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ARTIGO DE ATUAL IZAÇÃO A FORMAÇÃO DO ALUNO DE ENFERMAGEM E AS ATRIBUiÇÕ ES DO ENF ERM EIRO NO PROGRAMA DE ASSISTENCIA À CRIANÇA Neid e Marina F eijó 1 , R enata Lúcia Gigante 1 FEIJÓ, N. M. & GIGANTE, R . L. A formação do aluno de enfermagem e as atribuições do enf ermeiro no pro ra- ma de assi stência à crianç a. R ev. Bs. EIlf. , B r as l lia, 39 ( 2 / 3): 103-106, abr./set ., 1986. RESUMO. Este trabalho tem como finalidade analisar a formação do aluno d e Enferma- gem e as atribuições do enferme iro no Programa de Assistência à Criança. Para s e alcançar tal propósito, fo i ut il izado como referenc ial o curríc ulo da Escola de Enfermagem de Ri- beirão Preto da Un iversidade de São Paulo, nos itens p ertin entes à s disciplinas de enferma- gem pediátrica e saúde p ública confrontando com a portaria SSCG de 7/2/83 que regula- menta as atribuições do enferme iro nas unidades de saúd e do Estad o de São Paul o. O tra- tamento é anal(tico, fundamentado em correntes filosóficas. ABSTRACT. This work has as finalty to anal ize the development of nursing student s and their atr ibutions in the Program for assistence to the cildr en. For us to r each this pur pose we use for re ference the curricul um of de n ursing course at the Univer sity of São Paulo in Ribeirão Preto. And in this curriculum we take out the subj ects that correspond to the Pediatr ical nursing and P ublic health and th es e subject s are confront ed th e foll owings responsabile departament that regulate the atribution s of the nursing students in the healthy departments of the São Paulo state thi s study will be analitic, bad in Filosofical corrents. INTRODUÇÃO A enfeagem surgiu no Brasil em meio a um movimento de saneamento e saúde pública que envol- via interesses econômicos da época (ALCÂNTARA 1). Esse fato foi proporcionado após a criação do Depar- tamento Nacional de Saúde blica (1920), com a vinda de nove enfeeiras norte erican ao Bra- sil, através da Fundação Rockefeller. Es sas enfeei- ras desenvolveram os primeiros rviços de saú de pú- blica no Rio de Janeiro e foram as primeiras pro fe s - soras da Escola de Enfe nnagem Ana Neri, fundada em 1922, aos moldes da enfermage m ericana (PINHEIROS). A partir daí, o número de escolas de enfea- gem cresceu lentamente até 19( e, em 1962, o Bra- sil contava com o número de onze . Essas escolas de- veriam se equiparar à Escola Ana Neri que foi consi- derada a escola padrão pelo decreto 20.l09/ 3 1 (PINHEIROS). Tradicionalmente , o objetivo dessas escolas tem sido o de foar enfermeiros para o cuidado direto do paciente ; porém , des de o início, enfeei- ros recém-foados iniciaram us trabalhos junto a atividades admini strativas, quer na área hospitalar ou de saúde pública, ficando o cuidado direto nas mão s de auxiliares e/ou atendentes de enfeagem. Atri- bui u-se a dificuldade em atinr o obje tivo do cuida- do direto ao pacien te à falta de recursos humanos e financeiros(ALCÂNTARAI ). Segundo ALC ANTARA I , "o s d i re t o res de hos- pitais começaram a compreende r a necessidade do trabalho da enfe eira para exe rce r as funçõe s ad- min istrat ivas, para o ens ino e supeisão do pessoal auxiliar que sem pparo especial izado prestavam cui- dados de enf e rm agem ao paci.ent e". Nesse mesmo trabalho , a autora comenta a ne- ssidade de uma revisão curricular a fim de pr eparar o enfeeiro para exercer essas funções administra- tivas, de en sino e supeisão . Hoje que stionamos a form ação do aluno de en- fe nnagem quando nos deparamos e m estágios com a prática do enfeeiro de campo . Em decor rência dis- so, no sso p ropósito é an alis ar o cur r ículo da Escola de En fe nnagem de Ribe irão Preto da Uve rsidade de São Paulo - (EERP-USP) nos ite ns pertinente s às dis- ciplinas de Enfeagem Pediátrica e de Saúde Públi- ca, confrontado com a portaria SS.CG.7-2 -8 3 que re- gulamenta as atribuições do enfeeiro no Centro de Saúde do Estado de São Paulo . 1. Alunas do Curso de Graduação em Enfeagem - Hab il itação em Enfermagem de Saúd e Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Pau lo . R. Bras. E1lf , Bras(/ia, 39 (2/3 ), abr./maio/ iu n . /iu l. /o . /set. 1986 - 103

A FORMAÇÃO DO ALUNO DE ENFERMAGEM E AS … · ras desenvolveram os primeiros serviços de saúde pú ... ca, confrontado com a portaria SS.CG.7-2-83 que re ... culmina na divisão

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A R T I G O D E ATU A L I ZAÇÃO

A FOR MAÇÃO DO ALUNO DE ENFER MAGEM E AS ATRIBU i ÇÕ ES DO ENFE R M EI R O NO P R OGRAMA D E ASSISTE NCIA À CRIANÇA

Neide M a ri n a F ei jó 1 , Renata Lúc i a G iga nte 1

FE IJÓ, N. M. & G IGAN TE, R . L. A fo rmação do al uno de enfermagem e as atr ibu ições do enfe rmeiro no pro�ra­ma de a ss istê nc ia à criança. R ev. Bras. EIlf. , Bras l l ia , 39 ( 2 / 3 ) : 10 3- 1 0 6, abr ./set . , 1 9 86.

R ESUMO. Este traba l ho tem como f i n a l idade ana l isar a form ação do a luno d e E nfe rm a­gem e as atr i b u i ções do enfermei ro no Programa de Assi stênc ia à Cr iança . Para se a lcan çar ta l propósito, foi u t i l izado com o refe ren c i al o cu rr ícu lo da Esco l a de E nfe rmagem de R i ­be i rão Preto d a U n ivers idade de São Pau l o , n o s itens pert i nentes à s d isci p l i nas d e e nfe rm a­gem ped i átr ica e saúde p ú b l ica confrontando com a po rta r i a SSCG de 7 /2/83 que reg u la ­menta as atr i b u i ções do enfermei ro nas u n idades de saúde d o Estado d e São Pau lo . O tra­tamento é a n a l (t ico , fu ndamentado em correntes fi l osóf icas .

ABST R ACT. T h i s wo rk has as f i n a lty to ana l ize the d eve lopment of n u rs ing students and the i r atr i b ut ions in t he Program for ass i stence to the c i l d ren . For u s to reach t h i s purpose we u se for reference the cu rr icu l u m of de n u rsi n g cou rse at the U n i vers ity of São Pau l o i n R ib e i rão P reto. A nd i n th i s cu rr icu l u m we take o u t t h e su bjects that correspond t o t he Ped i atr ica l n u rs i n g and Pu b l ic hea lth and these subject s are confronted the fo l low ings responsab i l e departament t hat regu l ate the at r i b ut ions of the n u rs i ng students i n the he a l thy d epart ments of the São Pau lo state th i s st udy wi l l be ana l it ic , based in F i lo sof ica l corrents .

I NTRODUÇÃO A enfe nnagem surgiu no Brasil em meio a um

movimento de saneamento e saúde pública que envol ­v i a interesses e conômico s da época (ALCÂNTARA 1 ) . Esse fato foi proporcionado após a cri ação do Dep ar­tamento Nacional de Saúde Pública ( 1 920 ), com a vinda de nove e n fenneiras norte ame ricanas ao Bra­sil , atravé s da Fundação Rocke feller . Essas enfennei­ras desenvolveram os primeiros se rviço s de saú de pú­blica no Rio de J aneiro e fo ram as primeiras pro fes­soras da Escola de Enfe nn agem Ana Neri , fundada em 1 9 22 , aos moldes da enfermagem ame rican a (PINHEIRO S ).

A p artir daí, o n úmero de e scol as de enfe nn a­gem cresceu lentamente até 1 940 e , em 1 9 62 , o Bra­sil contava com o número de onze . Essas e scolas de ­ve riam se e quip arar à Escola Ana Neri que foi consi­de rada a escola p adrão pelo decreto 20 . l 09/ 3 1 (PINHEIRO S ) .

Tradicionalm ente , o objetivo dessas escolas tem sido o de fonnar en fermeiros para o cuidado direto do paciente ; porém , desde o in ício , enfe nnei­ros recém -fonn ados iniciaram se us trabalho s junto a atividades administ rativas , quer n a áre a hospitalar ou de saúde pública , ficando o cuidado direto n as mãos

de auxiliare s e/ou ate ndente s de e n fe rm age m . Atri­buiu-se a dificuldade em atingir o objetivo do cuida­do direto ao p aciente à fal ta de recursos humanos e fin ance iros(A LCÂNTARA I ).

Segundo A LC AN T A RA I , "o s diretores de hos­pitais come çaram a compreender a ne ce ssidade do t rabalho da enfe nne ira para exe rce r as funções ad­min ist r at ivas , para o ensin o e supe rvisão do pessoal auxiliar que sem p re paro e specializado p re stavam cui­dado s de enfe rm agem ao paci.e nte " .

Nesse mesmo t rabalho , a autora comenta a ne ­ce ssidade de uma re vi são curricular a fim de preparar o enfe nne i ro para e x e rce r e ssas funções administra­t ivas , de e nsino e supe rvisão .

Hoje que st ionamos a fo rm ação do aluno de en ­fe nnagem quando nos dep aramos e m est ágios com a prát ica do e n fe nn eiro de cam po . Em decorrên cia dis­so , no sso propó sito é an alisar o cur r ículo da Escola de Enfe nn agem de Ribeirão Preto da Unive rsidade de São Paulo - (EERP- USP) no s itens pe rtinentes às dis­ciplin as de Enfe nnagem Pediátrica e de Saú de Públi­ca, confront ado com a portaria SS. CG . 7-2-8 3 que re ­gulamenta as atribuições do enfe nne iro no Centro de Saúde do Estado de São Paulo .

1 . A lunas do Curso de Gradu ação em Enfe rm agem - Hab ilitação em Enfe rmagem de Saúde Púb li ca da Esco la de Enferm agem de Ribeirão Preto da Universidade de São Pau lo .

R ev . Bras. E1lf. , Bras(/ia, 39 (2/3) , abr. /maio/iun. /iul. /ago . /set. 1 986 - 1 03

Nossa análise se rá fun damentada em textos de F R E I RE4 e CHAUr3 , principalmente no que se refe ­re à divi são social d o trab alho , onde o s autores se ba­se i am na di alét ica .

Atravé s do trabalho , os homens se rel acionam com a n at urez a , transfo rm ando -a . Na divisão social do t rabalho o que interessa é a relação ent re os ho ­men s at ravés do trabalho dividido (CHAUl3) .

Esta divisão d o trab alho tem in ício dentro da fam íli a com o trabalho sex ual da procriação , prosse ­gui n do -se com a d ist ribui ção entre se us mem bros dos direitos e deveres de cada um. Avança e se estabele ­ce entre agricultura e pasto re i o , e entre os dois e o co ­mé rcio( C H AU I 3 ) .

A d iv i são pro ssegue entre proprietários d a s c o n ­dições d e trabalho e não proprie t ários , ou sej a, indiv í­duo s que ofe re ce m sua força de trabalho por um s alá­rio , os assalariados (CHAUl3) . .

Est abele ce-se a divisão entre cidade e campo e culmina n a divisão e ntre trabalho m anual e trab alho intele ctu al , onde e sse últ im o dita as regras para o p ri ­mei ro(CHAUI3 ).

Segundo FREI RE4, não existe trabalho verda­deiro se esse n ão for um instrumento de transform a­ção do mundo , onde os indiv íduo s exercem a verda­deira ação-reflexão , ou seja , não deve existir dicoto­mia entre o trabalho manual e intelectual , pois isso ocorrendo temos um a prática alien ada e uma ativida­de intele ctu al longe de at ingir objetivos comuns .

Apresentação dos Objetivos das Disciplinas e das Funções Atribu idas ao Enfermeiro pela Coordenadoria de Saúde da Comunidade

Faremos um resumo do s programas de 1 9 85 re­fe re nte às disci plin as de Enfe rmagem Pediátrica (E RG-32 8 ) ministrada no 39 ano de graduação ; En­fe rm agem de Saúde Pública 1 1 ( E RGA 7 5 ) e Adminis­tração de Serviço de Enfe rmagem em Unidade de Saúde (E RGA9 8) ambas do curso de Habilitação em Enfermagem de Saúde Pública , salientando seus obje ­tivos gerais e e spe c íficos .

A disciplina d e Enfe rm agem Pediátrica tem co­mo objet ivo prep arar o aluno para o atendimento glo­bal das nece ssidades básicas da crian ça em todas as faixas etári as e em todas as fases do desenvolvimento b iopsicossocial , dando ênfase , porém , at ravés do seu conteúdo p rogramático ao aspecto biológico .

Propõe que o aluno utilize aspectos preventivos e e ducativo s na re alização desse atendimento e pre ­coniza como sist ema d e re fe rência, n o cumprimento de seu objet ivo , a Assistência Primária à Saúde .

O programa da disciplina de Enfe rm agem de Saúde Pública 11 visa levar o aluno , a desenvolve r um esp írito crítico em relação aos determin antes pol íti­cos, sócio-e conômicos , ambient ais e institucionais do processo saúde-doen ça, analisando-os frente a uma perspe ctiva hist órica .

Com relaç ão à saúde da criança, pretende que o aluno conhe ça seu p rogram a , bem como os p rinc ípios ge rais de administração e as políticas de s aúde aplica­das aos mesmos, desenvolven do conhe cimento s , habi­lidades e atitudes para dar assistência de enferm agem a n ível de Assistência Primária à Saúde . A p articipa-

ção na e quipe de s aúde é outro ponto relevante nesse program a .

A disciplin a d e Administração d e Serviço d e En­fermagem em Unidade de Saúde tem como finalidade ge ral c apacitar o aluno para part icipar do pro ce sso ad­minist rat ivo das unidades de saúde .

Para t al , os alunos deverão conhe ce r as ativi da­des administrativas , bem como o funcion amento de todas as áre as de uma unidade de saú de . Na sua pro­gramação , a disciplin a propõe atividade s de planej a­mento e avaliação dos programas de saúde , b em como de atividades de enfe rm agem , conside rando os objeti ­vo s do se rviço e a ne ce ssidade da comunidade a se r atendida . Dentro do proce sso de administração inclui­se a part icipação do aluno na seleção , treinamento , e supervisão do pessoal de en fe rmagem .

Passaremos a apre se ntar sumariamente as fun ­ções do enfe rmeiro definidas pela portaria SSCG de 7-2 - 1 983 , confo rme Anexo 1 .

As atividades do enfe rmeiro do Centro de Saú­de são estabelecidas através de programas . Existem trê s grandes p rogr am as : Assistência à Gestante ; Assis­tência à Criança (O à 4 anos) e Assistência ao Aaulto ( 1 5 a mais ano s) , desdobrados em sub -p rogramas .

Cabe ao enfermeiro interp retar junto à e quipe de saúde e para o pessoal auxiliar de enfe rm agem es­ses program as e controlar seu cumprimento . O pl a­nejamento da assistência à saúde da população fica subordin ado a exe cução dos p rogramas citado s .

Constatamos que a s atribuições do enfe rmeiro se dão em dois n íveis , denominados por nós , direto e in dire to .

A níve l indireto c abe ao enfe rmeiro supe rvisio ­nar e coorden ar o atendimento de enfe rm agem , re ali­zando desde a supervisão dos regi stros e anotações do pessoal , funcionamento dos fichários de vacina­ção e central , até proce dimento s como visitação domiciliária e o rientação individual ou grupal à po ­pulação sobre s aúde .

A nível direto cabe ao en fermeiro a e xecução de tarefas que serão realizados mediante uma sele ção de ações p rioritárias , ou sej a , de alto risco p ara o indi­v íduo ou comunidade .

D I SCUSSÃO Co mo dissemos ante riormente , as disciplinas vi­

sam de um a maneira geral . o atendimento global da criança na comunidade .

Esse atendimento global , porém , torna-se im­praticável no c ampo de trabalho onde nos deparamos com p rogram as e subprogramas fracionado s .

A s atividades intern as d o s Centros d e Saúde compreende m : triagem , matrícula, inscrição , pré-con ­sulta , consulta médica , consulta odontológica , consul­ta oftalmológica, pós-consulta , encaminhamentos , atendimento de enfe rmagem , suplementação alimen ­tar . vacinação , aplicação tópica de fluor, aplicação de provas e testes , aplic ação de tratamentos , trabalho de grupo , exames com:f,lementares entre outro s( BRASIL. Leis , decretos , e t c . ) .

Além de ssas atividade s se rem fracionadas , cada uma delas é executada por um funcion ário , impedin ­do dessa forma que o s trabalhadore s t enham u m a vi­são completa tanto dos se rviços realizados como da

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população a ser atendida , o que vem a ser um traba­llio alienado .

"O trabalho alienado é aquele no qual o produ ­tor não pode reconhecer-se no produto de seu traba ­lho , porque as condições desse trabalho , suas finali­dades reais e seu valor não dependem do próprio tra­balhador, mas do proprietário das condições de tra­balho "(CHAUI3).

Para entendermos melhor esse fracionamento das atividades precisamos entender a divisão social do traballio , na qual a saúde também está inserida .

Segundo CHAUI3 , a divisão social do trabalho é estabelecida entre proprietários e não proprietári­os , não sendo somente uma divisão de tarefas , e mbo­ra essa divisão também ocorra .

"A divisão social do trablho não é uma simples divisão de tarefas mas a manifestação de algo funda­mental na existência histórica: a existência de dife­rentes fonnas de propriedade, isto é, a divisão entre as condições e instrumentos ou meios do trabalho e o próprio trabalho , incidindo, por sua vez, na desi­gual distribuição do produ to do trabalho. Numa pa­lavra: a divisão social do trabalho engendra e é engen­drooa pela desigualdade social ou pela forma da pro ­priedade "( CHA UI3).

Dentro dessa perspectiva, o objetivo geral das disciplinas de proporcionar ao aluno uma visão glo­bal da criança dentro da comunidade permanece no discurso , pois o enfe rmeiro está nesse contexto , co­mo um trabalhador assalariado , não detentor dos meios de produção dos seus serviços ; que recebe or­dens emanadas de n íveis superiores e se limita a cum­pri-las e controlar seu funcionamento .

Verificamos aqui , instaurada uma situação que , segundo CHAUI3 , "estabelece entre a teoria e a prática uma relação autoritária de mando e de obediência, isto é, a teoria manda porque possui as idéias , e a prática obedece porque é ignorante. Os teóricos comandam os demais se submetem ".

Outro aspecto relevante é que historicamente o enfermeiro nunca exerceu o cuidado direto à criança, mesmo sendo formado para tal , exercia funções ad­ministrativas e de supervisão (ALCÂNTARA1 ) .

Ainda hoje as disciplinas apresentadas desen­volvem junto aos alunos atividades de cuidado dire ­to à criança, na tentativa de atingir seus objetivos de desenvolvimento de habilidades e atitudes e de aten­dimento às necessidades básicas da criança. Mantendo a contradição entre o objetivo da formação do aluno de enfermagem e a prática real de seu trabalho depois de formado .

Confrontando esses objetivos referidos no pará­grafo anterior com as atribuições do enfermeiro se­gundo a portaria SSCG de 7/2/ 1 9 83 da Coordenado­ria de Saúde da Comunidade , observamos que é exigi ­do do enfermeiro seu desempenho a n ível de ativida­des de supervisão , controle e coordenação , isto é , cuidado indireto , conforme exemplificamos com o item 2 do anexo 1 : "Coordenar e supervisionar a or­ganização -e execução das atividades de enfennagem , desenvolvidas nas unidades de atendimento sob sua responsabilidade, levando em conta os demais elem en­tos da equipe de saúde dos Centros de Saúde " e só raramente em atividades extremamente selecionadas.

O enfermeiro atuará a nível de cuidado direto da criança, conforme verificamos no item 1 do Anexo 1 : "Selecionar e executar ações de enfennagem de acordo com as prioridades, necessidades e caracterú­ticas de cada caso, particulannente para: gestantes e crianças de alto risco, bem como, outros clientes que apresentam risco para si próprios ou para a comunida­de "(BRASIL. Leis , decretos , etc2) .

O discurso dos programas das disciplinas for­mulados pelas docentes da EERP-USP e a defmição das atribuições do enfermeiro pela Coordenadoria de Saúde da Comunidade são idealizados , visto que essa categoria profissional não está atuando no coti­diano do serviço em ações assistenciais de enfenna­gem o

Percebemos assim os docentes da EERP-USP e a Coordenadoria de Saúde da Comunidade como trabalhadores intelectuais e os enfermeiros de c ampo como assistenciais , completando dessa forma a divi ­são social do tt:abalho segundo CHAUI3 : "A divisão social do trabalho toma-se completa quando o traba­lho material e o espiritual se separam. . . as idéias aparecem como produzidas somente pelo pensamen ­to, porque os seus pensadores estão distante da pro­dução material ".

Conforme a mesma autora esse trabalhadores intelectuais não e stão diretamente vinculados a ativi­dades p ráticas , portanto sua produção será idealizada e distante do real .

Dentro d a sua proposta administrativa, as disci­plinas propõem conhecimento , planejamento e avalia­ção dos programas de saúde , entre ele s o da criança.

Essas atividades , na realidade , e stão aquém das possibilidades de serem executadas, visto que os pro­gramas de saúde chegam até os profissionais prontos para serem postos em ação . O planejamento dos mes­mos é feito em níveis superiore s . Além disso , a pro­posta é de que o planejamento seja feito pelos alunos levando em consideração os objetivos dos serviços de saúde e as necessidades da comunidade . Esse tipo de planejamento é ilusório , pois seriam baseados em ob­jetivos e necessidades que emergem de classes sociais dife rentes com interesses que se contrapõem .

A divisão social do trabalho leva os indivíduos , que estão na base do sistema d e produção (sem os meios de produção), a se distanciarem cada vez mais da produção de idéias , da formulação dos objetivos e dos planos a serem aplicados.

"Essas fonnas da divisão social do trablho, ao mesmo tempo em que detenninam a divisão entre proprietários e não proprietários, entre trabalhado­res e pensadores, detenninam a fonnação das classes SOCiais e finalmenre, a separação entre sociedade e política, isto é, entre instituições sociais e Estado " (CHAUI3).

É interessante salientar que , apesar da enonne contradição , entre os programas das disciplinas e a realidade do serviço , existe uma preocupação das disciplinas ministradas no curso de habilitação em En­fermagem de Saúde Pública, em desenvolver nos alu­nos uma visão crítica dessa situação na tentativa de que sejam agentes de mudanças .

Saliente -se que existe uma contradição . Como poderemos ser agentes transformadores se temos uma

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prática alienada , e não exercemos a verdadeira ação­reflexão? (FRElRE4) .

CO NCLUSÃO Analisando os programas das três disciplinas da

EERP-USP e confrontando com a portaria SSCG-7/2/ 1983 da Coordenadoria de Saúde da Comunidade , chegamos às seguintes conclusões :

- A maior parte do conteúdo programático dá ênfase ao cuidado direto à criança contrapondo-se às atribuições definidas pela Coordenadoria de Saúde da Comunidade , que delegam ao enfermeiro ativida­des de coordenação e supervisão .

- A formação acadêmica do aluno distancia-se de seu desempenho profissional , quando propõe assis­tência global à criança e as instituições propõem o fra­cionamento da assistência.

- A ênfase na parte administrativa leva o aluno a administrar programas e subprogramas que chegam até ele prontos para serem executados .

Muitos outros pontos poderiam ser levantados e discutidos neste trabalho . limitamo-nos , contudo , a esta análise por julgarmos a mais importante .

(Este trabalho foi desenvolvido sob a orientação da Pror. Se­miramis Melani Melo Rocha , do Departamento de Enfermagem Geral e Especialização da EERP, Ribeirão Preto , SP. ).

FEIJO, N. M. & GIGANTE, R . L. The development of nur­sing students and their atributions in the Program for assistence to the children . R ev. Bras. Enf , Brasília, 39 (2/ 3 ) : 1 0 3- 1 0 6, Apr./ Sept ., 1 9 86.

R E F E R � N C I AS B I B L IOG R A F ICAS 1 . ALCÂNTARA, G. Preparo de enfermeiras para o campo de

enfermagem em saúde pública, administração de enfermagem e ensino e supervisão da Escola de En­fermagem de Ribeirão Preto . R ev. Bras. Enl , Rio de Janeiro , 1 3 (2) : 20 1 -29 , jun . 1960 .

2 . BRASIL. Leis, decretos, etc . Portaria SS.CG de 7-2-19 83 , que regulamenta as atribuições do enfermeiro no Centro de Saúde do Estado de São Paulo . Diário Oficial, Brasília, 19 de jan. de 1 9 8 2 .

3 . CH AUI , M. O que é ideologia. 1 8 . e d . São Paulo , Brasilien­se , 1 9 80 .

4. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 1 4. ed . Rio de Janei­ro , Paz e Terra, 1 9 8 3 . p . 89 -1 4 1 .

5 . PINHEIRO, M . R . S . A enfermagem no Brasil e em São Paulo . R ev. Bras. Enf, Rio de Janeiro , 1 5 ( 5 ) . 432-7 8 , out . 1 9 62.

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