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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA BERNARDO BARCELLOS ARAÚJO A EXTENSÃO DA IMUNIDADE RECÍPROCA ÀS EMPRESAS ESTATAIS CURITIBA 2012

A Extensão Da Imunidade Recíproca Às Empresas Estatais - Bernardo Barcellos Araújo

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Extensão da imunidade recíproca às empresas estatais.

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  • CENTRO UNIVERSITRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

    BERNARDO BARCELLOS ARAJO

    A EXTENSO DA IMUNIDADE RECPROCA S EMPRESAS ESTATAIS

    CURITIBA 2012

  • BERNARDO BARCELLOS ARAJO

    A EXTENSO DA IMUNIDADE RECPROCA S EMPRESAS ESTATAIS

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado como requisito parcial obteno do grau de Bacharel em Direito, do Centro Universitrio Curitiba.

    Orientador: Prof. Maurcio Dalri Timm do Valle

    CURITIBA 2012

  • BERNARDO BARCELLOS ARAJO

    A EXTENSO DA IMUNIDADE RECPROCA S EMPRESAS ESTATAIS

    Monografia aprovada como requisito parcial para obteno do grau de Bacharel em Direito da Faculdade de Direito de Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos

    professores:

    Orientador: ___________________________

    ______________________________

    Prof. Membro da Banca

    Curitiba, de de 2012.

  • Este trabalho dedicado a todos aqueles que, de qualquer forma, ajudaram a constru-lo.

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente, agradeo a toda minha famlia, pelo amor incondicional que dedicam a mim e que espero corresponder altura. Agradeo, ainda, educao ortodoxa que me deram, pois, se no tivesse sido desta maneira, jamais seria capaz de saborear a vida. Esta a nica dvida que carrego comigo.

    Agradeo e dedico grande parte deste trabalho, Roberta Ribas, uma vez que me devoto a transformar o mundo num lugar melhor apenas para v-la sorrir. Agradeo novamente, pois voc me faz querer ser sempre um homem melhor.

    Agradeo, tambm, a famlia Ribas, pelas pessoas maravilhosas que so. Sou grato por todo carinho que me foi conferido durante estes ltimos anos, bem como por me permitirem fazer parte de suas vidas.

    Aos amigos, Fbio Meger, Leonardo Frota, Guilherme Cilio, Jos Umberto Sacchelli Moraes e William Weiss, por me cativarem a buscar no conhecimento as respostas para a vida, assim como na vida as respostas para o conhecimento, meu muito obrigado.

    Ao Professor Orientador Maurcio do Valle, que tanto me ensinou com as mais agradveis discusses sobre os mais diversos assuntos, agradeo-lhe com a mais profunda estima e admirao que posso oferecer: a de um amigo.

    Ao Professor Coorientador Smith Robert Barreni, deixo meu testemunho de respeito e afeio s lies de excelncia ministradas tanto em direito quanto em tica, pois, alm de inspirar em mim a paixo pelo Direito Tributrio, sempre me ensinou de maneira exemplar os ideais de disciplina, dedicao e persistncia, pelos quais serei eternamente grato.

    s colegas, Tayla Alves e Fernanda Loyola, pela ateno e companheirismo prestados ao longo desta caminhada, que sempre tiveram muito a oferecer, sem esperar receber nada em troca. Virtudes dignas de verdadeiras amigas.

    Finalmente, agradeo a Bukowski, por me ensinar que algumas coisas nunca mudam e, s vezes, nem devem mudar.

  • O mal que existe no mundo provm quase sempre da ignorncia, e a boa vontade, se no for esclarecida,

    pode causar tantos danos quanto a maldade. Os homens so mais bons que maus, e na verdade a questo no

    essa. Mas ignoram mais ou menos, e a isso que se chama virtude ou vcio, sendo o vcio mais desesperado o da ignorncia, que julga saber tudo e se autoriza, ento, a

    matar.

    - Albert Camus

  • RESUMO

    O presente trabalho objetiva demonstrar a incompetncia das Pessoas Jurdicas de Direito Pblico para tributar as Empresas Pblicas prestadoras de servio pblico, sob a tese de que a Imunidade Recproca, prevista no Art. 150, VI, a, CF/88, deveria ter aplicao estendida tambm s Empresas Estatais Ao longo da pesquisa, vamos analisar os aspectos gerais das normas jurdicas, trataremos especificamente das normas jurdicas tributrias, e finalmente, observaremos as normas de imunidade. Para tanto, faremos um breve aprofundamento sobre o instituto da competncia tributria a fim de fundamentar a anlise sobre as teorias de imunidade, a fim de esclarecer a incompetncia das pessoas polticas para instituir tributos. Esgotados estes assuntos, examinaremos o instituto da imunidade recproca, que determina a incompetncia dos entes polticos a tributarem-se uns aos outros, uma vez que este tipo de obrigao tributria inviabilizaria o devido funcionamento dos entes polticos. E sob este prisma que ser analisada a aplicabilidade da imunidade recproca sobre as empresas estatais, que, em alguns casos, atuam como se entes polticos fossem, geralmente, quando delegadas de prestar servios pblicos privativos em regime de monoplio (ao exemplo da Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos). Entretanto, tambm sero vistos casos diversos, em que a aplicabilidade seria exceo, estipulando devidas restries ao benefcio fiscal concedido s empresas estatais. Por fim, nos posicionaremos sobre o tema no sentido de que o Princpio da Imunidade Recproca deve, via de regra, se estender s Empresas Estatais, contudo, sempre comportando excees. Notvel, portanto, a importncia da tributao sobre a estrutura destas empresas, constituindo, assim, campo frtil discusso do tema ventilado neste projeto de pesquisa.

    Palavras-chave: Imunidade, Imunidade Recproca, Empresa Estatal, Incompetncia Tributria, Regime Jurdico, Aplicabilidade, Excees.

  • SUMRIO

    RESUMO .......................................................................................................................... 7 1 INTRODUO .............................................................................................................. 9 2 PREMISSAS .................................................................................................................. 11 2.1 NORMA JURDICA ..................................................................................................... 11 2.1.1 Normas Constitucionais ........................................................................................... 14 3 COMPETNCIA ............................................................................................................ 17 3.1 CARACTERSTICAS DA COMPETNCIA TRIBUTRIA ............................................ 24 3.1.1 Privatividade ............................................................................................................ 24 3.1.2 Indelegabilidade ....................................................................................................... 25 3.1.3 Incaducabilidade ...................................................................................................... 26 3.1.4 Inalterabilidade......................................................................................................... 27 3.1.5 Irrenunciabilidade ..................................................................................................... 28 3.1.6. Facultatividade ........................................................................................................ 29 4 IMUNIDADE TRIBUTRIA ............................................................................................ 31 4.1 ORIGEM HISTRICA ................................................................................................. 31 4.2 CONCEITO ................................................................................................................. 33 4.2.1 Imunidade como Norma de Incompetncia Tributria .............................................. 34 4.2.2 Destinadas a Situaes Especficas e Suficientemente Caracterizadas .................. 37 4.2.2.1 Imunidades aplicveis apenas aos impostos ........................................................ 38 4.2.3 Imunidades como Limitaes Constitucionais ao Poder de Tributar ...................... 40 4.2.4 Imunidades Definidas como Princpios Constitucionais e tambm como Circunstncias Extrajurdicas ......................................................................................... 41 4.2.5 Imunidades como Hipteses de No-incidncia Constitucionalmente Qualificadas 42 4.2.6 Consideraes Finais............................................................................................... 44 5 IMUNIDADE RECPROCA ............................................................................................ 46 5.1 PRINCPIO FEDERATIVO .......................................................................................... 48 5.2 PRINCPIO DA AUTONOMIA MUNICIPAL ................................................................. 50 5.3 PRINCPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ........................................................ 52 5.4 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................ 53 6 ADMINISTRAO PBLICA INDIRETA EMPRESAS ESTATAIS ............................ 56 6.1 EMPRESAS PBLICAS ............................................................................................. 57 6.2 SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA ...................................................................... 59 6.3 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................ 61 7 APLICABILIDADE......................................................................................................... 64 7.1 IMUNIDADE RECPROCA APLICADA S EMPRESAS ESTATAIS EM REGIME DE MONOPLIO.................................................................................................................... 66 7.2 IMUNIDADE RECPROCA APLICADA AOS SERVIOS ESSENCIAIS DAS EMPRESAS ESTATAIS EM REGIME DE CONCORRNCIA ........................................... 67 7.3 IMUNIDADE RECPROCA APLICADA S SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA PRESTADORAS DE SERVIOS PBLICOS E EXPLORADORAS E ATIVIDADE ECONMICA.................................................................................................................... 71 CONCLUSO................................................................................................................... 74 REFERNCIAS ................................................................................................................ 75

  • 9

    1 INTRODUO

    Neste trabalho, propomos o exame sobre a extenso do princpio da imunidade recproca s empresas estatais.

    Para tanto, analisaremos a teoria da norma jurdica, nos aprofundando sobre a norma jurdica tributria, captulo essencial para dissertarmos livremente ao longo deste trabalho acadmico.

    Esgotado este tema, vamos estudar o instituto da competncia tributria para, ento, podermos falar abertamente sobre as imunidades tributrias e todas as suas teorias, destacando-as, finalmente, como normas constitucionais que cuidam da incompetncia tributria dos entes polticos para instituir exaes.

    Vistos estes assuntos, passaremos a tratar sobre a imunidade especfica contida no art. 150, VI, a, da Constituio Federal da Repblica Federativa do Brasil, em que reside a imunidade recproca, estabelecendo a incompetncia dos entes polticos para tributarem uns aos outros, em razo dos princpios federativo e da autonomia municipal.

    Ao trmino da pesquisa sobre as imunidades, nos debruaremos sobre as empresas estatais empresas pblicas e sociedades de economia mista -, analisando seu conceito e aspectos, para, em nosso ltimo captulo, observarmos como se aplica a elas a imunidade recproca.

    O estudo sobre o fenmeno da aplicabilidade da imunidade recproca s empresas estatais compreende-se a partir do seguinte raciocnio: Quando uma empresa estatal criada, por meio de lei, para realizar a prestao de servio pblico ela recebe, por delegao, a competncia para exercer atividade tpica do estado, assim, se equiparando a ele em direitos e deveres.

    O problema que as empresas estatais devem, como expresso pelo legislador constituinte, obedecer ao regime jurdico de direito privado, ficando excludas, via de regra, do manto imunizante.

    Entretanto, se as empresas pblicas prestarem exclusivamente servio pblico por meio de delegao, no h que se impedir extenso da imunidade, uma vez que agem em nome do estado, prestando servio coletividade em nome do interesse pblico, tornando-se, assim, longa manus do ente poltico que delegou a

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    prestao de servio, por isso, dispensado de recolher tributos referentes aos seus fins essenciais.

    Exauridas estas noes introdutrias, vamos agora iniciar o estudo sobre a extenso do princpio da imunidade recproca s empresas estatais.

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    2 PREMISSAS

    As Imunidades Tributrias, inseridas na Constituio Federal da Repblica Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988, em seu artigo 150, da seo Das Limitaes do Poder de Tributar, sero objeto inicial de nossa pesquisa.

    Destarte, analisaremos a norma jurdica. Concluda esta tarefa, estudaremos o instituto da competncia tributria e ento, nos aprofundaremos sobre as teorias sobre a imunidade tributria. A imunidade especfica contida no inciso VI, alnea a, da Constituio, ser estudada em captulo especfico e, como veremos posteriormente, sua aplicabilidade sobre as empresas pblicas, matria esta, que foi decidida e pacificada pela jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal.

    Neste tpico de premissas, dedicaremos nossa ateno ao estudo da norma jurdica em geral e, finalmente, examinaremos a norma jurdica tributria, parte essencial para compreenso de nosso estudo.

    2.1 NORMA JURDICA

    Todo o direito contemporneo se fundamenta no positivismo jurdico, que associa a ideia de justia validade da norma jurdica, em decorrncia da vontade do legislador. Logo, se uma norma vlida, ela justa. Para a norma ser vlida, ela deve estar includa no ordenamento jurdico, que um agrupamento de normas hierarquizadas. Mas o que uma norma?

    A norma jurdica, para Norberto Bobbio, uma proposio prescritiva 1. Salientamos, ainda, que a norma deve conter um enunciado que determina condutas humanas queles a quem se dirige.

    1 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. 1. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 52-54. Do

    ponto de vista formal, que aqui elegemos, uma norma uma proposio. Um cdigo, uma constituio so um conjunto de proposies. Trata-se de saber qual o status das proposies que compem um cdigo, uma constituio. A tese aqui sustentada a de que as normas jurdicas pertencem categoria das proposies prescritivas..

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    Para Hans Kelsen, a norma aquele ato ou fato jurdico que alm de regular condutas humanas, deve objetivamente ter relevncia ao mundo jurdico, e que foi previsto num enunciado legal 2.

    Dito isso, a norma deve ento ser includa no universo jurdico, para que produza seus efeitos.

    O universo jurdico nada mais do que um conjunto de normas, que, por sua vez, formam um ordenamento. Do ordenamento surge o sistema. Geraldo Ataliba ensina que (...) as constituies nacionais formam sistemas, ou seja, conjunto ordenado e sistemtico de normas construdo em torno de princpios coerentes e harmnicos, em funo de objetivos socialmente consagrados. 3. Este sistema, como dito por Geraldo Ataliba, tambm hierarquizado, ou seja, contm normas que possuem diferentes valores e, da mesma forma, todas estas normas detm poder, umas sobre as outras. Logo, se existem normas superiores e inferiores dentro de um ordenamento, de onde advm o poder delas?

    O raciocnio esboado por Hans Kelsen o seguinte: Uma norma que representa o fundamento de validade de outra norma figurativamente designada como norma superior, por confronto com uma norma que , em relao a ela, norma inferior. 4. Mas at onde isto se estende? Seria esta uma reduo infinita? O fundamento de validade do direito no teria, ento, validade?

    Hans Kelsen responde todas estas perguntas atravs da norma fundamental (Grundnorm).

    Explica:

    Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que no pode ser posta por uma autoridade, cuja competncia teria de se fundar numa norma ainda mais elevada. A sua validade j no pode ser derivada de uma

    2 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8.ed. So Paulo: Wmf Martins Fontes, 2009. p. 2/4. Se

    analisarmos qualquer dos fatos que classificamos de jurdicos ou que tm qualquer conexo com o direito (...) poderemos distinguir dois elementos: primeiro, um ato que se realiza no espao e no tempo, sensorialmente perceptvel, ou uma srie de tais atos, uma manifestao externa de conduta humana; segundo, a sua significao jurdica, isto , a significao que o ato tem do ponto de vista do Direito.. E, continuando o desenvolvimento do raciocnio, O que transforma este fato num ato jurdico (lcito ou ilcito) no a sua facticidade, no o seu ser natural, isto , o seu ser tal como determinado pela lei da causalidade e encerrado no sistema da natureza, mas o sentido objetivo que est ligado a esse ato, a significao que ele possui. O sentido jurdico especfico, a sua particular significao jurdica, recebe-a o fato em questo por intermdio de uma norma que a ele se refere com o seu contedo, que lhe empresta a significao jurdica, por forma que o ato pode ser interpretado segundo esta norma. A norma funciona como esquema de interpretao.. 3 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributrio Brasileiro. So Paulo: RT, 1968. p. 3.

    4 KELSEN, 2009, Ibid., p. 215.

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    norma mais elevada, o fundamento da sua validade j no pode ser posto em questo. Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, ser aqui designada como norma fundamental (Grundnorm). (grifos originais). 5.

    Assim, no h que se falar em insegurana jurdica, vez que o sistema confere validade ao prprio sistema.

    Desta maneira, conclui Hans Kelsen,

    A procura do fundamento de validade de uma norma no como a procura da causa de um efeito um regressus ad infinitum; ela limitada por uma norma mais alta que o fundamento ltimo de validade de uma norma dentro de um sistema normativo, ao passo que uma causa ltima ou primeira no tem lugar dentro de um sistema de realidade natural. (grifos originais). 6.

    Anote-se, ainda, que a norma fundamental no a Constituio Federal e muito menos est expressa nela. A norma fundamental o fundamento que d origem e validade para o sistema 7. Nas palavras de Hans Kelsen, A fora de obrigatoriedade da norma fundamental , ela prpria, auto evidente, ou, pelo menos, presume-se que o seja. 8. Nascendo da, todo o direito. Assim, da norma fundamental surgem novas normas e com estas, novas obrigaes, devidamente qualificadas e hierarquizadas dentro do sistema.

    Diante disso, toda a matria tributria tratada dentro da Constituio, e mais uma vez, nos elucida Geraldo Ataliba,

    , pois, universal e necessria a presena de disposies que cuidem da matria tributria, nas constituies modernas. O conjunto delas, harmonizado com certos outros princpios constitucionais mais genricos, forma o que se designa por sistema constitucional tributrio, oferecendo o quadro geral informador das atividades tributrias, ao mesmo tempo que a colocao essencial das posies, demarcaes e limites dentro dos quais e segundo os quais se desenvolve a trama tributria, ou les trois manches de la partie que se joue entre le contribuable et le fisc, [as trs rodadas9 da partida jogada entre o contribuinte e o fisco], como saborosamente o diz

    5 Ibid., p. 217.

    6 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 5.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2007. p.

    163. 7 KELSEN, loc. cit.

    8 KELSEN, Ibid., p. 164.

    9 Traduo escolhida para a palavra que tambm pode significar conjunto, srie, grupo.

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    Trotabas, isto , a disciplina das faculdades do poder tributante e as garantias e direitos do contribuinte. (traduo nossa) 10.

    Posto isto, fica claro que toda a matria tributria deve se operar dentro do campo traado pelo legislador constituinte. Logo, concluda esta passagem, vamos agora analisar a incluso da norma imunizante dentro do sistema constitucional, para darmos seguimento ao nosso estudo.

    2.1.1 Normas Constitucionais

    As Imunidades tributrias so normas expressas dentro da Constituio, ou seja, normas de estrutura que delimitam a aplicabilidade de normas inferiores, como no caso, as normas infraconstitucionais.

    Por estarem inseridas no corpo da Lei Maior, elas trazem em si uma carga material de relevante importncia e interesse ao Sistema Constitucional Tributrio. Ao mesmo tempo, as Imunidades exprimem a vontade do legislador constituinte originrio de assegurar garantias aos contribuintes, bem como a buscar a consecuo dos valores que contempla ao Estado de direito.

    necessrio, ainda, acrescentar a classificao entre as regras de estrutura e regras de conduta, que nos ensina Paulo de Barros Carvalho,

    Os tericos gerais do direito costumam discernir as regras jurdicas em dois grandes grupos: normas de comportamento e normas de estrutura. As primeiras esto diretamente voltadas para a conduta das pessoas, nas relaes de intersubjetividade; as de estrutura ou de organizao dirigem-se igualmente para as condutas interpessoais, tendo por objeto, porm, os comportamentos relacionados produo de novas unidades dentico-jurdicas, motivo pelo qual dispem sobre rgos, procedimentos e estatuem de que modo as regras devem ser criadas, transformadas ou expulsas do sistema. (grifos originais). 11.

    Diante disso, conclui-se que as normas de imunidade classificam-se como normas de estrutura, em razo de estabelecerem, explicitamente, a proibio 10

    ATALIBA, 1968, p. 9. 11

    CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributrio. 23.ed. So Paulo: Saraiva, 2011. p. 187.

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    referente edio de outras normas que visem a tributar as hipteses em si consagradas.

    Outrossim, estas caractersticas conferem a elas status de normas autoaplicveis, pois incidem diretamente sobre seus beneficiados sem embargos de qualquer espcie. Ainda, necessrio citar o seguinte ensinamento de Roque Antonio Carrazza,

    Impende notar que a imunidade ampla e indivisvel, no admitindo nem por parte do legislador (complementar ou ordinrio), nem do aplicador (juiz ou agente fiscal), (...), a no ser, claro, que j esto autorizados na prpria Lei Maior. 12.

    Desta maneira, elas no so passveis de restries e, ou, meios-termos, em razo de sua essncia, ou melhor, porque assim desejou o legislador constituinte.

    As Imunidades tributrias so espcies normativas nicas, apenas encontradas na Constituio ptria, que, em virtude de sua rigidez e taxatividade, conferiu a elas superioridade hierrquica, que as diferem e as tornam inflexveis frente a quaisquer novas leis ou atos normativos que venham a ser editados ou expedidos.

    Frise-se tambm aqui, que as Imunidades so clusulas ptreas, intocveis pelas Emendas Constitucionais, uma vez que elas asseguram a forma Federativa de Estado (art. 60, 4, I, CF), que ser examinada em tpico futuro.

    Portanto, quando Paulo de Barros Carvalho ensina que as Imunidades so uma classe finita e imediatamente determinvel de normas jurdicas, ele se refere ao contexto em que elas se encontram por estarem inseridas dentro da Constituio Federal, em seu art. 150, estabelecendo as Limitaes do Poder de Tributar. Vale mencionar que referida seo que foi erroneamente definida pelo constituinte, posto que no limita o Poder de Tributar, pelo contrrio, especifica os limites e a abrangncia da Competncia Tributria, a qual dedicamos captulo exclusivo para seu estudo.

    12

    CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributrio. 27.ed. So Paulo: Malheiros, 2011. p. 778

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    3 COMPETNCIA TRIBUTRIA

    Chegamos aqui, ao ponto mais importante sobre o exame da norma imunizante. Porm, antes de analisarmos a incompetncia tributria nas hipteses de imunidade, vamos estudar a competncia tributria lato sensu. Reconhecendo a relevncia do tema, nos cabe explica-lo minuciosamente ao leitor.

    Segundo Paulo de Barros Carvalho, competncia tributria uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que so portadoras as pessoas polticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produo de normas jurdicas sobre tributos. 13. Sendo assim, conseguimos vislumbrar pela leitura da transcrio que a competncia deriva do poder constituinte originrio, logo, deriva tambm da norma fundamental, portanto, detm poder para instituir, modificar e/ou revogar normas que tratem sobre matria tributria.

    Contudo, a competncia matria controvertida, porque, em razo de uma impreciso lingustica do constituinte, muitos entendem e associam competncia funo legislativa 14, bem como quanto sua aplicao, como ensina Cristiane Mendona.

    Tudo isso, porque a Competncia Tributria reside na Seo II, do ttulo VI da Constituio Federal, chamada Das Limitaes do Poder de Tributar. Ocorre que, em virtude deste descuido do constituinte, os conceitos de Poder e Competncia conflitam, causando confuso queles que os interpretam.

    Cristiane Mendona esclarece que estes dois institutos divergem no seguinte ponto: Enquanto o poder no sofre limitao jurdica alguma, a competncia nasce limitada, exatamente por ser disciplinada pelo Direito. 15. Assim, fundamental a distino para mantermos o rigor exigido pelo estudo cientfico.

    Logo, conclumos que a competncia advm do poder. Explica-nos Alfredo Augusto Becker,

    A capacidade de agir (Poder) dos indivduos, em fase dinmica (atividade), converge para o centro de gravidade (Bem Comum autntico ou falso) e

    13

    COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributrias: Teoria e Anlise da Jurisprudncia do STF. 1.ed. So Paulo: Malheiros, 2001. p. 111. 14

    MENDONA, Cristiane. Competncia Tributria. 1. ed. So Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 28. 15

    Ibid, p. 40.

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    deste irradia-se. O fenmeno da transindividualizao da capacidade de agir (Poder) dos indivduos ocorre precisamente naquele momento em que ela se irradia de um nico centro de convergncia (Bem Comum). E transindividualizando-se, aquele Poder (capacidade de agir) deixa de ser o do indivduo e passa a constituir o Poder (capacidade de agir) do Ser Social Estado gerado (criao continuada) pelos indivduos. (grifo original). 16.

    Diante disso, entende-se que do Poder emana a Competncia, e esta repartida entre os entes polticos, como o prprio Alfredo Augusto Becker a define, em citao de Jos Roberto Vieira, Esta parcela de Poder a competncia. 17.

    O Estado, nas palavras de Jos Afonso da Silva,

    Constitui-se de quatro elementos essenciais: um poder soberano de um povo situado num territrio com certas finalidades. E a constituio, como dissemos antes, o conjunto de normas que organizam estes elementos constitutivos do Estado: povo, territrio, poder e fins. (grifos originais) 18.

    A forma de Estado escolhida pelo Brasil a Federativa, (...) caracterizada pela unio de coletividades pblicas dotadas de autonomia poltico-constitucional (...) 19, assim dividida em Estados (ou Estados-membros), e que, quando reunidos, constituem a Unio.

    Anote-se que os Municpios e o Distrito Federal so, pois, pessoas polticas autnomas das mencionadas acima, e no se submetem pelo menos em tese a qualquer uma das outras pessoas polticas de direito pblico.

    Diante disso, conclui-se que, pela forma federativa, o Estado brasileiro comporta em sua estrutura uma organizao de pessoas polticas, e cada uma destas detm competncia, ou seja, sua parcela de Poder, que, aps ter sido outorgada do povo para o Estado, repartida entre os seus integrantes.

    A repartio de competncias entre a Unio e os Estados-membros constitui o fulcro do Estado Federal, e d origem a uma estrutura estatal complexa, que apresenta, a um tempo, aspectos unitrio e federativo. unitrio enquanto possui um nico territrio que, embora dividido entre os

    16

    BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributrio. 3.ed. So Paulo: Lejus, 1998. p. 185-186. 17

    BECKER, 1972 apud VIEIRA, Jos Roberto in TRRES, Heleno Taveira. Teoria Geral da Obrigao Tributria: Estudos em Homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. 1.ed. So Paulo: Malheiros, 2005. p. 619. 18

    SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29.ed. So Paulo: Malheiros, 2007. p. 98. 19

    Ibid., p. 99.

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    Estados-membros, est submetido ao poder da Unio no exerccio da competncia federal, e ainda uma s populao, formando um nico corpo nacional, enquanto regida pela constituio e legislao federais. federativo (associativo), enquanto cabe aos Estados-membros participar na formao da vontade dos rgos federais (especialmente no Senado Federal, que se compe de representantes dos Estados, art. 46 da Constituio, e tambm pela participao das Assemblias Legislativas estaduais no processo de formao das emendas constitucionais, art. 60, III) e enquanto lhes conferida competncia para dispor sobre as matrias que lhes reserva a Constituio Federal, com incidncia nos respectivos territrios e populaes. Com isso, constituem-se no Estado federal duas esferas governamentais sobre a mesma populao e o mesmo territrio: a da Unio e a de cada Estado-membro. (grifos originais) 20.

    Dito isso, acrescentamos que os Municpios tm tambm sua esfera de competncia, porm esta diverge do princpio federativo, sendo regida pelo princpio da autonomia municipal. Os estudos sobre o princpio federativo e princpio da autonomia municipal sero aprofundados quando tratarmos especificamente sobre a imunidade recproca.

    Esta breve recapitulao sobre o estudo do direito constitucional brasileiro nos serviu para compreender os fundamentos da competncia tributria.

    Nesta esteira, refora o desenvolvimento de nosso raciocnio, Cllio Chiesa, dizendo que,

    O Estado brasileiro optou por adotar a forma federativa de Estado, atribuindo Unio, aos Estados-membros, Distrito Federal e Municpios competncia Legislativa. O constituinte originrio repartiu, ento, entre essas unidades jurdicas, a capacidade poltica. Isto , outorgou-lhes a possibilidade de editar comandos normativos sobre assuntos de sua competncia. 21.

    Pelo exposto, verifica-se que a competncia pode instituir a cobrana de exaes por meio de lei. Instituto diverso a capacidade, que, por meio de lei, fiscaliza (as situaes passveis de serem tributadas), exige (o tributo devido, no caso de constatado o dbito tributrio) e arrecada (os tributos devidos).

    Roque Antonio Carrazza explica que a Competncia Tributria a aptido para criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipteses de incidncia, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de clculo e

    20

    SILVA, 2007, p. 101. 21

    CHIESA, Cllio. A Competncia Tributria do Estado Brasileiro: Desoneraes Nacionais e Imunidades Condicionadas. 1.ed. So Paulo, Max Limonad, 2002. p. 26.

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    suas alquotas 22. Desta afirmao, questionamos o seguinte, aonde criado o tributo?

    Neste ponto, nos reservamos a adotar teoria de Jos Souto Maior Borges, tambm abraada por Jos Roberto Vieira, que, por sua vez, destaca que a Constituio cria tributos, ao contrrio do entendimento majoritrio da doutrina.

    As teses se dividem em duas, uma diz que a Constituio Federal no criou tributos, apenas outorgou competncia para tanto, e a outra, por ns adotada, estabelece que os tributos foram concebidos dentro da Carta Magna.

    Jos Roberto Vieira, em seu artigo E, Afinal, A Constituio Cria Tributos!, elucida o debate afirmando o seguinte,

    Em nenhum momento da sua brilhante advocacia da tese, Jos Souto Maior Borges declarou plenamente institudo o tributo no Cdigo Maior. Teve sempre a cautela e a sutileza prprias da preciso cientfica, que reconhecidamente o caracteriza, para dizer iniciada a criao do tributo com a outorga de competncia. Algo insuficiente, admite, mas que j algo; pois insuficiente no equivale a inexistente. 23,

    Desta forma, apesar de insuficiente, a criao do tributo se inicia na Constituio, assim, o legislador constituinte delegou competncia pr-estabelecida ao legislador infraconstitucional exceto nas hipteses de competncia residual -, para instituir normas tributrias. Verificamos estar correta esta assertiva atravs da seguinte lgica: se o tributo reconhecido pela sua base de clculo e por seu aspecto material, como ensina Geraldo Ataliba 24, a denominao das hipteses de incidncia (ao exemplo de: auferir renda, prestar servio, comercializar mercadorias e/ou servios), deu incio a criao do tributo.

    Neste sentido, argumenta Jos Roberto Vieira que,

    (...) ao discriminar as competncias tributrias, o legislador da Carta Magna no se restringiu a mencionar o nomem juris dos tributos, mas j estabeleceu algo de sua hiptese de incidncia, pelo menos do ncleo do seu critrio material. (grifos originais) 25.

    22

    CARRAZZA, 2011, p. 533. 23

    VIEIRA in TRRES, 2005, p. 637-638. 24

    ATALIBA, Geraldo. Hiptese de Incidncia Tributria. 6.ed. So Paulo: Malheiros, 2011. p. 130. 25

    ATALIBA, 2011, p. 130.

  • 20

    Todavia, a norma competncia tributria est estruturada e tem seus limites desdobrados em duas vertentes. Uma delas se atm a estabelecer os limites matrias da norma, e a outra, aos seus limites formais.

    Lembrando que a competncia pode ser obrigatria ou facultada ao ente poltico que a exerce, Cristiane Mendona a estrutura nos seguintes termos;

    Deve-ser a autorizao (permisso) para distintos sujeitos de direito (ocupantes de rgos unipessoais ou colegiais), de acordo com determinados limites formais (relativos ao procedimento) e materiais (concernentes substncia dos enunciados a serem criados), editarem e revogarem (parcial ou totalmente) enunciados prescritivos instituidores de tributos e o dever jurdico de a comunidade respeitar o exerccio de tal permisso (faculdade), em consonncia com os limites previstos no sistema.

    (...)

    Deve-ser a autorizao (imposio-obrigatoriedade), para distintos sujeitos de direito (ocupantes de rgos unipessoais), de acordo com determinados limites formais (relativos ao procedimento) e materiais (concernentes substncia dos enunciados a serem criados), editarem e revogarem (parcial ou totalmente) enunciados prescritivos instituidores de tributos e o direito subjetivo de a comunidade exigir o cumprimento da imposio (obrigatoriedade) em consonncia com os limites previstos no sistema. (grifo nosso). 26.

    Logo, nos deparamos com uma autorizao para editar normas, decorrendo desta um dever de obedincia daqueles a quem ela se dirige, ficando estes obrigados para com o ente tributante, bem como outra autorizao, que, por sua vez, decorre a obrigao do ente tributante para com seus contribuintes.

    Outrossim, em seus limites materiais, a norma de competncia descreve qual ser a matria, propriamente dita, a ser tributada. Como j mencionado antes, temos os exemplos de auferir renda, prestar servio, comercializar produto e/ou servio. O mesmo se aplica s outras espcies tributrias, no s aos impostos.

    Os limites formais impem a legislao, arrecadao e a execuo destes supramencionados. Assim, notamos que estes limites estruturais se complementam e instruem a composio das normas de competncia.

    26

    MENDONA, 2004, p. 70.

  • 21

    Ressaltamos que a norma tributria deve observar os limites institudos pela prpria Constituio, ao exemplo das imunidades aqui tratadas, bem como das garantias asseguradas ao contribuinte tambm em seu art. 5, que visam a assegurar os fins objetivados pelo sistema constitucional.

    Destacamos, ainda, que a pedra de toque da competncia se resguarda na observncia do princpio da legalidade, mais precisamente, da estrita legalidade tributria.

    O princpio da legalidade encontra-se disposto no art. 5, II, da Constituio: ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei. O princpio da estrita legalidade tributria, por sua vez, se encontra disposto no art. 150, da Constituio Federal: Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedado a Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios: I exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabelea.

    Veja que no obstante a previso legal do art. 5, o legislador constituinte esculpiu, novamente, no corpo do Texto Maior esta garantia aos contribuintes, a fim de assegurar os direitos destes.

    Apenas normas competentes so vlidas, esto vigentes, e podem ser aplicadas dentro do nosso ordenamento, ao passo de que todas elas homenageiam o princpio da segurana jurdica. Se analisadas de maneira inversa, ou, se inobservados quaisquer um destes requisitos normativos, a norma estar passvel de ter declarada sua inconstitucionalidade.

    Observados estes limites, Roque Antonio Carrazza explica que o ente poltico dotado de competncia tributria pode, exercendo a atividade legislativa,

    (...) aumentar a carga tributria (agravando a alquota ou a base de clculo do tributo, ou ambas), diminu-la (adotando o procedimento inverso), ou, at, suprim-la, atravs da no-tributao pura e simples ou do emprego do mecanismo jurdico das isenes. Pode ainda, perdoar dbitos tributrios j nascidos ou parcela-los, anistiando, se entender que o caso, as eventuais infraes tributrias cometidas. 27.

    Assim, exercendo a competncia conforme esta seja necessria para concretizar suas necessidades financeiras.

    27

    CARRAZZA, 2011, p. 535.

  • 22

    Por fim, esclarece Roque Antonio Carrazza que (...) o tributo s vai irromper, in concreto, quando, tendo uma lei traado, cuidadosamente, todos os aspectos da norma jurdica tributria (...) 28, devendo, necessariamente, serem editadas normas que tratem exaustivamente do tributo. Neste momento, cessa o campo de atividade da competncia, e d-se lugar capacidade tributria ativa que arrecada, fiscaliza e executa o tributo institudo.

    3.1 CARACTERSTICAS DA COMPETNCIA TRIBUTRIA

    Discorridas as linhas gerais da competncia, examinaremos seus aspectos, como os estabeleceu Roque Antonio Carrazza. Segundo o autor, existem seis aspectos que definem este instituto, sendo estes a (i) privatividade; (ii) indelegabilidade; (iii) incaducabilidade; (iv) inalterabilidade; (v) irrenunciabilidade; e (vi) facultatividade do exerccio, que sero estudados a seguir.

    3.1.1 Privatividade

    Em primeiro lugar, constatamos que a privatividade a caracterstica que determina a exclusividade da competncia a determinado ente poltico. Nas palavras de Roque Antonio Carrazza, No Direito Brasileiro, a Unio, os Estados, os Municpios e o Distrito Federal, no tocante instituio de tributos, gozam de privatividade ou, se preferirmos, de exclusividade. (g.o). 29, sendo assim, cada ente poltico dotado de competncia nica e exclusiva sobre o tributo que lhes foi entregue pelo constituinte.

    Ensina novamente Roque Antonio Carrazza;

    As normas constitucionais que discriminam as competncias tributrias encerram duplo comando: 1) habilitam a pessoa poltica contemplada e

    28

    Ibid., p. 535-536. 29

    CARRAZZA, 2011, p. 550.

  • 23

    somente ela a criar, querendo um dado tributo; e 2) probem as demais de virem a institu-lo. Efetivamente, a reserva de competncia tributria importa, a contrario sensu, interdio, que resguarda a eficcia de sua singularidade. Ao mesmo tempo em que afirma a aptido daquela pessoa poltica para criar aquele determinado tributo, nega a das demais para fazerem o mesmo, ou seja, para o institurem. clusula vedatria implcita, de endereo erga omnes, salvo claro, o prprio destinatrio da faculdade: a pessoa poltica competente, nos termos da Constituio Federal. (g.o.) 30.

    Diante disso, conclui-se que a privatividade, pelo seu duplo comando, constitui a inviolabilidade de seu direito para tributar.

    Finalmente, aduzimos que no h de se falar em bitributao em matria de competncia, pois se um ente cobiar instituir a sua cobrana estaria, assim, ultrapassando os limites de sua prpria competncia, fato passvel de invalidao por configurar afronta a Lei Maior.

    3.1.2 Indelegabilidade.

    Outra caracterstica da competncia tributria a sua indelegabilidade. A competncia atribuda a cada ente pelo constituinte originrio e esta no pode ser outorgada para outros entes polticos, quer no todo, quer em parte, ainda que por meio de lei. 31.

    Ainda, como nos explica Paulo de Barros Carvalho, conclumos que se o legislador constituinte teve a inteno de instituir o sistema tributrio constitucional de forma exaustiva para alcanar a sua rigidez, e, estando contidas a as competncias tributrias, este o fez para evitar o seu colapso.

    Desta maneira,

    (...) a ilao imediata em termos de reconhecer a vedao da delegabilidade, bem como a impossibilidade de renncia. Que sentido haveria numa discriminao rigorosa de competncias, quando se permitisse que uma pessoa delegasse a outra as habilitaes recebidas? 32.

    30

    CARRAZZA, loc. cit. 31

    Ibid., p. 708. 32

    CARVALHO, 2011, p. 274.

  • 24

    No apenas careceria de sentido, como tambm iria estagn-lo. Note-se que, alm de indelegvel, impossvel mesmo que se operada atravs da via legislativa, em razo do princpio da segurana jurdica.

    Neste sentido, leciona Roque Antonio Carrazza que,

    As normas constitucionais que partilham as competncias tributrias poderiam ser, a qualquer momento, alteradas por normas infraconstitucionais e, longe de se imporem s pessoas polticas, oscilariam a bel-prazer da vontade de seus legisladores ordinrios. Na parte tributria, pelo menos, a Constituio Federal, de rgida, transformar-se-ia em flexvel. Haveria, com efeito, a a possibilidade de alterao constante do modelo constitucional por parte daqueles que deveriam obedec-lo e coloc-lo em funcionamento. 33.

    Logo, resta claro que esta estirpe principiolgica torna a indelegabilidade da competncia elemento essencial para a Constituio de um Estado democrtico de direito.

    3.1.3 Incaducabilidade

    A incaducabilidade caracteriza a impossibilidade de que as normas editadas pelos entes polticos competentes venham a perder sua validade com o decorrer do tempo.

    Cristiane Mendona nos explica (...) que a competncia para produzir normas jurdico-tributrias incaducvel, pois, normalmente, inexiste marco temporal para o seu exerccio, fixado na regra autorizadora. 34, e, alm disto, oportuno lembrar que a incaducabilidade assegura a validade da competncia, mesmo que no exercitada, constituindo-a atemporal, pelo menos enquanto vigente a Constituio Federal.

    33

    CARRAZZA, 2011, p. 716. 34

    MENDONA, 2004, p. 283.

  • 25

    Nesta esteira, nos ensina Maurcio Dalri Timm do Valle; O decurso do tempo no circunstncia que impea a pessoa poltica titular da competncia tributria de exercit-la. Logo, a competncia tributria incaducvel. 35.

    Por fim, trazemos esta breve considerao de Paulo de Barros Carvalho, para quem,

    A Constituio existe para durar no tempo. Se o uso da faixa de atribuies fosse perecvel, o prprio Texto Supremo ficaria comprometido, posto na contingncia de ir perdendo parcelas de seu vulto, medida que o tempo flusse e os poderes recebidos pelas pessoas polticas no viessem a ser acionados, por qualquer razo histrica que se queira imaginar. 36.

    Diante disso, conclumos que o poder, mesmo que inativo, no deixa de existir, tendo os entes polticos ao seu dispor competncia para ser exercida ao tempo de sua vontade.

    3.1.4 Inalterabilidade

    O aspecto da inalterabilidade da competncia diz respeito vezes a impossibilidade de alterao da competncia legislativo-tributria, no plano infra-constitucional, pela pessoa poltica que a titulariza 37, posio adotada por Roque Antonio Carrazza, e tambm a impossibilidade de alterao das regras de produo normativa pelo legislador de reforma constitucional. 38, posio esta, adotada por Paulo de Barros Carvalho. Impende acrescentar que ambos os doutrinadores tm razo em seus pontos de vista, cabendo a ns estudarmos a abrangncia da inalterabilidade, tanto na esfera constitucional, quanto na infraconstitucional.

    Primeiramente, vamos examinar a inalterabilidade no mbito constitucional. Desta ponderao, irrompe o seguinte questionamento: so passveis de alterao as competncias discriminadas pelo constituinte? 35

    VALLE, Maurcio Dalri Timm do. Princpios Constitucionais e Regras-matrizes de Incidncia do Imposto sobre Produtos Industrializados IPI. Dissertao (Mestrado em Cincias Jurdicas) Universidade Federal do Paran p. 47. 36

    CARVALHO, 2011, p. 274. 37

    MENDONA, op. cit., p. 284-285. 38

    MENDONA, 2004, p. 284-285.

  • 26

    Aparentemente, no h nada que impea o legislador que o faa. As competncias podem ser alteradas por meio de emenda constitucional, sem atentar contra o princpio federativo. Um exemplo desta possibilidade o Projeto de Emenda Constitucional 233/08, que pretende a criar um novo tributo, o IVA-F (imposto sobre valor agregado federal), de competncia da Unio.

    No mbito infraconstitucional, no h pessoa poltica capaz de alterar a carta de competncias, sendo apenas o constituinte derivado a pessoa apta para realizar determinadas alteraes, assim, portanto, inalterveis as competncias discriminadas na Constituio.

    3.1.5 Irrenunciabilidade

    O aspecto da irrenunciabilidade fundado sob o prisma de que os entes competentes no podem abdicar desta que lhes foi conferida pelo constituinte, pelo simples fato de que se o fizessem, estariam, assim, se destruindo.

    Frise-se que a competncia facultada pessoa competente, que pode ou no instituir a cobrana da exao. Todavia, jamais a competncia poder ser renunciada por qualquer uma das pessoas polticas.

    Um dos exemplos mais clebres da facultatividade do exerccio da competncia est atrelado instituio do Imposto sobre Grandes Fortunas, que caberia a Unio, atravs de Lei Complementar, regulamentar a cobrana deste tributo no vinculado.

    Nesta esteira, refora Cristiane Mendona, ao afirmar que,

    (...) os rgos constitudos podem at no exercer a competncia legislativo-tributria recebida da Constituio, em virtude de seu carter facultativo. No entanto, no esto autorizados a renunci-la. 39.

    Resta claro, portanto, que as pessoas polticas de direito pblico no podem renunciar a competncia que detm.

    39

    MENDONA, 2004, p. 291.

  • 27

    3.1.6 Facultatividade

    A facultatividade encontra-se na parte final dos aspectos aqui estudados e cuida da possibilidade dos entes polticos se utilizarem da tributao para arrecadar receita.

    Nas palavras de Roque Antonio Carrazza,

    (...) na medida em que o exerccio da competncia tributria no est submetido a prazo, a pessoa poltica pode criar o tributo quando lhe aprouver. Tudo vai depender de uma opo, a ser feita pelos seus Poderes Executivo e Legislativo, sempre, claro, por meio de lei (no mais das vezes ordinria, mas, no caso dos emprstimos compulsrios e dos impostos residuais, complementar). (grifo original) 40.

    Desta assertiva, constata-se que no h fora que obrigue os entes a tributar, logo, configura-se a sua facultatividade.

    No fim da transcrio, porm, nota-se que existe uma ressalva para a instituio da lei tributria, que acredito ser pertinente esclarecer para a reflexo.

    As duas espcies tributrias mencionadas emprstimos compulsrios e impostos residuais -, por serem tributos de competncia da Unio, aplicam-se a todos os brasileiros, desta forma, necessitam de aprovao da maioria absoluta de ambas as casas legislativas, representando assim, pelo menos em tese, a vontade do povo brasileiro.

    Vale lembrar, ainda, que neste caso, a lei como tambm descrita por Roque Antonio Carrazza, uma limitao ao exerccio da competncia tributria 41, de onde retiramos este excerto:

    A lei tributria deve conter critrios idneos e suficientes para coatar quaisquer arbitrariedades do Fisco. Tais critrios devem necessariamente apontar: a) os destinatrios do tributo (os contribuintes), porquanto no se admite fique relegada ai arbtrio da Fazenda Pblica a incluso ou a excluso de determinadas categorias de contribuintes; e b) os pressupostos do tributo, isto , a coisa, o ato, o fato, a situao ou a qualidade da pessoa

    40

    CARRAZZA, 2011, p. 723. 41

    CARRAZZA, 2011, p. 278. - Subttulo n. 3.2., do Captulo VI Legalidade e Tributao.

  • 28

    que constitui o pressuposto objetivo da tributao, e, tambm, a relao em que se deve achar o sujeito passivo da prestao. (g.o.) 42.

    Sendo considerados todos estes critrios, a lei tributria deve preventivamente frear qualquer pretenso por parte do Fisco que vise a constranger os contribuintes, atuando diretamente sobre a aplicao do direito tributrio.

    Outrossim, Roque Antonio Carrazza ainda aduz que a opo de tributar, ou no, depende de motivao ou, como ele mesmo define motivao poltica, que,

    Em termos mais tcnicos, inspiram a chamada deciso poltica a convenincia, a vantagem e a utilidade, aferveis pelo Poder Legislativo e pelo Chefe do Executivo, enquanto participam da elaborao da lei. Eles quem tem a faculdade discricionria de agir, no estando sujeitos a limitaes acerca do mrito da orientao que iro seguir. (g.o.).43.

    Diante disso, patente a influncia das decises polticas sobre a tributao. Ainda, mais um desdobramento deste so os tributos utilizados para atingir objetivos extrafiscais 44, prestigiando ou preterindo, assim, determinadas situaes especficas.

    Por fim, resta evidente a possibilidade conferida aos entes polticos para tributar e, assim, conclumos tambm os aspectos da competncia tributria.

    4 IMUNIDADE TRIBUTRIA

    Uma vez analisada a competncia tributria e suas caractersticas, podemos agora aprofundar com liberdade o estudo das imunidades, que, to simplesmente, so normas jurdicas de incompetncia tributria, como veremos mais abaixo. Faremos, ainda, um breve exame sobre a origem histrica do instituto em questo, e, posteriormente, discorreremos sobre as teorias propostas acerca das imunidades.

    42

    Ibid., p. 279. 43

    Ibid., p. 724. 44

    CARVALHO, 2011, p. 290. - A essa forma de manejar elementos jurdicos usados na configurao dos tributos, perseguindo alheios aos meramente arrecadatrios, d-se o nome de extrafiscalidade..

  • 29

    4.1 ORIGEM HISTRICA

    A ideia da tributao surge como um instrumento para sustentar o Estado e assim, consolidar sua soberania. Pois, se imaginarmos um Estado que no tenha recursos para se organizar, este dificilmente seria reconhecido.

    A partir desta premissa, reconhecemos que o Estado, mesmo em suas formas mais primitivas de sociedade organizada, j exigia de seus sditos exaes e, mesmo nestes tempos, eram institudas tambm Imunidades determinadas pessoas que eram desobrigados a contribuir.

    A origem da palavra tributo remonta a Roma Antiga. Este advm do latim tributum e surge do verbo tribuere que, parafraseando Regina Helena Costa em comentrio aos ensinamentos de Slvio Meira, significa, inicialmente, repartir em tribos e, depois, repartir em sentido geral. 45. Sendo compreendida aqui, a arrecadao, que seria dividida e utilizada pelo Estado.

    J no tempo do Imprio, se originou a immunitas, que significa negao de mnus, ou encargo expediente pelo qual se liberavam certas pessoas e situaes do pagamento dos tributos exigidos na sustentao do Estado. 46, encontramos aqui, o embrio da ideia pela qual so utilizadas e contempladas hoje as Imunidades em nossa Constituio.

    Verificamos que, desde a Idade Antiga, as sociedades mais primitivas foram capazes de privilegiar certas pessoas, atestando sua ausncia de capacidade contributiva, e as poupando de suas obrigaes tributrias.

    Ainda, importante ressaltar que, historicamente, a tributao teve forte impacto sobre as transformaes sociais.

    No sculo XVIII, quando Lus XVI exigia a cobrana de excessivos impostos sobre a plebe, que no via sua contribuio sendo revertida em melhoria social e, ainda cumulada a ausncia do princpio da igualdade tributria, uma vez que a nobreza da poca e o clero se recusavam a ser onerados, instaurou-se a Revoluo Francesa, na qual classe burguesa destituiu a Monarquia Francesa sobre os ideais de Igualdade, Liberdade e Fraternidade. 45

    COSTA, 2001, p. 27. 46

    COSTA, 2001, p. 27.

  • 30

    Enquanto isso, no Brasil, tambm no sculo XVIII, no mesmo ano de 1789, foi desconstituda a Inconfidncia Mineira, revolta que visava a separar o Estado de Minas Gerais do Imprio Portugus, em virtude da instituio da Derrama, dia em que uma comitiva da coroa portuguesa vinha s terras das Minas Gerais, mais especificamente cidade de Ouro Preto, antiga Vila Rica, para cobrar em ouro os impostos devidos por seus sditos. O movimento, inspirado por ideias iluministas, desejava se libertar do domnio poltico e econmico portugus, sendo a primeira revolta separatista de nossa histria, que foi frustrado pela traio de um dos inconfidentes em face dos demais.

    Evidenciada a fragilidade dos contribuintes, as polticas fiscais devem levar em considerao as situaes e pessoas que so mais vulnerveis s suas exigncias. exatamente neste campo que as Imunidades devem agir. Sempre que constatadas as mudanas polticas e sociais, as Imunidades foram, atravs dos tempos, se amoldando aos princpios constitucionais que visam alcanar e, assim, acabaram por exonerar determinadas pessoas do pagamento de tributos.

    Cabe ao legislador, portanto, a tarefa de destacar as situaes especficas que deseja privilegiar em determinado tempo histrico, e doutrina, conceituar este instituto, bem como esmiuar sua extenso e aplicabilidade.

    o que passamos a estudar.

    4.2 CONCEITO

    Sabemos que a parte mais difcil em qualquer cincia se encontra na tarefa de conceituar.

    Quando a tentamos fazer, muitas vezes em razo de nossa limitao lingustica, deixamos algum detalhe passar nos despercebido, que, como explica Roque Antonio Carrazza, no mundo infinito e ondeante do pensamento, cada autor acaba por captar alguma peculiaridade que escapou argcia dos demais. 47. Outras, por fora da hermenutica jurdica, se encontram nas lacunas que podem emergir da escolha de determinadas palavras, causando a confuso de seu leitor.

    47

    CARRAZZA, 2011, p. 138.

  • 31

    Independentemente destas dificuldades, necessitamos nos apegar a uma definio e, para tanto, escolhemos a de Paulo de Barros Carvalho, que as ensina como,

    A classe finita e imediatamente determinvel de normas jurdicas, contidas no texto da Constituio Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetncia das pessoas polticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situaes especficas e suficientemente caracterizadas (grifo original). 48.

    Embora nebuloso, comearemos explicando pontualmente a significao dos ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, e, assim que esgotada a teoria das imunidades como normas de incompetncia, passaremos a estudar as outras correntes doutrinrias que se aventuraram a conceituar o instituto.

    4.2.1 Imunidade como Norma de Incompetncia Tributria

    Escolhemos a definio de Paulo de Barros Carvalho, para quem a imunidade uma norma que estabelece de modo expresso, a incompetncia das pessoas polticas de direito constitucional interno. (g.o.) 49, exatamente por ser a tese mais precisa sustentada pela doutrina.

    Diante disso e, aps a anlise do captulo anterior, temos que a imunidade limita a competncia dos entes polticos, devendo estes observarem os limites estabelecidos pelas hipteses de imunidade.

    Desta maneira, enquanto a competncia tributria estabelece delimita, demarca a rea em que pode o legislador infraconstitucional atuar, editando leis para estabelecer, atravs destas, o vnculo obrigacional tributrio, as imunidades vm, em sentido contrrio, determinar a incompetncia do legislador infraconstitucional.

    Sobre o tema, discorre Roque Antonio Carrazza,

    48

    CARVALHO, 2011, p. 236. 49

    CARVALHO, 2011, p. 237.

  • 32

    Muito bem, as regras de imunidade tributria tambm demarcam (no sentido negativo, embora) o campo reservado tributao. Se preferirmos, apontam os limites materiais e formais da atividade legislativa tributria.

    Noutras palavras, a competncia tributria igualmente desenhada por normas negativas, que veiculam o que se convencionou chamar de imunidades tributrias. (g.o.) 50.

    Note-se, pois, que a incompetncia surge no mesmo momento em que a competncia (dentro do Texto Maior). Dito isso, se utilizarmos o raciocnio lgico e, aderindo tese aqui adotada sobre a criao dos tributos de Jos Souto Maior Borges, sustentada por Jos Roberto Vieira, as normas de incompetncia so criadas ao mesmo tempo em que so criadas as normas de competncia.

    No mesmo sentido, ensina Regina Helena Costa,

    Cuidando-se de disposio imposta pelo Poder Constituinte Originrio, a competncia tributria j nasce desprovida do campo constitucionalmente imune. Vale dizer, a competncia tributria a liberdade de instituir tributos dentro de certos limites, desenhados pela Constituio.

    As normas atributivas de competncia e as normas imunizantes que so normas negativas de competncia so contemporneas, pelo qu inadequado falar-se na sucesso cronolgica destas em relao s primeiras. 51.

    Conclumos, assim, que no existe hierarquia entre normas de competncia em relao s normas de incompetncia, e vice-versa.

    Quanto aos aspectos da norma de incompetncia, estas so concebidas pelo constituinte como normas impassveis de sofrer qualquer tipo de alterao ou restrio, total ou parcial, exceto pela via das Emendas Constitucionais, e sempre visando a ampliar os direitos dos contribuintes, visto que as imunidades so clusulas ptreas na medida em que asseguram direitos fundamentais (art. 60, IV, CF/88). Ainda, pode-se dizer que a norma imunizante ampla e indivisvel 52 e, (...) de eficcia plena e aplicabilidade imediata, produzindo todos os seus efeitos, 50

    CARRAZZA, Roque Antonio. A Imunidade Tributria das Empresas Estatais Delegatrias de Servios Pblicos: Um Estudo sobre a Imunidade Tributria da Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos ECT. 1.ed. So Paulo: Malheiros. 2004. p. 20. 51

    COSTA, 2001, p. 44. 52

    CARRAZZA, 2004, p. 23.

  • 33

    independente da edio de normas inferiores. (g.o.) 53, como foram definidas por Roque Antonio Carrazza.

    Diante disso, inferimos que o legislador infraconstitucional fica limitado a obedecer ao que foi disposto pela vontade do constituinte, que decidiu privilegiar determinados fatos, bens ou situaes 54, uma vez que estes carregam em si algum valor contemplado pela Carta Magna e, por isso, devem ser imunes tributao.

    Sobre o assunto, ensina Paulo de Barros Carvalho,

    imperioso que o ncleo dentico 55 do comando constitucional denuncie uma proibio inequvoca, dirigida aos legisladores infraconstitucionais e tolhendo-os no que tange emisso de regras jurdicas instituidoras de tributos. (g. n.) 56.

    Fica restrita, portanto, a edio de normas tributrias destinadas tributao daqueles que foram albergados pela Constituio.

    A proibio supracitada inserida na estrutura da norma imunizante, transformando-a em norma de incompetncia.

    Assim, se uma determinada norma de conduta (tributria) almejar onerar contribuinte imune, ela sequer chegar a atingi-lo, uma vez que a inconstitucionalidade tolheu-a antes mesmo de adquirir eficcia.

    Sobre as imunidades enquanto normas de incompetncia, vejamos o que tem a dizer Cristiane Mendona,

    Ao engendrarem as hipteses imunes tributao, proibindo que os sujeitos ativos da relao de competncia legislativa editem enunciados instituidores de tributos relativamente quelas situaes especficas e suficientemente caracterizadas no texto constitucional, os versculos constitucionais de imunidade desenham, juntamente com outros limites, a autorizao-permisso que figura no consequente da NCLT. 57.

    53

    CARRAZZA, loc. cit. 54

    Ibid., p. 21 55

    Para melhor compreenso, esclareo que o ncleo dentico reside no mago de cada norma, estabelecendo se esta uma norma que atribui permisso, obrigao ou a proibio da conduta que regula. Para aprofundamento sobre o tema, indico a consulta a BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. 1. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 104-112. 56

    CARVALHO, 2011, p. 236. 57

    MENDONA, 2004, p. 178.

  • 34

    A Norma de Competncia Legislativo Tributria (NCLT), mencionada acima, estabelece os limites para editar ou alterar a norma em questo. Por conseguinte, a imunidade altera o aspecto material a que se dirige a NCLT, impedindo-a de tributar quele que foi indicado pelo constituinte.

    Note-se, pois, que a norma de imunidade impede a aplicabilidade da norma infraconstitucional sobre a pessoa imune como um todo, no apenas em relao a fato determinado (critrio da regra-matriz de incidncia).

    No mesmo sentido, leciona Roque Antonio Carrazza,

    A imunidade tributria um fenmeno de natureza constitucional. As normas constitucionais que, direta ou indiretamente tratam do assunto fixam, por assim dizer, a incompetncia das entidades tributantes para onerar, com exaes, certas pessoas, seja em funo de sua natureza jurdica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situaes. 58.

    Conclumos, portanto, que o constituinte escolheu beneficiar determinadas pessoas ao esculpir no corpo da Carta Magna as imunidades tributrias. So estas pessoas que sero objeto de exame do prximo tpico.

    4.2.2 Destinadas a Situaes Especficas e Suficientemente Caracterizadas

    Pelo exposto acima, vimos que as normas imunizantes so endereadas a determinadas situaes especficas e suficientemente caracterizadas, como definidas por Paulo de Barros Carvalho e, como veremos, as imunidades beneficiam, em ltima anlise, pessoas.

    Observe que, ao editar a norma de imunidade, o constituinte privilegiou no Texto Maior situaes especficas que devem ser impassveis tributao.

    Logo, questiona-se, porque no deixar esta tarefa ao legislador infraconstitucional?

    A nosso ver, ao descrever as hipteses de imunidade, o legislador constituinte homenageou os princpios consubstanciados dentro da prpria Constituio.

    Assim explicitam Aires Fernandino Barreto e Paulo Ayres Barreto, 58

    CARRAZZA, 2011, p. 772.

  • 35

    As tipificaes constitucionais dos fatos, pessoas ou bens sobre os quais no tm as pessoas polticas competncia tributria, so reveladoras de valores privilegiados pela Constituio, porque decorrentes de princpios nela prpria consagrados. O constituinte, ao estabelecer, no art. 150, VI, da CF, que vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios Instituir impostos sobre as situaes ali expressamente indicadas, reafirma valores que ho de ser protegidos pela ordem jurdica: expresses de princpios reconhecidamente consagrados pela Constituio. 59

    .

    Logo, resta claro que o constituinte no escolheu aleatoriamente os beneficiados pelas imunidades, sendo a edio destas normas uma homenagem aos valores contidos na prpria Carta Magna.

    Utilizaremos, nesta parte de nossa pesquisa, o vis de Roque Antonio Carrazza, para quem a imunidade sempre subjetiva, j que invariavelmente, beneficia pessoas, quer por sua natureza jurdica, quer pela relao que guardam com determinados fatos, bens ou situaes. (g.o). 60.

    A subjetividade advm da classificao feita pela doutrina tradicional ao exemplo de Aliomar Baleeiro -, que classifica as imunidades em subjetivas, objetivas e mistas, conforme alcancem pessoas, coisas ou ambas. (g.o). 61.

    Diante disso conclumos que desnecessria tal classificao, uma vez que a imunidade sempre ir privilegiar a relao da pessoa com o fisco, em razo de sua natureza jurdica 62, na medida em que no ser molestado a entregar parte de sua riqueza aos cofres pblicos.

    Concluda a teoria das imunidades como norma de incompetncia tributria, passamos agora a estudar a sua aplicabilidade, bem como suas outras teorias.

    4.2.2.1 Imunidades aplicveis apenas aos impostos

    Dispe o inciso VI, do art. 150 da Constituio Federal, Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios: instituir impostos (...).

    59

    BARRETO, Aires Fernandino; BARRETO, Paulo Ayres. apud CARRAZZA, 2004, p. 24. 60

    CARRAZZA, 2011, p. 774. 61

    CARRAZZA, loc. cit. 62

    Ibid., p. 775.

  • 36

    Ao lermos este excerto da Carta Magna, possvel inferir que as imunidades especficas que disciplinam o inciso VI, do art. 150 estendem-se apenas aos impostos, excluindo assim, todas as outras espcies tributrias (taxas, contribuies de melhoria, contribuies sociais e emprstimos compulsrios) 63. Mas ser que ficam as hipteses de imunidade limitadas apenas aos impostos?

    Parece-nos que no. Vejamos a opinio de Paulo de Barros Carvalho sobre o assunto,

    A reduo descabida, transparecendo como produto de exame meramente literal (e apressado) ou como o resultado de consideraes metajurdicas, que no se prendem ao contexto do direito positivo que vige. Que motivo de ordem superior ditaria o princpio de que o legislador constituinte, no exerccio de suas prerrogativas, pudesse estar impedido de organizar as competncias tributrias, de tal modo que tolhesse a decretao de certas taxas ou a impossibilitasse a criao de contribuies de melhoria? Com assomos jurdicos, nenhum. 64.

    Logo, verificamos que esta reduo utilizada pelo constituinte foi uma mera economia lgica, ou talvez, um descuido por parte do mesmo.

    No mesmo sentido, destaca Regina Helena Costa,

    Se, diante do Direito Positivo, as normas imunizantes referem-se, basicamente, a impostos, tal realidade no enseja a concluso pela inviabilidade de se estabelecer normas imunizantes acerca dos tributos vinculados. 65.

    Ainda, vale acrescentar que o prprio constituinte tambm criou hipteses de imunidades especficas incidncia sobre taxas, ao exemplo do disposto pelo art. 5, inciso XXXIV, a e b, que enuncia: so a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petio aos Poderes Pblicos em defesa de direitos ou contra a ilegalidade ou abuso de poder; e b) a obteno de certides em reparties pblicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situaes de interesse pessoal.

    63

    No vamos aqui adentrar na discusso sobre as teorias existentes acerca das espcies tributrias, ou qual a melhor teoria a ser abraada. Para aprofundamento sobre o tema, aconselhamos a consulta ao artigo As espcies tributrias no ordenamento jurdico brasileiro, de Octavio Campos Fischer. 64

    CARVALHO, 2011, p. 230-231. 65

    COSTA, 2001, p. 47.

  • 37

    Assim, conclumos que infundada a pretenso de restringir a aplicao dos efeitos da imunidade apenas aos impostos, sendo estes, extensveis a quaisquer espcies tributrias.

    4.2.3 Imunidades como Limitaes Constitucionais ao Poder de Tributar

    A Doutrina clssica, difundida por Aliomar Baleeiro, entende as imunidades como limitaes constitucionais ao poder de tributar, acompanhado tambm por Rubens Gomes de Sousa e, atualmente, Aires Fernandino Barreto e Paulo Ayres Barreto.

    Esta tese, no est errada, , contudo, insuficiente 66, em decorrncia da generalidade atribuda a expresso compreensiva do conjunto de princpios e demais regras disciplinadoras da definio e do exerccio da competncia tributria. 67

    .

    Conclumos, portanto, que no possvel haver, no estudo cientfico, confuso entre institutos, uma vez que as imunidades so fundadas em princpios, e no uma combinao destes. Assim, as generalidades dos princpios constitucionais tributrios 68 necessitaram ser trabalhadas e refinadas pelo constituinte, at que, enfim, irrompem na edio das imunidades tributrias, estas sim, normas especficas que tratam de matria tributria.

    Ainda, distingue Regina Helena Costa que,

    Enquanto as imunidades denegam a prpria competncia, inibindo o seu exerccio em relao a certas hipteses, os princpios orientam o adequado exerccio da competncia tributria. Os princpios tributrios pressupem, assim, a existncia de competncia tributria; as imunidades, por seu turno, pressupem a inexistncia dessa competncia. 69

    66

    COSTA, 2001, p. 35. 67

    COSTA, loc. cit. 68

    Ibid., p. 37. 69

    COSTA, loc. cit.

  • 38

    Diante disso, imprpria a definio utilizada pela doutrina tradicional, tendo em vista que as limitaes constitucionais ao poder de tributar so uma expresso aberta e imprecisa.

    4.2.4 Imunidades Definidas como Princpios Constitucionais e tambm como Circunstncias Extrajurdicas

    H tambm, corrente doutrinria que qualifica as imunidades tributrias como princpios constitucionais expressos, no entanto, no procede tal afirmao.

    Esta tese, defendida por Bernardo Ribeiro de Moraes, entende que as imunidades seriam princpios expressos inseridos no corpo da Carta Magna.

    Parece-nos que esta tese foi construda como um desdobramento da tese das limitaes constitucionais ao poder de tributar, e que, como foi exposto acima, existem diferenas substanciais entre estes dois institutos.

    Ainda, assevera Regina Helena Costa dizendo que,

    So, sim, as imunidades, aplicaes ou manifestaes de um princpio, que podemos batizar de princpio da no obstncia do exerccio de direitos fundamentais por via da tributao. (g.o.) 70.

    Diante disso, fica evidente que a definio de imunidade como princpio constitucional advm da associao entre sua essncia e sua finalidade.

    Outra vertente da doutrina clssica, representada por Ormezindo Ribeiro de Paiva, acredita que as imunidades so circunstncias extrajurdicas, em razo do tratamento diferenciado que recebem as pessoas privilegiadas pelas hipteses de imunidade.

    Pois bem, uma vez que o ordenamento contempla hipteses de imunidade a fim de privilegiar determinadas pessoas e, quando o faz, celebra a realizao dos princpios nela esculpidos, entende-se por redundante a classificao de

    70

    COSTA, 2001, p. 39.

  • 39

    circunstncia extrajurdica, pois, como mencionado por Regina Helena Costa, o constituinte apenas absorve valores, juridicizando-os. 71.

    Regina Helena Costa, mais uma vez, conclui, dizendo que,

    Diante da possibilidade de exigir tributos em relao a determinadas pessoas, bens e situaes, o Estado, no exerccio do Poder Constituinte Originrio, opta, diversamente, pelo incentivo a certas atividades socialmente relevantes, renunciado prpria competncia tributria. 72.

    Logo, tem-se que tanto os princpios, quanto as imunidades, aspiram assegurar direitos aos contribuintes, entretanto, as imunidades o fazem de maneira especfica, enquanto os princpios podem ser evocados em situaes anlogas. As imunidades seriam, ento, os princpios instrumentalizados, ou melhor, formalizados.

    4.2.5 Imunidades como Hipteses de No-incidncia Constitucionalmente Qualificadas

    As imunidades foram tambm definidas como hipteses de no-incidncia constitucionalmente qualificadas por alguns doutrinadores, ao exemplo de Amlcar de Arajo Falco, Eduardo Domingos Bottallo, Ives Gandra da Silva Martins e Jos Souto Maior Borges.

    A no-incidncia fenmeno diverso da imunidade, que foi erroneamente utilizado por parte desta corrente doutrinria.

    O primeiro divisor de guas encontra-se na classificao normativa das normas imunizantes. Estas so, conforme foi explicitado anteriormente, normas de estrutura e no de conduta.

    Frise-se que as normas de estrutura definem o arqutipo jurdico em face de outras normas, enquanto as normas de conduta estabelecem regras queles a que so dirigidas. 71

    COSTA, 2001, p. 46. 72

    COSTA, loc. cit.

  • 40

    Diante disso, a ilao evidente, as imunidades so, com efeito, normas de estrutura.

    Acerca do tema, comenta Regina Helena Costa,

    As normas imunizantes - como tambm as normas isentivas qualificam-se como regras de estrutura, porque dispem acerca da produo de outras normas, isto , do vlido exerccio da competncia tributria. 73.

    E ainda, no mesmo sentido, ensina Paulo de Barros Carvalho que As regras de imunidade so normas de estrutura, enquanto as de incidncia so preceitos de conduta. 74.

    Alm disto, compete acrescentar que a utilizao da expresso no-incidncia foi compreendida em acepo diversa de sua essncia.

    Explica-se: A regra-matriz de incidncia tributria, constituda de uma hiptese de

    incidncia e um consequente tributrio, estabelece a relao obrigacional quando ocorrido o seu fato imponvel 75. Subsumindo 76 o fato hiptese descrita, o enunciado prescritivo instaura a relao obrigacional.

    Sem embargos, portanto. Mas o que acontece se um dos critrios da regra-matriz de incidncia no for preenchido?

    Se o fato imponvel no se subsumir a hiptese de incidncia, somente ento ocorrer fenmeno da no-incidncia.

    Neste sentido, vejamos a crtica definio de imunidade como hiptese de no incidncia, feita por Paulo de Barros Carvalho,

    A crtica presta-se a uma de suas acepes, precisamente aquela que sugere ter inexistido o fenmeno da subsuno do fato regra e, por conseguinte, no haveria falar-se em efeitos jurdicos. por incidir que a proposio normativa qualifica pessoas, coisas e estados de coisas, bem

    73

    COSTA, 2001, p. 43. 74

    CARVALHO, 2011. p. 227. 75

    ATALIBA, 2011, p. 70: Fato imponvel o fato concreto, localizado no tempo e no espao, acontecido efetivamente no universo fenomnico, que por corresponder rigorosamente descrio prvia, hipoteticamente formulada pela hiptese de incidncia legal d nascimento obrigao tributria.. 76

    Ibid., p. 69: Subsuno o fenmeno de um fato configurar rigorosamente a previso hipottica da lei. Diz-se que um fato se subsume hiptese legal quando corresponde completa e rigorosamente descrio que dele faz a lei..

  • 41

    como incidindo que o sistema, como um todo, atinge a disciplina integral do relacionamento intersubjetivo. (g.o.) 77.

    Logo, extramos do excerto que ao enunciarmos que a no-incidncia aplica-se s imunidades, equivale dizer que inexistiu relao jurdica, portanto, as hipteses de imunidade no so reconhecidas pelo direito, se ocorridas.

    Repare que a utilizao do vocbulo da no-incidncia tambm se refere no aplicao do consequente tributrio (= critrio pessoal + critrio quantitativo).

    Elucida a discusso, Regina Helena Costa, afirmando que,

    Incidncia, nessa significao, assemelhar-se-ia a eficcia, isto , a aptido da norma para produzir efeitos jurdicos; e, assim, a no-incidncia traduzida na norma imunitria consistiria na ineficcia do exerccio da competncia tributria em relao a determinadas pessoas, bens e situaes. 78.

    Desta maneira, o sentido atribudo s imunidades resume-se basicamente a sua no produo de efeitos jurdicos. , porm, incabvel esta definio, sendo assim, mais uma entre aquelas que devem ser repudiadas em nossa pesquisa.

    4.2.6 Consideraes Finais

    Conclumos, assim, que as teorias anteriores sobre as imunidades no estavam necessariamente erradas, eram, muitas vezes, insuficientes ou, simplesmente, frutos de confuses.

    Posto isso, podemos proclamar que foram superadas as adversidades sobre as imunidades tributrias no que tange aos seus aspectos gerais, estudaremos agora a imunidade recproca, que reside na letra a, do inciso VI, do art. 150, da Constituio Federal.

    77

    CARVALHO, 2011, p. 229. 78

    COSTA, 2001, p. 43.

  • 42

    5 IMUNIDADE RECPROCA

    Esgotadas as teorias acerca da imunidade tributria, estudaremos agora a imunidade especfica pertinente construo do objeto de nossa pesquisa.

    Acredito que seja necessrio remontar seus fundamentos para que possamos compreender com clareza a aplicabilidade desta imunidade.

    As origens desta se encontram no julgado da suprema corte estadunidense, McCulloch vs. Maryland, redigida pelo Juiz John Marshall, em 1819. No caso em tela, o Estado de Maryland pretendia tributar uma sucursal do Banco dos Estados Unidos da Amrica, visto, ento, como uma extenso dos tentculos do Estado. 79

    Aliomar Baleeiro nos relata que,

    Pela primeira vez, se afirmou a tese da imunidade dos meios de ao do Governo Federal em frente s pretenses do fisco dos Estados, pois the power to tax involves the power to destroy e, ento, ficariam merc de um governo todos os servides e instrumentos de outro. 80.

    Assevera ainda, neste mesmo sentido, Roque Antonio Carrazza, uma vez que, as pessoas polticas no poderiam exigir, umas das outras, impostos, exatamente para no destru-las ou criar-lhes dificuldades de funcionamento. 81.

    E ainda, Regina Helena Costa complementa este raciocnio, tendo em vista que,

    O argumento maior do qual se deduz a imunidade recproca a supremacia do interesse pblico sobre o privado, beneficiando o patrimnio, a renda e os servios de cada pessoa poltica como instrumentalidades para o exerccio de suas funes pblicas. (grifo original) 82.

    Evidente, portanto, a impossibilidade deste tipo de obrigao. As pessoas polticas no devem e no podem tributar o errio pblico. Estas oneraes levariam apenas levariam destruio das pessoas polticas, como demonstrado acima. 79

    COSTA, 2001, p. 136. 80

    BALEEIRO, Aliomar. Limitaes Constitucionais ao Poder de Tributar. 8.ed. atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 383. 81

    CARRAZZA, 2011, p. 790. 82

    COSTA, 2001, p. 138.

  • 43

    Tendo em mente o julgado da Suprema Corte Americana, o legislador o inseriu em nossa Carta Magna, a fim de esculpir este princpio em nosso Sistema Constitucional Tributrio, contudo, ainda que no estivesse expresso na Constituio, ele seria implcito, por fora do princpio federativo (isonomia das pessoas polticas).

    A imunidade recproca, presente na Constituio Federal da Repblica Federativa do Brasil em seu art. 150, inciso VI, alnea a, determina que Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios: VI instituir impostos sobre: a) patrimnio, renda ou servios uns dos outros. A fim de firmarmos um conceito sobre o instituto, citamos aqui as palavras de Paulo de Barros Carvalho, que define a imunidade recproca como: (...) uma decorrncia pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municpios. 83.

    Diante disso, imperioso frisar que a imunidade recproca encontra suas fundaes em dois princpios constitucionais tributrios: No princpio federativo e no princpio da autonomia municipal.

    este o ensinamento de Hugo de Brito Machado:

    Ressalte-se que a imunidade recproca uma forma de expresso do princpio federativo. No se pode conceber uma Federao sem a imunidade tributria recproca. Assim, a regra da imunidade est protegida contra possvel emenda constitucional, por fora do disposto no art. 60, 4, inciso I, da Constituio Federal de 1988, segundo o qual no ser objeto de deliberao a proposta de emenda tendente a abolir (...) a forma federativa de Estado.. 84.

    Com efeito, constatamos que este raciocnio se estende aos municpios, pois, mesmo que no faam parte da federao, no poderiam ser coagidos a pagar impostos aos entes federativos, muito menos, exigir deles as exaes de sua competncia.

    Para melhor compreenso, dedicaremos o estudo dos prximos subitens a estes princpios que fundamentam a imunidade recproca.

    83

    CARVALHO, 2011, p. 240. 84

    MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributrio. 29. ed. So Paulo: Malheiros, 2008. p. 285.

  • 44

    5.1 PRINCPIO FEDERATIVO

    No obstante as consideraes feitas sobre o princpio federativo j trazidas a este trabalho, em que citamos Jos Afonso da Silva 85, gostaramos, ainda, de fazer mais algumas observaes pertinentes ao estudo do tema.

    O princpio federativo foi a forma de estado escolhida pelo constituinte, que significa, nas palavras de Roque Antonio Carrazza,

    uma associao, uma unio institucional de Estados, que d lugar a um novo Estado (o Estado Federal), diverso dos que dele participam (Estados-membros). Nela, os Estados Federados, sem perderem suas personalidades jurdicas, despem-se de algumas tantas prerrogativas, em benefcio da Unio 86.

    Dito de outra maneira, o Estado brasileiro a composio das pessoas polticas (estados-membros includo aqui, o distrito federal - e a unio) que dele fazem parte.

    Necessitamos destacar que o princpio federativo preza pela soberania do Estado.

    A soberania fundamento de nosso Estado democrtico de direito 87. Seria inconcebvel a formao de qualquer Estado sem que fossem observados o princpio federativo e da soberania.

    Sobre o assunto, discorre novamente Roque Antonio Carrazza:

    Soberania a faculdade que, num dado ordenamento jurdico, aparece como suprema. Tem soberania quem possui o poder supremo, absoluto e incontrastvel, que no reconhece, acima de si, nenhum outro poder. (...) o Estado, a nica instituio soberana, porquanto superiorem non recognoscens. 88.

    85

    Cf. as citaes ns. 18, 19 e 20. 86

    CARRAZZA, 2011, p. 139. 87

    BRASIL. Legislao. Constituio Federal da Repblica Federativa do Brasil (1988). 7.ed. So Paulo: Saraiva. 2011. Art. 1 A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: I a soberania. 88

    CARRAZZA, 2011, p. 139.

  • 45

    Reconhecida a soberania da Unio (como Estado Federal), bem como a dos Estados-membros, edificada a Federao.

    Importante, tambm, mencionar que a soberania no se confunde com a autonomia das pessoas polticas.

    Nas palavras de Jos Roberto Vieira, A ideia de Soberania est ligada ao Estado federal no plano internacional, enquanto a ideia de Autonomia imprescindvel para figurar a federao no plano interno. (g. o.) 89.

    Dito isso, relembramos que a Constituio Federal o instrumento que regula as relaes entre estas pessoas.

    Assim nos ensina Paulo de Barros Carvalho:

    Convivem, harmonicamente, os Estados-membros e a Unio, como pessoas polticas distintas e autnomas, que encontram no Diploma Bsico a fonte superior de suas prerrogativas e de suas limitaes. No h superioridade entre as unidades federadas, assim como entre elas e a pessoa Unio. 90.

    Claro, portanto, a isonomia entre as pessoas polticas, posto que no exista relao de submisso entre as pessoas polticas.

    Entretanto, acrescenta Regina Helena Costa, que,

    As pessoas polticas no podem tributar-se, umas s outras, por via de impostos, no somente por ausncia de capacidade contributiva, que d suporte a essa imposio fiscal, (...) mas tambm porque so entes iguais entre si, ideia incompatvel com a de jus imperiae, fundamentadora da exigncia de impostos. 91.

    Diante disso, resta claro que os entes federados esto em p de igualdade e, por isso, no podem onerar uns aos outros por meio de impostos.

    No entanto, os municpios ficam sujeitos a fazer parte do polo passivo da regra matriz de incidncia? Ficariam eles excludos do campo imunitrio?

    89

    VIEIRA, Jos Roberto. Princpios Constitucionais e Estado de Direito. Revista de direito tributrio. So Paulo: Malheiros, n. 54, ou./dez. 1990. p.102. 90

    CARVALHO, 2011, p. 203-204. 91

    COSTA, 2011, p. 120.

  • 46

    De antemo, afirmamos que os municpios so albergados pela imunidade, bem como tal sujeio seria inconstitucional, por fora do princpio da autonomia municipal, objeto de estudo de nosso prximo subitem.

    5.2 PRINCPIO DA AUTONOMIA MUNICIPAL

    A Constituio, em seus arts. 29 e 30 cingiu o princpio da autonomia municipal e, conferiu a estas pessoas polticas poder para instituir suas prprias leis, execut-las e como a julg-las, tendo, como suas nicas limitaes, aquelas previstas na Lei Maior 92.

    Cabe aqui citar as lies de Roque Antonio Carrazza, uma vez que, De fato, os Municpios no influem, nem muito menos decidem, no Estado Federal. Dito de outro modo, no participam da vontade jurdica nacional. 93 Sendo, por isso, autnomos.

    importante notar que, em que pese no fazerem parte da federao, os municpios receberam, utilizando o vocbulo de Paulo de Barros Carvalho, dignidade constitucional 94, servindo de complemento ao pacto federativo, no que toca a organizao do estado brasileiro.

    Mas o que caracteriza este princpio? Mais uma vez, Roque Antonio Carrazza nos elucida o questionamento,

    propondo que,

    A autonomia municipal, (...), a faculdade que a pessoa poltica Municpio tem de, dentro do crculo de competncia pr-traado pela Constituio, organizar, sem interferncias, seu governo e estabelecer, sponte prpria, suas normas jurdicas. 95

    92

    CARRAZZA, 2011, p. 178. 93

    Ibid., p. 177. 94

    CARVALHO, 2011. p. 204. 95

    CARRAZZA, 2011, p. 178.

  • 47

    Da que extramos a competncia residual para legislar sobre assuntos de seu interesse 96, podendo, assim, instituir a legislao tributria que lhe for conveniente, observando, claro, os freios que lhe forem impostos pela Carta Magna.

    Finalmente, arremata Roque Antonio Carrazza, afirmando que Instituindo e arrecadando livremente seus tributos, o Municpio reafirma sua ampla autonomia, em relao s outras pessoas polticas. 97.

    Portanto, temos que os Municpios detm isonomia uns em relao aos outros, bem como complementam o pacto federativo, na medida em que legislam sobre matrias de relevncia especfica, no podendo sofrer qualquer tipo de transgresso por parte de qualquer um dos entes federados, tambm por fora da isonomia das pessoas polticas, sob pena de interveno federal 98.

    Feitas estas consideraes acerca do princpio da autonomia municipal, conclumos nosso exame sobre as fundaes da imunidade recproca, no entanto, pertinente tratarmos sobre um ltimo princpio que, em razo de sua ausncia nas relaes entre as pessoas polticas, merece destaque em nosso trabalho: o princpio da capacidade contributiva.

    5.3 PRINCPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

    O princpio da capacidade contributiva est elencado no art. 145, 1, da Constituio, que dispe:

    art. 145. A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios podero instituir os seguintes tributos: 1. Sempre que possvel, os impostos tero carter pessoal e sero graduados segundo a capacidade econmica do contribuinte, facultado administrao tributria, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos

    96

    BRASIL. Legislao. Constituio Federal da Repblica Federativa do Brasil (1988). 7.ed. So Paulo: Saraiva. 2011. Art. 30. Compete a