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A GEOMETRIA PRÁTICA DE FERDINANDO GALLI BIBIENA EM SEUS
TRATADOS DE ARQUITETURA
Iran Abreu Mendes
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
E-mail: [email protected]
Introdução
Em uma pesquisa realizada entre os anos de 2008 e 2015, sobre o trabalho das
comissões demarcadoras dos limites territoriais da Amazônia Brasileira, na segunda
metade do século XVIII, uma das personagens que se destaca é Giuseppe Antonio Landi
(José Antonio Landi); um arquiteto italiano nascido em Bolonha, em 30 de outubro de
1713, que viveu 38 anos no estado do Pará e faleceu em Belém (Pará) em 22 de junho de
1791. Em minhas pesquisas1 identifiquei que em sua formação como arquiteto, Landi foi
discípulo de Ferdinando Galli Bibiena – um mestre de arquitetura no Instituto de Ciências
e Artes, premiado em 1731 e 1734, que foi membro eleito da Academia Clementina de
Bolonha em 1743 e diretor do Departamento de Arquitetura da referida academia em
1745, onde fez um trabalho de extrema relevância para a área da arquitetura, pintura e
artes visuais, apoiado em princípios advindos da aritmética, geometria e mecânica, que
estão refletidos em suas obras impressas.
O trabalho do arquiteto italiano Ferdinando Galli Bibiena foi transposto em suas
obras das quais destaco L’architettura civile preparata sula geometria (1711) e Direzioni
à giovani studenti nel desegno dell’aechitettura civile (1734), pois ambas objetivaram
contribuir na formação de arquitetos italianos na primeira metade do século XVIII,
influenciando bastante a obra de José Antonio Landi na Amazônia, na segunda metade
do século XVIII, projetando na região parte da característica da arquitetura italiana
setecentista.
Neste trabalho apresento alguns resultados de uma pesquisa em andamento sobre
a geometria prática presente nos dois livros de Ferdinando Bibiena, já mencionados, a
fim de verificar como tal geometria foi utilizada na elaboração de uma estética pessoal,
que recombinou retas, curvas e poligonais fechadas de modo a explorar noções
sofisticadas de proporcionalidade, equilíbrio geométrico áureo das linhas e formas, na
1 Para maiores informações ver Mendes (2008; 2009; 2012; 2016), nas referencias deste artigo.
projeção dos ambientes internos em cada prédio e nas localizações externas em cada setor
do conjunto arquitetônico construído naquele período.
Para realização da pesquisa consultei as versões digitalizadas dos dois livros de
Bibiena, já mencionados, além de outros livros e artigos publicados por estudiosos sobre
o tema, para obter mais informações que atendessem ao objetivo do estudo e assim buscar
aproximações entre a obra e a vida de Bibiena. A base das interlocuções teóricas e
empíricas da investigação realizada baseou-se no fato de que a diversidade de fontes
historiográficas originou-se nas pesquisas em história da arquitetura, da arte e do teatro,
considerando os estudos de textos históricos de fontes primárias e secundárias.
O estudo histórico partiu do pressuposto de que a investigação de práticas
socioculturais pode contribuir para a mobilização de cultura matemática a partir de
práticas como as que estão presentes nas obras investigadas. Para obter, organizar e
interpretar o material histórico até descrevê-lo na forma do presente artigo, tomei os
pressupostos da pesquisa histórica defendida por Pinsky (2005) e Veyne (2008), entre
outros que propõem a escrita da história de forma interpretativa.
Assim, o artigo está organizado em cinco partes descritas a seguir: a primeira
contém uma síntese biográfica de Bibiena; na segunda realizo uma descrição sumária e
comentada do livro L’architettura civile preparata sula geometria (1711), e na terceira
apresento uma curta descrição do livro Direzioni à giovani studenti nel desegno
dell’aechitettura civile (1734). Comento, ainda, um pouco mais sobre os dois livros com
destaque para alguns aspectos da geometria prática identificada a partir dos mesmos e
finalizo com as minhas considerações finais sobre o tema abordado.
Sobre Ferdinando Galli de Bibiena
Ferdinando Galli de Bibiena nasceu em Bolonha em 19 de agosto de 1657 e
faleceu na mesma cidade, em 03 de janeiro de 1743. Estudou pintura e aperfeiçoou-se em
pintura de quadratura, uma espécie de projeção em um tipo particular de perspectiva na
arte visual da época, cuja característica era dar uma aparência de profundidade aos
espaços. Viveu alguns anos em Roma, onde ampliou seus conhecimentos. Trabalhou em
Parma, Modena, Gênova, Torino, Veneza, Roma, Milão, Nápoles e, posteriormente, foi
para a Espanha, a convite da coroa espanhola, no reinado de Felipe V. Entre seus escritos
destacam-se os dois tratados de arquitetura publicados, um número expressivo de projetos
e esboços arquitetônicos, bem como várias decorações que, depois, foram publicadas por
seus descendentes ou estudiosos da sua obra.
Em 1711, Bibiena publicou seu livro mais importante sobre arquitetura, intitulado
L’architettura civile, preparata sú la geometria, e ridotta alle prospettive: considerazioni
pratiche, que por volta de 1731 passou a ser bastante utilizado por jovens estudantes de
arquitetura da Academia Clementina de Bolonha, o que levou Bibiena a retomar as suas
principais reflexões e orientações para compor um novo livro, publicado em 1734,
intitulado Direzioni à Giovani Studenti nel Disegno dell’Architettura Civile. Organizado
em dois tomos, tal livro tinha como finalidade principal a formação dos futuros arquitetos,
a partir da sua perspectiva profissional que envolvia arquitetura, pintura e cenografia.
Para dar continuidade ao trabalho desenvolvido por Bibiena, seu filho Giuseppe (1696-
1756), seguiu na mesma profissão do pai, além de publicar algumas obras póstumas
deixadas por Bibiena.
O tratado L’Architettura Civile Preparata Sula Geometria (1711)
O livro de Ferdinando Galli da Bibiena, intitulado L’architettura civile, preparata
sú la geometria, e ridotta alle prospettive: considerazioni pratiche, foi publicado em
Parma, por Paolo Monti, em 1711. Nessa obra, o autor deixa evidente que a base de seu
trabalho se apoia nas ideias advindas da geometria euclidiana, reinventada de maneira
prática e presente na arquitetura de mestres como Vitruvius, Palladio, Scamozzi, Serglio,
Leon Battista Alberti, dentre outros. Com relação à Perspectiva, Bibiena se baseia em
trabalhos como os de Leon Battista Alberti, Leonardo da Vinci, entre outros. Na parte
relacionada à Mecânica o autor menciona as ideias de Guido Baldo de Marchesi dal
Monte, Vitruvius, Nicolò Tartaglia e Heron de Alexandria.
Figura 1. Folha de rosto do livro L’architettura civile preparata sula geometria (1711)
Fonte: Acervo digital da Pesquisa
No referido livro são apresentados diversos desenhos correspondentes à
perspectiva e cenografia, que serviram de modelo para uso na formação de jovens
estudantes de arquitetura. Neste sentido, Bibiena dedicou cerca de quarenta páginas de
perspectiva, onde apresenta uma construção de planta de prédios em elevação e inclui,
também, uma seção sobre perspectiva para a construção de teatros e a projeção de espaços
cenográficos.
O tratado foi organizado em cinco partes. A primeira parte trata, exclusivamente,
da geometria euclidiana em suas relações práticas, por considerar que tal tema era de
extrema relevância para as partes posteriores a serem tratadas no livro. Definição de
figura geométrica; como construir tais figuras em um plano e projetá-las no espaço em
diferentes direções ou dimensões, de acordo com as construções práticas em que essas
geometrias necessitam ser mobilizadas.
A segunda contém uma breve apresentação sobre os elementos da arquitetura em
geral, na qual Bibiena esclarece conceitos, formulações e objetos da arquitetura, em cujas
construções mobiliza a geometria abordada na parte anterior. Nessa parte as mobilizações
da geometria euclidiana ocorrem em uma epistemologia da prática, na qual se evidenciam
outras formas de elaboração geométrica, operacionalizadas pelos profissionais das
construções e cujas técnicas de traçados geométricos são preservadas desde etapas
históricas mais anteriores, como as que aparecem nos manuais de arquitetura de
Vitruvius, Palladio e outros arquitetos italianos que influenciaram a formação de Bibiena.
Na terceira parte, o autor aborda fundamentos sobre perspectiva em geral. Neste
sentido, esclarece sobre nomes dos termos e suas significações como, por exemplo, em
relação aos pontos, linhas, ângulos, superfícies e outras definições referentes a
construções da perspectiva em arquitetura, bem como de suas implicações na cenografia
teatral, na qual são mobilizadas as conexões práticas entre geometria, ótica e cores.
Na quarta estabelece suas considerações sobre pintura em geral, enfatizando quais
as habilidades necessárias para um jovem pintor estabelecer as relações geométricas em
projeções perspectivistas de modo a criar cenários planos e espaciais em diferentes
dimensões. Nessa parte do livro, o autor destaca os mais variados tipos de perspectivas
apresentados em tratados anteriores de arquitetura para, em seguida, anunciar suas
maneiras de conceber e praticar sua arquitetura e pintura de quadratura, o que caracteriza
seu trabalho para a elaboração de projetos cenográficos para teatros da época.
Na quinta, e última parte, trata da mecânica ou arte de mover, manter e transportar
uma peça. É nessa parte do livro que Bibiena retoma as proposições de Vitruvius sobre a
arte de mover as peças e acrescenta novas informações advindas das teorias aristotélicas,
da mecânica de Guido Baldo de Marchesi dal Monte, das ideias de Nicolò Tartáglia e de
Heron de Alexandria, de modo a apontar os conhecimentos necessários para levar em
frente a determinação de qualquer empreendimento mecânica, a ser implementado na
elaboração e execução de um projeto de arquitetura que envolve peças em movimento ou
no transporte de alguma peça.
O tratado Direzioni à Giovani Studenti nel Disegno dell’Architettura Civile (1734)
O livro elaborado por Bibiena para a formação de jovens arquitetos, na Academia
Clementina de Bolonha, na primeira metade do século XVIII, foi organizado, segundo
seu autor, a partir de dois obstáculos que ele considerou necessários de serem superados
por todo estudante de arquitetura civil. O primeiro, refere-se ao fato de que os jovens
profissionais deveriam basear-se na geometria exata para compreender as teorias e as
práticas relacionadas a arte da pintura de quadratura, uma técnica de elaboração estética
visual para a arquitetura cenográfica, principalmente dos teatros e palácios. A outra diz
respeito ao conhecimento a ser adquirido pelos estudantes na exploração dos livros, de
modo a ampliar suas competências e habilidades a respeito do assunto em questão – o
desenho, a pintura e as projeções arquitetônicas.
Figura 2. Folha de Rosto do livro Direzioni à Giovani
Studenti nel Disegno dell’Architettura Civile (1734)
Fonte: Acervo digital da pesquisa
Neste sentido, o autor organizou sua proposta de geometria prática com base em
autores, cujas ideias favoreciam sua abordagem para a geometria (estática e mecânica),
de modo a tomar os princípios geométricos na projeção de objetos parados e em
movimento para assim se tornar possível ampliar a habilidade de projeção pelos futuros
arquitetos formados naquela academia.
O tratado foi organizado em dois volumes. No primeiro, o autor aborda aspectos
mais teóricos considerados fundamentos essenciais na formação que o estudante
precisaria ter para desenvolver as atividades práticas propostas no segundo volume. Desse
modo, o autor subdividiu os assuntos em cinco partes. A primeira contém fundamentos
sobre geometria prática, a partir dos Elementos de Euclides, com muitas reinvenções
dessa geometria em acordo com os interesses práticos para quem vai fazer uso desse
conhecimento geométrico na arquitetura. Na segunda parte o autor retoma as cinco ordens
presentes no livro de arquitetura proposto por Vitruvius e no trabalho do italiano
Sebastiano Serlio. A terceira contém a divisão das cinco ordens estabelecidas pela
arquitetura de Andrea Palladio. A quarta oferece a divisão proposta para sua arquitetura,
com destaque para a construção de arcos sobre colunas. Por fim, a quinta apresenta a
divisão da arquitetura de Giacomo Barozzio da Vignola, também referente à construção
de arcos sobre colunas.
Figura 3. Imagens da primeira parte do livro, eferentes a algumas construções geométricas
Fonte: acervo digital da pesquisa
O segundo volume foi dividido em cinco partes: a primeira contém a sugestões de
atividades práticas sobre perspectiva comum (denominada pelo autor) para a formação de
pintores e de arquitetos. A segunda oferece práticas que serviriam para a elaboração de
desenhos e pinturas de figuras (estátuas). A terceira apresenta práticas sobre o uso da
perspectiva nos cenários teatrais. A quarta focaliza as práticas na direção dos modos de
utilizar sombras. A quinta parte traz a mecânica, na qual trata da arte de mover uma peça
e transportá-la de um lugar para outro.
Na organização do trabalho, Bibiena baseia-se no tratado de arquitetura de 1711,
mencionado anteriormente, com diversas informações extraídas do texto de Vitruvius e,
também, dos tratados produzidos por Palladio, Serlio e outros autores credenciados, os
quais deveriam ser adquiridos pelos estudantes com a maior brevidade possível.
A intenção do autor era oferecer seus vastos conhecimentos como cenógrafo, aos
estudantes de arquitetura, dentre os quais estavam seus filhos, que posteriormente lhe
sucederiam como cenógrafo da corte espanhola, durante muitos anos. Seu tratado
dedicado aos jovens estudantes de arquitetura simplificava e ampliava os conselhos
oferecidos em seu tratado anterior sobre arquitetura civil, principalmente sobre a
preparação para o desenho de cenografias, no qual tentou ser bem pedagógico, o que o
levou a ampliar o número de lâminas com desenhos ilustrativos sobre as práticas
geométricas a serem utilizadas pelos estudantes.
Foi possível observar que nas primeiras páginas do tratado o autor apresenta
alguns fundamentos sobre seu sistema cônico de desenhar em perspectiva, no qual o ponto
de fuga central se conecta aos demais pontos observados de forma conjugada e
integralizante. Igualmente, menciona sua ideia sobre o plano do quadro como plano que
corta as linhas visuais emitidas desde os pontos definitórios das figuras.
Figura 4. Perspectiva cônica presente nos livros de Bibiena
Fonte: acervo digital da pesquisa
Entretanto, Bibiena não trata tão-somente de ensinar o que é um plano do quadro.
O que ele faz no tratado consiste em tentar mostrar como é possível desenhar a perspectiva
de um cenário em vários planos do quadro, e como o cenógrafo deve coordenar seu
trabalho para que quando todos esses planos sejam vistos pelo espectador formem uma
só perspectiva cônica, ou seja, uma imagem convergente mais pormenorizada do objeto
projetado.
Sobre as geometrias práticas presentes nos tratados de arquitetura
A respeito das geometrias práticas presentes nos dois tratados de arquitetura,
elaborados por Bibiena, foi possível perceber que o autor tomou para seus trabalhos as
experiências já estabelecidas em outros tratados de arquitetura que talvez tenham lhe
servido de orientação durante sua formação profissional. Além disso, foi possível
perceber, ainda, o quanto o autor reinventou princípios, teorias e práticas geométricas ao
estabelecer conexões entre as práticas geométricas, a geometria das luzes e cores, e dos
movimentos, de modo a oferecer um processo dinâmico que visava provocar a
criatividade na imaginação estética dos arquitetos em formação na Academia Clementina
de Bolonha naquele período. A seguir, apresento algumas dessas conexões e suas relações
com a perspectiva cônica presente nos tratados investigados.
Sobre as figuras planas e espaciais exploradas
As figuras ocas preparadas para os projetos de perspectivas constituíam elementos
que enfatizavam aspectos frondosos como, por exemplo, nos muros arquitetônicos, cujas
projeções apresentavam diversas influências de elementos da arquitetura clássica. Neste
sentido, eram utilizadas diferentes formas geométricas espaciais elementares como os
poliedros, uma vez que se os jovens estivessem familiarizados com as figuras planas e
espaciais, Bibiena considerava prudente nesse momento introduzir os poliedros regulares
e semirregulares, pois admitia que, de todos os modos, nenhum cenógrafo desenharia e
projetaria em perspectiva cônica, estas formas mais complexas, uma vez que ele
considerava mais adequado elaborá-las por aproximação e combinação geométrica a
partir da projeção de poliedros conjugados entre si.
De acordo com Bibiena, as figuras sobre planos não horizontais eram os elementos
mais difíceis de serem projetados em perspectiva, na arquitetura. A esse respeito
menciona o exemplo das abóbadas, que se compõem de muitos arcos. Neste sentido,
mostra uma maneira de transportar os pontos principais que definem essas figuras e os
modos de tratar da interseção das superfícies que as envolvem, fazendo assim surgir o
objeto foco de projeção, tal como mostra a figura 5.
Figura 5. Octógono duplo em perspectiva. Livro Direzioni à
giovani studenti nel desegno dell’aechitettura civile (1734)
Fonte: Acervo digital da pesquisa
Outros elementos difíceis de projetar em arquitetura
Para Bibiena as hélices e as escadas eram consideradas um desafio aos
perspectivistas. Porém, foi com base na exploração da geometria prática que o autor
propõe ser possível projetar esses objetos em cena se for considerado que eles são
compostos por elementos geométricos que se descompõem em outros.
Figura 6. Exemplo de combinação geométrica presente no livro
Direzioni à giovani studenti nel desegno dell’aechitettura civile (1734)
Fonte: Acervo digital da pesquisa
Para ele, se trata apenas de um problema de paciência (imaginação criativa) ou
seja, identificar e projetar em perspectiva, seus pontos definidores e, assim, o objeto
estaria projetado na perspectiva desejada. Dessa maneira, o autor assegurava que se
tornaria possível realizar uma moldagem arquitetônica em seus pormenores,
considerando os numerosos focos e enquadramentos, as molduras que cercam os
elementos clássicos, que requerem um pouco de prática para saber lançar pequenas
diagonais, que simplificariam a obtenção dos pontos essenciais em linhas paralelas.
Outro aspecto destacado por Bibiena é que os jovens arquitetos em formação
deveriam estar preparados para desenhar qualquer elemento em perspectiva. Por isso, o
autor ofereceu orientações de como desenhar sobre superfícies que não estivessem de
frente para o espectador (o plano de imagem), mostrando, assim, por exemplo, figuras em
perspectivas que pudessem ser utilizadas na decoração de tetos, para que se pudesse
projetar uma profundidade ilusória no olhar do observador, o que caracterizava seu
trabalho de projeção em quadratura.
Colocação de figuras e elementos, deformações e correções
A esse respeito Bibiena destaca que Vitruvius já havia assegurado em sua
arquitetura que, recorrendo a uma tradição anterior, um espectador no sol veria os objetos
arquitetônicos com uma peculiar deformação de maneira que os elementos situados em
uma posição mais alta, os veria menores que os que estivesse mais abaixo. Todavia,
mesmo que lhe parecessem mais baixos, Bibiena sugere que os arquitetos deveriam levar
isso em consideração, e tentassem corrigir esta tendência, pois desde a obra de Vitruvius
já estava proposto que o mais adequado seria desenhar em maior escala os elementos dos
níveis superiores para que parecessem iguais aos dos níveis inferiores. Um exemplo que
o autor deixa claro remete à necessidade de se aumentar a altura das estátuas projetadas
nas obras de arquitetura.
Ainda sobre a colocação das figuras e elementos geométricos nas práticas da
arquitetura, Bibiena destaca o fenômeno da anamorfose. A esse respeito salienta que o
arquiteto pode aplicar o que aprendeu na parte anterior do livro, na busca de alcançar
propósitos mais ambiciosos, pois às vezes as superfícies a serem projetadas não são planas
e, neste caso, o artista (arquiteto) terá de desenhar uma perspectiva acertada sobre uma
abóboda curva ou sobre uma cúpula. Para o autor, deve-se projetar com linhas sobre essa
superfície, e encontrar cuidadosamente os pontos de interseção, de modo que este
procedimento lhe permitia apresentar uma anamorfose, ou seja, uma espécie de
deformação exagerada e imprevisível do objeto que se queria projetar perspectivamente.
Assim, uma superfície pode conter a representação de uma figura não identificável, que
só se torna possível reconhecê-la a partir de um ponto de vista apropriado.
Figura 7. Sobre a anamorfose mencionada nos livros de Bibiena
Fonte: Acervo digital da pesquisa
O autor destaca, ainda, que a anamorfose mais comum é desenhar uma face (um
rosto), que pode ser incluído um retrato (um quadro). A face deve ser desenhada
projetando-a ponto a ponto sobre essa superfície (um quadro) com um ângulo aumentado,
de modo que se possa obter uma forma extremadamente oblonga. Assim, o observador
só descobrirá o tema do desenho se olhar atentamente muito de lado, para que seja
possível a imagem surge como uma aparição.
Se a superfície for desordenadamente curva a imagem deve ser desenhada por
pontos sobre ela. E a partir desse ponto de vista ser concebido, aparecerá misteriosamente
a imagem do objeto em volume (em dimensão espacial), ou seja, a imagem ficará
projetada no espaço em profundidade de acordo com o movimento curso da superfície.
Sobre a geometria no cenário barroco
A respeito do cenário barroco, Bibiena revela ao jovem arquiteto o segredo da
decoração, que ele denomina como em teares paralelos. Esse traçado em perspectiva deve
ser forçado pelo desenhista, ou seja, provocado. Neste sentido, cada tear terá uma escala
mais reduzida que o anterior, uma vez que os teares não formam um plano, mas estarão
dispostos em planos escalonados. Nesse procedimento, o cenógrafo deveria pensá-los
(imaginá-los) de modo que quando o espectador olhasse pudesse ter uma visão
consistente do desdobramento do objeto que se queria mostrar.
Ainda sobre esse assunto, o autor menciona outro aspecto geométrico que ele
denomina de ângulo cênico. Trata-se da disposição de uma decoração enviesada (na
forma de viés), que obrigaria o cenógrafo a colocar pelo menos alguns painéis girados.
Para esclarecer oferece um exemplo simples de como alcançá-lo, mencionando que suas
orientações bastariam para o jovem entender o quanto era difícil determinar o número de
teares necessários para uma decoração maior, mas que a partir das técnicas sugeridas
poderiam ser alcançadas com bastante facilidade.
Sobe a Iluminação e as máquinas
A respeito da estética projetiva estabelecida pela iluminação e pelos movimentos
das formas geométricas, colocadas na perspectiva cônica anunciada, Bibiena considerou
que o jovem cenógrafo deveria conhecer as leis elementares da óptica como, por exemplo,
prever as sombras e contar com os reflexos, como princípios também importantes na
aplicação da geometria projetiva, uma vez que, teoricamente, os raios de luz são refletidos
com ângulos simétricos, como em um espelho.
Figura 8. Exemplo de projeção geométrica da luz, presente nos livros de Bibiena
Fonte: Acervo digital da pesquisa
Neste sentido, poderiam ser determinadas geometricamente as sombras que
seriam, assim, projetadas com toda exatidão. Na prática, o autor considerava que tudo era
um pouco mais difuso e, por isso, preferia passar à aplicações mais práticas desses
princípios.
Na realidade, em seu tempo, o cenógrafo apenas controlava a iluminação. Em
ocasiões se previa iluminação natural nos cenários (com janelas laterais). Porém, quase
sempre, e desde logo nas funções de tarde, só se podia contar com velas ou candeias. Com
frequência as decorações de palácios incluíam lustres e lampadários autênticos entre os
objetos cênicos.
Figura 9. Exemplo de quadratura nos livros de Bibiena
Fonte: Acervo digital da pesquisa
Sobre as máquinas, Bibiena salientou que os arquitetos em formação deveriam
conhecer bem as propriedades físicas sobre a alavanca, posto que com ela seria possível
mover qualquer objeto, independentemente de seu peso, desde que se tivesse um ponto
de apoio para movê-la.
Para o autor esse ponto de apoio era o primeiro elemento multiplicador da força
humana, e que de posse desse conhecimento, o arquiteto poderia iniciar-se em
procedimentos que pudessem aumentar a potência da força humana a ser empregada
como qualquer outra para mover as máquinas de teatro, dentre os quais, alguns são
conhecidos desde a Antiguidade Clássica: o torno (vertical) ou cabrestante (horizontal),
que correspondem ao princípio da alavanca; a polia ou combinações de polias, como
práticas empregadas habitualmente nos navios; as engrenagens, que no teatro eram
estruturadas por rodas dentadas que, embora de madeira e com grandes dentes, nem
sempre eram executadas com precisão adequada, e não trabalhavam com muita eficácia.
Figura 10. Desenhos de máquinas. Anexos da quarta parte do livro L’Architettura civile
preparata sula geometria (1711)
Fonte: Acervo digital da pesquisa
Considerações finais
A investigação dos dois tratados elaborados por Bibiena me fizeram refletir
principalmente sobre o fato de que o autor se baseia nos tópicos propostos nos Elementos
de Euclides, para reinventar seus métodos de construção geométrica com a finalidade de
abordar entes geométricos como ponto, linha (reta, curva e mista), superfície (plana e
curva), corpo sólido, circunferência, círculo e centro do círculo, bem como diâmetro,
semidiâmetro (raio), sempre em uma relação com a arte geométrica, visual e mecânica no
sentido estético. Igualmente, há ainda destaque para outros aspectos geométricos
extremamente importantes como ângulos planos (reto, agudo e obtuso), ângulo mistilíneo
e curvilíneo, linhas paralelas, figuras regulares como trapézio, retângulo, rombo
(romboide), triângulo equilátero, equiângulo, triângulo isósceles, triângulo escaleno;
figuras irregulares; linha da elipse ou oval; linha espiral no plano; linha espiral elevada
cujas construções geométricas orientadas com o uso da régua e do compasso, expressam
métodos extremamente originais, cujas maneiras de construir não são muito presentes nos
livros de desenho geométrico ou arquitetônico utilizados atualmente.
Os resultados da investigação apresentam, por exemplo, possíveis eixos de
exploração matemática para uma abordagem transversalizante da matemática escolar para
a Educação Básica e Superior, de forma prática e atualizadas com base nos softwares
usados atualmente como o GeoGebra e o Sketshup, bem como podendo ser tomado como
base para outros estudos similares em geometria dinâmica, simetrias ou outros tópicos
que envolvem geometria.
Ficou evidente, ainda, o quão são melhor evidenciadas as potencialidades
geométricas da perspectiva em grandes espaços arquitetônicos como pátios ou interiores,
quando se dispunham com elementos iguais e repetidos, para criar a ilusão de reiterações
quase infinitas. É possível, portanto, admitir que o trabalho de Bibiena se caracterizou por
introduzir uma nova versatilidade a vários elementos arquitetônicos usuais para a sua
época, principalmente quando sugeriu que se combinassem três aspectos fundamentais
no estabelecimento de uma estética espacial infinita e impactante em ambientes como
palácios e teatros: a geometria, a luz e as cores, em um movimento dinâmico, conectados
na projeção em perspectiva.
Referências
BIBIENA, F. G. Direzioni à giovani student nel desegno dell’aechitettura civile.
Bolonha, 1734.
BIBIENA, F. G. L’Architettura civile, preparata sú la geometria, e ridotta alle
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