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A Formação Ético-Política do Profissional da Educação: reflexões quanto ao componente curricular de Ética no curso de Pedagogia ____________________ Francini Carla Grzeca i Resumo: Este texto tem a pretensão de trazer ao debate educacional o tema da ética na perspectiva da complexidade tendo como referencial a obra de Edgar Morin. Neste trabalho buscou-se, através da reflexão da prática social de estágio de docência na graduação, realizado no componente curricular de Ética do Profissional em Educação do curso de Pedagogia da Unijuí, discutir a formação ética do profissional da educação. Bem como, repensar a ética necessária à eminência da comunidade planetária e em especial, a ética como exigência para a educação. As análises reflexivas e teóricas indicam que o estudo da ética torna-se na atualidade pertinente em todos os níveis da educação, podendo ser considerado um conteúdo transversal do currículo escolar. Palavras-chave: Ética. Prática social. Complexidade. Educação. Comunidade planetária. LA FORMACIÓN ÉTICO-POLÍTICA DEL PROFESIONAL DE LA EDUCACION: reflexiones acerca del componente del plan de estudios del Ética en el curso de Pedagogia Abstract: El texto tiene la pretension de hacer una discusión acerca del tema de la ética en la educacion con la perspectiva de la complejidad, tiendo como referencial Edgar Morin. En este trabajo se buscó realizar una reflexión de la práctica social, del período del entrenamiento del docência en la graduación, en el componente del plan de estudios del ética del profesional en la educación del curso de Pedagogia de la Unijuí, para discutir la formación ética del profesional de la educación. Así como, repensar la ética necesario a la eminencia de la comunidad planetaria y tambien, la ética como requisito para la educación. Los reflexivas y los análisis teóricos indican que el estudio de la ética es pertinente en todos los niveles de la educación y se puede considerar un contenido transversal del referente a curriculum de la escuela. Palabras-clave: Ética. Práctica social. Complejidad. Educacion. Comunidad planetária. Considerações iniciais A prática social posta em análise e reflexão neste momento é a ação/interação de observação e intervenção junto ao componente curricular de Ética do Profissional em Educação, do curso de Pedagogia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. A realização desta prática ocorre por exigência do componente

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  • A Formao tico-Poltica do Profissional da Educao: reflexes quanto ao componente curricular de tica no curso de Pedagogia

    ____________________ Francini Carla Grzecai

    Resumo: Este texto tem a pretenso de trazer ao debate educacional o tema da tica na perspectiva da complexidade tendo como referencial a obra de Edgar Morin. Neste trabalho buscou-se, atravs da reflexo da prtica social de estgio de docncia na graduao, realizado no componente curricular de tica do Profissional em Educao do curso de Pedagogia da Uniju, discutir a formao tica do profissional da educao. Bem como, repensar a tica necessria eminncia da comunidade planetria e em especial, a tica como exigncia para a educao. As anlises reflexivas e tericas indicam que o estudo da tica torna-se na atualidade pertinente em todos os nveis da educao, podendo ser considerado um contedo transversal do currculo escolar. Palavras-chave: tica. Prtica social. Complexidade. Educao. Comunidade planetria.

    LA FORMACIN TICO-POLTICA DEL PROFESIONAL DE LA EDUCACION: reflexiones acerca del componente del plan de estudios del tica en el curso de

    Pedagogia

    Abstract: El texto tiene la pretension de hacer una discusin acerca del tema de la tica en la educacion con la perspectiva de la complejidad, tiendo como referencial Edgar Morin. En este trabajo se busc realizar una reflexin de la prctica social, del perodo del entrenamiento del docncia en la graduacin, en el componente del plan de estudios del tica del profesional en la educacin del curso de Pedagogia de la Uniju, para discutir la formacin tica del profesional de la educacin. As como, repensar la tica necesario a la eminencia de la comunidad planetaria y tambien, la tica como requisito para la educacin. Los reflexivas y los anlisis tericos indican que el estudio de la tica es pertinente en todos los niveles de la educacin y se puede considerar un contenido transversal del referente a curriculum de la escuela. Palabras-clave: tica. Prctica social. Complejidad. Educacion. Comunidad planetria. Consideraes iniciais A prtica social posta em anlise e reflexo neste momento a ao/interao de

    observao e interveno junto ao componente curricular de tica do Profissional em

    Educao, do curso de Pedagogia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio

    Grande do Sul UNIJU. A realizao desta prtica ocorre por exigncia do componente

  • curricular Estgio de Docncia na Graduao, oferecido pelo Programa de Mestrado em

    Educao nas Cincias da UNIJU, obrigatrio para os mestrandos com bolsa de estudos,

    Capes e/ou CNPq. Esta prtica social, sobretudo, configura-se em oportunidade de estudo,

    resignificao e aprendizagem em docncia no ensino superior.

    O componente curricular de tica do Profissional em Educao foi institudo no

    programa do curso de Pedagogia da UNIJU a partir da Resoluo do Conselho Nacional de

    Educao (CNE), n 1, de 15 de maio de 2006, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais

    para os Cursos de Graduao em Pedagogia. No Artigo 5 desta Resoluo fica evidente a

    relevncia posta na dimenso tica da educao, tanto no exerccio da profisso quanto na

    formao de professores, quando especifica que O egresso do curso de Pedagogia dever

    estar apto a: I - atuar com tica e compromisso com vistas construo de uma sociedade

    justa, equnime, igualitria. Posto que alm da competncia conceitual e pedaggica, o

    estudante de Pedagogia, quando no exerccio da sua profisso, necessita realiz-la em

    consonncia com os fundamentos e princpios ticos relevantes sociedade.

    Para o Projeto Poltico e Pedaggico do curso de Pedagogia da instituio em questo,

    a cincia da Pedagogia um campo do saber que se ocupa da formao humana e de modo

    especfico da formao escolar. Promovendo assim, alm da formao do acadmico na

    multidimensionalidade do humano, o estudo das dimenses filosficas, ticas e

    antropolgicas da educao. Nessa perspectiva o componente curricular de tica do

    Profissional em Educao visa a atender a demanda da formao tica do acadmico, acerca

    da conscincia do comprometimento tico-poltico do profissional da educao na sua prtica

    educativa e nas demais atividades humanas.

    Deste modo, a intencionalidade desta prtica social justamente, refletir sobre a

    pertinncia de um componente curricular, no curso de graduao em Pedagogia, que se ocupe

    do estudo da tica. Tendo em vista, que no currculo anterior do Curso de Pedagogia a

    discusso quanto tica e educao perpassava outros componentes curriculares, mas no

    chegava a constituir-se em objeto de estudo e reflexo. Bem como, considerar-se- nesta

    reflexo a exigncia deste tema posto nos documentos normativos do ensino superior. E a

    exigncia tica encontrada no referencial terico da complexidade, em Edgar Morin (2001, p.

    114), que nos coloca como necessidade da educao a emergncia de uma conscincia tica

    planetria.

    Para a realizao desta prtica social fez-se o acompanhamento das aulas do

    componente curricular j explicitado, durante os meses de maio e junho de 2009. Este

    componente oferecido no currculo de Pedagogia da UNIJU com a carga horria de trinta e

  • duas horas, divididas em nove encontros presenciais. Para maior aproximao com a prtica

    social observada, bem como, para maior compreenso do objetivo proposto a este estudo,

    acompanhou-se todos os encontros deste componente curricular, completando assim, trinta e

    duas horas de estgio, sendo que vinte e seis horas foram de observao e oito horas de

    interveno.

    No contato prvio com o professor deste componente curricular foram definidos alm

    dos objetivos, do contedo e da avaliao a dinmica da realizao do componente e da

    interveno da prtica social em questo. Considerando os nove encontros deste componente

    e o contedo programtico, o plano de aula ficou definido e organizado em cinco aulas

    ministradas pelo professor do componente, duas aulas disponibilizadas a realizao da

    interveno pedaggica pela estagiria e duas aulas destinadas comunicao de trabalhos

    produzidos pelas acadmicas. Nas primeiras aulas deste componente curricular buscou-se a

    confrontao das prticas cotidianas e pedaggicas das acadmicas com os fundamentos e

    valores da tradio tico-filosfica ocidental. Refletindo assim, sobre os valores que orientam

    e justificam as prticas pedaggicas e as decises de conduta nas demais atividades humanas.

    A discusso quanto ao tema da tica empregado no componente curricular foi

    referendado teoricamente nos filsofos clssicos e modernos. Com base na literatura sobre o

    assunto foi realizada uma anlise crtico-reflexiva dos princpios normativos que vem

    orientando as sociedades ao longo da histria e dos conflitos que atualmente parecem

    conduzir a humanidade a uma crise tica. O componente tambm apresentou s acadmicas as

    concepes ticas de dois autores que representam duas correntes de pensamento, Lukcs

    trazendo a viso da tica marxista e Edgar Morin que traz elementos da complexidade para

    repensar a tica na contemporaneidade, uma tica para a sociedade planetria.

    Assim, dentro desta proposta, a contribuio trazida por esta prtica social ao

    componente curricular de tica do Profissional em Educao, foi o estudo da concepo tica

    de Edgar Morin que o autor aborda no seu livro O Mtodo 6: tica (2007). Para isso, indicou-

    se s acadmicas a leitura do captulo 8 do livro Compreender a Complexidade: Introduo a

    O Mtodo de Edgar Morin (2007) de Robin Fortin, que sintetiza a obra sobre a tica de Edgar

    Morin.

    O desenvolvimento da prtica social foi mediado pela leitura e estudo do captulo oito

    do livro do Fortin (2007, p. 195) citado acima. As aulas foram de carter expositivo

    proporcionando o dilogo, o debate e a reflexo. Em um dos momentos da aula, para dar

    oportunidade de fala a todas as acadmicas foi realizada uma dinmica de comunicao da

    leitura de parte do captulo. E como avaliao as acadmicas individualmente produziram

  • memrias a partir da leitura do texto indicado e das discusses realizadas em aula. A escrita

    das memrias teve como carter o registro dos apontamentos feitos pelas acadmicas durante

    o estudo realizado, e tambm, oportunizou-se como espao de reflexo individual quanto ao

    tema, ou seja, uma escrita que desafiou as acadmicas a escreverem com autoria.

    Num primeiro momento em sala de aula, quando se apresentou turma a proposta de

    estudo desta interveno, foi realizada uma breve fala sobre o autor e sua obra, instigando as

    alunas leitura e introduzindo-as no universo conceitual do autor. Edgar Morin um

    pensador francs, nascido em 1921, formado em Geografia, Histria e Direito com estudos na

    rea da Filosofia, Sociologia e Epistemologia. autor de mais de trinta livros publicados e

    conforme Almeida (2002, p. 175): Edgar Morin um dos expoentes mais expressivos do

    pensamento mundial contemporneo e, portanto, um dos pensadores mais importantes do

    sculo XX.

    O pensamento complexo de Edgar Morin, parte da anlise crtica do conhecimento

    simplificador, redutor e disjuntivo da racionalidade clssica da cincia moderna, do mtodo

    cartesiano, que por sua vez, resulta em aes unidimenssionai e mutiladoras. Extendendo-se

    ao pensar fragmentado o autor dedica-se procura de um mtodo que reconhea alm da

    multidimensionalidade das coisas, a complexidade do mundo. Um mtodo que, ao mesmo

    tempo que conserva o mtodo cartesiano o ultrapassa, alargando e complexificando os

    conhecimentos separados pelo mtodo de simplificao. Assim, o mtodo de complexidade

    pretende a reforma do pensamento que possibilita a rearticulao dos conhecimentos das

    cincias naturais com os conhecimentos das cincias antropossociais. Permitindo ento, um

    pensamento que conduza a aes complexas e no mutiladoras. Conforme Fortin (2007, p. 26)

    Este mtodo o mtodo de complexidade que Morin prope. Um tal mtodo ao mesmo

    tempo que ultrapassa o mtodo cartesiano, dever salvaguardar-lhe a inspirao primeira e as

    suas conquistas mais preciosas.

    O mtodo da complexidade concebido como caminho, percurso, estratgia,

    perseguio ao conhecimento. Ele comunicao, faz ligao entre os saberes, entre o sujeito

    e o objeto, entre o sujeito e o conhecimento, e mais, o mtodo leva ao aprender a aprender. O

    reaprender na perspectiva complexa reformar o pensamento para que este possa organizar,

    articular, situar o conhecimento. O mtodo da complexidade conta com o aporte de princpios

    que subsidiam a construo do conhecimento complexo. So estes princpios que conduzem

    reforma das estruturas de pensamento levando a superao dos princpios cartesianos, das

    idias claras e distintas, da anlise, da ordenao e da quantificao. Em contraponto a estes,

  • os princpios da complexidade promovem a contextualizao, a ligao, a

    complementaridade, a incerteza e a recursividade. Nas palavras de Martinazzo (2009, p.22):

    Os principais princpios que colaboram com a construo do pensamento complexo e transdisciplinar so: o Princpio Hologramtico ou Hologrfico (Bohm, 1992), o Princpio da Complementaridade (Bohr, 1995), o Princpio da Incerteza (Heisenberg, 1993) e o Princpio da Autopoise (Maturana; Varela, 1995).

    Sem ter a pretenso de reduzir o mtodo da complexidade aos princpios para no

    torn-lo programtico e estril, ou ainda, para evitar que caia numa simplificao, o autor

    aponta ser importante que se tenha clareza das concepes destes princpios. Principalmente

    pelas mensagens de complexidade que estes comportam. No princpio dialgico, pode-se

    afirmar que a mensagem contida lembra que a noo de

    ordem/desordem/interao/organizao sempre esto em relao ambivalente, complementar,

    concorrente e antagnica. O pensar dialgico, conforme entende Martinazzo (2009, p. 24)

    comporta contradies e ambivalncias, convive com as diferenas e com idias opostas, no

    precisa como na dialtica, de uma sntese que aponte uma nica verdade, mas contempla a

    complexidade das relaes.

    O princpio hologramtico pontua a relao parte/todo, em que a parte s pode ser

    entendida em funo do todo e o todo, do mesmo modo, s pode ser entendido em funo das

    partes. Nesse caso a mensagem de complexidade contida neste princpio de que o

    conhecimento engendrado em rede, interligado e interdependente, por isso, para conhecer

    necessrio contextualizar, ligar o todo as partes e as partes ao todo. Outro princpio

    importante o anel recursivo ou o princpio da recurso organizacional, que traz para a

    complexidade o conceito de auto-organizao e de autoproduo. Estes processos ocorrem

    devido recursividade causa/efeito, em que os efeitos retroagem sobre as causas, num

    processo circulatrio no qual o produto ou o efeito se torna elemento primeiro e causa

    primeira (FORTIN, 2007, p. 73). A idia de recurso, de circularidade contida neste princpio,

    que estabelece a lgica da complexidade. Uma lgica recursiva que permite pensar as coisas

    de modo articulado considerando sua co-produo. A idia de recurso conduzir Morin,

    passo a passo, elaborao de uma lgica recursiva. A lgica recursiva por definio uma

    lgica da complexidade (FORTIN, 2007, p.29). Assim, a partir desta lgica o pensamento

    complexo pode ser ilustrado como um pensar em espiral que liga e articula, superando a

    linearidade dos princpios da simplificao.

  • Tais princpios epistemolgicos incorporam, superam e ultrapassam a epistemologia cartesiana e mostram as condies de uma viso complexa. Esses operadores cognitivos ampliam o foco de observao e o campo de anlise e, portanto, podem possibilitar um novo olhar investigativo na pesquisa e nas cincias em geral (MARTINAZZO, 2009, p.25).

    So estes princpios da complexidade que Edgar Morin (FORTIN, 2007, p. 195)

    utiliza para repensar a tica, superando a dicotomia bem/mal, certo/errado da tica racionalista

    clssica ou transcendental. Os princpios do conhecimento complexo que nos permitiram

    repensar a complexidade humana vo permitir-nos repensar a tica que, tambm ela, no pode

    evitar os problemas da complexidade.. A compreenso tica de Morin (FORTIN, 2007, p.

    204) alargada e comporta incerteza, contradio e aposta. Sobretudo, a tica renovada na

    complexidade constitui-se em tica da compreenso, da solidariedade e do cuidado, uma tica

    que se pretende universalista na emergncia da sociedade planetria, na tomada de

    conscincia da comunidade de origem e de destino da humanidade. Romper com a viso

    linear da tica antropocntrica, centrada no sujeito de conscincia moral, e nos dogmas da

    tica crista e ainda, apresentar uma nova perspectiva terica ao entendimento da tica,

    formam a intencionalidade da ao de interveno desta prtica social.

    A tica da complexidade No referencial da complexidade a tica tratada como uma exigncia para a educao.

    Edgar Morin (2001, p.106) em seu livro intitulado Os sete saberes necessrio educao do

    futuro coloca a tica como um dos saberes indispensveis educao em todos os mbitos e

    em todas as culturas. Isto porque, segundo o autor, a tomada de conscincia sobre a questo

    tica torna-se na atualidade uma exigncia sem precedentes para a humanidade em razo do

    desafio que se apresenta ao humano: a comunidade planetria. Visto que tal comunidade tem

    sua origem, conforme interpretao do autor, no apenas no evento atual de globalizao, mas

    tem sua raiz na constituio do ser humano.

    Na complexidade o gnero humano compreendido na sua condio

    cosmobioantropolgica, ele includo na natureza, na vida, mais do que isso, reconhecido

    como parte da epopia csmica que originou o mundo presente somos fsica e quimicamente

    filhos do cosmos [...] somos filhos do mundo vivo, samos da evoluo da vida (MORIN,

    2005, p.269). Para alm da identidade terrena, fsica e biolgica o ser humano comporta na

    sua constituio de acordo com a perspectiva complexa, uma identidade antropolgica,

    marcada pelos aspectos psico-scio-culturais desenvolvidos no processo de hominizao.

    Deste modo, na concepo complexa a condio humana composta pela trade

  • indivduo/sociedade/espcie. Na qual, o ser humano compreendido como indivduo, como

    parte da sociedade e como pertencente espcie humana. Neste sentido, o humano

    concebido na sua totalidade, na interdependncia dos trs termos desta relao trinitria, em

    que estes termos inscrevem-se um no outro, cada um contendo o outro e vice-versa.

    No nvel antropolgico, a sociedade vive para o indivduo, o qual vive para a sociedade; a sociedade e o indivduo vivem para a espcie, que vive para o indivduo e para a sociedade. Cada um desses termos ao mesmo tempo meio e fim: a cultura e a sociedade que garantem a realizao dos indivduos, e so as interaes entre indivduos que permitem a perpetuao da cultura e a auto-organizao da sociedade (MORIN, 2001, p.54).

    a tomada de conscincia da condio humana de ser cosmobioantropolgico que

    ser ao mesmo tempo indivduo/sociedade/espcie (MORIN, 2001, p. 17), que fundamenta o

    sentimento de pertencimento a uma comunidade planetria. Torna-se possvel reconhecer nos

    tempos de hoje que apesar das diversidades culturais, sociais, de lngua e de costumes a

    humanidade uma s, que os seres humanos tm uma origem comum, formam uma

    comunidade de origem, bem como, compartilham do mesmo destino. O limite fsico do

    planeta impe humanidade, como comunidade de destino, a necessidade de compartilhar a

    mesma casa, a Terra, o que implica uma retomada radical dos pressupostos filosficos das

    muitas ticas comunitrias em uma tica universalista.

    O que torna possvel a idia de uma tica universal aponta Morin (2007, p. 160), a

    condio de conexo e interdependncia das comunidades, naes e indivduos ao todo

    planetrio e ao universal humano que a era planetria vem proporcionar. Revisitar a tica

    nestas condies implica em considerar o carter ternrio da condio humana na prpria

    tica, que por sua vez, conduz a uma antropotica. Para Morin (2001, p. 106) a antropotica

    a tica propriamente humana, pois ela emerge da conscincia da condio humana de ser

    indivduo/sociedade/espcie. A antropotica conserva o carter trinitrio deste circuito

    fazendo com que o humano assuma-se enquanto humanidade. E ao recuperar o esprito

    propriamente humano, a humanidade, o autor acredita que seja possvel, atravs da

    antropotica, a comunidade terrena alcanar a cidadania planetria.

    A tica universalista, tornada concreta, antropotica: impe-se cada vez mais nos desenvolvimentos atuais da era planetria que no apenas colocaram os seres humanos em comunicao e em interdependncia, mas, mais ainda, fizeram emergir uma comunidade de destino para a espcie humana (MORIN, 2007, p. 160).

  • Em sua obra Morin (2007, p. 19) explica que a tica manifesta-se no humano como

    um imperativo, um dever, como exigncia moral proveniente de trs fontes interligadas entre

    si. Uma de origem interior ao indivduo que se traduz em dever, outra de origem exterior,

    relativo s crenas e normas que regulam a conduta social imposta pela cultura e uma fonte

    anterior referente herana gentica da espcie. Mais uma vez, o autor liga a tica ao carter

    trinitrio da condio humana. novamente a partir da trade inaugurada por ele, para

    construir a concepo complexa de sujeito, que ele retoma a noo de tica numa concepo

    igualmente complexa. Morin (2007, p. 30) explica que No se trata, portanto, para ns de

    encontrar um novo fundamento para a tica, mas, ao mesmo tempo, de dar-lhe novas fontes,

    novas energias e de regener-la no circuito de religao indivduo/espcie/sociedade.

    Portanto, a complexidade aponta necessidade da tica recorrer a vrias fontes

    (interior/exterior/anterior) para constituir-se, segundo Fortin (2007, p.204) em Auto-socio-

    antropo-tica.

    Esta percepo tica trazida por Edgar Morin apontada por Almeida (2005, p. 139)

    como um divisor de guas no oceano das inumerveis interpretaes filosficas e

    sociolgicas sobre tica. Isto porque, o argumento usado pelo autor demonstra a dificuldade

    de fundar a tica em pressupostos reducionistas pautados na noo de sujeito antropocntrico,

    como a tica racionalista, em que o fundamento ltimo a razo ideal. Ou ento, nas ticas

    transcendentais em que a verdade, o bem revelado por um ser supremo. A tica inaugurada

    na complexidade supera a viso clssica sobre a tica, pois traz no seu mago uma concepo

    de sujeito complexificada.

    A compreenso de sujeito que Edgar Morin considera ao longo de sua obra a

    qualidade de natureza prpria de todo ser vivo, do unicelular ao homem. Tal qualidade de

    sujeito definida em Fortin (2007, p. 92) como traos de individualidade que repousam sobre

    o ego-auto-centrismo e a ego-auto-referncia. O predomnio do ego-centro, do Eu, faz com

    que cada ser vivo se considere o centro do seu universo, e o reconhecimento de Si, como ser

    nico distinto de tudo o que lhe exterior o faz auto-referente. Para o autor so estas as

    qualidades, de organizao e de natureza prpria do indivduo vivo, que definem o sujeito,

    pois lhe garantem a existncia e salvaguardam sua sobrevivncia.

    Pode-se perceber que esta definio de sujeito trazida pela complexidade

    literalmente biolgica, no entanto ela no restritiva a um biologismo. No humano a

    qualidade de sujeito acompanhada pelo desenvolvimento da reflexo, da linguagem, do

    pensamento, bem como, pela sua condio de inacabamento que permite ao sujeito tornar-se

    singular. Mas, a concepo complexa de sujeito sempre est vigilante para lembrar que o

  • homem um ser vivo, como o unicelular, a planta e o animal. Este elo que liga a constituio

    do sujeito humano ao biolgico, ao social e ao individual lembrado por Almeida (2005,

    p.140) quando ela escreve:

    O sujeito humano se engendra no interior das contingncias scio-histricas e bio-culturais - outra forma de dizer que ele emerge do interior de reorganizaes no exclusivamente humanas, histricas e sociais. Para Morin, possvel distinguir, mas no isolar, nem contrapor, os domnios individuais, sociais e biolgicos que juntos configuram o paradigma aberto e inacabado da espcie humana, do sujeito e da tica.

    Alargando a compreenso de sujeito, tirando-o do lcus solitrio da razo, e

    enredando-o na complexidade Edgar Morin atribui novos contornos tica, que at ento no

    se estava habituado a considerar. Para Morin, segundo Fortin (2007, p.189) O ser humano

    um ser extraordinariamente complexo, que une dialogicamente (recursivamente) em si vrios

    componentes e contm sempre contradio, ambigidade, incerteza. Assim, o humano

    entendido na sua dimenso de homo sapiens, mas tambm demens, ele dialogicamente

    sapiens/demens, um contendo o outro simultaneamente e inseparavelmente. Na viso

    complexa o humano ao mesmo tempo racional, louco, potico, prosaico, afetivo, esttico,

    ldico, ou seja, homo complexus.

    Deste modo, ao considerar que o sujeito oscila entre razo, demncia, pulso e

    afetividade, e que ainda , ao mesmo tempo, egosta e altrusta, que, acredita-se que a tica

    no simples, mas supe-se que ela comporta contradio, engano e ambigidade. Distinta da

    compreenso clssica em que a deliberao tica fundamentada na verdade revelada ou na

    certeza de uma razo pura. Fortin (2007, p.204) escreve que Acreditar na possibilidade de

    uma tica transparente, auto-suficiente e omnisciente, no conhecer a tica e desconhecer as

    perverses, inverses, contradies, desvios e voltas que a aco tica pode sofrer. A tica na

    complexidade sabe da multidimensionalidade do humano e que a deciso tica sempre est

    exposta incerteza, por isso, ela aposta provisria, estratgia, escolha, risco.

    Como tudo que humano, a tica tambm no escapa do problema da contradio, e a

    contradio tica est no bojo da relao inteno/ao. Com isso, Edgar Morin traz para a

    discusso da tica o hiato existente entre a inteno da ao e a ao e suas conseqncias. A

    incerteza tica reside justamente na impossibilidade de previsibilidade dos efeitos da ao.

    Como explica Fortin (2007, p.205), seguindo o princpio da ecologia da ao, toda ao

    escapa vontade do seu autor na medida em que se inscreve no interior do meio em que ela se

  • desenrola e entra no jogo das inter-retro-aes. Assim, os efeitos pretendidos pela ao podem

    ser desviados do seu fim, ou ainda, podem ter efeito contrrio do pretendido.

    por esta perspectiva que ganha sentido a frase popular de boas intenes que o

    inferno est cheio. Pois, por mais que se tenha boas intenes a ao ao entrar no jogo das

    inter-retro-aes escapa da vontade do seu autor e seus fins tornam-se incertos. E no caso dos

    seus efeitos serem esperados a longo prazo, a ento, os resultados tornam-se imprevisveis.

    Ter a compreenso de como opera a ecologia da ao, aponta Almeida (2005, p. 141), faz a

    diferena ao se pensar as problemticas ticas que nada tm de evidentes. Porque a tica

    complexa entende que no existem princpios, nem superiores, nem exteriores, pelos quais a

    ao deve-se pautar. S h incertezas e imprevisibilidade onde a tica aparece como

    estratgia, aposta e escolha.

    A tica, assim revigorada nas fontes da complexidade alarga os horizontes da

    deliberao e do julgo moral. Ela entende e comporta as incertezas, as contradies, os

    antagonismos, os erros e as iluses que as tomadas de decises a nvel tico podem sofrer. A

    complexidade perceber que nas questes referentes ao humano, principalmente nos assuntos

    que exigem o julgo moral, h sempre incerteza e ambigidade. Por isso, que na perspectiva da

    complexidade a tica tende a superar o cdigo binrio bem/mal, justo/injusto da moral

    simples. Porque, como afirma Morin (2007, p. 60) A tica complexa concebe que o bem

    possa conter um mal, o mal um bem, que o justo possa conter injusto, o injusto, justo.

    Para enfrentar a complexidade tica, as incertezas, iluses e ambigidades Edgar

    Morin, conforme Fortin (2007, p 212), prope um exerccio conscincia de permanente

    estado de alerta, uma cultura psquica que tem por finalidade a vigilncia tica: Trata-se

    efetivamente de uma forma de introspeco capaz de revelar todas as possibilidades de

    cegueiras que sem trguas enviesam os nossos julgamentos, falseando a nossa percepo das

    coisas e at a nossa percepo de ns. A este estado de vigilncia tica, que consiste no

    movimento de auto-anlise e autocrtica, de olhar para si, que Morin (2007, p. 93) tem

    denominado de auto-tica [...] uma tica de si para si que desemboca naturalmente numa

    tica para o outro.

    A auto-tica convida aprendizagem da compreenso, a compreenso de si mesmo e

    do outro, como escreve Fortin (2007, p. 215): Ela obriga-nos a compreendermo-nos melhor a

    ns mesmos e a compreender melhor os outros, a compreender melhor que, tal como o outro,

    ns podemos enganar-nos e iludir-nos e ser incapazes de ver que nos enganamos e iludimos.

    A compreenso trazida para a discusso da tica, no como sinnimo de perdo ou pelo

    sentimento de bondade que ela contm. Mas porque, a compreenso alarga e complexifica a

  • viso, permitindo outras perspectivas ao julgo moral. Assim, a tica que Morin (2001, p. 106)

    prope como a tica propriamente humana, a antropotica, necessria emergncia da

    cidadania planetria, a tica da compreenso, que se desdobra em tica da solidariedade que

    compromisso e participao como o outro, com a sociedade na sua dimenso planetria e

    com a natureza.

    A tica renovada na complexidade revigora-se em ato de ligao: ligao com o

    outro, com a comunidade e com a espcie. Renovando tambm, o sentimento no indivduo de

    pertencimento a comunidade e a natureza, fazendo com que emirja a sua conscincia, a

    responsabilidade e a solidariedade com o outro, com a comunidade e com a espcie. Assim,

    uma tica de solidariedade, que compromisso e participao, faz-se necessria

    comunidade planetria como imperativo tico.

    Consideraes Finais Considerando a perspectiva de que o mundo est em transformao rumo a uma

    planetarizao da sociedade humana, enquanto comunidade planetria em vias de realizar a

    cidadania terrena, que Morin (2001, p. 18) coloca o ensino da tica como um dos saberes

    necessrios educao. De acordo com o referencial terico da complexidade o estudo da

    tica, enquanto metaponto de vista, que conduz a reflexo no campo da ao do homem, ou

    seja, nas decises ao nvel da ao moral dos indivduos, necessita ganhar espao em todos os

    nveis da educao.

    O componente curricular de tica do Profissional em Educao, o qual serviu de

    objeto de estudo a esta prtica social, trata das dimenses tico-polticas da educao, com

    vista reflexo dos valores, objetivos e princpios que normatizam as prticas sociais e

    educacionais, e as demais atividades humanas. Tendo a pretenso que no processo de

    formao profissional do educador as questes referentes tica, aos juzos morais que esto

    presente na conduo das atividades educativas escolares sejam objetivadas, para a

    capacitao reflexiva qualificada deste profissional em assuntos ticos.

    Neste sentido, com vista a atender as exigncias postas pelo componente curricular em

    questo, realizou-se com as acadmicas do curso de Pedagogia um estudo de carter terico-

    reflexivo da tica complexa. Partindo do entendimento que o estudo da tica no pode ser

    tomado como lio moral, ou doutrinao, mas conforme aponta o prprio Morin, (2001, p.

    17) o ensino da tica deve ser estabelecido pela formao nas mentes da conscincia da

    condio complexa do gnero humano, de ser ao mesmo tempo indivduo/sociedade/espcie.

  • Pretendeu-se assim, apresentar neste texto a compreenso da tica em Edgar Morin,

    que foi o objeto de estudo e reflexo da referida prtica social. Com isto, trazer ao debate a

    abordagem sobre o tema da tica referendada sobre pressupostos antropolgicos. Debate este,

    que na atualidade apresenta-se como uma exigncia emergncia da era da planetarizao da

    humanidade, constituda em comunidade planetria, bem como, exigncia de pauta para o

    debate na educao em todos os nveis.

    Assim, atravs da anlise reflexiva da prtica social realizada no componente

    curricular de tica do Profissional em Educao e da posterior reflexo terica registrada

    neste texto, considera-se o estudo da tica pertinente em todos os nveis da educao e que

    pode ser considerado um contedo transversal do currculo escolar. Alm das consideraes

    de Edgar Morin que apontam para esta necessidade, as falas trazidas pelas acadmicas do

    curso de Pedagogia no decorrer das aulas tambm demonstram a importncia do estudo da

    tica na educao. Percebeu-se, nesses discursos, o interesse que o tema da tica desperta, e

    tambm como a discusso contribuiu para a tomada de conscincia, por parte das acadmicas,

    da crise dos fundamentos das interpretaes clssicas da tica, que deixam insuficincias para

    pensar o mundo atual.

    . Neste sentido, entende-se ser pertinente que num curso de formao de professores

    haja um componente curricular que se ocupe em promover o estudo da tica como objeto

    conceitual. Tendo em vista, de modo geral, a reflexo das aes individuais e das atividades

    humanas na sociedade, e de modo especfico, os valores que orientam as decises e as

    atividades educativas em mbito escolar. E como se ponderou em todo o texto, pensar esta

    formao tica a partir de imperativos que caracterizam o agir humano numa comunidade

    planetria.

    Referncias ALMEIDA, Maria da Conceio Xavier de. Saudao a Edgar Morin. Margem (PUCSP),

    So Paulo, v. 16, p. 175-176, 2002.

    _______. O Mtodo 6: tica. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 27, p.130 143, ago. 2005.

    FORTIN, Robin. Compreender a Complexidade: introduo a O Mtodo de Edgar Morin.

    Lisboa: Instituto Piaget, 2007.

    MARTINAZZO, Celso Jos. (Org.). Educao Escolar e Outras Temticas: ensaios do

    pensar complexo. Iju: Ed.Uniju, 2009.

    MORIN, Edgar. O Mtodo 6: tica. Porto Alegre: Sulina, 2007.

  • _______. Os Sete Saberes Necessrios Educao do Futuro. So Paulo: Cortez, 2001.

    _______. (Org.). A Religao dos Saberes: o desafio do sculo XXI. Rio de Janeiro: Bertrand

    Brasil, 2005.

    i Mestranda em Educao nas Cincias - UNIJU; Graduada em Pedagogia UNIJU Campus Santa Rosa; Professora da rede municipal de Iju. E-mail: [email protected]