A fração Bloomsbury

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    Este ensaio foi publicado original mentecomo urn capitulo do livro "Problemsin Materialism and Culture". London,Verso Editions, 1980, sob 0 titulo "TheBloomsbury fraction".

    * Mestre em Sociologia pela FFLCH-USP, especialista em Polfticas Publicase Gestae Governamental, assessor doDepartamento de Polftica do EnsinoSuperior do SESU-MEC.

    * * Mestre e doutoranda em Teoria Litera-ria e Literatura Comparada na FFLCH-USP.

    A FRAf;AO BLOOMSBURY*

    Raymond Williams

    Tradudio deRubens de Oliveira Martins**Marta Cavalcante de Barros***

    Existem series problemas de metodo na analise de gruposculturais. Quando analisamos grandes grupos sociais, temos al-guns metodos obvios e iiteis a nossa disposicao, 0 grande mimerode cas os permite analises estatisticas significativas; existem geral-mente instituicoes organizadas e crencas relativamente codifi-cadas; existem ainda muitos problemas na analise propriamentedita, mas nos podemos, pelo menos, iniciar nossa discus sao a par-tir dessas consideracoes ja razoavelmente complexas.

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    No caso de urn grupo cultural, 0mimero de pessoas envol-vidas e geralmente muito pequeno para que se realizem analisesestatisticas. Podem existir ou nao instituicoes organizadas, atravesdas quais 0 grupo funciona ou se desenvolve; mas ate mesmo asinstituicoes mais organizadas sao diferentes em escala e em tipodas dos grandes grupos. Os princfpios que unem 0 grupo podemou nao estar codificados; e onde quer que eles estejam codifica-dos, urn certo tipo de analise e imediatamente relevante. Mas exis-tern grupos culturais muito importantes que tern em comum urncorpo de praticas ou urn ethos que os distinguem, ao inves deprincipios ou objetivos definidos em urn manifesto. 0 que 0proprio grupo nao formulou ate pode ser reduzido a urn conjuntode formulacoes que pode levar a uma reducao, simplificacao, ouate mesmo a urn empobrecimento de seu significado.

    Nao ha diividas quanta a importancia social e cultural detais grupos, desde os mais organizados aos menos organizados.Nenhuma historia da cultura moderna poderia ser escrita sem sedar atencao a eles. Mas, ao mesmo tempo, tanto a historia quan-to a sociologia nao se sentem a vontade com eles. E possivelencontrar analises historicas de certos grupos, mas raramente decunho comparativo ou analftico. Na sociologia da cultura, encon-tramos 0 efeito da sociologia geral em sua tendencia a concen-trar-se em grupos de cunho mais familiar, com instituicoes rela-tivamente organizadas: igrejas, na sociologia da religiao; 0 sis-tema educacional, na sociologia da educacao. Em outras areas dacultura - literatura, pintura, rmisica, teatro, e para aquilo queimplica 0 pensamento filos6fico e social - ha geralmente ouespecializacao ou reducao. 0 grupo, 0movimento, 0 cfrculo, atendencia parecem ou muito marginais ou muito pequenos oumuito efemeros para exigir uma analise historica ou social.Entretanto, sua importancia como urn fato social e cultural geral,principalmente nos iiltimos dois seculos, e grande: naquilo queeles realizaram, e no que seus modos de realizacao podem nosdizer sobre as sociedades com as quais eles estabelecem relacoes,de certo modo, indefinidas, ambiguas.

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    A fra~o BloomsburyRaymond Williams Estas sao consideracoes gerais mas que se tomam particu-larmente importantes sobretudo no caso do grupo Bloomsbury.

    pelo menos porque, de forma infiuente, eles sairam de seu caminho, por assercao ou sugestao, para desvia-las ou nega-las. Poexemplo, Leonard Woolf diz:

    "0 que veio a ser chamado de grupo Bloomsbury nuncaexistiu na forma dada a ele pelo mundo exterior. Porque Blooms-bury foi e e utilizado - geralmente de modo abusivo - corrente-mente como um termo aplicado a um grupo, em grande parteimagindrio, de pessoas com objetivos e caracteristicas tambem emgrande parte imagindrias ... Nos eramos e semp!"e permanecemosprimeira efundamentalmente um grupo de amigos."

    (WOOLF, 1964, pp. 21,23E claro que, quando Leonard Woolf queixou-se de urn erro

    de representacao, ele tern coisas importantes a dizer. Mas 0 interesse te6rico de sua observacao e que, em primeiro lugar, ao enun-ciar "grupo em grande parte imagindrio" ele admite como dadoexistencia do conceito de urn "mundo exterior", e, em segundolugar, ele contrapoe "um grupo de amigos" a uma nocao maisampla de grupo. Mas e urn fato central nas varias consideracoesexistentes que nem todos os grupos deste tipo comecam e sedesenvolvem como urn "grupo de amigos". 0 que temos entioque perguntar e se alguma das ideias ou atividades compartilha-das entre eles foram elementos de sua amizade, contribuindo diretamente para sua formacao e distincao como urn grupo, e, mais doque isto, se existia algo sobre a forma como eles se tomaram amigos que indicasse fatores sociais e culturais mais abrangentes. Einteressante, pois, continuar a citacao:

    "Nos eramos e sempre permanecemos primeira e f tm J a -mentalmente um grupo de amigos. Nossas raizes e as rakes denossa amizade estavam na Universidade de Cambridge."

    (WOOLF. 1964. p. 23

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    Assim, e especialmente significativo que, para Blooms-bury, a "Universidade de Cambridge" possa ser tomada, destaforma, como se fosse uma simples localidade, ao inves de ser ainstituicao social e cultural altamente especffica que ela era e e .Mais que isso, as rafzes sociais e culturais desta forma particularde percepcao - 0 "grupo" e 0 "mundo exterior" - devem, porsua vez, ser investigadas em relacao a sua precisa formacao eposicao social.

    Desta forma, este e 0verdadeiro problema da analise sociale cultural de qualquer tipo mais organizado de grupos: levar emconsideracao nao apenas as ideias e atividades manifestas, mastambem as ideias e posicoes que estao implicitas ou mesmo quesao aceitas como urn lugar-comum. Isto e especialmente neces-sario para a Inglaterra dos iiltimos cern anos, na qual 0 significadode grupos como Bloomsbury ou, para ter outro exemplo relevante,o grupo Scrutiny de ER. Leavis, tern sido amplamente reconheci-do, embora sob uma perspectiva fragil e generalizante. Uma vezque os conceitos aos quais tais grupos sao referidos pertencem,essencialmente, as definicoes e perspectivas dos pr6prios grupos,qualquer analise que se realize tende a ser interna e circular.

    E 0 que ocorre, por exemplo, com 0 conceito de "aristo-cracia intelectual", que Lord Annan popularizou e documentou; etambem com 0conceito de "cultura minoritaria", que Clive Bell,do Bloomsbury, e que ER. Leavis, do Scrutiny, defendiam, cadaurn a sua maneira. 0 verdadeiro problema nao e perguntar sobre ainteligencia ou sobre 0 grau de educacao de tais grupos auto-definidos. Ao contrario, 0 importante e relaciona-los, em suas for-mas especfficas, aquelas condicoes mais abrangentes que os con-ceitos de uma "aristocracia" ou de uma "minoria" implicam eobscurecem. Isto significa perguntar sobre a formacao social detais grupos, dentro de urn contexto definido de uma hist6ria maisampla, envolvendo relacionamentos mais gerais de classe social eeducacao. Significa, alern disso, perguntar sobre os efeitos dasposicoes relativas a qualquer formacao particular em suas ativi-dades substantivas e autodefinidoras: efeitos que podem geral-

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    fra~iio Bloomsburynd Williams mente ser apresentados como simples evidencia da distincao, masque, observados a partir de uma perspectiva diferente, podem servistos de modos menos perceptiveis como definidores.

    Assim, a apresentacao de Annan de uma aristocracia inte-lectual, composta por urn mimero de famflias intelectualmenteeminentes, deve ser restringida por duas diferentes consideracoes:primeiro, 0efeito, incluindo 0da descendencia, da posicao socialdestas famflias influenciando nas oportunidades de distincao inte-lectual de seus membros; e, segundo, 0 fato de estas famflias,enquanto conjunto de pessoas que nao precisam - exceto poruma suposicao fundamentada - ser descritas como se fossemoriginarias do mais eminente mundo social (urn metodo que per-mite inclusoes virtualmente indefinidas pelo relacionamento,onde a inclusao pela distincao independente poderia apresentarmais problemas); mas que, uma vez que as familias eminentes saoo ponto de partida, podem todos, pelo criterio aparentementeindependente das realizacoes intelectuais, serem inclufdos e elo-giados. Creio que isto e verdadeiro, pois realmente por criteriosindependentes, no caso de muitas das questoes de Annan, algunsimportantes grupos de distincao sao evidentes. Mas estes podementao estar abertos para tipos bastante diferentes de analises econclusoes a partir da nocao ideologica e ideologicamente deriva-da de uma "aristocracia intelectual".

    As mesmas consideracoes se aplicam ao grupo Blooms-bury, especialmente como nos 0 vemos agora, com alguma dis-tancia historica. Ele pode ser apresentado como urn extraordinarioagrupamento de talentos. Ainda que em Bloomsbury tambemexista, muito claramente, uma superioridade por associacao. 1 3 ,interessante ir ate 0 fim da lista de Leonard Woolf sobre 0 antigoBloomsbury e suas iiltimas adesoes (WOOLF, 1964, p. 22). 1 3 ,diffcil ter certeza nestas questoes, mas vale a pena perguntar quan-tas pessoas nesta lista poderiam ser lembradas agora indepen-dente e separadamente, em qualquer sentido cultural significativo,de sua participacao no grupo. Quero dizer que em urn tipo deapresentacao nos podemos encabecar a lista com Virginia Woolf,

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    E.M. Foster e J .M. Keynes, e entao ampliar 0 cfrculo para osoutros. Mas suponha que n6s tomemos a lista como ela se apre-senta: Vanessa Bell, Virginia Woolf, Leonard Woolf, AdrianStephen, Karin Stephen, Lytton Strachey, Clive Bell, MaynardKeynes, Duncan Grant, Morgan Foster, Saxon Sydney Turner,Roger Fry, Desdmond MacCarthy, Molly MacCarthy, Julian Bell,Quentin Bell, Angelica Bell, David (Bunny) Garnett. E uma listade renomados e alguns outros nomes. E exatamente 0 que pode-rfamos esperar de acurada descricao de urn grupo de amigos esuas relacoes, feita por Leonard Woolf, que incluiu algumas pes-soas cujo trabalho poderia ser amplamente respeitado se 0pr6priogrupo nao fosse lembrado, e outros de quem este nao e claramenteo caso, e outros ainda em quem e diffcil distinguir entre a reputa-~ao individual e 0efeito da associacao no grupo e suas mem6rias.

    No entanto, ha uma preocupacao em nao diminuir aimportancia de ninguem. Isto poderia ser realmente uma aproxi-macae grosseira com alguns dos pr6prios modos de julgamentohumano que grupos como Bloomsbury efetivamente popu-larizaram. 0 verdadeiro ponto ever a importancia do grupo cul-tural para alem da simples apresentacao empirica e da auto-definicao como urn "grupo de amigos". E perguntar 0que 0grupoera, social e cultural mente, como uma questao distinta (emborarelacionada a ela) das realizacoes dos indivfduos e seus pr6priosrelacionamentos imediatamente percebidos. E exatamente porquetantos grupos culturais modernos importantes sao formados e sedesenvolvem desta forma que precisamos levantar, mesmo contraas diividas que surgem acerca do Bloomsbury, certas diffceisquest6es te6ricas.

    Assim esta claro que nenhuma analise que negligencie oselementos de amizade e relacionamento, atraves dos quais 0grupose reconhece e se autodefine, poderia ser adequada. Ao mesmotempo, qualquer restricao a estes termos poderia ser uma claradiminuicao da importancia geral do grupo. Assim, precisamospensar sobre formas de analise que evitem que se confunda urntipo de definicao com outro, no que se refere tanto a urn grupo

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    A frat;iio BloomsburyRaymond Williams generalizado quanto a urn agrupamento empirico. E exatamentepor causa da sua formacao intema especffica e seu evidente sig-

    nificado geral - as duas qualidades tomadas em conjunto - queBloomsbury e tao interessante. E tambem urn caso particular-mente importante do ponto de vista te6rico, uma vez que e impos-sfvel desenvolver uma modem a sociologia cultural a menos queencontremos modos de abordagens de tais formacoes, as quaisadmitem os termos atraves dos quais os grupos se veem e aquelespelos quais eles gostariam de ser apresentados, e que, ao mesmotempo, nos permitem analisar estes termos e sua significacaosocial e cultural.

    E por causa disto, embora eu pretenda discutir principal-mente Bloomsbury, precisarei dizer algo tambem sobre Godwin eseu cfrculo e tambem sobre a Irmandade Pre-Rafaelita. Isto se daem parte para realizar uma cornparacao, incluindo uma compara-9ao hist6rica, mas constitui tambem urn meio de comecar a encon-trar termos para uma discussao mais geral.

    A formacao de BloomsburyPrimeiramente, percebemos que certos princfpios fun-

    dantes e declarados do grupo Bloomsbury eram de urn tipo quecorrespondiam diretamente ao seu modo preciso de formacao e asatividades pelas quais a maioria deles e lembrada. Uma descricaoap6s outra enfatiza a centralidade dos valores compartilhados, daafeicao pessoal e prazer estetico. Para qualquer formulacao cons-ciente desses valores somos frequentemente remetidos para agrande influencia de G.E.Moore sobre os amigos excentricos deCambridge. Estes valores compartilhados foram expressos demodos especfficos. Havia uma enfase sustentada na franqueza: aspessoas deveriam dizer umas as outras exatamente 0 que pen-savam e sentiam. Houve tambem uma grande enfase na cIareza:as afirmacoes sinceras, ou qualquer outro tipo de afi~. ~ria estar preparada para a seguinte questao: '0 que exatamente

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    oce quer dizer com isso?'. Estes habitos e valores compartilha-os foram entao imediatamente relevantes para a formacao inter-a do grupo e para alguns de seus efeitos extemos. Os valores ques tomaram tao proximos logo deram a eles uma auto-estima ques fazia sentir, num olhar auto-reflexivo, como diferente dos

    0 que, por sua vez, poderia identifica-Ios imediatamente.or isso, neste ou em outros pontos importantes, eles tinham umaostura avancada para sua c1asse:

    "Quando eu fui ao Ceiliio (em 1904) - e ate mesmouando eu retornei (em 1911) - eu ainda chamava Lytton Stra-hey de Strachey e Maynard Keynes de Keynes, e, para eies, euinda era Woolf. Quando eu passava uma semana com os Stra-heys no interior em 1904, ou jantava na Gordon Square com ostephens seria inconcebivel que eu chamasse as irmds dos Lyttonu dos Toby por seus primeiros nomes. 0 significado social de

    0primeiro nome ao inves do sobrenome e de beijar ao invese apertar as mdos e curioso. Seu efeito e maior; eu acho, do queodem imaginar aqueles que nunca viveram em uma sociedadeais formal. Eles produzem um sentido - geralmente incons-iente - de intimidade e liberdade, e quebram barreiras do pen-amento e dos sentimentos. Era este sentimento de grande intimi-ade e liberdade, de colocar de lado as barreiras eformalidades,ue eu achei tao novo e tao estimulante em 1911. Ter discutidolguns assuntos ou ter falado abertamente sobre sexo na pre-enca da Sra. Strachey ou da Sra. Stephen seria inimaginavel setenos antes; aqui, pela primeira vez, eu encontrei um circulo muitoais intimo (e mais amplo) no qual a liberdade completa de pen-amento e de expressiio foi prolongada para Vanessa e Virginia,ppa e Marjorie." (WOOLF, 1964, pp. 34-5).

    Este sentido de liberacao foi urn estagio no desenvolvi-ento do grupo original de amigos de Cambridge. Era uma reali-acao local de suas primeiras atitudes:

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    fra~ao Bloomsburyymond Williams Nos estdvamos convencidos de que todos acima de 25anos, com talve: uma ou duas importantes exceciies, estavam

    'sem esperanca', tendo perdido 0 elan da juventude, a capaci-dade de sentir, e a habiLidade de distinguir a verdade da falsi-dade ... Nos nos encontramos vivendo em uma primavera de umarevoLta consciente contra as instituicoes socia is, politicas, reli-giosas, morais, intelectuais e artisticas, contra as crencas epadriies de nossos pais e avos .... Nos ndo estdvamos com a van-guarda da epoca; nos estdvamos na vanguarda dos construtoresde uma nova sociedade que deveria ser livre, racional, civilizada,em busca da verdade e do belo."

    (WOOLF, 1960, pp. 160-1)Deve estar claro que este era urn movimento muito mais

    amplo que Bloomsbury. Neste sentido mesmo, com uma mistu-ra caracteristica de honestidade e leviandade, Leonard Woolfpercebeu que:

    "nos nos sentiamos como sendo a segunda geraciio nesteexcitante movimento ", embora a atitude para quase todos acimade 25 anos parece ter sobrevivido a isto. De Jato, a maio ria dasatitudes e opinioes Joram derivadas, como aqui, de Ibsen, e dizen-do 'Tolice!' para 0 vasto sistema de hipocrisia que usa mentiraspara os interesses veLados do establishment, da monarquia, daaristocracia, das classes superiores, da burguesia provinciana,da Igreja, do Exercito, do mercado de trocas."

    (WOOLF, 1960, p. 164)o que Bloomsbury realmente representou no desenvolvi-

    mento desse movimento mais amplo foi urn "estilo novo".Era urn estilo impressivo para a nova franqueza crftica.Mas existiam elementos na sua formacao que trouxeram outrosmatizes, e nao apenas caracterizando-os como uma faccao de umaclasse, urn avancado grupo autoconsciente. A franqueza podiavariar de tom indo da extrema rudeza para a 'falta de esperanca'.

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    Ha tambem algo muito curio so sobre a fidelidade as afeicoes pes-soais. Isto e dificil de estimar, a distancia 'de fora', mas afeicao,ao contrario de qualquer outra palavra mais forte, parece ser exata.Uma franqueza insensfvel como 0 tom intelectual dominanteparece ter tido seu efeito em certos nfveis da vida emocional. Istoera, e claro, ja evidente em Shaw, e tambem na correlata (emboramais ampla) formacao de Fabian. Ha urn momenta inesquecivelem uma conversa entre Virginia Woolf e Beatrice Webb, em 1918:

    "Beatrice havia perguntado a Virginia 0que ela tenciona-vafazer agora que ela estava casada. Virginia disse que ela queriacontinuar a escrever romances. Beatrice pareceu aprovar e alertouVirginia para que ndo permitisse que as relacoes emocionais inter-Jerissem em seu trabalho. Acrescentou: 'Nos sempre dizemos que 0casamento e a lata de lixo das emocoes' Ao que, como se ambasestivessem chegado a uma compreensiio mutua, Virginia respon-deu: 'Mas um velho empregado niio a limparia tambem?'

    (WOOLF, 1964, p. 117)o fato de que Virginia, em seu pr6prio registro da conver-

    sa, tomou "lata de lixo" por "privada", apenas aprofunda suafascinacao ironica. IHa urn sentido no qual a racionalidade e a franqueza

    conferem a 'afeicao' uma definicao restrita, porem importante.Por outro lado, 0 que e bastante evidente no grupo e uma tole-rancia significativa nas questoes sexuais e emocionais. Esta to-lerancia valiosa eo peso exato da 'afeicao' parecem realmenteestar ligados.

    Urn fator final que deve ser somado a esta definicao in i-cial da estrutura de sentimentos do grupo pode ser representadopelo termo "consciencia social". Eles nao foram seus criadores, eem qualquer caso este e urn fator muito mais evidente ap6s 1918do que antes de 1914. Ele se relaciona, certamente, com airreverenciacompreensiva a respeito das ideias e instituicoesestabilizadas, na sua fase inicial. Mas ele se torna algo mais.

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    I 0 trocadilho em ingles se refere, retivamente, aos termos "waste Pbasket" e "waste pipe".

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    ~iio Bloomsburynd Williams Nada contradiz mais facilmente a imagem que temos de Blooms-bury como estetas retirados e Ianguidos que 0notavel registro deenvolvimentos politicos e em organizacoes, entre as guerras, deLeonard Woolf e Keynes, mas tambem de outros, incluindo Vir-ginia Woolf, que mantinha encontros de urn grupo do Gremio deCooperacao das Mulheres regularmente em sua casa. 0 registropublico de Keynes e suficientemente bern conhecido. 0 deLeonard Woolf, em seu trabalho prolongado na Liga das Nacoes,no movimento cooperativo, e para 0 Partido Trabalhista, espe-cialmente nas questoes antiimperialistas, e especialmenteadmiravel.

    Poderia entao ser uma surpresa, para Bloomsbury e aque-les form ados na sua imagem, possuirem uma certa conscienciasocial. 0 pr6prio conceito de 'consciencia social', neste perfodo,tornou-se amplamente internalizado, 0 que torna muito dificilanalisa-lo. Mas, uma forma de fazer isso e notar sua difundidaassociacao com 0 seguinte e significativo enunciado: "preocu-pacao com os injusticados", 0 que precisa ser cuidadosamentedefinido e a associacao especifica do que sao os sentimentos declasse real mente inalterados - urn sentido persistente de umalinha bastante clara entre uma classe superior e uma classe inferi-or - com sentimentos muito fortes de simpatia com as classes

    . inferiores vistas como vftimas. Assim, a a~ao polftica e dirigidapara a reforma sistematica ao nfvel da classe dirigente; 0 despre-zo pela estupidez dos setores dominantes dessa classe dirigentesobrevive, praticamente inalterado, desde a fase inicial. E claroque a contradicao inerente a isto - a busca de reformas sis-tematicas ao nfvel das classes dirigentes, a qual e considerada, emsua maioria, desprovida de visao e esnipida - nao e ignorada. Euma questao de a consciencia social continuar explicando e pro-pondo, nos nfveis oficiais e, ao mesmo tempo, ajudando na orga-nizacao e educacao das vftimas. 0 problema nao e que esta CODS-ciencia social e irreal; ela e, na verdade, bastante real. Mas e a for-mulacao precisa de uma posicao social particular, na qual umafracao da classe superior, rompendo com sua maioria dominante,

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    se relaciona com uma c1asse inferior como uma questao de cons-ciencia: nao em solidariedade, nao em afiliacao, mas como umaextensao do que e ainda sentido como obrigacao pessoal ou dopequeno grupo, mais uma vez .contra a crueldade e estupidez dosistema e a favor de suas vitimas desesperancadas.o complexo de atitudes polfticas, e conseqiientementede reformassociais e polfticas de urn certo tipo, que decorreudesta 'consciencia social' foi especialmente importante naInglaterra. Ela tomou-se ate mesmo consensual, desde a ala di-reita do Partido Trabalhista ate 0 Partido Liberal e uns poucosconservadores mais liberais. Bloomsbury, inc1uindo Keynes,estava neste como em outros assuntos bern a frente de seutempo. Em seus orgaos, desde 0New Statesman ate 0 PoliticalQuarterly, ele foi, neste perfodo, secundado em importancianeste consenso apenas pela Sociedade de Fabian. Em sua hostili-dade ao imperialismo, em que a identificacao consciente com asvftimas era mais negociavel que na propria Inglaterra, sua con-tribuicao foi bastante significativa. Sustentando sua hostilidadeinicial ao militarismo, ele representou urn elemento do consensoque nao foi, mais tarde, e mais precisamente durante a guerrafria, esquecido. Mas 0que mais nos interessa agora, na definicaodo grupo, e a natureza da conexao entre estes importantes com-portamentos politicos e 0 grupo pequeno, racional e sincero. 0verdadeiro termo de ligacao e a 'consciencia'. E urn senso deobrigacao individual, ratificado entre amigos civilizados, quetanto governa os relacionamentos imediatos quanta pode serampliada, sem alterar sua base local, para 'preocupacoes soci-ais' mais abrangentes. Ele pode entao ser diferenciado, como 0proprio grupo sempre insistiu, da insensivel, complacente eesnipida mentalidade do setor dominante da cIasse. Ele precisatambem ser diferenciado - e isto 0grupo e seus sucessores naoviram - da 'consciencia social' de uma c1asse subaltern a auto-organizada. Estas posicoes polfticas tao diferentes nunca foramde fato rejeitadas nem tomadas a serio. 0 contato pr6ximo cometas, a partir desta 'consciencia social', exigia uma quase nao

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    , .ao Bloomsburyond Williams consciencia de si mesmo e, a seu pr6prio modo, quase puropatronato. Assim, se isto nao fosse dado, estas novas forcas nao

    conseguiriam ser mais racionais e civilizadoras que aquelas deseus mestres atuais.

    Nestas definicoes iniciais dos significados e valores quefizeram deste grupo mais que urn grupo de amigos - significadose valores, e 6bvio, que a todo momento, por causa do que eleseram, sustentou sua autopercepcao como apenas urn grupo de ami-gos, uns poucos indivfduos civilizados -, n6s chegamos ao limiteda definicao central da importancia social do grupo Bloomsbury.Eles eram uma verdadeira fra~ao da classe superior inglesa daepoca. Eles foram, num primeiro momento, contra as ideias e valo-res dominantes e continuaram, de modo condescendente, e aomesmo tempo, parte dela. E uma posicao muito complexa e deli-cada, mas 0 significado de tais fracoes tern sido geralmente subes-timado. Nao e apenas a questao deste relacionamento problemati-co dentro de urn momento particular. E tambem uma questao dafuncao de tais relacionamentos e de tais grupos no desenvolvimen-to e adaptacao, atraves do tempo, da classe como urn todo.

    Godwin e seu cfrculoE aqui que podemos olhar brevemente, atraves da com-

    paracao, para dois grupos ingleses precursores e importantes.William Godwin e seu cfrculo, entre 1780 e 1790, surgiram a par-tir de uma dissidencia bastante singular. Uma dissidencia reli-giosa, no momenta de sua formacao, que ja carregava implicacoessociais especfficas: de urn setor religioso relativamente emdesvantagem, na qual os efeitos de uma posicao economica esocial que eram bastante diferentes daqueles das classes superio-res e dirigentes de entao, Godwin e seus amigos eram traba-lhadores relativamente pobres, uma inteliigentzia pequeno-bur-guesa emergente, sem outros meios de influencia polftica ousocial. Em sua tentativa de estabelecer racionalidade, tolerancia e

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    liberdade eles se opunham, e sabiam que se opunham, a todaclasse e ao sistema acima deles. Dentro de seu proprio grupo elespodiam discutir e ten tar praticar os valores racionais da igualdadecivilizada, encontrando-se inclusive em uma posicao avancada noque se refere a igualdade sexual, uma vez que contavam com aparticipacao de Mary Wollstonecraft entre eles. Em sua fase ini-cial eles estavam totalmente persuadidos do poder da explanacaoe persuasao racional. 0 vfcio era visto como sendo simplesmenteurn erro, e 0erro poderia ser reparado com paciente fomecimentode informacoes, A virtude poderia ser assegurada por instituicoesracionais e justas. A estupidez e os dogmas que agora barravam 0caminho deveriam ser corrigidos atraves de urn esclarecimentogradual e cuidadoso.o que ocorreu entao e ainda muito notavel, Eles encon-traram uma classe dirigente, bern acima deles, que nao era apenasro. gante e cruel mas que, naquele tempo, estava sob urn novotipo de ameaca advindo da Revolucao Francesa. As propostasracionais e civilizadoras foram recebidas com a mais cruelrepressao: processos, prisoes e exflio. 0 romance de Godwin,Things as they are, e uma notavel evocacao de tal crise, no qual averdade se toma literalmente urn risco de vida, e a explanacaorazoavel era impiedosamente perseguida. 1 3 urn momenta impor-tante na cultura inglesa, ainda insuficientemente laureada pel abravura de seus primeiros ataques, e isto principalmente porque arepressao a destruiu tao profundamente e a colocou num segundoplano por toda uma geracao.

    Os grupos que falharam nao sao facilmente respeitados,ainda que 0de Godwin devesse ser, pela notabilidade de suas aspi-racoes ao lado da moralidade inerente a suas ilusoes. Nos podemosfacilmente chamar de falha aquilo que na verdade foi uma derrota,e que neste caso foi uma derrota para uma repressao feroz.

    Num aspecto mais geral, e mais decisivo, este grupo naoera uma fracao, uma ruptura da c1asse superior. Ele era urn setoremergente de uma classe ainda relativamente subordinada, apequena burguesia comercial independente.

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    ra~o Bloomsburyond Williams Questionando tudo, mas ainda dentro da suposicao dacontinuidade de urn discurso racionaI, eles foram derrotados por

    pessoas que mal se preocupavam em responder seus argumentosmas que, sentindo-se ameacadas e em perigo, simplesmente ostiranizava ou prendia. E entao 0 que aprendemos teoricamente eque nao podemos descrever nenhum destes grupos culturais sim-plesmente em termos intemos: dos valores que eles sustentam,dos significados que eles tentam viver. Tornados apenas neste sen-tido, Godwin e seu cfrculo tern algumas notaveis semelhancascom Bloomsbury, apesar de serem suas ideias mais consistentes.Mas 0 que importa, final mente, nao e 0 ambito das ideias abstra-tas, mas 0 das relacoes efetivas do grupo para com 0 sistema so-cial como urn todo.

    A irmandade pre-RafaehtaAnalisar urn sistema social como urn todo implica ter sem-

    pre presente que eles passam por freqiientes modificacoes, sejaem sua caracterfstica geral ou em suas relacoes intemas. Na epocada Irmandade Pre-Rafaelita, na metade do seculo XIX, uma bur-guesia comercial e industrial estava se tomando dominante, e al-gumas partes daquele discurso precursor tinham encontrado umapequena base social. Por estas e outras razoes, a caracteristicadeste novo grupo era bastante diferente. Eles se opunham funda-mental mente ao filistinismo de sua epoca. Em sua fase inicial eleseram irreverentes, impacientes e fingiam-se insolentes: eles es-tavam tentando caminhos novos e menos formais para viver entresi. Por urn perfodo, que nao durou muito, eles foram parte da tur-bulencia democratica de 1848. Mas a maneira central de sua breveunidade como grupo foi a declaracao pela verdade na arte, e umacorrespondente rejeicao das convencoes recebidas. Seu objetivode fato era a verdade da natureza, 'nada rejeitando, nada sele-cionado e nada desprezando'. Eles definiram urn retorno ao anti-go (pre-Rafael ita) como urn meio para 0 novo. Como urn gru~

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    fernero, eles praticaram uma informalidade facil e irreverente,ma excepcional tolerancia boernia, e alguns elementos de lin-uagem especffica do grupo (como as gfrias empregadas por eles)e deliberadamente os distinguia.

    Eles poderiam ser descritos como estando, cada urn emeu campo especffico da arte, em revolta contra a burguesia co-ercial, ainda que em sua maioria eles fossem originarios destaesma classe. 0 pai de Holman Hunt era urn gerente de armazem,de William Morris era urn agente de cambio. Mais que isso, emn grau surpreendente, a medida que eles se tornavam ativos, elesncontravam seus mecenas na mesma classe. E claro que no fimles acabaram trilhando caminhos separados: fosse em direcao ama nova e plena integracao representada por Millais, fosse em

    a ruptura de urn socialismo revolucionario - embora coms mesmas ligacoes comerciais - de Morris. Mas em seuomento efetivo, com todas as dificuldades, eles nao repre-entaram apenas uma ruptura em sua classe - os jovens irreve-entes e reb~es - mas urn meio em direcao ao necessario proxi-o estagio d~ desenvolvimento daquela propria classe. Na ver-ade isto esta' sempre acontecendo com as fracoes burguesas: urnrupo que ie separa, como no caso da 'verdade da natureza', emrmos que real mente pertencam a uma fase daquela proprialasse, mas uma fase que agora esta sobrecarregada pelos blo-ueios do desenvolvimento tardio. E entao uma revolta contra alasse mas para a classe, e nao surpreende que sua enfase no esti-0, mediada convenientemente, torne-se a arte popular burguesao proximo perfodo.

    fra~aoBloomsburySempre ha vantagem no distanciamento historico, e God-

    in e seu cfrculo, ou os Pre-Rafaelitas, sao, desta forma, maisacilmente definidos do que Bloomsbury, que em certos aspectos

    ainda urnaSignificativrencia contemporanea e urnapre-

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    iio Bloomsburyond Williams senca bastante proxima. Assim, 0proposito desta breve referenciaa estesprimeiros grupos mais antigos e enfatizar e revisar alguns

    dos mais obvios pontos em comum, analisando nao apenas asdiferencas ideais mas as difereneas sociais decisivas, que, por suavez, pod em somente ser compreendidas se acompanharmos 0desenvolvimento da sociedade em geral. Na segunda metade doseculo XIX ocorreu urn desenvolvimento e uma reforma com-preens iva da vida profissional e cultural da Inglaterra burguesa. Asantigas universidades foram reformadas e tomadas mais serias. Osservices administrativos foram desenvolvidos e reformados, porcausa das novas demandas da admini~ imperial e estatal, epor causa dos exames competitivos que entrosavam as universi-dades reformadas. 0 carater de mudanca da sociedade e a estrutu-ra economica construiu, de fato, urn novo e impodante setor pro-fissional altamente educado da classe superior inglesa: muito dife-rente em suas condutas e valores dos da velha aristocracia e daburguesia comercial. E entao - uma vez que pert:ebemos isto, naoficamos mais surpresos - foi deste setor, e especiaImente de suassegunda e terce ira geracoes, que novas defini~ e novas gruposemergiram; e especificamente, no sentido pleno, Bloomsbury.

    As conexoes diretas do grupo Bloomsbury com este novosetor sao bern conhecidas. Ha uma frequente conexiio com osaltos nfveis da administracao colonial (geralmente na india),como na familia Stephen, no pai de Lytton Sttacbey. na carreirainicial de Leonard Woolf. Ha continuidades antes e depois a esterespeito: os Mills no seculo XIX; Orwell no seculo xx. Mas 0perfodo de emergencia de Bloomsbury foi 0ponto alto deste setor,como tambem foi 0 ponto alto da ordem social a que serviu. 0setor e distinto mas esta ainda muito proximo da parte mais ampla

    ~lasse. Como diz Leonard Woolf a respeito do mundo social( dos Stephens:\ "Aquela sociedade consistia dos niveis superiores da

    classe media profissional e dasfamilias provincianas, interpenetra-da ate um certo ponto pela aristocracia. [Ou mais genericamente J

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    Os Stephens e os Stracheys, os Ritchies, Thackerays e Duckworthstinham um intricado emaranhado de raizes antigas e ramos dafamilia que se prolongavam amplamente atraves das classesmedias superiores, as familias provincianas e a aristocracia."

    (WOOLF, 1964, p. 74)Urn dos interesses nas consideracoes de Woolf e que ele

    mesmo estava entrando neste setor crucial tendo uma formacao apartir de urn meio social bastante diferente:

    "Eu era um outsider para esta classe, porque, embora eu,e antes de mim, meu pai, pertencessemos a classe media profis-sional, somente recentemente nos tinhamos forcado nossa entra-da nela a partir do estrato de comerciantes judeus."

    (WOOLF, 1964, p. 74)Ele estava entao apto a observar os habitos especfficos da

    c1asse da qual Bloomsbury iria emergir:"Socialmente eles de modo inconsciente assumiam coisas

    que eu nunca poderia assumir, conscientemente ou niio. Eles vivi-am em uma atmosfera particular de influencia, maneiras, respei-tabilidade, e era tiio natural para eles que ndo percebiam issoassim como os mamiferos niio percebem 0ar e os peixes niio per-cebem a dgua em que vivem,"

    (WOOLF, 1964, p. 75)Mas isto era a c1asse como urn todo. 0 que era decisivo na

    emergencia deste setor profissional era a atmosfera intelectual esocial das antigas universidades reformadas. Foi nelas, ap6s a li-beralizacao, ap6~ma significativa recuperacao da seriedade, eap6s a reorganiza~a

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    2 N.T.: KCSI - Knight Commander of theOrder of The Star of India e KCMG -Knight Commander of the Order of St.Michael e St. George. Estes eram tituloshonorfficos concedidos aqueles queforam a India e a s colOniasbritinicas.

    promoveu tambem muitas continuidades significantes e autono-mas, dentro das antigas universidades. E por isso que isto aindapode ser visto, a partir de uma perspectiva deliberadamente sele-tiva, como uma 'aristocracia intelectual'.

    "Os membros masculinos da aristocracia intelectualbritdnica foram automaticamente para as melhores escolaspublicas, para Oxford e Cambridge, e entdo para as maisrespeitdveis e poderosas profissiies. Eles casaram-se entre sicom uma considerdvel freqiiencia, e a influencia da familia alia-da ao alto nivel de sua inteligencia individual os leva ram aotopo de suas profissiies. Podemos encontrd-los como fun-ciondrios publicos em um assento permanente de uma subsecre-taria do governo; eles se torna ram generais, almirantes, edito-res, juizes ou entiio se aposentaram com um KCST ou umKCMG2 apos carreiras notdveis na india ou nos services civisdas coliinias. Outros ainda criaram sociedades em Oxford ouCambridge e terminaram como diretores da faculdade ou dealgumas escolas publicas:"

    (WOOLF, 1960, p. 186)A confusao destas consideracoes e digna de nota assim

    como a acuidade de suas informacoes. Existe tanto 0 reconheci-men to quanta a incerteza dos dois fatores de sucesso: 'influen-cia da familia' e 'alto nfvel de inteligencia individual'. Existeuma confusao ligada ao conceito de 'aristocracia intelectual',apoiada por urn conjunto de exemplos (diretores de escolas efaculdades; subsecretarios permanentes e editores) e figuras berndiferentes da classe dominante (generais, almirantes). Dentro decada conjunto, na verdade, 0 efeito da proporcao direta daproveniencia de uma classe, incluindo a influencia familiar, e ainteligencia individual examinada ou demon strada deveria seravaliada de forma precisa. Uma vez que 0 que esta sendodescrito e uma composicao setorial, e as diversidades dentrodesta composicao precisam muito mais de uma descricao pre-

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    sa que de uma auto-apresenta~ao e uma f6rmula de auto-comendacao - corn sua metafora deliberada e reveladora -e uma 'aristocracia intelectual' .

    Urn outro ponto relevante, nesta significante composicaotorial, aparece na referencia de Woolf ao 'membros masculi-os'. Urn dos fatores que iria afetar a caracteristica especffica dorupo Bloomsbury, enquanto uma formacao distinta da totalidadeo setor, era a defasagem na educacao mais elevada para as mu-eres desta classe. Mesmo nos estagios iniciais, umas poucasulheres destas famflias foram diretamente envolvidas; uma dasmas de Strachey, Pemel, tomou-se diretora de Newham. Aindassim, uma persistente assimetria sexual foi urn importante ele-ento na composicao do grupo Bloomsbury. Como coloca Woolf:

    "Nossas raizes e as raizes de nossa amizade estavam naiversidade de Cambridge. Das 13pessoas mencionadas acimaomo membros do antigo Bloomsbury J tres sao mulheres e de:o homens; dos de: homens, nove tinham estado em Cambridge."

    (WOOLF, 1964, p. 23)

    Os efeitos desta assimetria foram lembrados por Virginiaoolf de maneira ironica e corn certa indignacao ern seu livro Aoom of One's Own and Three Guineas.o que e preciso entao enfatizar, na formacao sociol6gicae Bloomsbury, e, primeiro, a proveniencia do grupo do setorrofissional e mais altamente educado da c1asse superior inglesa,rn suas amp las e sustentadas conexoes como esta clas~comorn todo; segundo, 0 elemento da contradicao entre al urnasestas pessoas altamente educadas e as ideias e instituicoes e sualasse como urn todo (a 'aristocracia intelectual', ern urn sensoais restrito, ou pelo menos alguns poucos deles, estavam colo-ando sua inteligencia e educacao para mostrar as conexoes doasto sistema de convencoes e hipocrisia' mantido por muitas dasstituicoes - 'monarquia, aristocracia, classes superiores, bur-uesia suburbana, a Igreja, 0Exercito, 0mercado de trocas'- as

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    fral;iio Bloomsburyymond Williams quais estavam incluidas entre os campos onde esta mesma 'aris-tocracia do intelecto' se destacava); terceiro, a contradicao especf-

    fica entre a presenca de mulheres intelectuais altamenteinteligentes, dentro destas famflias, e sua relativa exclusao dasinstituicoes masculinas dominantes e formadoras;~, quarto, asnecessidades intern as e as tensoes desta classe como urn todo, eespecialmente de seu setor profissional e altamente educado, emurn perfodo que, a despeito de sua aparente estabilidade, foi mar-cado por crises sociais, polfticas, culturais e intelectuais.

    Podemos entao dizer que 0grupo Bloomsbury colocou-sea parte como uma fracao distinta, conforme a segunda e a terceirarazao acima descritas: a critica social intelectual, e a ambigiiidadeda posicao das mulheres. Tornados em conjunto, esses sao oshabitos no momento de sua formacao e de suas realizacoes, Maso primeiro fator, da proveniencia geral, deve ser tornado nadefinicao das qualidades particulares desta fracao: sua combi-nacao sustentada e significante de discordante influencia econexoes poderosas. E 0 quarto fator indica algo sobre sua sig-nificancia hist6rica geral: que em certos campos, notadamenteaqueles da equalizacao sexual e tolerancia, das atitudes frente aarte e especialmente das artes visuais, e das informalidades pri-vadas ou semiptiblicas, 0 grupo Bloomsbury foi urn precursor deuma mutacao mais geral dentro do setor profissional mais educa-do, e ate certo ponto, para a classe dirigente inglesa no sentidomais geral. Uma fracao, como foi ressaltado, geralmente executaeste service para sua classe. Ravia entao uma certa liberalizacao,ao nfveljdos relacionamentos pessoais, do gosto estetico e da aber-turn intelectual. Ravia alguma modernizacao, ao nfvel das condu-tas seinipiiblicas, de mobilidade e contato com outras culturas, ede sistemas intelectuais mais adequados e mais amp los. Esta Jibe-ralizacao e modemizacao eram, e claro, tendencias muito generi-cas, nas circunstancias de mudanca social e especialmente ap6s oschoques da guerra de 1914-18 e, mais tarde, na perda do Imperio.Nao se trata de afirmar que 0 grupo Bloomsbury causou estasmudancas, mas apenas de dizer que (e isto nao e pouco) eles

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    oram proeminentes e relativamente coerentes como seusrimeiros representantes e agentes. Ao mesmo tempo, a liberali-acao e modernizacao foram mais estritamente adaptacoes queudancas basicas na c1asse, a qual, na sua funcao de dirigir asstituicoes centrais da c1asse dirigente, mesmo com todas asudancas de costumes e apos 0 recrutamento de outros em con-

    ormidade com seus habitos, nao apenas persistiu, mas per-aneceu com sucesso devido a estas adaptacoes que tinham sidocontinuavam a ser feitas.

    contribuicao de Bloomsburyo que precisa entao ser finalmente discutido e 0carater da

    ontribuicao cultural, intelectual e artfstica de Bloomsbury dentroo contexto de sua formacao sociologica especffica e sua signifi-acao historica. Ainda assim, tal discussao enfrenta severas difi-uldades te6ricas e metodologicas. Nao devem haver diividas aoe reduzir urn mimero de contribuicoes individuais altamentespecfficas a alguns conteiidos genericos grosseiros/toscos. Gru-os culturais deste tipo - fracoes por associacao ao inves deracoes ou grupos de oposicao segundo urn manifesto ou progra-na - nao podem em qualquer caso ser tratados desta forma. Doesmo modo, as contribuicoes tambem nao podem ser vistas emma mera associacao aleat6ria. E c9m esta disposicao cuidadosaue devemos ler a interessante sfn~se de Leonard Woolf:

    "Sempre houve grupos de pessoas, escritores, artistas,ndo eram apenas amigos, mas que estavam conscientemente

    nidos por uma doutrina ou objetivo comum, ou proposito artisti-o ou social. Os utilitaristas, os poetas Lake, os impressionistasanceses, os Pre-Rafaelitas ingleses, foram grupos deste tipo.osso grupo era bastante diferente. Sua base era a amizade, que,m muitos casos estava enraizada no amor e no casamento. Aivacidade de nossas mentes e pensamentos havia nos sido dada

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    frac;ao Bloomsburyymond Williams pelo clima de Cambridge e pelafilosofia de Moore, tanto quantao clima da Inglaterra dd uma cor ao rosto de um ingles enquanto

    o clima da india dd uma cor bastante diferente ao rosto de umTamil. Mas nos ndo tinhamos nenhuma teoria em comum, nemsistemas ou principios aos quais nos desejdssemos converter 0mundo; nos ndo faziamos proselitismo, nem eramos missiondrios,cruzados nem propagandistas. E verdade que Maynard produziuo sistema ou teoria Keynesiana de economia que teve um grandeefeito sobre a teoria e prdtica da economia, financas e politica; eque Roger, Vanessa, Duncan e Clive tiveram importante papel,como pinto res ou criticos, no que veio a ser conhecido como 0movimento pos-impressionista. Mas a cruzada de Maynard pelaeconomia keynesiana contra a ortodoxia dos bancos e contra oseconomistas academicos, e a cruzada de Roger pelo pos-impres-sionismo e pela 'forma significante' contra a ortodoxia da 'repre-sentaciio' academica dos pintores e estetas Joram tdo puramenteindividuals quanta 0Jato de Virginia ter escrito The Waves - elesniio tinham nada a ver com qualquer grupo. Uma vez que ndohavia mais que uma conexdo publica entre 0Critical and Specu-lative Essais on Art, de Roger; a Teoria Geral do Emprego, doJuro e da Moeda, de Maynard; e 0Orlando, de Virginia do quehavia entre a Theory of Legislation, de Bentham; 0Principal Pic-ture Galleries in England, de Hazlit; e 0Don Juan de Byron."

    (WOOLF, 1964, p. 26)Empiricamente, essas consideracoes podem ser tomadas

    como verdadeiras, embora a comparacao final seja puramenteret6rica: Bentham, Hazlit e Byron nunca estiveram associados deforma significativa, e seus nomes nao estao em questao, Nem taopouco a rejeicao caracterfstica de uma "teoria, sistemas ou princi-pios comuns" e tao convincente quanto parece; as atitudes deBloomsbury em relacao ao sistema, pelo menos, estavam entresuas caracteristicas comuns e de princfpios mais evidentes.

    Existe realmente algo no modo pelo qual Bloomsburynegava sua existencia como urn grupo formal, enquanto continua-

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    a insistir nas suas qualidadesde grupo, que e a. pista para afinicao essencial. 0 problema nao era ter qualquer teoria ou sis-ma comum, nao apenas porque isto era desnecessario - pior,to poderia provavelmente ser algum dogma imposto - mas pri-ariamente, como uma questao de princfpio, porque tais teorias estemas eram urn obstaculo para 0 verdadeiro valor organiza-onal do grupo, que era a livre expressao sem restricoes do indi-duo civilizado. A forca que 0 adjetivo 'civilizado' carrega, oupoe carregar, nao pode ser superestimada.

    UNadecada anterior Ii guerra de 1914 havia urn movimen-politico e social no mundo, e particularmente na Europa e na

    0 qual parecia ser ao mesmo tempo maravilhosa-ente cheio de esperance e excitante. Era como se os seres huma-s pudessem realmente estar a ponto de tomarem-se civilizados"

    (WOOLF, 1964, p. 36)Neste sentido, no seu mais amplo limite, Bloomsbury esta-

    carregando os valores classicos do iluminismo burgues. Ele erantra a hipocrisia.jisupersticao, a pretensao e 0escandalo. Tam-rn estava contra a igno'ncia, a pobreza, a discriminacao sexualracial, 0militarismo e 0 imperialismo. Mas ele estava contra to-s estas coisas em urn momenta especffico do desenvolvimentopensamento liberal. Contra todos estes males, 0que ele busca-

    a nao era qualquer ideia alternativa para toda a sociedade. Aontrario, ele se valia do supremo valor do individuo civilizado,ja pluralizacao, enquanto individuos cada vez mais civilizados,a ela mesma a unica direcao social aceitavel,o carater.profundamente representativo desta perspectivaseu compromisso pode agora ser visto mais claramente. Ele eje a definicao central da ideologiaburguesa (a pratica burguesa,bviamente, e outra coisa). Ele comanda os ideais ptiblicos dea faixa bastante ampla de opinioes polfticas ortodoxas, desdeconservadores modemos ate ao liberais e os mais representa-os social-democratas. E a filosofia da soberania do indivfduo

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    A fra~ao BloomsburyRaymond Williams civilizado, nao apenas contra todas as forcas obscuras do passadomas tambern contra todas as outras forcas sociais reais, as quai

    em conflitos de interesses, em cIamores altemativos, em outra.definicoes da sociedade e dos relacionamentos, podem ser rapidamente vistas como inimigas assim como podem rapidamente sedistribufdas ao mais distante limite que e marc ado por sua propridefinicao de 'civilizado'. Aquela confianca inicial em sua posicaono perfodo anterior a 1914, tern em seu longo encontro com todaestas outras forcas sociais reais, 0 sentido de "decadencia a todvapor", conforme expressao de Leonard Woolf. Por toda esta continua ortodoxia geral, ele aparece agora muito mais frequente-mente como alguem que cerca suas posicoes ao inves de alguemque tenta expandi-Ias. A repeticao de seus dogmas entao, por suvez, toma-se cada vez mais ideologica.o momenta de Bloomsbury nessa historia e significanteEm sua pratica - assim como na sensibilidade dos romances dVirginia Woolf e E.M. Foster - ele poderia oferecer evidenciasmuito mais convincentes da substancia do indivfduo civilizadoque a expressao "reagrupamento ortodoxo". Em sua teoriap~tica, desde a economia keynesiana ate seu trabalho para a Ligdai' Nacoes, 0 grupo realizou poderosas intervencoes no sentidode riar as condicoes polfticas, economicas e sociais nas quais oin ividuos, libertados da guerra, da depressao e dos preconceitos,poderiam estar livres para ser e para tomarem-se civilizados.Assim, em suas exemplos pessoais e em suas intervencoes priblicas, Bloomsbury assumiu posicoes serias, dedicadas e inventivasde uma forma como nunca havia existido antes no seculo XX. Dfato, 0 paradoxo de muitos dos julgamentos retrospectivos dBloomsbury e que 0 grupo viveu e trabalhou sua posicao comuma nova e desconfortavel sinceridade: desconfortavel, quedizer, pelo menos para muitos daqueles para quem 0 'individua-lismo civilizado' e uma ideia sintetizadora para urn processo dcon sumo conspfcuo e privilegiado. Nao se trata de uma tentativade separar as posicoes de Bloomsbury daqueles desenvolvimen-tos posteriores: existem algumas continuidades reais, como n

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    culto da proeminente-compreensiva-devasta~ao, e em certasarmadilhas que emergiram, como na economia keynesiana e nasaliancas militares e monetarias, Mas precisamos ainda ver asdiferencas entre 0 fruto e sua podridao, ou entre a semente culti-vada em meio a grandes expectativas e sua arvore elegantementedeformada.

    Mas, entao, a medida que vemos tanto as conexoes quan-to as diferencas, precis amos continuar a analisar as obscuridadese os enganos da posicao original em tomo da qual Bloomsburydefiniu a si mesmo. Isto pode ser feito de maneira seria ou des-preocupada. Deixe-nos por urn momento optar pela ultima, emurn dos proprios costumes de Bloomsbury. Pode ser dito, e foigeralmente dito, que 0grupo nao tinha uma posicao comum. Mas,enfim, por que eles precisariam de uma? Se olharmos com cuida-do veremos que havia Virginia e Morgan na literatura; Roger,Clive, Vanessa e Duncan nas artes; Leonard na politica; Maynardna economia. Estas areas nao cobriam 0 total interesse de todas aspessoas civilizadas? Talvez com uma excecao, mas nos anos 20,de maneira significativa, isto ~ra remediado. Urn mimero de asso-ciacoes e relacoes do grupo ~Adrian e Karin Stephen, JamesStrachey - adotaram a nova pr~tica da psicanalise, e a editoraHogarth Press de Leonard e Virginia Woolf - sua propria criacaodireta e notavel - efetivamente introduziu 0 pensamento freudi-ano em lingua inglesa. Assim, a impressionante lista de Virginia eMorgan na literatura, Roger, Clive, Vanessa e Duncan nas artes,Leonardo na polftica e Maynard na economia, poderfamos, porassim dizer, acrescentar Sigmund no sexo.

    E tentador negar todas essas afirmacoes, mas a questaosubjacente e seria. 0trabalho e 0pensamento do grupo Blooms-bury, e aquele outro trabalho e pensamento que the e efetivamenteassociado e apresentado - incluindo, e preciso dizer, a poesia'comunista' inicial dos anos 30 - sao notaveis, a primeira vista,por seu ecletismo, por suas evidentes desconexoes, Neste sentido,e compreensfvel que qualquer urn pudesse voltar e perguntar,retoricamente, que conexoes poderiam haver entre Clive Bell na

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    A fra~o BloomsburyRaymond Williams arte e Keynes no emprego, ou Virginia Woolf na ficcao e LeonardWoolf na Liga das Nacoes, ou Lytton Strachey em hist6ria e os

    freudianos em psicanalise. E certo que nao podemos colocar todosestes trabalhos juntos e fazer deles uma teoria comum. Mas e6bvio que esta e a questao central. As diferentes posicoes que 0grupo Bloomsbury reuniu, e as quais eles efetivamente dissemi-naram como sendo os conteiidos da mente de urn indivfduo civi-lizado, moderno e educado, sao todos, em efeito, alternativas auma teoria comum. Nao e preciso perguntar, enquanto essas im-pressoes perduraram, se as generalizacoes de Freud sobre aagressao sao compatfveis com 0 trabalho desenvolvido para a Ligadas Nacoes; ou se suas generalizacoes em arte sao compativeiscom a ideias de Bell de 'forma signiticante' e 'extase estetico', ouse as ideias de Keynes sobre a intervencao publica no mere adosao compativeis com a profunda concepcao da sociedade comourn grupo de amigos e de relacoes, Nao e preciso perguntar porque a integracao efetiva ja havia tornado lugar, ao nivel do 'indi-vfduo civilizado', a definicao singular de todas as melhores pes-soas, seguras em sua autonomia mas voltando sua atencao paraaqui e acola, conforme a ocasiao exija. E 0 objetivo que govern atodas as intervencoes ptiblicas e 0 de assegurar este tipo deautonomia, encontrando formas de diminuir as pressoes e confli-tos, e de evitar desastres. A consciencia social, no tim, existe paraproteger a consciencia privada.

    Onde isto possa ser assegurado sem este tipo de protecao- nas form as privilegiadas de certos tipos de arte, recusando 0'sacriffcio ... para a representacao' como 'algo roubado da arte'(BELL, 1914, p. 44), ou de certos tipos de ficcao, como em Vir-ginia Woolf rejeitando de modo zombeteiro a descricao social -

    "Comeca dizendo que seu pai possuia uma loja em Harro-gate. Descobrir exatamente qual a renda. Descobrir exatamente ossaldrios dos funciondrios da loja, em 1878. Descobrir do que suamiie morreu. Descrever 0ciincet: Descrever algodiio. Descrever. ..."

    (WOOLF, 1924, p. 18)

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    ~ ou nas fonnas disponiveis e significantes de relaciona-mento pessoal e de prazer estetico - tambem.nao ha conflito ape-sar de alguns detalhes "incomodos" com a consciencia social. Aocontrario, esta sensibilidade mais elevada e 0 tipo de vida a qual ~sua meta e modelo, ap6s a remocao racional dos conflitos (' desne-cessarios') e das contradicoes e maneiras de despojamento,

    Para 0bern da vida pessoal e da arte, conforme Clive Belldeclara:

    "A sociedade pode fazer alguma coisa ... porque ela podeaumentar a liberdade ...Ate mesmo os politicos podem fazer algu-ma coisa. Eles podem repelir as leis de censura e abolir asrestricbes a liberdade de pensamento, de linguagem e de condu-ta. Eles podem proteger as minorias. Eles podem proteger a origi-nalidade do 6dio da multidiio mediocre."

    (BELL, 1914, pp. 274-5)Isto nem sempre e aquela estranha mistura de doce e

    azedo. Isto, na verdade, nunca esta livre das conotacoes de c1asse,como de novo lemos explicitamente em Bell:

    \liberaciio niio sera completa ate que aqueles que

    apren m a desprezar a opinido das classes medias baixasapren tambem a abandonar os padriies e a desaprovar aspessoas que siio forcadas por suas limitaciies emocionais a ver aarte como uma elegante amenidade ....0 conforto eo inimigo; aluxuria e simplesmente 0 defeito da burguesia."

    (BELL, 1914, pp. 273-4),E continuando em tom desafiante:"0 minimo que 0Estado pode fazer e proteger quem tem

    algo a dizer e que pode causar tumulto. 0que niio causar tumul-to provavelmente niio vale a pena ser dito,"

    (BELL, 1914, p. 275),

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    fra~jjo BloomsburyondWilliams Ainda assim, apes tel dito tanto, nao houve tumultos, Porcausa de todas suas excentricidades, incluindo as valiosas excen-tricidades, Bloomsbury estava articulando uma posicao a qual,ainda que em instancias cuidadosamente dilatadas, iria tornar-seuma norma 'civilizada'. No proprio poder de sua demonstracaode uma sensibilidade privada que deveria ser protegida e amplia-da atraves de formas de interesse publico, eles introduziram asformas efetivas de dissociacao ideologica conternporanea entre avida 'publica' e 'privada'. A consciencia de sua propria formacaoenquanto individuos na sociedade, daquela formacao socialespecffica que os fez explicitamente urn grupo e implicitamenteuma fracao de uma classe, nao estava apenas alem de suas reali-zacoes; ela foi diretamente desconsiderada, uma vez que 0 indivf-duo livre e civilizado tinha ja seus detalhes estabelecidos. A psi-canalise poderia ser integrada a isto, mas apenas como urn estudoa-historico das formacoes individuais especfficas. As polfticaspiiblicas poderiam ser integradas a isto, enquanto fossem dirigi-das para a reforma e 0 reparo da ordem social a qual tinha pro-duzido estes indivfduos livres e civilizados; mas a qual, atraves daestupidez e anacronismo agora ameacava sua existencia e suareproducao indefinida e generalizada. A natureza final de Blooms-bury, enquanto grupo, e que ele foi realmente, e diferencialmente,urn grupo formado por indivfduos livres e para indivfduos livres.Qualquer posicao comum, enquanto distinta desta suposicao,poderia entao te-Io rompido, ainda uma serie completa deposicoes especializadas, teria se tornado naturalizada - emboraagora mais evidentemente incoerente - em todas as fases poste-riores da cultura inglesa. E neste exato sentido que este grupo deindivfduos livres deve ser visto, final mente, como uma fracao(civilizada) de sua classe .

    ural; Sociologia, USP,S. Paulo, 6: 139-168, l.sem. 1999 16 7

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    WILLIANS, Raymond. The Bloomsbury fraction. Plural; Sociologia, USP,S. Paulo, 6: 139-168, l.sem. 1999

    Abstract: The author discusses the importance of sociological analysis of cul-tural groups, focusing the Bloomsbury Group, formed in England, in the firstdecades of the Twentieth Century, in which took part renamed talents such asVirginia Woolf and Maynard Keynes. The author tries to find ways of discussingtheir formation which acknowledge the terms in which they saw themselves andwould wish to be presented. Williams analyses the general social and culturalsignificance of the group, through their shared values, specially personal affec-tion and aesthetic enjoyment, that made Bloomsbury represented a "new style".Moreover, its members are considered the forerunners in a more general muta-tion within the professional and highly educated sector. They were also carryingthe classical values of bourgeois enlightenment and defending the supreme valueof the civilised individual, whose pluralization was itself the only acceptablesocial direction.Uniterms: Bloomsbury, cultural groups, cultural sociology, individualism,modernity

    BmLIOGRAFIABELL, Clive. Art. London, 1914.WOOLF, Leonard. Sowing. London, 1960.______ . Beginning again. London, 1964.WOOLF, Virginia. Mr. Bennet and Mrs. Brown. London, 1924.

    A fra~iio BloomsburyRaymond Williams