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A Formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
APRESENTAÇÃO
Esta pesquisa tem por objetivo investigar o crescimento urbano de Goiânia, que em
certo momento tornou-se muito acelerado e até descontrolado, vindo a comprometer
os sistemas urbanos de trânsito e transporte coletivo, interferindo profundamente
com a mobilidade da população.
Serão estudados: o plano piloto de Attílio Corrêa Lima (plano original da cidade de
1933); as alterações realizadas por Armando de Godoy; os planos de Jorge Wilhem
(desenvolvimento integrado); plano de Jaime Lerner (sistema integrado de
transportes); o PDTU (plano diretor de transporte urbano) e PDIG (plano de
desenvolvimento integrado). E também os estudos e proposições mais recentes,
como Goiânia 21, e o Plano Reformulación Urbanística del Núcleo Fundacional de
Goiânia, realizado por arquitetos de Barcelona.
Entendemos que a dinâmica de crescimento de uma cidade implica no
conhecimento histórico de seu processo de ocupação, e vemos neste momento a
oportunidade de discussão ampla, visto que a cidade vem criando novas
centralidades e diversificando seus vetores de crescimento.
O resultado desta pesquisa, servirá como conhecimento importante para auxiliar nas
decisões futuras a serem tomadas no desenvolvimento da qualidade do meio
ambiente urbano desta capital.
1. OBJETIVOS
A cidade de Goiânia que foi projetada para ser capital do Estado de Goiás, com um
programa de funções administrativas bem definido, sofreu em seu traçado
expansionista ao longo dos anos transformações devidas ao seu desenvolvimento
normal, e também pela construção da capital nacional Brasília. Não fora suficiente
este fato, a sociedade se transformou violentamente e, não sendo o projeto da
cidade subjugado a um sistema de planejamento contínuo, propiciou o aparecimento
A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
prematuro de problemas urbanos próprios de grandes centros, entre eles a
circulação de veículos e pessoas.
O processo de ocupação dos espaços da cidade, bem como o modelo de
parcelamento adotado nos diversos setores surgidos desde o projeto original, são
responsáveis pelos problemas de trânsito, dificuldades de estacionamento, falência
do centro histórico como local de maior dinâmica urbana, e principalmente pelo
sistema inadequado de transporte coletivo.
Muitas vezes os problemas da cidade tem sido reduzido a questão das vias de
circulação, ou a ausência de estacionamentos, ou aos trajetos dos ônibus urbanos.
Os problemas de circulação, transporte, estacionamentos, em conjunto significam a
dificuldade de mobilidade da população, comprometida quase sempre pela ausência
de planejamento continuado e pela aplicação de códigos de regulação urbanos
ultrapassados. O que se vai estudar nesta pesquisa é a problemática do espaço urbano e suas conseqüências na precária mobilidade da população.
2. METODOLOGIA
Consideramos necessário, na impossibilidade de em tempo exíguo estudarmos a
cidade inteira, reconhecer as áreas mais afetadas pela transformação recente e
dimensionar uma área de pesquisa (ver mapa anexo) a ser mais detalhada, embora
o fenômeno aí observado se reproduza em quase todas as outras áreas da cidade.
A área de estudo envolve a Praça Cívica com as quadras imediatamente próximas
formando o núcleo do Setor Central original; a parte do Setor Sul mais atingido por
intervenções entre a rua 84 e avenida 85; parte do Setor Marista desde a divisa com
o Setor Sul, a rua 90, a av.85 e a av. 136.
Estaremos avaliando, através de leitura de documentos, análise de projetos e planos
de intervenção e pesquisas de campo, a aplicação ou não destes planos, e suas
conseqüências.
Trata-se de pesquisa de espaço urbano previamente dimensionado (ver mapa
anexo), e serão realizados levantamentos de campo, do meio físico, da ocupação e
usos, da tipologia de construções, circulação de veículos e pessoas, além de
reconhecimento da composição da paisagem urbana. A área pesquisada é uma
área urbana extensa com usos diversos e com população variada, portanto
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
estudaremos a apropriação dos espaços através de documentação existente, relatos
de residentes e de usuários do “lugar”. O confronto entre documentos e realidades
constatadas, poderão alterar o procedimento previamente estabelecido sempre que
fatos novos forem encontrados.
Abordagem Analítica
- analisar as diversas interpretações já realizadas do plano original de Attílio
Corrêa Lima;
- estudar as considerações de revisão do projeto original por Armando de Godoy,
que propôs uma profunda alteração no setor sul, projetando a sua conformação
atual;
- analisar documentos dos planos de desenvolvimento realizados, e que buscavam
intervir no desenvolvimento da cidade, através de legislação de usos e
zoneamento, ou como solução de sistema viário ou de transportes;
- estudo da área de pesquisa, com utilização de mapas e levantamentos locais;
- analisar os fenômenos urbanos observados no “lugar”, como método de
interpretação para o desenvolvimento urbano - a apropriação do espaço
principalmente do setor sul que sofreu e vem sofrendo alterações de uso;
- catalogar documentação das transformações observadas.
Coleta de dados:
- catalogar mapas e desenhos existentes da área, realizar levantamentos físicos;
- levantamento bibliográfico de documentos históricos, dissertações, teses, artigos
e documentos legais referentes a área de pesquisa;
Avaliações parciais:
Entrevistas:
- com residentes;
- com comerciantes;
- com ambulantes;
- com prestadores de serviço;
- com usuários não residentes na área;
- com autoridades de órgãos ligados às questões pertinentes de infra-estrutura e
equipamentos urbanos, buscando a posição oficial de intervenção na área;
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
- com autores de planos e projetos de intervenções urbanas realizadas, e
projetadas para a área de pesquisa, ou que tenham referência com a área.
Análise de hipóteses possíveis de diagnosticar os conflitos da área.
Fontes de Pesquisa:
- NDD-Núcleo de Documentação e Divulgação do Departamento de Arquitetura
Universidade Católica de Goiás
- Biblioteca Central Universidade Católica de Goiás
- Biblioteca da Universidade Federal de Goiás
- Biblioteca do Museu Pedro Ludovico
- SEPLAN – Secretaria Municipal de Planejamento
- Biblioteca do escritório GrupoQuatro
- Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB/GO
3. HISTÓRICO DA CIDADE DE GOIÂNIA
A nova capital do Estado de Goiás foi construída em meio a grandes transformações
políticas e culturais no país.
A mudança da capital vinha sendo discutida desde meados do século XVIII, quando
o governador da Capitania de São Paulo decide que Santana, a cidadela de Bueno -
que havia sido criada em 1727 no sopé da Serra Dourada - deve ser a sede do
centro administrativo da região e dá-lhe o nome de Vila Boa.
No ano de 1749, é criada a Capitania de Goiás, independente de São Paulo, sendo
seu primeiro governador o Conde de Arcos, que sugeriu a mudança da capital para
Meia-Ponte, hoje Pirenópolis. Em 1821, Santana é elevada à categoria de cidade e
passa a chamar-se Goiás. (PALACÍN, 1976)
As discussões para a mudança da capital se desenvolvem intensamente, com os
argumentos “mudancistas”, desde a questão da topografia, as comunicações, os
acessos e as condições de higiene e salubridade da cidade de Goiás. (Fig. 3)
Em estudo detalhado sobre a formação do espaço urbano em Goiás, Gustavo Neiva
Coelho (Coelho,1997) nos descreve a localização de Vila Boa em terreno
acidentado, ocupando as duas margens do Rio Vermelho, e sem nenhuma
preocupação com ordenação espacial.
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
“Apesar de fundada no século XVIII, Vila Boa em momento algum apresenta
características do urbanismo setecentista do continente europeu que a
identifiquem com seu tempo, e apresenta ainda uma dissociação total com o
pensamento de El Rei, descritos na Carta Régia de 1736”. (COELHO, 1997 a, p.33)
Ainda segundo Coelho, o que podemos perceber do conjunto urbano de Vila Boa, é
“algo organizado de forma a apresentar um contínuo urbano, que apesar de
irregular, mantém uma certa coerência, não se transformando num emaranhado
complexo e misterioso das cidades mouriscas”. (COELHO, op.cit., p.35)
A prioridade no lançamento da idéia da transferência coube ao segundo presidente
da Província de Goiáz, Marechal de Campo Miguel Lino de Morais, ao presidir a
solenidade de instalação do Conselho Geral, em 1830, propôs a transferência para
Água Quente.
Pouco mais tarde, em 1863, outro presidente da Província de Goiáz, Couto de
Magalhães1, sugeria a mudança para Leopoldina, às margens do Rio Araguaia,
declarando:
“Em uma palavra, Goiás não só não reúne as condições necessárias para uma capital, como ainda, reúne muitas para ser abandonada”. (MAGALHÃES, 1935, p.68)
1 José Vieira Couto de Magalhães (1837-1898), formou-se em Direito em São Paulo. Foi nomeado em 1863, com poderes especiais e autoridade de General em Chefe, para organizar forças e lutar contra os paraguaios que assolavam a província de Mato Grosso. Mais tarde foi presidente das províncias de Goiás, Mato Grosso e Pará. Realizou inúmeras expedições pelo centro-oeste, e inaugurou a navegação pelo Rio Araguaia.
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
Figura 3: Mapa da cidade de Goiás, antiga Vila Boa.
O empreendedor de Goiás, Couto Magalhães desenvolveu estudos técnico-
econômicos comparativos para defender sua idéia de localização da capital às
margens do Rio Araguaia. Nesses estudos, apontava a insalubridade; o comércio
insipiente e que vivia exclusivamente à custa dos empregados públicos e de
militares; os meios de transportes imperfeitos; a situação topográfica da cidade
encravada entre serras. Buscava insistentemente o desenvolvimento e o progresso
do Brasil Central por meio da navegação interior, procurando estabelecer uma via de
transporte para a produção, ligando a foz do Amazonas à do Prata.
A idéia mudancista seria reafirmada na Constituição Estadual de 1818 em que dizia
que, “A cidade de Goiáz continuará a ser capital, enquanto outra coisa não deliberar
o Congresso”.
O desenvolvimento do Estado de Goiás durante as três primeiras décadas do século
XX não foi significativo. O extenso território do Estado era pouco povoado e
baseado em economia pecuária e agrícola de subsistência.
Apenas o centro-sul, devido a uma renovação da economia nacional em função da
reorganização cafeeira, é que experimentou uma transformação pela chegada de
migrantes em busca de terras férteis de baixo custo.
Essa ocupação ocorreu com grande dinamismo, provocando o crescimento de
Itumbiara, Jataí, Rio Verde e Mineiros, através da chegada da estrada de ferro que
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
veio facilitar o transporte. O poder econômico da região, entretanto, encontrava-se
independente do poder político estabelecido em Vila Boa de Goiáz. (MELLO, 1996)
A situação era de tal forma complexa, que a população do Estado duplicava, e a de
alguns Municípios ultrapassava a da capital.
O processo de acumulação capitalista em curso provocou uma luta pelo domínio do
poder político estadual, até então dominado pelos coronéis da família Caiado. O
elemento que faltava veio com a Revolução de 1930.
O principal fator que levou a Revolução de 30 foi a crise da política de valorização
do café. Essa valorização aumentava o problema da superprodução cafeeira, já que
os preços eram mantidos artificialmente e levava conseqüentemente ao aumento do
plantio e tendia a beneficiar principalmente o Estado de São Paulo e dava benefícios
reduzidos aos demais Estados.
Isso refletia na desvalorização da moeda, uma vez que a valorização do café era
sustentada por emissões crescentes, no aumento do custo de vida e no prejuízo aos
Estados não cafeeiros, à classe média e ao proletariado. Com os efeitos da queda
da Bolsa de Nova York (1929), em 1930 os bancos internacionais exigiam maior
presteza nos pagamentos das dívidas.
Em 1926, Getúlio Vargas, que antes era um deputado do Rio Grande do Sul,
tornara-se Ministro da Fazenda ao mesmo tempo em que Washington Luís sucede
Artur Bernardes na Presidência da República. Em 1928, Vargas torna-se
Governador do Rio Grande do Sul.
Traindo o acordo “café com leite”, Washington Luís indica o nome de Júlio Prestes à
Presidência, acreditando assim que manter os paulistas no poder seria uma forma
de controlar a política econômica-financeira. O candidato mineiro seria o Governador
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.
Diante desse quadro, Antônio Carlos procurou fazer um acordo com o Rio Grande
do Sul e a Paraíba, também marginalizados nesse contexto, que ainda teve o apoio
do Partido Democrático de São Paulo, o que resultou na formação da Aliança Liberal
e no lançamento da chapa Getúlio Vargas-João Pessoa para a presidência e vice-
presidência da República, respectivamente.
As eleições foram muito disputadas e por fim deu-se a vitória de Júlio Prestes
(1.097.000 votos) sobre Getúlio Vargas ( 744.000 votos ). Inicialmente a derrota foi
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
aceita por alguns líderes da Aliança, por João Pessoa, Borges de Medeiros, e até
por Vargas. Contudo, os políticos mais jovens não aceitaram a situação e entraram
em contato com os tenentes exilados para um levante armado. A conspiração foi
então favorecida pelo assassinato de João Pessoa. O crime, explorado pela
oposição, aumentou a revolta no País.
Na verdade a Revolução de 30, significou a composição de um quadro heterogêneo
social e político, para o enfrentamento das oligarquias. Na análise do historiador
Boris Fausto (2000), a revolução não foi a tomada do poder por uma classe social,
até porque “a classe média deu lastro à Aliança Liberal, mas era por demais
heterogênea e dependente das forças agrárias para que, no plano político, se
formulasse um programa em seu nome”. (FAUSTO, 2000, p325)
Ainda segundo Fausto “um novo tipo de Estado nasceu após 1930, distinguindo-se
do Estado oligárquico não apenas pela centralização e pelo maior grau de
autonomia como também por outros elementos”. (FAUSTO, op.cit., p.327) Podemos
citar dentre os ‘outros elementos’, a aliança de classes entre a burguesia industrial e
setores da classe trabalhadora urbana, dinamizando e favorecendo o
desenvolvimento e o aparecimento de novos núcleos urbanos.
Da Revolução de 30 surge um novo projeto de nacionalidade. O primeiro governo
Vargas estava compromissado com a complexa engenharia de afirmação de um
novo caráter de nacionalidade para o País.
Ao mesmo tempo em que marcou o início de uma crise econômica, em relação a
economia dantes cafeeira, 1930 foi um ano importante por ser um momento de
grandes avanços no processo de industrialização do País, que por sua vez
aumentou o crescimento urbano. Houve uma intensa aceleração do
desenvolvimento industrial entre 1930-1945, que vinha desde o início do século, com
a formação de uma indústria de substituição de importações de bens de consumo
correntes (tecidos, calçados, alimentos ).
Logo depois de 1929 a indústria diminuiu seu ritmo de crescimento, mas em 1933
ela voltou a crescer de forma acelerada. Entre 1929 e 1939 a indústria cresceu
125%, enquanto a agricultura não cresceu mais que 20%. Durante a Segunda
Guerra Mundial a taxa de crescimento baixou pela impossibilidade de se importar
máquinas e outros equipamentos, mesmo assim houveram grandes avanços no
setor. No pós-guerra o crescimento industrial continuou e em meados de 50, a
indústria superou a agricultura no produto nacional bruto.
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
“O surto de desenvolvimento industrial nos anos 30 resultou de múltiplos
fatores. Um dos mais importantes foi a diminuição da capacidade de importar
por causa da crise, enquanto era mantido um certo nível de renda interna,
pela intervenção governamental, que sustentou os preços do café. Outro fator
importante foi a oferta de capitais, que trocaram a lavoura tradicional em crise
pela indústria. Esta também pôde contar com mão-de-obra barata dos
trabalhadores forçados a abandonar o campo. A intervenção do Estado
também foi fundamental e realizou-se primeiramente de forma indireta, por
meio de várias medidas: tarifas protecionistas foram estabelecidas nos anos
de 1930-1931; ao mesmo tempo, eram dados incentivos fiscais às indústrias,
e a classe operária foi controlada especialmente no tocante aos salários. O
Estado realizou também inúmeros investimentos diretos na montagem de
uma infra-estrutura, especialmente nos setores de energia e transporte, além
da indústria de base que se implantou primeiramente no setor da siderurgia.” (CAMPOS, Raymundo C.B. “ História do Brasil ”, pág. 213-2ª edição–São Paulo: Atual, 1991)
O médico Pedro Ludovico Teixeira2 participava da Aliança Liberal, junto com
Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, presidente de Minas Gerais, e o revolucionário
Antônio de Siqueira Campos. Tendo o movimento revolucionário eclodido em 3 de
outubro, já no dia 4 Pedro Ludovico seguiu para Minas, a fim de juntar-se aos
revolucionários. Retornou prisioneiro para Goiás. Entretanto, foi nesse percurso
alcançado pela notícia de vitória da revolução, e chegou ao destino para assumir a
liderança do movimento vitorioso e como conseqüência, é nomeado interventor no
Estado.
Nesta época, o sudoeste goiano, representado por Pedro Ludovico, teve a
oportunidade de unificar o poder. O Estado de Goiás tinha, e continuou tendo após
a Revolução de 30, uma estrutura econômica agrária arcaica de acumulação ligada
a terra como capital. Goiânia estava portanto distante do modelo getulista de
industrialização, mas de grande importância como centro urbano do centro-oeste.
As idéias de Ludovico eram liberais e progressistas para a época, mas poderiam
levar Goiás a se inserir na Nação efetivando e expandindo o progresso econômico
do Estado, integrando-o à economia do País.
Assim, nomeado interventor por Getúlio Vargas, subiu ao poder liderando o
movimento de renovação das forças políticas, assumiu a mudança da Capital como
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
fator fundamental para se atingir os objetivos, dentro do programa Marcha para o
Oeste2.
A “Marcha para o Oeste” foi uma política de cunho nacionalista e desenvolvimentista
que visava desenvolver e penetrar para o interior do País, em direção à Amazônia.
Goiânia seria um ponto geográfico, político e ideológico desse projeto. Seria o
símbolo do “grande, novo, progresso”, que tiraria Goiás da insignificância política
econômica e seria o ícone da nova estrutura nacional.
De 1930 a 34 Pedro Ludovico foi interventor, em 34 foi eleito governador por vias
indiretas e em 1937 foi novamente nomeado interventor. Com esses títulos, ele
correspondia exatamente aos anseios políticos e administrativos do presidente, que
se fortalecia cada vez mais com o auxílio dos governos estaduais e municipais
A propaganda política para sua permanência no poder era a transferência da capital.
Duas justificativas argumentavam essa idéia, a primeira era que a nova capital seria
também um novo centro econômico e um pólo de desenvolvimento para Goiás, pois
valorizaria terras, melhoraria os transportes e consequentemente a comunicação
com as principais regiões do País, além de atrair investimentos. Em segundo lugar
(e mais importante), a transferência da capital representaria o enfraquecimento da
antiga oligarquia oposicionista, ou seja, seria criado um novo eixo político para o
Estado. Para a pesquisadora Márcia Metran Mello,
“A transferência da capital passou a ser bandeira de Pedro Ludovico, um
projeto político para sua sustentação no poder. Duas idéias principais davam
suporte a esse projeto. A primeira preconizava a nova capital como um novo
centro econômico capaz de trazer novos investimentos, valorização das
terras, melhoria dos transportes, enfim, um novo polo de desenvolvimento
para o Estado. A segunda defendia a mudança do eixo político do Estado, já
que Vila Boa de Goiáz era a sede do antigo governo e o principal reduto da
oposição ao grupo que apoiava Pedro Ludovico”. (MELLO, op.cit.)
Ainda segundo o historiador Nasr Fayad Chaul, quando em 1937 Getúlio Vargas
anunciava o Estado Novo, o interventor em Goiás já se antecipara com uma política
que “estabelecia o pânico e censurava as tipografias”, reafirmando seu estilo de
acordo com o qual “o jogo político não era para ser disputado, era para ser vencido,
não importando os meios” (CHAUL, 1984), em 23 de março de 1937, com maioria na
2 Considerada a construção de Goiânia como fruto da revolução de 1930, foi escolhida a data de 24 de outubro, que assinala a vitória da revolução, como dia do lançamento da Pedra Fundamental. O Município instalou-se em 20 de novembro de 1935 e teve seu batismo cultural em 5 de julho de 1942.
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
Assembléia, Pedro Ludovico Teixeira assinara o decreto de mudança da capital
repetindo o que já declarara a manifestantes;
“Quereis a capital aqui? Pois bem; com a lei ou sem a lei, pela força do direito
ou pelo direito da força, tê-la-eis aqui muito em breve”. 3
A transferência da capital não se processou de forma tranquila, pois a oligarquia
dominante de Vila-Boa lutou fortemente para não perder o seu poder. Dona da
cidade procurou manter o controle da camada média da população, com
dependência econômica, política e cultural.
A comissão encarregada da escolha do local / adaptação da nova cidade a ser
edificada era bem heterogênea e se compunha dos seguintes membros: Dom
Emanuel Gomes de Oliveira (como bispo, tinha um papel apaziguador entre os
demais), Engenheiro João Argenta (urbanista), Dr. Colemar Natal e Silva
(advogado), Coronel Antônio Pirineus de Sousa (oficial superior do exército), Dr.
Laudelino Gomes de Almeida (chefe do serviço sanitário do Estado), Antônio
Augusto Santana e Gumercindo Alves Ferreira (comerciantes), além do engenheiro
do Estado.
Com exceção do engenheiro-urbanista João Argenta, os membros nomeados não
receberiam pelo serviço, a não ser as despesas pelas viagens. A comissão
percorreu Bonfim, Pires do Rio, Ubatan e Campinas, examinando os locais para se
decidir qual seria o mais apropriado para a construção da nova capital. A comissão
técnica deu preferência à área situada próxima à Campinas.
As exigências levadas em consideração para a escolha do local foram a proximidade
com a Estrada de Ferro Goiás, clima bom, boa situação topográfica e mananciais de
água fáceis de serem aproveitados e que pudessem abastecer uma cidade de
população acima dos 500 mil habitantes. (TEIXEIRA, 1973)
Decidida a sua construção, por decreto de dezembro de 1932, teve o local definido
para a sua instalação já em março de 1933, baseado em relatórios da comissão
encarregada de escolher o local da nova cidade capital.4
Em 4 de março de 1933 essa comissão assim se manifestou:
3 Relato do historiador Nasr Chaul publicado em caderno especial do jornal O Popular de Goiânia, 20/3/99.4Comissão presidida pelo Bispo de Goiás Dom Emanoel Gomes de Oliveira, e integrada por técnicos como o eng. João Argenta e Jerônimo Curado Fleury, o médico Laudelino de Almeida e o coronel Antonio Pirineus de Souza, Colemar Natal e Silva, advogado, e os comerciantes Antonio Santana e Gumercindo Ferreira.
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
“...a nova capital seja construída em Campinas, nas proximidades da
“Serrinha”, situada na direção azimutal de 130 (cento e trinta) graus ou, em
caso de urgência, em Bonfim”. (TEIXEIRA, 1973, p. 75)
Baseado nesse documento, o Decreto 3359 de 18 de maio de 1933, determinava
que a região às margens do Córrego Botafogo, compreendida pelas fazendas
denominadas Criméia, Vaca Brava e Botafogo, no Município de Campinas, fosse
destinada à construção da nova capital. Em julho de 1933, o urbanista Attílio
Corrêa Lima é contratado para o projeto da futura capital do Estado, conforme o que
estabelecia o decreto 3547. Na realidade o contrato fora firmado com a firma do
Rio de Janeiro, P. Antunes Ribeiro & Cia., da qual Attílio C. Lima era o preposto. 5
O território destinado a construção da nova capital foi formado a partir de doações,
mas principalmente de permutas e vendas de terras, tornando o Estado o
proprietário do território de 3 643 hectares e 14 ares. Os fazendeiros doadores de
terras tiveram o privilégio no processo de construção e povoamento da cidade, na
reserva de áreas do núcleo urbano para sua habitação e a super valorização
previsiveis. Tiveram ainda outros privilégios na exploração de materiais necessários
à construção da cidade, como madeiras, saibros e areia.
A Prefeitura de Goiânia era a gestora do território, instalou-se em Campinas gerida
por Venerando de Freitas Borges, prefeito no período 1935-1945.
As obras foram iniciadas através de empréstimos realizados pelo governo Federal,
além de doações de verbas feitas também pelo Governo Federal. O interventor fez
publicar em 13 de janeiro de 1933 o Decreto 2 851, em que autoriza os empréstimos
estaduais.
4. O URBANISTA DA NOVA CAPITAL
Attílio Corrêa Lima, nasceu em Roma em 1901, filho de escultor brasileiro que na
época havia recebido prêmio de estágio na Itália pela Escola Nacional de Belas
Artes, tendo a família retornado ao Brasil pouco tempo depois. Na adolescência
cursou a Escola de Belas Artes como aluno livre, diplomando-se engenheiro-
arquiteto em 1925, pela mesma escola.
5 Alfredo Agache, teria sido procurado por Pedro Ludovico, mas não foi encontrado no país. Dois outros nomes foram sugeridos por Colemar Natal e Silva, assessor de Pedro Ludovico: Attílio C. Lima e Armando Augusto de Godoy. (CORDEIRO, Narcisa 1989)
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
Attílio havia trabalhado inicialmente na área de paisagismo, tendo-se classificado em
2o lugar no concurso para o ajardinamento da ponta do Calabouço, no centro do Rio
de Janeiro. Integrou logo depois a equipe da Diretoria de Obras Públicas do Distrito
Federal. (ACKEL, 1996)
Em 1926, ganhou da Escola de Belas Artes o “Prêmio de Viagem ao Exterior”, que
consistia em estágio de aperfeiçoamento profissional em Paris.
Attílio C. Lima realizou seus estudos entre 1927 e 1930. Foi o primeiro brasileiro a
apresentar tese ao Institut d’Urbanisme de L’Université de Paris. O famoso Instituto,
que se constitui numa das principais escolas de urbanismo do mundo, surgiu em
1924 como continuidade de l’Ecole des Hautes Etudes Urbaines - integrado por
professores como Alfred Agache, Leon Janssely, Henry Prost e J.M.Greber, entre
outros. A maioria era integrante da Société Française des Urbanistes-SFU, criada
em 1913. O Instituto destacou-se ainda com a publicação de La Vie Urbaine, órgão
privilegiado de publicação dos trabalhos de l’I.U.U.P., em particular de seus
estudantes, incluindo-se a tese de Attílio C. Lima.6
Em 1930, Attílio C. Lima defende tese intitulada “Avant-projet d’aménagement et
extension de la ville de Niteroi-au-Brésil”, sob orientação de Henry Prost, professor
dedicado à técnica de planos e construção de cidades, com experiências no
Marrocos.7
A segunda parte de sua tese apresenta uma exaustiva pesquisa da evolução
histórica do meio geográfico da cidade de Niterói, sua estrutura e propostas de
organização, insistindo no caráter imprescindível da construção de uma ligação Rio-
Niterói, através de túnel ou ponte, conjugada com meio de transporte contínuo, que
evitaria a congestão da capital. 8
Como aluno, seguiu modelos relacionados com trabalhos profissionais dos
professores, realizados em cidades do interior da França, alguns até vencedores
de concursos internacionais, haja visto que o urbanismo francês se destacava entre
os mais avançados do mundo.
Em 1929, Attílio C. Lima trabalhou com o professor Alfred Agache em Paris, tendo
esta relação sido muito útil ao prof. Agache na realização do Plano de Remodelação
e Embelezamento do Rio de Janeiro. 6 A tese de Attílio foi exposta no Salon d’Architecture de Paris, em fevereiro de 1931, e publicada nos números 8 de 15/03/32, e 9 de 15/05/32, da revista, órgão oficial do corpo docente. 78 GIBACIER, Anne. L’Institut d’Urbanisme de Paris et L’Amerique Latine. Análise dos estudos sobre o urbano realizadas por profissionais da América Latina. Centre de Recherche sur l’habitat-Ecole d’Architecture Paris-La Défense. (xerox, s.d.)
13
A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
Muitas vezes citado por Attílio C. Lima em seus trabalhos profissionais, o urbanismo
inglês de Raymond Unwin, significou importante influência na sua formação, que
pode ser observado comparando-se Letcworth e Goiânia. (ACKEL, op. cit.)
Conforme o relato do professor Edgar Graeff referindo-se ao partido urbanístico
adotado por Attílio C. Lima para a nova capital, onde “Attílio revela francamente suas
fontes de inspiração e seu desejo de grandeza”.
”Quando o arquiteto aponta Versalhes, Karlsruhe e Washington como fontes
de inspiração da faceta monumental da cidade em gestação, busca apoio em
uma arquitetura que teve seus momentos de esplendor no século XVIII, como
expressão arquitetônica da monarquia absoluta”. (GRAEFF,1985, pp.12-16)
Ao findar a década de 20, os arquitetos brasileiros já se colocavam de frente ao
problema da resposta da arquitetura aos novos programas e novas possibilidades.
“O modernismo brasileiro foi interrogar o passado, a tradição, em busca de
elementos para construir uma imagem que afinal desse sentido ao Brasil moderno”. (MARTINS, 1992)
A produção cultural modernista nacional procura inserir o país nas discussões
internacionais, assimilando o modo de pensar das vanguardas européias, envoltas
nas questões do pós-guerra, chegando ao final da década em meio a
transformações políticas e econômicas profundas.
Após a Revolução de 30 com o país sob forte ditadura, os edifícios públicos
tomaram formas monumentais, expressando os órgãos que abrigavam. Nessas
edificações observa-se a expansão das funções do Estado, que nasce e se
consolida num “sistema de edificações públicas”.
Na época, são instruídos os escritórios técnicos a contribuir para soluções
modernizadoras e de aperfeiçoamento da arquitetura, buscando fundamentalmente
atributos técnicos, funcionais e simbólicos das edificações “como recursos adicionais
de renovação dos métodos de trabalho na administração pública e de exaltação
progressista das realizações do governo”. (LOPES, 1993, p.28)
Devemos observar que a chegada ao Brasil, em 1923, do arquiteto Gregori
Warchavichik, representa a introdução da arquitetura moderna no País. Nessa
época, encontravam-se os arquitetos brasileiros, em sua maioria, ainda envolvidos
em cópias e adaptações de projetos monumentais neoclássicos, apesar de já haver
alguma discussão interna sobre o caráter da produção artístico/arquitetônica.
14
A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
De formação tradicionalista, Warchavichik vinha de um ambiente clássico dominado
pelo arquiteto italiano Marcelo Piacentini, porém influenciado por Adolf Loos e
movimentos de vanguarda como a Bauhaus. Ao publicar no jornal Correio da
Manhã o artigo “Acerca da arquitetura moderna”9, traz para a arquitetura brasileira o
debate em curso na Europa.
A produção da arquitetura moderna buscava os métodos da racionalidade, a
precisão numa idéia de arquitetura funcional, objetiva, lógica, uma conduta estranha
ao repertório estético-artístico.
Em estudo sobre a obra de Lúcio Costa e o discurso do modernismo brasileiro o
Prof. Carlos Alberto Martins conta que o momento-chave da ruptura ocorre com o
concurso da Sociedade das Nações, em 1928, quando Le Corbusier teve seu projeto
recusado. O poeta Karl Teize escreveu texto de crítica extremamente violento
contra Le Corbusier, acusando-o de ter traído os princípios da arquitetura moderna.
Como resposta, Le Corbusier publica “Em defesa da Arquitetura”, uma veemente
declaração de novos rumos para a arquitetura. (MARTINS, 1987)
Ao visitar o Brasil, em 1929, Le Corbusier está envolvido nessa polêmica, e talvez
por isso, conforme nos diz Carlos Martins, “a opção da viagem à América Latina é
também a dedicar-se aos projetos que ninguém pediu”. (MARTINS, op.cit.)
No início das investidas dos arquitetos brasileiros na arquitetura moderna, portanto,
Attílio C. Lima estava vivendo sua pós-graduação em Paris. Participando das
transformações da arquitetura em um outro ambiente, inclusive no Congresso
Internacional de Urbanismo em Paris no ano de 1928, e afastado das discussões
que passam a envolver principalmente os arquitetos cariocas
Ao ser contratado para o projeto da nova capital de Goiás, Attílio C. Lima produz
relatório preliminar afirmando seu pensamento:
“Da topografia tiramos partido também para obter efeitos de perspectiva, com
o motivo principal da cidade que é o centro administrativo. Domina este a
região e é visto de todos os pontos da cidade e principalmente por quem nela
chega. As três avenidas mais importantes convergem para o centro
administrativo, acentuando assim a importância deste em relação à cidade,
que na realidade deve-lhe a sua existência”. (LIMA,1933)
9 Versão de seu texto em italiano Futurismo?, anteriormente publicado no jornal Il Piccolo, da colônia italiana
15
A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
Attílio realizou ainda estudos para a Cidade dos Motores FNM no Rio de Janeiro; o
Plano de Volta Redonda (1941); o Plano Urbanístico de Recife (1942); conjuntos
residenciais da Várzea do Carmo e Heliópolis em São Paulo; a Estação de
Hidroaviões no Rio de Janeiro, e outros projetos, tendo falecido prematuramente em
decorrência de acidente aéreo na Baía de Guanabara em 27 de agosto de 1943.
5. O PLANO DE ATTÍLIO PARA A CIDADE
O projeto de Goiânia contratado com Attílio através da firma do Rio de Janeiro,
P.Antunes Ribeiro, seguia requisitos detalhados no decreto de contratação,
estabelecendo a população de 50 mil habitantes, e condicionantes rígidos para os
programas dos edifícios a serem construídos para os órgãos oficiais de governo, e
20 tipos diferentes de casas para funcionários. Estabelecia ainda o decreto, as
plantas, desenhos e inclusive as escalas em que deveriam ser desenhados os
projetos (1: 5000 para a cidade e 1:1000 a área destinada a 15 mil pessoas) à
serem submetidos ao governo para aprovação prévia.
Primeiramente, Attílio deslocou o centro da cidade para outro eixo, diferente do
anterior, que segundo sua opinião estava distante da estrada de rodagem e do ponto
mais alto onde ficaria o reservatório. O traçado procurava tirar partido da topografia,
no caso com uma declividade mais suave (2% em média), o que preveniria
enxurradas.
Para que sua proposta fosse mais facilmente compreendida, o arquiteto
contextualizou a importância de Goiânia política e economicamente para a região.
Sendo a cidade centro administrativo do Estado, ele tirou partido do centro
administrativo: esse local teria um grande destaque, sendo de fácil localização por
todos que estejam na cidade. A perspectiva ficaria evidente ao se caminhar pela
Avenida Anhanguera. De lá o observador poderia notar “três pontos de vista
diversos ao cruzar as três grandes avenidas que convergem para aquele centro.” (LIMA, op.cit.)
O traçado da cidade, estabelecia um centro, composto de Praça Cívica, três grandes
avenidas que convergem para aquela praça. Reproduzindo o desenho de Versailles,
localiza no ponto de convergência o centro do poder, o Palácio das Esmeraldas.
Buscava aí uma “certa monumentalidade”, e afirmava, “guardando as devidas
16
A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
proporções, o efeito monumental procurado é o princípio clássico adotado em
Versailles, Karlsruhe e Washington”. (LIMA, op. cit.) (Fig.4)
Os demais setores da cidade foram organizados em um desenho de malhas
ortogonais que, diferentemente de Belo Horizonte, se acomoda à topografia do
lugar.
Figura 4: Plano de Attílio Corrêa Lima para Goiânia.
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
O núcleo central da cidade foi também inspirado pelo centro que Unwin traçou
para Letchworth, próximo de Londres em 1903, como protótipo de cidade-jardim
concebida por Ebenezer Howard em fins do século passado.10 Da proposta de
cidade-jardim de Howard, que buscava as vantagens de uma relação cidade-
campo, Attílio C. Lima se apropria do conceito de setorização das funções da
cidade.
O projeto da cidade, seguindo tendências modernas, foi definido em 5 zonas: Centro
Cívico, inicialmente Praça Couto de Magalhães, atualmente Pedro Ludovico embora
reconhecida apenas como Praça Cívica, que abrigaria todos os edifícios públicos
das administrações federais, estaduais e municipais, e um monumento
comemorativo da fundação do Estado e a figura de Ananguera; Centro Comercial,
“uma rede de ruas e avenidas com largura suficiente para satisfazer ao tráfego por
várias décadas”, e quando necessário fazer o alargamento dessas vias sem a
necessidade de desapropriação; áreas Urbanas e Suburbanas; Zona Industrial, na
parte mais baixa da cidade, próxima ao local previsto para a construção da estrada
de ferro; zona residencial, distanciada das áreas de movimento mais intenso e zona
rural. O plano é rico em áreas de parques como o Buritis com 40há resultante de
drenagem da antigo Buritisal e em cujas águas deram origem a um lago recreativo; o
Botafogo com 54ha e Paineira com 16há; praças amplas e jardins num total de
162ha destinados ao lazer e recreação. Na opinião do professor Edgar Graeff, “no
plano de Attílio C. Lima, a estrutura urbana converge para o centro administrativo,
onde as vias radiais conformam um grande asterisco. Com esse traçado
monocêntrico a cidade tenderia a adquirir uma certa feição barroca, pelo menos sob
os aspectos gráfico e de circulação”. (GRAEFF,1985, p.18)
A cidade teria espaços livres distribuídos em parques, parkways com largura mínima
de 50m, jardins, playgrounds , estacionamentos arborizados, praças ajardinadas,
aeródromo, áreas para esportes e vias públicas (essas áreas totalizariam 375
hectares dentro de uma área projetada de 1082 hectares). As praças e cruzamentos
deveriam funcionar em
circulação giratória; todas as ruas deveriam ser arborizadas para uma melhor
climatização da cidade e as principais avenidas deveriam dispor de jardins, segundo
Márcia METRAN (1996) “enfatizando o caráter artístico e monumental, já
evidenciado por sua largura superior às outras vias”. Os lotes urbanos teriam em
10 A 15Km de Letchworth, foi construída a segunda cidade- jardim, a “Welwin Garden City”, para 50.000 hab.
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
geral uma área de 360 m², com frente nunca inferior a 12 metros, podendo ser
maiores à medida em que se afastassem do centro da cidade.
Não existem no seu desenho as avenidas diagonais de Washington e Belo
Horizonte, mas está presente o caráter paisagístico monumental de centro urbano,
estabelecendo, além da Praça Cívica, outros pontos de atração urbana, como a
praça do Bandeirante, a Estação Ferroviária e a Avenida Paranaíba como um
bulevar, um grande arco que liga as três avenidas principais da cidade.
Em seu relatório, Attílio C. Lima afirma seu pensamento de que
“...foi nossa intenção criar um sistema ideal típico, livre das influências
políticas, como só acontece nos grandes centros. Assim, previmos, dentro
das normas de divisão racional do trabalho, um sistema simples formando
uma engrenagem que por si só se moverá, evitando o mandonismo, doença
peculiar a nós brasileiros”. (LIMA, op.cit.)
Referia-se aí, à ausência de um pensamento voltado ao planejamento dos espaços
urbanos como prática contínua, e utilizado apenas como obra política.
Esse procedimento, demonstra a intenção de estabelecer um conceito moderno e
eficiente de cidade e, conforme observou a arquiteta Márcia Metran Mello, “para
Attílio C. Lima, o plano de uma cidade não era apenas um exercício gráfico”. (MELLO, op.cit.)
O desenho de Attílio C. Lima continha uma certa “modernidade” no zoneamento,
uma grande preocupação com os espaços públicos, sua monumentalidade, mas é
também a visão de um urbanismo pinturesco. Certamente como conseqüência de
sua formação, marcada por seus trabalhos iniciais de paisagista, na praça cívica,
não são monumentais os edifícios públicos, mas a organização dos jardins.11 (Fig.5)
O contrato do urbanista Attílio C. Lima era bastante amplo com um programa
intenso de etapas a cumprir que não se restringiam ao desenho da cidade, mas
também aos projetos dos edifícios administrativos, abastecimento d’água, redes de
esgoto e águas pluviais, coleta de lixo, legislação de uso do solo, entre outras.
11 O ajardinamento da cidade, principalmente da Praça Cívica, é descrito por Celina Manso (1995), em sua proposta de renovação da Praça, onde ressalta o estudo realizado sobre a flora de Goiás. Ver também levantamento detalhado como resgate do desenho original do centro da cidade, em estudo realizado por MANSO, Celina (Especialização em Desenho Urbano, PUCCAMP-1996).
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
Figura 5: Goiânia, perspectiva da Praça Cívica.
Eram inúmeras as dificuldades para implantação da cidade, dentre elas se
incluem as divergências entre Attílio C. Lima, urbanista de ampla formação
cultural, e os irmãos engenheiros Jerônimo e Abelardo Coimbra Bueno, recém-
formados e proprietários da principal empreiteira, contratada para construção dos
mais importantes edifícios da cidade.
Attílio realizou o Plano Diretor da cidade com;
- O Setor Central com o Centro Administrativo em torno da Praça Cívica, a Zona
Comercial e uma parte da Zona Rersidencial;
- Setor Norte além da Av. Paranaíba com a área Habitacional Operária; Zona
Industrial;
- Setor Sul.
- Projetos de arquitetura:
-Palácio de Governo, aprovado em 28/08/1933;
-Prefeitura, aprovado em 28/10/1933;
-Hotel, aprovado em 28/10/1933;
-Residências tipo, para funcionários.
Freqüentes atritos com os engenheiros construtores levam Attílio C. Lima a deixar o
cargo de diretor das obras, afastando-se dos projetos, com a rescisão do contrato
em 26 de abril de 1935. O motivo ou motivos do afastamento de Attílio não está
devidamente documentado, podendo ter sido motivado por atraso no cumprimento
dos contratos de projetos; descontentamento geral do governo com as diretrizes
20
A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
estabelecidas por Attílio nas obras; falta de pagamento ao arquiteto; insatisfação de
Attílio com as alterações efetuadas em seus projetos pela firma Coimbra Bueno, de
caráter especulativo.
De acordo com estudos de Dulce Portilho Maciel (1996), possivelmente essa
decisão de Attílio C. Lima tenha sido tomada em virtude de o governo do Estado ter
assinado em 4 de dezembro de 1934, um contrato com a firma Coimbra Bueno &
Pena Chaves Ltda., depois chamada Coimbra Bueno & Cia. Ltda., para a
realização de toda e qualquer ação relacionada com a produção do espaço físico na
nova cidade. (MACIEL,1996)
Ainda segundo levantamentos de Maciel, tal contrato delegava inclusive poderes de
atos que de ordinário são competência do Estado. A questão se agrava quando os
Coimbra Bueno empenham-se em que o projeto de Corrêa Lima, seja “submetido a
avaliação por uma comissão de especialistas da área”.
Os Coimbra Bueno, passaram a responder, entre outras atribuições, por uma
unidade da administração pública estadual, a Superintendência da Construção de
Goiânia12. Mais tarde, em 1936, os irmãos Coimbra Bueno recebem o título de
“Construtores da Cidade de Goiânia”, e Jerônimo Coimbra Bueno, tornou-se
governador do Estado em 1947. (MACIEL, op.cit.)
6. O NOVO PLANO DA CIDADE-ARMANDO GODOY
Em substituição a Attílio C. Lima, foi contratado pela firma Coimbra Bueno, como
consultor para o desenvolvimento do projeto da nova capital, o engenheiro Armando
Augusto de Godoy, funcionário do Distrito Federal, tendo participado do plano de
Agache.13
Sua relação com a nova capital de Goiás era antiga, já tendo produzido relatório
encaminhado ao interventor sobre a localização da nova cidade, após visita ao local
escolhido pela comissão de localização. Nesse documento, oferece inúmeras
sugestões de medidas a serem adotadas no programa de construção da capital.
12 A firma CoimbraBueno enviou relatório que dava noticia da contratação do Engenheiro Armando de Godoy, além de Salvador Batalha, arquiteto e professor da Escola Nacional de Belas-Artes; os engenheiros, Jorge Diniz Carneiro, Arthur Widerowtz e Werner Sonnemberg, além do desenhista F.Feital.13 O engenheiro Armando Augusto de Godoy, foi o primeiro presidente da Comissão do Plano da Cidade do Rio de Janeiro, nomeado pelo prefeito Antonio Prado Júnior. Sobre Goiânia, seu relatório está integralmente publicado no livro de sua autoria A urbs e seus problemas, 1943, pp.211 a 229. (ACKEL, 1996,p.83)
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
Em palestra “As grandes perspectivas e problemas do Estado de Goiás” realizada
no Rio de Janeiro, Godoy afirmou que, tendo sido inicialmente convidado para o
projeto da capital, não pôde aceitar devido a outros afazeres. (ACKEL, 1996, p.100)
Mais tarde, ao aceitar o novo convite, afirma: “A revisão do plano de Corrêa Lima me
foi confiada por insistência do Dr. Pedro Ludovico Teixeira. Aceitei-a por tal motivo,
influindo também algo, a circunstância de ter sido eu o primeiro técnico que se
convidara para estudar o problema do traçado da nova cidade”. (ACKEL,op.cit., p.100)
Godoy expressava seu pensamento no primeiro relatório, e definindo a cidade
moderna e sua ação civilizadora e econômica;
“...no lugar onde se estabelece uma cidade moderna e bem aparelhada, surge
a trindade econômica sobre que se baseia a atividade natural, que é ao
mesmo tempo industrial, bancária e comercial, valorizando a terra numa
grande extensão e evitando o êxodo das fortunas que nela se formam, bem
como a emigração de seus habitantes, principalmente dos que constituem a
elite, os quais, é natural, só se sentem bem onde encontram campo vasto
para as suas atividades espirituais”.14
As modificações efetuadas por Godoy foram extremamente profundas:
- modificação do zoneamento com alteração da maioria das zonas do projeto de
Attílio;
- criação de novas zonas, Diversões no Setor Central, Zona Universitária entre a
Zona de Diversões e Pq. Buritis; Zona Militar entre a Ferroviária e campo de
aviação; Zona Residencial de luxo junto à represa do Jaó;
- redefinição dos limites intra-urbanos (setores) e suburbanos;
- redefinição das áreas livres
- criação do anel verde contornando o núcleo urbano;
- criação de ‘park-way’ em torno da represa do Jaó;
- criação do cemitério ‘Jardim dos Mortos’, com reestruturação do cemitério de
Campinas;
Mas foi no Setor Sul que as alterações se consolidaram de forma mais forte,
buscando um tratamento mais efetivo de cidade-jardim. 15 O tratamento do interior 14 Em 3 de maio de 1936, a imprensa oficial do Estado de Goiás noticiava que Godoy percorreu os Estados Unidos em viagem de pesquisa, e mantinha contatos com centros americanos, em relação a informação de soluções urbanísticas comprovadas na prática.15 Encontramos, em Relatório de Attílio de 1933, a idéia de usar este tipo de desenho. “Introduzimos, também, algumas quadras de grandes dimensões, tendo no seu interior uma série de lotes segundo o sistema de cul de sac. Nestas ruas internas procuramos sempre dar uma área bastante dilatada no seu interior, a fim de servir
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
das quadras do setor sul foi o passo na direção das unidades de vizinhança das
quadras tais como em Radburn, cidade da Inglaterra, onde belos e acolhedores
parques propiciam lazer e conduzem pessoas aos equipamentos de bairro, tais
como a escola, o centro comunitário e lojas. (Fig.6) Esse sistema interno das
quadras está articulado com o planejamento das vias entre as quadras,
“possibilitando ao pedestre circular pela cidade com grande independência do
automóvel”. (OTTONI, 1996, p.77)
Godoy realizou um novo plano da cidade e estabeleceu etapas de implantação;
primeiro os setores central e norte, seis anos mais tarde o setor sul e só
posteriormente o setor oeste; regulamentou o desenvolvimento, produziu legislação
urbana e fez previsão de cidades satélites.
Entretanto, atribui-se a Godoy apenas o projeto do setor sul, “com características
das moderníssimas cidades americanas...”, na afirmação de Câmara Filho.16
Ao refazer o projeto da cidade, Godoy estabeleceu uma nova praça, a Praça do
Cruzeiro, em contraponto com a Praça Cívica, com avenidas convergentes em
“asterisco”, e quadras orgânicas acomodadas à topografia, com amplos espaços
livres para áreas de lazer, liberando-se as tradicionais ruas para o sistema viário,
que ele antevia como intenso. Segundo Graeff, esta reformulação do plano
desestruturou o “monocentrismo de ranço barroco” proposto por Attílio C. Lima, ao
criar esta segunda praça em “asterisco”. Sobre seu trabalho em Goiânia, Godoy
afirmou em entrevista publicada no jornal Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro,
“...tive oportunidade de rever o Plano Corrêa Lima, não para melhorá-lo, porque não
se pode melhorar obra perfeita, mas para aumentar nele as linhas urbanísticas da
zona sul de Goiânia, a ser futuramente edificada”. (MACIEL, op.cit.)
Em março de 1937 o relatório da firma Coimbra Bueno afirma que, “dos estudos,
resultou o abandono, em tudo que ainda era possível, do anteprojeto Corrêa Lima”. (QUEIROZ & CORDEIRO, 1990)
para recreação de crianças”. ( LIMA, Attílio Corrêa, “Relatório sobre a nova Capital”, 1933)16 Não há menção de autoria dos projetos dos demais setores, sendo que o setor oeste seria projetado mais tarde pelo engenheiro José Neddermeyer que, na época, era presidente da empresa paulista Lar Nacional S.A. que atuava em Goiânia sob contrato do governo estadual. (MACIEL, 1996)
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
Figura 6: Plano de Goiânia modificado por Armando de Godoy.
7. O CRESCIMENTO E A PERDA DO CONCEITO DE ATTÍLIO
A idéia de monumentalidade de Attílio C. Lima, no entanto, acabou por se perder
dentro de seus próprios princípios, já que a abundante arborização obstruiu as
perspectivas.
Acredito que perdeu-se a identidade de centro monumental da Praça Cívica17,
envolvida pela reprodução do sistema de “asterisco”, e ainda, o crescimento das
atividades burocráticas do Estado implicaram na construção de um anexo, por
detrás do Palácio das Esmeraldas, com 12 pavimentos, o que, observadas as
perspectivas do Attílio C. Lima, funciona como um pano de fundo da praça,
completamente fora de escala. (Fig.7)
17 Ver estudo realizado por MANSO, Celina (PUCCAMP 1996). Um levantamento detalhado como resgate do desenho original do centro da cidade.
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
Figura 7: Centro Administrativo como pano de fundo da Praça Cívica e Palácio das Esmeraldas.
Assim, o centro de Goiânia exibe um desenho de certo modo aristocrático e barroco
de Versailles e Letchworth, o Setor Sul, nas modificações de Godoy, busca
referências em Welwin de Luís de Soissons, e o restante da cidade se submete às
clássicas quadras convencionais de 60x250m, com amplas avenidas que separam
conjuntos de quadras, e um sistema viário de vários entroncamentos do tipo rótulas
ou “carrefour”.
Observa-se hoje que o desenho do Setor Sul permanece em grande parte
inalterado. A utilização de seus espaços, entretanto, não corresponde ao que foi
intencionado. Os amplos espaços públicos nos interiores das quadras não são de
forma alguma utilizados, ou o são para trânsito de acesso às casas que foram
construídas nos desmembramentos dos lotes originais.
A cidade, que inicialmente se desenvolveu na direção centro-norte, a sua população,
que em 1950 era de 53 000 hab. passou em 1960 a 151 000, de 188% de
crescimento, um recorde nacional ocorrido principalmente nos setores Sul e Oeste.
O crescimento da cidade continuou bastante acelerado, ultrapassando hoje de um
milhão de habitantes.
Gradativamente, e facilitado pelo traçado generoso das avenidas, a cidade foi se
esparramando pelo território, ocupando os espaços com novos loteamentos em
direção sul. Novos bairros e loteamentos reproduziram o conceito de centro em
”asterisco”, com o parcelamento em lotes e quadras convencionais dentro de um
traçado de tabuleiro de xadrez.
O crescimento do número de automóveis ocorrido na década de 80, trouxe novos
problemas urbanos, para uma cidade interiorana, embora capital, passando então
por vários Planos de Reordenamento.
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A formação do Espaço Urbano x Mobilidade da População
Como a cidade não é dotada de um transporte coletivo eficiente, exclusivamente
atendida por ônibus convencional, a população se utiliza potencialmente do
automóvel particular. O tráfego inicialmente se fazia de certa forma organizado por
rótulas nos cruzamentos, estas rótulas estão sendo substituídas por sinais
luminosos colocados após o cruzamento que, consideradas as dimensões das
avenidas, tornam-se extremamente perigosos, e não garante a travessia de
pedestres.
Na década de 70 foram introduzidas modificações no sistema de transporte coletivo,
com assessoria ao arquiteto Jaime Lerner, estabelecendo dois eixos principais de
transporte, norte-sul e leste-oeste, proposta não desenvolvida integralmente e sem a
necessária atualização.
Com a construção da nova capital do País, a modernidade chega a Goiânia, através
da remodelação de fachadas de residências e a construção de alguns novos
edifícios comerciais.18
8. OUTROS PLANOS DE ORDENAMENTO URBANO
18 Em Goiânia o Art-Déco vigorou nos primeiros edifícios públicos das décadas de 30 e 40. Os primeiros a serem construídos foram: o Grande Hotel, na avenida Goiás, e Palácio de Governo e Secretaria-Geral, que assumiram um aspecto muito genuíno. O estilo Déco estava presente no mobiliário urbano do centro da cidade. (MELLO, 1996)
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