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A FOTOGRAFIA E O ESPECTADOR: UM ESTUDO DE CASO DA PAISAGEM DO BAIRRO BENFICA EM FORTALEZA-CEARÁ Rejane Maria de Souza Possui graduação e mestrado em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará. Atualmente é professora da educação básica da rede pública e privada do Ceará. [email protected] INTRODUÇÃO O bairro Benfica, localizado ao sul do que se denomina centro da cidade de Fortaleza no estado do Ceará, é um espaço que concentra várias atividades, como o comércio, o lazer e a educação. Essa se destaca no bairro devido a instalação de uma das instituições de ensino superior mais importante do estado, a Universidade Federal do Ceará UFC. Esta instituição, ao longo do tempo, alterou significativamente a paisagem do bairro, principalmente com as diversas instalações administrativas e acadêmicas, assim como o intenso fluxo de pessoas nesse espaço, que mantém constantes relações com o Benfica e a Universidade. A paisagem se destaca como um dos importantes conceitos da geografia. A partir dela, são verificadas as práticas culturais refletidas no dia a dia pelos sujeitos do bairro Benfica, sejam eles: moradores antigos, frequentadores, professores, alunos e funcionários da UFC. A paisagem do bairro está em constantes transformações, podendo ser percebida, principalmente, por aqueles que possuem familiaridade com o lugar. No processo de percepção das alterações da paisagem do bairro, buscamos fontes que pudessem complementar o estudo, como a imagem fotográfica. A relevância dessa para a pesquisa é devido à análise dos sujeitos, pois através dela eles puderam observar, analisar e compreender as constantes alterações e preservações que ultrapassaram o tempo, tornando-se espectadores ativos desse processo. A fotografia está inserida em nossa metodologia da seguinte maneira: inicialmente selecionamos 50 entrevistados, divididos em cinco grupos composto por 10 membros, moradores antigos, frequentadores, professores da UFC, alunos e servidores dessa mesma instituição. Com esses realizamos entrevistas semiestruturadas. Através dessas, buscou-se a percepção dos entrevistados sobre as alterações que ocorreram na

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A FOTOGRAFIA E O ESPECTADOR: UM ESTUDO DE CASO DA PAISAGEM DO

BAIRRO BENFICA EM FORTALEZA-CEARÁ

Rejane Maria de Souza

Possui graduação e mestrado em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará.

Atualmente é professora da educação básica da rede pública e privada do Ceará.

[email protected]

INTRODUÇÃO

O bairro Benfica, localizado ao sul do que se denomina centro da cidade de

Fortaleza no estado do Ceará, é um espaço que concentra várias atividades, como o

comércio, o lazer e a educação. Essa se destaca no bairro devido a instalação de uma das

instituições de ensino superior mais importante do estado, a Universidade Federal do

Ceará – UFC. Esta instituição, ao longo do tempo, alterou significativamente a paisagem

do bairro, principalmente com as diversas instalações administrativas e acadêmicas, assim

como o intenso fluxo de pessoas nesse espaço, que mantém constantes relações com o

Benfica e a Universidade.

A paisagem se destaca como um dos importantes conceitos da geografia. A partir

dela, são verificadas as práticas culturais refletidas no dia a dia pelos sujeitos do bairro

Benfica, sejam eles: moradores antigos, frequentadores, professores, alunos e

funcionários da UFC.

A paisagem do bairro está em constantes transformações, podendo ser percebida,

principalmente, por aqueles que possuem familiaridade com o lugar. No processo de

percepção das alterações da paisagem do bairro, buscamos fontes que pudessem

complementar o estudo, como a imagem fotográfica. A relevância dessa para a pesquisa

é devido à análise dos sujeitos, pois através dela eles puderam observar, analisar e

compreender as constantes alterações e preservações que ultrapassaram o tempo,

tornando-se espectadores ativos desse processo.

A fotografia está inserida em nossa metodologia da seguinte maneira:

inicialmente selecionamos 50 entrevistados, divididos em cinco grupos composto por 10

membros, moradores antigos, frequentadores, professores da UFC, alunos e servidores

dessa mesma instituição. Com esses realizamos entrevistas semiestruturadas. Através

dessas, buscou-se a percepção dos entrevistados sobre as alterações que ocorreram na

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paisagem do bairro. Como intermédio entre a percepção dos sujeitos que compõem o

Benfica e as alterações em sua paisagem, foram analisadas junto aos entrevistados,

fotografias de diferentes períodos que compõem a história do bairro.

Foram selecionadas dez fotografias, apresentadas no decorrer do texto, datadas

entre os anos de 1922 a 1968 do século XX. As imagens escolhidas mostram diferentes

pontos do bairro, como uma de suas principais avenidas, Visconde do Cauípe, que hoje é

nomeada Avenida da Universidade, prédios onde estão localizadas instituições de ensino,

como o grupo escolar Benfica e o Ginásio Americano, assim como diferentes imóveis

que pertenciam a importantes personalidade da época, como o do engenheiro João Tomé

de Sabóia e o de José Gentil Alves de Carvalho1, que posteriormente foram adquiridos

pela UFC.

A coleta das imagens foi realizada no arquivo do historiador, pesquisador e

jornalista Miguel Ângelo de Azevedo, mais conhecido como NIREZ. Além da definição

da fotografia como principal fonte, foi realizada a revisão bibliográfica, dando suporte

para a fundamentação teórica e metodológica, assim como a definição do objetivo da

pesquisa, que visa entender as alterações na paisagem do bairro Benfica após a criação da

UFC através da percepção das fotografias antigas pelos diferentes sujeitos que compõem

o bairro. Em virtude da importância desses, e de suas percepções, a base teórica e

metodológica é fundamentada na abordagem realizada pela Nova Geografia Cultural,

formulada a partir da década de 70. Nessa, o espaço geográfico é analisado a partir da

cultura, relacionando os aspectos vividos dos sujeitos. Estes são analisados através das

percepções com o lugar, entrando em discussões as crenças, as emoções, a identidade,

dentre outros.

Em virtude da importância da percepção dos sujeitos sobre a paisagem do bairro

que estamos estudando, o método fenomenológico será a base de nossa análise.

1 José Gentil Alves de Carvalho tem suas raízes no município de Sobral, localizado na região norte do

estado do Ceará. Ele veio residir no Benfica, onde comprou uma chácara para ser a sua residência. A

importância de José Gentil Alves de Carvalho está interligada à compra de terrenos vizinhos a sua

residência no Benfica, construindo diversos tipos de moradia para diferentes classes sociais que estavam se

fixando na cidade de Fortaleza, como profissionais liberais, professores, médicos e advogados. Essa área

demarcada pelas residências construídas pelo empresário ficou conhecida como Gentilândia.

(VASCONCELOS JÚNIOR, 1999).

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Pensaremos os sujeitos da pesquisa não como meros informantes dos dados necessários

para os resultados a serem alcançados, mas como autores, pois a experiência vivida por

eles será a principal fonte de interpretação de nossas reflexões.

A PAISAGEM DO BENFICA E A UFC

O Benfica é um espaço privilegiado para os estudos das paisagens urbanas.

Fatores históricos e atuais fazem do bairro um local onde podemos desenvolver diversas

pesquisas em diferentes áreas do conhecimento, como a geografia, a nossa base para o

estudo a ser apresentado.

A importância do Benfica esteve ligada inicialmente aos aspectos

econômicos, com o caminho de Arroches (COSTA,2007), por onde vinham os gêneros

alimentícios para abastecer algumas áreas da cidade de Fortaleza, como o Benfica e

Jacarecanga, bairros onde residiam importante famílias abastadas da época, destacando

os Mansos Valente e a família Gentil.

Outro importante fato histórico, que se mantém firme na atualidade no

Benfica, foi a criação e fixação da UFC no ano de 1955. A criação da Universidade

consolidou o Benfica como espaço da educação. No entanto, o bairro já possuía outras

instituições de ensino, destacando-se o Ginásio Americano, o Colégio Santa Cecília e o

Ginásio Nossa Senhora das Graças. Ainda que essas instituições tenham deixado suas

contribuições para o contexto educacional do bairro, nenhuma delas alterou de forma

significativa a dinâmica social nesse espaço, como vem acontecendo após a criação da

Universidade (VASCONCELOS JÚNIOR,1999).

As mudanças no Benfica podem ser observadas sob diversas perspectivas,

dentre elas, as alterações na paisagem do bairro. É importante esclarecermos que, mesmo

antes da criação da Universidade, os sujeitos sociais vêm alterando a paisagem de acordo

com suas necessidades. No entanto, acreditamos que após a criação da instituição as

alterações ocorreram de forma mais acelerada, seja com a intensificação do fluxo de

pessoas, ou com o aumento de comércios, ou aquisição de imóveis para as instalações da

principal instituição de ensino superior do bairro e da cidade.

Quando caminhamos pelo Benfica, principalmente na Avenida da

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Universidade, percebemos que muitas construções refletem a intensa presença da

Universidade nesse espaço. Nessa artéria se visualiza inúmeros prédios que pertencem à

UFC, destacando os Centros de Humanidades 1 e 2, a Faculdade de Economia,

Administração, Atuarias e Ciências Atuariais – FEAAC –, a Imprensa Universitária, as

Casas de Cultura, o Museu de Arte da UFC – MAUC – e a Reitoria, que é um símbolo

arquitetônico para a cidade de Fortaleza.

No processo de criação e consolidação da Universidade, esses prédios

passaram por diversas reformas para a adequação da Instituição. A maioria dessas

reformas foram realizadas no espaço interno dos imóveis. Dessa forma, muitos prédios

conservaram sua fachada arquitetônica, propiciando ao observador uma viagem no tempo

e uma percepção de um estilo de morar e viver na cidade em décadas passadas.

As mudanças na paisagem não são sentidas pelas pessoas somente no olhar

as edificações da UFC, mas através do ir e vir de inúmeros moradores, frequentadores,

estudantes, professores e funcionários da instituição que se apropriam desses espaços,

inserindo novas formas, usos e ocupações. Informação essa que pode ser observada nos

grupos reunidos à sombra das árvores, no entorno das cantinas, nos bares, lanchonetes e

nos pontos de ônibus.

O Benfica vai além de um simples bairro de Fortaleza, apresentando-se como

um lugar que simboliza “segurança”, acolhimento e liberdade. Essa observação pode ser

conferida nas manifestações de cunho político e ideológico realizadas no bairro, das quais

podemos explicitar como exemplo o movimento LGBTT2 e suas reivindicações.

O processo de construção da paisagem do Benfica é configurado pela

representação das práticas sociais e, consequentemente, daqueles que a constroem. De

acordo com Luchiari (2001), quem forma a paisagem é a ação humana, cujo conceito

isoladamente é um vetor passivo quando não é somado ao vetor social. É através das

ações praticadas pela sociedade que podemos observar a história, a cultura e outros fatores

na construção do universo subjetivo dos atores sociais.

Collot (1990) realiza diversas considerações sobre a percepção da paisagem.

Para ele, o conceito é constituído como uma totalidade coerente, formando um todo, em

que tanto a coerência como os aspectos contituitivos são elementos que tornam a

2 Significado da sigla LGBTT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

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paisagem apta a ter significações para aqueles que a vivenciam. Ainda para o autor “a

paisagem aprsenta-se como uma unidade de sentidos, ela fala a quem olha” (COLLOT,

1990, p. 24)

A FOTOGRAFIA E O ESPECTADOR

Desde sua origem, a Geografia esteve associada às imagens, fazendo parte da

tradição geográfica conceber as imagens como instrumentos de percepção e compreensão

do mundo. De acordo com Gomes e Ribeiro (2013), nos últimos dez anos houve um

crescente interesse sobre as imagens por parte dos pesquisadores na Geografia,

destacando-se os estudos de “GODLEVSKA, 1999; ROSE, 2003, 2006; DRIVER, 2003;

RYAN, 2003; THORNES, 2004; GOMES, 2007, 2008a, 2008b, 2009, 2010;

COSGROVE, 1993, 2008; BERDOULAY [...]”. (GOMES; RIBEIRO, 2013: 28).

As imagens participam diretamente na construção do pensamento geográfico,

tendo como principal finalidade compreender como se desenvolve uma reflexão a partir

delas ou junto a elas. A importância das imagens na geografia se apresenta, dentre outros,

através de mapas, de gráficos ou tabelas, assim como no plano do simbólico, com análises

profícuas na abordagem da nova Geografia Cultural, estudando os significados das

pinturas, do cinema e da fotografia.

Jaques Aumont realiza significativas abordagens sobre a fotografia em sua

obra titulada A imagem. Ele mostra que na compreensão e análise da mesma há dois tipos

de sujeito: o sujeito operador, que seria o fotógrafo, e o sujeito espectador, aquele que

analisa e interpreta as imagens.

Na compreensão da fotografia pelo espectador são reveladas diversas

interpretações, para cada um a fotografia representará valores distintos, fazendo parte das

práticas culturais ali construídas pela história do lugar. Quando o espectador observa a

imagem, antes de analisar o caráter subjetivo, o mesmo reconhece aquilo que já foi

projetado em sua mente, havendo na fotografia uma relação entre aspectos cognitivos e

subjetivos.

O espectador é um parceiro ativo da imagem, emocionalmente e

cognitivamente; o espectador constrói a imagem e a imagem constrói o espectador

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(AUMONT, 2012). A relação entre a fotografia e o espectador não é uma análise simples,

muitas determinações diferentes e até contraditórias entram no estudo. Além da

capacidade interpretativa, entram na abordagem os afetos, as crenças, as emoções que,

por sua vez, são vinculadas a uma determinada cultura.

Apesar de na fotografia os sujeitos não serem os mesmos, os acontecimentos

terem mudado e a história tome outras conotações, mesmo assim a imagem permanece

como um dispositivo capaz de revelar a memória de uma paisagem em um duplo sentido:

aquilo que aparece e aquilo que permanece como um legado simbólico observado pelo

espectador (REYES, 2005).

Os sujeitos espectadores na pesquisa, como explicamos anteriormente, foram

divididos em cinco grupos, moradores antigos, frequentadores do bairro e estudantes,

professores e funcionários da UFC. A fim de obtermos resultados pertinentes sobre as

alterações na paisagem do bairro, apresentamos a esses as seguintes fotografias antigas

do Benfica.

Fotografia 1 - Palacete do José

Gentil Alves de Carvalho Fotografia 2 - Casa do João

Tomé de Sabóia e Silva

Fonte: Arquivo Nirez, 1932.

Fonte: Arquivo Nirez,1922.

Fotografia 3 - Avenida

Visconde do Cauípe

Fotografia 4 - Grupo Escolar

Benfica

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Fonte: Arquivo Nirez, 1942.

Fonte: Arquivo Nirez,1938.

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Fonte: Arquivo Nirez, 1952. Fonte: Arquivo Nirez, 1952.

Fotografia 7 - Casa pertencia ao Sr.

Francisco Queiroz Pessoa

Fonte: Arquivo Nirez, 1952.

Fotografia 8 - Escola Industrial

Fonte: Arquivo Nirez, 1952.

Fonte: Arquivo Nirez, 1968

Fotografia 9 - Giratório entre a

Avenidas 13 de Maio e Universidade

Fotografia 10 - Portão da

Reitoria

Fotografia 5 – Ginásio Santa

Cecilia

Fotografia 6 - Palacete de João

Gentil

Fonte: Arquivo Nirez, 1958

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Na relação entre as alterações na paisagem, as fotografias antigas do bairro e

os grupos entrevistados, os moradores antigos nos revelaram um significativo saudosismo

ao ver as imagens. O sentimento de pertença e identidade com o bairro é muito forte, pois

ao perguntar se os habitadores gostavam de morar nesse espaço, todos responderam que

sim, mostrando as vantagens de residir nesse lugar, como a proximidade do centro da

cidade, da universidade e dos eventos culturais que ocorrem no bairro.

Quando iniciamos a análise através da percepção dos moradores antigos,

apreendemos que, apesar das mudanças que tinham ocorrido em diversos espaços e na

arquitetura do bairro, muitos reconheciam os lugares apresentados nas fotografias,

lembrando com alegria dos momentos vividos no Benfica, demostrando o sentimento de

pertencimento com o lugar.

Eu adoro morar aqui. Daqui eu só saio para o Parque da Paz3. Eu gosto de

morar aqui primeiro porque foi minha infância, ou seja, a minha vida toda, os

primeiros bares, as primeiras namoradas. O Benfica foi tudo para mim, a minha

missão de vida (informação verbal). 4

Ao realizamos as entrevistas e perguntamos sobre as mudanças que haviam

ocorrido no bairro antes da chegada da Universidade, muitos dos entrevistados ficaram

em dúvida, e outros não sabiam o que responder. Alguns não recordavam como era a

paisagem do bairro antes da fixação da instituição devido à intensidade das mudanças que

aconteceram e continuam ocorrendo. Já outros, por não terem vivido o momento de

criação da Universidade, mostraram indiferença na resposta. No entanto, após verem e

analisarem as fotografias, muitos deles demonstraram que as imagens os fizeram entender

as alterações no bairro. Fato que podemos observar a partir das citações abaixo:

Depois de ver as fotografias com certeza mudou, resgatando a história e a

memória como aquele espaço se modificou, vendo hoje a gente que convive e

passeia pelo Benfica percebe estas mudanças. Eu fiquei surpreso porque

muitos prédios foram derrubados. (informação verbal). 5

3 Cemitério localizado no bairro Passaré em Fortaleza. 4 Francisco Newton de Ferreira Miranda, morador do bairro há 65 anos. Entrevista realizada em Fortaleza,

em dezembro de 2013. 5 Heronilson Pinto Freire, frequentador do bairro. Entrevista realizada em Fortaleza, em dezembro de 2013.

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Depois que eu vi as fotografias deu para perceber que muitas coisas foram

mudadas na paisagem do Benfica, como as casas, os prédios e também tem

muito mais gente andando nas ruas, muitos estudantes que estão aqui no bairro

por causa da UFC (informação verbal). 6

Assim como os moradores antigos, os frequentadores, os professores e

funcionários da UFC e os estudantes da instituição que foram entrevistados durante a

pesquisa de campo mostraram um relativo interesse na análise das fotografias. Muitos

dos estudantes relataram que, apesar de estudarem na UFC, não sabiam muita coisa sobre

a história do bairro e da instituição.

Através das fotografias, eles relataram que puderam conhecer um pouco mais

da história do Benfica e analisar como a paisagem daquele entorno que eles vivenciam

mudou. Mas o que foi bastante significativo na análise com os estudantes, foi que alguns

disseram que depois dessa pesquisa estavam mais interessados em saber sobre a história

do bairro.

Através da percepção da seguinte estudante podemos nos certificar sobre essa

análise:

Depois que eu vi as fotografias eu percebi que o Benfica mudou muito, antes

ele parecia mais um bairro residencial. Estas mudanças podem ser percebidas

em tudo, com a chegada da universidade circula um público totalmente

diferente dos que frequentavam o bairro. Eu não sabia de muitas coisas sobre

o bairro, agora eu vou pesquisar mais [...] (informação verbal). 7

A partir da análise das fotografias em todos os grupos que entrevistamos, as

alterações na paisagem foram perceptíveis, aspectos como a preservação do patrimônio

histórico do bairro e a influência da universidade foram nítidos na análise, ficando claro

que o Benfica vai além de um bairro residencial, apresentando-se como lugar onde estão

presentes relações profícuas entre os sujeitos e o lugar, demostradas através do sentimento

de pertença e das constantes alterações em sua paisagem que apresentamos nesta

pesquisa.

BIBLIOGRAFIA

6 Mario Noelio (Lacerdinha), morador do bairro há 60 anos. Entrevista realizada em Fortaleza, em

novembro de 2013.

7 Jessica Maria de Leite Lima, estudante da UFC. Entrevista realizada em Fortaleza, em dezembro de 2013.

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ARQUIVO NIREZ. Avenida Visconde do Cauípe. Fortaleza, fotografia: p&b, 1938.

_______________. Ginásio Santa Cecilia. Fortaleza, fotografia: p&b, 1952

________________. Chalé que pertenceu ao Sr. Francisco Queiroz Pessoa. Fortaleza,

fotografia: p&b, 1942.

_______________. Escola Industrial. Fortaleza, fotografia: p&b, 1952.

_______________. Palacete do João Gentil. Fortaleza, fotografia: p&b, 1952.

_______________. Grupo Escolar Benfica. Fortaleza, fotografia: p&b, 1942.

_______________. Palacete do José Gentil Alves de Carvalho. Fortaleza, fotografia:

p&b, 1922.

______________. Casa do João Tomé de Sabóia e Silva. Fortaleza, fotografia: p&b,

1932.

______________. Giratório entre as Avenidas 13 de maio. Fortaleza, fotografia: p&b,

1968.

______________. Portão do Palacete Gentil. Fortaleza, fotografia: p&b, 1958.

AUMONT, J. A imagem. Tradução Estela dos Santos Abreu, Cláudio César Santoro.

Revisão técnica: Rolf de Luna Fonseca. – Campinas, SP: Papirus, (Ofício de arte e forma),

2012.

COLLOT, M. Pontos de vista sobre as percepções da paisagem. Boletim da Geografia

Teorética, vol.20 (39); p: 21-32. Rio Claro: Unesp, 1990

COSTA, C. L. Da. Fortaleza: Expansão Urbana e organização do espaço. In. SILVA, J.

B. da; DANTAS, E. W. C; CAVALCANTE, T. C (orgs). Ceará: um novo olhar

geográfico. 2ed. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2007.

GOMES, P.C.C; RIBEIRO, L.P. A produção de Imagens para a Pesquisa em Geografia.

Espaço e Cultura, UERJ, RJ, n. 33, p.27-42, jan./jun. de 2013.

LUCHIARI, T. D. P. A (re) significação da paisagem no período contemporâneo. In:

Paisagem, Imaginário e Espaço. CORRÊA, R. L; ROSENDHAL Z. (org.) Rio de Janeiro:

EdUERJ, 2001.

REYES, P. Quando a rua vira corpo [ou a dimensão pública na ordem digital]. Unisinos

2005.

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VASCONCELOS JÚNIOR, R. E.de P. Quem é de Benfica: O bairro como lugar da

sociabilidade e espaço das práticas de resistência. Fortaleza: UECE, 1999.124 p.

Dissertação (Mestrado) – Mestrado acadêmico em Geografia, Universidade Estadual do

Ceará, Fortaleza, 1999.