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Farsa Quando ouviu o ruído da porta do apartamento sendo aberta a mulher soergueu-se ligeiro na cama e disse, ela realmente disse: MULHER- Céus, meu marido! O amante ergue-se também espantado, menos com o marido de que com a frase. AMANTE - O que foi que você disse? MULHER - Eu disse "Céus, meu marido!" AMANTE - Foi o que pensei, mas não quis acreditar. MULHER - Ele me disse que ia para São Paulo! AMANTE - Talvez não seja ele. Talvez seja um ladrão. MULHER - Seria sorte demais. É ele. E vem vindo para o quarto. Rápido, esconda-se dentro do armário! AMANTE - O quê? Não. Tudo menos o armário! MULHER - Então embaixo da cama. AMANTE - O armário é melhor. O amante pula da cama, pega sua roupa de cima da cadeira e entra no armário. MARIDO- Com quem você estava conversando? MULHER - Eu? Com ninguém. Era a televisão. E você não disse que ia para São Paulo? MARIDO - Espere. Aqui no quarto não tem televisão. MULHER - Não mude de assunto. O que é que você está fazendo em casa? O amante começa a rir. MARIDO - Que barulho é esse? MULHER- Não interessa. Por que você não está em São Paulo? MARIDO - Não precisei ir, pronto. Estes sapatos... O Marido vai para o banheiro e a mulher vai entregar os sapatos ao Amante. Ela fecha a porta do armário e se atira de novo na cama antes que ele pudesse avisar que aqueles sapatos não eram os dele, eram os do marido. Porta do banheiro se abrindo. Marido de volta ao quarto. Longo silêncio. Marido avalia os sapatos. MARIDO - Estes sapatos... MULHER - O que é que tem? MARIDO - De quem são? MULHER - Como, de quem são? São os seus. Você acabou de tirar. MARIDO - Estes sapatos nunca foram meus. Silêncio. Mulher obviamente examinando os sapatos e dando-se conta do seu erro, fala agressiva:

A Farsa

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Crônica de Luis Fernando Veríssimo

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Farsa

Farsa

Quando ouviu o rudo da porta do apartamento sendo aberta a mulher soergueu-se ligeiro na cama e disse, ela realmente disse:MULHER- Cus, meu marido!O amante ergue-se tambm espantado, menos com o marido de que com a frase. AMANTE - O que foi que voc disse?MULHER - Eu disse "Cus, meu marido!"AMANTE - Foi o que pensei, mas no quis acreditar.MULHER - Ele me disse que ia para So Paulo!AMANTE - Talvez no seja ele. Talvez seja um ladro.MULHER - Seria sorte demais. ele. E vem vindo para o quarto. Rpido, esconda-se dentro do armrio! AMANTE - O qu? No. Tudo menos o armrio!MULHER - Ento embaixo da cama.AMANTE - O armrio melhor.O amante pula da cama, pega sua roupa de cima da cadeira e entra no armrio.MARIDO- Com quem voc estava conversando?MULHER - Eu? Com ningum. Era a televiso. E voc no disse que ia para So Paulo?MARIDO - Espere. Aqui no quarto no tem televiso.MULHER - No mude de assunto. O que que voc est fazendo em casa? O amante comea a rir. MARIDO - Que barulho esse?MULHER- No interessa. Por que voc no est em So Paulo? MARIDO - No precisei ir, pronto. Estes sapatos...O Marido vai para o banheiro e a mulher vai entregar os sapatos ao Amante. Ela fecha a porta do armrio e se atira de novo na cama antes que ele pudesse avisar que aqueles sapatos no eram os dele, eram os do marido.Porta do banheiro se abrindo. Marido de volta ao quarto. Longo silncio. Marido avalia os sapatos.MARIDO - Estes sapatos...MULHER - O que que tem?MARIDO - De quem so?MULHER - Como, de quem so? So os seus. Voc acabou de tirar.MARIDO - Estes sapatos nunca foram meus. Silncio. Mulher obviamente examinando os sapatos e dando-se conta do seu erro, fala agressiva:MULHER - Onde foi que voc arranjou estes sapatos?MARIDO - Estes sapatos no so meus, eu j disse! MULHER - Exatamente. E de quem so? Como que voc sai de casa com um par de sapatos e chega com outro?MARIDO - Espera a...MULHER - Onde foi que voc andou? Vamos, responda!MARIDO - Eu cheguei em casa com os mesmos sapatos que sa. Estes que no so os meus sapatos. MULHER - So os sapatos que voc tirou. Voc mesmo disse que estavam apertados. Logo, no eram os seus. Quero explicaes.MARIDO - S um momentinho. S um momentinho!Silncio. Marido tentando pensar em alguma coisa para dizer. Finalmente, a voz da mulher, triunfante: MULHER - Estou esperando.Marido reagrupando as suas foras. Passando para o ataque.MARIDO- Tenho certeza absoluta - absoluta! - de que no entrei neste quarto com estes sapatos. E olhe s, eles no podiam estar apertados porque so maiores do que o meu p. Outro silncio. A mulher, friamente:MULHER - Ento s h uma explicao.MARIDO - Qual?MULHER - Eu estava com outro homem aqui dentro quando voc chegou. Ele pulou para dentro do armrio e esqueceu os sapatos.Silncio terrvel. A mulher continua: MULHER - Mas, nesse caso, onde que esto os seus sapatos?O homem, sem muita convico:MARIDO - Voc poderia ter entregue os meus sapatos para o homem dentro do armrio, por engano.MULHER - Muito bem. Agora, alm de adltera, voc est me chamando de burra. Muito obrigada. MARIDO - No sei no, no sei no. E eu ouvi vozes aqui dentro...MULHER - Ento faz o seguinte. Vai at o armrio e abre a porta.O marido aproxima-se do armrio. MULHER - Voc sabe, claro, que no momento em que abrir essa porta estar arruinando o nosso casamento. Se no houver ningum a dentro, nunca conseguiremos conviver com o fato de que voc pensou que havia. Ser o fim.MARIDO - E se houver algum? MULHER - A ser pior. Se houver um amante de cuecas dentro do armrio, o nosso casamento se transformar numa farsa de terceira categoria. Em teatro barato. No poderemos conviver com o ridculo. Tambm ser o fim.Depois de alguns minutos, o marido disse: MARIDO - De qualquer maneira, eu preciso abrir a porta do armrio para guardar a minha roupa...MULHER - Abra. Mas pense no que eu disse.

Lentamente, o marido abrE a porta do armrio. Marido e amante se encararam. Nenhum dos dois disse nada. Depois de alguns instantes o Marido diz:MARIDO - Com licena. (e comeA a pendurar sua roupa. O amante sai lentamente de dentro do armrio, tambm pedindo licena, e se dirige para a porta de sada. Pra quando ouve um "Psiu" do Marido. AMANDTE - comigo?MARIDO . Os meus sapatos.O amante se lembra de que est com os sapatos errados na mo, junto com o resto da sua roupa. Coloca os sapatos do Marido no cho e pega os seus. Sai pela porta.

FIM.