4
esde menina, Bibi sonhava com volantes. Juntava os oito Bibi se tornou a primeira motorista de ônibus da cidade em irmãos em fila e seguia à frente, gesticulando e fazendo abril de 1976. Com a carteira na mão, tomou o volante do D de conta que era a motorista da turma. Não era para ônibus da Empresa Cialtra. Faria as linhas Circular ou menos. Bibi sempre vivera em garagens e oficinas. Seu pai e seus Dionizio Torres. Pontual, logo cedo estava na garagem, irmãos eram motoristas. Albeniza aprendera a guiar com 10 anos fardada como seus companheiros. Somente substituíra a de idade. calça cáqui do uniforme padrão, porque estava de luto. E mesmo com os olhos de todos voltados para seu trabalho, Com 22 anos, seu sonho era pilotar avião. Queria levar Bibi não estava assustada. Ao contrário, estava contente passageiros pelos ares, para lugares distantes. Mas o curso era com a oportunidade de uma vida melhor: seriam dois muito caro e impossível para a vida na oficina do Seu Duca, onde a salários mínimos no primeiro mês, depois viria um aumento moça consertava carros, dirigia, cuidava do escritório... e ganhava e chegaria a ganhar três salários... “um ordenado maior do pouco. O jeito foi entrar no curso para carteira padrão do que o da oficina...” Departamento de Tráfego e Concessões de Fortaleza. A notícia alvoroçou a imprensa da época. Afinal, nos anos de Sem querer, Bibi estava quebrando um tabu. Os funcionários do 1970, as mulheres já iam ocupando profissões que DTC logo espalharam pelos corredores da repartição a notícia de tradicionalmente eram reservadas aos homens. Assustado que uma moça se tornaria motorista de ônibus. Um dos responsáveis pelo com a nova onda, até o Príncipe Charles declarara que a campanha feminista é curso de Relações Humanas, comentou espantado: “- [É] uma mulher de imbecis. Mas moças como a Bibi não acreditavam em príncipes feminina e bonita mesmo!” encantados. E no volante do seu ônibus, Bibi abriu caminhos que até hoje são trilhados pelas mulheres. 1 A Princesa Isabel, autorizou o funcionamento da primeira companhia cearense de bondes puxados por burros, a Companhia Ferro Carril do Ceará, em 1870 s u b i n Ô o d r o l F A Rosemary Castelo Branco Silveira, a Meirinha, empresária de ônibus Embora muita gente não saiba, as mulheres marcam presença no transporte do Ceará desde 1870. Em meados do século passado, elas já estavam assentadas no universo masculino dos volantes, catracas e oficinas mecânicas. Com um trabalho valente e silencioso a bordo de ônibus, caminhões, vans e táxis, elas fazem os caminhos cearenses. Vale descobrir as histórias dessas senhoras que estão escondidas no Centro Cultural do Transporte. Mas eu tinha muita vontade de deixar de trabalhar no bar. Então pensei: “ Sabe de uma coisa? Eu vou comprar uma vaga de táxi para mim. Quero mudar de vida”. Logo comprei um fusquinha, pus uma vaga em cima dele e saí para trabalhar no táxi. Só que eu era precavida: não deixei o bar. Eu achava que era melhor ver se dava certo o trabalho na praça antes de fechar o bar. O Democrata, Fortaleza, 01 de junho de 1946 Albeniza Ferreira Lima, a Bibi foi a primeira motorista de ônibus de Fortaleza O Povo, Fortaleza, 24 de abril de 1976 Fortaleza, setembro de 2011 Francisca Siqueira, a Dona Juraci, taxista Sobre Rodas, Fortaleza, setembro de 2005 Centro Cultural do Transporte - Rua Dona Leopoldina, 1050 - Fortaleza - Centro Fone: (85) 3252-2624

A Flor do Ônibus

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Publicação com histórias e documentos sobre as mulheres distribuída gratuitamente para os visitantes do Centro Cultural e para as instituições de Fortaleza.

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Page 1: A Flor do Ônibus

esde menina, Bibi sonhava com volantes. Juntava os oito Bibi se tornou a primeira motorista de ônibus da cidade em irmãos em fila e seguia à frente, gesticulando e fazendo abril de 1976. Com a carteira na mão, tomou o volante do D de conta que era a motorista da turma. Não era para ônibus da Empresa Cialtra. Faria as linhas Circular ou

menos. Bibi sempre vivera em garagens e oficinas. Seu pai e seus Dionizio Torres. Pontual, logo cedo estava na garagem, irmãos eram motoristas. Albeniza aprendera a guiar com 10 anos fardada como seus companheiros. Somente substituíra a

de idade. calça cáqui do uniforme padrão, porque estava de luto. E mesmo com os olhos de todos voltados para seu trabalho,

Com 22 anos, seu sonho era pilotar avião. Queria levar Bibi não estava assustada. Ao contrário, estava contente passageiros pelos ares, para lugares distantes. Mas o curso era com a oportunidade de uma vida melhor: seriam dois

muito caro e impossível para a vida na oficina do Seu Duca, onde a salários mínimos no primeiro mês, depois viria um aumento moça consertava carros, dirigia, cuidava do escritório... e ganhava e chegaria a ganhar três salários... “um ordenado maior do

pouco. O jeito foi entrar no curso para carteira padrão do que o da oficina...”Departamento de Tráfego e Concessões de Fortaleza.

A notícia alvoroçou a imprensa da época. Afinal, nos anos de Sem querer, Bibi estava quebrando um tabu. Os funcionários do 1970, as mulheres já iam ocupando profissões que DTC logo espalharam pelos corredores da repartição a notícia de tradicionalmente eram reservadas aos homens. Assustado que uma moça se tornaria motorista de ônibus. Um dos responsáveis pelo com a nova onda, até o Príncipe Charles declarara que a campanha feminista é

curso de Relações Humanas, comentou espantado: “- [É] uma mulher de imbecis. Mas moças como a Bibi não acreditavam em príncipes feminina e bonita mesmo!” encantados. E no volante do seu ônibus, Bibi abriu caminhos que até hoje são

trilhados pelas mulheres.

1

A Princesa Isabel, autorizou o funcionamento da primeira companhia cearense de bondes puxados por burros, a Companhia Ferro Carril do Ceará, em 1870

subinÔ od rol FA

Rosemary Castelo Branco Silveira, a Meirinha, empresária de ônibus

Embora muita gente não saiba, as mulheres marcam presença no transporte do Ceará desde 1870. Em meados do século passado, elas já estavam assentadas no universo masculino dos volantes, catracas e oficinas mecânicas. Com um trabalho valente e silencioso a bordo de ônibus, caminhões, vans e táxis, elas fazem os caminhos cearenses. Vale descobrir as histórias dessas senhoras que estão escondidas no Centro Cultural do Transporte.

Mas eu tinha muita vontade de deixar de trabalhar no bar. Então pensei: “ Sabe de uma coisa? Eu vou comprar uma vaga

de táxi para mim. Quero mudar de vida”. Logo comprei um fusquinha, pus uma vaga em cima dele e saí para trabalhar no táxi. Só que eu era precavida: não deixei o bar. Eu achava que era melhor ver se dava certo o trabalho na praça antes de fechar

o bar.

O Democrata, Fortaleza, 01 de junho de 1946

Albeniza Ferreira Lima, a Bibi foi a primeira motorista de ônibus de Fortaleza

O Povo, Fortaleza, 24 de abril de 1976

Fortaleza, setembro de 2011

Francisca Siqueira, a Dona Juraci, taxista

Sobre Rodas, Fortaleza, setembro de 2005

Centro Cultural do Transporte - Rua Dona Leopoldina, 1050 - Fortaleza - Centro Fone: (85) 3252-2624

Page 2: A Flor do Ônibus

2

Alaíde Lima de Freitas Guimarães, empresária de ônibus

Alacy Ferreira Braga, a Dona Lalá, empresária de ônibus

Campanha Sest Senat Fortaleza, março de 2007

«Era 1969, eu ia fazer dezoito anos... Faz tempo! Naquela época, éramos chamadas “trocadoras”, não

“cobradoras”. As outras moças da Autoviária eram quase da minha idade, talvez um pouco mais

velhas... com uns vinte anos. Só a Dona Maria do Céu que já tinha mais idade. Éramos mais ou menos

em dez. Tinha a Geralda, a Petronilma, a irmã dela... tinha também outra Maria, que era chamada de

Maria do Pirambú.» Zélia Maria Lemos de Andrade, cobradora de ônibus

Diário do Nordeste, Fortaleza, 09 de março de 2005

Aldileia de Oliveira Moita, motorista de ônibus.Singular, Fortaleza, maio de 2011

Sinfrônio, O Povo, Fortaleza, 20 de abril de 1976 Diário do Nordeste, Fortaleza, 07 de março de 2007

Thiago, Diário do Nordeste, Fortaleza, 08 de abril de 2007

Centro Cultural do Transporte - Rua Dona Leopoldina, 1050 - Fortaleza - Centro Fone: (85) 3252-2624

Page 3: A Flor do Ônibus

agrinha e delicada, Eurides era um pinguinho de gente que corria pelas veredas da Fazenda Santa Helena, em Pentecoste, nos anos de 1940. M Parecia que o vento ia levar... Seu pai, o Seu Manduca da Mata, dava

duro para manter a família. Juntava a filharada para o trabalho na fazenda. Mas, da penca de meninos, era mesmo Eurides que se dava melhor na lida. Carpia,

tangia gado, caçava passarinhos e até matava bode para a mãe cozinhar. Só não gostava das panelas e dos panos do serviço doméstico das irmãs.

Em 1946, Seu Manduca comprou um caminhão GMC para levar cargas até a Capital e juntar mais algum dinheiro. Fascinada com a máquina, a menina subiu na boleia e não saiu mais. Acompanhava cada movimento do pai e logo aprendeu o manejo do volante, inteligente

que era. Mas Seu Manduca, ciumento do carro, não deixava que

Eurides dirigisse. Tão fraquinha, certamente ela não tinha munheca para segurar o gemegão. Além do mais, Eurides não tinha carteira...

Mais ou menos em 1953, a família pegou uma carrada de tijolo. A estrada seca era só areia. O caminhão atolou. Eurides, já mocinha, remexia-se

impaciente no banco do passageiro, certa de que poderia dar um jeito na situação. Então, ela tomou o guidão, virou o carro, afofou o chão e finalmente conquistou o

respeito do pai.

Num tempo em que só as mulheres grã-finas podiam guiar seus cadilacs pelas macias ruas da cidade, Eurides gostava mesmo do sacolejo da estrada. Demorou a conseguir, mas ganhou carteira profissional em 1955. Com 1,50m, foi a primeira motorista profissional do Ceará. Orgulhosa, marcou no pára-choque a mensagem

para aqueles que ainda acreditavam que caminhão era lugar de homem: “Eurides já chegou, viu?

Eurides Gomes Pereira tinha 25 anos quando virou a primeira caminhoneira profissional do Ceará

Sobre Rodas, Fortaleza, julho de 2008

«Eu acho que as rodomoças desempenharam seu papel muito direitinho. Tinha

gente que viajava de avião e depois vinha viajar com a gente. O pessoal elogiava: “-

Não é rodomoça! É a aeromoça!”. Isso porque a gente andava toda arrumadinha.

Usava a fardinha, tinha o cabelo sempre bem arrumado e bem preso. Ninguém

ficava descabelada, desorganizada... era como uma aeromoça. Usava meia, sapato

social...Tinha até passageiro que queria tirar fotografia com a gente».

Maria do Socorro Sousa da Silva, a Socorrinho, Rodomoça.

«Foi a minha mãe que trouxe as jardineiras.

Eram uns ônibus que tinham no Rio de

Janeiro. Ônibus bem turísticos, abertos, todos

de vidro, muito bonitos!» Vânia Maria Pessoa Eugênio de Souza, filha de Dona Gisete.

3

O Democrata, Fortaleza, 20 de agosto de 1948

Valber, O Povo, Fortaleza, 29 de abril de 1986

O Povo, Fortaleza, 10 de março de 1997

Maria Gisete Costa Pessoa, empresária de ônibus

Centro Cultural do Transporte - Rua Dona Leopoldina, 1050 - Fortaleza - Centro Fone: (85) 3252-2624

O Povo, Fortaleza, 20 de junho de 1972

Page 4: A Flor do Ônibus

«No começo a gente sentia até um certo preconceito. Porque as pessoas nunca tinham visto uma

mulher ali na catraca. Elas podiam dizer: “ – Cobradora? Vocês querem tirar o espaço dos homens, ficar no lugar deles...” . Mas

comigo, só chegaram a falar: “Cobradora mulher? Esse é um trabalho muito masculino para a senhora.”

4

Rocilda Lopes de Oliveira, empresária de ônibus

Diário do Nordeste, Fortaleza, 25 de junho de 2007

O Povo, Fortaleza, 30 de abril de 1976

Diário do Nordeste, Fortaleza, 26 de julho de 2011

Thiago, Diário do Nordeste, Fortaleza, 01 de julho de 2007

«Quando era dia de Santo Antônio, Dona Rocilda mandava me chamar: “- Josué, vamos deixar o pão dos pobres.” E ela enchia o ônibus com uns

sacos de pães e nós levávamos na Igreja do Otávio Bonfim. “- Josué, desça. Venha comigo deixar os pães”. Sempre no dia de Santo Antônio. Então pedi ao santo que me desse uma mulher boa, que tivesse jeito de me

ajudar, porque eu não tinha nada meu».

Josué Dias Xavier, motorista

Gésia Carvalho Pereira, cobradora de ônibus

Revista Fecoopace. Fortaleza. Ano I, n° 8. Junho/Julho de 2010

Realização

Centro Cultural do Transporte - Rua Dona Leopoldina, 1050 - Fortaleza - Centro Fone: (85) 3252-2624

Diário do Nordeste, Fortaleza, 09 de março de 2005