancorados.
A pessoa que repudia um clich declara irritao ou mesmo exasperao com a forma sobre o que todos sabem e dizem, e portanto assinala sua impacincia com as mximas e categorias que so compartilhadas com a comunidade. Isto , neste ponto, podemos promover a definio de um clich [...] como algo que demanda muito pouco de sentido.46
no fez. Conjur, 23 de dezembro de 2013. Disponvel em: . Acesso em: 05 nov. 2013.42 BARROSO, Lus Roberto. Entrevista concedida ao Grupo Folha: parte 2. Poder e Poltica, Braslia, 18 de dezembro de 2013. Disponvel em: . Acesso em: 17 ago. 2014. Entrevista concedida a Fernando Rod-rigues.43 NORBERG, Jakob. The political theory of the clich: Hannah Arendt reading Adolf Eichmann. Cultural Critique, n. 76, fall p. 77, 2010.44 NORBERG, Jakob. The political theory of the clich: Hannah Arendt reading Adolf Eichmann. Cultural Critique, n. 76, fall p. 77, 2010.45 NORBERG, Jakob. The political theory of the clich: Hannah Arendt reading Adolf Eichmann. Cultural Critique, n. 76, fall p. 80, 2010.46 Traduo livre do original: To complain about clichs is generally a way to express irritation at statements for their failure to diverge even in the slightest degree from complete recognizability. It is, again, to demand more stimulation for the senses. Since the intelligible is rooted in agreement not only of the senses, but in the (progressively calcified) agreement within the community, the irritation with overly intelligible statements can also be the expression of aesthetic malaise within a system of socially anchored axioms. The person who repudiates the clich declares irritation or even exasperation at the form of what everyone knows and
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Essa uma das possveis anlises acerca da compreenso da expresso clich, e a construo dessa
anlise decorre da abordagem da teoria poltica do clich a partir da escrita de Hannah Arendt para a
revista New Yorker sobre o julgamento de Adolf Eichmann em Jerusalm47. Entretanto, outras abordagens
so possveis, e algumas delas sobre o prprio termo ativismo judicial.
Alis, parece que o grande problema, talvez o maior deles, acerca da expresso ativismo judicial, seja o
fato de que ela se tornou um clich, como nos recorda Randy Barnett. Esse autor observa que o discurso
popular sobre a interpretao constitucional e sobre o judicial review tendem a empregar uma srie de frases repetitivas que se tornam clichs Constitucionais:
Frases como ativismo judicial, autoconteno judicial, construo estrita, no legislar da bancada, inteno dos criadores, mo morta do passado e stare decisis se tornaram to dominantes no comentrio pblico que tudo que se ouve. Infelizmente, mesmo professores de Direito no so imunes. Havia um tempo em que cada uma destas frases grudentas significava algo e, embora cada uma delas pudesse significar alguma coisa novamente, no debate atual todas se tornaram banais e largamente ausentes de substncia. Brevemente, elas se tornaram clich48.
Segundo o referido autor, possivelmente o maior clich Constitucional seja a expresso ativismo ju-dicial, ao lado de sua cara-metade, a autoconteno judicial. Arthur Schlesinger Jr categorizou os Juzes
da Corte Suprema do perodo do New Deal em 3 grupos: 1) aqueles que eram ativistas judiciais (judicial activists) (Justices Black, Douglas, Murphy e Rutlege), 2) aqueles que eram os campees da autoconteno (champions of self restraint) (Justices Frankfurter, Jackson e Burton), e 3) um grupo intermedirio (midle group) (Justices Reed e o Chief Justice Vinson).
Distinguiram-se os dois primeiros grupos de juzes da seguinte maneira: Um grupo [dos ativistas] mais
adepto do emprego do poder judicial para a sua prpria concepo sobre o bem social; o outro, mais adep-to da expanso de mirade de julgamentos para o Legislativo, mesmo se isso significar sustentar concluses
que eles particularmente condenem49.
Ou seja, o primeiro grupo ativistas judiciais (judicial activists) relacionava a Corte a um instrumento para consecuo de resultados sociais desejados, no qual a Suprema Corte poderia desenvolver um modelo de
ao afirmativa de promoo do bem-estar social (social welfare), enquanto o segundo grupo campees da autoconteno (champions of self restraint), relacionava o Tribunal a um instrumento que permitisse que os demais Poderes encontrassem os resultados que o povo queria, para o bem ou para o mal50.
Menciona-se sobre a referida publicao que Arthur Schlesinger Jr encontrou-se com o Justice Jackson aps este ter sido um dos responsveis pelas acusaes de Nuremberg, tendo entrevistado todos os juzes
da Suprema Corte com vistas a angariar material para sua publicao. Trabalhando para a revista Fortune,
fora incumbido de escrever um artigo sobre juzes fratricidas em uma corte que possua um novo presidente
(Fred Vinson). Aps a repercusso negativa da publicao, com os juzes zangados acerca do que fora publi-cado, Arthur Schlesinger Jr teria dito que muito mais simples escrever sobre pessoas mortas51.
everyone says, and hence signals his or her impatience with the maxims and categories that are shared within the community. It is at this point that we can provide a definition of the clich [...] that - demand too little of the senses. Cfr.: NORBERG, Jakob. The political theory of the clich: Hannah Arendt reading Adolf Eichmann. Cultural Critique, n. 76, fall p. 81, 2010.47 NORBERG, Jakob. The political theory of the clich: Hannah Arendt reading Adolf Eichmann. Cultural Critique, n. 76, fall 2010.48 Traduo livre do original: Phrases such as judicial activism, judicial restraint, strict construction, not legislating from the bench, framers intent, the dead hand of the past, and stare decisis so dominate public commentary on the Constitution and the courts that quite often that is all one hears. Unfortunately, even law professors are not immune. There was a time when each of these catch phrases meant something and, although each could mean something again, in current debates all have become trite and largely devoid of substance. In short, they have become clichs. Cfr.: BARNETT, Randy E. Constitutional clichs. Capital University Law Review, v. 36, n. 3, p. 492-510, 2008. p. 493.49 SCHLESINGER JR., Arthur M. The Supreme Court: 1947, Fortune, v. 35, p. 201, jan. 1947.50 SCHLESINGER JR., Arthur M. The Supreme Court: 1947, Fortune, vol. 35, p. 201-202, jan. 1947. 51 SCHLESINGER JR., Arthur M. A life in the 20th century: innocent beginnings, 1917-1950. New York: Houghton Mifflin, 2000;
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Conforme se observou h algum tempo, ativismo judicial seria uma expresso notoriamente despro-vida de qualquer significado consistente. Keenan Kmiec sintetiza alguns dos sentidos atribudos a expresso
ativismo judicial atravs dos anos: 1) Invalidao de Aes Constitucionais de outros Poderes, 2) Falha na
aderncia ao precedente, 3) Legislao judicial, 4) afastamento de metodologia interpretativa aceitvel, e, 5)
Julgado de resultado orientado52.
Como observado, a vinculao do termo ativismo judicial ao perodo do New Deal deixa claro que se trata de interferncia judicial sobre o legislativo, com a declarao de inconstitucionalidade, e geralmente tem
sido utilizada de maneiras as mais diversas, positivamente, negativamente at mesmo de maneira neutra53, mas
normalmente utilizada para criticar uma prtica judicial que deveria ser evitada por juzes e oposta ao p-blico. Passa a ser um clich Constitucional vazio. Falar em ativismo judicial tornou-se um etiquetamento
que se impe ao final de uma anlise metodolgica e substantiva de uma deciso judicial em particular54.
Um clich ainda pode ser descrito como um tipo de argumento que no um argumento, vazio de
sentido, e que as pessoas utilizam na esperana de vencer um dilogo sem que o argumento seja eventual-mente contestado, algumas vezes ligado a preguia de pensar, e outras vezes essa preguia de pensar mera-mente propicia a vulnerabilidade para o pensamento radical55, e tais clichs podem ser utilizados tanto por
liberais quanto por conservadores56.
J na dcada de 1980 observa-se que o Justice William Rehnquist, da Suprema Corte Americana, se preo-cupava com o fato de que a Corte pudesse estar trilhando um caminho de atuao por clichs57. O referido
Juiz menciona a definio dicionarista de clich, que trata do significado da palavra como expresso ou
frase banal ou estereotipada, afirmando que o problema com o clich no seria o fato de este representar
uma falseabilidade, mas sim o de representar uma simplificao daquilo que complexo, evitando-se que
se preste ateno a questes mais sensveis que esto inseridas naquilo que as discusses mais complicadas
remetem. Os clichs no substituem uma inverdade, propriamente dita, mas representam uma troca su-persimplificada por uma questo muito mais complexa58.
Lemas e frases curtas geralmente so utilizados na arena poltica em perodos eleitorais, mas ainda
nos anos 1980 temeu-se que tal estivesse ocorrendo na arena judicial, que teria sucumbido a tentao de
substituir anlises racionais profundas e pensamento sofisticado por clichs. Alegou-se que a nica ma-neira de evitar ser governado por clichs seria empreender uma discusso intensa e profunda de questes
importantes, conforme o exemplo do famoso debate Lincoln-Douglas no vero de 1858 sobre a deciso da
Suprema Corte no caso Dred Scott v. Sandford59.
Sintetiza-se o seguinte fragmento do pensamento do autor: Eu tenho muito receio que ao invs de
sentar e pensar cuidadosamente sobre o papel dos governos nacional, estadual e local, dos legislativos e do
judicirio em nossa sociedade, ns sucumbimos tentao de aceitar os clichs que os outros atribuem a
BARRETT, John Q. Arthur M. Schlesinger Jr.: in action, in archives, in history, 2007. Available at: . Accessed on: 17 aug. 2014.52 KMIEC, Keenan D. The origin and current meanings of judicial activism. California Law Review, v. 92, n. 5, oct. 2004.53 Esta afirmao de que a expresso pode ser utilizada de maneira neutra, positiva ou negativa refere-se respectivamente a uti-lizaes que valoram (positivamente ou negativamente) ou que simplesmente deixam de valora a expresso (limitando-se a relatar, com ares de indiferena).54 BARRETT, John Q. Arthur M. Schlesinger Jr.: in action, in archives, in history, 2007. Available at: . Accessed on: 17 aug. 2014. p. 495.55 GOLDBERG, Jonah. The tyranny of clichs: how liberals cheat in the war of ideas. New York: Sentinel, 2012. p. 1-4.56 GOLDBERG, Jonah. The tyranny of clichs: how liberals cheat in the war of ideas. New York: Sentinel, 2012. p. 17.57 REHNQUIST, William H. Government by clich: keynote address of the Earl F. Nelson lectures series, Missouri Law Review, v. 45, n. 3, summer 1980.58 REHNQUIST, William H. Government by clich: keynote address of the Earl F. Nelson lectures series, Missouri Law Review, v. 45, n. 3, summer 1980. p. 379.59 REHNQUIST, William H. Government by clich: keynote address of the Earl F. Nelson lectures series, Missouri Law Review, v. 45, n. 3, summer 1980. p. 380.
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estas inter-relaes60.
O argumento aqui o de que a expresso ativismo judicial tem sido manipulada para tentar retirar o
foco, e mesmo decompor a mais importante equao constitucional quando estivermos falando de efetiva
prtica decisria: se a Constituio foi cumprida, com respeito aos direitos fundamentais e deferncia espe-cial ao postulado democrtico que repousa no respeito a separao dos poderes.
So 4 elementos fundantes que o uso da expresso judicial activism, ativismo judicial tenta escamotear, e vem realizando sobre esse propsito um excelente trabalho. Se existe Colesterol bom no bom Ativismo
Judicial, logo a discusso que se encontra na parte subcutnea dessa camada argumentativa ser se existe
um Cumprimento da Constituio bom no bom Ativismo Judicial sem Colesterol, ou se existe uma Separao de Poderes boa no bom Ativismo Judicial sem Colesterol, ou se existe uma Democracia boa no bom Ativismo Judicial sem Colesterol, ou se existe Respeito aos Direitos Fundamentais bom no bom Ativismo Judicial sem Colesterol.
Mesmo quando se escrevem artigos longos, teses e dissertaes partindo-se de um dado construdo
como ativismo judicial, estaremos diante da tentativa de se complexificar um clich sem que essa
palavra seja de fato problematizada, questionada, debatida sua existncia, funo, estrutura e racionalidade
exausto.
Para utilizar um exemplo referido por William Rehnquist, basta observar as palavras esculpidas na en-trada principal do esplndido prdio que abriga a Suprema Corte Americana: Equal Justice Under Law, ou mesmo o lema cravado na entrada mais privativa do mesmo edifcio: Justice, Guardian of Liberty. Podem at ser lemas inspiradores, mas nada dizem por si mesmos acerca das questes mais bvias que podem surgir
sobre o sistema de administrao da justia dos Estados Unidos61.
Seria o caso de se complexificar um clich, se algum comeasse a divagar sobre Equal Justice Under Law ou sobre Justice, Guardian of Liberty sem questionar a raiz de onde se parte, ou como mencionado acima, sem que esta[s] palavra[s] seja[m] de fato problematizada[s], questionada[s], debatida[s] sua[s] existncias[s],
funo[es], estrutura[s] e racionalidade[s] exausto. Tal tentativa de complexificar em nada contribuir
para o debate srio, antes, servir para propagar a perpetuao de um fantasma, ter quase ajudado a criar
um hoax.
No se est a sustentar que qualquer discusso sobre ativismo judicial seja desnecessria. Bem en-tendido, est a se sustentar que quando ela, a expresso ativismo judicial se torna um clich, vazia de
significado por si mesma, sem que se questione o seu founding father (Arthur Schlesinger Jr) e sem que se problematize o contexto, as razes, os fundamentos, a funo, a estrutura, e todas as implicaes da advin-das, ento ai sim ser observada a discusso rasa e talvez desnecessria.
Para uma breve provocao, podemos partir de Miguel Reale na elementar e perturbadora alegao de
que o sentido de universalidade revela-se inseparvel da filosofia e que se deve procurar renovar as per-guntas formuladas, no sentido de atingir as respostas que sejam condies das demais62.
Os clichs fazem exatamente o contrrio, procurando etiquetar um lema, uma frase simplificadora que
tenha pretenso de finalizar uma questo antes mesmo de discuti-la, e a partir desse fundamento criado/
estabelecido, permitir que se aponham outros tijolos, argamassa e cimento, mas o destino j de antemo
conhecido. inexorvel. O edifcio rui como se tivesse sido construdo com utilizao de material impr-prio e/ou muitos defeitos de construo. Assim temos o ativismo judicial, o nosso Palace II63.
60 REHNQUIST, William H. Government by clich: keynote address of the Earl F. Nelson lectures series, Missouri Law Review, v. 45, n. 3, summer 1980. p. 381.61 REHNQUIST, William H. Government by clich: keynote address of the Earl F. Nelson lectures series, Missouri Law Review, v. 45, n. 3, summer 1980. p. 380.62 REALE, Miguel. Introduo filosofia. 4. ed. So Paulo: Saraiva, 2002. p. 1-3.63 Debalde a talvez desnecessria referncia, ante o fato pblico e notrio, fica o registro aos mais novos, pois fatos pblicos
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Observe-se, en passant, que o problema no o uso de/da metfora, alis muitas delas so utilizadas neste artigo. O problema, ou o perigo, quando a metfora passa a elidir o processo racional que est nos
limites da analogia que a metfora transmite64. Em seu melhor, as metforas auxiliam a moldar o pensamen-to conjurando imagens vivas para clarificar conceitos difceis, mas seu mal uso pode conduzir a imagens
equivocadas65, sendo certo que no desenvolvimento constitucional h uma mirade de possibilidades que as
metforas naturais e orgnicas obscurecem (casos de living tree e de living constitution no Constitucionalismo Americano) 66.
Observa-se que no novidade o fato de que o raciocnio jurdico a um s tempo analgico e taxon-mico, e que a metfora uma poderosa ferramenta para ambos. O poder da metfora tamanho que colore
e controla o pensamento subsequente sobre determinado assunto67.
A propsito, observando de perto o estudo lingustico da metfora e o discurso jurdico, ambos envol-vem paradoxos e apropriao, e o Direito uma disciplina que requer um alto grau de preciso lingustica
que a linguagem metafrica pode no fornecer. Alis, a metfora pode ser definida como o sistema de
transferncia, um processo de mudana semntica de um domnio para outro68. O problema da metfora,
por si mesma, alm do que j se mencionou, tambm o seu reducionismo e a sua simplificao. No caso
do ativismo judicial (colesterol do bom e do ruim), esse reducionismo e simplificao particularmente
significativo e facilmente observvel.
A excessiva simplificao de questes que no so to simples est inserida nas inmeras crticas feitas
por Lnio Streck, que afirma que ativismo judicial a vulgata da judicializao, e foi exatamente a partir
dessa alegao que passamos a suspeitar que a expresso um clich. Esse autor realiza crtica a Lus
Roberto Barroso e a Thamy Pogrebinschi, afirmando que h excesso de judicializao, e que quando diz
excesso no est admitindo um ativismo adequado ou necessrio, mas sim que ativismo vulgata de ju-dicializao. No h bom ou mau ativismo69. Excessiva simplificao tambm encontra reflexo na chamada
dificuldade crtica do Direito, como menciona o mesmo Lnio Streck:
rdua a misso de criticar. Mais fcil pegar um tema e partir dele, como se nada houvesse antes: saio escrevendo e... bingo!. E descrever e, quando muito dar uns palpites, algo do tipo fiz uma tese e saquei que a justia est com excesso de processos e, portanto, devemos limitar o acesso dos (e aos) utentes ou o artigo tal, da lei tal tem um furo e os utentes podem partir por ali para conseguirem pagar menos impostos[...]. Criticar o que tem sido feito no Direito no tarefa fcil. Escrever contra a communis opinio dureza. mais fcil seguir a correnteza do que nadar contra ela70
a partir dessa discusso que a expresso Ativismo Judicial tem pretenso simplificadora, e se tornou
de fato um clich constitucional, barato e vazio, e que deve urgentemente ser abandonado enquanto pre-
e notrios so datados no tempo e seu registro temporal atrelado a um determinado espao. Palace II foi um Edifcio residencial construdo na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro e que desabou parcialmente em 22 de fevereiro de 1998. H poca alegou-se de ma-neira miditica que teria sido utilizada areia de praia em sua construo, mas conforme dados contidos na sentena, aps anlise de inmeras percias, atribuiu-se o desabamento ao comprometimento das estruturas por erro de clculo e de construo, conforme registrado na Sentena do Juiz Heraldo Saturnino de Oliveira, nos autos n 98.001.184167-8, no Juzo da 33 Vara Criminal da Co-marca do Rio de Janeiro, Capital.64 SIRICO JR, Louis J. Failed constitutional metaphors: the wall of separation and the penumbra. University of Richmond Law Review, v. 45, p. 488, jan. 2011.65 JACKSON, Vicki C. Constitutional as living trees? Comparative Constitutional Law and Interpretative Metaphors. Fordham Law Review, v. 75, n. 2, p. 960, 2006.66 GARDNER, James. The states-as-laboratories metaphor in state constitutional law. Valparaiso University Law Review, v. 30, n. 2, p. 475-491, 1996. p. 475.67 FROOMKIN, Michael. The metaphor is the key: cryptography, the clipper chip, and the constitution. University of Pensilvania Law Review, v. 143, p. 709-897, 1995. p. 860.68 SZE-MAN SIMONE, Yeung. The rule of metaphor and the rule of law: critical metaphor analysis in judicial discourse and reason. 2010. 133 f. Thesis (Master of Philosophy) The University of Hong Kong, Hong Kong, 2010. p. 1-5.69 STRECK, Lnio Luiz. Compreender direito: como o senso comum pode nos enganar. So Paulo: RT, 2014. v. 2. p. 164-165.70 STRECK, Lnio Luiz. Compreender direito: como o senso comum pode nos enganar. So Paulo: RT, 2014. v. 2. p. 88-92.
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tenso de discusso acadmica, especialmente quando estamos a tratar de coisas to srias quanto decises
judiciais.
No se pretende, por meio deste estudo, banir a (s) palavra (s) ativismo judicial, ativismo judicial
bom, ativismo judicial mau para que a (s) coisa (s) desaparea (m), bem entendido. A esse propsito,
para compreenso do quanto necessrio, observe-se o luminoso texto de Lnio Streck (As Palavras e as Coi-sas na terra dos fugitivos) que denuncia certa falcia realista, deixando claro que as palavras no carregam
a essncia e nem portam seu prprio sentido, e de que no se aprisionam coisas dentro dos seus prprios
conceitos71.
Repita-se, no se sustenta aqui que se deixarmos de utilizar o termo ativismo judicial (bom, mau, co-lesterol) ele o ativismo judicial deixar de existir, com(o) aquilo que o termo denota no imaginrio
social72. Absolutamente, at porque, conforme observado pela j citada Clarissa Tassinari, no se observa
um acordo semntico mnimo sobre a expresso. Antes, sustentamos que o termo e sua utilizao prtica
tm sido empregados como um clich de modo a encerrar um debate antes mesmo dele se iniciar.
Sustenta-se que a expresso inadequada da maneira como utilizada, fora de contexto histrico e institu-cional, banalizada e com pretenso simplificadora. No parece adequada para acusao ou defesa de deciso
judicial (ativismo bom, ativismo ruim). Reclama-se densificao de sentidos, e exausto de debate sobre
todas as questes que a expresso aparenta camuflar. As crticas s decises judiciais devem ser constantes,
profundas e densificadas ao extremo, com sofistio e verticalidade.
Assim, tomamos clich tambm como a reproduo de uma figura j fechada, de uma frmula j co-nhecida, e que s aparece no interior de um contexto enunciativo, no interior de um discurso73. O prximo
item ir abordar a utilizao da expresso Ativismo Judicial e de como ela se torna um clich em Lus
Roberto Barroso, explorando manifestaes por ele externadas antes de se tornar Ministro do STF, e ainda,
manifestaes durante sua sabatina no Senado.
2.2. O ativismo judicial como clich constitucional em LRB
Para uma pequena digresso sobre o conceito de ativismo judicial especfico e contextualizado, re-ferente ao pensamento de Lus Roberto Barroso, verifica-se que esse professor e Ministro do STF definiu
o tema ativismo como uma atitude: um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituio, dela
extraindo regras no expressamente criadas pelo constituinte ou pelo legislador74. Sugestiona como sendo
algo bom: agir proativo, afastado da inrcia, criando norma que poderia ter sido criada apenas implicita-mente pelo legislador ou mesmo pelo constituinte.
Essa afirmao de Lus Roberto Barroso complementada por um raciocnio pretensamente sofisticado
que precisa ser aqui analisado. Esse Ministro do STF menciona que o Supremo Tribunal Federal tem de-sempenhado dois papis especficos, quais sejam: 1) papel contramajoritrio, e, 2) papel representativo. No
primeiro caso (papel contramajoritrio), alega que teria lugar quando o Poder Judicirio vier a sobrepor a sua
prpria valorao sobre a atuao do Executivo ou do Legislativo, seja declarando a inconstitucionalidade
71 O contexto do texto de Lnio Streck tocou a polmica palavra/expresso (e a polmica sobre o uso da palavra/expresso) periguetizao do direito, ou mais especificamente, a frase: Se o direito fosse fcil, seria periguete. Cfr.: STRECK, Lnio Luiz. Senso incomum: as palavras e as coisas na terra dos fugitivos. Conjur, 20 de maro de 2014. Disponvel em: . Acesso em: 01 set. 2014.72 STRECK, Lnio Luiz. Senso incomum: as palavras e as coisas na terra dos fugitivos. Conjur, 20 de maro de 2014. Disponvel em: . Acesso em: 01 set. 2014.73 SANTOS, Fernanda Ferreira dos. O clich como esvaziamento do discurso: uma leitura de Bouvard et Pcuchet, de Gustave Flaubert. Revista Litteris, n. 9, 2012.74 BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 20.
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de uma Lei ou existindo uma poltica pblica conduzida pela Administrao em relao a determinada
matria, o tribunal determina sua modificao ou uma poltica alternativa 75.
Lus Roberto Barroso menciona que essa competncia deve ser executada com grande cautela institucio-nal, sugerindo que juzes e tribunais devero ser deferentes para com as opes feitas pelo Congresso ou
pelo Presidente, mencionando ainda que decises polticas devem ser tomadas por quem tem voto, por
quem tem o batismo da representao popular, ressaltando que esse no seria o caso dos Ministros do STF76.
No entanto, Lus Roberto Barroso afirma que a pretenso de autonomia absoluta do direito em relao
poltica impossvel de se realizar, e que as solues para os problemas nem sempre so encontradas
prontas no ordenamento jurdico, precisando ser construdas argumentativamente por juzes e tribunais.
Afirma ainda que, em tais casos, a experincia demonstra que os valores pessoais e a ideologia do intrprete
desempenham, tenha ele conscincia ou no, papel decisivo nas concluses a que chega77.
Para uma minimamente adequada apreenso ideolgica de Lus Roberto Barroso, alm de suas prprias
palavras quando do depoimento por ocasio dos 70 anos da UERJ, indispensvel leitura e reflexo das 66
pginas que compreendem o prefcio78, a apresentao79 e a introduo80 da obra Direito Regulat-rio, de autoria de Diogo de Figueiredo Moreira Neto81, mas, neste estudo, nos ocuparemos especificamente
do item que possui o nome uma nota ideolgica, escrito pelo prprio autor.
Tal nota ideolgica precedida pelo enfoque acerca de duas maneiras de enxergar o mundo. Menciona
que Diogo de Figueiredo e ele (Lus Roberto Barroso) seriam originrios de lados opostos do espectro
poltico. Diogo seria um militante da causa da liberdade de iniciativa, do modo de produo capitalista e
um ctico sobre as potencialidades do Estado em sua atuao na rea econmica82.
J Lus Roberto Barroso se confessa como o oposto, pois vem de uma militncia de juventude que via o
Estado como o grande protagonista da transformao social. Menciona sobre si mesmo um excerto de anos
atrs, como marca que o caracterizaria:
Em meio aos escombros, existe no Brasil toda uma gerao de pessoas engajadas, que sonharam o sonho socialista, que acreditavam estar comprometidas com a causa da humanidade e se supunham passageiras do futuro. Compreensivelmente abalada, esta gerao vive uma crise de valores e de referencial. Onde se sonhou a solidariedade, venceu a competio. Onde se pensou a apropriao coletiva, prevaleceu o lucro. Quem imaginou a progressiva universalizao dos pases, confronta-se com embates nacionalistas e ticos. [...] indiscutvel: eles venceram83.
O autor faz uma sucinta resenha histrica da ditadura brasileira, e de tudo que isso representou para sua
gerao, e que a promulgao da Constituio de 1988 e a queda do Muro de Berlim, em outubro de
1989 mudariam o curso da histria. Nesse ltimo caso, pontua:
75 BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 20.76 BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 20-21.77 BARROSO, Lus Roberto. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposio sistemtica da doutrina e anlise crtica da jurisprudncia. 5. ed. So Paulo: Saraiva, 2011. p. 404.78 BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: o estado que nunca foi. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatrio. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 1-9.79 BARROSO, Lus Roberto. Apresentao. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatrio. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 11-14.80 BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: o estado que nunca foi. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatrio. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.15-66.81 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatrio. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.82 BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: o estado que nunca foi. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatrio. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 2.83 BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: o estado que nunca foi. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatrio. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 3, nota de rodap n. 2.
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A experincia com o socialismo real, que empolgara coraes e mentes pelo mundo afora, e que foi se-guida por mais de um tero da humanidade, desabava ruidosamente. Um sonho desfeito em autoritarismo,
burocracia, privilgios e pobreza. A crena ambiciosa na possibilidade de mudar o curso da histria e de ree-laborar a prpria condio humana, em nome de um projeto humanista e solidrio, virara cinzas. Ao menos naquele momento e por aquele modelo institucional84. (sem o destaque no original)
Menciona sua construo epistemolgica da histria do Brasil, afirmando herana patrimonialista oriun-da de atvica apropriao do espao pblico pelo interesse privado dos estamentos dominantes, e que sem
chegar jamais a ser verdadeiramente liberal, social e socialista, o Estado brasileiro chegara ao final do sculo
XX estigmatizado pela burocracia, ineficincia, apropriao privada, desperdcios de recursos pblicos, cor-rupo, seria o Brasil pr-2003, um Estado da Direita, e portanto do atraso social85.
Financiador dos ricos e favelizador ideolgico, haveria um exerccio inevitvel de desconstruo a
ser feito. Para Lus Roberto Barroso a redefinio do Estado brasileiro e o desmonte de determinadas
estruturas viciadas no constitui uma opo ideolgica, seria, para ele, uma inevitabilidade histrica. O
autor contra o Estado Mnimo86.
Ou seja, observa-se que, para Lus Roberto Barroso, o iderio utpico do Socialismo Real que ruiu com
a queda do Muro de Berlim teria virado cinzas ao menos naquele momento e por aquele modelo insti-tucional, sendo de se supor que ele poderia ser revigorado por meio de outra instituio (O Supremo
Tribunal Federal), num momento histrico em que ele, Lus Roberto Barroso, passa a ser um dos motores
da histria, por meio do instrumental dos valores pessoais e da ideologia que estariam presentes nas suas
futuras decises judiciais, como afirma o prprio autor.
Lus Roberto Barroso menciona ainda, que: todavia, quando a ao poltica contrariar, de modo inequ-voco, a Constituio, no haver alternativa, e que salvo uma ou outra deciso fora da curva, possvel
afirmar que o STF exerce, com bastante parcimnia, sua funo contramajoritria. Faltou apenas men-cionar o que seria considerado como fora da curva, e/ou o que seria contrariar de modo inequvoco a
Constituio87. Observa-se um dficit de densificao das palavras avaliatrias88.
Alega ainda que em muitas circunstncias, o STF tem exercido com mais frequncia seu papel
representativo (funo representativa). Isso seria exercer o atendimento de demandas sociais inequvocas
que no foram satisfeitas a tempo e a hora pelo processo poltico majoritrio, e que neste caso sua atua-o teria sido mais ativista, citando o exemplo do caso que equiparou as unies homoafetivas s unies
estveis convencionais, ou ao caso da autorizao de interrupo de gestao de fetos anenceflicos89.
Para Lus Roberto Barroso, ambas as situaes seriam casos em que direitos fundamentais ficariam para-lisados pela incapacidade de o legislativo editar lei que os regulamentasse, mas como os problemas existiam
na vida real, a criao judicial do Direito teria sido ou se tornado inevitvel, e que ningum vislumbraria
excessos nesses exemplos, mencionando que estariam mais prximos da fronteira as decises sobre a fide-lidade partidria, mas que, ainda assim, seria possvel vislumbrar uma imensa demanda social por reforma
84 BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: o estado que nunca foi. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatr