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A Formação do Conhecimento nas Organizações: Um Estudo de Caso em uma Universidade Pública Francisco José da Cruz Universidade Estadual de Maringá [email protected] Prof. M.Sc. Osmar Gasparetto Universidade Estadual de Maringá [email protected] RESUMO A Gestão do Conhecimento é uma resposta imprescindível aos apelos pela modernização do setor público. Porém, raras vezes o uso de suas metodologias resultou em êxito na administra- ção pública brasileira, ficando interpretadas como soluções empíricas motivadas pelas tecno- logias de informação, arriscando a se tornarem modismo. Face à incipiência dos estudos orga- nizacionais, este trabalho desprende-se das práticas relacionadas à Gestão do Conhecimento e traz como foco a abordagem do processo de geração e do uso do conhecimento, a partir da metodologia proposta pelos professores japoneses Nonaka e Takeuchi, que desenvolveram um modelo de criação dinâmica do conhecimento organizacional. A “Espiral do Conhecimento” é uma cadeia sucessiva de conversão do conhecimento tácito em conhecimento explícito. Um estudo de caso exploratório foi conduzido em um programa de pós-graduação de uma univer- sidade pública, buscando a visualização da Espiral do Conhecimento no contexto das organi- zações públicas. A interação entre os conhecimentos tácitos e explícitos, nos quatro formatos apresentados (socialização, externalização, combinação e internalização) deve ser promovida de forma intensa na organização, utilizando-se dos vários elementos propostos. Palavras-Chave: Gestão do Conhecimento, Criação do Conhecimento, Setor Público. INTRODUÇÃO O pensamento neoliberal aponta o Estado como “ineficiente” na sua função de prover o bem estar social. A razão é lógica e diz respeito a ele estar sujeito a uma imensurável demanda de

A Formação do Conhecimento nas Organizações: Um Estudo … · 6 de criação do conhecimento. Em outras palavras, pode-se dizer que a partir de um conheci-mento tácito (inerente

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A Formação do Conhecimento nas Organizações:

Um Estudo de Caso em uma Universidade Pública

Francisco José da Cruz

Universidade Estadual de Maringá

[email protected]

Prof. M.Sc. Osmar Gasparetto

Universidade Estadual de Maringá

[email protected]

RESUMO

A Gestão do Conhecimento é uma resposta imprescindível aos apelos pela modernização do

setor público. Porém, raras vezes o uso de suas metodologias resultou em êxito na administra-

ção pública brasileira, ficando interpretadas como soluções empíricas motivadas pelas tecno-

logias de informação, arriscando a se tornarem modismo. Face à incipiência dos estudos orga-

nizacionais, este trabalho desprende-se das práticas relacionadas à Gestão do Conhecimento e

traz como foco a abordagem do processo de geração e do uso do conhecimento, a partir da

metodologia proposta pelos professores japoneses Nonaka e Takeuchi, que desenvolveram um

modelo de criação dinâmica do conhecimento organizacional. A “Espiral do Conhecimento” é

uma cadeia sucessiva de conversão do conhecimento tácito em conhecimento explícito. Um

estudo de caso exploratório foi conduzido em um programa de pós-graduação de uma univer-

sidade pública, buscando a visualização da Espiral do Conhecimento no contexto das organi-

zações públicas. A interação entre os conhecimentos tácitos e explícitos, nos quatro formatos

apresentados (socialização, externalização, combinação e internalização) deve ser promovida

de forma intensa na organização, utilizando-se dos vários elementos propostos.

Palavras-Chave: Gestão do Conhecimento, Criação do Conhecimento, Setor Público.

INTRODUÇÃO

O pensamento neoliberal aponta o Estado como “ineficiente” na sua função de prover o bem

estar social. A razão é lógica e diz respeito a ele estar sujeito a uma imensurável demanda de

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ações, sendo que em contrapartida ele opera em um ambiente de contingenciamento de recur-

sos, os quais quase sempre são escassos. Soma-se a isso os excessos de regulamentação da

economia motivados pela sua estrutura burocrática, que complicam a produção e sobrecarre-

gam os seus custos. Conseqüentemente, o serviço público necessita de respostas imediatas e

eficazes para compor a função do Estado, com a formulação e a execução de políticas públi-

cas que melhor atendam a coletividade. Exige-se então que as organizações públicas apresen-

tem dinamismo em suas estruturas e formas de gestão.

Por outro lado, o limiar do novo século é marcado, entre outros aspectos, pela existência de

uma nova ordem de desenvolvimento social e econômico. A sociedade pós-capitalista desti-

tuiu a imponência dos fatores de produção do capitalismo - capital, terra e trabalho - invocan-

do a mercantilização do conhecimento, tido como principal meio de produção econômica.

“Hoje o valor é criado pela ‘produtividade’ e pela ‘inovação’, que são aplicações do conheci-

mento ao trabalho” (DRUCKER, 1999, p. XVII).

Diante desse contexto, a Gestão do Conhecimento que tem se mostrado “como fator de suces-

so das organizações e da reprodução do capital” (COELHO, 2004, p. 5), surge como um novo

paradigma em favor do sucesso da administração pública, em vista do alcance de melhores

níveis de gestão das entidades públicas brasileiras, revigorando principalmente suas ações de

planejamento, de execução financeira e de gestão de seus recursos humanos. Torna-se então,

relevante a abordagem do tema com o propósito de contribuir com a modernização das ações

do setor público, bem como com a implementação de inovações em suas organizações e em

seus procedimentos.

No Brasil, é oportuno salientar que em diversos setores da administração pública têm sido

aplicadas metodologias de Gestão do Conhecimento, as quais quase sempre interpretadas

como soluções empíricas motivadas pelas tecnologias de informação (COELHO, 2004), com

o risco de tornarem-se objetos de modismo.

Conforme Terra (2000), a literatura organizacional tem tratado da Gestão do Conhecimento

sob diferentes abordagens: cultura organizacional (aprendizado); formação de grupos e redes

de interatividade; desenvolvimento de competências; mapeamento, codificação e comparti-

lhamento do conhecimento; conectividade entre as pessoas; avanços em informática e em

telecomunicações; e mensuração do capital intelectual.

Não obstante à importância da discussão e da avaliação sobre o uso das práticas relacionadas

à Gestão do Conhecimento, o presente trabalho desprende-se dessa análise e traz como foco a

abordagem do processo de geração e do uso do conhecimento, nos níveis individual e organi-

zacional. O estudo tem como precursores os doutores Ikujiro Nonaka e Hirotaka Takeuchi,

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professores da Universidade Hitotsubashi de Tóquio, os quais a partir do acompanhamento da

criação e do uso do conhecimento em empresas japonesas, desenvolveram um modelo de aná-

lise da criação do conhecimento organizacional, conhecido como “a Espiral do Conhecimen-

to” (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 80). Tal estudo demonstra que a inovação e a criação

de novos conhecimentos organizacionais derivam de uma cadeia de transformação ou de

“conversão do conhecimento tácito em conhecimento explícito” (NONAKA; TAKEUCHI,

1997, p. 11).

Neste novo momento da sociedade mundialmente globalizada, onde ciência, tecnologia e ino-

vação têm relevante papel no seu desenvolvimento econômico e social, as organizações públi-

cas necessitam de iniciativas imediatas ao aprimoramento da produção, da disseminação e do

aprendizado dos novos conhecimentos.

Assim, com a associação desse estudo teórico ao estudo de caso, conduzido no Programa de

Pós-Graduação em Genética e Melhoramento (PGM) da Universidade Estadual de Maringá,

pretende-se tornar clara a visualização da Espiral do Conhecimento no contexto dessa orga-

nização, podendo subsidiar os comportamentos e as ações de gestores públicos diante da nova

realidade. A partir da literatura consultada foi aplicado o modelo desenvolvido por Nonaka e

Takeuchi (1997) para a apresentação do processo de formação do conhecimento no PGM,

utilizando-se de consulta aos registros das decisões e das ações recentes do mesmo.

Provida desse requisito, a Administração Pública poderá buscar o melhor desenvolvimento

dos mecanismos de Gestão do Conhecimento, da inovação e da criatividade em suas organi-

zações.

FUNDAMENTOS TEÓRICOS SOBRE A CRIAÇÃO DO CONHECIMENTO

Analisando as organizações públicas e privadas da era pós-capitalismo, percebe-se que o em-

prego do esforço físico por parte dos seus trabalhadores é, em sua maior parte, substituído

pelas máquinas. O papel do “novo trabalhador” passa a ser desenvolvido a partir de sua “ca-

pacidade de criar, aprender e desenvolver novos conceitos, produtos e serviços baseados estri-

tamente no conhecimento” (TERRA, 2000, p. 1). Para melhor ilustração do novo cenário, no

qual se compreende a Gestão do Conhecimento, o texto a seguir descreve os conceitos das

terminologias relacionadas à geração e à conversão do conhecimento.

É comum encontrar, tanto no meio acadêmico como no meio profissional, uma confusão se-

mântica em torno das palavras “dado”, “informação” e “conhecimento”. Embora sejam usadas

com o mesmo sentido, elas possuem significados diferentes.

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Para Davenport e Prusak (1998, p. 2), “dados são um conjunto de fatos distintos e objetivos,

relativos a eventos”, de fácil estruturação e disseminação. Um dado é uma representação sim-

bólica e quantificável que identifica um fato e/ou um elemento. No ambiente organizacional

os dados são tidos como “registros estruturados” de fácil padronização por sistemas e máqui-

nas. Isoladamente, um dado não fornece nenhuma conclusão, porém trata-se de uma matéria-

prima fundamental para a criação da informação.

Com um conjunto desses dados é possível criar uma informação, que transforma os dados em

uma mensagem de comunicação, compreensível ao seu transmissor e principalmente ao seu

receptor. Portanto, informações “são dados interpretados, dotados de relevância e propósito”

(DRUCKER, 2001, p. 32). A diferença fundamental entre dado e informação é que o primeiro

é puramente simbólico enquanto que o segundo tem significado.

Enquanto, os dados e as informações podem ser armazenadas e manipuladas por computado-

res, com o conhecimento isso não acontece, pois é de difícil estruturação e de difícil transfe-

rência. O conhecimento é algo pessoal, vivenciado por alguém. Assim, Davenport e Prusak

(1998, p. 7) afirmam que “para que a informação se transforme em conhecimento, os seres

humanos precisam fazer todo o trabalho”. Os autores ainda o classificam como uma informa-

ção valiosa da mente humana, que inclui reflexão, síntese e contexto.

Para o médico húngaro, Michael Polanyi (1891), que mais tarde torna-se professor de ciências

sociais, sendo um dos precursores da teoria do conhecimento, o conhecimento é público, mas

também é, em grande dimensão, pessoal, ou seja, é obra de seres humanos e por isso contém

emoções (SVEIBY, 1998). Conclui-se então que o conhecimento envolve associações de con-

ceitos baseados em uma vivência pessoal dos objetos envolvidos. Por exemplo: pode-se ler

bastante sobre Paris, obtendo-se assim, nessa caracterização, informações sobre cidade. Mas

conhecimento sobre ela só se obtém visitando-a pessoalmente.

Nonaka e Takeuchi (1997) descrevem três observações sobre as semelhanças e as diferenças

entre conhecimento e informação:

Primeira, o conhecimento, ao contrário da informação, diz respeito a crenças e com-

promissos. O conhecimento é uma função de uma atitude, perspectiva ou intenção es-

pecífica. Segunda, o conhecimento, ao contrário da informação, está relacionado à

ação. É sempre o conhecimento “com algum fim”. E terceira, o conhecimento, como a

informação, diz respeito ao significado. É específico ao contexto e relacional.

(NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 63)

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Para Sveiby (1998), apesar das muitas abordagens filosóficas, não existe nenhuma definição

da palavra conhecimento aceita de modo geral. O estudo da teoria do conhecimento é deno-

minado de epistemologia. A palavra de origem grega (episteme) refere-se à verdade absolu-

tamente certa.

Nonaka e Takeuchi (1997, p. 63), ao proporem uma teoria da criação do conhecimento orga-

nizacional, adotam a definição de conhecimento como “crença verdadeira justificada”. Con-

tudo, salientam que teóricos ocidentais concentram-se na verdade, enquanto eles - como ori-

entais - destacam a natureza do conhecimento como “crença justificada”. Essa discussão atri-

bui um enfoque ainda mais pessoal à criação do conhecimento (tácito), ao passo que a episte-

mologia ocidental retrata um caráter mais exterior do conhecimento (explícito).

Ao classificar “o conhecimento como algo pessoal, isto é, formado dentro de um contexto

social e individual, ou seja, não é propriedade de uma organização ou de uma coletividade”

(SVEIBY, 1998, p. 36), Polanyi difunde dois conceitos fundamentais ao estudo da formação e

Gestão do Conhecimento nas organizações: conhecimento tácito e conhecimento explícito.

Quanto à dimensão epistemológica, baseamo-nos na distinção estabelecida por Mi-

chael Polanyi (1966) entre conhecimento tácito e conhecimento explícito. O conhe-

cimento tácito é pessoal, específico ao contexto e, assim, difícil de ser formulado e

comunicado. Já o conhecimento explícito ou “codificado” refere-se ao conhecimento

transmissível em linguagem formal e sistemática. (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p.

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O conhecimento tácito é o conhecimento ainda não documentado, sendo ou não passível de o

ser. É o conhecimento que se possui e se torna capaz de transmitir de forma mais ou menos

assistida. O conhecimento tácito é pessoal, adquirido por meio da prática, da experiência, dos

erros e dos sucessos, difícil de ser formulado e transmitido de maneira formal. Um exemplo

claro é “o andar de bicicleta”.

Já o Conhecimento explícito é o que conseguimos transmitir em linguagem formal e sistemá-

tica. É o conhecimento que pode ser documentado em livros, manuais ou portais ou transmiti-

do através de correio eletrônico ou por via impressa. Conhecimento explícito é aquele que se

converge para uma nova informação. Pode ser exemplificado por uma receita de confecção de

bolo.

De acordo com Nonaka e Takeuchi (1997) não há exatamente uma dicotomia entre ambos os

conceitos do conhecimento, pois a partir da interação social entre os conhecimentos tácito e

explícito é que ocorre a “conversão do conhecimento”, responsável pela dinâmica do processo

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de criação do conhecimento. Em outras palavras, pode-se dizer que a partir de um conheci-

mento tácito (inerente ao indivíduo) produze-se um conhecimento explícito, o qual pode ser

codificado em uma informação (domínio coletivo), que por sua vez pode induzir seu receptor

à formulação de novo conhecimento tácito e assim, sucessivamente, traduzindo-se em uma

expansão qualitativa e quantitativa do conhecimento humano.

Parafraseando a exposição dada por Sveiby (1998), pode-se dizer que “a informação é o veí-

culo de transporte do conhecimento”, sendo o meio de comunicação tanto do conhecimento

tácito, quanto do conhecimento explícito.

Ainda Sveiby (1998, p. 44), diante de uma abordagem gerencial, sustenta a definição de co-

nhecimento como “uma capacidade de agir”. O agir pode ser de cunho prático ou de cunho

intelectual, ou seja, fazer ou pensar. Assim o conceito do conhecimento é projetado como um

processo da análise das sensações percebidas, seguida por uma conseqüente resposta. Tal de-

finição reporta-se ao conceito de competência.

O conceito de competência, que engloba o conhecimento real, a habilidade, a experi-

ência, os julgamentos de valor e as redes sociais é a melhor forma de descrever co-

nhecimento no contexto empresarial. (SVEIBY, 1998, p. 46)

De fato, aos gerentes a competência está diretamente relacionada à capacidade de desenvol-

vimento de conceitos, habilidades e atitudes, à capacitação, às práticas de trabalho e capaci-

dade de mobilizar recursos, à busca de melhores desempenhos, ao questionamento constante,

ao comprometimento com a aprendizagem individual e à interação com outras pessoas

(BITENCOURT, 2005).

Isso faz da competência a personificação do conhecimento no ambiente organizacional. Exi-

ge-se então, mais do que práticas de gestão de recursos humanos e de desenvolvimento de

pessoal. Os estudos mais recentes apregoam que a “gestão de competências” é a forma de

promover a integração entre as atitudes, as habilidades e os conhecimentos necessários ao

alcance dos resultados do sucesso nos níveis individuais e organizacionais. Ela enfoca o im-

portante papel que ocupam os trabalhadores nas diferentes posições hierárquicas da empresa,

bem como o processo de aprendizagem que ocorre na organização a partir da interação entre

seus participantes. (BITENCOURT, 2005).

Diante da compreensão de que as pessoas são os atores fundamentais de uma organização,

Karl Erik Sveiby (1998) desenvolveu um modelo de “gestão do capital intelectual” a partir

das relações pessoais promovidas dentro e fora das organizações. Sua premissa é a de que o

conhecimento está relacionado à produção da mesma forma (ou mais) do que os bens materi-

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ais. O capital intelectual é compreendido pela “competência do funcionário” (capital huma-

no), pela “estrutura interna” (capital organizacional) e pela “estrutura externa” (capital em

clientes). A competência individual diz respeito à escolaridade, aos conhecimentos e às expe-

riências do funcionário à disposição da empresa. A estrutura interna é formada pelos proces-

sos, manuais, patentes, conceitos, estruturas organizacionais, sistemas gerenciais e de infor-

mações, a própria cultura organizacional, além de outras criações dos funcionários, que dão

suporte às atividades desempenhadas pela organização. A estrutura externa corresponde ao

valor dos relacionamentos com os usuários, clientes e fornecedores, das marcas, da reputação

e da imagem da empresa.

Dentro dessa teoria, esses três elementos (competência individual, estrutura interna e estrutura

externa) compõem os “ativos intangíveis” de uma empresa, que junto ao seu patrimônio visí-

vel, constituem o seu valor de mercado (SVEIBY, 1998). Essa configuração é bastante co-

mum ao mercado globalizado, onde em muitos casos os ativos intangíveis representam a mai-

or parte do valor de mercado das organizações de negócios.

O modelo proposto por Sveiby engloba de certa forma o conceito de “Gestão do Conhecimen-

to”, ainda que seu trabalho focalize prioritariamente a mensuração do capital intelectual. Sob

o termo Gestão do Conhecimento está presente um intenso debate nos meios acadêmico e

gerencial, quanto ao seu significado, aplicação e abrangência. Entende-se que não deva ser

tratado como o surgimento de uma nova técnica de gestão, ou atrelado ao uso de ferramentas

gerenciais, ou a modismos.

Segundo Terra (2000) a Gestão do Conhecimento está presente na humanidade desde as pri-

meiras civilizações, percorrendo desde os grandes arquivos das bibliotecas da Antiguidade,

passando pelo surgimento da imprensa e chegando à era digital. Embora a Gestão do Conhe-

cimento seja considerada uma disciplina emergente, não pode ser tratada como um conceito

novo, “é apenas um conceito reformatado e revigorado pelas novas tecnologias de mídias,

equipamentos e técnicas” (TERRA, 2000, p. 222). O autor também entende que demandará

algum tempo para que as organizações alcancem o domínio das novas habilidades, bem como

para uma reflexão superior sobre seus efeitos. Da mesma forma, pode-se deduzir que com a

evolução do desenvolvimento científico e tecnológico os modelos de gestão sofrerão contí-

nuas modificações.

Mas então, o que é esse novo paradigma proposto à gestão de empresas e de organizações

públicas? Para Terra (2000):

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Gestão do conhecimento é, em seu significado atual, um esforço para fazer com que o

conhecimento de uma organização esteja disponível para aqueles que dele necessitem

dentro dela, quando isso se faça necessário, onde isso se faça necessário e na forma

como se faça necessário, com o objetivo de aumentar o desempeno humano e organi-

zacional. (TERRA, 2000, p. 219-220)

A Gestão do Conhecimento “para ser efetiva, precisa, obrigatoriamente, levar em considera-

ção os reais processos humanos de aprendizado, criação e aquisição de conhecimento”

(TERRA, 2000, p. 64)

Davenport e Prusak (1998) classificam o processo de Gestão do Conhecimento em três fases:

geração, codificação e transferência do conhecimento, com destaque à codificação do conhe-

cimento que significa “converter o conhecimento em formatos acessíveis e aplicáveis” à or-

ganização (DAVENPORT; PRUSAK, 1998, p. 93). O modelo compreende a aplicação das

tecnologias de informação e de ferramentas de sistemas gerencias sem, no entanto, prescindir

de uma ampla mudança comportamental, cultural e organizacional.

Mais do que um acervo do conhecimento, a Gestão do Conhecimento envolve a gestão estra-

tégica com conseqüentes mudanças organizacionais, a gestão das competências e a gestão dos

sistemas de dados e informações.

Num conceito mais genérico Gestão do Conhecimento é o processo sistemático de identifica-

ção, criação, renovação e aplicação dos conhecimentos que são estratégicos na vida de uma

organização. É a administração dos ativos de conhecimento desta organização.

TEORIA DA CRIAÇÃO DO CONHECIMENTO ORGANIZACIONAL

O estudo da Gestão do Conhecimento geralmente aponta para a implementação de práticas de

gestão, dando pouca atenção às formas de criação do conhecimento. Nesse sentido, merece

destaque o trabalho que vem sendo realizado nos últimos 20 anos pelos doutores Ikujiro No-

naka e Hirotaka Takeuchi. Esses pesquisadores desenvolveram um “modelo dinâmico da cria-

ção do conhecimento ... ancorado no pressuposto crítico de que o conhecimento humano é

criado e expandido através da interação social entre o conhecimento tácito e o conhecimento

explícito” (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 67). O modelo é proposto em duas dimensões:

epistemológica e ontológica.

Quanto à epistemologia (teoria do conhecimento), os autores desenvolvem o seu próprio con-

ceito sobre o surgimento do conhecimento, o qual difere da interpretação tradicional do oci-

dente. Enquanto os teóricos ocidentais - a exemplo da Escola de Informação - postulam que

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uma organização promove seu conhecimento por meio do “processamento de informações”, o

qual é alimentado pelo ambiente externo (de fora para dentro), o novo modelo - próximo à

Escola Comportamental - defende que a organização também cria “novos conhecimentos e

informações, de dentro para fora, a fim de redefinir tanto os problemas quanto as soluções e,

nesse processo, recriar seu meio” (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 61). Entende-se assim, a

existência de um ambiente mais autônomo para a criação do conhecimento, cujo centro “está

na mobilização e conversão do conhecimento tácito” (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 62),

o que em outras palavras significa a valorização do conhecimento gerado nas ações e nas rela-

ções pessoais que produzem a transmissão das informações. Vale lembrar que:

... a criação de conhecimento organizacional depende, em grande medida, do contato

humano, da intuição, do conhecimento tácito, da cooperação, da explicitação de mo-

delos mentais, da diversidade de opiniões e do pensamento sistêmico. (TERRA, 2000,

p. 157)

Nesse processo de interação entre os conhecimentos tácito e explícito ocorrem quatro modos

de conversão do conhecimento: socialização, externalização, combinação e internalização

(Figura 1).

Figura 1. Os quatro modos de conversão do conhecimento.

(Fonte: NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 68).

O primeiro modo de conversão do conhecimento é a socialização que ocorre da transformação

do conhecimento tácito em conhecimento tácito. É um processo de compartilhamento de ex-

periências por meio de alguma forma de aprendizado, que não necessariamente se utilize da

linguagem falada ou escrita, conseqüentemente com menor incidência de documentação for-

mal (registros). Baseia-se na associação de experiências físicas e mentais, por meio da obser-

vação, imitação e prática. Trata-se da transmissão de um conhecimento pessoal a outros, sem

o formato público. No dia a dia das organizações públicas, isto ocorre quando um funcionário

ensina a outro a realização de uma tarefa de rotina de escritório.

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Na externalização temos o segundo modo que é a evolução do conceito tácito para o conceito

explícito. Tido pelos autores como uma carência na teoria organizacional do ocidente, esse

modo descreve quando uma ou mais percepções passam a ser contextualizadas em uma men-

sagem. É onde efetivamente são gerados os novos conhecimentos, onde são criadas as novas

idéias. Na prática das empresas japonesas o processo é assistido pelo uso de metáforas, analo-

gias, conceitos, hipóteses e modelos, que por meio de dedução e de indução conduz ao desen-

volvimento do novo conhecimento explícito, deflagrado em um novo produto, serviço ou sis-

tema. Um exemplo comum ao mundo ocidental e também ao setor público é o levantamento

de novas hipóteses pelos cientistas dos institutos e universidades, que se constituirá na produ-

ção de artigos científicos.

O terceiro modo é a combinação que retrata a sistematização do conhecimento, ou seja, com-

bina diferentes conhecimentos explícitos em um novo conhecimento explícito. Terra (2000, p.

68) destaca ser esse “o processo preferido no Ocidente, uma vez que se baseia na troca de

informações explícitas e no paradigma da tecnologia de informação”. É a interação social dos

conhecimentos já explicitados, que ocorre por meio de documentos, reuniões, diálogos ao

telefone ou em redes computadorizadas. Novos conhecimentos surgem também a partir da

reconfiguração das informações pré-existentes. O ensino ministrado nas universidades é um

exemplo, onde a formação do conhecimento é feita pela combinação e aplicação de vários

conhecimentos explícitos.

O quarto e último modo, a internalização é semelhante ao “aprendizado organizacional”, onde

a organização e seus membros são convidados a adquirirem novos conhecimentos tácitos a

partir dos conhecimentos explícitos produzidos dentro e fora do seu ambiente. Esses novos

conhecimentos, adquiridos pelo treinamento e pela aprendizagem, constituem o know-how

pessoal e organizacional.

Os autores também identificam cada um dos conhecimentos produzidos em cada modo. As-

sim, têm-se os conceitos de conhecimento compartilhado, conhecimento conceitual, conheci-

mento sistêmico e conhecimento operacional.

O conhecimento compartilhado é fruto da socialização e se dá pela interação entre as pessoas

que compartilham seus conhecimentos tácitos. O conhecimento conceitual é formado na ex-

ternalização do conhecimento, onde um conjunto dos conhecimentos tácitos dá origem a um

novo conhecimento explícito, o qual revela um “conceito”, que serve como diretriz ao proces-

so de criação do conhecimento. Este conceito orienta a fase de combinação, onde os conceitos

explícitos são combinados no desenvolvimento de um protótipo do novo produto ou processo

(conhecimento explícito). E finalmente, o conhecimento operacional surge quando esse novo

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produto é produzido em massa por meio da internalização, ou seja, o conhecimento sistêmico

é reproduzido aos indivíduos, que o internalizam e geram novo conhecimento tácito.

Nesse quadro apresentado, a espiral de criação do conhecimento se reproduz inúmeras vezes

na organização, sendo o conhecimento tácito das pessoas a base da criação do conhecimento

organizacional. A dimensão ontológica é identificada pelos autores como o espaço onde se dá

essa movimentação da espiral de criação do conhecimento. Em outras palavras a interação

entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito se dá nos níveis individual, grupal,

organizacional e extraorganizacional, conforme demonstra a Figura 2. A criação do conheci-

mento se dá num processo que pode partir do indivíduo e chegar à cúpula da organização, ou

vice-versa, superando inclusive os limites da mesma.

Figura 2. Espiral de criação do conhecimento organizacional.

(Fonte: NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 82).

O estudo dos professores Nonaka e Takeuchi (1997) evidencia cinco condições necessárias à

facilitação da criação do conhecimento organizacional, que devem ser proporcionadas pela

organização. São elas: intenção, autonomia, caos criativo, redundância e variedade de requisi-

tos.

A intenção é o que direciona a espiral do conhecimento, traduzindo-se nas estratégias da or-

ganização voltadas para a exploração dos conhecimentos, tácito e explícito, gerados ou adqui-

ridos em seu ambiente. Identifica qual o conceito do conhecimento organizacional que será

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utilizado em todos os níveis de sua estrutura hierárquica. Como exemplo, pode-se ter uma

universidade que adote o conceito da formação de profissionais voltados para o desenvolvi-

mento de tecnologias avançadas como um sistema de conhecimento.

A autonomia individual e grupal para o desenvolvimento do conhecimento, dentro dos diver-

sos níveis hierárquicos, propicia a motivação e a criatividade. Este conceito sugere uma “auto-

organização”, propiciando aos membros da organização maior mobilidade dentro da estrutura

organizacional. Tal situação é configurada na formação de equipes de trabalho multifuncio-

nais, multidisciplinares e flexíveis, altamente favorável à socialização dos conhecimentos

organizacionais.

Para os autores, situações de instabilidade nos ambientes interno e externo da organização

inibem a acomodação de seus membros no exercício da criatividade. A isso denominam de

“caos criativo” (NONAKA, TAKEUCHI, 1997). “O momento de tensão desempenha um pa-

pel vital na solução criativa de problemas” (SVEIBY, 1998, p. 94).

Outra condição facilitadora da criação do conhecimento organizacional é a redundância, a

qual não é bem aceita pelos gerentes ocidentais, que buscam a eficiência no processamento de

informações, evitando-se possíveis desperdícios ou superposição de informações. Porém, os

autores defendem que a superposição de informações de forma intencional permite que um

conceito seja mais bem assimilado pelos membros da organização, visto que num primeiro

momento essas informações podem ser menosprezadas. Também, esse processo pode ser de-

sempenhado por grupos diferentes, os quais trabalhando com as mesmas informações podem

gerar diferentes e múltiplos conhecimentos.

Quanto à variedade de requisitos, os autores referem-se ao amplo e rápido acesso à máxima

quantidade de informações por parte dos membros da organização, padronizadas em bancos

de dados e redes de informações.

O modelo de criação do conhecimento organizacional desses autores japoneses sustenta o uso

de uma “estrutura não-hierárquica e auto-organizada funcionando em conjunto com sua estru-

tura hierárquica formal” (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 192-193), denominada de estrutu-

ra hipertexto. Essa estrutura organizacional compreende o esqueleto burocrático, auxiliado

por equipes de força-tarefa, analogamente a um portal de internet com suas respectivas sub-

pastas (links de acesso). A estrutura hipertexto permite o desenvolvimento do conhecimento

no sistema de negócios da organização (burocracia), nas equipes de projeto de desenvolvi-

mento de produtos e processos, e na base de conhecimento, onde os conhecimentos gerados

nas duas primeiras estruturas é recategorizado e recontextualizado.

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Outra especificidade apontada é o processo gerencial adotado pelas empresas japonesas estu-

dadas pelos autores, o modelo “middle-up-down”, que enfatiza o papel do gerente de nível

médio, como operadores da interface entre a cúpula estratégica e a base da organização. No

modelo “middle-up-down”, a alta gerência cria uma visão ou sonho, enquanto a gerência de

nível médio desenvolve conceitos mais concretos que os funcionários da linha de frente pos-

sam compreender e implementar.

Finalmente, diante dos elementos já apresentados, os referidos autores descrevem um proces-

so de criação do conhecimento em cinco fases: (1) Compartilhamento do conhecimento tácito;

(2) Criação de conceitos; (3) Justificação de conceitos; (4) Construção de um arquétipo; e (5)

Difusão interativa do conhecimento (Figura 3).

Figura 3. Modelo de cinco fases do processo de criação do conhecimento.

(Fonte: NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 96).

1. Compartilhamento do conhecimento tácito - É semelhante à socialização e amplifica o co-

nhecimento tácito das pessoas dentro da organização. É importante recordar que o conheci-

mento tácito não é facilmente transmitido pela linguagem, daí a importância desse ambiente

de interação (trabalho em equipe), onde as pessoas compartilham emoções, sentimentos, e

modelos mentais, por meio de diálogos pessoais.

2. Criação de conceitos - Nessa fase, por meio do compartilhamento dos modelos mentais

tácitos, explicitados em linguagem falada e escrita, a equipe atinge externalização, com a

formação de um conceito para o novo conhecimento explícito. Este conceito a ser perseguido

14

é geralmente expresso em metáforas e analogias, tais como: “o carro do ano”; “serviços de

maior qualidade”, etc.

3. Justificação de conceitos - Partindo da definição de que o conhecimento é uma crença ver-

dadeira justificada, os novos conceitos criados passam a ser testados para justificar sua viabi-

lidade diante da intenção organizacional. A aceitação dos novos conhecimentos são avaliados

quanto aos critérios condizentes à área de atuação da empresa. No caso das empresas de ne-

gócio, estes critérios são: custo, lucro, demanda, etc.

4. Construção de um arquétipo - Justificado o conceito, é então produzido o conhecimento

tangível, o objeto, tido como um arquétipo. A construção de um arquétipo se dá pela combi-

nação do conhecimento explícito recém-criado com o conhecimento explícito pré-existente.

Aqui temos as novas tecnologias, processos, maquetes, etc.

5. Difusão interativa do conhecimento - A quinta e última fase, é a que dá início a um novo

ciclo da criação do conhecimento organizacional, tornando-se esse um processo contínuo.

Tendo sido criado e justificado, o novo conceito foi posto em um arquétipo, que agora é di-

fundido na organização e fora dela como um novo conhecimento. Este novo conhecimento

atinge diferentes níveis hierárquicos da organização influenciando, inclusive, a cultura orga-

nizacional, podendo repercutir em novos conceitos organizacionais.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

Delineados os conceitos elementares ao estudo da Gestão do conhecimento, bem como as

premissas apresentadas pelos professores Nonaka e Takeuchi sobre a criação do conhecimen-

to organizacional, torna-se oportuno a análise de como as organizações públicas operam seus

processos de criação do conhecimento, pois se “a função das organizações é tornar produtivos

os conhecimentos” (DRUCKER, 1999, p. 34), maior ainda é essa responsabilidade no setor

público por se tratarem dos interesses da coletividade.

A identificação do processo de criação do conhecimento foi realizada por meio de um estudo

exploratório, com a descrição dos fatos e dos comportamentos admitidos dentro da organiza-

ção ao longo dos anos, em comparação ao modelo adotado por Nonaka e Takeuchi (1997),

denominado Processo de Criação do Conhecimento Organizacional, o qual foi apresentado

anteriormente. Para tanto, optou-se pela reprodução dos fatos e das relações gerenciais no

ambiente organizacional do Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento

(PGM) da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

15

A abordagem foi feita por meio da realização de pesquisas documentais e da análise compor-

tamental das equipes de trabalho. A coleta de dados abrange desde a criação do PGM (outu-

bro de 2002) até a fase de conclusão desta pesquisa (dezembro de 2008). Foram consultados

diversos tipos de documentos da secretaria do programa de pós-graduação, tais como memo-

randos, relatórios de atividades e atas de reuniões. O comportamento das equipes de trabalho

localizadas na secretaria e nos laboratórios que compõem o PGM foi analisado por meio da

observação de ocorrências contextualizadas pelos participantes das equipes.

O trabalho descreve a ocorrência da espiral do conhecimento no PGM, com a criação do co-

nhecimento tácito dos funcionários e dos professores e sua interação com o conhecimento

explícito. Também é retratada a propagação da espiral do conhecimento nos ambientes interno

e externo, atingindo-se até o conhecimento organizacional do PGM.

O estudo focaliza a geração do conhecimento em duas esferas diferentes. Na primeira a cria-

ção do conhecimento se dá nos grupos de pesquisa, onde ocorrem as atividades diretamente

relacionadas ao ensino e à pesquisa, os quais situam-se em alguns dos laboratórios dos depar-

tamentos acadêmicos que compõem o PGM. A segunda esfera refere-se ao setor administrati-

vo do órgão, onde está localizada a gerência do Programa - na pessoa da Coordenadora e do

Colegiado - e a sua secretaria, responsável pelo suporte às ações de ensino e de pesquisa reali-

zado por meio dos procedimentos burocráticos.

ESTUDO DO CASO

A Universidade Estadual de Maringá está localizada no Noroeste do Paraná, região com mais

de dois milhões de habitantes. Está organizada nos campus de Maringá, Umuarama, Cianorte,

Goioerê, Diamante do Norte e Cidade Gaúcha. Foi criada em 1970 e obteve seu reconheci-

mento em 1976. No final da década de 80, foram implantados os dois primeiros cursos de

mestrado. Atualmente, oferece 52 cursos de graduação, 93 de especialização, 28 de mestrado

e 12 de doutorado. Possui 22.948 alunos, sendo seu corpo técnico-profissional composto de

2.964 docentes e 5.350 funcionários. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ,

2009).

É a primeira entre as universidades do Paraná, pela avaliação do Ministério da Educação, e

está entre as 20 instituições com maior produção científica e tecnológica do País, com apro-

ximadamente 700 projetos de pesquisa em andamento, 1.100 pesquisadores e 318 grupos de

pesquisa cadastrados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq). Com 93% dos docentes trabalhando em tempo integral e dedicação exclusiva, se

16

desponta na graduação, na pós-graduação e nas parcerias com prefeituras, empresas dos seto-

res público e privado. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ, 2009).

A administração da Universidade é pautada numa estrutura burocrática funcional, comum a

grande maioria das universidades públicas brasileiras, que é liderada pelos Conselhos Superi-

ores (órgão deliberativo), tendo a figura do reitor como autoridade executiva, que é servido

por um staff administrativo de cinco Pró-Reitorias e três assessorias. A Universidade Estadual

de Maringá possui sete Centros de Ensino, subordinados aos Conselhos Superiores. Em nível

hierarquicamente inferior a esses centros encontram-se os Departamentos Acadêmicos distri-

buídos nas diferentes áreas de conhecimento, que gozam de autonomia para o desenvolvimen-

to do ensino, da pesquisa e da extensão, bem como para o exercício das atividades administra-

tivas, do planejamento e da execução orçamentária, dentro de seus limites financeiros e obe-

decida a legislação vigente.

Concomitante a essa estrutura organizacional (administrativa) funciona outra hierarquia de

autoridade: a estrutura acadêmica. Essa tem na base os Colegiados de Curso, ligados aos Con-

selhos Interdepartamentais (Colegiados dos Centros de Ensino), que por sua vez estão subor-

dinados aos Conselhos Superiores.

Nesta segunda estrutura está localizado o Programa de Pós-Graduação em Genética e Melho-

ramento (PGM), que não aparece como órgão de execução, pois tem o status de colegiado.

Não obstante, possui uma coordenação, que se serve de uma secretaria própria para o exercí-

cio de sua autonomia no gerenciamento das atividades de ensino e de pesquisa ligadas ao Pro-

grama, dispondo inclusive de orçamento específico.

O PGM foi criado em outubro de 2002 envolvendo professores do Departamento de Agrono-

mia e do Departamento de Biologia Celular e Genética. O Programa oferece os Cursos de

Mestrado e de Doutorado (implantado em 2005), com Área de Concentração em Genética e

Melhoramento. O PGM é recomendado pelo Ministério da Educação, por meio da Coordena-

ção de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com Conceito 5, conforme a

avaliação do triênio 2004-2006.

O objetivo é a formação de pesquisadores capazes de atender a demanda de profissionais da

área da Genética e de Melhoramento, especificamente no campo das Ciências Agrárias; e a

titulação de docentes para atender a demanda dos cursos de agronomia e de biologia, contri-

buindo no desenvolvimento de novas tecnologias, de modo a incrementar o potencial produti-

vo e a capacidade competitiva da agropecuária paranaense e brasileira. Assim, utiliza-se de

modernas metodologias de avaliação em diversos setores da genética e da biotecnologia apli-

cadas ao melhoramento genético.

17

Sua comunidade é formada por 18 docentes, 72 alunos dos cursos de mestrado e de doutorado

e dois funcionários da secretaria, contando ainda com o envolvimento de outras pessoas inse-

ridas indiretamente na equipe. Os pesquisadores possuem alto nível de especialização, sendo

todos doutores, dentre os quais alguns pós-doutores. A maioria destes possui reconhecimento

nacional e/ou internacional. Diferentes laboratórios de ensino e de pesquisa encontram-se

interligados em uma estrutura organizacional com características do tipo “adhocracia”, ou

seja, ambiente complexo e dinâmico e tecnologia sofisticada que exige a união de profissio-

nais de diferentes especialidades, cuja coordenação se dá pela comunicação informal, dado à

importância de sua base operacional. Caracterizada por seus instrumentos de interligação,

estrutura orgânica, descentralização seletiva horizontal, especialização do trabalho, treinamen-

to e agrupamento concorrentemente funcional e por produto (MINTZBERG, 1995).

O Programa se divide em quatro grandes áreas disciplinares, denominadas de “Linhas de Pes-

quisa”: Genética Vegetal, Genética Quantitativa e Melhoramento Vegetal, Genética Molecu-

lar e de Microorganismos, e Genética Animal. A orientação didático-pedagógica é exercida

pela Capes/MEC, que coordena o Sistema Nacional de Pós-Graduação, disciplinando sobre o

funcionamento dos programas de pós-graduação no Brasil. Cada uma dessas Linhas de Pes-

quisa congregam diferentes Grupos de Pesquisa, que obedecem a orientação do Conselho Na-

cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - órgão do Ministério da Ciência

e Tecnologia - quanto à política nacional para o desenvolvimento científico e tecnológico. A

Figura 4 apresenta o estabelecimento dos 10 Grupos de Pesquisa dentro da estrutura organiza-

cional que envolve o PGM: Melhoramento Genético Vegetal e Biotecnologia (GP 1); Fitotec-

nia (GP 2); Núcleo de Pesquisa Aplicada a Agricultura (GP 3); Marcadores Bioquímicos e

Moleculares para Caracterizar a Diversidade Genética em Plantas (GP 4); Citogenética Vege-

tal (GP 5); Citogenética e Genética Molecular de Peixes (GP 6); Estrutura e Função de Genes

e Genomas (GP 7); Mutagênese e Reparo do DNA e Controle da Expressão Gênica em Mi-

crorganismos (GP 8); Biologia de Insetos (GP 9); e Polinização, Produção Apícola e Compor-

tamento de Insetos Sociais (GP 10).

Os Grupos de Pesquisa têm os docentes como líderes e principais especialistas, contando

também com a participação de alunos e funcionários de níveis superior e médio. Destaca-se o

poder hierárquico que exerce os Departamentos Acadêmicos sob os docentes e técnicos, en-

quanto a atuação destes no Programa de Pós-Graduação é exercida na forma de cooperação

dentro de sua Linha de Pesquisa.

A partir de experimentos e práticas laboratoriais, os grupos desenvolvem as pesquisas que

abrigam o treinamento de alunos no desenvolvimento científico, que culminarão em disserta-

18

ções, teses e artigos científicos. Vários projetos são executados concomitantemente pela equi-

pe em um mesmo ambiente (laboratório ou campo experimental).

Em paralelo ao desenvolvimento do organograma apresentado existem os Laboratórios de

Pesquisa, representando a parte física dos Departamentos Acadêmicos, onde de fato são reali-

zadas pesquisas e ministradas aulas práticas. Os Grupos de Pesquisa são compostos por do-

centes de um ou mais Laboratórios de Pesquisa.

Figura 4. Estrutura organizacional da Universidade Estadual de Maringá, compreendendo o

Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento.

A secretaria do PGM realiza as tarefas administrativas de suporte a execução das atividades

de pesquisa e de ensino, bem como apoio ao gerenciamento do Programa, interagindo com o

ambiente interno e externo.

É nesse contexto organizacional que o PGM desenvolve a formação do seu conhecimento

organizacional. As interações entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito fazem

parte do cotidiano das relações existentes entre alunos, professores, funcionários e o seu am-

biente externo. Os modos de conversão do conhecimento são facilmente identificados.

No trabalho desempenhado pelos funcionários da secretaria do PGM a socialização acontece

com a constante troca de conhecimento tácito entre estes, seja na delegação de tarefas, ou en-

19

tão no ensino/aprendizado de novas tarefas. Cada um dos funcionários vale-se de sua experi-

ência profissional e de suas habilidades técnicas. Quando um funcionário não consegue obter

certos recursos do editor de texto de seu computador, por exemplo, recorre à experiência de

seu companheiro para solucionar o problema.

Entre os Grupos de Pesquisa a prática mais comum dessa interação são os diálogos que ocor-

rem entre docentes e alunos, orientador e orientando, na troca de experiências em busca de

soluções para avanço no desenvolvimento dos experimentos de pesquisa. No Laboratório de

Biotecnologia de Feijão, pela manhã de cada sexta-feira é realizada uma sessão de

brainstorming, onde professores e alunos ligados ao laboratório discutem o andamento de

suas pesquisas, com destaque aos principais problemas e descobertas recentes.

A interação entre os alunos também é feita durante as aulas de seminário, onde são apresenta-

dos os objetivos e as metodologias a serem aplicadas em suas pesquisas. Embora haja o pre-

domínio do conhecimento codificado, as apresentações e discussões contêm muitos insights

decorrentes do processo de aprendizado.

Em nível estratégico, a socialização está presente nas discussões que ocorrem nas reuniões do

Colegiado do PGM, que é composto por seis docentes representantes das Linhas de Pesquisa e

por um aluno. Apoiados em suas experiências pessoais e na perseguição dos objetivos do Pro-

grama, os conselheiros deliberam sobre as demandas ocorridas.

Vale salientar que para o sucesso na realização de alguns experimentos os pesquisadores (do-

centes e alunos) recorrem ao capital intelectual dos funcionários de nível médio e dos produ-

tores rurais na aplicação de práticas de cultivo. É o aproveitamento do conhecimento tácito

produzido sem ou uso de tecnologia de ponta.

Para o desenvolvimento desse estudo de caso, a externalização do conhecimento é definida

como o surgimento de “uma nova idéia” a partir dos conhecimentos tácitos socializados. No

PGM as novas idéias surgem quando são apresentadas aos funcionários da secretaria novas

demandas de seus clientes. Nesse momento, por meio da socialização, eles passam a idealizar

soluções a serem engendradas.

Um dos acontecimentos recentes que contextualiza a externalização foi o pleito de um candi-

dato estrangeiro a uma vaga no curso de mestrado. A partir de seu país de origem, Moçambi-

que, o candidato emitiu consulta on-line sob a possibilidade de sua aceitação no PGM. A res-

posta oficial deveria ser emitida em poucos dias, pois o candidato ao Programa de Intercâm-

bio Internacional se inscreveu, erroneamente, para uma vaga no curso de mestrado de uma

universidade no Rio de Janeiro, para a qual foi selecionado e teria que corrigir o erro num

prazo exíguo, provocando a revisão do processo pelos órgãos governamentais dos dois países

20

(Moçambique e Brasil). Os funcionários da secretaria não sabiam se haveria disponibilidade

de professor orientador na área pretendida e se o curriculum vitae do candidato seria aceito

pelo eventual orientador. Além do mais, o número de vagas para novos alunos disponíveis

para o ano já havia sido preenchido. Também não sabiam qual seria a opinião do Coordenador

do Programa sobre a aceitação do novo aluno. Outro problema grave seria a distância da loca-

lização do candidato para o envio do documento oficial. De posse desses problemas, os fun-

cionários discutiram a situação com base nos casos anteriores de ingresso de alunos estrangei-

ros e em suas concepções sobre a necessidade de abertura de uma nova vaga no curso de mes-

trado, sob o ponto de vista da Coordenação, do Colegiado do PGM e do Conselho Interdepar-

tamental do Centro de Ciências Agrárias. O que motivou os funcionários a uma rápida ação

foi a sua conscientização sobre os reflexos positivos que incidiriam sobre o Programa com o

ingresso de um novo estudante estrangeiro. Assim, os funcionários conseguiram formular a

idéia (conhecimento conceitual) de que “deveriam trabalhar pela aceitação e o ingresso do

novo estudante estrangeiro”.

A externalização também ocorre no dia-a-dia dos Grupos de Pesquisa após a socialização dos

conhecimentos, quando docentes e alunos definem uma hipótese para a solução dos proble-

mas analisados em uma pesquisa.

Na esfera gerencial, a externalização é identificada a partir das decisões tomadas pelo Colegi-

ado do PGM, por meio da socialização dos conhecimentos de seus membros. Essas decisões

formulam os conceitos que são transmitidos à secretaria e aos Grupos de pesquisa, que assim

orientam suas ações. É o caso do exemplo acima, onde os funcionários decidiram trabalhar

pela aceitação e pelo ingresso do aluno estrangeiro motivados por um conceito já chancelado

pela cúpula do Programa.

Na combinação tem-se a “idéia” colocada em prática na forma de um modelo construído a

partir da combinação dos conhecimentos explícitos disponíveis. Dando-se prosseguimento à

descrição do fato ocorrido na secretaria do PGM, após a formação do conceito de que “deve-

riam trabalhar pela aceitação e o ingresso do novo estudante estrangeiro”, os funcionários

decidiram comunicar à Coordenação sobre o e-mail recebido, da qual colheram uma decisão

favorável à expedição da carta de aceite ao referido candidato, mesmo sem a definição de qual

docente iria exercer a orientação do aluno. A coordenadora ainda decidiu pela aprovação ad

referendum da proposta de abertura da nova vaga e do ingresso do aluno. Sob essa delibera-

ção, a secretária em exercício expediu a carta de aceitação nos moldes de outras cartas expe-

didas em anos anteriores, remetendo-a via e-mail como cópia em arquivo digitalizado e ao

mesmo tempo via correio postal em regime de urgência. Posteriormente, submeteu-se um

21

pedido de abertura de nova vaga à apreciação do Colegiado do PGM e sucessivamente do

Conselho Interdepartamental do Centro de Ciências Agrárias. Combinadas essas ações gerou-

se um novo conhecimento sobre “como viabilizar em regime de urgência o ingresso de um

aluno estrangeiro no curso de mestrado”.

Os docentes e os alunos do PGM também realizam a combinação de seus conhecimentos ex-

plícitos. Ao projetarem e desenvolverem seus experimentos buscando a validação de suas

hipóteses, geram novas tecnologias, novas informações e novos processos. Esses resultados

são padronizados em papers para comunicação em congressos, em teses, dissertações e em

artigos científicos publicados em revistas científicas nacionais e estrangeiras.

Docentes e alunos também processam a combinação do conhecimento ao ministrarem aulas e

palestras, as quais requerem preparação, momento em que os conhecimentos explícitos são

reunidos e combinam num novo conhecimento explícito apresentado aos seus expectadores.

O Colegiado do PGM, ao tornar público as suas decisões, realiza a combinação dos seus co-

nhecimentos explícitos em um novo conhecimento explícito. Tais decisões reúnem grande

número de informações idealizadas a partir dos conhecimentos socializados pelos membros

do Colegiado, que passam a formar um modelo de comportamento das ações dos membros do

PGM.

O modo de internalização do conhecimento também pode ser visto nessas três esferas da es-

trutura organizacional do PGM. Aqui a idéia é divulgada e passa a ser incorporada pelos ele-

mentos que compõem o Programa.

É como no caso ocorrido na secretaria, onde o conhecimento gerado sobre “como viabilizar

em regime de urgência o ingresso de um aluno estrangeiro no curso de mestrado”, foi incultu-

rado pelos funcionários. Da mesma forma, futuros funcionários saberão como proceder diante

de situação similar, supondo-se o registro e a disponibilidade das informações produzidas

(conhecimento organizacional). Reanalisando-se o caso apresentado, pode-se perceber que

logo no início os funcionários já trabalharam com os conhecimentos operacionais existentes,

ou seja, formaram seus conhecimentos tácitos a partir dos conhecimentos explícitos. Foi as-

sim que eles focalizaram os casos anteriores de ingresso de alunos estrangeiros e os tomaram

como base na formação do novo conhecimento conceitual.

Dentro dos Grupos de Pesquisa o aprendizado é promovido pelas sessões de brainstorming,

pelos seminários, pelas participações em congressos e pelas aulas assistidas. Docentes e alu-

nos passam a gozar de novos conhecimentos explícitos em sua prática do dia-a-dia. O uso de

novas metodologias descritas em papers transforma-se em um ato corriqueiro de sua atuação

no laboratório. Tanto que se perguntarem para o pesquisador em que escala ele está pipetando

22

(transferência de líquidos em micro volume com o uso de pipetador) um reagente, geralmente

ele interrompe para pensar naquilo que ele está fazendo quase instintivamente, ainda que a

atividade esteja baseada em uma metodologia desenvolvida cientificamente. O processo passa

a ser multiplicado e produzido em série, pois aquele conhecimento já foi justificado.

Nos Grupos de Pesquisa, costuma-se dizer que a cada novo trabalho de pesquisa concluído

surgem “n” novas idéias. Elas surgem muitas vezes diante da construção de uma analogia

sobre a aplicação da metodologia, há pouco utilizada com sucesso, em outro problema em

estudo, ou então sob outras diferentes situações.

No nível estratégico a internalização acontece no momento em que docentes, alunos e funcio-

nários acatam as decisões notificadas pelo Colegiado, implicando em mudanças de atitudes

que configurarão na cultura organizacional do PGM.

Com o apoio da descrição desse caso sobre a formação do conhecimento (Compartilhado,

Conceitual, Sistêmico e Operacional), pode-se então visualizar a ocorrência da espiral do co-

nhecimento no PGM. É importante lembrar que a espiral também se desloca na dimensão on-

tológica, ou seja, entre os diferentes níveis do Programa. A estratégia definida em receber

alunos estrangeiros para galgar melhores índices de avaliação na pós-graduação nacional,

partiu do conhecimento produzido pelo Colegiado (cúpula estratégica) e atingiu a secretaria

(base operacional) como orientação na elaboração dos procedimentos para viabilizar em re-

gime de urgência o ingresso de alunos estrangeiros. Os conhecimentos produzidos pelos

membros de um determinado Grupo de Pesquisa são disseminados entre outros grupos, ou

mesmo na comunidade científica (externa ao PGM), provocando uma nova espiral do conhe-

cimento.

O processo de criação do conhecimento no PGM pode ser desenhado sob o modelo de cinco

fases proposto por Nonaka e Takeuchi (1997). Três exemplos foram extraídos como ilustra-

ção, sendo apresentados nos Quadros de 1 a 3. O primeiro exemplo elenca as fases da criação

do conhecimento desenvolvido na secretaria de “como viabilizar em regime de urgência o

ingresso de um aluno estrangeiro no curso de mestrado”. No segundo exemplo são demons-

tradas as fases em que ocorre a criação do conhecimento sobre genética e melhoramento nos

Grupos de Pesquisa. E no terceiro exemplo são agregadas as fases de criação do conhecimen-

to na cúpula estratégica do PGM.

Analisando-se o desdobramento do processo de criação do conhecimento no PGM, sob essas

três diferentes esferas apresentadas, torna-se possível tecer algumas considerações, à luz do

estudo proposto por Nonaka e Takeuchi.

23

FASE DESCRIÇÃO 1. Compartilhamento

do conhecimento tácito

• Os funcionários da secretaria compartilharam seus conhecimentos tácitos formados a partir de suas habilidades no uso das tecnologias de informação e das experiên-cias já vividas em outras situações de aceitação de alunos estrangeiros no PGM.

2. Criação de conceitos • Foi formulado pelos funcionários o conceito de que “deveriam trabalhar pela acei-tação e o ingresso do novo estudante estrangeiro”, a partir da socialização das ex-periências já vividas e da internalização do conhecimento conceitual desenvolvido pelo Colegiado de “receber alunos estrangeiros para galgar melhores índices de avaliação na pós-graduação nacional.

3. Justificação de conceitos

• Foram avaliados e desprezados os riscos da decisão de ação sem a aquiescência prévia das hierarquias superiores, presumindo-se a concordância do Colegiado com a decisão, bem a aprovação da abertura da nova vaga pelo Conselho Interde-partamental;

• Foram identificados os meios de transmissão das informações ao candidato mo-çambicano.

4. Construção de um arquétipo

• Os funcionários acionaram a Coordenação do PGM, obtendo uma decisão favorá-vel à expedição da carta de aceite e da aprovação ad referendum da proposta de abertura da nova vaga;

• A secretária em exercício expediu a carta de aceitação. 5. Difusão interativa do

conhecimento • A secretária em exercício submeteu-se o pedido de abertura de nova vaga à apreci-

ação do Colegiado e sucessivamente do Conselho Interdepartamental; • A documentação sobre o caso foi arquivada na secretaria para consultas posterio-

res.

Quadro 1. As cinco fases da criação do conhecimento na secretaria do Programa de Pós-

Graduação em Genética e Melhoramento da Universidade Estadual de Maringá

FASE DESCRIÇÃO 1. Compartilhamento

do conhecimento tácito

• Diálogos entre os membros da equipe (docentes e alunos) sobre o desenvolvimento dos experimentos de pesquisa;

• Sessões de brainstorming realizadas no Laboratório de Biotecnologia de Feijão; • Interação que ocorre entre os alunos durante as aulas de seminário; • Uso de insights dos funcionários de nível médio e de produtores rurais na aplica-

ção de práticas de cultivo. 2. Criação de conceitos • Docentes e alunos definem uma hipótese para a solução dos problemas analisados

em uma pesquisa. 3. Justificação de

conceitos • Docentes e alunos projetam e desenvolvem experimentos científicos buscando a

validação de suas hipóteses. 4. Construção de um

arquétipo • As pesquisas geram novas tecnologias, novas informações e novos processos, que

são padronizados em papers para comunicação em congressos, em teses, disserta-ções e em artigos científicos.

5. Difusão interativa do conhecimento

• A disseminação dos resultados produzidos é feita durante sessões de brainstorming, seminários, participações em congressos e as aulas ministradas;

• As comunicações em congressos e as publicações de teses, de dissertações e de artigos científicos em periódicos especializados nacionais e internacionais são os principais meios de externalização dos conhecimentos explícitos para fora do PGM.

Quadro 2. As cinco fases da criação do conhecimento nos Grupos de Pesquisa do Programa

de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento da Universidade Estadual de

Maringá

24

FASE DESCRIÇÃO 1. Compartilhamento

do conhecimento tácito

• Os membros do Colegiado do PGM compartilham seus conhecimentos tácitos durante as reuniões, onde são tomadas as decisões estratégicas do Programa.

2. Criação de conceitos • Inerente ao processo de tomada de decisões no Colegiado, pautado nas demandas internas e nas pressões externas (Administração universitária, Capes e CNPq).

3. Justificação de conceitos

• Durante as discussões e deliberações o Colegiado promove analise da viabilidade de aceitação dos novos conhecimentos, guiados pelos critérios de avaliação dos programas de pós-graduação estabelecidos pela Capes.

4. Construção de um arquétipo

• Ao tornar público as suas decisões, o Colegiado apresenta de forma sistêmica os seus conhecimentos explícitos, como um modelo comportamental para os mem-bros do Programa.

5. Difusão interativa do conhecimento

• Na publicidade de seus atos deliberativos, o Colegiado manifesta o conhecimento conceitual do PGM, o qual interage em todos os processos de criação do conheci-mento do Programa.

Quadro 3. As cinco fases da criação do conhecimento na cúpula estratégica do Programa de

Pós-Graduação em Genética e Melhoramento da Universidade Estadual de

Maringá

A interação entre os conhecimentos tácito e explícito ocorre com muita intensidade e clareza,

dado às atividades de investigação científica e de ensino que são realizadas na organização, o

que a incita à busca de novos conhecimentos. Essa característica é firmada pelo alto nível de

formação cultural e profissional de seus colaboradores (docentes, funcionários e alunos).

Como conseqüência, a formulação dos quatro tipos de conhecimento (compartilhado, concei-

tual, sistêmico e operacional) propostos pelos autores é também facilmente identificada. Deve

ser destacado o importante papel do conhecimento conceitual gerado pelo Colegiado do Pro-

grama, que orienta as ações de cada Linha de Pesquisa, com vistas ao alcance de um patamar

de excelência no Sistema Nacional de Pós-Graduação, no tocante à área de Ciências Agrárias.

Isto faz com que os Grupos de Pesquisa sintam-se desafiados a manter seus altos níveis de

produtividade intelectual, configurados na produção bibliográfica e na titulação de alunos de

mestrado e de doutorado.

Não se identifica a aplicação de metáforas no processo de produção do conhecimento, dire-

cionado ao conhecimento conceitual. A linguagem figurada somente aparece no uso de analo-

gias, quase sempre aplicadas nos Grupos de Pesquisa ao elaborarem projetos com técnicas

semelhantes a outras já desenvolvidas. Neste caso, a técnica antiga serve como analogia. A

redundância é prática comum nos laboratórios, permitindo que o conhecimento seja assimila-

do também por novos participantes, além de solidificar os conhecimentos conceituais.

Nesse cenário situam-se outras duas condições capacitadoras da criação do conhecimento

organizacional elencadas por Nonaka e Takeuchi (1997): a intenção e o caos criativo. A in-

tenção está estampada no esforço conjunto da Coordenação e do Colegiado em manter o PGM

25

em posição de destaque no círculo da pós-graduação no Estado do Paraná. Isto é cooptado

pelos demais docentes, que buscam junto aos seus alunos a realização de uma produção inte-

lectual de elevado nível quantitativo e qualitativo, em comparação aos perfis exigidos no grau

de excelência pela avaliação realizada pela Capes. Como conseqüência, os esforços necessá-

rios ao alcance desse fim são muito grandes, gerando um stress saudável, se equilibrado, ao

desempenho dos Grupos de Pesquisa, configurando o caos criativo.

Torna-se importante salientar que, embora a Universidade Estadual de Maringá não tenha sido

objeto desse estudo, a falta de definição de políticas internas (intenção) voltadas ao avanço

expressivo da qualidade de sua pós-graduação, prejudica o melhor desempenho do PGM, com

conseqüências à criação do seu conhecimento organizacional.

Por outro lado, a tradição da universidade brasileira, onde se inclui a UEM, traz a autonomia

como forte elemento de desenvolvimento. Enquanto condição capacitadora, a autonomia é

imponente motivadora dos docentes e dos Grupos de Pesquisa para a criação do conhecimen-

to, permitindo o intenso uso da criatividade.

Esta constatação está evidenciada no tipo de estrutura organizacional da UEM e de seus pro-

gramas de pós-graduação, denominada neste estudo de adhocracia, onde os docentes mesmo

estando lotados nos Departamentos Acadêmicos gozam de perfeita liberdade - respeitada a

autoridade hierárquica - para atuarem nos programas de pós-graduação. A aglutinação desses

pesquisadores em torno do PGM não demonstra ser causa de conflitos com as chefias dos

Departamentos Acadêmicos. Percebe-se que a participação no programa de pós-graduação é

um elemento de estímulo à estabilidade do ambiente interno dos Departamentos Acadêmicos.

De outra forma, seria possível a existência de tensões em torno da demanda por aulas a serem

ministradas somente nos cursos de graduação.

O modelo não é exatamente a estrutura hipertexto defendida pelos autores, porém possui ca-

racterísticas próximas, como o esqueleto burocrático servido por equipes de força-tarefa. Po-

rém, as equipes do PGM não possuem a mesma flexibilidade proposta no modelo dinâmico de

criação do conhecimento, sugerindo que a distinção esteja justamente na finalidade da criação

do mesmo, pois a universidade “visa melhorar o conhecimento e não resolver problemas”

(RODRIGUES, 2001, p. 97). As empresas japonesas possuíam uma estrutura voltada para a

criação do conhecimento, visando o desenvolvimento de novos produtos em tempo recorde.

Já no PGM o desenvolvimento de produtos passa por um meticuloso processo de formação do

conhecimento, como no caso da formação de pesquisadores e do desenvolvimento de novas

teorias. Isso conduz ao raciocínio de que a criação do conhecimento no PGM não se trata ade-

quadamente de um modelo dinâmico.

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Por fim, o papel da Coordenação (gerência) do PGM encontra-se próximo do estilo adotado

pelas empresas japonesas de criação do conhecimento, o modelo “middle-up-down”. Atuando

como uma gerente de nível médio, a Coordenadora tem importante função na interação entre

os escalões hierárquicos superiores e sua base organizacional, localizada nos Grupos de Pes-

quisa. Junto ao Colegiado, a Coordenação é o elemento chave para o desenvolvimento do

conhecimento conceitual, conforme demonstrou esse estudo de caso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONTRIBUIÇÕES

O relevante papel do conhecimento na produtividade das organizações públicas e privadas é

incontestável. O bom aproveitamento desse novo “bem de capital” depende da capacidade de

cada organização em promover sua multiplicação no prazo mais curto possível.

Este estudo buscou propiciar uma visão do ambiente favorável à criação e ao bom aproveita-

mento do conhecimento no contexto das organizações públicas. Espera-se que os gestores

públicos atentem aos requisitos necessários a sua atuação nessa nova “era do conhecimento”.

Diante dos exemplos aqui apresentados é possível a constatação de que tanto no PGM, como

em qualquer outro órgão do setor público, é patente e espontâneo o desdobramento do proces-

so de formação do conhecimento organizacional. Entretanto, cabe a observação de que a oti-

mização desse processo pode e deve ser estimulada para que se estabeleça um ótimo nível na

prestação de serviços públicos.

O uso indiscriminado das metodologias de Gestão do Conhecimento, sobretudo aquelas que

visam exclusivamente à aplicação das novas tecnologias da informação, não é a solução ideal

para os problemas das organizações públicas. Faz-se necessário a visualização da situação

organizacional por completo para se compreender onde e como estimular o conhecimento das

pessoas e da organização. O modelo dinâmico da criação do conhecimento oferecido pelos

professores Nonaka e Takeuchi se revelou numa ótima metodologia para promover tal per-

cepção.

O estudo sobre a espiral do conhecimento suscitou as seguintes reflexões:

• A interação entre os conhecimentos tácitos e explícitos, nos quatro formatos apresentados

(socialização, externalização, combinação e internalização) deve ser promovida de forma

intensa na organização, utilizando-se dos vários elementos aqui abordados;

• a “redundância”, enquanto releitura do capital de conhecimentos, é útil à criação de novos

conhecimentos e deve ser praticada principalmente em sessões de brainstorming;

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• o “conhecimento conceitual” tem valor relevante por exibir com clareza como a empresa

pública pretende desenvolver suas inovações, orientando os seus participantes no exercí-

cio de sua criatividade e na aplicação dos seus conhecimentos tácitos;

• metáforas e analogias são excelentes ferramentas para a ilustração do conhecimento con-

ceitual, pois favorecem à percepção das pessoas, induzindo os elementos das equipes de

trabalho ao desenvolvimento de um novo conhecimento. Entretanto, são métodos pouco

utilizados no ocidente e mais raramente identificados no setor público. Os casos de analo-

gias utilizadas no PGM se apresentam como uma exceção;

• o “caos criativo” deve ser promovido como estímulo à criatividade e à criação do conhe-

cimento. Ele não deve ser compreendido como desordem no ambiente organizacional. Por

outro lado, tranqüilidade em excesso provoca a acomodação na criatividade das pessoas;

• a definição de estratégias organizacionais direcionadas é requisito para o bom desempe-

nho do processo de criação do conhecimento, como forma de garantir “intenção” e a “au-

tonomia”, duas das condições facilitadoras desse processo;

• a adequação da estrutura organizacional, de forma que garanta a autonomia e a possibili-

dade de atuação de equipes (força-tarefa), é preponderante ao sucesso na criação do co-

nhecimento organizacional;

• a estrutura organizacional do PGM, definida como uma adhocracia, denota a autonomia

exercida pelos seus docentes e também revela que o seu processo de criação do conheci-

mento não possui a agilidade, característica fundamental do modelo dinâmico de criação

do conhecimento;

• na criação do conhecimento é importante o papel dos gerentes de nível médio (chefes i-

mediatos), como elemento de ligação (gestor) entre a intenção da estratégia organizacional

e a percepção da base operacional.

Este estudo partiu da reflexão sobre o vulnerável uso das ferramentas de Gestão do Conheci-

mento no setor público e atingiu a contextualização da Espiral do conhecimento, como um

modelo subsidiário à reflexão dos comportamentos e das ações que se exigem do gestor pú-

blico na Era do Conhecimento. Por onde prosseguir? Fomentar um clima organizacional di-

recionado à inovação? Ajustar as estruturas organizacionais à expansão da criatividade? Mer-

gulhar de cabeça na convergência digital? Promover a caça de talentos?

Com a palavra: o gestor público.

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