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A GEOGRAFICIDADE DO TRABALHO ESCRAVO NO SUDESTE BRASILEIRO José Victor Juliboni Cosandey Universidade Federal Fluminense Resumo A violência no campo é um indicador de que os movimentos sociais organizados no campo são uma realidade. Infelizmente, as questões fundiárias ainda não são assumidas como um problema nacional, em face do peso da urbanização dominante do país, cenário por excelência das ideias de modernidade e progresso. O rural ainda carrega o estigma do atraso, do arcaico, do tradicional, do periférico e do vazio demográfico. Dentre as violências no campo, a que merece grande destaque é o trabalho escravo. A forma mais comum, no Brasil, de trabalho forçado é a servidão por dívida, que vem quase sempre associada com as outras três formas de cercear a liberdade já citadas. A servidão por dívida é caracterizada quando o dono da fazenda ou de qualquer empreendimento rural proporciona um empréstimo aos trabalhadores, contratados pelo “gato” (contratador da mão de obra), sob a forma de adiantamento de dinheiro. Em seguida os trabalhadores têm seus direitos confiscados. O objetivo do estudo é investigar a geografia política do trabalho escravo no espaço agrário, buscando a interação entre os aspectos políticos e territoriais da produção agrícola, de modo a desvendar as medidas e as (de)eficiências do governo perante esse cenário. A partir da análise dos dados fornecidos pela CPT e das denúncias da ONG Repórter Brasil, foram se achando respostas e mais perguntas sobre a questão do trabalho degradante e escravo. Concluímos que as estratégias do governo para o combate vêm se aperfeiçoando nos últimos anos, porém ainda não são suficientes para a erradicação deste problema presente no Brasil. Palavras-chave: Trabalho Escravo, Agronegócio, Geografia Política Introdução Os conflitos sociais no campo aparecem, hoje em dia, num contexto de crise rural, tendo em vista a concentração fundiária e o desemprego. Todavia, tais questões remontam ao passado colonial brasileiro. Já os movimentos sociais de reivindicação da Reforma Agrária ganham mais expressão no século XX. Dentre os principais estão as Ligas Camponesas e o Movimentos do Sem-Terra. A ação desses movimentos se dá no embate com os atores do agronegócio ou oligarquias agrárias tradicionais. O resultado é o conflito entre interesses assimétricos acerca do modo de produzir no campo e da propriedade da terra. A partir do conflito, a violência no campo mostra a face dolorosa do trato com os excluídos ou inseridos precariamente nos espaços agrários do país. A violência é fruto da luta pela terra.

A GEOGRAFICIDADE DO TRABALHO ESCRAVO ... - SciELO … · de produtos que advém do trabalho escravo, impondo o fim da comercialização desses produtos, pelo menos até a saída do

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A GEOGRAFICIDADE DO TRABALHO ESCRAVO NO SUDESTE

BRASILEIRO

José Victor Juliboni Cosandey – Universidade Federal Fluminense

Resumo

A violência no campo é um indicador de que os movimentos sociais organizados no

campo são uma realidade. Infelizmente, as questões fundiárias ainda não são assumidas

como um problema nacional, em face do peso da urbanização dominante do país,

cenário por excelência das ideias de modernidade e progresso. O rural ainda carrega o

estigma do atraso, do arcaico, do tradicional, do periférico e do vazio demográfico.

Dentre as violências no campo, a que merece grande destaque é o trabalho escravo. A

forma mais comum, no Brasil, de trabalho forçado é a servidão por dívida, que vem

quase sempre associada com as outras três formas de cercear a liberdade já citadas. A

servidão por dívida é caracterizada quando o dono da fazenda ou de qualquer

empreendimento rural proporciona um empréstimo aos trabalhadores, contratados pelo

“gato” (contratador da mão de obra), sob a forma de adiantamento de dinheiro. Em

seguida os trabalhadores têm seus direitos confiscados. O objetivo do estudo é

investigar a geografia política do trabalho escravo no espaço agrário, buscando a

interação entre os aspectos políticos e territoriais da produção agrícola, de modo a

desvendar as medidas e as (de)eficiências do governo perante esse cenário. A partir da

análise dos dados fornecidos pela CPT e das denúncias da ONG Repórter Brasil, foram

se achando respostas e mais perguntas sobre a questão do trabalho degradante e escravo.

Concluímos que as estratégias do governo para o combate vêm se aperfeiçoando nos

últimos anos, porém ainda não são suficientes para a erradicação deste problema

presente no Brasil.

Palavras-chave: Trabalho Escravo, Agronegócio, Geografia Política

Introdução

Os conflitos sociais no campo aparecem, hoje em dia, num contexto de crise

rural, tendo em vista a concentração fundiária e o desemprego. Todavia, tais questões

remontam ao passado colonial brasileiro. Já os movimentos sociais de reivindicação da

Reforma Agrária ganham mais expressão no século XX. Dentre os principais estão as

Ligas Camponesas e o Movimentos do Sem-Terra. A ação desses movimentos se dá no

embate com os atores do agronegócio ou oligarquias agrárias tradicionais. O resultado é

o conflito entre interesses assimétricos acerca do modo de produzir no campo e da

propriedade da terra. A partir do conflito, a violência no campo mostra a face dolorosa

do trato com os excluídos ou inseridos precariamente nos espaços agrários do país. A

violência é fruto da luta pela terra.

A violência constrói uma sociedade repartida, alcançando mais alguns

grupos sociais do que outros. “A prática da violência insere-se em uma rede de

dominações, de vários tipos – classe, gênero, etnia, por categoria social, ou a violência

simbólica – que resultam na fabricação de uma teia de exclusões, possivelmente

sobrepostas” (TAVARES DOS SANTOS, 1997, pg. 74).

Em termos geográficos, “a violência permite mostrar outra dimensão da

criminalidade, que é a da territorialização da mesma: a formação dos territórios da

violência e como a violência se realimenta pela inércia espacial” (FERREIRA e

PENNA, 2005, pg. 167). Sendo assim, é no território que “a pobreza, a exclusão social,

a omissão do estado, a violência e as carências tornam-se mais visíveis, mais presentes e

escapam das máscaras que as abordagens setoriais lhes imprimem e minimizam”

(Ibidem, pg. 157).

Como aborda Martuccelli (1999, pg.158), “o raciocínio foi, durante muito

tempo, sempre o mesmo: a violência "vinda de baixo" e uma resposta à violência "vinda

de cima" e esta, por sua vez, uma maneira de controlar ou de prevenir a violência que

vem de baixo”.

Há duas razões principais para a ocorrência da violência no campo: a

concentração de terra e a impunidade. Segundo Caralo,

A concentração de terra está diretamente relacionada como a

concentração do poder. Os poucos donos das terras, que sempre

receberam privilégios e exerceram influência sobre as instâncias do

Estado brasileiro, além de se sentirem donos da natureza e com isso

explorá-la até à exaustão, também se comportam como se fossem

donos das pessoas, especialmente as mais pobres. Em nome de seus

interesses pessoais, financeiros e políticos, os latifundiários exploram,

escravizam, ameaçam, torturam e matam aqueles e aquelas que ousam

lutar contra seus privilégios. [...] A impunidade [...] é uma importante

cúmplice da violência e traz para a cena, além da não penalização dos

responsáveis pelos crimes, uma situação de atemorização da

população e de impotência das autoridades (CARALO, 2005, não

pág.).

O trabalho análogo à escravidão aparece hoje como uma das principais

formas de violência no campo. Segundo a Convenção nº 29 da OIT (Organização do

Internacional do Trabalho), de 1930, a expressão "trabalho forçado ou obrigatório"

compreende a “todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção

e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente” (art. 2°). A escravidão é uma

forma de trabalho forçado, que faz com que uma pessoa tenha total controle sobre uma

ou um grupo de pessoas, que estão vivendo em situação, em geral, degradante, somada à

impossibilidade de deslocamento devido ao isolamento geográfico ou coerção física, até

pagarem suas “dívidas” com o patrão.

Como aborda a OIT,

A característica mais visível do trabalho escravo é a falta de liberdade.

As quatro formas mais comuns de cercear essa liberdade são: servidão

por dívida, retenção de documentos, dificuldade de acesso ao local e

presença de guardas armados. Essas características são

frequentemente acompanhas de condições subumanas de vida e de

trabalho e de absoluto desrespeito à dignidade de uma pessoa (OIT,

2005, não pág.).

A forma mais comum, no Brasil, de trabalho forçado é a servidão por

dívida, que vem quase sempre associada com as outras três formas de cercear a

liberdade já citadas. A servidão por dívida é caracterizada quando o dono da fazenda ou

de qualquer empreendimento rural proporciona um empréstimo aos trabalhadores,

contratados pelo “gato” (contratador da mão de obra), sob a forma de adiantamento de

dinheiro. Em seguida os trabalhadores têm seus direitos confiscados.

A partir de 1995, quando o governo reconheceu a necessidade de combater

o trabalho escravo, foram criados o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e o

Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Escravo (GERTRAF). O Grupo de

Fiscalização Móvel tem como objetivo, como informa o Ministério do Trabalho e

Emprego (MTE), a erradicação do trabalho escravo, por meio de ações fiscais nos focos

previamente mapeados.

Em 2003, o governo Lula prometeu a erradicação do trabalho escravo. O

GERTRAF foi substituído pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo

(CONATRAE), que elaborou o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo,

hoje em sua segunda edição. Além do CONATRAE, também existe nos Estados o

COETRAE (Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo), que age nas

ações de combate ao trabalho ilegal e desenvolve ações preventivas, repressivas e de

políticas públicas, buscando alternativas para que estes trabalhadores não retornem ao

trabalho escravo através da qualificação via cursos profissionalizantes.

Segundo a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), do Ministério do

Trabalho e Emprego (MTE) desde a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel,

em 1995, foram resgatados no Brasil 38.769 trabalhadores em situação análoga à de

escravo. Entre 1995 e 2002 houve 5.893 resgates. Entre 2003 e 2010 houve 32.986.

Os números de trabalhadores encontrados a partir de 2003 aumentaram,

fruto de um aumento das fiscalizações e da criação do I Plano Nacional de Erradicação

do Trabalho Escravo, que criou estratégias de intervenção e possibilitando maior

coordenação entre órgãos governamentais e organizações da sociedade civil no

enfrentamento ao problema. Em 2008 o governo ampliou seu interesse no combate

desta causa, lançando o II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo que

apresenta 66 propostas divididas em ações gerais; novas estratégias associadas ao

enfrentamento e à repressão; reinserção e prevenção; informação e capacitação; e

repressão econômica.

O Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, como salienta o

MTE:

...apresenta medidas a serem cumpridas pelos diversos órgãos dos

Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Ministério Público e

entidades da sociedade civil brasileira. Atualização de propostas que

já vinham sendo articuladas em anos anteriores, o documento

considera as ações e conquistas realizadas pelos diferentes atores que

têm enfrentado esse desafio ao longo dos últimos anos i.

O MTE criou uma forma de tentar impedir o crescimento do trabalho

escravo, a chamada Lista Suja. Os fazendeiros que estão nesta lista ficam proibidos de

receber empréstimos de bancos estatais. A lista é disponibilizada para consulta pública

no site do MTE, sendo usada, principalmente, por empresas que querem evitar a compra

de produtos que advém do trabalho escravo, impondo o fim da comercialização desses

produtos, pelo menos até a saída do nome do fazendeiro da Lista Suja.

A atualização da Lista Suja é semestral. O cadastro, conforme o assessor da

Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do MTE, Marcelo Campos, consiste:

...na inclusão de empregadores cujos autos de infração estejam com

decisão definitiva e não estejam mais sujeitos aos recursos na esfera

administrativa, bem como, da exclusão daqueles que, ao longo de dois

anos, contados da sua inclusão no Cadastro, lograram êxito em sanar

irregularidades identificadas pela inspeção do trabalho e atenderam

aos requisitos previstos na Portaria retro mencionadaii.

Ainda segundo Marcelo Campos, o MTE,

...como subsídio para proceder às exclusões, adotou o seguinte

procedimento: análise das informações obtidas por monitoramento

direto e indireto nas propriedades rurais incluídas, por intermédio de

verificação “in loco” e por meio das informações dos órgãos e das

instituições governamentais e não governamentais, além das

informações obtidas junto à Coordenação Geral de Recursos da

Secretaria de Inspeção do Trabalho. Outro aspecto a ser esclarecido é

aquele relativo aos empregadores que recorreram ao Poder Judiciário

visando sua exclusão do Cadastro. Em cumprimento à decisão judicial

(liminar), o nome é imediatamente excluído e assim permanece até

eventual suspensão da medida liminar ou decisão de mérito. Havendo

decisão judicial pelo retorno do nome ao Cadastro, este passa

novamente a figurar entre os infratores e a contagem do prazo se

reinicia computado o tempo anterior de permanência no Cadastro, até

que se completem dois anos. A propriedade volta, então, a ser

monitorada durante esse tempo restante, para efeito de futura exclusão

por decurso de prazo e por cumprir as demais exigências previstas na

aludida portariaiii.

Os proprietários das fazendas vistoriadas e que estão irregulares firmam

com o Ministério Público do Trabalho, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC),

responsabilizando-se por solucionar as irregularidades advertidas pelo GEFM.

Segundo De Mio, o TAC é

...um instrumento legal destinado a colher do causador do dano ao

meio ambiente, entre outros interesses difusos e coletivos, um título

executivo de obrigação de fazer e não fazer, mediante o qual, o

responsável pelo dano assume o dever de adequar a sua conduta às

exigências legais, sob pena de sanções fixadas no próprio termo. (De

MIO, 2005, pg. 67).

Além disso, um fator de grande importância é a necessidade de reinserção

dos trabalhadores resgatados. O governo os insere no programa Bolsa Família e no

Programa Nacional Resgatando a Cidadania, projeto piloto em Mato Grosso, para fazer

intermediação de mão de obra. Portanto, se alguma empresa estatal precisar de um

trabalhador, procura os trabalhadores cadastrados neste programa.

As condições de trabalho dos trabalhadores análogos à escravidão

As condições dos trabalhadores análogos à escravidão apresentam-se

sempre de forma degradante. Geralmente são encontrados em alojamentos em

condições precárias, podendo ter ratos e animais peçonhentos; sem banheiros, tendo que

fazer as necessidades no mato e tomando banho em algum rio/valão; abrigados em

cômodos pequenos. Na cozinha, as embalagens de veneno chegam a ser reaproveitadas

para conservação de mantimentos ou até mesmo para armazenar água (Figura 1).

Figura 1: Água consumida por trabalhadores era estocada em embalagens de agrotóxico

(Foto: Divulgação MTE. Fonte: Repórter Brasil)

Segundo o MTE, a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI)

(protetores respiratórios, luvas, botas, etc.), obrigatórios por lei, e de material para a

prestação de primeiros socorros, são algumas das irregularidades encontradas, assim

como a falta de anotação na CTPS e ausência de registros de vários trabalhadores nos

livros.

A forma de contratação desses trabalhadores também vem sofrendo

modificações. Os gatos, utilizados ainda por grande parte dos fazendeiros, são os

aliciadores trabalhadores com pouca escolaridade, de municípios longínquos e pobres,

principalmente do Nordeste. Oferecem serviços em fazendas, com garantia de salário,

alojamentos, comida, além de adiantamentos para a família e garantia de transporte

gratuito ate o local de trabalho. (OIT, 2011)

Hoje já existem as empresas terceirizadas que contratam a mão de obra. E

ainda uma quarteirização, que ocorre quando uma empresa já terceirizada cria novas

empresas, mas mantendo a mesma atividade, ou ainda repassa para outra empresa parte

de um serviço. Ou seja, há o envolvimento de três empresas neste processo: a empresa

titular, a terceirizada e a quarteirizada.

Por conseguinte, em uma fazenda fiscalizada pelo GEFM e que seja

encontrado trabalhadores escravos, a empresa titular vai afirmar que não tem a

responsabilidade, pois os operários encontrados não seriam da empresa. Logo, á uma

necessidade de criação de leis para coibir e multar as empresas titulares que contratam,

mas não fiscalizam as terceirizadas.

Geografia como ferramenta para interpretação do trabalho análogo a escravidão

No momento atual em que o avanço da área ocupada pelo agronegócio em

diversas áreas do país tem sido palco dos trabalhadores análogos a escravidão entre

diversos grupos sociais, em face do problema de segurança alimentar, concentração

produtiva e da terra, modernização tecnológica da base produtiva, desmatamento e da

projeção do modelo de reprodução capitalista do espaço agrário/agrícola, deslocar o

foco de análise para as políticas promovidas pelos atores do agronegócio e do Estado, a

fim de desvelar suas estratégias, que resultam no trabalho degradante análogo a

escravidão no campo, numa relação dialética com os lugares.

Daí, a importância do conceito de território, já que “a produção do território,

na definição das diferentes formas de territorialidade, implica práticas sociais que

diferenciam territórios e se diferenciam no território” (PALHETA, 2009). O trabalho

análogo a escravidão aparece a partir do território vinculado “ao poder e ao controle de

mobilidade” (HAESBAERT & LIMONAD, 2007). Logo, poder, governo e território

compõem esta análise, sendo importantes para uma interpretação geográfica sobre este

fenômeno.

Segundo Eduardo (2006), “inerente a todas as relações, em todas as fissuras

sociais, o poder é um conceito chave, que nos possibilita avançarmos no desvendamento

da dialética da produção e da apropriação do espaço territorialmente”.

Eduardo também vai afirmar que:

O território, antes de qualquer outra coisa, é relação social, é

conflitualidade geograficizada. O território é a expressão concreta e

abstrata do espaço apropriado, produzido. É formado, em sua

multidimensionalidade, pelos atores sociais que o (re)definem

constantemente em suas cotidianidades, num “campo de forças”

relacionalmente emaranhado por poderes nas mais variadas

intensidades e ritmos. (EDUARDO, 2006, p. 177)

A construção do território é outro fator importante, por sua construção

social e:

...pelo exercício do poder por determinado grupo ou classe social.

Podem ter um caráter mais econômico, como os dinamizados por

empresários, por exemplo; mais político, como o de partidos políticos;

e/ou, mais culturais, como o território de domínio da Igreja Católica,

para mencionarmos, pois, apenas alguns exemplos. Reflete, em última

instância, toda a produção que deriva das relações entre os homens e

destes com a natureza (que também consideramos uma dimensão do

social por ser frequentemente apropriada econômico e/ou

politicamente, ou simplesmente por estar envolta pelas

intencionalidades). (EDUARDO, 2006)

Portanto o trabalho análogo à escravidão ocorre nos territórios onde há a

implementação do poder de um grupo social (gatos, empreiteiros) sobre uma classe

social de pessoas pobres, desinformadas que aceitam pouco dinheiro para muito

trabalho. Esses trabalhadores que vem preferencialmente do Nordeste, se encontram em

condições já degradantes de vida, onde em suas moradias faltam água e comida. Além

disso, o controle na mobilidade ocorre pelo cerceamento a liberdade, característica

típica do trabalho escravo.

A natureza é outra vitima deste problema, já que nas fazendas onde há

trabalho escravo, a mecanização já se torna presente, porém o desmatamento geralmente

ocorre pelo corte da mata por esses trabalhadores.

O governo por sua vez demorou a agir no combate, e isso tem como claro

motivo o uso desses trabalhadores por grupos políticos. Diversos fazendeiros também

são políticos, a chamada bancada ruralista. Esse grupo tende a dificultar a reforma

agrária, assim como a PEC 438.

O trabalho análogo a escravo no Sudeste brasileiro

No Brasil, diversos casos de trabalho escravo no campo vêm aparecendo

nos últimos anos. Os Estados com grandes produções agropecuárias, como Tocantins,

Bahia, Maranhão, Goiás, Pará e Mato Grosso apresentam grande índices de

trabalhadores análogos à escravidão no campo.

A pesquisa, que se encontra em seu inicio, terá como objetivo principal a

territorialização do trabalho escravo e o papel do espaço no processo social, porém neste

artigo serão apresentados os dados e informações já estudadas. No Estado do Rio de

Janeiro, por exemplo, foram encontrados no 1771 trabalhadores liberados nos últimos

10 anos, segundo os dados da CPT, sendo que 1439 (82%) foram encontrados nas

fazendas de cana de açúcar (gráfico 1) e em sua grande maioria no município de

Campos dos Goytacazes. Somente em 2009 foram encontrados 715 trabalhadores

análogos a escravidão neste município, ajudando o Estado do Rio de Janeiro a ser o

campeão nacional de trabalhadores encontrados em péssimas condições de trabalho

neste ano. As fazendas produtoras de cana apresentam grande destaque, sendo a mão de

obra escrava utilizada para o corte e limpeza do solo.

Fonte: Dados Comissão Pastoral da Terra (2000 – 20010).

A intensa mecanização no setor sojicultor e cafeicultor promovem algumas

atividades relacionadas à preparação do solo que envolve trabalho manual. O trabalho

escravo na soja e no café ocorre porque os fazendeiros utilizam os trabalhadores tanto

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Café Cana ConstruçãoCivil

Laranjas Pecuária Venda deRedes

Gráfico 1: Trabalhadores Escravos por Atividade entre 2000 - 2010 no RJ

para limpar antigos pastos quanto para derrubar mata nativa. São trabalhadores

temporários, contratados para serviços que requerem baixa qualificação profissional e

grande força física. Assim como na soja e no café, a colheita do algodão é praticamente

toda mecanizada, mas existe a necessidade do serviço braçal de limpar a terra, catando

as raízes e preparando para um novo plantio. Já no carvão os trabalhadores abastecem

os fornos, sem os equipamentos necessários para esta atividade, além de ultrapassarem

10 horas de trabalho.

Mapa 1: Trabalhadores resgatados entre 1995 – 2006

Fonte: Atlas do Trabalho Escravo no Brasil

Umas das mais importantes ONGs brasileiras contra a violência no campo e,

principalmente, contra o trabalho escravo, a ONG Repórter Brasil, publicou, em 2009, o

relatório “O Brasil dos Agrocombustíveis - Impactos sobre a terra, o meio e a sociedade

- Cana 2009”. Consta no relatório que a empresa Gameleira entrou para a lista suja do

trabalho escravo, divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em

novembro de 2003 e saiu em maio de 2008. Durante esse período, ela chegou a ter seu

nome retirado da lista oficial de empregadores escravagistas por força de liminares,

posteriormente derrubadas pela própria Justiça.

O Estado de Minas Gerais se destaca mais nos trabalhadores que são

migrantes para outros estados em busca de trabalho. Já o Espírito Santo, conforme o

mapa 1, não possui casos de trabalhadores resgatados, porém há casos de denúncias de

trabalho escravo, como foi o caso em que o MPF-ES impôs uma ação criminal contra

quatro pessoas por trabalho escravo, ao norte do estado.

Em São Paulo, onde está a maior parte da produção, os problemas

trabalhistas se concentram no excesso de jornada e em más condições de segurança,

higiene e alimentação. As violações em termos laborais não envolvem apenas pequenos

produtores. Vale lembrar que a Cosan, maior grupo sucroalcooleiro do país, foi inserida,

em dezembro de 2009, na “lista suja” do trabalho escravo do Ministério do Trabalho e

Emprego – e saiu em seguida, após liminar obtida na Justiça.

Conclusão

A explicação mais aceitável para a existência do trabalho escravo, no Brasil,

nos dias atuais, é devida à busca de redução do custo de produção através da escravidão

por dívida. O problema é que os grandes produtores e empresas sonegam dos seus

agregados a parte que lhes cabe na produção, ao deixarem de cumprir a legislação

trabalhista.

Os obstáculos para erradicar o trabalho escravo são muitos. O maior

problema não é apenas a dimensão continental do país, mas uma ineficácia legislação,

com multas de valores baixos para os culpados e nenhum caso, pelo menos no Rio de

Janeiro, de prisão de, pelo menos, dois anos, como prevê a lei. Com isso, há os casos de

reincidência. Um exemplo é a Usina Santa Cruz, localizada no município de Campos

dos Goytacazes, com quatro ocorrências, em um período de seis anos.

O padrão da distribuição fundiária no Brasil instituiu uma dinâmica de

expansão da fronteira que, em princípio, deveria evitar a violência rural, mediante a

facilitação da ocupação de terras devolutas. No entanto, o mesmo padrão de distribuição

é reproduzido nas terras da nova fronteira, devido à disputa pelos direitos de

propriedade ainda não devidamente estabelecidos naquela região. Em virtude disso, os

grupos com maior poder econômico e político têm maior acesso aos títulos de posse e

buscam a redução do custo de produção através da escravidão por dívida para maior

obtenção de lucros na sua produção, sonegando dos seus agregados a parte que lhes

cabe na produção, ao deixarem de cumprir a legislação trabalhista.

O governo brasileiro vem em discussão sobre a PEC 438, que se aprovada,

acarretará na perda da fazenda com trabalho análogo a escravidão, sendo destinada a

reforma agrária.

O uso da força e do medo tem sido um dos imperativos das redes políticas

das corporações para atingir os objetivos e metas pretendidos. Daí a importância da

Reforma Agrária e da luta da CPT por moradia, educação, alimentação, saúde, respeito

à socio-biodiversidade e à função social da terra. Todavia, infelizmente, as questões

fundiárias ainda não são assumidas como um problema nacional, em face do peso da

urbanização dominante do país, cenário por excelência das ideias de modernidade e

progresso. O rural ainda carrega o estigma do atraso, do arcaico, do tradicional, do

periférico e do vazio demográfico. Talvez o debate em torno dessas representações

simbólico-ideológicas nas universidades, escolas e famílias contribuam para uma maior

mobilização e militância na defesa dos trabalhadores rurais e de outra racionalidade

socio-produtiva.

Referências Bibliográficas

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www.reporterbrasil.org.br (acessado em Março de 2012)

i Extraído do Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em:

http://www.mte.gov.br/trab_escravo/7337.pdf, acessado em 20/01/2011

ii Extraído do Site do Ministério do Trabalho e Emprego. Atualizada a Lista Suja de trabalho escravo.

Acessado em 20/01/2011

iii Extraído do Site do Ministério do Trabalho e Emprego. Inspeção do Trabalho: Combate ao Trabalho

Escravo. Acessado em 20/01/2011