187
A FAMÍLIA DO IDOSO DEPENDENTE Análise das necessidades/dificuldades no cuidar no domicílio Orlanda Sofia Parente Martins ESCOLA SUPERIOR DE SAÚDE

a familia do idoso dependente - repositorio.ipvc.ptrepositorio.ipvc.pt/bitstream/20.500.11960/1291/1/Orlanda_Martins.pdf · ÍNDICE DE DIAGRAMAS Diagrama 1- Necessidades expressas

  • Upload
    trinhtu

  • View
    218

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • A FAMLIA DO IDOSO DEPENDENTE

    Anlise das necessidades/dificuldades no

    cuidar no domiclio

    Orlanda Sofia Parente Martins

    ESCOLA SUPERIOR DE SADE

  • Orlanda Sofia Parente Martins

    A FAMLIA DO IDOSO DEPENDENTE Anlise das necessidades/dificuldades no

    cuidar no domiclio

    II Mestrado

    em Enfermagem de Sade Comunitria

    Trabalho efetuado sob a orientao da Professora Doutora Maria Manuela Amorim Cerqueira

    Trabalho efetuado sob a co orientao da

    Professora Mestre Maria Cndida Cracel Viana

    outubro de 2014

  • iii

    RESUMO

    Em Portugal, a famlia continua a ser a principal fonte de apoio ao idoso dependente.

    Deste modo, perspetivando a famlia como um sistema em que existe uma correlao

    entre os seus membros, quando a doena atinge um deles, esta confronta-se com a

    necessidade de definir e redefinir as relaes familiares. Neste sentido, importante que

    se compreenda e avalie as necessidades e dificuldades sentidas pelo familiar cuidador,

    uma vez que estas so interpretadas como fatores que limitam a qualidade do cuidado

    prestado.

    Partindo deste pressuposto surgiu a questo de investigao: Quais as

    necessidades/dificuldades dos familiares cuidadores no cuidar do idoso dependente no

    domiclio? com o objetivo de perceber as necessidades/dificuldades dos familiares

    cuidadores no cuidar do idoso dependente no domiclio, tendo como finalidade contribuir

    para a melhoria dos cuidados ao idoso dependente no domiclio, minimizando o

    sofrimento da famlia que cuida, de forma a potencializar o seu bem-estar.

    Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, um estudo de caso. Recorreu-se

    entrevista semi-estruturada para a recolha de dados, realizada a onze familiares

    cuidadores de pessoas idosas dependentes inscritas numa Unidade de Cuidados de

    Sade Personalizados do Alto Minho. Os dados foram analisados atravs de anlise de

    contedo segundo Bardin (2011).

    Resultados: Os familiares cuidadores do idoso dependente no domiclio evidenciam que

    so de diversa ordem as necessidades com que se deparam no seu quotidiano, tais

    como: possuir formao, mais ajudas tcnicas, maior disponibilidade de tempo para si,

    maior disponibilidade econmica e sobretudo, maior apoio e acompanhamento.

    Consideram que as dificuldades se focalizam sobretudo a nvel do autocuidado e no

    enfrentar o sofrimento do seu ente querido. Revelam que cuidar do idoso dependente

    acarreta repercusses a nvel do desgaste fsico e psicolgico, sentindo-se aprisionados

    e com isolamento social. A maioria perceciona que os apoios/acompanhamento so

    insuficientes e centram-se dentro da prpria famlia e em alguns casos a nvel da

    vizinhana. Adotam vrias estratgias no cuidar, que passam por estabelecer

    comunicao, aceitar a doena, preservar a autonomia e adaptar o espao arquitetnico

    da habitao. Tambm apresentam expectativas relativamente s intervenes dos

    enfermeiros, centrando-as a nvel do apoio/ajuda e essencialmente a nvel de adquirir

    formao para o desenvolvimento de habilidades e competncias para cuidar do idoso

    dependente. Ficou evidente que no processo de cuidar, os familiares cuidadores

  • iv

    manifestam sentimentos e emoes como o desnimo, tristeza, medo, revolta,

    impotncia e preocupao, aceitao e tambm felicidade.

    Vrios aspetos da sua vida ficaram alterados aps a responsabilidade de cuidar, tais

    como a perda laboral e a ausncia de atividades de lazer. No entanto, para alguns

    familiares cuidadores no existiram alteraes nos seus aspetos de vida. Como forma

    das famlias preservarem o seu bem-estar, sugerem mais apoio e unio familiar,

    aceitao da situao de dependncia do familiar, cuidar com maior dedicao e afeto,

    mais ajudas tcnicas, mais assistncia mdica e visitas domicilirias da equipa de

    enfermagem mais frequentes.

    Concluso: Ficou demonstrado pelo estudo que os familiares cuidadores defendem a

    presena em casa do idoso dependente, s assim conseguem preservar a sua dignidade

    e lhe proporcionar qualidade de vida.

    Palavras-chave: Famlia Cuidadora; Idoso Dependente; Necessidades; Dificuldades;

    Cuidar.

    outubro de 2014

  • v

    ABSTRACT

    In Portugal, family still is the main support source for the elderly in some sort of

    dependency. In this way, looking at the family as a system in which the members interact,

    when one of them is ill, family faces the need to re-evaluate those ties. Therefore, its

    important to understand and evaluate the needs and difficulties felt by families, as they

    may impair the quality of the support given.

    The question therefore arose: what are the needs/difficulties of the caretakers when at

    home? aiming to identify those causes and, in the end, improve the care given to the

    chronic-dependent patient at home, minimizing the family suffering and improve the

    overall wellbeing.

    Its a quality case study. To collect data, semi-structured interviews where applied to

    eleven caretakers of different families registered in a Unidade de Cuidados de Sade

    Personalizados do Alto Minho (primary health care unit). The data was processed by

    content analysis according to Bardin (2011).

    Results: caretakers of elderly patients at home show that they face different needs such

    as: having more instruction, more technical support, more time for themselves, more

    economic support and, above all, more attention and support for them. They feel that the

    main difficulties are focused in their self-care and the ability to face their families suffering.

    They show social isolation, physical and psychological burnout when given care. Most of

    them feel that the support is insufficient, and comes mainly from within the family or

    neighbourhood. They adopt several strategies to care, such as creating communication

    links, accepting the disease, autonomy preservation and house space adaptation.

    Expectations towards the nurses interventions are also show, mainly in the capacity to

    acquire tools and competences do help care the elderly. Its also evident that in the

    process of caring, caretakers show feelings and emotions as despair, sadness, fear,

    revolt, powerless and concern, acceptance and also happiness.

    Several life aspects are altered after the responsibility of providing care, namely loss of

    job or reduced productivity and the lack of leisure activities. However, for some caretakers

    theres no changing at all. As a way to preserve their wellbeing, families facing a patient

    with dependency agree in more union and family support, more dedication and affection,

    acceptance of the disease, more technical means, more medical support and more

    frequent nurses home visits.

  • vi

    Conclusion: It was shown by the study that the caretakers want the dependent elderly at

    their homes, because its the only way to preserve their dignities and providing quality of

    life.

    Keywords: Caring Family; Dependent Elderly; Needs; Difficulties; Caring.

    october 2014

  • vii

    AGRADECIMENTOS

    Professora Doutora Manuela Cerqueira, que me incentivou e orientou na elaborao

    desta dissertao de mestrado. O seu apoio, disponibilidade e dedicao foram

    essenciais para a concluso deste trabalho.

    Professora Mestre Cndida Viana pelo rigor na co orientao, pela exigncia e

    disponibilidade.

    A todos os familiares cuidadores e suas famlias que ao longo do meu percurso enquanto

    estudante e profissional me deram a conhecer a sua realidade e partilharam comigo as

    suas necessidades e dificuldades.

    Aos colegas da Unidade de Cuidados de Sade Personalizados de Santa Marta de

    Portuzelo pelas sugestes e compreenso.

    Ao meu marido, Pedro, pela sua compreenso, presena e partilha em todos os

    momentos presentes e ausentes.

    A toda a minha famlia que de certa forma se deparou com muitas ausncias, mas

    sempre me apoiou.

    Aos meus colegas e amigos pela amizade, carinho e apoio.

    A todos os que me acompanharam nesta longa jornada e que sempre ouviram os meus

    receios e expectativas.

    A fora de todos tornou este percurso possvel

    Obrigada pelo crescimento que me proporcionaram!

  • ix

    SUMRIO

    RESUMO .......................................................................................................................... iii

    ABSTRACT ....................................................................................................................... v

    AGRADECIMENTOS .................................................................................................... ..vii

    INDICE DE DIAGRAMAS......xi

    INDICE DE QUADROS....xiii

    SIGLAS.......xv

    INTRODUO ................................................................................................................17

    PARTE I ENQUADRAMENTO TERICO-CONCEPTUAL ...........................................21

    1- A FAMLIA: CONCEITO E FUNO .......................................................................23

    2- O IDOSO DEPENDENTE: CONCEITO DE DEPENDNCIA E AUTONOMIA

    FUNCIONAL ................................................................................................................27

    2.1 Os Aspetos Espirituais e Religiosos na Promoo da Sade do Idoso .......29

    3-A FAMLIA E O CUIDAR DO IDOSO DEPENDENTE NO DOMICLIO.....................31

    3.1 Consequncias do Cuidar do Idoso Dependente no Domiclio .....................34

    3.2 As Necessidades e Dificuldades da Famlia no Cuidar ..................................37

    3.3 Promoo do Bem - Estar da Famlia do Idoso Dependente .........................41

    4- O ENFERMEIRO ESPECIALISTA EM SADE COMUNITRIA:

    RESPONSABILIDADE NO CUIDAR DA FAMLIA ......................................................45

    5- RESPOSTAS SOCIAIS DE APOIO AO IDOSO DEPENDENTE..............................49

    PARTE II DA PROBLEMTICA METODOLOGIA ....................................................53

    1. PROBLEMTICA E OBJETIVOS DO ESTUDO: QUESTES ORIENTADORAS ...55

    2. OPES METODOLGICAS .................................................................................59

    2.1 Metodologia Qualitativa ....................................................................................59

    2.2 Tcnica e Instrumento de Recolha de Dados .................................................60

    2.3 Terreno de Pesquisa: Caracterizao .............................................................62

    2.4 Populao do Estudo .......................................................................................62

    2.5 Aspetos ticos ..................................................................................................64

    2.6 Tratamento e Anlise de Dados .......................................................................65

    PARTE III APRESENTAO, INTERPRETAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS

    ........................................................................................................................................67

  • x

    1.NECESSIDADES EXPRESSAS PELOS FAMILIARES CUIDADORES AO CUIDAR

    DO IDOSO DEPENDENTE NO DOMICLIO ................................................................ 75

    2.DIFICULDADES EXPRESSAS PELOS FAMILIARES CUIDADORES AO CUIDAR

    DO IDOSO DEPENDENTE NO DOMICLIO ................................................................ 81

    3.REPERCURSSES NOS FAMILIARES CUIDADORES POR CUIDAREM DO

    IDOSO DEPENDENTE NO DOMICILIO ...................................................................... 87

    4.APOIOS MOBILIZADOS PELOS FAMILIARES CUIDADORES PARA CUIDAR DO

    IDOSO DEPENDENTE NO DOMICLIO ...................................................................... 91

    5.CUIDADOS PRESTADOS PELOS CUIDADORES AO IDOSO DEPENDENTE NO

    DOMICLIO .................................................................................................................. 97

    6.ESTRATGIAS UTILIZADAS PELOS FAMILIARES CUIDADORES NO CUIDAR

    DO IDOSO DEPENDENTE NO DOMICLIO .............................................................. 103

    7.EXPECTATIVAS DOS FAMILIARES CUIDADORES ACERCA DAS

    INTERVENES DOS ENFERMEIROS DOS CSP NO CUIDAR DO IDOSO

    DEPENDENTE NO DOMICLIO ................................................................................ 109

    8.EMOES/SENTIMENTOS EXPERIENCIADOS PELOS FAMILIARES

    CUIDADORES NO CUIDAR DO IDOSO DEPENDENTE NO DOMICLIO ................ 113

    9.ASPETOS DE VIDA DOS FAMILIARES CUIDADORES ALTERADOS PELO

    CUIDAR DO IDOSO DEPENDENTE NO DOMICLIO ............................................... 119

    10.SUGESTES REFERIDAS PELOS FAMILIARES CUIDADORES PARA QUE AS

    FAMLIAS POSSAM CUIDAR DO SEU FAMILIAR DE MODO A PRESERVAREM O

    SEU BEM-ESTAR ..................................................................................................... 123

    11.VONTADES EXPRESSAS PELOS FAMILIARES CUIDADORES ....................... 129

    CONCLUSES, IMPLICAES, LIMITAES E SUGESTES DO ESTUDO ........... 133

    BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 137

    APNDICES ................................................................................................................. 147

    APNDICE 1 GUIO DA ENTREVISTA ................................................................ 149

    APNDICE 2 PEDIDO DE AUTORIZAO PARA A REALIZAO DO ESTUDO

    DIREO DO ACES ................................................................................................. 153

    APNDICE 3 PEDIDO DE AUTORIZAO AO PRESIDENTE DO CONSELHO DE

    ADMINISTRAO DA ULSAM ................................................................................. 157

    APNDICE 4 TERMO CONSENTIMENTO INFORMADO ...................................... 161

    APNDICE 5 MATRIZ DE DADOS FINAL ............................................................. 165

    ANEXOS ....................................................................................................................... 181

    ANEXO 1 PARECER COMISSO TICA ............................................................... 183

  • xi

    NDICE DE DIAGRAMAS

    Diagrama 1- Necessidades expressas pelos familiares cuidadores ao cuidar do idoso

    dependente no domiclio ..................................................................................................75

    Diagrama 2 - Dificuldades expressas pelos familiares cuidadores ao cuidar do idoso

    dependente no domiclio ..................................................................................................81

    Diagrama 3 Repercusses nos familiares cuidadores por cuidarem do idoso

    dependente no domiclio ..................................................................................................87

    Diagrama 4 Apoios mobilizados pelos familiares cuidadores para cuidar do idoso

    dependente no domiclio ..................................................................................................95

    Diagrama 5 Cuidados prestados pelos familiares cuidadores ao idoso dependente no

    domiclio ..........................................................................................................................97

    Diagrama 6 Estratgias utilizadas pelos familiares cuidadores no cuidar do idoso

    dependente no domiclio ................................................................................................ 103

    Diagrama 7 Expectativas dos familiares cuidadores acerca das intervenes dos

    enfermeiros dos CSP para cuidar do idoso dependente no domiclio ............................ 109

    Diagrama 8 Emoes/sentimentos experienciados pelos familiares cuidadores no

    cuidar do idoso dependente no domiclio ....................................................................... 113

    Diagrama 9 Aspetos de vida dos familiares cuidadores alterados pelo cuidar do idoso

    dependente no domiclio ................................................................................................ 119

    Diagrama 10 Sugestes referidas pelos familiares cuidadores para que as famlias

    possam cuidar do seu familiar de modo a preservar o seu bem-estar ........................... 123

    Diagrama 11 Vontades expressas pelos familiares cuidadores .................................. 129

  • xiii

    NDICE DE QUADROS

    Quadro 1 - Caracterizao do familiar cuidador ..............................................................63

    Quadro 2 - Tema, Categorias e Subcategorias emergentes das entrevistas realizadas

    aos familiares cuidadores ................................................................................................69

    Quadro 3 Categorias e subcategorias das Necessidades expressas pelos familiares

    cuidadores ao cuidar do idoso dependente no domiclio .................................................77

    Quadro 4 Categorias e subcategorias das Dificuldades expressas pelos familiares

    cuidadores ao cuidar do idoso dependente no domiclio .................................................83

    Quadro 5 - Categorias e subcategorias das Repercusses nos familiares cuidadores por

    cuidarem do idoso dependente no domiclio ...................................................................89

    Quadro 6 Categorias dos Apoios mobilizados pelos familiares cuidadores para cuidar

    do idoso dependente no domiclio ..................................................................................93

    Quadro 7 Categorias dos Cuidados prestados pelos familiares cuidadores ao idoso

    dependente no domiclio ............................................................................................... 100

    Quadro 8 Categorias das Estratgias utilizadas pelos familiares cuidadores no cuidar

    do idoso dependente no domiclio ................................................................................ 105

    Quadro 9 Categorias das Expectativas dos familiares cuidadores acerca das

    intervenes dos enfermeiros dos CSP para cuidar do idoso dependente no domiclio 110

    Quadro 10 Categorias das Emoes/sentimentos experienciados pelos familiares

    cuidadores no cuidar do idoso dependente no domiclio ............................................... 115

    Quadro11 Categorias dos Aspetos de vida dos familiares cuidadores alterados pelo

    cuidar do idoso dependente no domiclio ...................................................................... 120

    Quadro 12 Categorias das Sugestes referidas pelos familiares cuidadores para que

    as famlias possam cuidar do seu familiar de modo a preservarem o seu bem-estar .... 125

    Quadro 13 - Categorias das Vontades expressas pelos familiares cuidadores....130

  • xv

    SIGLAS

    ACES Agrupamento de Centros de Sade

    ACSS Administrao Central do Sistema de Sade

    AVD Atividades de Vida Dirias

    CSP Cuidados de Sade Primrios

    DGS Direo-Geral da Sade

    DGSS Direo-Geral Segurana Social

    EESC Enfermeiro Especialista em Sade Comunitria

    ECCI Equipa de Cuidados Continuados Integrados

    INE Instituto Nacional de Estatstica

    PNS Plano Nacional de Sade

    RNCCI Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados

    UCC Unidade de Cuidados na Comunidade

    UCSP Unidade de Cuidados de Sade Personalizados

    ULSAM Unidade Local de Sade do Alto Minho

    USF Unidade de Sade Familiar

  • 17

    INTRODUO

    Atualmente confrontamo-nos com o envelhecimento das comunidades como

    consequncia do declnio da taxa da natalidade e do aumento da esperana mdia de

    vida (Portugal, Instituto Nacional de Estatstica (INE), 2012). Para o envelhecimento da

    populao tambm contribui a melhoria das oportunidades de acesso sade (World

    Health Organization, 2002). Este aumento de longevidade traz consigo uma maior

    prevalncia das doenas crnicas e de dependncia para as atividades da vida diria

    (AVD), ao mesmo tempo que trouxe aos governos, s famlias e sociedade em geral,

    desafios para os quais no estavam preparados (Portugal, Direo Geral de Sade

    (DGS), 2006).

    Segundo Carneiro (2012, p. 14) Portugal apresenta mutaes demogrficas de ampla

    escala e com importantes repercusses sociais, econmicas e culturais. () Esta

    dinmica populacional aponta para uma transio demogrfica sem precedentes na

    histria. Segundo dados do INE (2012), verifica-se um quadro de envelhecimento

    demogrfico bastante acentuado, com uma proporo de idosos 7% superior de jovens

    com 14 e menos anos, e uma esperana mdia de vida nascena de 79,2 anos. Isto

    traduz-se num ndice de envelhecimento da populao de 131. O aumento da

    percentagem de idosos foi de 11% em 2001, para cerca de 19% em 2011.

    As polticas sociais e de sade sugerem a manuteno dos idosos no seu domiclio,

    exigindo s famlias um assumir de papis para os quais nem sempre est preparada,

    uma vez que cuidar do idoso dependente complexo e implica diversas adaptaes

    fsicas, sociais, cognitivas e emocionais, podendo revelar-se um processo difcil,

    desgastante e at mesmo vir a comprometer o bem-estar da famlia que cuida. O

    processo de cuidar interativo entre o cuidador e a pessoa cuidada (Waldow, 2006),

    assumindo o cuidador um papel ativo, na medida em que desenvolve aes e

    comportamentos de cuidar. O familiar cuidador efetivamente o suporte emocional e

    social, com um papel importante na satisfao das necessidades da pessoa cuidada.

    Em Portugal, a famlia continua a ser a principal fonte de apoio nos cuidados diretos, no

    apoio psicolgico e nos contactos sociais pessoa idosa dependente (Pal, 1997,

    Pimentel, 2000 e Pego, 2013). A famlia assume assim o papel central nos cuidados ao

    idoso dependente no domiclio. Conforme refere Martins (2002), ela a primeira unidade

    social onde a pessoa se insere, contribuindo tambm, para o seu desenvolvimento e

    socializao. O envolvimento da famlia nos cuidados de sade constituiu desde sempre

  • 18

    um acto de vida (Moreira, 2006, p. 43). Esta apresenta-se como um sistema aberto, de

    inter-relaes recursivas, constituda por um grupo coeso de pessoas relacionadas entre

    si, com valores, conhecimentos e prticas prprias onde qualquer mudana surgida num

    determinado membro implica alteraes nos restantes elementos (Figueiredo, 2012).

    Assumir a responsabilidade da prestao de cuidados ao idoso dependente requer

    frequentemente uma adaptao por parte do cuidador, muitas vezes familiar, para

    satisfazer as suas necessidades humanas bsicas. Neste sentido, cuidar de idosos

    dependentes pode gerar angstia, tenso, alteraes no bem-estar do cuidador a nvel

    da sade, da vida social, da rotina familiar, entre outros aspetos, levando isto ao

    despoletar de inmeras necessidades/dificuldades (Pal, 1997; Palma, 1999; Pacheco,

    2004: Verssimo e Moreira, 2004; Santos, 2008; Andrade, 2009; Ricarte, 2009; Sequeira,

    2010; Mata e Rodrguez, 2012; Ramos, 2012).

    Neste sentido, evidencia-se o papel promissor do enfermeiro a exercer funes em

    Cuidados de Sade Primrios (CSP), num contexto de proximidade de cuidados a um

    nmero limitado de famlias integradas numa comunidade especfica. Cabe ao enfermeiro

    responder s necessidades das famlias que cuidam de idosos dependentes no domiclio,

    exigindo que se efetuem visitas domicilirias frequentes e constantes, constituindo

    formas privilegiadas de interveno a nvel individual, familiar e social, contribuindo para

    o desenvolvimento comunicacional e conhecimento dos contextos vivenciados pelas

    famlias dos idosos dependentes, que experienciam muitas vezes uma variabilidade de

    sentimentos, necessidades e dificuldades, que afetam a sua qualidade de vida.

    Prestar cuidados de enfermagem no domiclio promove um cuidado centrado na famlia e

    no idoso que se encontra em estado de dependncia, potenciando relaes assertivas e

    facilitadoras da expresso de sentimentos. O enfermeiro ao invadir a privacidade do lar,

    passa a fazer parte integrante dele. Rice (2004) preconiza que ao entrarmos no mundo

    do utente, decidimos conjuntamente com ele o qu e como ensinar (p. 129). Mas, para

    que a famlia seja foco de ateno dos enfermeiros necessrio que o enfermeiro

    identifique e analise as necessidades e dificuldades que vo surgindo ao familiar cuidador

    para que este possa sentir que algum cuida dele.

    Tendo em conta estes pressupostos e considerando que cuidar do idoso dependente

    pode ser perturbador para as famlias, alterando drasticamente a sua rotina familiar,

    colocamos a seguinte questo de investigao: Quais as necessidades/dificuldades dos

    familiares cuidadores no cuidar do idoso dependente no domiclio?

  • 19

    A finalidade deste estudo de investigao prende-se com o contribuir para a melhoria dos

    cuidados ao idoso dependente no domiclio, minimizando o sofrimento da famlia que

    cuida, de forma a potencializar o seu bem-estar.

    assim objetivo geral deste estudo perceber as necessidades/dificuldades dos familiares

    cuidadores no cuidar do idoso dependente no domiclio. Como objetivos especficos,

    pretendemos:

    - Identificar as necessidades dos familiares cuidadores ao cuidar do idoso dependente no

    domiclio;

    - Identificar as dificuldades dos familiares cuidadores ao cuidar do idoso dependente no

    domiclio;

    - Identificar os cuidados prestados pelos familiares cuidadores ao idoso dependente no

    domiclio;

    - Identificar as estratgias utilizadas pelos familiares cuidadores no cuidar do idoso

    dependente no domiclio;

    - Analisar as expectativas dos familiares cuidadores acerca das intervenes dos

    enfermeiros dos CSP no cuidar do idoso dependente no domiclio;

    - Identificar os apoios que os familiares cuidadores mobilizam no cuidar do idoso

    dependente no domiclio;

    - Identificar as emoes/sentimentos experienciados pelos familiares cuidadores no

    cuidar do idoso dependente no domiclio;

    - Analisar os aspetos de vida dos familiares cuidadores alterados pelo cuidar do idoso

    dependente no domiclio.

    O presente estudo tem como base uma anlise qualitativa das necessidades/dificuldades

    dos familiares cuidadores, atravs da aplicao da entrevista semi-estruturada para a

    recolha de dados.

    Encontra-se estruturado em quatro partes principais. Na primeira parte consta a reviso

    sistemtica de literatura sobre famlia, idoso dependente e famlia a cuidar do idoso

    dependente no domiclio, bem como a responsabilidade do Enfermeiro Especialista em

    Sade Comunitria (EESC) no cuidar da famlia e respostas sociais de apoio ao idoso.

    Na segunda parte so apresentados os mtodos e procedimentos adotados para a

    operacionalizao do estudo. A terceira parte descreve a apresentao, interpretao e

    discusso dos resultados obtidos. Finalmente, procedemos exposio das concluses,

    implicaes, limitaes e sugestes do estudo.

  • PARTE I ENQUADRAMENTO TERICO-CONCEPTUAL

  • 23

    Este captulo prev o enquadramento terico do problema de pesquisa atravs de uma

    identificao dos temas mais relevantes para a compreenso da temtica em estudo:

    Famlia do Idoso Dependente: Anlise das necessidades/dificuldades no cuidar no

    domiclio.

    Dedicamos o primeiro captulo conceptualizao de famlia e o segundo

    conceptualizao de idoso dependente. No terceiro captulo abordada a problemtica

    do cuidar referente famlia com idoso dependente, onde se enfatiza as consequncias

    do cuidar, necessidades e dificuldades com que as famlias se deparam e promoo do

    bem-estar dessas famlias. No quarto captulo abordada a responsabilidade do EESC

    no cuidar da famlia e no quinto captulo feita referncia s respostas sociais de apoio

    ao idoso.

    1- A FAMLIA: CONCEITO E FUNO

    A presena de um idoso com uma situao de doena crnica e dependente no meio

    familiar, se por um lado proporciona a este estabilidade e proteo, por outro, confronta a

    famlia com a necessidade de (re)definir as relaes familiares.

    Nesta lgica, parece-nos importante abordar o conceito de famlia e sua funo, uma vez

    que, sem sombra de dvida, sofreu ao longo do tempo as mais profundas adaptaes e

    modificaes.

    A famlia o grupo social mais antigo presente na sociedade e aquele que mais

    influencia a vida das pessoas, apresentando uma organizao complexa que se encontra

    em constante interao com o contexto social onde est inserida. As transformaes na

    sociedade implicaram mudanas significativas na organizao e estrutura familiar, dando

    origem a novas estruturas familiares. Neste sentido, focando a era romana verificamos

    que a famlia era constituda por um conjunto de pessoas lideradas por um chefe: o

    pater famlias, classificada como uma famlia patriarcal que reunia todos os seus

    membros em funo do culto religioso, para fins polticos e econmicos (Leite, 1991).

    As transformaes a nvel poltico, econmico e social, ocorridas na segunda metade do

    sculo XX, alteraram a estrutura e a dinmica da famlia, o que conduziu a profundas

    mudanas no comportamento das pessoas e redefinio de papis no seio familiar.

    A famlia sofre fortes influncias polticas, econmicas, sociais e culturais, originando

    mudanas nos papis e nas relaes, alterando a sua estrutura nomeadamente a nvel

    da composio familiar. Singly (2000) salienta que a famlia contempornea ao mesmo

    tempo e paradoxalmente, relacional e individualista. nesta tenso que existe entre

  • 24

    estas duas dimenses que se constroem e se desfazem os laos familiares

    contemporneos.

    Atualmente no existe uma configurao singular de famlia, pois esta tem vindo a sofrer

    alteraes, passando a existir cada vez mais famlias nucleares, monoparentais.

    Salientamos que a famlia no sculo XXI designada como a famlia ps-moderna ou

    pluralista. No entanto, vrias so as definies de famlia, de acordo com diferentes

    autores.

    Para Minuchin (1990) a famlia um conjunto invisvel de exigncias funcionais que

    organiza a interao dos membros da mesma, considerando-a igualmente como um

    sistema que opera atravs de padres transacionais. Assim, no interior da famlia, os

    indivduos podem construir subsistemas, podendo estes ser formados por grupos de

    diferentes geraes, sexo, interesses e/ou funo, havendo diferentes nveis de poder, e

    onde os comportamentos de um membro afetam e influenciam os outros membros.

    J Silva (2001) salienta que a famlia uma construo social, na medida que representa

    um modo de agir e de pensar coletivo, que evoluiu ao longo do tempo em relao

    organizao e funcionamento da sociedade.

    A famlia de hoje, j no representa a construo mental que faz parte de cada um de

    ns - pai, me e filhos. Mas cada vez mais encontramos famlias classificadas como

    normais, luz dos novos paradigmas, em que os membros nem sempre partilham a

    mesma residncia, nem sempre os descendentes so filhos dos adultos da famlia e nem

    sempre os adultos so de sexos diferentes (Alarco e Relvas, 2002).

    A famlia pode ser considerada a principal entidade de desenvolvimento pessoal, que

    possibilita o crescimento e autonomizao dos seus membros e, simultaneamente, a

    criao de um sentimento de pertena. Representa um grupo de pessoas unidas com um

    objetivo comum de crescimento e desenvolvimento dos seus membros (Alarco, 2006).

    Vrios autores, entre eles Minhuchin (1990) e Figueiredo (2012), tm definido o conceito

    de famlia como um sistema em que se verificam mltiplas interaes entre todos os seus

    membros. Segundo Figueiredo a famlia apresenta-se como um sistema aberto, de inter-

    relaes recursivas, () inserido e articulado em diversos contextos, agrega um sistema

    de valores, conhecimentos e prticas, num espao relevante de socializao e

    humanizao (2012, p. 68).

    Esta viso dinmica da famlia revela a sua complexidade e permite-nos compreender

    melhor a importncia das relaes estabelecidas entre os seus membros, como

    determinantes no processo evolutivo do grupo familiar. A famlia enquanto grupo, evoluiu

    de acordo com as suas finalidades, face s quais desenvolve determinadas funes que

  • 25

    se transformam ao longo do seu ciclo de vida, sujeito s transies normativas e

    acidentais (Ibidem).

    Parece-nos que definir a famlia de modo absoluto, preciso e universal difcil, pois cada

    famlia nica. Em todas as famlias existem necessidades e dificuldades que tm de se

    enfrentar, mas a forma como as enfrenta especfica de cada uma. Quando a famlia

    suporta os perodos de tenso, de forma a preservar a identidade do sistema e a

    respeitar as diferenas individuais dos membros, considera-se uma famlia funcional. Nas

    famlias funcionais, os papis esto muito bem definidos, isto , quando surgem

    problemas so discutidos e resolvidos no momento exato (Relvas, 2003).

    Quando os especialistas querem perceber como se comporta a famlia em termos de

    funcionalidade, tentam perceber a existncia de alianas e/ou coligaes entre os seus

    membros. Uma famlia estruturada, por norma, exprime uma liderana democrtica em

    que inclui as crianas, com harmonia nos papis e nas regras familiares. O mesmo j no

    se verifica nas famlias rgidas em que um dos membros controla a dinmica familiar,

    impondo rigidez de papis e inflexibilidade nas regras. Nas famlias caticas, os papis

    no esto definidos, h troca frequente de papis entre os seus membros e o uso de

    alguma impulsividade nas tomadas de deciso (Idem).

    O conceito de famlia, bem como as relaes estabelecidas entre os seus membros

    modificou-se ao longo do tempo a par da evoluo da sociedade. A mudana de uma

    sociedade rural para uma sociedade industrial, acompanhada pela dispora para as

    grandes cidades, contribuiu para a nuclearizao da famlia e consequente eroso das

    tradicionais normas de obrigao familiar. O incio da industrializao e a expanso da

    economia obrigou a que a produo ocorrida em espao domstico passasse para o

    mercado do trabalho. Esta nova famlia conserva alguns aspetos da famlia tradicional

    nomeadamente, a preservao das relaes afetivas entre os seus membros.

    A famlia, em Portugal, est em profunda mudana. No passado recente, a organizao

    familiar reconfigurou-se devido s transformaes societrias relacionadas com o

    aumento da taxa de participao das mulheres portuguesas no mercado de trabalho, a

    atomizao dos agregados familiares e a maior volatilidade das relaes conjugais (Wall,

    Cunha e Vasconcelos, 2001). Os ltimos dados dos Censos (Portugal, INE, 2012)

    mostram uma tendncia de reduo da dimenso mdia das famlias e diminuio da

    natalidade. Analisando as alteraes nas ltimas dcadas da estrutura, composio e

    dimenso das famlias portuguesas, observa-se o aumento das famlias unipessoais e o

    surgimento de novas formas familiares e conjugais, as quais, embora de forma ainda

    muito restrita, tm vindo a ser incorporadas no conceito de ncleo familiar. Estas

  • 26

    mudanas podero reduzir o papel das famlias na proviso de servios para os

    familiares mais idosos.

    A alterao da estrutura familiar um dos fatores proeminentes de mudana na

    sociedade contempornea, colocando novos desafios em termos de necessidades

    sociais e organizao das respostas pblicas e privadas, com vista promoo do

    bem-estar individual e coletivo no contexto do processo de envelhecimento. Em geral, a

    famlia desempenha um papel importante na proviso dum vasto conjunto de servios

    para fazer face s necessidades dos seus membros, acomodando os efeitos da incerteza

    em domnios importantes da vida, como so os casos do mercado de trabalho ou dos

    cuidados pessoais, entre outros (Carneiro, 2012).

    As mudanas demogrficas e da estrutura social das famlias trouxeram consigo uma

    nova dinmica na vida das pessoas pois, se h algumas dcadas eram as mulheres que

    assumiam o papel de cuidadoras dos idosos, com a sua entrada no mercado laboral e o

    envelhecimento simultneo da populao, o cuidado dos mais velhos ficou, de certa

    forma, comprometido (Pego, 2013).

    Concluindo, verificam-se mltiplas alteraes sociais e alteraes na estrutura familiar. A

    reduo do agregado familiar, a maior volatilidade das relaes conjugais, a diminuio

    da natalidade, o aumento da participao das mulheres no mercado de trabalho e as

    alteraes das redes de solidariedade e vizinhana, tm vindo tambm a condicionar as

    possibilidades de apoio das famlias que prestam cuidados aos seus elementos idosos

    dependentes. Todavia, apesar das limitaes da famlia ela continua a assumir-se como

    o centro da solidariedade interpessoal assegurando o bem-estar e os cuidados

    necessrios dos seus familiares idosos dependentes. A famlia , por excelncia, um

    suporte da realizao afetiva do indivduo e, deste modo, no se pode descurar a

    importncia indiscutvel dos cuidados informais prestados em contexto domicilirio.

  • 27

    2- O IDOSO DEPENDENTE: CONCEITO DE DEPENDNCIA E AUTONOMIA

    FUNCIONAL

    Grande parte das pessoas idosas desfruta de uma sade que lhes permite viver de uma

    forma independente, com capacidades para a concretizao de mltiplas tarefas e

    atividades sem a necessidade de auxlio de outros. Porm, o envelhecimento ocorre de

    forma diferente de pessoa para pessoa e, se a maioria das pessoas idosas consegue

    viver muitos anos saudvel e livre de limitaes, a realidade mostra-nos uma estreita

    relao entre a idade e a dependncia.

    De acordo com a Organizao Mundial de Sade e a Organizao das Naes Unidas,

    nos pases desenvolvidos, considera-se que uma pessoa idosa quando tem 65 e mais

    anos, enquanto nos pases em desenvolvimento, considerada idosa a pessoa com 60 e

    mais anos (Oliveira, 2005; Neri, 2001;Paschoal, 2000).

    Imaginrio (2004) refere que a velhice surge pela deteriorao e declnio da

    funcionalidade do indivduo, levando-o incapacidade funcional e desenvolvimento de

    um auto-conceito negativo e que o grau de dependncia tanto maior quanto mais

    elevado for o grupo etrio. O aumento da dependncia no idoso est muitas vezes

    relacionado com a prpria deteriorao do processo de envelhecimento, em que as

    perdas de coordenao motora se associam a medos crescentes.

    Segundo a DGS (2006, p. 11), as doenas no transmissveis e de evoluo prolongada,

    tornam-se as principais causas de morbilidade e mortalidade das pessoas idosas, com

    enormes custos individuais, familiares e sociais. Os problemas crnicos e as suas

    consequncias obrigam mais tarde ou mais cedo, a modificar o ritmo de vida e a aceitar a

    baixa da capacidade funcional. A doena crnica, quer seja de carter fsico ou mental,

    uma das maiores causas de incapacidade e perda de independncia e autonomia

    funcional. A dependncia pode ser o reflexo de uma perda geral das funes fisiolgicas

    derivadas do prprio processo de senescncia, ou de uma ou vrias doenas crnicas.

    Poder-se- dizer que o conceito de dependncia e o conceito de autonomia so de certa

    forma conceitos opostos. A dependncia est relacionada com uma certa necessidade de

    outro para a realizao de tarefas, sejam elas inerentes ao autocuidado, ou

    necessidade de se relacionar com o meio, enquanto que a autonomia diz respeito

    capacidade de decidir e comandar-se pelas prprias ideias. Porm, o estado de

    dependncia, independncia e autonomia do idoso no dependem apenas da sade

    funcional do organismo, mas tambm de sanidade psicolgica e scio ambiental.

  • 28

    A dependncia assume contornos particulares, uma vez que resulta de fatores como a

    reduo das capacidades fsicas ou psicolgicas, insegurana econmica, isolamento,

    solido, dependncia de familiares e/ou de outro tipo de suporte social (Fernandes,

    2000).

    De acordo com a Classificao Internacional para a Prtica de Enfermagem, a

    dependncia significa estar dependente de algum ou alguma coisa para ajuda e apoio

    (Conselho Internacional de Enfermeiros, 2006, p. 107). dependncia est

    frequentemente associada uma limitao fsica, psquica ou intelectual que compromete

    determinadas capacidades, levando incapacidade para realizar, por si, as AVD e

    necessidade de assistncia ou cuidados por parte de terceiros (Amaral e Vicente, 2000;

    Figueiredo, 2007). Consideram-se em situao de dependncia os indivduos que no

    possam praticar com autonomia os atos indispensveis satisfao das necessidades

    bsicas de vida quotidiana, carecendo da assistncia de outrem (Nogueira, 2009, p. 8),

    ou seja, a pessoa por si s no consegue realizar as suas AVD.

    Existem estudos, tal como o de Amaral e Vicente (2000) que salientam que o grau de

    dependncia tanto maior quanto mais elevado o grupo etrio, sendo o sexo feminino

    mais dependente que o masculino.

    Tambm Caldas (2003) verifica que a dependncia causa grande impacto a nvel da

    sade pblica, pelo facto de provocar nas famlias alteraes na sua dinmica familiar.

    Estas situaes de alterao da dinmica familiar provocadas pela perda de autonomia

    tambm conduzem a situaes de fragilidade no seio da famlia.

    De acordo com Paschoal (2007) a perda da funo o principal indicador de

    dependncia, referindo que se deve fazer uma avaliao da autonomia funcional do

    idoso, com base nas atividades bsicas da vida diria como a alimentao, higiene

    pessoal e movimento; nas atividades instrumentais de vida diria que apresentam maior

    complexidade; como usar o telefone, cuidar da casa, preparar a comida, fazer compras,

    tratar dos assuntos econmicos e usar os meios de transporte, e ainda nas atividades

    avanadas de vida diria, mais complexas mas no to essenciais para a independncia

    da pessoa idosa, que interferem com a sua auto realizao, tal como a capacidade de

    conduzir, fazer desporto, ir ao cinema, entre outras.

    A autonomia funcional de um indivduo constata-se pela independncia de interveno de

    terceiros para a realizao das AVDs.

    A autonomia compreendida como uma componente essencial de bem-estar do

    indivduo, que se deve realizao e satisfao da sua vontade. A pessoa escolhe o

    caminho a seguir, facto que lhe transmite segurana e satisfao com a vida. Neste

  • 29

    sentido a autonomia est associada em grande parte ao nvel psicolgico dos indivduos

    (Santos, 2000).

    Hernndez e Gimnez (2000) citado por Imaginrio (2004) classificam a autonomia em

    trs grupos: a) idosos com baixa autonomia: apresentam alta dependncia na realizao

    das atividades de vida diria; b) idosos com mdia autonomia: apresentam um dfice na

    atividade intelectual e sensorial, mas conseguem resolver a maior parte dos problemas

    que ocorrem na sua vida; c) idosos com elevada autonomia: apresentam uma boa

    qualidade de vida e atitudes positivas face vida.

    Dadas as perdas que acontecem com o envelhecimento e com a dependncia, tanto a

    famlia como o idoso necessitam passar por um perodo de adaptao e compensao

    das perdas ocorridas, com o objetivo de promover a autonomia do idoso (Sequeira,

    2010). Esta autonomia no conceito mais global engloba a dimenso espiritual e religiosa

    que exige s famlias um debruar atento e um respeito por estas dimenses.

    2.1 Os Aspetos Espirituais e Religiosos na Promoo da Sade do Idoso

    A dimenso religiosa faz parte da estrutura ontolgica da pessoa e desenvolve-se atravs

    da religio. Ela exerce um papel significativo na existncia humana, proporcionando um

    apoio para lidar com os desafios dirios do processo de envelhecimento. De acordo com

    Matthews e Clark (1998), a palavra religio deriva do latim religare e no seu sentido

    originrio o que liga e religa todas as coisas, o consciente com o inconsciente, a mente

    com o corpo e a pessoa com o cosmo (Pessini, 2004, p. 55).

    Sempre carregada por um cunho emocional profundo, a religiosidade tem garantido s

    pessoas idosas a esperana de um mundo melhor e sem sofrimento, proporcionando um

    suporte necessrio para que se possa envelhecer condignamente, vivenciando um

    envelhecimento bem sucedido, a fim de lidar melhor com o sofrimento, os desafios e as

    transies ao longo da vida.

    A existncia de uma elevada espiritualidade e religiosidade facilita a diminuio dos

    nveis de ansiedade, uma grande adaptao doena e uma melhor sade mental

    (Koenig, 1995). Levin, Larson e Puchalski (1997) demonstram que a espiritualidade

    influencia positivamente a capacidade pessoal para participar na promoo da sade e

    na sensao de bem-estar.

  • 30

    Atravs da religiosidade, o idoso pode atribuir significados aos factos, compreendendo-os

    e aceitando-os de melhor forma, mediante a crena de que nada ocorre ao acaso e de

    que acontecimentos da vida so determinados por uma fora superior.

    O estado da arte evidencia que o envolvimento espiritual e religioso no s promove a

    sade fsica e mental e a longevidade, como tambm diminui a procura dos cuidados de

    sade. Renaud (2008, p. 160) destaca que o ser Humano () est permanentemente no

    caminho da sua realizao espiritual.

    A espiritualidade evidenciada por Breitbart (2003, p. 59) como favorecedora de um

    sentido transcendente na vida e envolve conceitos de f e/ou sentido. A f est

    frequentemente associada religio e s crenas religiosas; o sentido um conceito

    mais universal, porque pode existir em pessoas com ou sem religio.

    Nos ltimos anos, tm sido desenvolvidas diversos mecanismos para avaliar a

    religiosidade e a espiritualidade, sendo algumas especficas para a sade (Hall, Meador,

    Koenig, 2008; Hill, 2005). Deste modo, a dimenso espiritual e religiosa tem implicaes

    na promoo da sade dos idosos, tal como refere Koenig (1995) quando salienta que a

    elevada espiritualidade e religiosidade est associada a baixos nveis de ansiedade, a

    uma grande adaptao doena e a uma melhor sade mental. Tambm Koenig e

    Cohen (2002) e Benson (1996) referem que as crenas ajudam a transcender as perdas

    (bio-psico-sociais), nomeadamente o declnio no funcionamento fsico e mobilizam efeitos

    placebo de tolerncia dor.

  • 31

    3- A FAMLIA E O CUIDAR DO IDOSO DEPENDENTE NO DOMICLIO

    O envelhecimento traz consigo um aumento da probabilidade de limitaes ao nvel

    biolgico, psicolgico e social, dado que viver mais anos significa um aumento da

    prevalncia de determinadas patologias que levam a situaes de dependncia, perda de

    autonomia, isolamento social e depresso. Tudo isto se traduz em sofrimento para os

    idosos e para as suas famlias que lhes prestam cuidados.

    Prestar cuidados sempre foi visto como uma funo bsica da vida das famlias. Fala-se

    de cuidar das crianas, cuidar da famlia, cuidar dos membros em desvantagem, cuidar

    de idosos.

    Hanson (2005) refora que envelhecimento assunto de famlia, e que as pessoas

    idosas so parte integrante da rede familiar at morte. O apoio intergeracional de

    cuidados prolonga-se ao longo do ciclo vital da famlia. Neste sentido, advm

    consequncias sociais, sobretudo a nvel das incapacidades para realizar as AVDs e das

    repercusses scio familiares que a situao acarreta.

    Portugal um pas onde predomina a cultura familiarista, ou seja, o cuidado prestado aos

    idosos assumido, primeiramente, pelas famlias. Tal como refere Pego (2013, p. 16),

    mantem-se tradicionalmente a famlia como primeira linha de cuidados aos idosos

    dependentes, sobretudo em zonas rurais. Isto deve-se a uma questo cultural mas

    tambm reduzida disponibilidade de recursos formais apesar de, nos ltimos anos, se

    ter verificado um aumento da oferta destes a nvel comunitrio e domicilirio.

    A mesma autora refere que, embora esta oferta sirva de estmulo para um reforo da

    solidariedade familiar e uma maior participao da famlia nos cuidados de longa durao

    aos seus idosos, o aumento da disponibilidade de recursos formais no afasta a famlia

    dos seus idosos, mas torna-os parceiros dos cuidados formais (Idem, p. 15).

    Com a reestruturao dos cuidados de sade e implementao das Unidades de

    Cuidados na Comunidade (UCC), o tempo de internamento diminuiu e os cuidados foram

    mais direcionados para a comunidade, passando a ser centrados no domiclio. Compete

    UCC prestar cuidados de sade e apoio psicolgico e social, de mbito domicilirio e

    comunitrio, s pessoas, famlias e grupos mais vulnerveis em situao de maior risco

    ou dependncia fsica e funcional () (Decreto-Lei n. 28/2008, de 22 de fevereiro, p.

    1184).

    Esta nova conceo de cuidar exigiu ao profissional de sade que se focasse nas

    relaes familiares e nos seus processos de sade e doena. No acompanhamento de

  • 32

    uma situao de doena e dependncia funcional, o doente e a equipa de sade no so

    os nicos elementos que interferem no processo, o cuidador familiar, ou o cuidador

    informal, sem dvida um elemento determinante no conjunto da prestao de cuidados

    a idosos dependentes.

    Deste modo, medida que os cuidados de sade prestados em meios hospitalares se

    foram transferindo para a comunidade, a famlia como entidade prestadora de cuidados,

    foi sendo cada vez mais valorizada. O apoio prestado pela famlia assume um papel

    primordial. A famlia a clula base, fundamental para a prestao de cuidados ao idoso

    dependente no domiclio. Para o idoso, a famlia ainda a principal fonte de ajuda e

    apoio, tanto nas actividades domsticas como nas de vida diria: companhia, cuidados

    em caso de doena, entre outras (Imaginrio, 2008, p. 16).

    importante que a famlia assuma funes muito particulares nas diversas etapas da

    vida humana, desde a infncia at velhice, entre elas o cuidar. Na velhice, este papel

    mais assistencialista, j que o sentido de prestar algum suporte ao idoso est em

    procurar manter o seu equilbrio afetivo, emocional e fsico, o qual preciso cuidar com

    dedicao.

    Cuidar faz parte da histria, da experincia e dos valores da famlia, estando esta funo

    intimamente relacionada com o contexto familiar, apesar das constantes alteraes a que

    vamos assistindo na sociedade (Lage, 2005).

    Segundo Cerqueira cuidar no domiclio permite famlia organizar os cuidados e prest-

    los em tempo oportuno e adequado s necessidades do doente, () uma vez que a

    famlia toma parte activa e interveniente em todo o processo de cuidar (2005, p. 63). A

    prestao de cuidados no domiclio aparece, hoje, como a forma mais humanizada de

    resposta, exigindo o estabelecimento de redes sociais de apoio integrado que garantam a

    efetiva continuidade desses cuidados (Idem).

    A rede social formal e informal importante no que se refere prestao de cuidados,

    mas famlia que cabe a responsabilidade de cuidar diria e ininterruptamente do

    idoso. No entanto, embora esteja a cargo da famlia a funo de cuidar do idoso

    dependente, a prestao de cuidados no se reparte dentro da famlia equitativamente,

    uma vez que existe um cuidador principal, denominado por cuidador informal.

    Os cuidadores informais so elementos da rede social do idoso (familiares, amigos,

    vizinhos colegas...) que lhe prestam cuidados regulares, no remunerados, na ausncia

    de um vnculo formal ou estatutrio (Sousa, Figueiredo e Cerqueira, 2006, p. 53).

    Sequeira (2007) refere que o cuidador principal aquele sob quem depositada a

    responsabilidade integral de cuidar, supervisionar, orientar e acompanhar a pessoa idosa

  • 33

    que necessita de cuidados, e o cuidador secundrio algum que ajuda na prestao de

    cuidados em colaborao com o cuidador principal. Esta colaborao pode passar pela

    prestao direta de cuidados ou por apoio econmico, em atividades de lazer e

    atividades de mbito social.

    Identicamente, Rolo (2009) menciona que o cuidador informal principal a pessoa que

    proporciona a maior parte dos cuidados, que no remunerada e sobre quem recai mais

    de metade da responsabilidade dos cuidados ao idoso dependente. Este pode ser

    auxiliado por outros familiares, amigos, voluntrios ou profissionais, e neste caso, h um

    cuidador principal e todos os que servem de suporte ou de apoio so cuidadores

    secundrios, podendo identificar-se vrios cuidadores secundrios para a mesma

    pessoa.

    Assim, o cuidador informal ou prestador de cuidados a pessoa que tem a funo de

    cuidar de algum com algum grau de dependncia fsica ou mental e que necessite de

    ajuda (total ou parcial) para a realizao de atividades da vida cotidiana (Brondani [et

    al.], 2010, p. 505).

    A prestao de cuidados a uma pessoa em situao de dependncia representa um ato

    de carinho. Imaginrio (2004) refere que os cuidados prestados podem ser divididos em

    cuidados instrumentais e cuidados expressivos. Deste modo, como cuidados

    instrumentais a autora classificou todo o tipo de cuidados fsicos, tais como cuidados de

    higiene, alimentao e mobilizao do doente e denominou cuidados tcnicos a

    administrao de medicao e cuidados de vigilncia, como o acompanhamento a

    consultas mdicas. Como cuidados expressivos a autora identificou o que diz respeito a

    cuidados afetivos de conforto, carinho e companhia e cuidados sociais que se reportam

    para cuidados de distrao e comunicao.

    Como j referimos, cada vez mais se procura que a prestao de cuidados se realize no

    seio da famlia, no entanto, vive-se em contextos mais desfavorveis para a sua

    efetivao. Emergem cada vez mais famlias envelhecidas, reduziu o nmero de famlias

    disponveis e com condies de exercer a tarefa de cuidadora, em oposio ao aumento

    do nmero de idosos a necessitar de cuidados. Pode-se inferir, portanto, que o

    envelhecimento com dependncia e a figura da famlia como cuidador esto a exigir

    novas formas de assistncia e novos enfoques por parte das polticas de sade.

    O fenmeno do envelhecimento exige cada vez mais ao nvel dos apoios formais, a

    necessidade de equacionar medidas que permitam s famlias continuar a cuidar dos

    seus idosos. No entanto, como se vivencia um momento de crise econmica e financeira,

    em que h uma retrao da despesa no setor pblico da sade, principal prestador de

  • 34

    cuidados formais, necessrio compreender a capacidade que as famlias portuguesas

    tm de assegurar a prestao de cuidados aos seus membros dependentes,

    reconhecendo quais as consequncias que o cuidar acarreta.

    3.1 Consequncias do Cuidar do Idoso Dependente no Domiclio

    O cuidado informal a pessoas idosas dependentes traz consequncias, em vrias e

    importantes reas da vida do cuidador, levando as famlias a definir e redefinir as

    relaes, obrigaes e capacidades. No momento de assumir o papel de cuidador, a

    pessoa, por norma, ainda no est consciente das exigncias associadas a este papel e,

    cuidar de uma pessoa com dependncia obriga a grande dispndio de tempo pessoal e

    energia.

    Cuidar do idoso dependente bastante exigente do ponto de vista fsico, particularmente

    os cuidados de higiene e as mobilizaes, pelo que esta tarefa pode tornar-se uma rotina

    esgotante, que apenas pode ser aliviada se houver apoio de terceiros (Marques, 2007). O

    facto de os cuidadores poderem contar com a ajuda de algum, como por exemplo do

    cuidador secundrio, alivia-os das exigncias dos cuidados, melhorando a sua perceo

    de sade e a sua qualidade de vida (Brito, 2002), atenuando as consequncias das

    alteraes no seu estilo de vida e contribuindo naturalmente para a perceo de maior

    vigor psquico e maior energia (Lage, 2005).

    No entanto, constata-se que muitas vezes isto no acontece e, segundo alguns estudos

    (Brito, 2002; Sequeira, 2010), para alm de todos os problemas fsicos que podem advir

    do ato de cuidar, a dimenso emocional da sobrecarga, aquela que mais impacto tem

    sobre o cuidador. Martins (2006) refere que a sobrecarga resultante do papel de

    cuidador e que tem repercusses a nvel fsico, emocional, social e financeiro.

    Segundo Imaginrio

    a tarefa de cuidar do idoso dependente pode produzir uma sobrecarga intensa que acaba por comprometer a sade, a vida social, a relao com outros membros da famlia, o lazer, a disponibilidade financeira, a rotina domstica, o desempenho profissional e inmeros outros aspectos

    da vida familiar e pessoal (2008, p. 17).

    Assim, verifica-se que o desempenho do papel de prestador de cuidados interfere com

    aspetos da vida pessoal, familiar e social dos familiares cuidadores o que pode

    manifestar-se em tenso, constrangimento, fadiga, frustrao, reduo de convvio,

    alterao da autoestima, entre outros (Sarmento, Pinto e Monteiro, 2010, p. 46).

  • 35

    A sobrecarga pode ser caraterizada pelo facto de o familiar cuidador se ver sem apoio e

    permanentemente diante de situaes de enfrentamento, ocasionando queixas de ordem

    objetiva e subjetiva, associadas ao cuidado realizado (Marques [et al.], 2011, p. 949).

    Um cuidador mal preparado ou submetido ao desafio de cuidar durante vrios anos, pode

    atingir elevados nveis de stress resultantes da sobrecarga fsica e/ou emocional. A

    sobrecarga fsica deve-se a um excesso de atividades a desenvolver, ao esforo fsico

    pela complexidade das tarefas, ao abandono de tratamentos para dedicar o seu tempo ao

    doente e diminuio das horas de sono e o consequente cansao (Verssimo e Moreira,

    2004). So vrios os sinais que podem indicar sobrecarga fsica, nomeadamente queixas

    somticas, como indigesto, alteraes do apetite, dores de cabea, fadiga, perda ou

    ganho de peso, dificuldade de concentrao, entre outros.

    A sobrecarga emocional engloba problemas como a ansiedade ou mesmo quadros de

    depresso, manifestando-se esta um ano aps o incio da prestao de cuidados, sendo

    por isso na rea da sade mental que os efeitos da prestao de cuidados mais se

    fazem notar (Brito, 2002, p. 35).

    Loureiro (2009) salienta que frequente a existncia de sentimentos de raiva, hostilidade,

    culpa, revolta, medo, solido e pessimismo em familiares cuidadores, bem como o

    desenvolvimento de sintomatologia psiquitrica pela prestao continuada de cuidados.

    Tambm Gallant e Connell (1998) citado por Sarmento, Pinto e Monteiro (2010 p. 48),

    referiram que, os problemas mais relatados pelos familiares cuidadores foram: a

    depresso, a fadiga, a raiva, o conflito familiar, a culpa, a tenso emocional, a sobrecarga

    financeira e as alteraes psicossomticas.

    Marques [et al.] (2011, p. 945), num estudo realizado com cuidadores informais,

    observaram o comprometimento da sade quer a nvel fsico quer psicolgico,

    principalmente quando se verificou quebra das redes sociais e da escassez de apoio,

    levando a pessoa a rejeitar a condio de cuidador. Esta rejeio deve-se ao facto de o

    cuidador no conseguir dar resposta s necessidades afetivas de quem cuida. Os

    mesmos autores referem que o cuidador sem suporte pode ser um futuro paciente, isto

    porque, por imposio ou escolha, geralmente, to pressionado por necessidades

    imediatas do doente que se esquece de si (Idem, p. 947).

    A vida social do cuidador tambm afetada pela prestao de cuidados conduzindo a

    sobrecarga social, a qual igualmente considerada uma dimenso importante, uma vez

    que ao cuidador exigido um aumento de tarefas a exercer no seu quotidiano, muitas

    vezes sem apoio de outros, levando a que perca o tempo outrora dedicado a atividades

    de lazer e convvio social. Isto faz com que surja frequentemente o desejo de se libertar

  • 36

    da responsabilidade a que est sujeito, acompanhado por inevitveis sentimentos de

    raiva e culpa por pensar que no pode fazer tudo o que pode.

    Segundo Marques (2007) todo este conjunto de emoes negativas se refletem nos

    diversos domnios da vida do prestador de cuidados, afetando para alm da sua relao

    com os restantes familiares, a sua atividade profissional. Para aqueles que exercem uma

    profisso, o tempo despendido no trabalho pode ter efeitos positivos ou negativos

    (Sousa, Figueiredo e Cerqueira, 2006). Por um lado, a atividade profissional possibilita

    um refgio s lidas de cuidar e um convvio com amigos e colegas, por outro, a

    necessidade de conciliar o emprego com a funo de prestador de cuidados, pode

    implicar alteraes do horrio de trabalho, sensao de desempenho afetado, atrasos,

    recusa de promoes, e at a possibilidade de desistir da profisso. Segundo os mesmos

    autores, a inexistncia de estruturas de apoio ou ajudas informais representam uma

    razo suficiente para levar cessao da atividade laboral. No entanto, como a situao

    de prestao de cuidados exigente a nvel financeiro, se o cuidador abandonar a

    profisso que exerce, a situao de prestao de cuidados torna-se mais dificultada pelas

    despesas que esta acarreta, levando deste modo a uma sobrecarga financeira. Marques

    (2007) constatou que os cuidadores com menor nvel socioeconmico apresentam maior

    sobrecarga financeira, tm menos mecanismos de controlo e eficcia apresentando maior

    sobrecarga global.

    A sobrecarga fsica, emocional e social est diretamente relacionada com as

    caratersticas do cuidador, como seja a idade, sexo, escolaridade, processos simultneos

    de doena, dificuldades econmicas, falta de apoio dos servios de sade e vinculao

    ao cuidar (Martins, 2006).

    Relativamente idade, Figueiredo (2007) menciona que a maioria dos cuidadores so

    indivduos entre os 45 e os 60 anos, sendo que quanto mais velha for a pessoa

    dependente, mais velho ser o cuidador. Marques (2007) e Sequeira (2010) referem que

    a idade tambm tida em conta como varivel com associao direta na perceo da

    sobrecarga, sendo esta maior nos cuidadores mais velhos.

    As mulheres tendem a sofrer maior sobrecarga que os homens, pelo facto de j terem

    mltiplos papis, deveres e obrigaes na sua vida quotidiana, como o cuidar dos filhos,

    as atividades domsticas e o desempenho da sua atividade laboral (Barnes [et al.], 2006).

    Brito (2002) constata que as mulheres tendem a estar mais envolvidas emocionalmente,

    manifestando nveis mais elevados de tenso e mais dificuldade em aceitar apoio

    externo. Sequeira (2010) salienta que as mulheres cuidadoras com baixa escolaridade e

    casadas apresentam nveis mais elevados de sobrecarga. Martins (2006), no entanto,

  • 37

    defende no existir diferenas significativas entre homens e mulheres cuidadores no que

    respeita perceo dos nveis de sobrecarga.

    Quanto ao grau de parentesco, os conjugues parecem estar expostos a maiores nveis de

    sobrecarga comparativamente a outros parentes, pois habitualmente so mais velhos e

    tm de assumir um conjunto de tarefas que estavam a cargo do doente (Figueiredo,

    2007; Martins, 2006; Sequeira, 2010).

    O nvel de escolaridade outro aspeto associado ao nvel de sobrecarga percecionado

    pelos cuidadores. Cuidadores com maior nvel de escolaridade habitualmente

    apresentam menor sobrecarga, uma vez que tm mais facilidade em manifestar as suas

    dificuldades. Sequeira (2010) declara que os cuidadores de classes sociais mais

    desfavorecidas (menor escolaridade, menores rendimentos e piores condies

    habitacionais) atingem maiores nveis de sobrecarga.

    Porm, apesar da maior parte da literatura relativamente s consequncias que advm

    da prestao de cuidados se focar principalmente nas consequncias negativas, cuidar

    de uma pessoa idosa tambm acarreta aspetos gratificantes.

    A solidariedade, a intimidade que se gera em muitas destas situaes, compensando, por

    vezes, anos passados de falta de proximidade, a felicidade que advm de tornar mais

    doce o fim da vida de quem nos querido, so razes de sobra para tornar positiva a

    eventual sobrecarga e desgaste fsico que a prestao de cuidados a uma pessoa idosa

    acarreta.

    fundamental pensar na qualidade de vida dos idosos que sofrem as fragilidades

    prprias da doena e idade avanada mas, no deixa de ser menos importante identificar

    quais as necessidades e dificuldades que os cuidadores manifestam, para que dessa

    forma tambm se possa cuidar destes.

    3.2 As Necessidades e Dificuldades da Famlia no Cuidar

    Prestar cuidados no domiclio exige aos familiares uma (re)adaptao do seu quotidiano,

    uma vez que o desempenho deste papel interfere com os aspetos da vida familiar, social

    e laboral. Constituindo o cuidador e a pessoa idosa dependente uma unidade que se

    influencia mutuamente, importante que se identifique e compreenda as necessidades e

    dificuldades sentidas pelo cuidador.

  • 38

    Verssimo e Moreira (2004), referem que enquanto muitos cuidadores assumem ao longo

    da vida uma carreira de cuidadores, cuidando dos filhos, netos, pais ou sogros, outros

    cuidam de uma pessoa dependente pela primeira vez. Para estes ltimos, esta uma

    experincia inteiramente nova, que se traduz em diferentes necessidades e dificuldades.

    O conceito de necessidades em linguagem corrente reporta-nos para a noo de valor,

    pois cada pessoa atribui um significado diferente, seu, ao que desejvel, pretenso.

    Da, que as necessidades no possam ser vistas como absolutas, so sempre relativas

    s pessoas, com os seus valores e crenas e aos contextos onde esto inseridas.

    A necessidade consiste na condio no satisfeita e imprescindvel que permite pessoa

    viver ou funcionar em condies normais, atingindo objetivos. S conhecendo as

    necessidades dos familiares, possvel promover cuidados individualizados e

    humanizados inseridos no contexto familiar (Martins, 2000).

    Os cuidadores apresentam necessidades que dependem da sua condio individual,

    variando consoante diversos fatores, tais como: o grau de dependncia do idoso, a sua

    situao financeira e tambm, os meios de apoio existentes na comunidade.

    fundamental identificar as necessidades que os familiares cuidadores enfrentam no

    domiclio uma vez que estas afetam a qualidade de vida do idoso dependente e, a no

    satisfao destas, um fator precipitante da no aceitao do doente em casa por parte

    do cuidador (Cerqueira, 2005).

    De acordo com Brito (2002), o familiar cuidador tem necessidade de apoio psicolgico,

    educao/informao e sistemas sociais de apoio, da que as intervenes teraputicas

    junto destes prestadores de cuidados devero ser direcionadas relativamente a estes trs

    aspetos principais.

    No entanto, Figueiredo refere que identificar as necessidades dos cuidadores um

    processo complexo, devido sua variabilidade individual, fase da prestao de

    cuidados e ao contexto em que ocorrem. Aponta alguns tipos de necessidades que

    podem ser agrupadas em: ajudas prticas e tcnicas, apoio financeiro, apoio

    psicossocial, tempo livre, informao e de formao (2007, p. 139).

    Segundo a mesma autora, as ajudas prticas e tcnicas dizem respeito aos cuidados

    domicilirios que englobam, cuidados de enfermagem, apoio nas tarefas domsticas e na

    preparao de refeies, e tambm a possibilidade de alugar ou adquirir material tcnico

    adequado, como cadeiras de rodas, camas articuladas, arrastadeiras, etc., que podem

    facilitar muito as tarefas dos cuidadores.

    As necessidades de apoio financeiro resultam da escassez de rendimentos, fruto dos

    baixos valores das penses e/ou reformas, a par com as elevadas despesas com a

  • 39

    assistncia mdica, medicamentos e equipamentos. Estes encargos poderiam ser mais

    leves se existisse um maior apoio financeiro na doena e na dependncia (Idem).

    Relativamente ao apoio psicossocial, uma das necessidades mais sentidas pelos

    cuidadores a de ter algum com quem falar acerca das experincias, dificuldades,

    preocupaes e satisfaes inerentes prestao de cuidados, e em simultneo, a

    necessidade de reconhecimento pelo seu sacrifcio, para se sentir valorizada e apreciada

    (Idem).

    Um outro tipo de necessidade prende-se com a informao acerca dos servios

    disponveis, subsdios e direitos, pois tal informao encontra-se frequentemente

    dispersa e exige muito tempo do cuidador para lhe ter acesso. Alm desta, o cuidador

    tem necessidade de formao com vista obteno de conhecimentos prticos (como

    levantar a pessoa, cuidar da sua higiene, vesti-la, etc.) e conhecimentos sobre a prpria

    doena, evoluo e tratamentos.

    Com o decorrer do tempo, o familiar cuidador manifesta tambm necessidade de dedicar

    algum tempo a si, de ser temporariamente dispensado das suas tarefas para poder ter

    algum tempo livre. Este aspeto poderia ser colmatado por instituies (atravs de

    servios de apoio domicilirio, centros de dia, internamento temporrio), ou ainda por

    outros cuidadores informais que se responsabilizassem pela substituio do cuidador

    principal por algumas horas, dias ou at vrias semanas (Idem).

    Para alm de necessidades, os familiares cuidadores tambm manifestam inmeras

    dificuldades na prestao de cuidados. No entanto, muitos cuidadores tm dificuldade em

    formular e imaginar as suas dificuldades, sobretudo quando desconhecem as respostas

    formais existentes (Figueiredo, 2007).

    Sit [et al] (2004), num estudo sobre as dificuldades dos cuidadores evidenciaram as de

    maior repercusso: a continuidade de cuidados mdicos e de enfermagem; a

    monitorizao das condies do estado de sade do familiar; a assistncia na

    mobilidade; o lidar com as tarefas domsticas; o apoio emocional; o providenciar

    transporte; em estruturar as atividades para o familiar; em lidar com as emoes do

    familiar e em gerir a parte econmica e burocrtica.

    Para diminuir estas dificuldades, o processo de cuidar de algum necessita de esforo

    fsico, mental, psicolgico e econmico, da a necessidade do cuidador se reorganizar e

    ser capaz de encontrar alternativas atravs dos recursos existentes. Neri e Carvalho

    (2002) referem que a eficincia do cuidado depende dos conhecimentos, das

    experincias, das estratgias utilizadas, do significado que atribudo ao cuidado, da

    capacidade de lidar com situaes de stress, do apoio emocional, da cultura, do tipo de

  • 40

    relacionamento com o idoso, da personalidade, da intensidade e do tipo de cuidado que

    necessrio.

    As dificuldades surgidas aos cuidadores, em consequncia da prestao de cuidados s

    pessoas idosas dependem, entre outras razes, da falta de conhecimentos, de recursos e

    de acompanhamento dos servios comunitrios. A este respeito, Pal (1997) refere como

    dificuldade, para alm da falta de conhecimento sobre as tcnicas cuidativas e os

    recursos comunitrios, a falta de conhecimento dos cuidadores para lidar com o stress

    que advm da prestao de cuidados. Tambm outros autores (Palma, 1999; Verssimo e

    Moreira, 2004) salientam que as necessidades de formao/informao invocadas pelos

    prestadores de cuidados se relacionavam com a situao de sade da pessoa idosa e as

    tcnicas de cuidar, que lhes permitissem diminuir o esforo fsico na prestao de

    cuidados e o risco de acidentes para a pessoa idosa.

    A prestao de cuidados despoleta assim necessidades e dificuldades por parte do

    cuidador e, segundo Roger e Bonet (2000), citado por Pal e Fonseca (2005), as

    consequncias do cuidar so mais acentuadas se o cuidador no tem conhecimentos,

    habilidades ou o apoio suficientes para prestar efetivamente esses cuidados.

    Para Lin [et al.] (2006) o prestador de cuidados precisa de desenvolver novas habilidades

    para lidar com as necessidades do idoso dependente. As necessidades reconhecidas por

    estes autores, assentam essencialmente a nvel da assistncia por parte da visita

    domiciliria, da vigilncia contnua para assegurar a segurana do doente, de assistncia

    na lida de higiene e limpeza das acomodaes, a necessidade de assistncia para gerir

    situaes de emergncia e a necessidade de assistncia para realizar compras ou

    transmitir recados.

    Gomes e Mata (2012) salientam que ser cuidador de idosos dependentes no domiclio

    requer uma constante aprendizagem. importante adquirir conhecimentos e habilidades

    pois o sucesso do cuidado no domiclio depende do cuidador, da sua capacidade de lidar

    com as situaes. O cuidador deve confiar nas suas capacidades, ter confiana e vencer

    as dificuldades que ocorrem durante a prestao de cuidados, procurando apoio e auxilio

    para o desempenho das suas atividades, de forma a garantir o seu bem-estar fsico,

    psicolgico e social.

    A falta de ajuda de outras pessoas para a prestao de cuidados pessoa idosa outra

    das dificuldades apontadas pelos prestadores de cuidados do estudo desenvolvido por

    Palma (1999). A autora concluiu que apesar dos cuidadores j receberem ajuda de outros

    nos cuidados que prestam pessoa idosa, essa era uma ajuda pontual e insuficiente.

  • 41

    Somente atravs da identificao e clarificao das dificuldades e necessidades dos

    cuidadores que os profissionais de sade e da ao social estaro aptos a focar a

    ateno e a conceber medidas que contribuam para o xito a longo prazo dos cuidados

    no domiclio (Figueiredo, 2007). Apesar da existncia de alguns apoios, os cuidadores

    nem sempre recorrem a esses servios, e os que recorrem no tendem a utiliz-los em

    grande escala, quer por desconhecimento e custo dos mesmos, quer por medo de

    crticas de terceiros pelo facto de aceitarem ajuda formal, ou pelo receio de ir contra a

    vontade do idoso que cuidam (Idem).

    Os profissionais de sade devem ajudar os familiares cuidadores a descobrir formas mais

    eficazes de lidar com os problemas que advm da prestao de cuidados de forma a que

    a famlia atinja o seu bem-estar e por conseguinte, para que a prestao de cuidados se

    desenvolva da melhor forma.

    3.3 Promoo do Bem - Estar da Famlia do Idoso Dependente

    Durante o ciclo de vida de uma famlia ocorrem mudanas e transies, que mesmo

    consensualmente reconhecidas como fazendo parte do seu ciclo de vida, tais como

    casamento, nascimento de um filho, entre outras, so geradoras de algum stress e

    fazem-se acompanhar, por vezes, de alguma desordem e risco para a famlia. Contudo,

    por norma, esta consegue organizar-se com alguma previsibilidade, no sentido de

    ultrapassar tais situaes (Martins, 2002).

    Em cada famlia, uma vez considerada como um sistema, a personalidade e o

    comportamento de cada familiar vai ter repercusses no todo, assim como o bem-estar

    da prpria famlia vai provocar impacto a nvel de cada um dos seus membros. Assim,

    quando um familiar fica dependente, toda a famlia fica ansiosa, em stress, mais

    vulnervel, insegura e deprimida, preocupando-se com a gravidade da doena e a

    possvel perda de um dos seus elementos. Ao lidar com alguma situao de limitao

    permanente, como seja uma doena incapacitante num dos membros da famlia, este

    considerada um momento de crise no qual surge um desequilbrio entre o perodo da

    crise e o de ajuste, onde preciso ter em conta os recursos disponveis para lidar com a

    situao. Neste sentido, indispensvel identificar estratgias que possam responder s

    necessidades e dificuldades dos familiares cuidadores e suas famlias e

    consequentemente melhorar a qualidade de vida de todos os intervenientes, com o

    objetivo do alcance do mximo bem-estar. A famlia, para restabelecer o equilbrio e

    atingir o seu bem-estar, precisa superar esse momento crtico, o que depende do modo

  • 42

    como cada famlia reage situao e de como se organiza para adquirir de novo o

    equilbrio (Pereira e Bellizzoti, 2004).

    A transio para o papel de cuidador uma situao complexa da qual urge a

    necessidade no s de munir o cuidador de conhecimentos suficientes para lidar com a

    situao do doente, mas tambm ajud-lo a preservar o seu bem-estar. Para isso

    imprescindvel que o cuidador se encontre bem com ele prprio pois, o seu bem-estar e

    satisfao repercutem-se na pessoa que depende de si (Martins, 2006).

    O que se verifica maioritariamente que em paralelo com o cuidar, muitos familiares

    cuidadores executam atividades domsticas, deixando as atividades que promovem o

    seu bem-estar para ltimo plano (Gonalves, 2002).

    O desafio atual da promoo do bem-estar da famlia do idoso dependente, fundamenta-

    se em dois pressupostos: os comportamentos que a pessoa adota e as circunstncias em

    que vive, as quais tm impacto sobre a sua sade. Deste modo, alteraes adequadas

    no domnio dos comportamentos e das circunstncias podem melhorar o bem-estar da

    famlia que cuida do seu familiar idoso dependente.

    Porm, o conceito de bem-estar subjetivo, relativo, alicerado na diferente forma que

    cada ser humano define o seu bem-estar e, efmero porque est em constante

    adaptao, ou seja, depende de cada um, do momento e do meio envolvente. Assim,

    apostar na promoo do bem-estar da famlia com idosos dependentes a cargo, exige

    olhar para os determinantes psicolgicos e psicossociais que a envolvem.

    Para obter o bem-estar da famlia, preciso considerar o seu projeto de sade, o que cria

    oportunidades aos profissionais de sade, mais concretamente aos enfermeiros,

    profissionais relevantes que integram programas de promoo da sade.

    A abordagem centrada na famlia implica que o enfermeiro desenvolva determinadas

    atitudes que cooperam na potenciao dos objetivos propostos. Uma das atitudes a

    adotar passa por estabelecer com o utente/famlia uma comunicao/escuta emptica,

    que se traduz segundo Chalifour (1993, p. 215) por uma capacidade de verdadeiramente

    se colocar no lugar do outro, de ver o mundo como ele o v ou seja, importante para o

    enfermeiro compreender as experincias pessoais do utente/famlia atravs dos cdigos

    de referncia dos mesmos e no em funo dos seus.

    A otimizao dos cuidados de enfermagem no idoso e sua famlia, passa pela criao e

    implementao de projetos que visem a promoo da sade, o tratamento da doena, a

    reabilitao/estimulao do idoso e a reduo de danos no que diz respeito co

    morbilidade dos familiares cuidadores, enfatizando os cuidados no domiclio e ainda a

    rentabilizao dos recursos.

  • 43

    Como forma de assegurar o bem-estar do idoso dependente e do seu familiar cuidador,

    foi criada a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) enquadrada

    juridicamente pelo Decreto-Lei n. 101/2006, de 06 de junho, que assenta num modelo de

    interveno integrado e/ou articulado da Sade e da Segurana Social, de natureza

    preventiva, recuperadora e paliativa, envolvendo a colaborao de diversos parceiros

    sociais. formada por um conjunto de instituies pblicas e privadas, que prestam

    cuidados continuados de sade e de apoio social e promovem a continuidade de

    cuidados de forma integrada a pessoas em situao de dependncia e com perda de

    autonomia (Decreto- lei n. 101/2006, de 06 de junho).

    A RNCCI foi criada porque [] verificam-se carncias ao nvel dos cuidados de longa

    durao e paliativos, decorrentes do aumento da prevalncia de pessoas com doenas

    crnicas incapacitantes (Idem, p. 3856). A esta cabe responder a novas necessidades

    de sade e sociais, de forma a satisfazer o incremento esperado da procura por parte de

    pessoas idosas com dependncia funcional, de doentes com patologia crnica mltipla e

    de pessoas com doena incurvel em estado avanado e em fase final de vida (Idem).

    extremamente importante providenciar o bem-estar do familiar cuidador do idoso

    dependente uma vez que a qualidade de vida do idoso dependente est re lacionada

    com o bem-estar daqueles que tm a responsabilidade de satisfazer as suas

    necessidades (Palma, 1999, p. 28). Brito (2002, p. 24) refora esta questo quando

    refere que o bem-estar dos prestadores de cuidados se ir refletir, necessariamente, no

    bem-estar dos que deles recebem cuidados. Assim sendo, a famlia e todo o seu

    contexto envolvente tm de ser valorizados pois ainda no existem servios especficos

    de apoio s famlias prestadoras de cuidados aos idosos. Algumas medidas e

    equipamentos existentes constituem apenas, formas de apoio, na medida em que tentam

    criar condies conducentes manuteno do idoso no seu seio familiar (Figueiredo e

    Sousa, 2001).

    Os recursos existentes para cuidar do idoso dependente, apesar de terem aumentado,

    continuam a ser escassos, assumindo a famlia um papel fundamental na proteo dos

    seus membros dependentes. Deste modo, os familiares cuidadores devem continuar a

    ser encarados no s como recursos bsicos, quando olhamos as pessoas dependentes,

    mas como foco de ateno para os enfermeiros. Face ao exposto, parece pertinente o

    desenvolvimento de intervenes que dotem o familiar cuidador de conhecimentos e

    capacidades para o exerccio do seu papel, no sentido de manter a integridade fsica e

    emocional, para o seu bem-estar e manter a qualidade de cuidados que presta.

  • 45

    4- O ENFERMEIRO ESPECIALISTA EM SADE COMUNITRIA:

    RESPONSABILIDADE NO CUIDAR DA FAMLIA

    A atual reforma dos CSP, iniciada em 2006 com a Misso dos Cuidados Sade

    Primrios, apostou na implementao de uma nova filosofia de trabalho, centrada em

    equipas motivadas com objetivos a cumprir e no apoio dado por sistemas de informao

    adaptados sistematizao da informao dos cuidados prestados aos cidados e suas

    famlias. Os respetivos ganhos em sade representam uma mais valia resultante desta

    nova filosofia de cuidados de sade.

    Esta reforma abrange a reorganizao local dos cuidados, com especial nfase nas

    recentemente criadas Unidades de Sade Familiar (USF) e na reorganizao dos

    Centros de Sade em Agrupamentos de Centros de Sade (ACES). A estrutura dos

    ACES incluem alm dos rgos especficos dirigidos gesto e deciso, vrias

    estruturas funcionais: USF, Unidade de Cuidados de Sade Personalizados (UCSP),

    Unidade de Sade Pblica, UCC e Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados.

    Nos CSP as intervenes de enfermagem do prioridade proteo e promoo de

    sade, atravs de intervenes multidisciplinares e inter setoriais, garantia da qualidade

    e envolvimento do cidado, evidenciando o papel preponderante das USFs e das

    UCSPs nos cuidados dirigidos ao indivduo/famlia.

    No que se refere ao apoio ao familiar cuidador do idoso dependente, as intervenes

    transversais ao contedo funcional de cada unidade variam, de forma a proporcionar

    respostas adequadas s necessidades de sade detetadas.

    USF e UCSP, compete a identificao do idoso em situao de dependncia e

    vigilncia do seu estado de sade, com avaliao das necessidades respetivas, atravs

    da realizao de visita domiciliria.

    UCC, compete a prestao de cuidados de sade e apoio psicolgico e social, de

    mbito domicilirio e comunitrio, ao idoso dependente e sua famlia. Esta Unidade

    constituda por uma equipa multidisciplinar, coordenada por um enfermeiro, com o ttulo

    de especialista, e atua na educao para a sade, na integrao em redes de apoio

    famlia e na implementao de unidades mveis de interveno, necessitando de uma

    boa articulao com os profissionais da USF e/ou da UCSP do respetivo Centro de

    Sade. Esta articulao ser fundamental para a continuidade de cuidados ao cidado e

    suas famlias, contextualizada na comunidade onde se inserem.

    Com o aumento de famlias com elementos dependentes no seu domiclio surge a

    necessidade dos profissionais de sade no se focarem s no doente, mas tambm na

  • 46

    famlia. Cuidar no domiclio evidencia a importncia do envolvimento da famlia uma vez

    que, como elo de ligao entre o enfermeiro e o utente, ela parceira no processo de

    cuidar e, ao mesmo tempo, alvo dos cuidados.

    No cuidar do idoso dependente, a famlia sofre vrias (re)adaptaes, () no a

    mesma antes, durante e depois da doena (Marques, 2007, p. 58), enfrentando

    situaes de crise e mesmo de rutura. A nica forma de aliviar esta sobrecarga pessoal e

    familiar conhecer e intervir junto desta populao, evitando que surjam situaes de

    descompensao que, alm de prejudiciais ao prprio, precipitam muitas vezes a

    institucionalizao do idoso dependente, o que se pretende evitar. Neste sentido, h

    necessidade dos profissionais de sade darem ateno a todos os seus membros. Torna-

    se importante reconhecer as necessidades e dificuldades da famlia no cuidar no

    domiclio para que os profissionais de sade, nomeadamente os enfermeiros, possam

    estabelecer estratgias de interveno no seu processo de cuidar, criando condies que

    ajudem a famlia e o idoso dependente na adaptao a estados de equilbrio, orientando

    os seus cuidados no sentido da satisfao das necessidades fundamentais do doente e

    famlia na comunidade em que esto inseridos.

    Segundo a Ordem dos Enfermeiros (2014) fundamental a incluso da famlia como alvo

    dos cuidados de Enfermagem, com o objetivo de a capacitar para o desenvolvimento de

    competncias que permitam uma vivncia saudvel nos seus constantes processos de

    mudana. A recente reconfigurao dos CSP orientada para a obteno de ganhos em

    sade e melhoria da equidade e acessibilidade aos cuidados de sade, permite prestar

    cuidados centrados na famlia. Novos desafios foram colocados aos enfermeiros dos

    CSP pelo reconhecimento da sua contribuio na promoo da sade familiar e coletiva e

    pelo seu papel de gestor e organizador de recursos potencializadores da famlia,

    enquanto sistema transformativo. Estamos perante um modelo de cuidados de

    proximidade emergindo o contexto para direcionar o foco da prtica dos enfermeiros para

    a