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17
Capítulo I
A fronteira mais remota da América portuguesa: minas de Cuiabá e
Mato Grosso
18
Mappa dos sertões que se comprehendem de mar a mar entre as capitanias de S. Paulo, Goyazes, Cuyabá, Mato-Grosso e Pará Data: [17--]. Biblioteca Nacional Digital.
19
Minas auríferas na colônia do Brasil não era novidade para a coroa
portuguesa, desde a segunda metade do século XVI. Já haviam sido descobertas, no ano
de 1560 e 1570, em São Vicente e Paranaguá, respectivamente. Depois na Bahia e
sertão de Minas Gerais, (1695). No XVIII, as de Cuiabá (1719), Goiás (1725) e Mato
Grosso (1734), na fronteira a oeste, algumas outras ao norte, como Espírito Santo e
Pernambuco, não mereceram grandes investimentos, especialmente no Espírito Santo,
devido a sua vulnerabilidade por estar na costa brasileira.1 Mas, as novas frentes,
encontrando-se nos sertões mais afastados, serviram à coroa, não apenas com novos
dividendos obtidos em ouro e através da capitação de impostos, num período de forte
recessão pelo qual passava Portugal, mas também como oportunidade de avanço
territorial do império lusitano frente à Espanha.
O que importava sobre esta nova fonte de riquezas, que a colônia iria
oferecer à metrópole foram as atitudes necessárias que tiveram de ser tomadas
administrativamente, com vistas a conter a corrida desordenada do ouro e o impacto
que a mineração causou, primeiramente, na economia interna da colônia. A pecuária do
nordeste teve sua ascensão com a produção de gado, aumentando o preço do produto,
agora dirigido mais aos mineradores do sertão de Minas Gerais, Cuiabá, Goiás e Mato
Grosso. A agricultura consagrada das outras regiões, contudo, ainda que também
encontrasse novos consumidores e igualmente subindo seus preços, viu aumentar
substancialmente os custos na obtenção da mão de obra escrava, fundamental na
lavoura. Comprados pelos mineradores em ouro e à vista, enquanto eles só podiam
pagar com a produção agrícola ao fim das colheitas. Os negociantes de escravos
preferiam, antes, vendê-los aos primeiros.2
Na metrópole, a mineração mudaria definitivamente as relações
portuguesas com o mercado Europeu, notadamente com a Inglaterra, quando o ouro
brasileiro, conforme Wood (1999), “[...] legal ou contrabandeado, estimulou o
comércio e as exportações inglesas para Portugal durante toda a primeira metade do
século XVIII”.3 Arrisca a afirmar que: “É possível dizer que o ouro brasileiro lançou
as bases para a futura revolução industrial na Inglaterra”.4 No balanço do comércio de
exportação e importação entre Portugal e Inglaterra, entre os anos de 1701 e 1750, a
1A.J.R. RUSSEL-Wood, O Brasil Colonial: O ciclo do ouro, c.1690-1750. In: História da América Latina
– América Latina Colonial. Vol. II. Leslie Bethel (Org.). São Paulo, EdUSP, 1999, p. 475. 2 Ibidem, p. 476-477. 3 Ibidem, p. 524. 4 Ibidem, Ibidem.
20
desvantagem de Portugal era latente, só sendo compensada, conforme Frederic Mauro
(1999), com a exportação do ouro e diamante do Brasil.5
A nova frente mineradora da colônia portuguesa do Brasil setecentista,
transformou drástica e inexoravelmente as terras até então habitadas por inúmeras
nações indígenas no extremo oeste, já muito além da linha demarcadora do Tratado de
Tordesilhas então em vigor, firmado entre as coroas ibéricas (Portugal e Espanha –
1494). Os paulistas, conhecidos como os bandeirantes, foram os pioneiros no avanço
por estas paragens, até alcançar terras mato-grossenses. Partiram em empreitadas,
arriscadas e dispendiosas, em busca de riquezas minerais e de indígenas, mão de obra
farta e gratuita, que facilmente poderiam comercializar em São Paulo.
Na Relação de Barbosa de Sá, elencando os pioneiros que aportaram
nas margens do rio Cuiabá, o cronista destaca o bandeirante paulista Antonio Pires de
Campos, em sua busca por indígenas que pudesse apresar, encontrando, na confluência
dos rios Cuiabá e Coxipó-Mirim, os silvícolas denominados de Coxiponés, no ano de
1718. Tinha Antonio certa segurança do sucesso de sua empreitada de apresamento,
baseando-se na incursão anterior, quando ainda era bastante jovem, realizada com seu
pai, Manoel de Campos Bicudo, e o irmão, Felipe Campos Bicudo, acompanhados de
mais treze homens, sendo dois deles portugueses, Francisco Xavier e João de Frias.6
Fez pouso no local onde chamou de São Gonçalo, apresando os indígenas procurados
sem, contudo, encontrar ouro. Atualmente, esse local é chamado de comunidade de São
Gonçalo Beira Rio, habitada por descendentes dos primeiros ocupantes, conhecida por
seus ceramistas e de forte apelo turístico.7
Conforme Siqueira, em História de Mato Grosso,8 nesta altura, já
corriam na Europa as notícias sobre as minas de prata do Peru, descobertas pelos
espanhóis, que transitavam em sua direção pelo Pantanal mato-grossense, a leste da
ocupação empreendida pelos portugueses a partir do século XVIII. Isso facilitou a
coroa lusitana explorar e ocupar a parte a oeste, investindo, paulistas e portugueses,
portanto, no apresamento de indígenas, mas atentos à possibilidade de encontrar
riquezas minerais, fato que se efetivou na viagem de Pascoal Moreira Cabral (1719), no
5 MAURO. Frederic. Portugal e o Brasil: A reorganização do Império. In: História da América Latina –
América Latina Colonial. Vol. I. Leslie Bethel (Org.). São Paulo, EdUSP, 1999, p. 470-471. 6 SÁ. Joseph Barboza de. Relação das Povoaçoens do Cuyabá e Mato Grosso de seos princípios Thé os
prezentes tempos. Cuiabá: UFMT, 1975, p. 9. 7 SIQUEIRA. Elizabeth Madureira. História de Mato Grosso: Da ancestralidade aos dias atuais. Cuiabá:
Entrelinhas, 2002, p. 30-31. 8 Ibidem.
21
ano seguinte à expedição de Antonio Pires de Campos, fazendo Cabral o mesmo
percurso e chegando à velha e abandonada aldeia de São Gonçalo, onde deixou
bagagem e alguns de seus homens, avançando rio acima, quando, então, se deparou
com gravetes de ouro incrustados nos barrancos ou adornando o corpo dos almejados
Coxiponés.
Pascoal Moreira Cabral, escreveu para a coroa portuguesa informando
do achado, com a assinatura de 23 de seus companheiros que restavam vivos, “tendo
morrido 8 brancos, fora os negros”9, desencadeando, assim, a corrida pelo ouro:
Divulgada a notícia pellos povoados, foi tal o movimento que cauzou
nos ânimos que das minas gerais Rio de Janeiro e de toda a Capitania
de Sam Paulo se aballaraó muitas gentes deixando cazas, fazendas,
mulheres e filhos botando-se para estes Sertoens como se fora a terra
de promissam ou o Parahyso incoberto em que Deus pos nossos
primeiros paes.10
Neste período, a região fazia parte da capitania de São Paulo e seu
governador era o Conde de Assumar, Dom Pedro de Almeida Portugal. Mas toda a
organização para a ocupação do novo lugar, teve início com o general Rodrigo César de
Menezes, novo governador da capitania de São Paulo, que tomou posse em substituição
ao Conde de Assumar, em 1721.11
O ouro descoberto mudaria inexoravelmente e para sempre todo o
ambiente e a vida da população nativa, mas também, ao mesmo tempo e de diferentes
maneiras, a de muitos paulistas. Logo em seguida, um fluxo migratório e emigratório se
processou, seja pelos inúmeros imigrantes lusos que já estavam instalados no Brasil,
mas também os de Portugal, de onde saíram encantados com as boas novas. Emigraram
de Portugal, homens e algumas poucas mulheres acompanhando o marido, de diversas
partes do reino, especialmente do Minho, mas também de Lisboa, das Ilhas e até do
Algarves, no extremo sul de Portugal. No ano de 1721, continuadas as buscas por novas
jazidas, o sorocabano Miguel Sutil, descobriu, às margens córrego Prainha, afluente do
rio Cuiabá, um novo e promissor veio aurífero. Bastou para os que mineravam do rio
Coxipó acima e do Arraial Velho (São Gonçalo) se voltassem para esse novo achado.
9 SÁ. Joseph Barboza de. Relação..., p. 11. 10 Idem, p. 12. 11 LEVERGER. Antonio Augusto, APONTAMENTOS Cronológicos da Província de Mato Grosso. In:
RIHG, Tomo 205, Edição de 1949, p. 215.
22
Mais tarde seria erguido, no lugar, um pequeno vilarejo, o arraial, mais tarde
transformado na Vila do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. A notícia de que Miguel Sutil e
seus homens haviam extraído o equivalente a seis toneladas de ouro num só mês, em
Cuiabá, conforme Taunay (1975) “desvairaria as mais sólidas cabeças”.12
.
Uma jornada interminável de gentes, que duraria todo o século XVIII,
invadiu, literalmente, os sertões cuiabanos, ofuscados pelo brilho dos gravetes de ouro
em novas terras até então desconhecidas e, portanto, “sem dono”, inclusive aos olhos e
almas de além mar. Terras fartas e auríferas, de muitas águas e campos agricultáveis,
tirariam das aldeias portuguesas levas incontáveis de emigrantes, lembrando que as
Minas Gerais, nos finais do século XVII, já haviam provocado saídas exageradas de
minhotos, as novas minas ainda por serem „ocupadas‟ e exploradas, originando novos e
avultados impulsos emigratórios. Sem o controle de passaportes até o século XIX, é
impossível quantificar acertadamente o número dos que vieram para Cuiabá, mas
seguramente era composto majoritariamente por homens que abandonaram o Minho nos
primeiros anos dos setecentos, rumo ao novo paraíso dourado, onde, enfim, se cumpria
o desígnio de romper com a vida pobre e limitada de até então. Puderam saber sobre
este novo Eldorado, mágico e fabuloso de ouvir falar, alimentando a imaginação e
idealizando um futuro.
O alvoroço trouxe problemas de toda ordem para a Coroa: Luiz Avahia
relata que, na década de 1720, “Continuavam a chegar ao Rio de Janeiro
numerosíssimos imigrantes não portadores de passaportes. Havia quem avaliasse estes
clandestinos em dezoito mil!”.13
Naquele ano é se que fez necessária a Lei restritiva,
visando o controle sobre emigrantes e que trataremos no capítulo seguinte.
Aproveitando as novas descobertas, homens considerados párias de toda
ordem, viam nessa mobilização a possibilidade de fuga e chance de enriquecimento.
Para a Corte, o descontrole sobre esse contingente populacional poria em risco o
desenvolvimento da nova fronteira lusitana e a administração dos lucros das riquezas
daí provenientes. Mas, casos de furto do ouro extraído dessas novas minas, que deveria
chegar às mãos do rei, não se deram por estes infelizes que conseguiram por lá ficar.
O primeiro caso de extravio de ouro envolveu o próprio governador da
capitania de São Paulo, que então abarcava as futuras capitanias do Paraná, Goiás e
12 TAUNAY, Affonso de E. Historia das Bandeiras Paulistas, Relatos Monçoeiros, 3. ed. São Paulo,
Melhoramentos, 1975, Tomo II, p. 67. 13 TAUNAY, op. cit., p. 32.
23
Mato Grosso, Rodrigo César de Menezes, e um seu enviado ao Rio de Janeiro. Quando,
em 1726, resolveu ele residir nas Minas de Cuiabá, mandou elevar os impostos e
fiscalizou sua coleta. Depois de uma farta arrecadação, mandou encaixotar o ouro
devido ao rei de Portugal que, da Vila de São Paulo, seguiria para Lisboa. Um
“milagre”, contudo, resolveu a pendenga e livrou o governante da suspeita e da prisão:
“Quem fizera a transmutação do ouro não fora a mão humana, mas sim a da Divina
Justiça pelas lágrimas dos miseráveis despojados de suas fazendas”14
referindo-se o
relator do fato, Machado de Oliveira, aos que perderam tudo nas minas tendo que pagar
os tributos aviltados dos quintos à Coroa. Ironia sagaz para acusar as falências e perdas
a que muitos se viam, nem bem haviam conseguido alcançar seu intento nas lavras, ou
seja, ultrapassar as barreiras oficiais e geográficas, sobreviver e chegar às minas, nunca
fora garantia de sucesso aos imigrantes. Enfrentar também a perseguição da cobrança
abusiva de tributos incididos sobre o que conseguiam e perder tudo, também fazia parte
da jornada. A cobrança dos quintos pela Coroa, ou seja, a quinta parte de todo ouro que
se extraísse na colônia, dos dízimos, dos subsídios voluntários, podem ter construído as
riquezas das pessoas incumbidas desse fisco, assim como de muitos reinóis. Mas, a
avidez pelas riquezas que podiam conseguir os “aventureiros” fez com que,
incoerentemente, muitos mineradores e agricultores abandonassem a região ou
burlassem seus números para poderem continuar na atividade, especialmente os
pequenos.
Pelo crime da transformação do ouro de Cuiabá, prendeu-se, por fim,
Sebastião Fernandes, secretário de Rodrigo César de Menezes, o responsável por enviar
o tal caixão com ouro para Lisboa. Chegando a remessa ao destino, porém, carregada de
chumbo, sem que ninguém conseguisse dar uma plausível explicação, e diante do
assombro do rei, que esperava pessoalmente por sua abertura.15
Numa fronteira ainda não demarcada com a Espanha, onde os paulistas e
portugueses haviam chegado a pouco, muito próximos dos espaços já ocupados pelos
castelhanos, tudo o que a Corte precisava evitar era homens sem fidelidade à Coroa
portuguesa ou com o Rei, D. João V, e seu propósito de ocupação, defesa das riquezas
descobertas e domínio total da nova área. Mas, com tantas perspectivas de futuro, a
muitos chamava atenção esse novo “novo mundo”. Não só homens desprovidos e
humildes do Minho, mas também, conforme Luiz Avahia: “[...] uma recua de
14 Idem, p. 64 e ss. 15 Ibidem.
24
vagabundos, ladrões e inimigos do trabalho, e entre eles bastantes clérigos de má fama”.
16
Homens temidos que precisavam ser retidos em Portugal. A ideia de que
eram enviados propositadamente não cabia, portanto, no propósito português. O
degredo dos fora da lei era, normalmente, Angola, além do pagamento de multas. Mas,
com o tempo, o Brasil passou a ser mais um lugar de recebimento dessa categoria de
homens. A ordem era para que os mestres dos navios não embarcassem tais sujeitos.
Por dinheiro e, com certeza, em boa quantia, houve aqueles que conseguiram desviar
emigrantes fugidos da lei rumo ao Brasil. No relato de Luiz Avahia, vemos que muitos
foram os que ajudaram a povoar Colônia de Sacramento, no extremo sul, “que se achava
muito falta de guarnição”17
, sendo para lá enviados os que fossem pegos. Dentre estes,
havia meninos menores de dez anos! Retornados a Portugal.
As incursões primeiramente dos paulistas, que acabaram por descobrir o
ouro, já nas barras da ocupação espanhola, buscavam, acredita-se, braços indígenas por
eles mesmos capturados para suas lavouras e mercantilização com as capitanias que não
se apoiaram no braço escravo africano, visto ser uma mercadoria cara e nas mãos de
ávidos comerciantes do Nordeste e do Rio de Janeiro. Desde então, as monções não
pararam mais de subir e descer rios. As notícias corriam por todo lado na colônia e na
metrópole. O que muitos não tinham pleno conhecimento, ainda que quisessem, era a
avultada soma de dificuldades e suas características, sendo estas muitas vezes
intransponíveis e fatais para muitos deles. Para se chegar às novas minas, logo
denominadas de Cuiabá, era preciso transpor os rios em barcos carregados de pessoas,
mantimentos, armas, objetos pessoais, ferramentas e tudo mais que acreditassem ser
necessário para se estabelecer em terras tão distantes da costa.
Poucos anos após as descobertas, em 1722, quando da construção da Igreja
do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, as notícias de mortes no trajeto monçoeiro já eram
bastante conhecidas. Devorados por onças, sucumbidos às febres e fome, passagem
narrada por Joseph Barboza de Sá, mostra bem a febre que obcecava quem para lá se
dirigia, ávido pelo ouro:
Um João Lopes, moço pobre europeo [português], vinha agregado a
um rico que trazia cinco canoas com fazenda e bastante escravatura.
16 Ibidem. 17 Ibidem.
25
Adoecendo de enfermidade e fome informa que já não podia pegar o
remo para remar como antes o fazia. O lançou o patrão, dono do
comboio em terra sobre o barranco do rio dizendo-lhe que ficasse ali e
que se pusesse com Deus, que certamente morreria. Que ele não podia
levar para diante que não tinha com o que curar nem sustentar.18
O moço português João, depois de dois dias, passados somente a água e
esperando pela desgraça maior de sua vida, ali abandonado à própria sorte, sobreviveu,
alimentando-se de um tamanduá, e tendo sido resgatado oito dias mais tarde por outra
monção que rumava a Cuiabá. Por ironia, encontraram no caminho o comboio do ex-
patrão, destroçado e este morto. João, por fim, alcançou as minas. Contaria sua história
a quem quisesse ouvir, sabedor que era de sua sorte e das surpresas do destino, mas,
também, da grande possibilidade de muitos outros jovens, como ele, jamais chegar.
Ainda que peixes e caça fossem abundantes por todo trajeto de tantos rios,
não pescavam ou caçavam, possivelmente temendo ficar mais que o necessário nos
caminhos. Quem o fazia, vendia-os a preços bem altos. Além das jornadas extenuantes e
quase insanas, ao chegar e iniciar os trabalhos na esperança de obter, logo, bons
resultados que justificassem tamanho empreendimento, viam-se, pouco tempo depois,
obrigados a pagar pesadas taxas, os quintos para a Coroa portuguesa sobre tudo o que
podia significar exploração econômica por ali, além da cobrança por cabeça de
escravos, quando da primeira entrada destes às minas. E chegavam sempre, tanto para a
lida na mineração como para a formação de lavouras de subsistência, suprindo o
mercado interno em crescimento contínuo.
De 1719 a 1734, o universo territorial conhecido se circunscrevia à região
do rio Cuiabá, Serra Acima (Chapada dos Guimarães) e São Pedro D‟El Rei (Poconé),
porém, fugindo da alta taxação dos impostos, alguns aventureiros rumaram para
noroeste, atingindo o Rio Guaporé, onde encontraram jazidas auríferas. Nasciam as
Minas de Mato Grosso, nome atribuído devido à densidade da floresta Amazônica.
Entre os anos de 1720 a 1750, ou seja, a partir dos descobrimentos das
minas até o final da primeira metade do século XVIII, primeiros anos das descobertas,
portugueses e brasileiros importaram 10.775 escravos para as minas de Cuiabá e Mato
Grosso. De 1720 a 1772, já eram 16.480 os “importados” no conjunto dos anos da
administração de cada capitão-general da capitania, até 1772: de 1720 a 1750, ainda não
18 SÁ. Joseph Barboza de. Relação ..., p. 4.
26
se pode considerar a capitania estabelecida. De 1751 a 1764, os números se referem ao
período dos primeiros governadores de Mato Grosso, sendo as “importações”, via Pará,
iniciadas em 1756, ao passo que as demais, antes dessa data, eram realizadas pela via do
sul, ou seja, pelas monções que demandavam a São Paulo. A partir de 1765 até 1768,
abarcando o governo de João Pedro da Câmara, e de 1769 a 1772, o governador era Luís
Pinto de Souza Coutinho. No total, 874 escravos entraram em Mato Grosso via Pará,
sendo 16.606 trazidos via São Paulo.19
Essa informação vai de encontro às informações dos Apontamentos
Cronológicos da Província de Mato Grosso, de Augusto Leverger, o Barão de Melgaço,
que afirmava haver, no ano de 1727, em Cuiabá, 2.607 escravos.20
Os dados de 1720 a
1750 não apontam ano a ano, o que leva então, por ora, a aceitar dos dados dos
Apontamentos. Para o ano de 1798, em Cuiabá e Serra Acima, i.é, Chapada dos
Guimarães, eles apontam para um total de escravos de 6.676 apenas para estas duas
regiões.21
Basta lembrar que as minas estavam em franca ocupação. A seguir, o Barão
de Melgaço informou que muitos habitantes fugiram dessas minas para as de Goiás e
outros se internavam nos sertões em busca de índios, (mão de obra gratuita), fugindo
dos pesados tributos. O que podemos supor é que, além da fuga diante das cobranças
cada vez mais excessivas e rigorosas, era preciso, para manter o empreendimento com
algum lucro, forjar informações sobre o número de escravos, camuflando a
lucratividade de seus negócios. Quanto mais cativos tivessem, evidente era seu sucesso
e, ainda, burlar a cobrança de impostos na entrada de escravos novos, maquiando seu
número corrompendo algum oficial, o que não era difícil, ao imaginarmos o contexto.
Sete anos depois, a tributação aumentou consideravelmente: Uma loja, ou
uma simples venda, viu aumentarem as cobranças de 11 para 50 oitavas de ouro, assim
como o exercício de qualquer ofício, de 11 para 28 oitavas. Todas as demais atividades
tiveram aumento na mesma proporção, ou seja, de 100 até 500% em três anos.22
, além
de proibirem as tendas e o ofício dos ourives, no ano seguinte. Era uma situação
insuportável também para os que sobreviviam das atividades paralelas à mineração.
19 CRIVELENTE. Maria Amélia Assis Alves, Domingos Angola e Joaquina Mina: “Identidades
africanas” nos casamentos de escravos na fronteira oeste da América Portuguesa - Mato Grosso – Séculos
XVIII e XIX. Cuiabá: Carlini & Caniato, 2012, p. 53. 20 MELGAÇO. Barão de, Apontamentos Cronológicos da Província de Mato Grosso. In: Revista
trimestral do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Vol. 205, 1949, p. 217. 21 CRIVELENTE. Domingos Angola...p. 55. 22 MELGAÇO, op.cit., p. 218.
27
Não bastava, ao chegar, se aventurar insanamente pelo ouro, pois qualquer
atividade onde pudessem obter algum lucro devia ser dividida com o reino. Simular
prejuízos era uma maneira corriqueira de se manter nas explorações mineradoras, que
nem sempre correspondiam a contento. Os tributos eram excessivos, para um início de
exploração e tentativa de sobrevivência dos mineradores e comerciantes locais, o que
causou o abandono de Mato Grosso por muitos deles, não vendo ali possibilidades de
enriquecer, ou mesmo empobrecendo devido a tantos encargos. A cada ano, Mato
Grosso, em todas as suas atividades diretas e indiretas à mineração, rendia mais e mais
aos cofres da Fazenda Real.
Em 1727, Cuiabá, adquiriu status de Vila Real do Senhor Bom Jesus do
Cuiabá, contudo, exigia-se para tanto: Câmara, cadeia, capela, e pelourinho. Apenas em
1818 seria elevada à categoria de cidade, tornando-se capital da província em 1835,
oficial e definitivamente:
[...] Deu-se-lhe por armas um escudo dentro com campo verde e um
morro ou monte no meio, tudo salpicado com folhetas e granetes de
ouro, e por timbre, em cima do escudo, uma Fênix.23
Na falta de água devido às secas prolongadas, os mineradores se viam
obrigados a usar criatividade, fazendo montes de terra por onde o ouro caía, o
“caxambu”, que era lançado ao alto, fazendo um pequeno morro e, ao deslizar, as pedras
se desprendiam. Era lavado, então, o cascalho para separar o ouro. Rudimentar,
trabalhoso e que em nada os fazia prosperar. Vem dessa prática a inspiração do desenho
do brasão da Vila. As apostas, numa mineração abundante, não se realizaram. Alguns
cronistas da época atribuíram à rápida escassez do ouro de Cuiabá o fato de ter sido ele
de aluvião, isto é, ouro que só era extraído da superfície da terra. A falta de
instrumentos mais eficazes para que pudessem fazer mais profundas perfurações,
adicionada à desatenção dos mineradores para este detalhe, fizeram logo o desencanto
de muitos.
O General Rodrigo César de Menezes foi enviado, no ano anterior, para
conhecer de perto o que estava se tornando um problema de fronteira com as novas
riquezas a serem conquistadas e preservadas sob o domínio português e, então, sob o
seu comando. Ele tinha a missão de colocar ordem na casa! Trouxe consigo o ouvidor
23 Ibidem.
28
Lanhas Peixoto que, não tendo a mesma sorte da vinda, morreu tragicamente no seu
retorno, e o Padre Lourenço de Toledo Taques como visitador e pároco da primeira
Vila.
Garantir a ordem, fazer com que chegassem ao reino através de pesados
impostos o máximo do ouro que já vinha sendo dali extraído. Em 1726, tomando
conhecimento do trajeto utilizado pelos bandeirantes, embarcou no rio Tietê, iniciando
uma longa e tumultuada jornada, já de antemão prevista. Era o mês de julho, ainda
tempo adequado para as travessias que deviam ser feitas conforme observações de quem
já a tinha realizado. O ideal, de fato, eram as saídas a partir do mês de maio, não se
permitindo adentrar novembro, mês do início das águas na região. Saindo em maio,
percorrendo os caminhos que exigiam do navegador em torno de 5 a 6 meses de viagem,
ao chegar novembro, já lá estariam:
A moção [monção] mais conveniente para as minas do Cuiaba, e a de
20 de Maio ate dia de S. Antonio: Alguns ha, que se alargam ate o
meio de julho, mas estes sao so alguns sertanistas praticos no mesmo
sertao, e que se valem de muitos gentios mansos e domesticos para
esta navegacao: mas segura e sem duvida a de 20 de maio ate 13 de
junho, tempo em que se deve estra ja no Rio Grande [Parana], por nao
se expor ao riso de ter contra si as correntes dos rios, e suas
encchentes, nas quais se tem perdido muita gente.24
O sofrimento daqueles que partiam rumo às novas minas mato-
grossenses foi experimentado pelo capitão general Rodrigo César de Menezes. Segundo
relato de Augusto Leverger, o General levava consigo 3.000 pessoas em 300 canoas.25
Dez anos haviam se passado desde as primeiras incursões dos bandeirantes, portanto,
muitos já estavam por lá garimpando. Notícias de abundância e enriquecimento dos
“aventureiros” já deviam preocupar a corte. As correntezas e quedas d‟água desde o
começo da travessia anunciavam as dificuldades que seriam severas e marcantes por
todo percurso. Dois dias após o embarque no Tietê, já enfrentaram a primeira, o salto do
Pirapora, onde foi preciso descarregar canoas e as conduzir por terra, até nova
24
TAUNAY. AFFONSO de E., Noticias Praticas das Minas do Cuiabá e Goiases na Capitania de São
Paulo e Cuiabá, que da ao Rev. Padre Diogo Juares, o Capitão João Antonio Cabral Camelo, sobre a
viagem que fez as minas do Cuiabá no ano de 1727. Noticia 7ª In: Historia das Bandeiras Paulistas -
Relatos Monçoeiros, Tomo III, 3. ed, op. cit., p. 153. 25 MELGAÇO, op. cit, p. 218.
29
oportunidade de colocá-las em água. Apoiados pelos escravos que os acompanhavam,
estes pobres coitados eram, evidentemente, responsáveis por carregar nas costas todo
material retirado das canoas e, depois, recolocar de volta. Além da incumbência de
preparar o terreno onde tivessem que pousar, confeccionavam a comida, e tudo mais
que fosse necessário, inclusive, enfrentar os animais e índios que por ali estivessem.
Nas correntezas do rio, “[...] mesmo os pilotos ou práticos perdem a
cor e o ânimo por correrem ali as águas com tanta força e violência que se não salva
nada do que cai nelas”. 26
Um piloto branco e um mulato caíram nessas águas. O
primeiro foi encontrado afogado e com o pescoço quebrado. O mulato, para espanto da
tripulação, foi encontrado com vida. Muitos, antes deles, já haviam morrido nas águas
do Tietê, portanto, ainda no início de um longo trajeto que levaria às minas os que
conseguissem chegar. A narração dos perigos por aqueles que sobreviveram à travessia,
aponta para o pavor que passavam até mesmo os mais corajosos. Homens fortes,
determinados a alcançar o novo eldorado, mas sufocados pelo medo da morte violenta,
sempre a espreita em cada curva de rio: “Este rio é tão caudaloso e arrebatado que se
navegando com tanto trabalho só se pode andar de dia pelas matas e pedras que tem
atravessadas e algumas escondidas”.27
O cuidado devia ser redobrado com as pedras, visto a possibilidade de
nelas bater, pois, certamente os lançaria para dentro do rio e das correntezas, o que seria
fatal, principalmente se isso ocorresse à noite. O cansaço também se tornava inimigo
cruel. E era sempre tal que, exauridos pelo calor do dia e pela infestação dos mosquitos,
ao desembarcar só queriam comer e descansar. Mas, à noite tinham o frio a encarar e
ainda os mosquitos que os impedia de ter um repouso razoável para enfrentar a jornada
do dia seguinte.
A menção aos perigos nunca antes enfrentados e ao medo que causava
a toda gente que se aventurasse, foi sempre uma constante em qualquer relato das
travessias rumo às minas mato-grossenses. Foram dadas ordens para o general anotar o
nome de cada cachoeira, como também de cada lugar onde pousasse. Evidente era o
objetivo de demarcar, pontuar o trajeto, construir um mapa preciso para dar a melhor
visão possível de sua recente possessão e potencialidade. Serviria ainda a quem quisesse
percorrer esse caminho e como um instrumento de controle nas empreitadas. Entretanto,
26 TAUNAY. Noticias Praticas 7ª.... , p. 113. 27 Ibidem.
30
não o fez. Tal esquecimento justificou como sendo resultado de “tantos riscos, sustos e
medos” pelos quais era preciso atenção maior e constante.28
A travessia do rio Tietê, percorrida sob tanta tensão, ainda pôde ser
comemorada como de sucesso, por ter sido realizada em 26 dias, sabedores de monções
que teriam feito o mesmo trajeto em dois meses ou mais. Evidentemente, cada monção,
tinha percalços a administrar, derivando de cada um o tempo que gastavam nas
correntezas e margens. A dificuldade dependia de cada grupo de homens que compunha
a expedição, dos enfrentamentos com feridos e mortos, bem como do período em que a
iniciavam.
Uma vez alcançado o rio Paraná, o rio Grande, como o chamavam, por
ser o maior de todos, o pavor se fazia constante. Desembocaram no rio Pardo, quatro
dias depois e, após seis dias de navegação, encontraram a expedição comandada pelo
superintendente João Antunes Maciel, encarregado de levar os quintos cobrados dos
mineradores. Este adoeceu gravemente e morreu logo depois, no rio Paraná. Os
transtornos de se verem obrigados a desembarcar em terra, descarregar a bagagem,
puxar as embarcações com cordas até ver ultrapassadas as cachoeiras para retornarem
ao rio, foram bastante corriqueiros. Tratava-se de um trabalho monumental para homens
com a exaustão e o medo já impregnados. Corpos eram comumente encontrados pelas
curvas, margens ou enroscados nas pedras e vegetação no leito dos rios. Muitos já em
decomposição. A distância entre Porto Feliz, capitania de São Paulo, onde embarcavam
no rio Tietê, até o rio Cuiabá, era de 530 léguas, o equivalente a 3.180 km. Além do
agravante das 113 cachoeiras por ultrapassar, os monçoeiros se deparavam com as
nações indígenas, senhoras dos rios e matas que habitavam secularmente todo este
espaço, sempre alerta por sua defesa. Povos em número e força desconhecidos, que
muitas e trágicas vezes iriam enfrentar.
Além dos indígenas, com quem travaram contato logo nos primeiros
tempos das viagens pelos rios que traziam os mineiros às novas minas cuiabanas, de
forma amistosa ou não, conforme podemos ver em Barbosa de Sá na narrativa dos
vários e trágicos embates.29
Em terras mato-grossenses, travaram contato com os
Coxiponé, que se acreditava ser os Bororo, chamados Coxiponé, devido ao rio onde os
encontraram pela primeira vez. Além dos Guaná, os Pareci e muitos outros. Outras
tantas só foram sendo reconhecidas a partir das minas de Mato Grosso, quando
28 Idem, p. 114. 29 SA, op. cit., p.18 e ss.
31
começaram as navegações rumo ao Pará e com a presença das expedições científicas
demarcatórias.
Nos rios já próximos da chegada, enfrentariam os ferozes Paiaguá,
dizimados após muitos anos de enfrentamento depois dos primeiros contatos, e também
os Guaicuru, duas nações mais difíceis de enfrentar, visto ser os Paiaguá exímios
canoeiros e os Guaicuru os mais velozes cavaleiros. Da nação Gauicurú sobrevivem
hoje alguns poucos remanescentes nos arredores de Campo Grande, cidade de Mato
Grosso do Sul (com a divisão do Estado no ano de 1977), nominados hoje de Kadiweu.
Em um mapa datado de 1799, referente à população dos presídios e fortes de Coimbra e
Miranda, foram registrados 748 índios Guaicuru e 586 Guaná, entre homens e
mulheres.30
Ainda que não representem o número exato por estarem alguns “em corso
ou pescando”, o maior volume de gentes trabalhava na construção, além de guarnecer a
fronteira. Atualmente, há em torno de 40 nações indígenas de culturas desconhecidas,
que se recusam a estabelecer contato com a população dita “civilizada”. Quando
avistadas, suas localizações geográficas são resguardadas pelo governo brasileiro.
No rio Camapuã, já em terras mato-grossenses, o cozinheiro do
general Menezes desceu do barco para encontrar uma faca e nunca mais voltou, sem
falar dos escravos e escravas que o acompanhavam, muito mais expostos. Cabia-lhes
não apenas o carregamento da carga em terra, como também puxar canoas, preparar a
comida, consertar o que avariara e sua arrumação para o retorno ao rio. A possível
sobrevivência destes se devia, certamente, às suas experiências em África, com a
diferença de que ali, nos enfrentamentos com a diversidade local, eram obrigatórios a
executar esses serviços, nem sempre em proveito próprio.
Ao adentrarem definitivamente aos pantanais, foram recebidos pelo
calor intenso e abafado por volta dos dias 12 ou 13 de outubro. Lagoa de Xarayes, para
os espanhóis, eram as terras alagadas que iniciavam a partir da metade do rio Taquari,
abrangendo todo rio Paraguai e se estendendo até o rio Cuiabá, toponímia nominada
pelos paulistas e portugueses de Pantanal. Conforme Costa (1999), ao denominar estas
terras de Pantanal, em detrimento de Xarayes, Portugal já demonstrara seu domínio
sobre uma área que, no período, ainda pertencia à Espanha. Isso ocorreu mesmo no
30 AHU – Ofício do Governador e Capitão General da Capitania de Mato Grosso, Caetano Pinto de
Miranda Montenegro, de Cuiabá em 1799, para o Secretário de estado da Marinha e Ultramar, Rodrigo de
Souza Coutinho. cx. 38, doc. Nr. 1898. Em digital -008 - 034-001- 0054.
32
texto do tratado de Madri, quando ainda debatiam Portugal e Espanha pela demarcação
apropriada a ambos”.31
Nesse espaço geográfico bem demarcado pelas lagoas, os perigos se
intensificavam com a presença de numerosas nações indígenas, umas mais tranquilas,
outras mais violentas diante da presença branca. Entre elas, a dos índios Bororo e
Caiapó, que habitavam territórios próximos ao rio Parnaíba. Os mais temidos, contudo,
pelos viajantes destas paragens, sempre foram os famosos Paiaguá, canoeiros
experientes no combate em águas, temidos pela destreza com que dominavam os rios.
Vinham com suas canoras emborcadas, o que impedia de serem vistos, porém, ao se
aproximar dos invasores reviravam-na, surgindo repentinamente nas curvas dos rios e
destruindo com facilidade as canoas e matando as gentes.
Os Guaicuru, todavia, reinavam por terra, com especial domínio dos
cavalos roubados ou herdados dos castelhanos. Comumente encontrados já no Taquari,
curso hídrico que antecede a entrada no rio Paraguai, ali se alojavam anualmente para a
caça abundante, tempo mais perigoso para os viajantes. Montados a pelo e deitados de
um lado do dorso do animal, que parecia correr sem cavaleiro, e munidos de grandes
lanças, ao chegar próximos do alvo retornavam à posição ereta e atacavam aos urros.
Entendamos que ambas as nações indígenas, como qualquer outra ainda que menos
aguerrida, eram, afinal, os donos daquelas terras pantaneiras e tudo fizeram para
defendê-las dos intrusos. Numerosíssimos na época, não raro era as monções se
depararem, nas barras do Taquari, com tropas de 500 a 1.000 índios Guaicurú.
Em janeiro de 1778, ainda sofriam os brancos e seus escravos de
ataques surpresa empreendidos pelos Guaicuru. Ao sul da capitania, no Forte de
Coimbra, “uma multidão”, composta de homens e mulheres, simulou o que seria um
encontro pacífico. Desavisados e desarmados, os moradores locais, acreditando ser um
encontro de paz e aturdidos com gritos indígenas, aproximaram-se dos visitantes
misturando-se a eles. Na emboscada, teriam sido mortos 50 moradores e outros tantos
feridos, fugindo a salvo, com destreza e rapidez, os cavaleiros.32
Foi a forma encontrada
para obterem vantagem no enfrentamento com os brancos invasores de seus territórios,
visto que estes estavam sempre munidos de armas de fogo, em oposição às suas flechas,
31 COSTA, Maria de Fátima. A História de um país inexistente: Pantanal entre os séculos XVI e XVIII.
São Paulo: Estação Liberdade: Kosmos, 1999, p. 202. 32 IHGB Tomo XIII, Edição de 1817, p. 5 e ss. Importante e rara descrição sobre as características dos
Guaicuru como tipo de habitação, alimentação, vestimentas, pintura corporal e o relacionamento com os
portugueses, inclusive carregada de incompreensão e preconceito sobre sua cosmogonia, pode-se ver no
mesmo Tomo nas p. 348 e ss.
33
lanças e porretes. Nos caminhos de terra, embrenhando por matas, os brancos estavam
sempre em desvantagem, ignorantes que eram do universo indígena.
Os enxames de mosquitos seria outro inimigo numeroso e implacável
dos viajantes, pois o calor facilitava sua reprodução e sobrevivência. Desacostumados e
despreparados, os sertanistas eram atormentados constantemente com “maior
desespero”: “(...) de noite ninguém dormiu por respeito aos mosquitos que nos puseram
a todos na última desesperação sem que nos valesse remédio algum”.33
Em um dos ataques indígenas às monções, um português, “filho de
Braga”, Manoel Roiz, morreu no rio Paraguai. Um rio “(...) bem fundo, largo e
caudaloso. Com vento inavegável e infestado do gentio Payaguá”.34
Nas margens desse
rio, pouco faltando para alcançar o Porrudos, fez-se sua sepultura. Da mesma forma,
para muitos outros lusitanos o sonho das minas de ouro os enterrou nestas margens e no
fundo dos rios pantaneiros, ou seja, à porta do que esperavam ser o paraíso. Em fins de
outubro, o tempo já dava seus primeiros sinais anunciando a época das grandes chuvas.
Sob forte calor, nuvens de mosquitos e muita fome, a monção que trazia o capitão-
general de São Paulo, Rodrigo César de Meneses, por fim chegou, em 15 de novembro,
ao almejado porto do rio Cuiabá, para alívio da autoridade e de sua tripulação. Estavam,
finalmente, nas minas de Cuiabá.
Nem todos tiveram sucesso, como sabemos. Dois ataques arrasadores
haviam marcado as primeiras incursões rumo às terras oestinas. Percebendo a intensa
movimentação nos rios que levavam às minas, um ataque dos índios Paiaguá, em 1725,
destruiu o comboio de mais ou menos 20 canoas, no rio Paraguai, trazendo em torno de
600 aventureiros. Luís D‟Alincourt estimou, segundo documentos ou informações dos
locais, em 300 pessoas35
, escapando 2 homens brancos e 3 negros. De qualquer forma,
era sempre uma tragédia inesperada nos primeiros anos de ocupação.
Muito longe e diferente do que haviam sonhado ao abandonar a
simplicidade e previsibilidade de sua vida na aldeia minhota, morreria na emboscada
Diogo de Souza Araújo, que saiu de Ponte de Lima e faleceu no rio Paraguai, nas mãos
dos índios. Segundo Taunay, alguns de seus escravos, contudo, conseguiram escapar
escondendo-se nas matas fechadas36
, podendo ser os mesmos três citados por
33 TAUNAY. História das Bandeiras Paulistas... Noticias Praticas 6 ª ed., op. cit., p. 120. 34 Ibidem. 35 LUIS D‟ ALINCOURT, Rezultados dos trabalhos e indagações statísticas da Província de Matto-
Grosso, In: Annais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1828, Vol. III, p. 97. 36 TAUNAY, Notícias Práticas 6ª., op.cit.,p. 120..
34
D‟Alincourt. Em 1730, quatro anos, portanto, após a chegada do General, uma monção,
com 19 canoas, fazia o caminho inverso, partindo de Cuiabá rumo a São Paulo, de onde
seguiria, depois, para o Rio de Janeiro, e dali ser enviado ao rei parte do ouro
arrecadado nas minas. Surpreendida também pelos mesmos Paiaguá, poucos
sobreviveram. O desconhecimento das estratégias indígenas, somado ao das áreas
circundantes e ainda a desvantagem numérica, era sempre um encontro fatal. As flechas
eram mais rápidas do que as armas de fogo e o embate corpo a corpo era travado entre
homens de estaturas diferentes, com vantagem para os índios, sempre descritos como
agigantados. A surpresa nos ataques, adicionada à destreza em camuflagem e o avanço
silencioso dos índios, era uma tática que tinha como aliado o susto e despreparo dos
brancos: João Antonio Cabral Camelo, membro da comitiva e que sobreviveu descreve:
[...] foi uma terça feira, seis de junho pela parte direita lá pelas onze
horas do dia, ouvimos um grande urro pela parte direita e dela vimos
sair de dentro de um sangradouro, um payaguá escondido com ramos:
acometeu-nos logo com cinqüenta canoas, que trazia em cada uma
delas dez a doze bugres de agigantada estatura todos pintados e
emplumados(...) cobriram-nos de uma tão espessa chuva de flechas
que escureceu o sol.37
Dentre os sobreviventes, uma jovem mulher portuguesa foi feita refém
dos índios e sequestrada por eles. Sobre sua história de sobrevivência entre os Paiaguá
foi possível conhecer por um documento do espanhol Dom Carlos de Los Reyes
Valmaceda, citado por Sérgio Buarque de Holanda (1990), onde narra a compra que fez
de algumas pessoas que foram lá vendidas pelos índios em setembro do mesmo ano:
El dia 15 de septiembre de 1730, dioa, em que empieça la novena de
N.Snra. de la Merced se apparecieron em la outra parte del Rio de la
ciudad 60 canoas de índios Payaguaz, de donde encharon uma canoa
em tierra com quatro índios muy emplumados y armados com flechas
y lanças y algrados los rostros, vestidos com uno casacones de cuero
de tigres[deve ser onça] a dar parte al d.o Governador, em como traian
a unos cautivos portugueses, que querian vender a los españoles: y
offereciendo su sñoria que los descataria a todos, no quisieron dichos
37 TAUNAY. Noticias Praticas 2ª., op. cit., p. 138. Estimou-se a perda de 107 vidas neste embate.
35
índios traelos a la cuidad, sin que lês mostrase primeiro lo que lê
havian de dar por ellos; ponendo excessivo precio a uma señora
portuguesa.38
Dom Carlos reuniu, entre a população chocada, os valores exigidos por
Coati e os distribuiu aos pobres coitados na Vila, para que recebessem cuidados, ficando
a jovem senhora com sua mãe, Dona Francisca Benitos. Fez questão de dizer que todos
a trataram muito bem e com muito respeito, vestindo-a e alimentando-a. A mulher de 18
anos obteve o maior preço nas negociações com o cacique que, certamente, contava
com o impacto que causaria a imagem da prisioneira branca entre os espanhóis. Em
estado lastimável, escondia a gravidez de três meses, conforme informou a seus
compradores espanhóis que, aliás, compraram-na juntamente com os negros, por
consternação em vê-la toda depilada e com roupas tão maltrapilhas que apenas lhe
cobriam as partes íntimas.
A jovem imigrante portuguesa se identificou como sendo Dona Dominga
Rodrigues, filha de Dom Antônio Rodrigues, naturais de Lisboa. Seu marido, Manuel
Lopes de Carvalho, era minhoto, natural de Braga, morto pelos índios na emboscada. A
presença da jovem senhora, tida por Dom Carlos como de “buen paracer, muy discreta e
honesta e todas las demás prendas e de toda excepsion”39
, nas minas com o marido,
funcionário da corte, não era algo corriqueiro. Pela designação de dona e casada com
um funcionário de alta confiança do rei de Portugal, deveria ser uma mulher oriunda de
uma família de prestígio e posses do reino.
Tamanha aventura para um jovem casal, certamente, fazia parte de um
projeto de vida, ou seja, encarar os desafios para conhecer as possibilidades da vida nas
minas e talvez por ali se estabelecer, constituir família, uma vez que se apresentavam
maiores as oportunidades do que no reino. Atravessar caminhos tão perigosos, com os
índios cavaleiros Guaicuru e canoeiros Paiaguá sempre a espreita, além dos mosquitos e
a exposição às doenças tropicais, supõe-se ser parte da possível realização de um sonho
de trabalho, riqueza e poder. Outra não seria a razão de tão arriscada empreitada para
uma jovem senhora de Lisboa.
O outro português que teve um papel bastante interessante no trágico
episódio, mas que infelizmente não temos sua naturalidade, foi João Pereira.
38 HOLANDA. Monções. Ed. Brasiliense, 3.ed. São Paulo: 1990, p. 302 e TAUNAY, Notícias Práticas
4.a, op. cit, p. 149/150. 39 Ibidem.
36
Sobrevivendo ao ataque, viu que os índios jogavam o ouro pelas barrancas do rio, como
sempre o faziam após os ataques, sem o menor interesse nele. Diante do desperdício de
riquezas, Pereira sugeriu aos índios que negociassem aquele ouro com os espanhóis do
Paraguai, pois, certamente, lhes interessaria.40
Orientou o cacique Coati, que negociou,
nas contas de Valmaceda, 150 arrobas de ouro em pó, bem mais do que as dez ou doze
arrobas que Cabral Camelo imaginou terem perdido na emboscada. Ou o ouro era
mesmo em quantidade maior do que imaginou o cronista, ou era a soma de outros
ataques dos Paiaguá, entre junho e setembro, quando visitou Valmaceda com seus
prisioneiros portugueses.
Dom Carlos, ao que se mostra, era crente e devoto de N. Sra. das
Mercedes, pois creditava que a sobrevivência dos cativos nas mãos dos índios e a
chegada deles na Colônia tratava-se de um milagre da santa, que era, então,
homenageada no mesmo dia:
Milagros de nuestra Madre Sanctissima de la Merced Redemptora de
cautivos: pues aviendo estado dichos cautivos entre infieles tanto
tiempo, solo se determinarão a llegar com ellos em dia de la misma
señora .41
De forma franca e sem rodeios, um viajante já bastante experiente nas
travessias, Luis Avahia, descreveu detalhadamente os percalços pelos quais os
interessados nesse projeto, com certeza, passariam: todo trajeto fluvial com suas
correntezas, saltos, varadouros, ilhas, pedras, explicando aos pretendentes à aventura o
que significava cada um desses obstáculos e suas periculosidades, aproveitando para
sugerir os procedimentos que acreditava serem necessários para que não perdessem a
vida pelos caminhos. Em várias passagens da narrativa, não deixava, contudo, de dirigir
algumas palavras de coragem e de incentivo aos que iriam insistir na aventura. Porém,
em muitos trechos, o tom de ironia e de descrédito ao sucesso, reconhecendo a
“infelicidade” pessoal que cada um vivia em suas aldeias de origem, suficiente para
levá-los a tal empreitada quase suicida:
40. HOLANDA. Sérgio Buarque de, Monções, p. 302. 41 Idem, ibidem, e TAUNAY. AFFONSO de E., Noticias Praticas 4.a, op. cit., p. 149.
37
A quem senão a vós, amigos meus, perseguidos da fortuna e da
desgraça, a quem senão a vós farei este aviso ou darei a trinta soma
dos inumeráveis perigos destas viagens: pois discorrendo convosco a
que parte ireis ganhar a vida, ou adquirir riquezas, chega a tal
exigência a vossa infelicidade que passeis ao excesso de empreender
esta jornada: Ah, infelizes!42
E, aos que imaginavam poder fazer com facilidade o trajeto, insistia e
desiludia com franqueza:
[...] para vosso desengano só uns longes [os perigos] já que o explica-
la é impossível de tão infernal derrota que não são menos horríveis
que os do inferno os muitos e grandes rios que haveis de navegar!43
Prevendo o estado dos que partiriam ao alcançarem o Rio Paraná,
escreveu quase como que zombando:
Peregrinos, amigos meus sejais muito bem vindos. Sabeis que caras
trazeis, que é isto? Ainda duram os sustos? (...) Ah miseráveis! Isso e
mais merece quem nunca quis dar crédito às muitas cartas que vos
escreviam os amigos do Cuiabá; não desanimeis que ainda o pior está
por passar.44
Ao expor, no mesmo trecho da narrativa, as próprias experiências
vividas no mesmo rio, alertava ainda:
[...] tive tantos dias de chuva; as estalagens e ranchos destruídos
enfim, vim a tombos por este rio abaixo com a morte sempre diante
dos olhos sobre o não poder dormir de noite com medo dia.45
E continuou a investida no terror a que teriam que passar os
aventureiros que, nesta altura, já teriam conseguido a proeza de alcançar o Rio Paraguai:
42 TAUNAY. Noticias Praticas 8ª, p. 172. 43 TAUNAY, Relatos Monçoeiros. Notícias Práticas 8ª. op.cit., p. 173. 44 TAUNAY, Notícias Práticas, 8ª. p. 184. 45 Ibidem.
38
Saído do Paraguai cuidado e mais cuidado no gentio Payaguá que é
muito destro e bom pirata: acomete sem receio, esconde-se nos
sangradouros, baías a volta do rio e tanto que, se avistar qualquer
tropa, a investe de repente, mata a gente, leva as canoas e não há
monção em que não tenham feito alguma guerra.46
Com um caso real tão trágico quanto possível de lhes acontecer,
exemplifica o perigo e o terror com que poderiam se deparar, narrando a desgraça
vivida pela monção de 1730, contando os mortos e as perdas materiais. Por fim, ainda
com sem disfarçada ironia, ao imaginar realizada sem tragédia alguma as travessias até
o porto do Cuiabá, sentenciou:
Parece-me agora amigos meus, que estou vendo a excessiva alegria
com que chegais a desembarcar neste porto, não sendo desta o motivo
tanto o ver-vos já livres dos inumeráveis trabalhos que padecestes com
evidente perigo de vossas vidas, quando considerares, que saireis
destas minas com cabedal e posses suficientes para vos desempenhar
com também que vos não será tão ingrata a fortuna que vos não de
brevemente com que pudessem passar.
E finalizou evidenciando ainda seu descrédito e ceticismo para com as
esperanças dos que desejavam emigrar para a nova fronteira colonial: “Deus tudo pode
fazer mas não é isto que nós por cá experimentamos”.47
46 Idem, p.191. 47 Idem, p.194.
39
Mapa da Cap. de MT de 1802BND cart177680 -
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40
Está evidente que havia uma intenção clara de desencorajamento,
ainda que disfarçado em conselhos e indicações de procedimentos ideais na travessia
dos rios, preocupados que pudessem estar, de fato, com as vidas destes pobres
emigrantes, sabendo que havia muito de idealização e nenhuma certeza. Prevenindo-os,
inclusive dos desencantos que pudessem viver ao chegar às tão sonhadas minas.
Aqueles que tiveram acesso a essas informações ou delas ouviram falar, e ainda assim
se arriscaram, ou eram empreendedores destemidos e dispostos a tudo, pela certeza das
recompensas, ou tratava-se, de fato, de jovens pobres do interior do Minho – a grande
maioria, para quem, arriscar tudo nessa proeza era ainda melhor do que a pobreza vivida
e anunciada na falta de perspectivas locais.
Muitos deles, tantos que não se pode quantificar, como na previsão
do narrador, no fundo escuro dos rios, nas suas úmidas margens ou ainda nos labirintos
das densas e desconhecidas matas, universo soberano dos índios, encontraram seus
túmulos. Alguns, cujos corpos foram encontrados e ali mesmo enterrados, ainda
conseguiram ganhar uma pequena cruz de madeira que, logo, também se perderia na
terra, sem ninguém para zelar.
O mesmo capitão Antonio Pires de Campos, que havia participado
das primeiras incursões a estes sertões, descreveu as travessias lembrando todo o
percurso fluvial desde o rio Tietê. Tudo observou e anotou com notável espírito de
curiosidade e conhecimento.
Descrevendo os trajetos fluviais, analisou as condições de vida de várias
nações de gentios, mas também de homens e mulheres, descrevendo seus meios de
sobrevivência, como as lavouras, o que plantavam, como se comunicavam, dando
conhecimento das línguas e dialetos utilizados pelos silvícolas, destacando quais eram
comunsa que nações e como se vestiam, além de suas práticas de ataque e defesa para
com outras nações e para com os brancos. As informações repassadas por viajante
interessado no desvendamento meticuloso do entorno, foram bastante importantes para
um estudo da população local nativa, além de seus escritos servirem exemplarmente na
preparação de viagens posteriores, o que não vemos nos documentos monçoeiros. O que
se justifica, tendo tais relatos sido escritos ainda na década de 1720, não era sua
natureza pública, mas sim de acesso restrito, no máximo, a algumas autoridades. Pires
de Campos elencou os gentios, inclusive os canibais, como os Tembez, que habitavam
as margens do rio Jauru, cerca de setenta e sete nações, ressaltando que ainda não eram
41
todos. Cada uma dessas etnias era composta por grande número de pessoas. Chegou a
ver pedaços de carne humana sendo preparados por uma dessas nações:
[...] foi no ano de 1727 no sertão dos cavihis, entrando em uma aldeia,
cujos moradores andavam a corso, dando-nos um grande fedito que se
não podia suportar, e entrando nas casas que eram boas achamos nelas
muitas vasilhas cheias de carnes humanas, que tinham a apodrecer
para fazem seus vinhos e mais guizados de que usam: achamos as
casas por cima esteiradas de paus, e naqueles sobrados muitas
caveiras, canelas e mais osso de corpo humano.48
Definindo tal grupo como sendo agigantado, valente e atrevido, uma vez
que o colocou com seus homens em retirada, mesmo temendo suas armas, acreditava
Pires de Campos que mais não era preciso narrar, por considerar que os viajantes já o
soubessem e para não causar espanto aos que ainda ignorassem os fatos. Tomando
cuidado, talvez numa intenção contrária à de Avahia, em não desestimular as viagens,
demorava-se na descrição dos Paiaguá e dos Guaicurú, além dos Pareci, estes,
habitantes do norte, da região das minas que seriam descobertas mais tarde. Foram essas
as nações que mais atormentaram os viajantes em ataques diretos e das quais tudo se
fazia para a defesa.
Ao lançarem-se avidamente nos rios rumo ao mais novo eldorado,
arriscavam tudo: patrimônio, família e a própria vida. Muitos já haviam vivenciado tal
aventura nas Minas Gerais, entre os anos finais do século XVII e início do XVIII.
Avançavam experientes ao extremo oeste, enfrentando novos inimigos, novos
obstáculos. As experiências adquiridas nas Gerais lhes deram, na aventura do ouro,
algumas vantagens diante dos demais, com certeza. O sentimento de frustração e revolta
que marcou a passagem de muitos desses homens em Minas Gerais, deveu-se ao fato de
terem sido dali expulsos, nos confrontos com os portugueses, apelidados de
“emboabas”, entre os anos de 1708 e 1709, - pelo fato de estarem sempre de sapatos e
meias, mesmo nas matas, e com os baianos. Lutaram, no período citado, contra a
concentração do poder local, maioritariamente nas mãos dos lusitanos.
As novas descobertas, no início do século XVIII, motivaram os paulistas
a alcançar e garantir a exploração, para si, das novas e abundantes minas. Afirmavam,
48 Ibidem.
42
na época, que, caso estivessem os novos veios expostos a quem bem quisesse explorá-
los, dividindo com eles as riquezas descobertas, dariam obediência a quem os
atendesse.49
Para Taunay, tais palavras tinham, claramente, um cunho ameaçador à
Coroa portuguesa, visto estar este território, quando das descobertas e por toda primeira
metade do século, no direito da Coroa da Espanha. Era, de fato, uma situação bastante
delicada para Portugal, daí o silêncio e a não repressão ao avanço minerador.
Notícias de veios auríferos em lugares ainda desconhecidos dos
bandeirantes e portugueses chegavam a Cuiabá. Por volta de 1734, dois irmãos,
Fernando e Arthur Paes de Barros, brasileiros de Sorocaba, arriscando-se sertão acima
na esperança de capturar índios, fizeram parada às margens de um riacho tributário do
rio Galera e ali encontraram ouro. Daí se colocar sempre a questão do apresamento de
indígenas como sendo o primeiro intento dos sertanistas. Pode-se pensar que, nas
empreitadas que se impunham sertão adentro, levavam consigo intenções várias e
principalmente o interesse na descoberta de minérios, como ouro e diamante,
especialmente quem já conhecia o potencial da região. Isso lhes proporcionaria algo
muito maior do que o trato e a vida subordinada às lavouras. O índio era importante
para tal, mas os metais preciosos o objetivo final que lhes daria o que de fato vieram
buscar em Mato Grosso: riqueza e poder.
Após constatar a existência de ouro na nova área, a ocupação oficial
começou a tomar corpo com a presença do clero em evidência. E, como era esperada, a
notícia logo chegou aos ouvidos sempre atentos do povo de Cuiabá. Estando essas
minas em notável declínio, menos pela falta do ouro do que pela carência de
ferramentas e técnicas avançadas de extração, não demorou a que muita gente se
deslocasse para o norte. Ultrapassados os desafios de chegada e acampamento, a morte
de muitos deles também sobreveio com a adversidade do clima e vegetação local. Dois
anos depois, contudo, já corria o comércio de milho e feijão das lavouras locais, carne,
aguardente e outros produtos que eram trazidos de Cuiabá, todos calculados em oitavas
de ouro. A criação de porcos e do gado foi logo desenvolvida ali mesmo, nos campos
locais, diminuindo seus preços à população.50
Já em 1736, o ouro era tirado de vários outros ribeirões do lugar, agora
chamado Mato Grosso, devido à densidade de suas matas mais próximas ao bioma
49 TAUNAY, op.cit., p. 28. 50 AMADO. Janaína, ANZAI. Leny Caselli. Anais de Vila Bela 1734 – 1789. Ed.UFMT/Carlini&Caniato
editorial, 2006 (Coleção Documentos Preciosos), p.39-56.
43
amazônico, ao passo que Cuiabá e seu entorno era marcado pelo Cerrado, de árvores
baixas e retorcidas. O nome acabou por englobar toda a capitania. Uma expedição
seguiu naquele ano para a região, com a tarefa de observar os movimentos dos índios
Pareci, nação que havia sido confrontada com violência e morte pelos sertanistas, na
tentativa, tanto de prospectar ouro em suas terras quanto de escravizá-los, na década de
173151
. Esse novo contato foi marcado pela violência, pois foram da mesma forma
enfrentados numa região de fronteira muito próxima aos espanhóis. Acreditando ser
possível extrair ouro nas proximidades por onde andavam ao pé da serra chamada da
Chapada [São Francisco Xavier], fizeram algumas prospecções que confirmaram a
suspeita, com volume que sugeria boas chances de haver ainda mais e ser então
necessário que ficassem e empreendessem esforços na empreita. Foi o que teria
mandado fazer, de Cuiabá, o chefe da expedição a princípio militar, que os havia
enviado por sua própria conta, Luis Rodrigues Villar, devoto de São Francisco Xavier,
segundo as descrições de José Gonçalves da Fonseca52
, nome que se deu à matriz
erguida no lugar escolhido para se fixar um arraial. Nos Anais de Vila Bela, entretanto,
o mérito da nomeação do arraial de São Francisco Xavier foi atribuído ao sargento-mor
Antonio Fernandes de Abreu que, encontrando faisqueiras de ouro no lugar chamado
Brumado, e João Pereira da Cruz, na chapada, Abreu teria, então, lhe dado a toponímia.
Dessa forma foi se concretizando a ocupação do novo espaço, mas, como sabemos, no
período as informações demoravam para chegar por inteiro nos centros.
No mesmo ano de 1736, os impostos sobre toda movimentação nas
novas minas já haviam rendido 11.905 ½ oitavas de ouro. Poucos anos haviam se
passado desde sua descoberta e os que mineravam ou viviam de serviços indiretos, já
contribuíam pesadamente à Coroa. Ainda nesse ano, 80 arrobas de ouro foram enviadas
para São Paulo e renderam 11.825 ¼ oitavas, só de capitação.53
A cada ano
aumentavam, tanto a extração como a capitação, o que exigiu ali uma nova
administração apartada de Cuiabá, visto o constante atrito com a margem espanhola do
outro lado do rio Guaporé, justificando a necessidade de uma ocupação mais ordenada e
sob total controle da Coroa portuguesa.
Neste período, na Europa, travava-se ainda, entre as coroas Portuguesa e
Espanhola, a contenda relativa aos limites territoriais na América. Estava em andamento
51 AHU-ACC-CU-010, Cx.1. Doc.054, 1731. Digital. 52 FONSECA. José Gonçalves. Situação de Matto Grosso e Cuiabá: Estado de umas e outras minas, In:
IHGB, Tomo 29, Parte Primeira, Edição de 1866, p. 354. 53 MELGAÇO. Barão de, Apontamentos Cronológicos... op.cit, p. 228.
44
o Tratado que viria a dar o traçado oficial aos espaços ocupados por uma e outra na
América, o Tratado de Madri, assinado em 1750, após anos de negociações e acordos
que dessem vantagens mútuas e evitassem conflitos mais acirrados. Portugal e Espanha
buscavam um pacto comum que preservasse suas conquistas e as mantivesse unidas
contra possíveis invasões de outros países, como Inglaterra, sempre a espreita de uma
oportunidade na parte sul-americana, especialmente no Rio da Prata. A questão que
mais se colocava à mesa era a que definia Colônia do Sacramento, ao sul. Conforme D.
João V, o Tratado de Tordesilhas estaria, equivocadamente, dando à Espanha a posse
dessa região.54
Entretanto, estudos cartográficos queriam provar que era de fato um
equívoco e Portugal pleiteava a posse para si. Nesse mesmo período, já então, as minas
cuiabanas haviam sido descobertas também para muito além da linha imaginária de
Tordesilhas, e a riqueza aurífera se fazia presente na economia lusa. Impostos sobre
tudo o que se comercializava nas minas, sobre o ouro e sobre a escravatura,
alimentavam os cofres portugueses. Era, então, uma questão bastante delicada, e
negociar seria a maneira mais acertada de garantia deste espaço. Enfrentamentos bélicos
não estavam nos objetivos dos monarcas, para não enfraquecer, tanto um lado como
outro, e se verem fragilizados para defender as colônias de possíveis tentativas de
invasão de terceiros, além de garantir a ocupação e posse do promissor e estratégico
oeste mineiro.
Com o acerto sobre a Colônia do Sacramento, deixada então para os
Espanhóis, Portugal e Espanha iniciaram, em 1751, os trabalhos de demarcação das suas
fronteiras embasadas no Tratado de Madri, firmado em 1750. Nessa altura, falecera em
Portugal o rei Dom João V, assumindo o trono Dom José I, que nomeou Sebastião José
de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal, como Secretário de Negócios Estrangeiros.
Este foi claramente contrário à abdicação de Colônia de Sacramento ou de qualquer
outra perda de território lusitano para Espanha, e, nessa medida, não via vantagem para
Portugal na assinatura do Tratado. Sérios conflitos e hostilidades se estabeleceram entre
essa autoridade e os primeiros tratadistas e negociadores, tanto de Portugal quanto da
Espanha. Somando-se a esse panorama de contenda interna no reino, pode ser acrescida
a resistência dos jesuítas da região do Paraguai, insatisfeitos com o acordo. Além das
dificuldades de se traçar corretamente as linhas divisórias definitivas em regiões
54 CORTESÃO. Jaime Zuzarte, O Tratado de Madri – Tomo I e II. Ed. Fac-Similar – Brasília: Senado
Federal, 2001. (Coleção Memória Brasileira), p395 e ss.
45
vastíssimas, como Mato Grosso e Amazonas, por exemplo, provocaram tensões, assim
como determinou o estancamento das conversações já iniciadas e acordadas.
Os trabalhos na colônia seguiram, ainda nos anos 1753 e 1754, com os
missionários jesuítas espanhóis, abandonando, com resistência, as missões situadas nos
espaços que entendiam serem, agora, portugueses, destruindo e queimando suas
estruturas. Em 1761, o Madri foi anulado e substituído, primeiramente, pelo Tratado de
El Pardo, culminando com o de Santo Ildefonso, firmado no ano de 1777 que,
praticamente, retomava as demarcações do acordo de 1750. As terras ocupadas
pertenceriam a quem as estivesse ocupando e explorando, mas, durante esse processo as
autoridades estabelecidas na fronteira com os espanhóis ainda enfrentariam por muito
tempo incertezas, visto que descontentes com a perda de espaços que a presença lusa e
os tratados impunham, o que resultou em embates desgastantes e mortais para os
soldados e delicadas ações diplomáticas, além de investimentos econômicos das duas
coroas.
A divisão das capitanias até então vigente, foi obrigada a sofrer
alterações a fim de povoar estes novos espaços com administrações, agora locais,
prementes na garantia da presença oficial portuguesa no processo de redefinição de
limites territoriais entre as coroas em litígio. Finalizados os acordos no Tratado de Santo
Ildefonso, a Rainha Dona Maria enviou, em janeiro de 1780, um rascunho de minuta
dirigida ao então governador da capitania de Mato Grosso, João Pereira Caldas,55
deixando entrever sua pouca aptidão nas formalidades da escrita sobre tão sério assunto
diplomático. Nesse documento, informa-o sobre a finalização do tratado e as divisões
ou partidas, que, a partir daí, seriam formadas para dar andamento às demarcações de
ambos os lados. As divisões ou partidas que seriam de sua responsabilidade eram: a que
estava sob o encargo do governo de São Paulo, que se estenderia até o Marco do rio
Jauru, e a que estaria a cargo do governo de Mato Grosso, que deveria se juntar em Vila
Bela e ao governo espanhol da fronteira com Moxos, para dar início às demarcações.
O caminho para uma nova capitania
55 CARTA Régia (minuta) de D. Maria à João Pereira Caldas, nomeado Governador de Mato Grosso em
que informa sobre a conclusão do tratado de Santo Ildefonso e as quatro divisões que se deveram formar.
AHU, Cx.21, doc. 1226 – Capitania de Mato Grosso.
46
Dentro do propósito de atender e defender melhor os espaços
fronteiriços, novas capitanias precisariam ser criadas, a que abarcaria a região destas
novas minas, criada em 1748, para atender e fiscalizar as minas de Cuiabá e Mato
Grosso e a extensa fronteira oeste. Resultou de um desmembramento de territórios que
pertenciam à capitania de São Paulo. Para assumir a nova tarefa e estabelecer sua
capital, foi escolhido o senhor das vilas de Azambuja e Montargil, tornado Conde
quando já em terras mato-grossenses, D. Antonio Rolim de Moura Tavares, nomeado,
aos 37 anos, por Dom João V, para ser o primeiro Governador da recém-criada
capitania, denominada de Mato Grosso. Percorrendo os mesmos caminhos que aqueles
que o antecederam, saiu de Portugal, atingiu o Rio de Janeiro, seguindo para São Paulo,
de onde, com destino a Cuiabá, saiu do porto de Araritaguaba, hoje Porto Feliz, também
em São Paulo. Navegando pelos rios Tietê, Paraná, Pardo, Sanguessuga, varadouro de
Camapuã, depois Coxim, Taquari, Paraguai, São Lourenço, por fim alcançou o tão
esperado e último rio que apontava para o fim da longa jornada: o Cuiabá, em janeiro de
1751.
A notícia da criação de uma Companhia de Dragões que deveria servir
na nova capitania que teria Rolim no comando, fez com que muitos portugueses,
vivendo de distintas ocupações em Portugal, enviassem à corte pedido para que fossem
engajados nessa Companhia. Os motivos particulares variavam bastante, e como era
preciso ocupar o novo espaço, a disposição de emigrar era sempre bem-vinda, sabendo
que embarcariam para tão remotas e exóticas paragens. Assim, um novo grupo de
emigrantes de diferentes profissões chegou às minas de Cuiabá, não apenas para
enriquecer e voltar, mas favorecendo-se de um momento promissor, numa nova
capitania criada na fronteira que abriria, doravante, diferentes oportunidades de trabalho
paralelas à mineração.
Foi o caso do padre Bernardo José da Crus, que solicitou ao rei para
servir de capelão da nova Companhia, em carta datada de agosto de 1748, por ser um
clérigo pobre e, estando na Companhia, melhor serviria ao rei.56
No mesmo mês, o
boticário José Bernardo de Almeida, natural da freguesia de São Pedro do Sul, bispado
de Viseu, por ser já “desfavorecido de parentes” e não ter “quem o favorecesse com o
que ele precisava,” solicitou ao rei que pudesse servir na capitania de Mato Grosso, na
mesma ocupação.57
Também ofereceu seus conhecimentos e serviços para a Companhia
56 AHU – Cx. 4, Doc. 252, 1748. Digital – 117-002-004-002-290. 57 AHU – Cx. 4, Doc. 251, 1748. Idem, 288.
47
o cirurgião José Fragoso Cabral, que fora assistente no Hospital Real.58
Todos foram
aceitos, o que se conclui serem portugueses e com provas de bom comportamento no
reino, condição inquestionável. A companhia de dragões foi a única tropa regular em
Mato Grosso até o ano de 1755, quando Rolim criou então o Corpo de Pedestres para
acompanhar a companhia de Dragões em diligências, como correio etc. Com Luís de
Albuquerque, em 1777, foi criado o Corpo de Auxiliares, prevendo a defesa da larga
fronteira oeste. Novas solicitações, portanto, novos imigrantes vieram somar na
ocupação.59
A emigração portuguesa para a colônia do Brasil, nos primeiros anos da
descoberta e estabelecimento oficial como possessão lusa, era composta por um corpo
administrativo necessário ao cumprimento das ordens reais, portanto, formado por
indivíduos pagos pela Coroa e que vinham a seu serviço, assim como os que recebiam
benesses em terras e títulos para que ocupassem a costa das primeiras capitanias
hereditárias. Diferente dos séculos XVII e XVIII, com as descobertas auríferas
emigraram os nossos já conhecidos homens, na sua grande maioria em busca de uma
nova vida e oportunidades. Com eles vinham os que comporiam a administração civil e
militar das novas capitanias nas fronteiras em litígio. O Brasil, enquanto colônia,
também foi destino de degredados de toda espécie, expulsos de Portugal ou de suas
colônias em África.
A distante, inóspita e selvagem capitania de Mato Grosso, no imaginário
de quem ficava em Portugal, serviria como um bom castigo aos que não haviam tido
intenção alguma de a enfrentar. Domingos Lourenço, um homem de bem e de negócios
de Lisboa, viu em Mato Grosso um bom castigo para seu filho de 24 anos de idade, pela
vida “libertina e licenciosa”60
que levava na cidade. Solicitou que o rapaz fosse
embarcado em qualquer navio que se dirigisse ao Pará e, de lá, enviado a Macapá ou
para Mato Grosso, por um período de três anos.
O processo inverso do Brasil para África também deslocou condenados
de diversos segmentos sociais, em inúmeros processos. Em 1803, a cuiabana Catarina
Maria Forte enviou ao príncipe regente, Dom João, um requerimento em que clamava
por perdão de sua pena de degredo para Benguela. Catarina estava presa no Castelo de
58 AHU – Cx. 4, Doc. 254, 1748. Idem, 254. 59 D‟ALINCOURT. Luis, Rezultados do trabalhos...op. cit., p.111. 60 CARTA de Manoel Gonçalves de Miranda ao Secretário de estado da Marinha e Ultramar Martinho de
melo e Castro, em que encaminha petição de Domingos Lourenço, que pede que seu filho de 24 anos seja
transportado para capitania de Mato Grosso. AHU, Cx.21, doc. 1270. Capitania de Mato Grosso.
48
São Jorge, em Lisboa, aguardando julgamento, uma vez acusada da morte de seu
cunhado, Francisco de Paula de Azevedo, um desajustado e, como ela, morador de
Cuiabá. Testemunhas cuiabanas que viviam em Lisboa e conheciam Catarina foram
chamadas a depor e declararam a intacta moral da suplicante. Era uma pessoa temente a
Deus e Francisco, por sua vez, um conhecido propenso a crimes, citado pelas
testemunhas como o homem que havia “deflorado e roubado” uma escrava mulata da
casa de Valentim Martins da Crus, em Cuiabá, como consta nos autos (AHU – Cx.14
Doc. 2036, 1803. Digital: 000-0036-001- doc.158). No processo, inclusive, Valentim foi
identificado apenas como sendo um minerador da região, quando, naquela altura, já era
um homem de posses e senhor de terras. E lembram as testemunhas que os reais
culpados, dois mulatos, haviam sido enforcados em Cuiabá pelo crime a que Catarina
estava sendo acusada. Catarina pagou custas, mas, infelizmente, não se percebeu nos
autos, devido a má conservação de suas últimas páginas, se teria ou não voltado
definitivamente para Cuiabá, livre das acusações.61
Na rebelião conhecida como a Rusga, deflagrada em Cuiabá em maio de
1834, durante o período regencial (1831-1840) quando, em embates violentos,
contrapuseram brasileiros e portugueses, da mesma forma seguiram condenados para
África pessoas de famílias de posses que haviam participado nos atentados contra os
portugueses locais. Residências, estabelecimentos comerciais e fazendas foram
invadidos, roubados e seus proprietários, quando encontrados, agredidos ou mortos.
Assunto que trataremos com maior atenção no capítulo V.
O mapa a seguir mostra, em 1751, por ocasião da vinda de Rolim de
Moura, os espaços e obstáculos que enfrentaram todos os viajantes, oficiais ou
independentes, que chegaram e saíram desde as primeiras viagens para as minas mato-
grossenses e que enfrentara também o capitão, o corpo de soldados e os ajudantes que o
acompanhavam.
61 AHU – Cx.14 Doc. 2036, 1803. Digital: 000-0036- 001-doc.158.
49
Cópia do Mappa do snr.Conde de Azambuja em que se nota a derrota de sua Excellencia desde S.Paulo thé o Cuyaba por agoas com 114 dias de viagem, edalhi por terra the a margem do Guaporé onde fundou
a Villa Bella em Mato Grosso, e se conserva a graduação antiga preccoridade da configuração, e se lança
neste quadro o cathalogo das obsercçoens astronômicas feitas pellos servindo nestes destrictos desde o
Anno de 1782 thé o de 1790, e por ellas se deve corrigir a graduação não alterando a
configura[Cartográfico] Fonte: Biblioteca Nacional Digital. Disponível em:
http://acervo.bndigital.bn.br/sophia/index.asp?codigo_sophia=1810
50
Sobre suas impressões, extasiado com tanta distância a percorrer, Rolim
de Moura, em carta ao primo Val de Reis, revelou alguns momentos de prazer na árdua
travessia, capazes de acalentar tamanha proeza diante dos riscos constantes:
[...] quanta terra e quanta água tenho passado (...) rios tão caudalosos,
matos tão espessos e campos tão distantes que fazem admiração,
principalmente a quem vem de uma terra tão apertada quanto nosso
reino.62
Ao alcançar as margens do rio Cuiabá, Rolim de Moura surpreendeu-se,
mais uma vez, agora, com os arrozais de que já ouvira falar e que não lhe decepcionou:
[...] tive o gosto de ver com meus olhos o que já tinham afirmado, mas
não persuadido, e fui marchar com as canoas por cima de vastíssimos
arrozais que, naturalmente sem serem plantados, crescem por aquele
pantanal e ali os vem colher o gentio.63
Homem de visão e de espírito aberto, disposto a tudo fazer para perceber
a riqueza possível do lugar que então se somava ao império luso, e lembrando-se das
limitações de sua terra diante de paisagens fabulosas e imensuráveis, ele se manteve no
foco das impensáveis possibilidades à frente. Importante figura no cenário da ocupação
e posse do território da fronteira oeste dos domínios lusos, Moura veio, na verdade, dar
início à ocupação oficial portuguesa por toda a capitania. O Império lusitano tinha,
então, na América, seus domínios ampliados e com o esboço das linhas demarcatórias já
em discussão com a Espanha. Eram os primeiros anos dos efeitos do Tratado de Madri
na colônia do Brasil, mas muito ainda seria necessário garantir para que elas se fizessem
cumprir.
No mesmo ano de 1751, seis meses depois saiu de Cuiabá e partiu para as
novas minas na região de Mato Grosso, às margens do Guaporé, não sem enfrentar as
muitas dificuldades impostas pelo trajeto, levando um mês até chegar ao destino,
seguindo via fluvial até o rio Jauru e de lá, por terra, em 5 dias de marcha. No caminho,
encontrou uma boa fazenda de cultivo e gado, de propriedade de Antonio da Silveira
Fagundes. Com a preocupação de alimentar os poucos habitantes existentes para que
62 TAUNAY, Alfredo d´Escragnole. A cidade do ouro e das ruínas, In: Revista do IHGMT, n. 21, Edição
de 2001, p. 110; IHGB, Tomo 07- nr.25, Edição de 1815, p. 469. 63 Idem, Ibidem, p.111.
51
não desistissem da região, assim como os novos que chegavam com ele, além dos mais
que precisaria incentivar a aumentar a ocupação, passou cartas de sesmarias aos
fazendeiros das terras já ocupadas e reivindicadas. Por ser uma boa fazenda de gado,
percebeu logo Rolim ser necessária sua manutenção e aumento: “(...) que é o que aqui se
gasta”64
Preocupado com as dificuldades de abastecimento impôs, contudo, ao citado
fazendeiro, que aumentasse o número de gado e acrescentasse, além deste, muitas éguas
que serviriam como transporte e pasto, o que não era problema, como observou Rolim.
Antes de embarcar para Vila Bela já havia passado sesmarias tanto para quem pretendia
se estabelecer com pecuária ou lavoura como para os que já ali estavam há muito tempo
produzindo, sem, contudo, ter garantia das terras. Por exemplo, a Antonio de Pinho de
Azevedo, em outubro de 1751,65
por este já estar há 20 anos, ou seja, desde a década de
1730, com engenho de cana-de-açúcar, mandiocais, bananais, gado e ainda se dedicar a
olaria. Homens, como Antonio Pinho, vieram no rastro da fama das minas, mas se
dedicaram a um bom comércio que lhe assegurava, e aos que chegassem, alimento e
moradia.
Já no trajeto entre o Jauru e o Guaporé, onde estariam os mineradores
arranchados, entendeu o governador ser esta a melhor forma de comunicação com
Cuiabá: navegar até o Jauru e, de lá, em marcha com os cavalos e cargas, até a nova
Vila. Constatação feita pelo juiz de Fora Teotônio da Silva Gusmão, que lá estivera
antes de Rolim.66
Ao navegar por mais três dias após sua chegada pelo Guaporé, em
inspeção para avaliação do estabelecimento da nova Vila, lugar anteriormente
encontrado e sugerido pelo Juiz de Fora, tido como de melhor opção, concordou o
governador pela possibilidade de criação de gado, devido aos bons pastos que podiam
melhorar com as queimadas, pela abundância de madeiras para lenha e fabricação de
casas. Por toda aquela paragem já se podia ver algumas roças de habitantes antigos do
lugar. Bastava, para o governador, ampliar e criar condições de manutenção dessas
pessoas com a estruturação da nova Vila, aumentando sua população. As condições não
eram nada propícias diante da distância de Cuiabá, o que encarecia os víveres de uma à
outra região, limitando bastante a migração, por exemplo, de pessoas já bem colocadas
em Cuiabá, com escravos e produções.
64 Revista do IHGMT, op. cit., p. 64. 65 ACBM/IPDAC – Pasta 70 – nr.1762. Relação de Sesmaria. IHGMT. 66 Idem, p. 66.
52
Os que largariam Cuiabá (núcleo inicial) e seu entorno seriam,
geralmente, pessoas de poucas posses, sem escravos suficientes para empreender
lavouras e explorar a região, buscando por novas lavras. Além das doenças causadas
pelo clima, especialmente no período das vazantes do rio, que os expunha a febres,
somados à ausência dos remédios adequados, visto muito deles não estarem
acostumados com as doenças que agora enfrentavam encontrando-se, portanto,
despreparados, somava-se a carestia de alimentos. O próprio governador escreveu uma
carta sob forte estado febril, com que se desculpou, explicando ser essa a situação de
muitos dos seus comandados. Alguns destes teriam vindo com membro de sua família
ou, os que teriam vindo antecipadamente, formaram famílias nas minas, incluídas por
Rolim em suas preocupações. Sabia o governador da importância da permanência e
fixação da população nas novas minas.
Esta situação não garantia, evidentemente, uma perspectiva propícia para
quem tinha como missão estabelecer a capital da nova capitania e transformá-la num
lugar suficientemente bem ocupado e próspero, desejo da Coroa e condição necessária
para a confirmação da ocupação portuguesa no extremo oeste. Logo à margem oposta,
bem próxima, havia as possessões castelhanas já bem sucedidas, com grandes missões e
de volumosa população. Eram missões desenvolvidas, possuindo uma delas fabricas de
sinos, vestuários de algodão, feitos pelos índios aldeados. Claro está que, por próximas,
referia-se a alguns dias de viagem pelo rio, de 8 a 15, entre as terras já consideradas
portuguesas e as castelhanas, o que era pouco, acostumados que estavam a distâncias
muito mais largas. Os índios ali aldeados facilmente seriam treinados pelos espanhóis
na iminência de um embate, confirmado por Rolim, já que um oficial espanhol estaria
na região para treiná-los nas armas de fogo.67
Em carta ao rei Dom José, datada de outubro de 1752, Rolim havia
exposto o modo com que vinha materializando o projeto para o estabelecimento da
capital. Após várias avaliações de lugares possíveis, optara pelo arraial chamado
Sant‟Ana, pouco habitado, mas de clima melhor, mais quente que outros muito frios e
vulneráveis a doenças. Ainda que neste ainda persistissem as sezões, do lado mais
ensolarado é que optou por fundar a Vila capital, por ser também o lado com mais
pastagens. Estaria o governador preocupado com os mineiros que mantivessem suas
lavras próximas da morada, o que colaboraria para sua fixação por mais tempo no lugar,
67 Idem, p. 68.
53
visto ser a migração constante em toda a capitania, especialmente entre os menos
afortunados. O povoamento local que lhe pareceria ideal, entretanto, era ainda pífio ao
que acreditava ser importante, visto não passar de 70 pessoas brancas, sendo que apenas
7 delas eram casadas, havendo também alguns bastardos, mulatos e pretos forros.68
Dado ruim para quem ambicionava uma população crescente e fixa. Famílias
significavam possibilidade de aumento populacional e permanência, portanto, maior
seria a possibilidade de desenvolvimento econômico, no princípio, ao menos para a
própria subsistência. A escravaria neste lugar, contudo, era bem maior do que a
população branca, o que é obvio, mas poderia parecer de uma desproporção instigante
para uma região que, naquela altura, já não proporcionava tanto ouro como nos
primeiros tempos, ainda que sempre houvesse novos veios a serem explorados pela
redondeza. Eram 1.175 escravos, mas, conforme relata Rolim,
[...] os poucos pretos novos que nelas [nas minas novas] entram como
na verdade assim é, porque os mineiros se estão remediando há anos
com os dos ausentes, não se atrevem a pagar os outros pelos preços
que aqui chegam, o que deve dar justo receio de que com o tempo
caiam e se extingam de todo não se lhe acodindo com o remédio.69
A maioria dos escravos que já lá estavam, levados pelos pioneiros 20
anos antes, haviam sido deslocados de outras minas do Cuiabá ainda em idade
produtiva, mas, não jovens o suficiente. Naquela época, 30 e alguns anos depois do
início oficial da colonização, poucos mais foram levados, como o governador percebeu,
possivelmente pelo descrédito desses pioneiros, evitando maiores investimentos no
local. Para desânimo do governador, os poucos escravos que lá encontrou não eram
ideais para avançar no desenvolvimento daquele novo espaço colonial:
[...] muitos passam dos quarenta e cinquenta anos de idade
bastantemente avançada para os que se ocupam em minerar,
principalmente nestas minas aonde envelhecem e se envalidam mais
depressa. Do resto, são raros os que não chegam a trinta anos.70
68 Idem, p. 73. 69 Idem, p. 80. 70 Ibidem.
54
Até os trinta anos, estavam eles em sua plena força física, mais do que
isso, como se vê, pois, devido à brutalidade da escravidão já eram considerados velhos
para os trabalhos pesados ou insalubres, não sendo mais tão produtivos como deles
esperavam seus senhores. Esses escravos estavam servindo nas lavras ou trabalhando
para seus proprietários num comércio muito pobre, notado por Rolim: 5 vendas “de
segunda classe”, boticas de venda de carne, mais algumas que acredita estarem se
instalando devido à sua chegada, mas, todas “de terceira classe”. O preço também era
um problema para os moradores e até para fixação destes: “valem aqui as fazendas uns
preços exorbitantíssimos”.71
Empasse sem solução por todo o século XVIII.
Ressaltamos que tal dificuldade permaneceu por longo tempo, fazendo
com que surgisse o comércio de contrabando com os vizinhos espanhóis. Um comércio
que correra sob a permissão da Coroa portuguesa como “Plano de comércio
secretíssimo”, com exceção do contrabando de escravos, ainda que houvesse. Em 1778,
o então governador da capitania perguntou ao Secretário de Estado dos Negócios do
Reino de onde teria vindo a autorização ou incentivo para tal comércio, se devia
continuar com o Plano nessa “dilatadíssima e remota capitania”.72
Com ou sem
permissão, o comércio sempre permeou as fronteiras entre os que buscavam driblar os
encargos e os altos preços da vida no sertão de Mato Grosso. Segundo o governador
Luís de Albuquerque, em 1779, dando continuidade ao Plano, o contrabando era por ele
mesmo promovido, sempre que possível.73
Quando em 19 de março de 1752, o então Governador Rolim de Moura
pôs em prática o estabelecimento de Vila Bela da Santíssima Trindade às margens do
rio Guaporé, erguendo o pelourinho e dando início aos trabalhos, para organização da
Câmara, uma concessão em especial dada certamente agradou a muita gente da que
seria a nova capital e também os de fora: para facilitar a ocupação e defesa do novo
lugar, um bando de Rolim proibiu serem executados os condenados por dívidas, por três
anos, mesmo aquelas contraídas fora da Vila. Em três anos, teriam tempo suficiente para
fazerem fortuna, tendo sorte e empreendendo-se nas lavras ou mesmo no comércio com
os mineradores. Aqueles que tivessem roubado alguém, especialmente mercadorias, não
71 Idem, p. 74. 72 OFICIO do governador e capitão general Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres ao
Secretário de negócios do reino Martinho de Melo e Castro perguntando se deve continuar com o
contrabando com os espanhóis. AHU, Cx. 19, Doc. 1183. Capitania de Mato Grosso. 73 OFICIO do governador e capitão general Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres ao
Secretário de negócios do reino Martinho de Melo e Castro sobre os impedimentos do contrabando. AHU,
cx. 20, doc. 1226. Capitania de Mato Grosso.
55
se enquadravam nesse benefício. Tratava-se, portanto, de dívidas com negócios ou
mesmo com as taxações.
Teriam, os interessados, 6 meses para se estabelecer na nova Vila sem
serem executados por seus credores. A preocupação do governador era a de que, se nas
outras capitanias fossem dados os mesmos privilégios, seria muito difícil “tirar delas
gentes”. Sugeria para tal que a Coroa os liberasse do pagamento dos impostos de
capitação e de entrada. Afinal, o governador, presente naquele distante sertão e
vivenciando o drama daquela gente, entendia as dificuldades que enfrentavam no
tocante à movimentação, aos custos para iniciar os trabalhos e os de fixação de
residência, assim como aquele para a aquisição de ferramentas, alimentação, escravos
etc. Além disso, devia ser levado em conta o risco das doenças a que estariam
vulneráveis, porém, tinha plena consciência de que não seria nada fácil convencê-los a
residir no novo lugar no intuito de lá ficar, o subsídio, sem dúvida, constituía uma
atitude acertada e um bom negócio.
Era preciso pensar numa forma de baratear a vida dessa gente, para que os
preços altos que corriam ali não redundassem em fatores de rejeição, especialmente para
quem já estivesse se instalado em Cuiabá, por exemplo. Era angustiante para o
Governador o fato de estar indo para aquela região gente pobre, sem recursos, e que
aproveitava o momento para fugir de seus credores. O bando que publicou foi pensado
nessa direção.74
Rolim de Moura sugeriu também a abertura do comércio entre Vila Bela e
o Pará, através dos rios Guaporé e Madeira, para facilitar o acesso dos moradores às
mercadorias necessárias. Para isso, seria erguido um novo registro, onde deveriam ser
cobradas taxas sobre cargas de secos e molhados, em valores similares aos que
vigoravam nas Minas Gerais. Rolim ordenou, contudo, que não se cobrassem as
entradas de escravos, para que seus preços não dificultassem sua aquisição por parte dos
mineradores já estabelecidos ou a vinda de novos, de que ele tanto precisava. Lembrava
Rolim que, sem os escravos, os brancos ali seriam inúteis, pois eram a base de todo
estabelecimento das minas.75
Foi aprovada a maioria das sugestões de Rolim de Moura,
exceto o envio de casais das Ilhas, uma vez que a Coroa preferia que fosse o lugar
ocupado por voluntários, visto que os ilhéus não conseguiriam ali viver:
74 Idem, p. 78. 75 AHU – Doc. 0231, 1753. Projeto Resgate - Digitalizado.
56
[...] esta pobre gente não serve de conveniência alguma, atemorizada
com a malignidade do clima não só irão violentos como fugirão de ir
com gosto para as mais conquistas, além da excessiva despesa que S.
Mag. faria no transporte para tão grande distancia.76
Havia a preocupação, por parte da Coroa, de manter um contato pacífico
com os espanhóis, estrategicamente importante nos primeiros tempos de ocupação
oficial do território lusitano e na definição de fronteiras no novo espaço. Teriam os
comerciantes, no caminho do Pará, o cuidado para não se atreverem a se estabelecer em
terras nas margens ocidentais dos rios, por serem de possessão espanhola. O comércio
com o Pará se oficializou em 1754. Pela proximidade de uns e outros, a desordem era
comum entre os portugueses e os jesuítas castelhanos vizinhos. Na necessidade de mão
de obra para suas lidas, os portugueses aproveitariam da existência das missões
espanholas com índios já aldeados, ou seja, já em contatos pacíficos com os padres e
batizados segundo os princípios do cristianismo e para eles trabalhando.
Um jesuíta espanhol da missão de Moxos, sabendo da chegada do
general, reclamou do procedimento dos portugueses que transitavam entre uma e outra
margem, roubando-lhes os índios aldeados, e até mulheres. Fiel ao propósito da Coroa,
e seu próprio, de manter a paz com os espanhóis, especialmente nos momentos tensos
que marcariam a demarcação de limites, ordenou aos seus que fossem os índios
devolvidos. Apesar de seus esforços, nem sempre essa paz foi possível. A defesa da
posse da terra já com base no Tratado de Madri, ainda que na Europa as conversações
permanecessem no campo das revisões, era constantemente acionada ao menor sinal de
movimentação castelhana. Era tempo de se fixar com rigor para não perder terras
conquistadas, anexando-as rápida e pacificamente à possessão portuguesa.
Várias ameaças exigiram atenção e preparação para defesas e ataques dos
oficiais da fronteira guaporeana. As primeiras pendengas entre portugueses e espanhóis
naquelas paragens continuavam por conta dos padres jesuítas espanhóis, que requeriam
a posse de missão indígena de Santa Rosa, abandonada em favor dos lusitanos, mas que
a reclamavam como espanhola. Algumas missões oficiais de protestos tentaram em vão
retomar o lugar, nos encontros com Rolim de Moura. A insistência dos jesuítas,
ameaçando com guerra, caso não retomassem para si as terras perdidas, fez com que o
governador imediatamente mandasse aumentar o contingente de soldados no presídio de
76 AHU- Doc. 003-006-409, 1752. Idem.
57
Nossa Senhora da Conceição, além de pedir ajuda em soldados e suprimentos ao
governador do Pará. Situações tensas e a necessidade de alerta, era uma constante.
A movimentação militar era frenética de ambas as partes, visto que, do
lado dos castelhanos, garantiriam o que já haviam conquistado ou simplesmente
ocupado, visto que até então estava valendo o Tratado de Tordesilhas, com áreas onde
populosas missões indígenas faziam as vezes de “população espanhola”. Do lado
português, para garantir e resguardar os terrenos auríferos encontrados na década de
1719 (Cuiabá) e 1734 (Mato Grosso e depois Vila Bela) se fazia necessário, porém, ao
mesmo tempo o avanço da fronteira se tornava essencial. Mais tarde, perceberiam a
importância estratégica de defesa do restante da colônia.
As atenções do governador eram constantes e precisas sobre a linha de
limites em definição entre as coroas. Comentou, em carta para o rei, os detalhes da
navegação que se deveria proteger em favor de Portugal na demarcação das fronteiras a
partir do rio Jauru. Confluente do rio Paraguai, foi considerado de extrema importância
na defesa da capitania e no acesso entre Vila Bela e Cuiabá. Para a colocação do marco
demarcatório, em 1754, trazido de Portugal, uma expedição de mais ou menos 400
integrantes, entre cosmógrafos, engenheiros, operadores, capelães, auxiliares e escolta
militar, lusos e castelhanos, ocupava as atenções do governador.77
No formato de uma
pirâmide, em mármore, de 23 palmos de altura e com quatro faces, estampava as
seguintes inscrições na face direcionada para o Paraguai: Sub Joanne V Lusitanorum
Rege Fidelíssimo; na face voltada para a possessão espanhola: Sub Ferdinando VI
Hiapaniae Rege Catholico; no lado voltado para o centro da colônia, Justitia Et Paix
Osculatae Sunt. E, por fim, a face voltada para o rio Jauru: Ex Pactis Finium
Regundorum Conventis Madridi Idib. Januar. MDCCL.
O Marco hoje em frente à Igreja Matriz da Cidade de Cáceres-MT.
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Marco_do_Jauru
77 MELGAÇO, op.cit., p. 250.
58
Mappa Geografico da 3ª partida de divizõens q comprende do Salto Grande do Parana the aboca do rio
Jaurú onde se colocou um marco de Mármore em 14 de janeiro de1754. –
Fonte: Biblioteca Nacional Digital - Brasil. Disponível em:
http//objdigital.bn.bracervo_digitaldiv_cartografiacart543435.
59
Segundo José Barboza de Sá, fora esse um serviço mal feito, sem
conhecimento e fora dos termos do Tratado.78
Estes supostos equívocos, no
entendimento do cronista, possivelmente revelavam a batuta respeitável e
inquestionável de Rolim, que sugeriu em carta ao rei, datada de janeiro de 1754, as
linhas que conhecia bem e que acreditava serem importantes para proveito das posses
portuguesas. A preocupação do governador era garantir a navegabilidade dos rios para o
livre trânsito dos portugueses.79
Dava, para tal, detalhes seguros da geografia local,
sugerindo pequenas alterações e sempre afirmando que não representariam mudanças no
Tratado ou qualquer transtorno aos castelhanos. Eram sutilezas apenas, com o efeito que
saberia tocar a Corte diante da confiabilidade por ele adquirida como governador. Para
garantir a primeira e necessária povoação, deram-se abrigo, entre alguns outros
indivíduos, a 39 casais de índios Chiquitanos, desertores da missão espanhola de
Moxos.
Uma mostra das preocupações de Rolim de Moura com a demarcação,
assim como a demonstração do seu conhecimento e perspicácia sobre o assunto, são os
Anais da Câmara de Vila Bela, de 1785, trinta e um ano depois, quando já não era mais
o administrador da Capitania. Nele, o vereador João Nunes Fernandes, comentou o
mapa da capitania feito pelo capitão-engenheiro Ricardo Franco de Almeida Serra e as
dimensões nele evidenciadas. No documento, ressaltou que os rios Aguapeí e Alegre,
notados já como estratégicos por Rolim, na carta de 1754, eram, de fato, muito
importantes, pois ambos corriam para o Amazonas e o Prata:
[...] com circunstância bem extraordinária de circularem aqueles
grandes rios uma não pequena parte dos domínios portugueses80
.
Sobre o rio Aguapeí, acredita ser na verdade o mais famoso, pois
parece um dos pontos interessantes que haja de situar a Real
Demarcação projetada, mas com uma das mais célebres posições
geográficas que até hoje se tem reconhecido e determinado no interior
dessa imensa península da América meridional.81
78 SÁ. Joseph Barboza de. Relação...op. cit., p.44. O Marco do Jauru encontra-se até hoje na praça
central da cidade de Cáceres, fundada em 1778, com o nome de Vila Maria do Paraguay, em homenagem
à Rainha Maria, e por estar às margens do rio Paraguai, como importante ponto de apoio no trajeto entre
Cuiabá e Vila Bela. 79 AHU, Doc.007/0238, 0239, 1754.Digitalizado. 80 ANZAI. Leny Caselli, AMADO, Janaína. (ORGS.). Anais de Vila Bela 1734 – 1789. EdUFMT; Carlini
& Caniato Editorial. Cuiabá, 2006, p. 255. 81 Ibidem.
60
Era esse seu papel mais importante nas minas: estabelecer uma povoação
tendo a Vila como centro, acompanhar as demarcações, dar suporte aos comissários
lusos e garantir a ocupação dos espaços em negociação. As distâncias, dificuldades e,
portanto, toda a logística que se fazia necessária para o bom andamento dos trabalhos,
eram suas preocupações primeiras, de mantimentos a cavalos. Ainda sempre com
cuidado e respeito ao que era direito do lado espanhol, Rolim de Moura não permitia
abusos, exigindo dos mesmos procedimentos pautados na política da boa vizinhança.
Demonstrando estar atento aos seus domínios, enviara expedições de guerra aos
espanhóis que se atrevessem invadir o lado português e cobrara medidas de
impedimento, recebendo o mesmo respeito por parte dos superiores do invasor, com
promessa de fazer respeitar os limites.
Quatro anos após sua chegada às minas de Cuiabá e Mato Grosso, um
importante e catastrófico acontecimento no reino veio somar às preocupações no
processo das demarcações, questões administrativas a serem implementadas junto à
população mineradora: o terremoto ocorrido em Lisboa, que arrasou a cidade no ano de
1755, mas só tomando conhecimento, por aqui, 10 meses depois, em agosto de 1756. As
novas minas, tanto de Cuiabá quanto de Mato Grosso, deveriam servir para a Corte
portuguesa como importante fonte contributiva para sua reconstrução, com o aumento
dos impostos sobre a mineração, as entradas, o comércio e engenhos de aguardente.82
Taxou-se também a carne, para aumentar o quanto possível a arrecadação para Lisboa.
Contando com seus administrados satisfeitos ou não, Rolim de Moura atingiu o valor
estipulado pela Câmara, em 50 mil cruzados, na região de Mato Grosso, onde estava.
Segundo o mesmo Governador, comparativamente, foi uma contribuição muito superior
à feita por Cuiabá, que perfez 60 mil. O que entendemos referir-se o governador à
produtividade maior de Cuiabá relativamente à de Mato Grosso, e que não teria
contribuído na mesma altura. Os tributos arrecadados na região guaporeana deveriam
ser cobrados até o tempo de alcançar esse valor, contribuições que ele incorporou, mais
tarde, às despesas tidas com a Capitania. A mesma contribuição foi imposta quando do
incêndio que destruiu o Palácio D‟Ajuda, em 1800.
82Carta dos oficiais da Câmara de Cuiabá ao Rei [Dom José] perguntando se podiam continuar a receber
uma oitava de ouro por cada frasqueira de aguardente fabricada na Capitania. [Documento em que cita os
impostos exigidos quando do terremoto de Lisboa]. AHU – Cx. 18, doc. 1131, 1776.
61
A notícia sobre a anulação do Tratado de Madri, em 1761, demorou a
chegar ao conhecimento de Rolim, mas o primeiro processo de revisão foi anunciado,
antes, ao conhecimento dos vizinhos castelhanos. Logo, exigiram dele a retirada dos
soldados portugueses da margem ocidental, onde se achava a missão de Santa Rosa.
Em 1763, nos meses de abril e maio, isto é, nos de muitas chuvas ainda,
de campos alagados, na linha de fronteira entre o lado português, de Mato Grosso e de
Santa Cruz de La Sierra, do lado espanhol, hoje Boliviano, os castelhanos ensaiaram
uma retomada do lado leste sem, contudo, fazer qualquer anúncio. Sendo a ação
castelhana descoberta, exigiu do lado português uma tomada de atitude urgente e sem
estar devidamente preparados em número de soldados. Foi necessário que viessem
alguns homens do Pará, entre soldados, escravos e índios, reforçando a armada.83
Com
mortos e feridos de ambos os lados, mas, conforme notícias dos Anais da Câmara de
Vila Bela deste mesmo ano, o lado português saiu-se melhor, sob o comando de Rolim
de Moura. Garantindo o trânsito da navegação, mesmo sob os olhares espanhóis que
seriam, no início do embate e na estimativa das autoridades portuguesas, em torno de
500 soldados.
Na carta que recebeu do governador de Santa Cruz de La Sierra, em
1763, carregada de respeito e considerações, Rolim foi informado que a Missão de
Santa Rosa deveria retornar ao domínio castelhano, sem, contudo, impedir a passagem
nem dos portugueses nem dos espanhóis. Deveriam os lusitanos, porém, para a
manutenção da paz, retirar-se com todas as embarcações que ali colocaram na decisão
de enfrentamento à movimentação espanhola. O governador, contudo, não atendeu tais
propostas de imediato, por simples desconhecimento da anulação do Tratado. Até então,
não havia sido informado pela Coroa, fato que causou espanto às autoridades
castelhanas e, certamente, deixou Rolim de Moura em situação constrangedora diante
dos soldados espanhóis, os primeiros a lhe informar, antes mesmo da recepção da carta.
Chegando a notícia do tratado de paz estabelecido entre espanhóis e portugueses na
Europa, toda operação militar foi, enfim, suspensa e desocupada a área em litígio.
Antes de findar seu mandato nas minas de Mato Grosso, Rolim de Moura
ainda foi retido pela Corte até que terminassem os primeiros trabalhos de demarcação.
Tamanha era a confiança do rei em sua assistência e observações, pois mantinha
constante vigilância interna com seus oficiais, enfrentando e denunciando os corruptos.
83 AMADO; ANZAI, op. cit., p. 90.
62
Desde a sua chegada à capitania de Mato Grosso, a seu comando, uma animosidade se
estabeleceu entre ele e o ouvidor João Antonio Vaz Morilhas, acusado de mau uso do
poder, inclusive da prática de extorsões. Assim, o rei de Portugal, atendendo as
solicitações de Rolim de Moura, depôs o ouvidor do cargo.
Sabendo do tempo excedido pelo general desde a data de sua solicitação
de retirada das minas, tendo cumprido muito além do tempo previsto anteriormente pela
Corte para seu mandato, chegou, coincidentemente, ao término das pendengas entre as
duas cortes em Mato Grosso, a tão esperada carta de substituição de Rolim por seu
sobrinho, o general João Pedro da Câmara. Nesta altura, a participação de Rolim de
Moura na formação e consolidação da posse portuguesa na fronteira oeste da colônia era
obra sedimentada, apesar da constante tensão na defesa dos limites.
Decididamente, o século XVIII, especialmente a década de 1750, com o
início dos trabalhos de demarcação de limites, foi o período mais decisivo para Portugal
na conquista e alargamento de suas posses na América meridional e na ampliação de sua
riqueza. O Brasil como um todo era, naquele período, de vital importância para o
império luso no que dizia respeito às transações comerciais com o mercado europeu. As
minas de ouro do Centro-Oeste, desde os primeiros tempos das descobertas, já
sobrepujavam sua economia interna com impostos sobre toda comercialização, de
alimentos a escravos e sobre a própria extração do ouro com a arrecadação dos quintos,
na área mineradora. Mesmo após o Tratado de Santo Ildefonso, assinado no ano de
1777, e a redefinição das fronteiras entre as duas coroas, a margem oeste da colônia
portuguesa continuou a exigir uma permanente ocupação militar, durante todo o século
XVIII e XIX. A descoberta das minas auríferas, com certeza, nunca deixara de aguçar
perigosa e constantemente o vizinho castelhano a adentrar no novo e promissor
território tomado pelos portugueses. As incursões castelhanas mantiveram os militares,
responsáveis pela defesa das fronteiras, sempre ocupados.
Eram tantas e constantes as preocupações com a fronteira que, numa
observação do mapa militar, elaborado em 1798, para um levantamento do contingente
de soldados na região, dois anos antes do ataque descrito anteriormente, como que
prevendo essa possibilidade a qualquer momento, lê-se que:
A Capitania de Mato Grosso confina com as três Províncias
espanholas de Moxos, Chiquitos e Assunção do Paraguai. A sua
importância é bem conhecida não só por cobrir e „servir de barreira‟
63
ao interior do importantíssimo estado do Brasil, como também pelas
ricas minas que em si encerra. (...) Uma fronteira tal e tão rica deve ser
guardada cuidadosamente e só pela sua extensão e importância
houvesse de ser calculada a sua guarnição, dois ou três regimentos,
ainda em tempo de Paz (...)84
Apesar do trabalho de Rolim, em aumentar a população na nova capital,
ter surtido algum efeito ao longo dos anos, o povoamento da fronteira ainda fazia parte
das preocupações do capitão-engenheiro e comandante Ricardo Franco de Almeida
Serra e do capitão-engenheiro Joaquim José Ferreira, oficiais destinados para as Reais
Demarcações. Nas Reflexões sobre o estado actual da capitania de Matto Grosso,
combinado com os domínios hespanhoes que lhe são confinantes85
, a capitania
carregava em si a difícil tarefa de proteger as conquistas consolidadas da colônia do
Brasil. Como uma fronteira aberta com as províncias espanholas de Moxos e Chiquitos,
já bastante populosas ao norte, e com a do Paraguai, mais ao sul, esta, no entendimento
dos engenheiros, configurava “uma barreira que cobria e guardava o interior do vasto
Brasil”.86
No período da elaboração das Reflexões, final do século XVIII, Vila Bela
da Santíssima Trindade e Cuiabá contavam, juntas, com uma população de 22 mil
pessoas, sendo que 15 mil concentravam-se em Cuiabá, às margens do rio do mesmo
nome, e 7 mil em Vila Bela, às margens do Guaporé. Do total das 22 mil, 10 mil eram
mulheres, porém sem especificação, por parte dos autores, da quantidade de brancas,
negras ou índias. Os velhos, os rapazes e os inválidos somavam 5 mil indivíduos.
Quanto à população escrava, contada em 12 mil. Os autores se detêm um pouco mais
lembrando que o contexto das Reflexões é o das demarcações e defesa do território
português, ao comentar que estes, “[...] no tempo da guerra são outros tantos inimigos
do pays e de seus senhores e só buscam a liberdade acenando-lhes o inimigo com
ella”.87
As fugas de soldados escravos para o lado de terras espanholas era comum, pois
84 O fício do [ Governador e capitão general da Capitania de Mato Grosso] Caetano Pinto de Miranda
Montenegro para o [Secretario de estado da Marinha e Ultramar] Rodrigo de Sousa Coutinho, informando
sobre as despesas militares efetuadas nas compras de cavalos para as tropas e nos pagamentos de soldos,
da supressão de alguns postos e alterações de alguns vencimentos, visando a diminuição das despesas.
AHU, Conselho Ultramarino, Brasil, Mato Grosso, Cx. 36, doc. 1828, 1799. 85 Reflexões sobre o estado actual da capitania de Matto Grosso, combinado com os domínios hespanhoes
que lhe são confinantes. In: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB – 1957, Tomo 12, p. 378. 86, Ibidem. 87 Idem, ibidem.
64
muitos viam no conflito, a que eram obrigados a servir, uma oportunidade de fuga para
a liberdade, sabendo que dificilmente teriam outra chance ou seriam, com ela,
recompensados como defensores da Coroa portuguesa.
Computavam em apenas 2 mil homens capazes de pegar em armas no
caso de uma guerra com os vizinhos castelhanos. Com o agravante de que, nestes
momentos, muitos desses homens serem obrigados a largar seus negócios, a mineração
ou a agricultura para irem para a frente de combate. Isso fragilizava a economia local.
Quanto ao abandono, mesmo que temporário, da mineração, acreditava ser ela maior
problema, pois, era “único e só possível objeto de atração de homens a estes
remotíssimos terrenos”.88
A necessidade de estimular um maior povoamento da capitania de Mato
Grosso, lhes parecia solução ideal, apesar de reconhecidas as dificuldades para melhor
defesa do território, em desvantagem frente à populosa da porção espanhola.89
Em 1837,
essa preocupação se evidenciou ainda na comunicação entre as autoridade portuguesas.
No discurso de abertura da Assembléia Legislativa Provincial, no dia 1º de março, o
então Presidente da província, José Antonio Pimenta Bueno, se referiu às enormes
dimensões da Capitania e sua proximidade com os vizinhos espanhóis, especialmente
pelos rios Paraguai, Jaurú, Guaporé, Mamoré e Madeira, perfazendo mais de 500 léguas
de fronteiras abertas: “[...] de nada se precisa tanto, como de população que lhe ministre
força. E tanto mais vigorosa é esta necessidade, quanto exacto terem os estados vizinhos
população muito superior sobre a fronteira [...]”.90
A capitania se mantinha, portanto,
como um território distante e de difícil aumento e concentração da população devido às
suas dimensões continentais. O maior número dela se concentrava nas Vilas de Cuiabá e
Vila Bela e seus entornos, deixando brechas enormes na extensa linha de fronteira. A
capitania de Mato Grosso foi considerada, por Pimenta Bueno, uma área igual à
Alemanha, com 65 mil léguas quadradas.91
A mineração e seus objetos de lucros, assim como as lavras ainda por
serem exploradas, continuavam atração de que deveriam lançar mão as autoridades para
a ocupação e desenvolvimento local, no entendimento de Bueno. Mesmo sendo
exploradas apenas com a força escrava, sem bombas para escoamento da água, eram
reconhecidamente rentáveis. Os rios que permeavam a Vila de Chapada dos Guimarães,
88 Idem, p. 379. 89 Idem, p.395. 90 IHGB, Tomo 02, edição de 1840, p. 173. 91 Ibidem.
65
como o rio Quilombo, por exemplo, eram sabidamente diamantíferos, mesmo tantos
anos depois da ocupação de suas margens pelos que viriam a ser importantes senhores
dos melhores engenhos cuiabanos, na avaliação de Luis D‟Alincourt já no século XIX.
A notícia da guerra entre Portugal e Espanha, em 1801, faria com que
sofresse ainda a capitania, durante todo o segundo semestre daquele ano, aguerrido
ataque castelhano nas fronteiras com Paraguai, ao sul, e ao Forte Príncipe da Beira nas
fronteiras ao norte, as margens do Guaporé. Completamente desfalcado de soldados, o
engenheiro Ricardo Franco de Almeida Serra ficou conhecido por sua bravura e
inteligência estratégica na defesa do Forte de Coimbra, com apenas 42 soldados
portugueses, contra 600 espanhóis que tentavam invadi-lo. Não obtendo êxito na
tentativa de invasão, em 26 de setembro, viu Ricardo Franco que as velas da esquadra
espanhola desciam vagarosas, abandonando a disputa.
Os reis Ibéricos haviam, finalmente, selado os últimos acordos para a
paz e amizade entre as coroas, em junho de 1801, com o Tratado de Badajós. A notícia
chegaria às autoridades portuguesas de Mato Grosso pelas mãos do governador
espanhol da província de Paraguai, somente em janeiro de 1802.92
Permanecendo o
entrave entre as duas coroas sobre os limites territoriais de ambas na América do Sul,
por todo o século XIX manteve-se por fim, o princípio do uti possidetis, isto é,
ocupação comprovada, ocupação aceita, por uma e outra parte.
Nesta altura, já existiam, para proteção das fronteiras das novas minas
mato-grossenses, o Forte de Coimbra, erguido em 1775, nas margens ocidentais do rio
Paraguai, ao sul da capitania, no distrito de Cuiabá e reforçado em 1797; O Forte
Príncipe da Beira, que substituíra o Forte da Conceição, em 1776, nas margens do rio
Guaporé, no distrito de Mato Grosso; o Presídio de Miranda, distrito de Cuiabá, à beira
do rio do mesmo nome, a 50 léguas da antiga fazenda de Camapuã, rico estabelecimento
de descanso e abastecimento dos viajantes que subiam para as minas. Todos eles
encontravam-se em oposição aos fortes espanhóis, sendo o de Coimbra [Portugal] e de
Bourbon [Espanha] erguidos no ano de 1792; o de Miranda ao Forte São Carlos,
construído em 1803 para fazer frente à defesa portuguesa em Miranda. Apenas o Forte
Príncipe da Beira não consta como opositor a algum forte espanhol, além de suas
províncias de Moxos e Chiquitos.93
92 Expugnação pelos Hespanhoes do Presídio de Nova Coimbra. In: IHGB, Tomo 28, Edição de 1856, 1ª.
Parte, p.108. 93 Idem, p. 126.
66
Em 1802, estava à frente da capitania Caetano Pinto de Miranda
Montenegro, que havia substituído a João de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres,
morto em 1796. Até sua posse, em novembro deste mesmo ano, a Capitania havia sido
governada interinamente por três representantes, de fevereiro a novembro. Nos quatro
primeiros anos de mandato elaborou diversos mapas da população local, acreditando
serem os mais fieis possíveis para que fossem enviados ao reino. Apresentou, em ofício
ao secretário de estado da marinha e ultramar, João Rodrigues Sá e Melo, Visconde de
Anadia, 34 mapas de população de toda a capitania, classificando os brancos, pretos
cativos e livres, mulatos cativos e livres e índios, homens e mulheres, de 0 a 100 anos,
concluído em 1801, mas referente ao ano de 1800.94
Dividido entre as duas repartições
ou distritos: Mato Grosso e Cuiabá, condensamos, no mapa que se segue, o total de
homens e mulheres separados por condição social:
94 AHU – Cx.39, doc. 1966. Digital: CD/DVD 008-035-001-0069 a -106.
67
Mapa 01 Ano de 1800 - População Cap. De Mato Grosso
H e M
HM -
Solteiros HM Casados
HM -
Viúvos
Brancos 4.242 2.885 1.135 222
Escravos Pretos 10.947 9.521 1.335 91
Escravos
Mulatos 957 846 104 7
Pretos Livres 3.321 2.498 662 161
Mulatos Livres 6.348 4.928 1.193 227
Totais 25.815 20.678 4.429 708
Fonte: Elaborada pela autora a partir de: AHU - Mapas de População Cx.39,
doc. 1966. Digital: CD/DVD 008-035-001-0069 a -106.
Embora uma observação sobre o total da população tenha sido anotada
ao pé da descrição de um mapa diferente95
, mas para o do mesmo ano e feito pelo citado
governador e que aponta para um total maior, mais próximo da realidade, digamos,
contabilizável, visto que as paróquias das devidas vilas eram as fontes primeiras.
Evidentemente, não estavam aí contempladas as populações indígenas não dominadas
pelos portugueses e nem tampouco a população escrava fugida para os quilombos, mas,
na verdade, a ocupação de uma capitania tão cara à Coroa portuguesa era
consideravelmente maior do que os habitantes anotados nas observações. Na observação
ao pé do mapa, foi acrescentado o número de habitantes, referindo a 104 pessoas lotadas
no Forte Príncipe da Beira, 213 indivíduos que viviam na Fazenda Camapuã, ao sul, 540
pessoas, sendo 317 soldados e 230 “paisanos de todas as espécies e condições”96
que
estavam no Presídio de Coimbra, em Miranda e na povoação de Albuquerque.
Do total da capitania, ou seja, o distrito de Cuiabá e Vila Bela e seus
arraiais juntos, para os habitantes brancos e escravos, homens e mulheres, o mapa
elaborado pelo governador apontou para uma população de 25.819 habitantes.
Entretanto, na contagem geral havia ainda os do Forte Príncipe da Beira, Fazenda
Camapuã, Forte de Coimbra, Miranda e Albuquerque, entre militares e paisanos “de
todas as espécies”. Quanto à população indígena, lembrando que se tratavam apenas dos
95 AHU – Idem. 96 Idem, ibidem.
68
administrados, somavam 1.015, entre homens e mulheres. Portanto, subia para 27.688
habitantes, embora no mapa o número apresentado pelo governador tenha sido de
27.690 habitantes97
Estes dados, entretanto, mostram uma população, ainda que em boa
fase, com crescimento lento e oscilante. Já em 1818 eram 29.801 habitantes no total da
capitania, ou seja, 1.854 pessoas a mais em três anos. Creditamos que semelhante
aumento, ainda que lento para três anos, levou em conta mais a entrada de novos
escravos e maior índice de nascimentos do que a chegada de novos brancos.98
Dando a conhecer os números da população das duas principais
freguesias, Vila Bela e Cuiabá e seus distritos, Caetano Pinto teceu alguns comentários
satisfatórios com o melhoramento da região de Vila Bela, que já sofrera difíceis
períodos devido à proximidade com o rio Guaporé e ser vulnerável a enchentes e
moléstias. Por acreditar ser uma região demasiadamente dispersa, tinha a intenção de
que os mapas dos arraiais ao entorno, que acrescentou, mostrava à Corte de Lisboa sua
preocupação na divisão administrativa. Na avaliação do governador, a realidade de Vila
Bela no tempo de sua administração, apresentou alguma melhora no clima, e viu esse
fato como atributo ao aumento da população e da produção local. Estava há cinco anos
como governador e, neste tempo, reparou que não houve epidemias, o que tanto pode ter
contribuído para tal evolução, como ser resultado dela. O uso da aguardente, do tabaco,
das pimentas, frutas e carne fresca, com o aumento do gado, no entendimento do
governante eram “[...] as causas do sobredito melhoramento e das moléstias não
fazerem já tantos estragos”.99
O distrito de Cuiabá, que segundo ele era “muito mais vantajoso”, ainda
que tenha experimentado intenso calor, era considerado saudável, pois o clima, assim
quente, propiciava maior fecundidade nas mulheres e as crianças “vingavam” com
facilidade, além de terem “por camisas a própria atmosfera”, além de estarem livres das
bexigas (varíola). Infelizmente, não se manteve assim protegida a população por muito
tempo, como vimos anteriormente. A exatidão dos mapas, contudo, não pode ser
fielmente garantida devido ao fato de estar a população, especialmente a do Distrito de
Vila Bela e ao sul do distrito de Cuiabá, sempre ocupada com a proximidade dos
castelhanos nas fronteiras, sendo os conflitos armados sempre iminentes. Por toda a
linha fronteiriça verificava-se a chegada e saída de soldados e, portanto, de todo o staf
97 Idem doc. 168. 98 RIHGB, Tomo XX, 1857, p. 292 e ss. 99 AHU – Cx.39, doc. 1966. Digital: CD/DVD 008-035-001-0069 a -106. doc. 070.
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de comerciantes e serviçais que acudiam essa população quando estabelecido, sendo
normal que a população local, nos momentos das contagens em diferentes períodos,
tenha se enganado e produzido lacunas, dificultando um correto e eficaz informe,
fazendo com que a produção de um mapa populacional condizente com a realidade não
se concretizasse.100
Naquele ano, mantinha-se ainda em tensão a fronteira, como assim
seria até os anos finais do XIX.
Em Vila Bela, a população geral, em 1800, era de 3.076 habitantes,
sendo 2.544 escravos, entre africanos e mulatos, homens e mulheres. As crianças
brancas, aqui considerando as de idade de 0 a 10 anos, assim como todas elas, tanto
livres como cativas, somavam 26. As crianças pretas ou africanas cativas, 156, sendo 77
meninas e 79 meninos. Estas já eram vistas, a partir dessa faixa etária ou um pouco
mais, com 14 ou 15 anos, como prontas para o trabalho normal nas cidades, minas e
lavouras, como se adultos fossem. Entre as livres, 45 eram meninos e 32 meninas. Na
população de crianças mulatas cativas, havia 30 delas: 14 meninas e 16 meninos. As
mulatas livres somavam 87 meninos e 74 meninas.101
O que pode ser avaliado muito
superficialmente, posto não ser nosso objeto o número de crianças nascidas ao final do
século XVIII e como este número, entre cativas e livres, africanas ou mulatas, revelando
uma prática cativa e outra livre, ou o interesse dos senhores na fecundidade das
mulheres cativas, que lhes responderiam com novos e praticamente gratuitos braços
escravos.
Se no final do XVIII, como consignado nas Reflexões, a população era de
7 mil habitantes e, em 1800, contava com 3.026, podemos aventar a hipótese de
declínio, um tanto abrupto da mineração local devido à insalubridade, ao constante
enfrentamento com os castelhanos, aos preços abusivos das ferramentas e alimentos,
expulsando os que para lá haviam se deslocado no impulso da política adotada para
atraí-los após a chegada de Rolim de Moura. Dos 3.076 habitantes, Mato Grosso
contava com uma majoritária população feminina, restando um número menor de
homens que estariam minerando ou desenvolvendo lavouras e comércio voltados para a
subsistência e fornecimento, aos mineradores, aqueles que de fato detinham o dinheiro
(capital). Nesse número, também temos as crianças, ou seja, a população fixa e
produtora, sonhada por Rolim, nunca chegou a representar o que ele achava ser preciso
100 Idem, doc. 71. 101 Idem.
70
ao seu projeto. Diminuindo muito a mineração, tudo o mais fatalmente sofreria as
consequências:
Mapa 02 - Ano de 1800 - População de Vila Bela
H e M
HM -
Solteiros HM Casados
HM -
Viúvos
Brancos 293 222 57 14
Escravos Pretos 1.567 1.431 124 12
Escravos
Mulatos 73 71 1 1
Pretos Livres 498 295 152 51
Mulatos Livres 645 525 83 37
Totais 3.076 2.544 417 115
Fonte: Elaborada pela autora a partir de: AHU - Mapas de População Cx.39,
doc. 1966. Digital: CD/DVD 008-035-001-0069 a -106.
Não podemos deixar de lembrar ainda as condições de saúde dessa
população, especialmente as pouco habituadas ao clima extremamente quente e abafado,
com temperaturas altas por longo período e as secas que arrasavam as lavouras e
matavam o gado de fome. Essa era a condição climática de toda a província, salvo
alguns lugares mais altos, de clima mais ameno, a exemplo de Chapada dos Guimarães,
serra acima. Com a precipitação das águas, entre novembro e abril, desfrutavam de
algum refresco, ainda que sob as fortes tempestades que anunciavam o início e o fim do
verão, mas não livres do calor intenso e imediato ao cessar das chuvas, praticamente
diárias. Ao findar o período das chuvas, ficavam os pantanais alagados até começarem
lentamente a baixar as águas por volta do mês de agosto, quando, então, vinha a seca.
Nesse ínterim, o ar tornava-se pestilento, com profusão de pequenos animais mortos nas
águas estagnadas e que ali ficavam em putrefação, contaminando o ar das partes mais
baixas. O cirurgião-mor Antonio Luiz Patrício da Silva Manso, no século XIX,
descreveu várias enfermidades que persistiam na região, devido ao clima, à posição
geográfica e à configuração física de toda a província:
71
[...] o ar já desproporcionado por esta causa, [clima muito quente,
posição geográfica baixa, alagamento sazonal dos pantanais,] sobre
enorme massa de agoas estagnadas, augmenta sua insalubridade,
sobrecarregando de podridão, que deve resultar de tantos vermes,
insectos, peixes, amphibios e seus excrementos, e larvas profusamente
espalhadas por hum terreno incommensurável; ao que se pode ainda
ajuntar o vapor aquoso, por si só capaz de produzir incalculáveis
enfermidades.102
Tais condições, pertencentes às características locais, portanto, nunca
seriam alteradas de modo a proporcionar melhora na vida dos novos habitantes.
Incontáveis os que não resistiram a tal adversidade e faleceram vitimados por ela ou a
abandonaram, especialmente não tendo ali alcançado logo seus objetivos.
A Vila de Cuiabá, pelo que nos apresentam os mapas,era a de maior
concentração populacional devido ser o lugar onde se estabeleceram os primeiros
mineradores e sua escravaria e, ao longo do XVIII, onde empreenderam investimentos
em infraestrutura para mineração, lavouras, engenhos e criação de gado. Era comum
entre os mais notáveis investidores, também apostar na carreira política.103
Além disso,
Vila Bela não agradava a muitos que por ventura se deslocassem de Cuiabá para lá, pela
distância e insalubridade e, certamente, pelo poder social e econômico que já haviam
alcançado e sedimentado em Cuiabá, ainda que fossem em número menor os bem-
sucedidos, notadamente os mineradores de sucesso e donos de terras produtivas, a elite
local. Pensemos ainda naqueles que haviam seguido para Vila Bela nos primeiros anos
de descobertas de minas auríferas e retornado a Cuiabá após insucessos na mineração.
102 LUIS D‟ALINCOURT, op. cit., p.89 da Primeira seção do Vol. III dos Annais, ano 1877-1878. 103 AHU – Mapas de População...op.cit.
72
Mapa 03 - Ano de 1800 - População da Vila de Cuiabá
H e M HM -
Solteiros HM
Casados HM - Viúvos
Brancos 3.087 2.102 817 168
Escravos Pretos 4.503 3.941 553 9
Escravos
Mulatos 575 525 47 3
Pretos Livres 1.818 1.568 207 43
Mulatos Livres 3.564 2.829 632 103
Totais 13.547 10.965 2.256 326
Fonte: Elaborada pela autora a partir de: AHU - Mapas de População Cx.39, doc.
1966. Digital: CD/DVD 008-035-001-0069 a -106.
Uma sociedade forjada nas peculiaridades de um universo de fronteira em
litígio e definição entre as coroas ibéricas, eminentemente masculina,
desordenadamente ocupada com naturais da colônia, imigrantes europeus, africanos
escravizados, libertos, crioulos, contando com poucas mulheres brancas, em geral
vindas com seus companheiros, mulheres escravas ou da escravidão oriundas e as
populações indígenas contatadas. Como consequência, caracteriza-se, ao longo da
ocupação, como um contingente populacional marcadamente mestiço que, na vivência
cotidiana, transpassava, sobretudo, as fronteiras culturais. Enfrentar este espaço em
construção e dominá-lo era tarefa para homens dispostos a tudo por uma oportunidade
de riqueza e distinção social. Embora, ao deixarem suas regiões de origem não tivessem,
a princípio, o objetivo de se estabelecer definitivamente nesta parte da colônia, muitos
não voltaram mais. Aqui, desterritorializados por opção ou falta dela, como foi o caso
de inumeráveis emigrados europeus ou pela violência do sequestro, mas também pela
corrupção aos chefes tribais ou desafetos, para a escravização. Como no caso de
homens, mulheres e crianças de diferentes reinos africanos, notadamente da África
Ocidental, os denominados de forma generalizante de “Minas”, África Central Atlântica
e África Central Oriental, também “Bantos”, neste caso, duplamente desterrados.
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Neste novo mundo viram-se num processo de reorganização de suas vidas,
reelaboraram práticas e reconstruíram, na maioria das vezes e de diferentes formas,
novos laços afetivos e familiares em substituição aos deixados para trás ou perdidos.
Com todas as dificuldades de sobrevivência que obrigavam portugueses emigrados
menos favorecidos e os que haviam chegado sem recurso e com dívidas contraídas
antecipadamente, a estar sempre sujeitos a todo tipo de trabalho E nem sempre com os
bons resultados esperados e imaginados.
Momentos havia em que a capitania oscilava economicamente, trazendo
pobreza, desencanto e mais dívidas, especialmente para essa categoria de homens. Os
que conseguiam manter e sustentar as famílias que formavam, tendo privilégios e
recursos que os permitia crescer, foram os poucos que encontramos como os
conhecidos senhores de engenhos. Famílias que se tornaram poderosas econômica e
politicamente. Mas, a simples possibilidade de se dar bem, de ver tudo à sua frente por
conquistar, não arrefecia como temos dito, o movimento emigratório, notadamente na
primeira metade no século XVIII, como veremos adiante.