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A GLOBALIZAÇÃO INACABADA: MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E POBREZA ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 3-22, jul./set. 2005

P

Resumo: Este ensaio analisa as discrepâncias entre o discurso e a prática que marcam o atual processo deglobalização econômica e suas implicações para a migração internacional. Examina também as vantagens edesvantagens da migração internacional sob diversos aspectos. Sugere a formulação de políticas migratóriasque revalorizam os aspectos positivos da migração, enquanto se trabalha na redução dos seus efeitos negativos.Palavras-chave: Migração internacional. Globalização. Políticas migratórias.

Abstract: This paper analyzes the discrepancies between discourse and actual practice that mark the currentprocess of economic globalization and its implications for international migration. It also examines theadvantages and disadvantages of international migration from different angles. Finally, it recommends theformulation of migration policies that build on the positive aspects while reducing the negative impacts ofmigratory movements.Key words: International migration. Globalization. Migration policies.

GEORGE MARTINE

A GLOBALIZAÇÃO INACABADAmigrações internacionais e pobreza no século 21

ara atuar sobre as migrações internacionais no sé-culo 21, é preciso entender como a globalizaçãoafeta os deslocamentos espaciais da população. Nos

dias de hoje, o horizonte do migrante não se restringe àcidade mais próxima, nem à capital do estado ou do país.Seu horizonte é o mundo – vislumbrado no cinema, natelevisão, na comunicação entre parentes e amigos. Omigrante vive num mundo onde a globalização dispensafronteiras, muda parâmetros diariamente, ostenta luxos,esbanja informações, estimula consumos, gera sonhos e,finalmente, cria expectativas de uma vida melhor.

Entretanto, a globalização é parcial e inacabada, e issoafeta as migrações de várias maneiras. O dinamismo e aforça principal da globalização residem na integraçãoeconômica, forjada, imposta e gerenciada pelas regrasdo liberalismo. Essas regras, porém, são seguidas seleti-

vamente pelos próprios países que as promovem. O re-sultado é que a globalização apresenta dificuldades emorosidades no cumprimento de suas promessas. Mui-tos países crescem pouco ou nada e, enquanto isso, asdisparidades entre ricos e pobres aumentam. Tais desi-gualdades contribuem para aumentar o desejo, e atémesmo a necessidade, de migrar para outros países. En-tretanto, as regras do jogo da globalização não se apli-cam à migração internacional: enquanto o capital finan-ceiro e o comércio fluem livremente, a mão-de-obra semove a conta-gotas.

Este ensaio procura explicitar melhor algumas dessasinconsistências e suas implicações para a migração inter-nacional. Começa com uma breve análise das discrepân-cias entre o discurso e a prática que marcam o processode globalização econômica na atualidade. Tais inconsis-

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tências estão na raiz da insatisfação e da frustração obser-vadas em muitas sociedades e grupos sociais. Uma dasdiscrepâncias diz respeito justamente às limitações quesofre a migração internacional. Se a lógica do modelo do-minante contempla e até mesmo exige a migração inter-nacional, por que esta não acontece em maior volume? Asegunda parte deste ensaio procura responder a essa per-gunta, tentando mostrar que a maioria dos supostos obs-táculos à migração internacional é exagerada ou incon-sistente. Nesse sentido, o ponto de partida para aformulação de políticas migratórias consistiria na revalo-rização dos aspectos positivos da migração, e na reduçãoprogressiva de seus efeitos negativos.

Para poder idealizar políticas eficazes de migração,nessa visão, é importante entender o deslocamento espa-cial como parte das estratégias de sobrevivência e demobilidade social da população. É interessante observarque, mesmo entre os pensadores, acadêmicos e ativistas(muitos deles, migrantes), existe um sentimento implícitoe maldefinido de que, de alguma forma, o sedentarismo ea imobilidade seriam preferíveis à migração. Entre aque-les que trabalham com a temática “migração” – possivel-mente porque observam de perto os sofrimentos que afli-gem a população migrante – encontra-se freqüentementeuma postura de rejeição à migração e um entendimentode que este é um processo a ser minimizado e reduzido.Esse tipo de sentimento é antigo e persistente, mas poucoprático no contexto do século 21. É preciso reconhecerque a não-migração também é associada à pobreza, à mi-séria, à violência e a todas as formas de exploraçãocomumente relacionadas com a migração – muitas vezesde modo ainda mais exacerbado.

Este ensaio considera que o aumento significativo damigração não somente é inevitável no contexto daglobalização, como também tem um potencial bastantepositivo. Esta postura não nega as dificuldades e as per-das reais ocasionadas pela migração, mas argumenta queestas podem ser, muitas vezes, reduzidas com ações espe-cíficas. Parte-se do suposto de que os aspectos positivosda migração são, pelo menos potencialmente, bastante maissignificativos de que os negativos, e que também podemser realçados com políticas adequadas.

Em suma, a migração é inevitável e tem o potencial deser bastante positiva para o desenvolvimento e a reduçãoda pobreza. As políticas que partem desse princípio terãomais êxito do que aquelas que tentam se opor, de formaintransigente, tanto à globalização, como à migração depessoas no espaço.

A GLOBALIZAÇÃO INACABADA:IMPLICAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO

Queiramos ou não, a globalização é uma força podero-sa no novo sistema mundial, e continuará sendo deter-minante no curso da história futura da humanidade. Semdúvida, ela nos coloca tanto desafios como oportunida-des. A globalização suscita reações das mais diversas,muitas delas emocionais. Isso se deve, em parte, ao fatode que existem muitas dimensões, assim como muitas in-terpretações do fenômeno em curso.1

Neste ensaio, enfocamos a globalização da era atual,iniciada nas últimas décadas do século 20, principalmen-te nos seus aspectos econômicos e financeiros. Essaglobalização caracteriza-se por aumentos significativos nointercâmbio comercial e financeiro, dentro de uma eco-nomia internacional crescentemente aberta, integrada e semfronteiras. A influência do fundamentalismo econômicode Thatcher e Reagan; o descaimento e desmembramentodas economias centralmente planejadas; a crise econômi-ca/financeira prolongada de muitos países e regiões (comdestaque para a América Latina) na década de 80; e aimposição de ajustes estruturais aos países não-industria-lizados. Todos esses são fatores que deram forte impulsoà globalização econômica. Praticamente todos os paísesforam instados a adotar as mesmas regras do jogo e a sub-meter-se aos fiscais internacionais, propiciando a expan-são do mercado global.

De uma maneira ou de outra, e em etapas diferentes,todos estão caminhando em direção a uma nova organiza-ção econômica global. O modelo conhecido como o Con-senso de Washington, promovido agressivamente pelabanca internacional e pelos representantes dos países de-senvolvidos, reduziu significativamente a participaçãoestatal na economia e a proteção da economia nacional;ao mesmo tempo, abriu as fronteiras para o fluxo de bense serviços, assim como de capital. Com isso, a glo-balização, que vem se acelerando desde 1985, tem quita-do muita relevância às fronteiras nacionais, pelo menosno que se refere ao trânsito de capital e de bens.

Em resumo, o aspecto mais notório da globalização naatualidade é, sem dúvida, o crescente predomínio dos pro-cessos financeiros e econômicos globais sobre os nacio-nais e locais. A generalização do livre comércio, o cresci-mento no número e tamanho de empresas transnacionaisque funcionam como sistemas de produção integrados e amobilidade de capitais são, de fato, aspectos destacadosda realidade atual.

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Entretanto, é importante constatar que esse é apenasum aspecto da globalização, pois o processo é de carátermultidimensional. Na realidade, o impacto da globalizaçãose faz sentir concomitantemente em termos políticos, cul-turais, sociais, ambientais e mesmo demográficos. Todasessas diferentes dimensões da atual fase da globalizaçãopassam por transformações aceleradas, devido à reduçãodos custos de transporte, informação e comunicação. Nessadinâmica frenética, as diferentes dimensões evolucionamcom matizes, ritmos e características próprias, levandomuitas vezes a tensões entre elas. A desigualdade de for-ças dos diferentes atores junto com a ausência de umagovernabilidade global dificultam muito a resolução des-sas tensões.

Tais tensões estão na raiz das reações fortes e emocio-nais que diversos grupos têm apresentado frente àglobalização. Como pensadores, acadêmicos e represen-tantes de movimentos sociais ou políticos, também temosalternativas de posicionamento diante da globalização.Podemos assumir atitudes de agressiva condenação, ou deapaixonado apoio à globalização, ou podemos criticar osseus aspectos mais negativos com o intuito de ajudar apromover uma correção eventual de rumos e práticas.

Essa última abordagem é a escolhida neste ensaio. Parte-se do princípio que é pouco útil ficar numa atitude pura-mente negativa. Não se pode afirmar que a globalizaçãoeconômica está em crise, ou que a globalização não deucerto, porque, na realidade, ela ainda nem foi experimen-tada. Como algumas regras centrais do modelo deglobalização econômica ainda não estão sendo aplicadas,não podemos sequer avaliar se ele é capaz de cumprir suaspromessas. A globalização continuará sendo, de fato, umarealidade inacabada enquanto os países mais poderososnão cumprirem os preceitos que eles mesmos venderamao mundo subdesenvolvido como sendo a “trilha para ocrescimento econômico”.

Por outro lado, se formos objetivos, provavelmenteacabaremos admitindo que não existe modelo alternativoviável no futuro previsível. Seguindo a trajetória dos doisúltimos presidentes brasileiros – donos, os dois, de umcurrículo invejável de pensamento e ação nos movimen-tos de esquerda – é preciso ser realista. Ao assumir as ré-deas do país, tanto Fernando Henrique Cardoso – comoLuís Ignácio Lula da Silva – acabaram aceitando a neces-sidade de governar dentro das regras gerais da economiaglobalizada. Isso não lhes quitou o direito de divergir ede lutar para tentar corrigir as falhas do modelo dominan-te. Nesse sentido, as críticas feitas aqui ao processo de

globalização são dirigidas às flagrantes inconsistênciasentre o discurso elevado dos países hegemônicos e suaprática cotidiana, com a esperança de que isso venha even-tualmente a engrossar o caudal da advocacy e da mo-bilização política necessárias para promover mudançasimprescindíveis.

Ao discutir o tema da migração internacional dentrodo contexto da globalização, depara-se de imediato como fato de que existe uma discrepância flagrante entre odiscurso e a prática liberal. Como bem observa Pellegrino(2003, p. 8):

o projeto liberal em matéria de circulação de capitais e

mercadorias, sustentado por grande parte dos Estados

centrais, entra em contradição com os severos controles

impostos à livre mobilidade dos trabalhadores e à fixação

das pessoas nos territórios nacionais desses Estados.

Essa inconsistência é um empecilho enorme para aidealização de políticas e ações migratórias que sejamcondizentes com a promoção do desenvolvimento e a re-dução da pobreza.

Entretanto, essa não é, obviamente, a única, nem mes-mo a maior incoerência entre o discurso e a prática do atualmodelo. É importante situar essa inconsistência, referenteespecificamente ao domínio da migração, dentro do con-texto mais amplo das incoerências que se registram hoje naaplicação do atual modelo hegemônico de desenvolvimen-to. A migração internacional é resultado das desigualdadesentre países – e a globalização acentua essas desigualda-des. As inconsistências entre discurso e prática constituemos principais entraves ao crescimento econômico dos paí-ses não-industrializados no atual momento da globalização,e o maior determinante dos problemas associados à migra-ção, conforme pretendemos mostrar a seguir.

A ATUAL FASE DA GLOBALIZAÇÃO E SUASASSIMETRIAS: IMPACTOS SOBRE APOBREZA

Trabalho recente da Comisión Económica para Amé-rica Latina – Cepal (2002) abre uma discussão fundamentala respeito dos atuais rumos da globalização e de suas im-plicações para o desenvolvimento dos países não-indus-trializados. A importância principal desse trabalho resideno fato de que, pela primeira vez (salvo engano), uma agên-cia internacional de desenvolvimento reconheceu, clara eexplicitamente, algumas limitações do modelo liberal edo processo de globalização.

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No trabalho referido, a Cepal (2002, p. 77) afirma comtodas as letras que os países ricos começam o jogo econô-mico mundial nessa etapa da globalização em condiçõesde claras vantagens:

a economia mundial é um ‘campo de jogo’ essencialmente

desnivelado, cujas características distintivas são a concen-

tração do capital e a predominância no comércio de bens e

serviços. Essas assimetrias características da ordem global

constituem a base das profundas desigualdades inter-

nacionais em termos de distribuição de renda.

Tais vantagens só tendem a aumentar com o tempo,pois os mecanismos de mercado geralmente reproduzem,e inclusive ampliam, as desigualdades existentes nos pla-nos nacional e internacional (CEPAL, 2002, p. 88). As-sim, a conjugação de uma ampliação moderada das de-sigualdades internacionais e do notório incremento dasdesigualdades internas dos países é “uma das caracterís-ticas mais distintivas da terceira (e atual) fase de globa-lização.” (CEPAL, 2002, p. 83). Numerosos estudos re-centes, realizados pelo Banco Mundial, destacam osefeitos negativos dessa desigualdade no crescimento eco-nômico.

Nesse contexto, comenta a Cepal (2002, p. 88), os es-forços nacionais de desenvolvimento e de redução da po-breza somente podem dar frutos se eles estiverem

complementados por regras de jogo eqüitativas e estáveis,

e por uma cooperação internacional destinada a por fim às

assimetrias básicas que caracterizam a ordem mundial.

Em seguida, o documento assinala algumas “assi-metrias” da ordem internacional na atual fase de globa-lização. Uma delas faz referência justamente ao tema quenos interessa, ou seja, as migrações internacionais – e esseserá o objeto de discussão do próximo segmento. Nestemomento, a iniciativa da Cepal de citar algumas “assime-trias” do atual modelo nos inspira a citar uma lista de ou-tras inconsistências, que nos parecem ainda mais contun-dentes, em termos de seus impactos sobre as perspectivasde desenvolvimento.

Nesse rol, a mais funesta parece ser a discrepância en-tre “o discurso dos países desenvolvidos na pregação daabertura das fronteiras dos outros países” versus “a reali-dade protecionista das políticas praticadas por eles”.2 Oprincípio de que o comércio entre países deveria ser guia-do pelos preços de mercado é sistematicamente atropela-do pelos países desenvolvidos quando estes: subsidiam aprodução – notadamente na agricultura; impõem restrições,

quotas e tarifas às importações; e praticam o dumping deseus produtos (ANDERSON, 2004, p. 541-542). Por exem-plo, a administração Bush enfureceu seus parceiros co-merciais, em março de 2002, quando impôs tarifas de até30% na importação de aço. Isso foi amplamente visto comouma ruptura dos acordos da Organização Mundial doComércio – OMC. Estima-se que o setor siderúrgico bra-sileiro tenha perdido um bilhão de dólares e 5 mil empre-gos, apenas com essa medida. Da mesma forma, estima-se que os produtores brasileiros de laranja perdem cercade um bilhão de dólares anualmente por culpa das barrei-ras norte-americanas (OXFAM, 2002a, p. 14). Muitospaíses pequenos reclamam amargamente das tarifas nor-te-americanas sobre uma série de produtos, especialmen-te têxteis e roupa, nos quais recaem 42% de todos os im-postos de importação (OXFAM, 2002a). Essas manobrashipócritas e contraditórias constituem provavelmente omaior obstáculo ao desenvolvimento dos países pobres sobo regime liberal.

Uma assimetria relacionada com a anterior diz respei-to ao diferencial do poder de barganha e de manipulaçãoentre os diferentes países. Cria-se a ilusão de que os váriospaíses soberanos são parceiros igualitários na busca dodesenvolvimento e do bem-estar, mas a realidade é bemdiferente. Os mais fortes, particularmente os Estados Uni-dos da América e, em grau menor, a União Européia, arru-mam as coisas à sua maneira, promulgam seus própriosvalores como sendo universais, consultam seus aliadosquando isso lhes interessa, usam a força para defender seusinteresses (como recentemente em Kosovo, no Afeganistãoe no Iraque), adotam posturas de política internacionalclaramente incoerentes com a paz mundial (como no Orien-te Médio), e justificam tudo isso em termos de “princípi-os éticos elevados”.

Segundo Milanovic (1999, p. 8), isso não deveria nossurpreender porque o imperialismo faz parte integral daglobalização.

A globalização não é um processo no qual a maioria dos

países participa em pé de igualdade, realizando igualmente

atividades de intercâmbio e produção. A globalização

somente emerge quando um hegemon garante estradas e

mares seguros para que muitos possam exercer atividades

de comércio e investimento (MILANOVIC, 1999, p. 4).

Mais adiante, Milanovic pergunta:

Até onde o hegemon atual vai entrar na senda do impe-

rialismo? Já podemos observar uns sinais claros: o quase

total desprezo pelas Nações Unidas, ou melhor, o fato da

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ONU ter se transformado em um instrumento da política

norte-americana e, quando é inconveniente, é simplesmente

ignorada; a falta de respeito aos tratados e documentos; a

disposição dos EUA para atuar de forma unilateral ou de

arrastar seus aliados reticentes, numa ostentação de unidade

(MILANOVIC, 1999, p. 7).3

Uma terceira inconsistência diz respeito à validade daprópria promessa do desenvolvimento via abertura de fron-teiras. A Cepal (2002, p. 18)

rechaça o uso normativo do conceito (de globalização) que

ressalta a idéia de uma única via possível – a liberalização

plena dos mercados mundiais e a integração a eles como o

destino inevitável e desejável de toda a humanidade.

Numa análise estatística da experiência dos países emdesenvolvimento no campo do crescimento econômicodesde 1975, Rodrik descobriu que os dois fatores maisimportantes no ritmo de crescimento econômico de um paístêm sido: o nível de investimento interno e a capacidadedo governo de manter a economia doméstica estável nomeio das turbulências da economia global. Manter a in-flação sob controle e assegurar uma taxa de câmbio empatamares realistas eram também fatores importantes.Entretanto, o grau de abertura ao comércio e às finançasinternacionais não era, de per se, significativo (RODRIK,1997; 1999). Esse tipo de constatação reforça as descon-fianças que se projetam sobre as intenções dos países de-senvolvidos quando se empenham tanto na abertura dasfronteiras dos países em desenvolvimento.

A quarta incoerência – e um dos maiores obstáculos aocrescimento econômico de muitas nações – diz respeitoao peso da impagável e eterna dívida externa dos paísesem desenvolvimento.4 Depois do fracasso das moratórias,ficou até deselegante falar nesse tema; no Brasil, a dimen-são e a pujança da economia nacional atual permitem dei-xar de lado esse problema no momento. Entretanto, mui-tos outros países continuam sufocados com o pagamentoobrigatório de uma parcela significativa do seu produtonacional. Uma das alegações principais para não perdoaressas dívidas impagáveis é a de que isso estimularia airresponsabilidade entre os governantes dos países emdesenvolvimento. De fato, na América Latina, estima-seque o aumento na dívida externa entre 1976-1984 foi equi-valente à emigração de capitais privados da região paraas capitais financeiras.

Sem embargo, o fato de que os empréstimos teriam sidofeitos de maneira irresponsável ou corrupta não pode seratribuído exclusivamente aos dirigentes dos países mais

pobres. É conveniente esquecer que tais dirigentes eram,muitas vezes, meros títeres colocados e apoiados no poderpelos países hegemônicos. Também o mundo se esquecede que os líderes dos países em desenvolvimento eram esti-mulados a contrair tais empréstimos em conivência comos interesses políticos e econômicos dos donos do dinheiro.As agências freqüentemente emprestavam dinheiro por ra-zões que pouco tinham a ver com o “apoio ao desenvol-vimento”. Na época da Guerra Fria, procuravam asseguraralianças geopolíticas. Em todas as épocas, a perspectivade vender armas, equipamentos, tecnologia ou mercadoriasmotiva a oferta de empréstimos a governos que pouco seimportam com a dimensão da dívida contraída. Nessastransações, nem o credor e nem o tomador de empréstimosse preocupa com a responsabilidade eventual dos paga-mentos, ou seja, a corrupção vem de ambos os lados.

Finalmente, os discursos altivos daqueles que não que-rem perdoar a dívida não se recordam de que as regras dojogo financeiro são ditadas pelos credores. Nessas, os ju-ros mínimos acordados no momento do empréstimo po-dem, de repente, inflacionar-se por motivo dos desmandosfinanceiros dos próprios países desenvolvidos.5 Enquan-to isso, os preços dos principais produtos de exportaçãodos países devedores caem assustadoramente – tambémpor manipulação dos países credores.

Uma quinta assimetria, nesse caso sugerida pela Cepal,refere-se à altíssima concentração do progresso técniconos países desenvolvidos. Neles se concentram, não so-mente a pesquisa, mas também as ramas produtivas vin-culadas aos câmbios tecnológicos, os quais se caracteri-zam por um grande dinamismo na estrutura produtiva eno comércio mundial. A transferência do progresso técni-co aos países em desenvolvimento é lenta, irregular e cara,cada vez mais acastelada pelas normas de proteção à pro-priedade intelectual (CEPAL, 2002, p. 88-89).

Uma sexta assimetria, novamente descrita pela Cepal,refere-se à maior vulnerabilidade macroeconômica dospaíses em desenvolvimento aos choques externos. A maiorintegração financeira característica do atual processo deglobalização multiplica essa vulnerabilidade. Por exemplo,a crise asiática de 1998 começou na Tailândia e expandiu-se rapidamente para o restante das economias do Sudesteda Ásia. As moedas internacionais pertencem aos paísesdesenvolvidos e fluem para os outros de forma cíclica, emfunção da percepção do caráter arriscado de investimentosnestes. Isso tem efeito significativo na alternância dosciclos de crise e de bonança nos países em desenvolvimento(CEPAL, 2002, p. 91-92).

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Uma sétima inconsistência se refere especificamenteao tema da migração internacional, e será tratada em maiordetalhe no próximo segmento.

MIGRAÇÃO INTERNACIONAL EGLOBALIZAÇÃO

As transformações rápidas e profundas geradas pelaglobalização têm tido um grande impacto sobre osmovimentos migratórios, mas de forma ainda segmentadae contraditória. Por um lado, parece existir um consensona literatura de que a globalização constitui o motorprincipal da migração internacional neste momentohistórico (MASSEY et al., 1998, p. 277). Por definição, aglobalização leva ao desarraigamento quando acelera oprogresso econômico que transforma comunidades,estimula as pessoas a abandonar trabalhos tradicionais ea buscar novos lugares, enquanto as obriga a confronta-rem-se com novos costumes e novas maneiras de pensar(MILANOVIC, 1999, p. 10-11). Mas as diferentes assime-trias observadas acima também impulsionam o deslo-camento populacional. Assim, os subsídios à agriculturanos países desenvolvidos impactam na baixa renda dosagricultores nos subdesenvolvidos, provocando tanto amigração rural-urbana como a emigração. As desigual-dades crescentes entre países, resultantes do conjunto dasassimetrias, aumentam per se a motivação para migrar(MARTIN, 2004, p. 448-9).

Ao mesmo tempo, a globalização aumenta o fluxo deinformações a respeito das oportunidades ou dos padrõesde vida existentes ou imaginados nos países industriali-zados. Dessa forma, suscita uma vontade cada vez maiorde migrar e de aproveitar as oportunidades e as comodi-dades que aparentemente estão sendo criadas em outrospaíses. Em suma, os padrões da migração internacionalrefletem tanto as desigualdades entre países como as mu-danças econômicas e sociais que ocorrem em diferentespaíses. No atual momento histórico, exceto no caso dosconflitos armados e dos desastres naturais, a globalizaçãoé o principal fator que ativa os movimentos migratóriosentre países e determina seus contornos.

Entretanto, esse não é o aspecto mais marcante da re-lação atual entre globalização e migração. Mais notávelainda é como a migração é limitada e restrita dentro docontexto atual. Na realidade, os quantitativos atuais indi-cam uma mobilidade bastante menor do que aquelaverificada em períodos anteriores. Conforme depoimentoda Cepal (2002, p. 73 e citações):

Durante a primeira fase da globalização, que se estende

desde o último quarto do século XIX até os inícios do século

XX, a expansão do comércio e a elevada mobilidade de

capitais estiveram acompanhadas de um incremento dos

fluxos migratórios [...] Esta migração de grandes proporções

teve como destino vários países do Novo Mundo [...] Entre

1870 e 1920, os Estados Unidos, principal país receptor

desta corrente migratória, acolheu a mais de 26 milhões de

pessoas [...] que chegaram a representar mais de 10% da

população total do país.

Tomando em consideração a multiplicação demográ-fica, assim como os enormes avanços nos domínios detransporte e comunicação havidos entre aquele período ea atual fase de globalização, era de se esperar, ceterisparibus, uma expansão muito maior da migração interna-cional no atual momento histórico. O fato de isso não terocorrido, e as razões subjacentes à lentidão do crescimentoda migração internacional, podem ser vistas como maissignificativas do que o próprio crescimento recente damobilidade internacional.

Assim, o estímulo massivo à migração internacional,provocado pela globalização, não é acompanhado por umaumento correspondente de oportunidades porque os paí-ses que atraem migrantes bloqueiam sistematicamente suaentrada. O “Mundo Sem Fronteiras” é parte da definiçãoda globalização, mas não se aplica ao movimento de pes-soas. O capital humano é um fator de produção que, for-malmente, não tem livre trânsito entre fronteiras nos diasde hoje; não existe um “mercado global de trabalho”. Asfronteiras abrem-se para o fluxo de capitais e mercado-rias, mas estão cada vez mais fechadas aos migrantes: essaé a grande inconsistência que define o atual momento his-tórico no que se refere às migrações internacionais.

No contexto do desenvolvimento capitalista, a mobili-dade da força de trabalho – seja dentro de fronteiras nacio-nais, seja entre fronteiras – tem desempenhado um papelimportante. O princípio do livre comércio sugere que aprodução mundial seria maior se não houvesse fronteirase se todos os fatores de produção, inclusive as pessoas,pudessem fluir livremente. Portanto, as políticas que res-tringem a mobilidade dos trabalhadores, segundo a teoriaeconômica neoclássica, conduzem a uma economia mun-dial menor em termos agregados (BORJAS, 1996, p. 11).

No contexto da globalização, as restrições legais assu-mem contornos e implicações particularmente sérias.Obviamente, a maior liberdade de movimento da mão-de-obra não resolveria todos os problemas dos países pobrese nem eliminaria as fortes desigualdades entre nações.

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Poderia até mesmo transformar alguns países mais pobresem produtores permanentes de mão-de-obra, sem perspec-tivas de gerar atividades produtivas próprias. Entretanto,para que o modelo liberal e a globalização alcancem suaspromessas de promover o desenvolvimento, reduzir a po-breza e melhorar as condições de vida da população, se-ria essencial que essa inconsistência fosse algo minimizada.

Nesse sentido, pareceria útil revisar os principais as-pectos da migração contemporânea e analisar o que elesaportam e o que eles têm de negativo, para poder entendermelhor por que a migração não pode fluir livremente. Pro-vidos dessa informação e análise, seria mais fácil, para ospesquisadores, montar uma campanha de advocacy parapoderem influir na conquista de maior liberalização dosfluxos.

OS FLUXOS MIGRATÓRIOS HOJE

De acordo com as estimativas oficiais da ONU, aquantidade de migrantes no mundo teria aumentadobastante nas últimas décadas. De 1960 a 2000, o númerode pessoas que residiam num país diferente do denascimento passou de 76 para 175 milhões. Entretanto,esse aumento é parcialmente fictício, pois 27 milhões dosuposto incremento deve-se simplesmente ao desmem-bramento da União Soviética e da Iugoslávia. Por outrolado, é muito relevante observar que a proporção de mi-grantes no total da população tem-se mantido baixa – de2,5% em 1960 a 2,9% no ano 2000 (UNITED NATIONSSECRETARIATE, 2004a).

Outro aspecto que vale destacar na atual fase daglobalização é a concentração dos destinos migratórios nospaíses desenvolvidos. Em 1960, a maioria dos migrantesinternacionais residia nos países em desenvolvimento. Em2000, 63% (110 milhões) de todos os migrantes registrados(e provavelmente uma proporção bastante mais elevada dosmigrantes não-registrados e documentados) residiam nospaíses desenvolvidos. O estoque de migrantes nesses paí-ses aumentou em 78 milhões, enquanto a população migrantenos países em desenvolvimento aumentou em somente 27milhões. Se colocarmos esses números em termos do querepresentam em cada bloco, observamos que os migrantesinternacionais passam a representar em torno de 9,2% nospaíses industrializados e apenas 1,3% nos outros países. Ogrande crescimento da migração internacional ocorreu naEuropa, América do Norte, Austrália, Nova Zelândia, Ja-pão e países da antiga União Soviética. Na América doNorte, a população migrante aumentou a um ritmo anual

de 3% entre 1960 e 2000, – o que representou a taxa maisrápida de crescimento durante o período (UNITEDNATIONS SECRETARIATE, 2004a).

É importante constatar que essas cifras geralmente nãocontabilizam o número de migrantes “não-autorizados”,“ilegais” ou “documentados”, cuja quantidade é impossí-vel estabelecer com precisão. Trabalho recente, por exem-plo, afirma que a maioria dos brasileiros nos EstadosUnidos não tem documentação (MARTES, 1999, p. 48).A Organización Internacional para las Migraciones – OIMsugere que o número dos migrantes não-oficiais poderiaascender a uns 33 milhões. Entretanto, no caso dos Esta-dos Unidos, o Bureau do Censo calcula que pelo menos30% dos seus 30 milhões de migrantes em 2000 eram “ile-gais” (CENTER FOR IMMIGRATION STUDIES, 2004).Mantida essa relação entre “migrantes oficiais” e “mi-grantes não-documentados” no resto do mundo significa-ria que o total de migrantes não-documentados, na reali-dade, alcançaria 52 milhões. Tomando em consideraçãoa rigidez e a complexidade do aparato repressivo nos Es-tados Unidos, em comparação com os controles migrató-rios menos rigorosos em outras partes do mundo, é atépossível que esse número seja ainda maior.6

Fluxos Migratórios da América Latina e o Caribe

Como situar a região da América Latina e Caribe(doravante, ALC) nesse panorama? Até meados do século20, a ALC era afetada por três tipos de padrões migratórios:a imigração de ultramar, a migração intra-regional e aemigração para fora da região. Hoje em dia, a migraçãovinda de ultramar é irrelevante, a migração intra-regionaltem diminuído e a migração para fora da região semultiplicou (VILLA; MARTÍNEZ, 2001, p. 25-31). Amaior parte desses fluxos para fora da região dirige-seagora para o norte do continente americano, especialmentepara os Estados Unidos e, em menor medida, até o Canadá.Entretanto, estão também surgindo, particularmente desde1990, correntes importantes em direção à Europa.

Segundo Castillo (2003, p. 11),

tanto as migrações para os Estados Unidos e Canadá como

aquelas que se dirigem aos países europeus se caracterizam

predominantemente como sendo de Norte-Sul, por suas

motivações, circunstâncias e contextos, apesar de sua

relativa heterogeneidade interna.

Como comenta Pellegrino (2003, p. 19), a emigraçãoem direção ao norte converteu-se em um “projeto de vida”

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GEORGE MARTINE

para muitos latino-americanos e passou a ser aceita a par-tir dessa perspectiva

como alternativa para enfrentar as difíceis condições de vida,

a incerteza do mercado de trabalho e o descontentamento

com os resultados do padrão de desenvolvimento (CEPAL,

2002, p. 245).

Por essas várias razões, e pela proximidade com osEUA, que é a Meca dos migrantes, a América Latina trans-formou-se na região de maior mobilidade migratória in-ternacional nessas últimas décadas. O predomínio damobilidade dessa região faz-se registrar no volume, tantode fluxos, como das remessas que são enviadas pelosmigrantes latino-americanos. A ALC tem 8,5% da popu-lação mundial; entretanto, um em cada dez migrantes in-ternacionais nasceu num país dessa região – isso sem contaros ilegais e indocumentados, categoria na qual a ALC éprovavelmente soberana.

Ao mesmo tempo, conforme pode ser observado naTabela 1, os migrantes da ALC são campeões incontestá-veis de remessas. Embora constituindo apenas 10% detodos os migrantes oficiais, enviam mais de 30% de todasas remessas contabilizadas pelos dados disponíveis em ní-vel mundial. Isso sugere duas hipóteses: ou os migrantesda ALC ganham mais, na média, ou eles enviam uma par-cela maior de suas economias para casa. Pesquisa recentedo Centro Hispano Pew, baseada em dados censitários,indicaria que essa segunda alternativa é provável. De acor-do com essa fonte, os hispânicos têm uma renda onze ve-zes menor que a da população branca, embora um poucosuperior à dos afro-americanos. Entre os fatores queincidem nessa relativa pobreza estariam: o baixo nível edu-cacional, o desconhecimento do inglês, a tendência a con-centrar-se em regiões com custo de vida elevado e, final-mente, o fato de que os hispânicos fazem, em média,remessas de maior valor (US$ 2.500,00 por ano).7

Duas pesquisas recentes parecem indicar que as remes-sas enviadas por brasileiros são bastante mais elevadasque as dos “hispânicos”. Segundo Bendixen (apud MAR-TES, 2004), 1,3 milhão de brasileiros recebem US$4.150,00 por ano; a metade desses recursos seria enviadapor brasileiros que moram nos Estados Unidos. Utilizan-do dados primários coletados na área de Boston, Martesrelata que a média do valor de envio ascenderia, na reali-dade, a US$ 6.535,00 por entrevistado/ano. Extrapolandoos dados de Rossi (2004), podemos estimar que os brasi-leiros em Portugal estariam enviando em torno de US$5.000,00 por ano.

TABELA 1Remessas Enviadas pelos Migrantes, segundo Grandes Regiões

2002

Grandes Regiões %

Total 100,0

América Latina e Caribe 31,0

Sul da Ásia 20,0

Oriente Médio e África do Norte 18,0

Ásia do Leste e Pacífico 14,0

Europa e Ásia Central 13,0

Sul da África 5,0

Fonte: Orozco (2002, p. 3; baseado em dados oficiais).

A maioria das migrações recentes oriundas da ALCtermina nos Estados Unidos. De acordo com os dadoscensitários, havia 8,4 milhões de migrantes da ALC resi-dentes nos EUA em 1990; esse número aumentou para 15milhões no ano 2000. Nesse momento, a metade dosmigrantes nos EUA era originária da ALC. Quando seconsidera a condição étnica da população migrante, essevolume aumenta sensivelmente; o Censo Demográfico dosEUA de 2000 estabeleceu que a população “hispânica”ou “latina” era de 35,3 milhões; destes, 58,5% declara-vam ser de origem mexicana (CASTILLO, 2003, p. 11).

Dados ainda não publicados do Census Bureau dosEstados Unidos indicam que o número de imigrantes na-quele país vem-se multiplicando durante os últimos anos.De acordo com esses dados, a população total de imigran-tes teria subido de 30 para 34 milhões entre 2000 e 2004.Desse aumento, estima-se que pelo menos a metade seriade imigrantes ilegais ou indocumentados. Além de indi-car um crescimento significativo na taxa de imigração paraos Estados Unidos durante os últimos anos, essas cifrassugerem que a imigração para aquele país não flutua dire-tamente com a dinâmica econômica do país receptor (poisse trata de um período de relativa estagnação econômi-ca). Também pareceriam indicar que as medidas restriti-vas adotadas após os eventos de 11 de setembro de 2001não têm funcionado (CENTER FOR IMMIGRATIONSTUDIES, 2004). Sem dúvida alguma, a migração da re-gião da ALC foi significativa nesse aumento recente.

Essa mobilidade tem raízes naquilo que se tem chama-do na região de “década perdida”, na desigualdade socialincomum, na precariedade do emprego, na instabilidadesocial e política, na violência e na vulnerabilidade. Mastodos esses fatores foram catalisados pelas transformaçõesprofundas operadas pela globalização, não somente em

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A GLOBALIZAÇÃO INACABADA: MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E POBREZA ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 3-22, jul./set. 2005

termos econômicos, mas também em termos de acesso àinformação e à comunicação.

COMO AVALIAR A MIGRAÇÃOINTERNACIONAL? VANTAGENS EDESVANTAGENS

De acordo com a lógica do processo de globalizaçãoque está sendo propagada nesse momento histórico, amigração internacional deveria aumentar, pari passu, como aumento do fluxo de capitais e mercadorias. Teorica-mente, a migração a partir de áreas de baixa renda paraoutras de renda mais elevada permite o uso mais eficientedos recursos disponíveis. O aumento da mobilidade demão-de-obra redundaria num aumento da produção mun-dial e, conseqüentemente, geraria condições para amelhoria do bem-estar da população. Segundo Ratha(2003), dada a enorme discrepância entre os níveis de rendados países ricos e pobres, a maioria dos economistas, as-sim como muitos dos tomadores de decisão nos países emdesenvolvimento, vislumbra grandes benefícios no aumen-to da mobilidade do trabalho. Citando estudos de Winters(2003) e de Rodrik (2001), Ratha (2003, p. 168) estimaque

o bem-estar mundial aumentaria em mais de US$ 150 bilhões

se os países desenvolvidos aumentassem sua quota de

trabalhadores internacionais temporários até 3% da sua

força de trabalho.8

Entretanto, esse aumento significativo da migração, tãonecessário para a melhoria das condições nos países emdesenvolvimento, não tem ocorrido. Por quê? Evidente-mente porque os países mais ricos, que são o destino pre-ferencial dos migrantes, consideram que a entrada massivade migrantes lhes seria prejudicial. Não seria realista ima-ginar uma súbita abertura escancarada de todas as fron-teiras internacionais à migração. Sem dúvida, seria o caospara o sistema mundial tal como o conhecemos. Entretan-to, uma entrada mais alentada de migrantes (digamos, emtorno de 3% a 4% das respectivas forças de trabalho dospaíses de maior dinamismo econômico) seria perfeitamenteviável e, segundo a lógica predominante, altamente bené-fica. Por que não acontece?

Para poder responder a essa pergunta, é preciso tentarpesar, de forma mais objetiva, as vantagens e desvanta-gens da migração internacional. Esse é talvez o aspectono qual ainda existe maior ambigüidade na literatura: comoapreçar o valor da migração? O aumento da migração

gera desafios e oportunidades, tanto para países recepto-res como para aqueles que enviam um maior número demigrantes a outros países. É evidente que, para opinar sobreas vantagens ou desvantagens da migração, é preciso de-finir: vantagens para quem e para quê? Como qualificaressas vantagens e desvantagens? As possíveis conseqüên-cias variam de acordo com a escala de análise: país, co-munidade, família e pessoa migrante. No âmbito dosmigrantes e das famílias, por exemplo, a emigração podeser positiva do ponto de vista econômico; a avaliação doimpacto na economia, em nível geral, é mais complexa.Dependendo da fase do processo migratório e do ciclo devida do migrante, a migração também pode ser positivaou negativa. Também as conseqüências são diferentes nocurto e longo prazos. No curto prazo, a migração podeservir como “válvula de escape”, aliviando as pressõessobre o mercado de trabalho e trazendo o dinheiro muitonecessitado para as famílias. No longo prazo, a perda detrabalhadores mais qualificados, assim como da popula-ção jovem, e a dependência sobre as remessas podem cons-tituir obstáculos para o desenvolvimento (PELLEGRINO,2003, p. 26-27).

Na realidade, a maioria das conseqüências socioeco-nômicas da migração é dupla ou contraditória, dependendoda ótica, do momento e da situação. Apesar das dificul-dades, procuramos, a seguir, definir melhor algumasvantagens e desvantagens da migração internacional paradiversos atores. Não se pretende um esquema rígido ouacabado de avaliação. Simplesmente busca-se identificarmelhor alguns argumentos objetivos e distingui-los dasmotivações xenofóbicas que impedem maior aceitação damigração como uma parte integrante do atual processo deglobalização. Ao mesmo tempo, essa discussão procurapromover avanços quanto à identificação de uma trilhapolítica que poderia ser seguida pelos movimentos sociaisreferentes à questão da migração internacional. Afinal decontas, a migração vai continuar; o importante é encontrarfórmulas e políticas que ajudem a potencializar seus efeitospositivos e a reduzir suas conseqüências negativas.

Com esse intuito, elaboramos, primeiro, um quadrosimplificado das principais conseqüências da migraçãointernacional. Para fins de visualização sintética, o Qua-dro 1 apresenta, de forma simples e dicotômica, a listadas principais vantagens e desvantagens da migração quecirculam na literatura. Entretanto, em seguida, tratamosde discutir a relativa validade desses argumentos demaneira mais holística. Embora não seja possívelquantificar os aspectos positivos e negativos, as vanta-

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GEORGE MARTINE

gens acabam parecendo bastante mais proeminentes. In-clusive, observa-se que algumas das principais objeçõesque são comumente utilizadas para restringir a migraçãonos países industrializados são facilmente desmistificadas.Embora a lista de variáveis no Quadro 1 não pretenda serexaustiva nem definitiva, ela ajuda a visualizar alguns dosaspectos de maior destaque relacionados com a funciona-lidade da migração. Entretanto, vale a pena discutir cer-tas características supostamente negativas citadas nessequadro, além de realçar alguns dos aspectos positivos aímencionados.

Vantagens para os Migrantes e os seusLugares de Origem

As Remessas – O trabalho migrante é uma faceta críticada globalização e tem um impacto significativo na econo-

mia mundial. A cada ano, os migrantes enviam o equiva-lente, hoje, a US$ 100 bilhões em remessas para susten-tar suas famílias e comunidades (ILO, 2004). Isso repre-senta um aumento significativo, já que em 1980 asremessas apareciam nas contas nacionais com um valorde US$ 43 bilhões e, em 1995, de US$ 70 bilhões(RUSSELL, 1992). Essas cifras colocam as remessas emsegundo lugar (perdem apenas para o valor das exporta-ções globais de petróleo) no fluxo monetário do comér-cio internacional. As remessas constituem uma fonte es-tável de entrada e, com toda probabilidade, devemaumentar bastante no futuro (RATHA, 2003, p. 157). Umestudo de 74 países concluiu que as remessas são críticaspara a redução da pobreza: na média, um aumento de 10%na participação das remessas no produto interno bruto –PIB gera uma redução de 1,6% na proporção de pobresno país (ADAMS; PAGE, 2003, p. 13).

QUADRO 1

Vantagens e Desvantagens da Migração Internacional

Vantagens Desvantagens

Para os Lugares de Origem e para

os Migrantes

A migração gera remessas para as

famílias, as comunidades e o país, o

que promove o dinamismo econô-

mico nos lugares de origem

A migração permite uma mobilidade

social que, de outra forma, seria difícil

de alcançar

Os migrantes aprendem idéias, habi-

lidades e valores que ajudam apres-

sar a modernização do seu país de

origem

A emigração alivia tensões sociais

em países de economias estagnadas

e com grande população jovem

Em certas condições, promove a

emancipação da mulher

Para os Lugares de Destino

Os migrantes ajudam a melhorar

a qualidade de vida e barateiam o

seu custo nos lugares de destino,

ao realizarem atividades que os

nativos não querem fazer, e por

salários baixos

A migração revitaliza sociedades

envelhecidas ao preencher la-

cunas demográficas e laborais

Os países receptores recebem,

gratuitamente uma grande quanti-

dade de recursos humanos quali-

ficados cujos custos foram inter-

nalizados por outros

Os migrantes ajudam a reduzir a

inflação e aumentar a produti-

vidade (respondem melhor às

mudanças no mercado de tra-

balho, reduzem sua rigidez)

A migração expande a base de

consumidores e de contribuintes

(impostos)

Para os Lugares de Origem e para

os Migrantes

Seletividade da migração: a “fuga

de cérebros” leva a déficits de

recursos humanos qualificados

nos países de origem

Países e comunidades perdem as

pessoas mais criativas, traba-

lhadoras, empreendedoras e am-

biciosas

Migrantes são perseguidos e mal-

tratados por xenófobos e conside-

rados cidadãos de segunda clas-

se; tal discriminação – racial e

social – retarda a assimilação

Migrantes sofrem dificuldades de

comunicação e adaptação, es-

tresse psicológico, perda de iden-

tidade e do referencial afetivo

A migração é um fator de risco,

especialmente para mulheres e

crianças

Para os Lugares de Destino

Os países receptores são palco de

conflitos e tensões sociais que

surgem das diferenças étnicas,

lingüísticas e religiosas

Sofrem risco de erosão da cultura

nacional

Peso fiscal: pelo menos no início,

os imigrantes pressionam os ser-

viços sociais, educacionais e de

saúde

Riscos para a segurança nacional

e de terrorismo aumentam

Migrantes competem por empre-

gos e reduzem salários dos locais.

Isso provoca reações dos sin-

dicatos ou grupos de pressão que

vêem os imigrantes como compe-

tidores no mercado de trabalho

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A GLOBALIZAÇÃO INACABADA: MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E POBREZA ...

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Na ALC, a quantia de dinheiro enviada por imigranteslatino-americanos e caribenhos para suas famílias nospaíses de origem aumentou em 139% nos últimos cincoanos, passando de US$ 23 bilhões em 2001 para US$ 55bilhões em 2005 (dados do BID, citados em Vasconcellos,2005). De acordo com a mesma fonte, os emigrantes bra-sileiros teriam enviado para o Brasil cerca de 5,6 bilhõesde dólares em 2004 (VASCONCELLOS, 2005). Na maio-ria dos países da América Latina e do Caribe, as remessasagora superam o valor combinado de investimento diretoestrangeiro, ajuda multilateral e pagamentos de juros so-bre a dívida externa.

Embora os dados disponíveis sejam parciais e incom-pletos (OROZCO, 2002), ninguém na literatura especia-lizada duvida que as remessas têm impactos econômicosimportantes nas economias das famílias de migrantes, emsuas comunidades ou em seus países. Em alguns casos, osautores lamentam que apenas uma proporção reduzida dasremessas familiares é canalizada para o investimentoprodutivo.

Entretanto, a literatura mais recente é bastante mais oti-mista a respeito (MASSEY et al., 1998). Se as remessassão investidas na produção, elas contribuem para o cres-cimento; se elas são consumidas, geram efeitos multipli-cadores. Em vários países, as remessas excedem, hoje, ovalor dos investimentos estrangeiros e têm um efeitomultiplicador sobre a economia. Em certos países da Amé-rica Central, as remessas já superam o valor das exporta-ções. No México, as remessas são quase tão valiosas noPIB (10%) quanto a importante indústria do turismo(OROZCO, 2002, p. 23).

No geral, pode-se concluir que a influência das remes-sas na economia local dos lugares de origem tende a sermuito importante. Dados do México (INEGI, 1996) indi-cam que a renda dos domicílios que recebem remessas éo dobro do que seria sem as remessas. Na Nicarágua, asmigrações têm sido tratadas com preocupação: o passadode guerras e convulsões políticas contribuiu para isso.Entretanto, conservadoramente, as remessas representam15% do PIB. Somente 12% do total de domicílios tinhamum membro vivendo no exterior, mas estes constituíam60% dos 22 mil domicílios nicaragüenses que saíram dapobreza entre 1998 e 2001.

No Brasil, Weber desenvolveu uma metodologia com-plexa para estimar o impacto das remessas numa cidademineira pequena, mas muito afetada pela migração inter-nacional: Governador Valadares. Ao analisar o mercadoimobiliário de Governador Valadares, Soares (1995, p. 61)

chegou à conclusão de que os emigrantes foram respon-sáveis pela aplicação aproximada de 154 milhões de dó-lares no mercado imobiliário valadarense, somente noperíodo 1984-93.

Entretanto, esses vários impactos poderiam facilmenteser bastante maiores. Na ALC, o custo médio para enviarremessas é de 13%; em alguns casos, chega a 20%(OROZCO, 2002). Para as comunidades e famílias de ori-gem na ALC, isso representou uma perda de pelo menos5 bilhões de dólares somente em 2003. Tais cifras exigemuma ação urgente, que vise a oferecer aos migrantes umcanal mais eficiente e mais barato para envio de dinheiro.Por outro lado, as estatísticas coletadas sobre o fluxo deremessas não são uniformes nem abrangentes – o que di-ficulta a tomada de decisões informadas no âmbito do pla-nejamento para o melhor aproveitamento das remessas.Poucas instituições financeiras estão oferecendo produ-tos especificamente ajustados às necessidades dos imigran-tes que fazem remessas para o seu país, e os governos têmfeito pouco para criar um ambiente em que tais serviçospossam prosperar. Essas falhas advogam por políticasespecíficas mais efetivas, para aproveitar o potencial dasremessas na promoção do desenvolvimento.

Organização Social, Modernização eEqüidade de Gênero

A emigração promete mobilidade e diversificação deemprego. Oferece, a uma grande quantidade de jovens,uma oportunidade para alcançar um salário, bens de con-sumo e uma qualidade de vida que lhes seria impossívelnos países de origem. É bem verdade que muitos migrantesaceitam um status ocupacional inferior àquele que tinhamno país de origem, mas isso acaba sendo compensado peloaumento da remuneração, pelas relações de trabalho maisformais, assim como pela natureza do trabalho – fatoresque acabam justificando a troca de status no ideário dosmigrantes (MARTES, 1999, p. 26). Ao mesmo tempo, aemigração massiva, como é o caso do México e de algunspaíses da América Central, serve para aliviar tensões so-ciais e laborais em países com grande população de jo-vens, nos quais a conjugação do crescimento demográficocom períodos de estagnação econômica deixa uma parce-la considerável de jovens sem emprego.

Em sua nova vida, os migrantes aprendem novas idéias,recebem novos tipos de capacitação, adquirem novasqualificações e assumem novos valores. Ao retornar aosseus países de origem, ou ao comunicar-se, do exterior,

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GEORGE MARTINE

com suas comunidades, eles acabam sendo agentes detransformações culturais e políticas e promovem a acele-ração da modernização. Os migrantes desenvolvem redescomplexas para facilitar a migração e a adaptação de seusconterrâneos, sendo que os mais experimentados consti-tuem uma fonte de conhecimentos sobre o outro país, omercado de trabalho, os serviços disponíveis, etc. Formam-se comunidades transnacionais que administram recursos,informações e um capital cultural que contribui para aformação de novos valores comuns e para a coesão social.

Além disso, a migração é, pelo menos em potência, fa-tor de importância na promoção da eqüidade de gênero.No âmbito mundial, estima-se que a proporção de mulhe-res no total de migrantes internacionais permanece emtorno de 49% (UNITED NATIONS SECRETARIATE,2004a). Apesar de sua importância numérica e de sua espe-cificidade, a migração feminina tem sido relegada a umsegundo plano. O gênero aparece como algo neutro e,portanto, está ausente da medição e da análise da migra-ção. Isso faz com que o papel das mulheres nesse proces-so tenha se tornado invisível, apesar de elas exerceremfunções críticas, mesmo quando não migram: como mães,esposas ou filhas de homens migrantes. Sem dúvida, osprocessos migratórios podem ter efeitos nos papéis degênero, contribuindo para que traços culturais que carac-terizam iniqüidades de gênero sejam questionados.

Em certas circunstâncias, a migração pode tambémpromover a emancipação da mulher, expandindo a gamade seus papéis sociais e permitindo que ela escape da do-minação patriarcal. Hugo (1999) identifica várias situa-ções que, no longo prazo, podem ter um efeito positivopara maior eqüidade de gênero:- que a migração não seja indocumentada;

- que a mulher trabalhe fora de casa no lugar de destino,de preferência no setor formal;

- que a mulher tenha migrado por conta própria e nãocomo dependente familiar;

- que a migração seja do tipo permanente e não temporá-rio.

Além disso, um fator negativo para a eqüidade de gê-nero é a limitação lingüística (UNITED NATIONSSECRETARIATE, 1998).

Vantagens para os Países Receptores

A migração de trabalhadores oriundos de países ouregiões mais pobres sempre foi funcional para as econo-

mias desenvolvidas. A demanda por trabalhadoresmigrantes vem aumentando constantemente, não somentenas atividades altamente qualificadas, mas também paratrabalhos de baixa qualificação e salários inferiores, es-pecialmente na agricultura, limpeza e manutenção, cons-trução civil, serviço doméstico e a indústria do sexo. Sãoas ocupações e trabalhos que os trabalhadores nacionaisjá não querem.9

Os imigrantes não somente preenchem os vazios dei-xados pelos trabalhadores nacionais como também trazemvários outros benefícios. A migração internacional forne-ce, uma grande quantidade de recursos humanos qualifi-cados cujos custos de educação e capacitação já foraminternalizados por outros países.10 Além disso, a imigra-ção gera uma série de efeitos econômicos (positivos) es-pecíficos. O mais conhecido é o de aliviar a escassez demão-de-obra em setores essenciais, nos quais os nativosnão querem trabalhar (e.g. cuidar dos velhos). A imigra-ção também pode aumentar a produtividade e moderar ainflação, como o fez na década de 90 nos Estados Uni-dos, especialmente no setor tecnológico. Os migrantesrespondem mais rapidamente às condições do mercado doque os trabalhadores locais e, assim, reduzem a rigidezdo mercado de trabalho e aumentam a produtividade. Fi-nalmente, os efeitos multiplicadores dos gastos feitos pe-los migrantes nos países de destino não devem serminimizados (RATHA, 2003, p. 166-169).

Por outro lado, a maioria dos países desenvolvidosencontra-se, atualmente, em uma segunda transiçãodemográfica, marcada pelo envelhecimento. Devido à re-dução da fecundidade a níveis muito baixos, paralelamenteao aumento significativo da esperança de vida, a pirâmi-de de idade dos países industrializados mostra-se mais car-regada na parte superior. Com isso, o crescimentovegetativo é nulo, a entrada de jovens nativos no mercadode trabalho é mínima, a relação de dependência entre tra-balhadores e não-trabalhadores piora, e os sistemas deprevidência são fortemente pressionados. A entrada dejovens migrantes, com suas altas taxas de fecundidade ede participação no mercado de trabalho, é uma fórmulafácil para superar as dificuldades demográficas criadas poressa transição.

A Divisão de População das Nações Unidas levantouuma grande polêmica, há alguns anos, ao sugerir a teseda substituição demográfica (UNITED NATIONSSECRETARIATE, 2000). Basicamente, o estudo da ONUsugere a previsibilidade – e mesmo a necessidade – daintensificação da migração dos países do Sul até os países

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do Norte, em função de suas respectivas taxas decrescimento vegetativo. Ou seja, prevê que todos os paí-ses envelhecidos terão que suprir a falta de renovação desua população nativa por meio da migração internacional.

Segundo os cenários elaborados pela Divisão de Popu-lação, os países europeus precisariam de pelo menos 3,23milhões de migrantes anuais entre 2000 e 2050 para man-ter o tamanho de sua população em idades de 15-64 anosnos níveis de 1995. Para o Japão, a imigração necessáriaseria de 647.000 pessoas ao ano; e, para os Estados Uni-dos, de 359.000. Esses números estão sujeitos a discus-são; entretanto, o que não é passível de discussão é a ne-cessidade de renovação – não somente da força de trabalho,mas da própria população, nos países industrializados.

Nesse particular, a Rússia decidiu recentementeflexibilizar suas leis migratórias. Caracterizada já há mui-tos anos por uma taxa de crescimento vegetativo muitobaixa, a Rússia está agora vendo sua população declinarrapidamente. Calcula-se que, se as tendências atuais fo-rem mantidas, sua população seria reduzida, dos atuais 144milhões para 100 milhões, em 2075; além disso, seriacomposta por pessoas muito mais velhas, em sua maioria.Sendo assim, o país está em processo de tornar mais fácila entrada de migrantes internacionais.11

Em suma, a maioria dos países industrializados preci-sa de uma renovação significativa de sua população via oinfluxo de migrantes.12

É interessante constatar que, apesar da retórica e daslimitações formais à migração, na hora de traçar estraté-gias, a importância real dos fluxos migratórios para odinamismo do país receptor acaba sendo reconhecida.Isso fica muito evidente em três documentos oficiais doEstado norte-americano. O primeiro e mais conhecido éum documento acadêmico do National Research Council(1997) que faz uma avaliação minuciosa e positiva dosimpactos econômicos da migração. Mas, os outros dois,menos conhecidos, são ainda mais reveladores. O pri-meiro destes, de autoria do U.S. Department of Laborafirma:

de fato, os trabalhadores migrantes, tão necessários para o

êxito da agricultura intensiva em mão-de-obra dos Estados

Unidos, subsidiam este mesmo sistema com sua indigência

e a de suas famílias. O sistema funciona através da

transferência de custos aos trabalhadores, os quais ficam

com uma renda tão marginal que só os recém-chegados e

outros que não têm opção aceitam trabalhar nas nossas

fazendas (apud BUSTAMANTE, 2003, p. 23).

É realmente notável essa admissão oficial de que a mi-gração estaria, de fato, subsidiando a agricultura norte-ame-ricana. Talvez ainda mais surpreendente é um documentoencomendado pela CIA norte-americana e liberado parapublicação em 2001. De acordo com esse documento:

A imigração vai permitir aos Estados Unidos manter um

perfil demográfico mais equilibrado do que a União

Européia ou o Japão. Apesar de alguns custos sociais mais

elevados no início e uma pressão para baixar os salários, a

maioria dos especialistas acreditam que a migração facilita

um crescimento sustentado e não-inflacionário. Na década

de 90, quase 40% dos novos empregos nos Estados Unidos,

incluindo aqueles para engenheiros na área de software,

foram preenchidos por migrantes. De acordo com a OECD,

os diferenciais nas tendências demográficas são a principal

razão para que os Estados Unidos tenham perspectivas mais

otimistas que a UE ou o Japão, durante os próximos cinco

anos [...] A demora mostrada pelos principais parceiros dos

Estados Unidos na liberalização de suas políticas de

imigração – especialmente se combinado com a continuação

de sua relutância em empreender reformas maiúsculas de seus

sistemas de aposentadoria e segurança social – colocarão

nossos parceiros numa situação de desvantagem competitiva

frente aos Estados Unidos (USA, DIRECTOR OF CENTRAL

INTELLIGENCE, 2001, p. 28-32, grifo nosso).

Obviamente, não se deve imaginar que tais opiniões sãounânimes nem mesmo generalizadas entre os norte-ameri-canos. Entretanto, é realmente notável encontrar em docu-mentos oficiais dos Estados Unidos, inclusive do seu ser-viço de inteligência, afirmações tão contundentes a respeitoda importância transcendental da migração internacionalpara a economia e para o desempenho internacional futurodo país. A respeito, o documento da CIA acrescenta:

a migração vai oferecer uma fonte de dinamismo demo-

gráfico e econômico para países que estão envelhecendo,

renovando seus coortes jovens e re-carregando seus estoques

encolhidos de jovens para o serviço militar e o mercado de

trabalho. Vai também expandir sua base de consumidores e

contribuintes, condição essencial para manter o equilíbrio

fiscal, o contrato social e o crescimento econômico (USA,

DIRECTOR OF CENTRAL INTELLIGENCE, 2001, p. 24).

Mais adiante, o texto menciona um estudo recente doMinistério da Defesa da Grã-Bretanha que projeta umdéficit militar importante se as tendências demográficasatuais daquele país persistirem (USA, DIRECTOR OFCENTRAL INTELLIGENCE, 2001, p. 25).

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GEORGE MARTINE

Desvantagens da Migração Internacional

Para os Migrantes e os seus Países Emissores – É bemsabido que a migração é intrinsecamente seletiva. Narealidade, a literatura tem enfatizado que os migrantes sãoselecionados a partir dos dois extremos da hierarquiaocupacional. Em ambos casos, tanto os migrantes internoscomo internacionais tendem a diferenciar-se de suascomunidades de origem em termos de seu nível edu-cacional, assim como na sua disposição para assumir riscosou de enfrentar situações novas (CASTILLO, 2003, p. 15).Ou seja, os países de origem freqüentemente perdem partede seu estoque de pessoas mais criativas, trabalhadoras,empreendedoras e ambiciosas. Tanto a seletividade de mi-gração como a “fuga de cérebros” levam a déficits derecursos humanos qualificados nos países mais pobres.Essa fuga tem até sido caracterizada como a “última formade pilhagem pelo Norte dos recursos do Sul” (LORIAUXapud PELLEGRINO, 2003, p. 26).

A parte do fluxo emigratório composto de trabalhado-res altamente qualificados deixa um vazio nos níveis maisaltos da estrutura ocupacional, uma vez que reduz a basede contribuintes em muitos países pobres. Isso é mais gravequando os trabalhadores de nível educacional mais altoreceberam, de seus países, uma educação subsidiada. Nesseparticular, Carrington e Detragiache (1998 apud RATHA,2003) estimam que um terço dos indivíduos com educa-ção superior na África, no Caribe e na América Centralemigraram para os Estados Unidos e outros países da Or-ganização para a Cooperação e Desenvolvimento Econô-mico – OECD.

Essa desvantagem da emigração é inegável, mas tam-bém deve ser qualificada. Primeiro, vale mencionar queum estudo realizado em 24 países sugere que, emboramuitos dos migrantes venham dos setores de maior edu-cação formal, a perda não é significativa em relação aoestoque de pessoas educadas, a não ser em certos paísescomo os da América Central (ADAMS, 2003). Segundo,a perda do output potencial dos emigrantes pode ser maisdo que neutralizada pelas remessas e pelos efeitos positi-vos dessas nas redes de comércio e investimento do paísde origem. Isso é mais notório ainda quando esses recur-sos humanos estão sendo subutilizados em seu próprio país,ou seja, se as estruturas ocupacionais dos países de ori-gem não conseguem absorver sua mão-de-obra qualifica-da, as remessas enviadas do exterior podem ser mais im-portantes que a permanência no país de origem. Terceiro,se a saída não for permanente, a bagagem cultural adqui-

rida na migração pode ser maior que a perda. Além disso,alguns países se beneficiam da formação de redes de con-tatos e da capacitação tecnológica dos seus emigrantes.Finalmente, os trabalhadores qualificados sempre podemvoltar para seus países de origem se as condições locaisde trabalho melhorarem. Nesse sentido, em todos os es-tudos que examinam esse tema, seria preferível substituir“fuga” por “circulação” e “intercâmbio” de cérebros.

No que se refere a todos os problemas de adaptação,discriminação e até maltrato de migrantes, não há dúvidade que essas situações existem freqüentemente e que cons-tituem uma das maiores dificuldades para os migrantes detodos os continentes e de todas as épocas. Os migrantessofrem discriminação social e racial, são tratados comocidadãos de segunda classe, são perseguidos e maltrata-dos por xenófobos. Eles geralmente têm problemas decomunicação e adaptação, sofrem perda de identidade ede referencial afetivo – o que leva freqüentemente aoestresse psicológico. Nos dias de hoje, porém, o desen-volvimento das comunicações permite maior vinculaçãoentre os migrantes e os lugares de origem. Isso tem esti-mulado a formação de redes que contribuem para manteras identidades nacionais e locais, étnicas e religiosas, oque pode ajudar bastante a incrementar o sentimento de“pertencer” (PELLEGRINO, 2003, p. 9).

A migração também apresenta riscos adicionais paramulheres e crianças.13 Em muitos lugares, as migrantesinternacionais e as crianças são mais vulneráveis nas di-ferentes etapas do processo (recrutamento, mudança echegada). Correm riscos evidentes, devido às piores con-dições de trabalho, ao abuso sexual e a outros fatores(HUGO, 1999). A situação torna-se ainda mais perigosapara pessoas envolvidas em migrações clandestinas e tem-porárias, assim como entre refugiados. Nessas circunstân-cias, multiplicam-se as violações, a exposição aos riscosde infecção por ETS ou AIDS e o número de gravidez não-desejada. Isso coloca um conjunto de desafios que preci-sam ser abordados explicitamente, no que se refere aosdireitos da mulher e da criança migrante – e, especialmente,à necessidade de penalizar duramente o tráfego de mu-lheres e crianças para fins sexuais. As precárias condiçõesde acesso a serviços de qualquer tipo são um fator agra-vante e também requerem ações específicas.

Todos esses problemas vão sempre existir em todo tipode migração, inclusive nas migrações internas. Entretan-to, são inevitavelmente maiores quando a migração é clan-destina, quando os migrantes não recebem orientação an-tes da partida ou apoio na chegada, e quando ficam

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impedidos – seja por motivos econômicos ou de segurança– de se comunicar com seus familiares e amigos.

Nesse sentido, não há e nem haverá uma solução defi-nitiva ou fácil para todas essas dificuldades. Porém, é óbvioque a redução do impacto desses problemas depende, emprimeiro lugar, de uma atitude positiva frente à migração,tanto dos países emissores quanto dos receptores. A par-tir do reconhecimento da inevitabilidade e das vantagensimportantes da migração é que os governos e a sociedadecivil dos países de origem e destino deverão formularpolíticas, ações e programas mais efetivos em prol domigrante. Várias entidades e organismos nacionais e in-ternacionais já praticam uma série de ações altamentebenéficas na redução da migração. Não cabe discutir essenível de política aqui. Entretanto, o que é preciso enfatizaré que, para serem eficazes, todas essas ações precisam deum embasamento que não pode ser reduzido simplesmen-te a uma iniciativa benéfica isolada. Elas têm que ser ba-seadas na convicção de que, pesadas as vantagens e des-vantagens, a migração internacional, potencialmente, trazmuito mais benefícios do que problemas.

Para os Países Receptores 14 – Apesar de necessários,os migrantes são freqüentemente vistos como “os in-desejados”. A rejeição dos migrantes é uma constante emquase todos os processos migratórios, mas é particular-mente exacerbada nos movimentos envolvendo pessoasde etnia, idioma, religião e/ou aparência marcadamentediferente dos habitantes do lugar de destino. Na Europa,e em partes dos Estados Unidos, por exemplo, observa-seatualmente uma forte onda de sentimento antimigrante.Segundo relatório recente apresentado na AssembléiaGeral da Organização das Nações Unidas – ONU pelorelator especial sobre direitos humanos,

a xenofobia, o racismo, o anti-semitismo e a islamafobia

estão aumentando na Europa Ocidental [...] O racismo se

agravou em todo o mundo depois dos ataques terroristas de

11 de setembro de 2001. O renascimento dos movimentos

racistas e xenófobos na Europa Ocidental deve ser analisado

no marco das atuais mudanças socioeconômicas, incluindo

a politização da imigração.15

Os recém-chegados são vistos pela população naturalcomo competidores de empregos, como inflacionadores doscustos dos serviços sociais e da infra-estrutura nos lugaresde destino, e como uma ameaça permanente à estabilidadesocial e política da região de destino. Entretanto, essas acu-sações precisam ser examinadas com mais cuidado.

No que se refere à alegação de que os migrantes com-petem no mercado de trabalho com a população natural,deprimindo assim os salários, é preciso qualificá-la. Narealidade, grande parte dos migrantes não-qualificadosocupa os espaços que a população natural já não querocupar, seja por tratar-se de trabalhos duros ou pesados,mal remunerados ou de prestígio social reduzido. Muitosdos migrantes são, na realidade, sobre-qualificados paraos empregos que ocupam e terminam freqüentemente fa-zendo uma contribuição à produção econômica mais ele-vada que a população não-migrante. Por essa via, contri-buem para a reativação da economia – e, portanto, para aprópria geração de emprego. Entretanto, mesmo quandoa presença dos migrantes pode ser benéfica a partir doponto de vista do desempenho da economia, pode gerarconflitos com aqueles segmentos específicos da popula-ção com os quais competem por postos de trabalho, comoos trabalhadores blue collar tradicionais. Entretanto, acompetição enfrentada por trabalhadores não-qualificadoslocais nos lugares de destino

não é maior nem menor que os desafios que esses traba-

lhadores sofrem com a importação de bens intensivos em

mão-de-obra que são importados dos países em desen-

volvimento (WINTERS apud RATHA, 2003).

No que se refere ao peso que representam os migrantespara os serviços fornecidos pelo país receptor, os estudosnão são conclusivos. É verdade que a utilização de servi-ços sociais nas áreas de destino por parte dos migrantesconstitui, ao mesmo tempo, motivo de migração (ou seja,as pessoas migram porque sabem que, nos lugares urba-nos, ou em outros países, elas e seus filhos terão mais aces-so a serviços de saúde e educação, assim como a outrosbenefícios sociais), como também uma carga para o lugarde destino (ou seja, aumentam seus custos globais de infra-estrutura e serviço). Porém, esses custos também são rela-tivos, porque, na medida em que os migrantes são mais pro-dutivos que a média da população, acabam aumentando aprodutividade e, assim, melhorando a capacidade da loca-lidade de custear os gastos de infra-estrutura e serviços.

Smith e Edmonston (1997 apud RATHA, 2003) con-cluíram que os imigrantes com educação inferior ao se-gundo grau constituem um peso fiscal até a segunda gera-ção; mas que os migrantes qualificados pagam mais emimpostos do que recebem de seguridade social. Outrosestudos argumentam que, mesmo entre migrantes não-qualificados, o peso fiscal, se houver, limita-se à primei-ra geração (BORJAS, 1994 apud RATHA, 2003). Eviden-

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temente, os migrantes temporários não recebem o socialsecurity, ou porque são indocumentados ou porque têmtempo insuficiente de residência – por esse motivo, nãoapresentam custos fiscais. Isso tem gerado até sugestõesde utilizar mais mão-de-obra temporária para evitar cus-tos sociais nos países de destino. Tal política, porém, po-deria ser difícil de implementar.

No que se refere à questão de segurança, nos países elocalidades caracterizados pela entrada significativa de mi-grantes é comum identificar-se o migrante como “delin-qüente” e, ultimamente, como “terrorista”. Os estudos ob-jetivos sobre o comportamento delituoso dos migrantes,porém, têm mostrado que a participação dessa categoriana criminalidade comprovada é a mesma, em termosproporcionais, que a da população nativa (MÁRMORA,2000, p. 19).

A relação entre migração e terrorismo é, obviamente,muito mais complexa. No contexto da globalização, amigração pode claramente ser usada para disfarçar o des-locamento de intenções terroristas, justificando medidasde precaução nos países receptores. Entretanto, a massade fermentação do terrorismo não reside na imigração: amaior abertura à migração de trabalho poderia até ser ummotivo de sua redução, na medida em que permite aliviara desinformação e a desconfiança. O terrorismo interna-cional é fomentado por motivos muito mais complexos doque a migração. Entre os fatores certamente encontra-se acrescente desigualdade e sua maior visibilidade, assimcomo as várias incoerências e inconsistências praticadaspelos países de maior poder – algumas das quais foramcitadas na primeira parte deste trabalho – em defesa dosseus interesses e de sua hegemonia.

Finalmente, aqueles que alegam ser contrários à migra-ção por causa dos riscos de erosão cultural fariam bemem analisar algo da história dos países que mais recebe-ram migrantes e souberam aproveitar o que cada culturatrazia para o enriquecimento geral da nação. Bem apro-veitadas, dentro de uma política explícita de receptividadee de acomodação, as levas de migrantes enriquecem, ine-vitavelmente, a cultura das regiões de destino.

Independentemente da sua veracidade objetiva, os sen-timentos antimigratórios freqüentemente estimulam rea-ções populares xenófobas e políticas nacionalistas, atécontrárias aos interesses do país receptor. A Alemanha,por exemplo, recebe de 350 a 400 mil imigrantes por ano.O país precisa deles para dar continuidade a suas ativida-des em diferentes setores; entretanto, o país mantém umaatitude negativa, tanto por parte da opinião pública como

da legislação (MARTIN, 1998). Mesmo quando aceitammigrantes para preencher alguma necessidade do país dedestino, as portas estão abertas oficialmente apenas paraos migrantes qualificados e os refugiados políticos.

IMPLICAÇÕES PARA A AGENDA POLÍTICASOBRE MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS

Tomada em conjunto, a avaliação das vantagens edesvantagens da migração internacional sugere, clara-mente, que os aspectos positivos são bastante maisconspícuos do que os negativos e que estes últimos sãopassíveis de redução. Essa conclusão coincide com a deoutra pesquisa abrangente, realizada por Skeldon, queconcluía que a migração pode ser um fator significantepara aliviar a pobreza. Segundo aquele autor, a evidênciaempírica sugere que a mobilidade promove o crescimentoeconômico e melhora as condições de vida da maioria dapopulação, embora não de todos (SKELDON, 2002, p. 75-79). Também coincide com a opinião de Mármora (2000,p. 17) de que “os dados e as pesquisas existentes apre-sentam um quadro que tem pouco a ver com esse alarme.”Mais contundente ainda é a opinião da Cepal (2002,p. 244)

[...] É verdade que precisamos de evidências mais sólidas e

passíveis de generalização, mas as que existem se distanciam

das opiniões simples que enfatizam as repercussões negativas

da migração, exacerbando os prejuízos e a rejeição a alguns

imigrantes.

Sendo assim, a maneira com que a comunidade dospaíses desenvolvidos e não desenvolvidos lida, atualmente,com os movimentos migratórios internacionais pode serconsiderada inadequada. A atitude concreta dos paísesdesenvolvidos constitui uma manifestação importantedas inconsistências entre o discurso e a prática liberal naatual fase de globalização. Essa e as outras incongruênciasmencionadas aqui devem fazer parte da agenda de trabalhodos movimentos sociais progressistas e tornarem-se objetosde advocacy, de conscientização, de mobilização social ede reivindicação política. A eliminação dessas inconsis-tências certamente ajudaria na redução das brechas entrepaíses e promoveria a convergência econômica. Por outrolado, a atitude dos países em desenvolvimento podetambém ser inadequada – na medida em que ela é hesitante,ambígua e reativa. Para tirar partido das potencialidadesda migração, seria necessário uma gama de atitudesproativas, baseadas na convicção de que a emigração é

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tanto inevitável como potencialmente benéfica para odesenvolvimento e a redução da pobreza.

A redução das barreiras migratórias nos países desen-volvidos estimularia uma maior intensidade e hetero-geneidade de rotas migratórias, à medida que os desloca-mentos internacionais se tornassem cada vez mais parteda rotina, dentro de um mercado global de trabalho. Semembargo, a mobilização de movimentos sociais e de or-ganizações políticas em favor da liberalização da migra-ção internacional tem sido relativamente morosa – em partepela falta de consenso a respeito do significado social,econômico e político dos movimentos migratórios além-fronteira.

Isso ocorre, em parte, porque a opinião pública e osmeios políticos destacam as características negativas daimigração – sejam elas reais ou fictícias. De certa manei-ra, essa situação lembra a história das migrações rural-urbanas. Durante quase cinqüenta anos, a literatura nacio-nal e internacional tem lamentado o “inchamento urbano”e o “crescimento desordenado” das cidades latino-ameri-canas, particularmente daquelas maiores e de maior cres-cimento absoluto. Essa metamorfose de sociedades ruraise primárias para outras urbanas e dependentes dos setoressecundário e terciário tem sido, sem dúvida, rapidíssima.Também tem sido realizada a um custo social enorme.Como sempre, os setores mais pobres da sociedade foramos que pagaram esse custo. Apesar disso, não há nenhumarazão para acreditar que a situação estaria melhor se a urba-nização rápida não tivesse ocorrido: muito pelo contrário.

Nesse sentido, é preciso sensibilizar aqueles que po-deriam e deveriam tomar decisões tendentes a permitir quea migração internacional jogasse um papel mais eficaz noprocesso de desenvolvimento. Talvez seja esse o maiordesafio para os estudiosos e ativistas da área de migra-ção, hoje – não tanto no detalhamento adicional das ten-dências e padrões já bastante conhecidos e analisados,senão no desenvolvimento de argumentos que sejam ca-pazes de conscientizar a sociedade civil e, por essa via,mobilizar os tomadores de decisão a empreender açõesmais eficazes nessa área.

O argumento desenvolvido neste ensaio é o de que,apesar de ser possível reconhecer negatividades reais esignificativas da migração internacional, estas são, nocômputo geral, muito inferiores às vantagens e aos bene-fícios que aportam. Além disso, os aspectos negativos sãotodos passíveis de serem minimizados, a partir domomentoem que se reconheça tanto a inevitabilidade comoos benefícios da migração.

A literatura especializada já identificou um grandenúmero de medidas que podem ser aplicadas – seja naorigem, no trajeto e na chegada, ou na integração entrecomunidades transnacionais – para reduzir significativa-mente as dificuldades reais que a migração ocasiona paraos migrantes e suas comunidades. Várias destas providên-cias foram reiteradas no decorrer deste trabalho. Da mes-ma forma, à medida que as sociedades receptoras em quese reconheça tanto a inevitabilidade como os benefíciosda migração.

A literatura especializada já identificou um grandenúmero de medidas que podem ser aplicadas – seja naorigem, no trajeto e na chegada, ou na integração entrecomunidades transnacionais – para reduzir significativa-mente as dificuldades reais que a migração ocasiona paraos migrantes e suas comunidades. Várias destas providên-cias foram reiteradas no decorrer deste trabalho. Da mes-ma forma, à medida que as sociedades receptoras foremse despindo de seu etnocentrismo e xenofobia, poderãotambém adotar medidas mais eficazes e começar a apre-ciar as enormes vantagens que a migração lhes traz. Paraque isso aconteça, entretanto, é preciso livrar-se das ati-tudes ambivalentes que prevalecem, tanto na origem comono destino, a respeito da migração.

Concluímos com uma recomendação da Cepal que nosparece muito sensata:

Em matéria de políticas de migração, a globalização fará

cada vez mais necessária a transição do “controle migra-

tório” para a “gestão migratória” em um sentido amplo.

Isto não significa que os Estados abandonem sua atribuição

de regular a entrada de estrangeiros e supervisionar suas

condições de assentamento, senão aceitar formular políticas

razoáveis de admissão que contemplem a permanência, o

retorno, a reunificação, a re-vinculação, o trânsito nas

fronteiras e a mudança de pessoas a outros países (CEPAL,

2002, p. 267-8).

A implementação desta sugestão apressaria a forma-ção de um “mercado global de trabalho” condizente como atual processo de globalização.

NOTAS

Uma versão anterior deste trabalho foi apresentada no Fórum Social

das Migrações – Porto Alegre, 23 a 25 janeiro 2005. Agradecemos os

comentários de Mary Garcia Castro e Rosana Baeninger.

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1. Certos autores, como Milanovic (1999), até consideram que o atualmomento representaria, na realidade, o terceiro grande momento deglobalização na história mundial. Na perspectiva de Milanovic, a pri-meira era da globalização foi promovida pelo Império Romano; a se-gunda pelo Império Britânico, entre 1870 e 1914; e a atual, sob ahegemonia dos EUA.

2. “‘O problema com a divisão especializada de trabalho entre nações’,escrevia o historiador uruguaio Eduardo Galeano, ‘é que algumas na-ções se especializam em ganhar e outros em perder.’ Ele poderia teracrescentado que os ganhadores especializam-se em estabelecer regrasque asseguram que os perdedores vão ficar onde estão […] Enquantoos países ricos pregam o evangelho do comércio livre, continuam sen-do protecionistas inveterados [...] As tarifas enfrentadas pelos paísesem desenvolvimento são cerca de um terço mais altas que aquelas en-frentadas pelos países industrializados. Mecanismos cada vez maiselaborados excluem importações do terceiro mundo... As medidas pro-tecionistas mordem mais, justamente nas áreas onde os países em de-senvolvimento são mais competitivos, como têxteis, calçados e agri-cultura [...] A hipocrisia na área de agricultura é a mais óbvia. Os paí-ses industrializados subsidiam seus produtores agrícolas em $ 251bi-lhões anualmente, o que equivale a cerca da metade do valor da suaprodução agrícola. A União Européia e os Estados Unidos, que são assuperpotências agrícolas, restringem importações – estritamente. En-quanto isso, fazem “dumping” da sua sobre-produção agrícola, pri-vando os países em desenvolvimento de seu quinhão do mercado... Issoameaça a sobrevivência de milhares de produtores de alimentos, quenão podem competir com as importações subsidiadas.”(WATKINS,1999).

3. A estes sintomas deve ser acrescentado a recente nomeação de PaulWolfowitz, arquiteto americano do débâcle iraquiano, como Presidentedo Banco Mundial, numa tentativa óbvia de impor o modelo “econo-mia de livre mercado radical”. Ver Paul Krugman, no artigo do NewYork Times, reproduzido na Folha de S.Paulo, 19/03/05.

4. Ver, a este respeito, Rodman (2001); Sampson (1982); George(1988).

5. Recorda-se que em 1980 e 1981, o Presidente da Reserva Federaldos EUA, Paul Vocker, aumentou os juros de curto prazo em 20% paracombater a inflação americana; dessa forma, elevou drasticamente osjuros sobre muitos empréstimos internacionais, desacelerando a eco-nomia global.

6. “As principais formas de migração internacional estão aumentan-do, mas a migração ilegal cresce mais rapidamente […] Os indicado-res sugerem que os migrantes ilegais compõem agora um terço de to-das as novas entradas aos países desenvolvidos, incluindo os EstadosUnidos – comparado com 20% há uma década” (USA/NATIONALINTELLIGENCE COUNCIL, 2001, p. 15).

7. Informações apresentadas em La Nación, 06/11/04.

8. Nesse mesmo sentido, um trabalho apresentado pela OECD ao EarthSummit 2002 argumentava que, se os EUA, a UE, o Canadá e o Japãopermitissem que os migrantes alcançassem 4% da sua força de traba-lho, os retornos para as regiões de origem seriam de aproximadamente160 a 200 bilhões por ano (THE GUARDIAN apud SKELDON, 2002,p. 79).

9. Em inglês, costuma-se dizer que os migrantes são relegados aos “threeDs – dirty, dangerous and degrading” (i.e. - atividades sujas, perigo-sas e degradantes).

10. A este respeito, um relatório recente preparado para o legislativobritânico rezava: “É injusto, ineficiente e incoerente que os países de-senvolvidos dêem ajuda para que os não desenvolvidos alcancem as Metasdo Milênio nas áreas de saúde e educação e, ao mesmo tempo, se ser-vem das enfermeiras, médicos e professores que foram capacitadas nospaíses em desenvolvimento, às custas desses países” (U.K. 2004, p. 3).

11. Essas informações foram publicadas em Le Nouvel Observateur,5/11/04.

12. A dinâmica demográfica diferenciada na região latino-americanapermite prever algo similar no nível intra-regional. Ou seja, poderá ha-ver uma aceleração desse movimento nas próximas décadas, devido àsdiferenças entre os ritmos de crescimento demográfico e suas implica-ções para o crescimento da força de trabalho. Ademais, uma das carac-terísticas da transição demográfica na região é seu ritmo diferenciadosegundo os países. Em Cuba, o dividendo demográfico vai alcançar seunível máximo entre 2005 e 2010. Em comparação, Bolívia, Guatemalae Nicarágua só vão chegar a isso depois de 2040. Como, ao mesmo tem-po, o ritmo global de crescimento da região está diminuindo, é previsí-vel que haja maior diferenciação entre os ritmos de crescimento das res-pectivas forças de trabalho. Na verdade, a diferença relativa entre essastaxas está crescendo. As implicações dessas diferenças podem ser parti-cularmente importantes no caso de países de alto crescimento que fa-zem fronteira com países de crescimento baixo ou negativo, por exem-plo: Bolívia com Argentina e Brasil, ou Guatemala com México. De-pendendo da forma concreta como segue o processo de integração eco-nômica na região, as forças de atração e expulsão poderão ser mais oumenos fortes e estas fronteiras poderão ser mais ou menos permeáveis àmigração. Ver Martine, Hakkert e Guzmán (2001).

13. Cf. Chiarotti (2003), Petit (2003) e Mora (2002).

14. Esse segmento é baseado em Martine, Hakkert e Guzman (2001).

15. Doudou Diene, relator especial da ONU sobre direitos humanos,segundo IPS Noticias, 12/11/04.

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MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS DE E PARA O BRASIL CONTEMPORÂNEO: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 23-33, jul./set. 2005

D

Resumo: Os movimentos migratórios internacionais a partir de e para o Brasil constituem, hoje, uma impor-tante questão social, que envolve grupos sociais específicos, majoritariamente não documentados, sujeitos àação de aproveitadores. A questão das remessas também tem sido alvo de especulação e iniciativas governa-mentais. Essa situação demanda – urgentemente – reformulação e implementação de políticas de imigração ede emigração, bem como ações voltadas à implementação dos direitos humanos dos migrantes.Palavras-chave: Migrações internacionais. Remessas. Políticas sociais.

Abstract: International migratory movements from and to Brasil nowadays constitutes an increasingly importantsocial question. It involves specific social groups, mainly non documented persons; submitted to the action ofspeculators; remittances is also gaining space. It requires an urgent reformulation as well as an implementationof public in-migration and out-migration policies as well as policies related to migrants human rights andaccess to social services.Key words: International migration. Remittances. Public Policies.

NEIDE LOPES PATARRA

MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS DE EPARA O BRASIL CONTEMPORÂNEOvolumes, fluxos, significados e políticas

esde quando se tornou manifesto, há mais de trêsdécadas, o fenômeno da migração de brasileirospara países desenvolvidos vem-se constituindo,

de maneira crescente, em tema relevante na produção cien-tífica, nas discussões políticas, na mídia falada e escrita,no cancioneiro popular e, mais recentemente, em novelade âmbito nacional.

Por outro lado, a publicação dos resultados amostraisdo Censo Demográfico de 2000, as séries de informaçõeslevantadas pelo Ministério de Relações Exteriores e, prin-cipalmente, a turbulência dos primeiros anos do novo mi-lênio passaram a reforçar a necessidade de reflexão, derealização de um balanço do conhecimento e de incorpo-ração de novas evidências empíricas sobre a inserção doBrasil nos movimentos internacionais de população.

A crescente importância das migrações internacionaisno contexto da globalização tem sido, na verdade, objetode um número expressivo de contribuições importantes,de caráter teórico e empírico, que atestam sua diversida-de, significados e implicações. Parte significativa dessearsenal de contribuições importantes volta-se à reflexãosobre as enormes transformações econômicas, sociais,políticas, demográficas e culturais que se processam emâmbito internacional, principalmente a partir dos anos 80.Como eixo de reflexão, situam-se as mudanças advindasdo processo de reestruturação produtiva1 – o que implicanovas modalidades de mobilidade do capital e da popula-ção em diferentes partes do mundo.2

No cenário da globalização, as recentes tendências demovimentos migratórios internacionais também vêm

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demandando a reavaliação de paradigmas para serem me-lhor conhecidas e entendidas. Para tanto, tornam-se im-prescindíveis a incorporação de novas dimensões explica-tivas e uma revisão da própria definição do fenômenomigratório.3

Hoje, é extremamente importante considerar o contextode luta e compromissos internacionais assumidos em prolda ampliação e efetivação dos Direitos Humanos dosmigrantes. É preciso reconhecer o novo, difícil e conflitivopapel dos Estados Nacionais e das políticas sociais emrelação aos processos internacionais e internos de distri-buição da população no espaço – cada vez mais desiguale excludente. Há que se tomar em conta as tensões entreos níveis de ação internacional, nacional e local. É de fun-damental importância considerar que os movimentos mi-gratórios internacionais constituem a contrapartida dareestruturação territorial planetária – que, por sua vez, estáintrinsecamente relacionada à reestruturação econômico-produtiva em escala global.

Além disso, acontecimentos recentes, como o 11 desetembro nos Estados Unidos e sua estratégia militarpreventiva iniciada com a Guerra do Iraque, os conflitosdo Oriente Médio, as tensões entre comunidades deimigrantes muçulmanos na Europa, entre outras manifes-tações das contradições e conflitos que permeiam a vidacoletiva neste início de século, reforçam as dimensões deracismo e xenofobia.

No plano internacional, este é o momento decisivo paraa definição de quais países terão acesso ao desenvolvi-mento. Em outras palavras, é importante saber quais de-les poderão lograr o desenvolvimento econômico e socialcapaz de tirá-los da condição de eternos países em de-senvolvimento. Nesse cenário, comparecem os países daAmérica do Sul, onde, nas décadas passadas – com exce-ções, mas de um modo geral – assistiu-se a processos dedemocratização, embora as crises financeiras, o déficitfiscal, as dívidas externas e internas, o estancamento doprocesso produtivo, entre outras dimensões, tenham im-primido como contrapartida dessa dinâmica, o aumentoda pobreza, da desigualdade e da exclusão, distanciando-os ainda mais dos países do Primeiro Mundo.

Para superar a distância que a separa dos países desen-volvidos, a América do Sul desenvolve estratégias – emuitas vezes oscila entre a obediência aos cânonesneoliberais e as tentativas de incrementar o resgate socialacumulado. Nesse contexto move-se o Mercosul, que jáhá mais de uma década opera com oscilações, contradi-ções e desafios, ao mesmo tempo que as discussões sobre

comércio internacional e a Alca recrudescem ainda maisos conflitos internos específicos da região.

Como estratégia de enfrentamento da situação adversa,a conjuntura política aponta para a emergência de lide-ranças mais voltadas ao reforço regional conjunto do conti-nente sul-americano. Por essa razão, no âmbito do Merco-sul, a política externa do atual governo parece estar dirigidaao fortalecimento do bloco de integração ampliado. Tam-bém o presidente Kirschner, na Argentina – país rival, mastambém aliado – parece favorecer maior dinamismo e umavanço relativo nas políticas sociais que envolvem direta-mente aqueles que se movimentam internamente nos paísesdo bloco. Esses deslocamentos se dão tanto por mudançade residência; como por retorno a situações precáriasanteriores; circularidade; dupla residência ou permanên-cias temporárias. Isso ocorre com famílias ou individual-mente – com aumento da participação de mulheres – emuitas vezes envolvem ações ilegais ou clandestinas.

MODALIDADES DE MOVIMENTOS,SIGNIFICADOS E GRUPOS SOCIAISENVOLVIDOS

Na mídia, há reportagens, quase diariamente, sobrebrasileiros que migraram e vivem em outros países – par-ticularmente nos Estados Unidos. O tema também foi tra-tado em telenovela recentemente transmitida em “horárionobre”. Esses dois exemplos, entre outras evidências, ilus-tram a crescente visibilidade do tema; a consolidação defluxos migratórios; os procedimentos adotados para a en-trada nos Estados Unidos – agora via México –; os riscosque os migrantes correm; a violência e a corrupção dosatravessadores; a mescla destes com o narcotráfico; o tra-tamento desigual para os “migrantes documentados” e oschamados “migrantes irregulares”.

Cobertura jornalística recente tratou de várias dimen-sões dessas novas tendências e características do movi-mento de brasileiros rumo ao Primeiro Mundo. Foramnarradas as vicissitudes, dificuldades, desproteção, injus-tiças e até algum sucesso que cercam a vida cotidiana deum grupo crescente – principalmente de jovens urba-nos –, que parte de uma também crescente diversidade delocais. Todos buscam inserir-se, de forma temporária ouposteriormente em caráter definitivo, no país que, para eles,parece ser o “sonho americano” (SALES, 2005; HARAZIM,2005; MEDEIROS, 2005).

Há que se ressaltar, pelo oportuno, que na mesma edi-ção do jornal publica-se reportagem a respeito dos recen-

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tes imigrantes sul-americanos pobres, principalmente bo-livianos, que adentram o país também em busca de me-lhores condições de vida, aspirando a ter direitos à saúdee educação, mesmo como imigrantes também “ilegais”(CAFARDO, 2005).

No mesmo dia, a Revista da Folha também se ocupoucom uma ampla cobertura a respeito dos imigrantes po-bres que vieram recentemente ou que estão há mais tem-po no Brasil. Relata suas vicissitudes, sua desproteção,suas condições absolutamente precárias de habitação eremuneração, a situação de seus filhos, entre outras di-mensões.

Dez anos antes, em sua edição de outubro de 1995, ojornal O Estado de S.Paulo anunciava em manchete deprimeira página, em letras garrafais: “Brasil exportou ummilhão de migrantes” (RABINOVICH, 1995). O autor damatéria estampava em “furo jornalístico” os números queestavam sendo debatidos num seminário em Brasília: tra-tava-se de um arredondamento de cifras projetadas me-diante o uso do Censo Demográfico de 1991 (CARVA-LHO, 1996; OLIVEIRA et al., 1996). Ultrapassar a cifrade um milhão parecia a configuração plena de uma novaquestão social.

Nos debates e nas publicações que se seguiram, esta-vam presentes algumas características percebidas a respei-to de um fenômeno que estava se configurando pela pri-meira vez na história do país, ferindo os brios nacionalistase a imagem de país receptor: a saída de brasileiros para oexterior.4 Delineava-se, também, no conjunto de contribui-ções, os entendimentos e os significados não só de saídade brasileiros como da entrada de novos imigrantes.

Num resumo a respeito dos entendimentos e dessasinterpretações, cumpre ressaltar alguns pontos que per-manecem como contribuições imprescindíveis para o de-bate atual:- os movimentos migratórios internacionais de e para oBrasil foram percebidos como inseridos na reestruturaçãoprodutiva em nível internacional. Assim, a crise financei-ra, o estancamento do processo de desenvolvimento, oexcedente de mão-de-obra crescente, a pobreza, a ausên-cia de perspectiva de mobilidade social, entre outras cau-sas, estariam na raiz da nova questão social;

- percebia-se não se tratar de uma inversão de tendência- o Brasil não seria um país de imigração que passou aser de emigração. Em outras palavras, não teria passadode receptor a expulsor de população. O contexto, o signi-ficado, os volumes, os fluxos, as redes e outras dimen-sões importantes, no contexto interno e internacional, pas-

savam a ser completamente distintos de tudo o que, sob amesma rubrica, sucedera no passado. Embora em menorescala, o contexto dos movimentos internacionais queenvolviam o Brasil indicava a entrada de novos contin-gentes de estrangeiros, com características absolutamen-te distintas das dos movimentos anteriores;

- com exceção do caso dos “brasiguaios”, percebia-se queos migrantes não eram os mais pobres – em sua maioria,os movimentos estavam atingindo os jovens adultos decamadas médias urbanas;

- ao contrário de algumas análises conjunturais que asso-ciavam a saída de brasileiros à década perdida (anos 80)ou à conjuntura do Governo Collor, esse estudo caracte-rizava a questão social como inerente à nova etapa daglobalização e afirmava que, portanto, esta tinha “vindopara ficar”;

- percebia-se que, sob a rubrica migração internacionalaglutinavam-se processos e fenômenos distintos. Estesenvolviam tanto questões fundiárias não resolvidas (comono já tradicional caso das migrações Brasil-Paraguai),quanto percepções e anseios de grupos sociais específi-cos frente a uma mobilidade social truncada no país (comono caso do “rumo ao Primeiro Mundo”), com tarefas re-muneradas de baixa qualificação e manuais, porém muitomelhor remuneradas. Percebiam-se modalidades de mo-vimentos populacionais emergentes no contexto do capi-talismo internacional e próprias da globalização atual –como a configuração do mercado dual da economia, aentrada de pessoal técnico-científico qualificado, situaçõesde “fuga de cérebros”, entre outras;

- embora de diminuta expressão numérica, a entrada e saídade pessoas do território nacional nunca cessou. Poder-se-ia dizer que o Brasil beneficiou-se da “invasão de cérebros”vindos de países vizinhos, em grande parte dos quaisafugentados pelos regimes autoritários dos anos 70, bemcomo a entrada de europeus, nos anos que se seguiram àSegunda Guerra Mundial – que são, entre outros, exemplosde pequeno, mas intermitente afluxo de estrangeiros;

- finalmente, percebia-se a emergente questão dasremessas – as transferências unilaterais no balanço depagamentos do Brasil – que já se apresentavam emexpansão. Na verdade, essas remessas cresceram expres-sivamente nos anos 90 e tiveram como pico o ano de1992: de 834 milhões de dólares, em 1990, passaram para1.556 bilhão, em 1991; 2.243, em 1992; 1.653, em 1993;2.588, em 1994; e 3.076 bilhões de dólares, em 1995(KLAGSBRUNN, 1996, p. 45).

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Em síntese, no primeiro balanço a respeito dos movi-mentos internacionais contemporâneos no Brasil deli-nearam-se modalidades distintas e específicas, comenvolvimento de distintos grupos sociais – o que, comoconseqüência, demandou um tratamento distinto na esferadas políticas migratórias, na esfera das políticas sociaisvoltadas aos migrantes e, no geral, de ações bilaterais deproteção de seus direitos. Percebia-se nitidamente amodalidade de movimento rumo aos Estados Unidos, aoJapão, a países europeus – principalmente Itália, Alemanhae posteriormente Portugal e Espanha. Também já sepercebia que o movimento que mais crescia era o direcio-nado aos Estados Unidos, onde as primeiras comunidadesde brasileiros já iam se constituindo. O entendimento daemergência da migração internacional contemporânea nãoexcluía, é claro, a consideração da circularidade queenvolve grande parte dos deslocamentos populacionais,nos quais, entre outras dimensões, as redes que se criampropiciam e reforçam a continuidade dos fluxos que vãose estabelecendo.

ESTIMATIVAS E TENDÊNCIAS DOS FLUXOSMIGRATÓRIOS DE E PARA O BRASIL

Saída de Brasileiros

As primeiras estimativas quanto à saída de brasileirosvariaram, de acordo com os procedimentos utilizados, deum saldo migratório mínimo de 1.042 milhão a um máxi-mo de 2.480 milhões de pessoas (CARVALHO, 1996) eem torno de 1,3 milhão de pessoas (OLIVEIRA et al.,

1996). Surpreendentemente, essas estimativas aproxima-vam-se dos registros que se iniciaram em 1996, levanta-dos pelo Ministério de Relações Exteriores junto aos con-sulados e embaixadas brasileiras. De acordo com essesdocumentos, o total de brasileiros registrados no exteriorera de 1.419.440 em 1996, elevando-se para 1.887.895em 2000 e 2.041.098 em 2002, com ligeiro declínio em2003, ano em que foram registrados 1.805.436 brasilei-ros vivendo fora do país.5

Embora tratando-se de um registro de informações es-pecíficas, sua seqüência permite apreender algumas ca-racterísticas e tendências. Em primeiro lugar, pode-seconstatar que não se trata de “levas” de emigrantes, de“diáspora brasileira” ou outros termos freqüentementeusados pela imprensa e mesmo em alguns meios acadê-micos para referirem-se à questão social da saída de bra-sileiros. Mais que isso, os dados permitem levantar a hi-pótese da circularidade, comprovada por depoimentos epesquisas qualitativas e reforçada pela constatação daexistência de redes consolidadas – como, por exemplo,no caso do Japão, e, mais recentemente, de atravessadoresque induzem a busca do “sonho americano” a preços quevariam de 10.000 a 20.000 dólares. Se considerarmos queestimativas da ONU dão conta de 175 milhões de migrantesao redor do mundo, percebe-se que é ínfima a parcela debrasileiros no contexto internacional contemporâneo dasmigrações internacionais. A Tabela 1 resume os dadosobtidos, de acordo com o país de destino, nos anos men-cionados.

Desde o início do movimento de brasileiros rumo aoPrimeiro Mundo, os Estados Unidos têm sido o principal

TABELA 1

Estimativas de Brasileiros Residentes no Exterior

1996-2003

País / Região1996 2000 (1) 2001 2003

Nos Absolutos % Nos Absolutos % Nos Absolutos % Nos Absolutos %

Total 1.419.440 100,00 1.887.895 100,00 2.041.098 100,00 1.805.436 100,00

Estados Unidos 580.196 40,87 799.203 42,33 894.256 43,81 713.067 39,50

Paraguai 350.000 24,66 454.501 24,07 369.839 18,12 310.000 17,17

Japão 262.944 18,52 224.970 11,92 262.510 12,86 269.256 14,91

Europa 135.591 9,55 197.430 10,46 332.164 16,27 291.816 16,16

Outros da América do Sul 49.444 3,48 37.915 2,01 91.649 4,49 111.705 6,19

Outros 41.265 2,91 173.876 9,21 90.680 4,44 109.592 6,07

Fonte: Ministério de Relações Exteriores. Registros Consulares. Brasília.

(1) O registro de brasileiros, no caso da América do Sul, nesse ano inclui apenas Argentina e Paraguai.

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país recebedor, registrando aproximadamente 580 mil bra-sileiros em 1996, 800 mil já em 2000, 894 mil em 2001 e713 mil em 2003.6 Esse país tem sido, de fato, o destinode um expressivo volume de brasileiros, em sua maioriajovens e pertencentes à classe média, que entram clandes-tinamente e se ocupam em trabalhos não qualificados que,ao contrário do que aconteceria em seus países de origem,propiciam-lhes um orçamento maior e a possibilidade deformar uma certa poupança.

Ocorre que, possuindo um perfil diferenciado dos de-mais migrantes clandestinos (MARTES, 1999), os brasi-leiros encontram espaço para assumir trabalhos secundá-rios, tais como balconistas, garçons, serviços domésticose afins – trabalhos esses que são rejeitados pelos brancose muitas vezes não são acessíveis aos negros. Outro as-pecto desse fenômeno é que de fato esses migrantes sesujeitam a um rebaixamento de seu status social em prolda recompensa financeira imediata, uma vez que, no Bra-sil, a falta de oportunidade de emprego e o longo períodode recessão econômica bloqueiam sua ascensão social. As-sim, a imigração torna-se uma boa estratégia econômica,a partir da qual as redes de relações são formadas efortalecidas e fomentam ainda mais o fluxo migratório.Há uma verdadeira “explosão” de migrantes brasileirosque, mediante a compra de um “pacote”, tentam passarpelas fronteiras do México, vivendo situações arriscadase muitas vezes violentas, nessa travessia rumo ao país deseus sonhos. De acordo com a imprensa, uma vez cruzadaa fronteira, não serão presos e, com “jeitinho”, acabamficando por lá: uns, amealhando os dólares para investirno Brasil; outros, para residir permanentemente fora decasa (SALES, 2005).

Já a emigração brasileira para a Europa deve-se, emgrande parte, a fatores históricos e culturais decorrentesdo próprio processo migratório brasileiro que, até poucotempo atrás, caracterizava-se como receptor de popula-ção, com predominância dos fluxos provenientes de Por-tugal, Espanha, Itália, Alemanha, entre outros. De um modogeral, o perfil dos emigrantes que se dirigem à Europa as-semelha-se ao dos que se dirigem aos Estados Unidos, em-bora, neste caso, parece que traços culturais constituemdimensão importante na decisão de migrar. A isso se soma,em quantidade difícil de mensurar, a emigração de mu-lheres que para lá se dirigem muitas vezes iludidas, embusca de sua inserção em atividades de lazer, ou entrandona prostituição; atividades domésticas são também umpossível atrativo; e a crescente saída dos jogadores defutebol, apesar de quantitativamente menos representativa,

também tem sua dimensão simbólica (PATARRA;BAENINGER, 2001). Os principais países receptores sãoa Itália, com 16.775 pessoas em 1996, 65.196 em 2002 e35 mil em 2003; Portugal, com 22.068 pessoas em 1996,50.431 em 2001 e 70 mil em 2003; Espanha, com 12.026em 1996, 13.371 em 2001 e 32 mil em 2003.

Outro fluxo de emigrantes com características históricasdecorrentes do processo migratório do início do século20 é o de trabalhadores brasileiros descendentes deimigrantes japoneses em direção ao Japão (SASAKI,1998). Nesse caso, ocorre a fusão dos aspectos principaisdos fluxos anteriores: embora sempre movidos por estraté-gias econômicas, os traços culturais e étnicos, bem comoa rede de parentesco, são componentes decisivos na con-figuração e dinâmica do fluxo migratório (PATARRA;BAENINGER, 2001). Constituindo-se no terceiro país nahierarquia dos “recebedores”, o Japão comparece comestimativas que vão de aproximadamente 263 mil pessoas,em 1996; 224 mil, em 2000; 262 mil, em 2001; a 269 mil,em 2003.

O país que tem permanecido como o segundo na hie-rarquia de recebedores constitui uma modalidade comple-tamente distinta dos mencionados fluxos rumo ao PrimeiroMundo. Os movimentos recentes das correntes migratóriasque transitaram e ainda transitam na divisa entre o Brasile o Paraguai estão intrinsecamente relacionados à consti-tuição da fronteira entre esses dois países, principalmenteno que diz respeito às suas fronteiras agrícolas. Histori-camente, essa fronteira foi marcada por uma série de lu-tas e batalhas que abrangiam não só os Estados nacionaiscomo também as populações locais e as grandes empre-sas comerciais. Em período recente, a construção dahidroelétrica, a extensão urbana de imigração de brasilei-ros no Paraguai e a extensão do contrabando e donarcotráfico consolidaram a configuração de uma área deconflitos, mas também de estruturação dos translados en-tre as populações dos dois países. Assim, certa troca eretorno de brasileiros apenas evidencia a dinâmica inicia-da principalmente nos anos 60.7 O registro de brasileirosno Paraguai indica, em 1996, 350 mil pessoas, passandopara 454.501 em 2000, declinando para 262.510 em 2001,e 269 mil em 2002, elevando-se novamente em 2003, com325.400 brasileiros registrados nos diversos consulados.

Entrada de Estrangeiros

No que concerne à entrada de estrangeiros no país, osdados censitários ainda apresentam maior dificuldade de

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estimativa: realmente, esta é uma tarefa desafiadora. Aolongo do século 20, pôde-se verificar um forte declínioem sua participação no total da população, considerando-se o total de estrangeiros residentes no país nos levanta-mentos censitários – o chamado “estoque de imigrantes”.Nas últimas décadas do século, eles atingiam um total de912 mil em 1980, decrescendo para 767.781 (0,52% dapopulação total do país) em 1991, e 651.226 (0,38%) em2000 (Tabela 2). Na verdade, grande parte desse contin-gente é formada pelos sobreviventes dos grandes fluxosdas etapas anteriores (PATARRA; BAENINGER, 2004b).

TABELA 2

População Estrangeira e População Total

Brasil – 1900-2000

População Estrangeira População Total Proporção de

Ano (Nos Absolutos) Brasil (Nos Absolutos) Estrangeiros

(A) (B) (A/B) (%)

1900 1.074.511 16.364.923 6,16

1920 1.565.961 29.069.644 5,11

1940 1.406.342 39.752.213 3,42

1950 1.214.184 50.730.213 2,34

1970 1.229.128 91.909.909 1,32

1980 912.848 118.089.858 0,77

1991 767.781 146.825.475 0,52

2000 651.226 169.799.170 0,38

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1900 a 2000.

Os dados censitários também permitem observar aentrada de novos imigrantes em seus respectivos períodosintercensitários. Nas duas últimas décadas do século 20,verifica-se a entrada de 89.235 pessoas no período 1981-1991 e 98.514 pessoas no período 1990 e 2000 (Tabela 3).

Constata-se, também, a entrada de novos contingentesde estrangeiros, embora em volumes bem mais reduzidosdo que no passado. O Censo Demográfico 1991 registrauma população estrangeira de 606.631 pessoas – o quecorresponde a 0,41% da população residente no país; ode 2000, com ligeira elevação pela entrada de novos mi-grantes, registra 683.380 pessoas – mesmo assim, corres-ponde a apenas 0,40% de seu total populacional. Essascifras, sem dúvida, subestimam o contingente de imigran-tes que entra no país nos períodos intercensitários (Tabe-la 2).

Os países de nascimento desse contingente que passoua residir no Brasil nessas décadas estiveram concentra-

dos no Mercosul Ampliado,8 respondendo por cerca de40% dos imigrantes internacionais, seguidos dos imigran-tes da Europa (mais de 20%), Ásia (12,5%) e América doNorte (9,1%). Essas evidências indicam, por um lado, queo país aumentou sua inserção nas migrações do Mercosul;por outro, houve uma relativa retomada das migrações deultramar, com fluxos de Europa e Ásia. Ressalte-se aindaque a imigração internacional norte-americana recente estárelacionada à alocação temporária de mão-de-obra quali-ficada9 (PATARRA; BAENINGER, 2004a; 2004b).

Além disso, informações recentes sobre pedidos deconcessão de vistos específicos do Ministério do Traba-lho e Emprego no Brasil revelam que, entre 1993 e 1996,foram concedidas 45.827 autorizações; entre 1997 e 1999foram concedidas 49.888; e, entre janeiro e junho de 2000,foram concedidas 9.496 autorizações – a maior parte dasquais a estrangeiros de países europeus (mais de 30%)seguidas de autorizações a pessoas oriundas dos EstadosUnidos e Canadá, em torno de 20% (BAENINGER;LEONCY, 2001). Esses dados estão permitindo trabalharcom a hipótese da configuração de um mercado dual deimigrantes: com os pobres não documentados – oriundosprincipalmente de países sul-americanos – e, em menornúmero, imigrantes documentados, mão-de-obra qualifi-cada, empresários e pessoal de ciência e tecnologia – deorigem européia e americana.

A Pastoral do Migrante trabalha, hoje, com uma estima-tiva de 1,8 milhão de estrangeiros no país; esse dado con-trasta fortemente com as informações do Ministério da Jus-tiça. Neste caso, o número estimado de estrangeiros teria,após uma estabilidade de dez anos, baixado de 1 milhãopara 830 mil, e São Paulo concentraria mais da metade dessetotal: 440 mil, seguido do Rio, com quase 200 mil (O Estadode S.Paulo, 20 maio 2005, Caderno Vida, p. A-22).

POLÍTICAS MIGRATÓRIAS E POLÍTICASSOCIAIS NO TRATO COM MIGRANTESINTERNACIONAIS

A Conferência Internacional sobre População e Desen-volvimento, realizada em 1994 no Cairo, na seqüência deConferências da ONU nos anos 90, da qual o Brasil é sig-natário, apresenta, no capítulo X de seu Programa de Ação,a questão das migrações internacionais.10

Na formulação da problemática, o documento consi-dera as migrações internacionais contemporâneas inter-relacionadas ao processo de desenvolvimento, destacan-do a pobreza e a degradação ambiental, aliadas à ausência

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de paz e segurança, e as situações de violações de direi-tos humanos como dimensões decisivas para o Plano deAção.

O documento ressalta os efeitos positivos que a mi-gração internacional pode assumir, tanto para as áreas dedestino como para as áreas de origem. Para isso, incita osgovernos a analisarem as causas da migração, na tentati-va de transformar a permanência num determinado paísem opção viável para todos. No que se refere às remes-sas, preconiza seu incentivo mediante políticas econômi-cas e condições bancárias adequadas. Além disso, incen-tiva a migração temporária e o reforço do regressovoluntário de migrantes, e também enfatiza a necessida-de de dados e informações adequadas.

São considerados três tipos de migrantes internacio-nais: migrantes documentados, migrantes não-documen-tados e refugiados/asilados. Quanto aos migrantes comdocumentação, os governos dos países recebedores de-

vem considerar a possibilidade de lhes conceder, bemcomo aos membros de suas famílias, um tratamento regu-lar igual ao concedido aos seus próprios nacionais, no quediz respeito aos direitos humanos básicos.

Quanto aos migrantes não-documentados, recomenda-se a implementação de ações que visem: reduzir seu número;evitar exploração e proteger seus direitos humanos básicos;prevenir o tráfego internacional com migrantes; e protegê-los contra o racismo, o etnocentrismo e a xenofobia.

Finalmente, o documento apela aos governos para quetomem medidas apropriadas para resolver conflitos, pro-movendo a paz e a reconciliação; que tenham respeito pelosdireitos humanos e independência individual, assim comopela integridade territorial e a soberania dos Estados; eque aumentem seu apoio às atividades internacionais des-tinadas a proteger e a apoiar refugiados e migrantes. Osrefugiados devem beneficiar-se do acesso a alojamentoadequado, educação, contando com serviços de saúde que

TABELA 3

População Imigrante Internacional, segundo País de Nascimento

Brasil – 1981-2000

País de Nascimento

Imigrantes Distribuição Relativa Incremento Relativo

(Nos Absolutos) (%) (%)

1981-1991 1990-2000 1981-1991 1990-2000 1981-1991/1990-2000

TOTAL 89.235 98.514 100,00 100,00 9,42

Mercosul 18.303 23.068 20,51 23,41 20,56

Argentina 8.879 8.005 9,95 8,12 -10,92

Paraguai 5.319 11.692 5,96 11,86 54,51

Uruguai 4.105 3.371 4,60 3,42 -21,77

Mercosul Ampliado 35.747 37.727 40,06 38,30 5,25

Argentina 8.879 8.005 9,95 8,12 -10,92

Paraguai 5.319 11.692 5,96 11,86 54,51

Uruguai 4.105 3.371 4,60 3,42 -21,77

Chile 6.864 2.060 7,69 2,09 -233,20

Bolívia 8.022 7.615 8,99 7,72 -5,34

Peru 2.558 4.984 2,86 5,05 48,68

América do Sul / Central 5.209 6.763 5,83 6,86 22,98

América do Norte 8.029 9.008 9,00 9,14 10,87

Europa 24.532 22.874 27,49 23,21 -7,25

África 2.517 4.466 2,82 4,53 43,64

Ásia 18.205 12.361 20,40 12,55 -47,28

Japão 3.361 4.822 3,76 4,89 30,30

Oceania 45 260 0,05 0,26 82,69

Outros / Sem Especificação 635 233 0,71 0,23 -172,53

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000 (tabulações especiais, Nepo/Unicamp apud PATARRA; BAENINGER, 2004).

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incluam planejamento familiar e outros serviços sociaisnecessários.

No Brasil, o Ministério das Relações Exteriores vemdesenvolvendo ações sistemáticas de apoio consular aosbrasileiros que vivem no exterior no que se refere à atua-lização de documentos, abertura dos consulados para acomunidade migrante, estímulo à formação de conselhosconsulares com participação de cidadãos brasileiros quevivem fora do país (CNPD, 2001). Um prenúncio de for-mulação explícita de políticas públicas para a emigraçãopode ser considerado no documento produzido no I En-contro Ibérico da Comunidade de Brasileiros no Exterior,do qual resultou o Documento de Lisboa.11

É interessante considerar a lista de propostas finaisaprovadas nesse Encontro, que inclui os elementos paraa formulação de políticas públicas para a emigração, re-presentação política para os emigrantes brasileiros, ela-boração do estatuto dos brasileiros no exterior, situaçãode consulados e embaixadas brasileiras, além de apoioao repatriamento, recadastramento eleitoral, reforço dosconsulados itinerantes e assessoria jurídica a emigran-tes.12

No entanto, há que se registrar um viés econômico notrato com os emigrados. Na introdução desse documento,avalia-se entre 2 e 3 milhões de brasileiros vivendo noexterior, e já se menciona a questão das remessas – temaque, como já vimos, tem sido crescentemente discutidonos fóruns e debates a respeito dos grandes movimentosmigratórios internacionais contemporâneos. Nesse caso,a questão das remessas é colocada como ponto de partidae sua justificativa se garante, em primeiro lugar, em nomeda economia brasileira e, em segundo, pela questão so-cial, pois considera-se que

Do ponto de vista da economia brasileira [...] a emigração

é responsável pela remessa unilateral de cerca de dois

bilhões de dólares anuais para o Brasil, contribuindo signi-

ficativamente para diminuir o desequilíbrio da balança de

pagamentos e, do ponto de vista social, para inclusão no

mercado consumidor das famílias beneficiadas por essas

remessas (Documentos de Lisboa, grifos da autora).

Também é interessante registrar que o Fundo Multila-teral de Inversões – Fomin, do Banco Interamericano deDesenvolvimento – BID, vem realizando um

esforço conjunto com agentes governamentais, o setor

privado e ONGs, instituições financeiras e outras, para

aumentar a consciência da importância desses fluxos;

aumentar a competição para diminuir os custos de remessas;

promover a educação financeira, fomentar o impacto desses

fundos ao oferecer mais opções financeiras para as famílias

receptoras de remessas e suas comunidades (<http://

www.iadb.org.mif>). 13

As autoridades vêm gradativamente se manifestandomais abertamente sobre o interesse desse montante dedivisas para a economia nacional: percebe-se que o Brasilentrou no rol dos países com altos índices de remessas –estimada em US$ 5,8 bilhões em 2003.14 Destes últimos5 bilhões que entraram no Brasil, o Japão é responsávelpor 3 bilhões; os USA, por 1 bilhão; e a Europa, por 1bilhão – sendo que a metade desse volume vem de Portugal.Esse montante representa 7% das exportações brasileiras,que somaram 73 milhões, em 2003 – e é maior do quequalquer produto de exportação. Nesse último ano, asremessas são superiores às exportações de soja (4,29bilhões), e bem mais elevadas do que os produtos tradi-cionais como o café (1,3 bilhão) e calçados (1,62 bilhão)(ROSSI, 2005), ou seja, como havia constatado Klagsbrunn(1996), o emigrante continua sendo o maior produto deexportação do Brasil.

Comemorando essa cifra que teria entrado no país emparte pelo Banco do Brasil e em outra trazida pessoalmenteou enviada por parentes e amigos,15 uma autoridade doItamaraty manifestou-se, em tom jocoso: os brasileiros quevivem no exterior são compatriotas que deveriam ser re-cebidos com tapete vermelho, champanhe e caviar (Fo-lha de S.Paulo, 4 jul. 2004).

Estrangeiros no Brasil

No que se refere à entrada de estrangeiros no Brasil,há que se registrar que o controle da imigração é uma atri-buição de três ministérios: da Justiça, das Relações Exterio-res e do Trabalho e Emprego. Ao Ministério da Justiçacompete, essencialmente, o controle dos estrangeiros apóssua entrada em território nacional e a aplicação da políti-ca de imigração – desde a concessão de visto, prorroga-ções, transformações de vistos, permanência, até medidasmenos “simpáticas”, como a extradição.

A política imigratória atual é orientada pela Lei no

6.815, de 19 de agosto de 1980, que desde o início de suavigência vem sendo alvo de críticas no país. A lei criouainda o Conselho Nacional de Imigração – CNI, órgãopresidido pelo Ministério do Trabalho e Emprego, comrepresentantes de vários outros ministérios, órgão de classee Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC.

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O CNI, por meio de 49 resoluções, orienta a políticaimigratória que, neste momento, privilegia a imigração sobo ponto de vista da assimilação da tecnologia, investimentode capital estrangeiro, reunião familiar, atividades de as-sistência, trabalho especializado e desenvolvimento cien-tífico, acadêmico e cultural (BARRETO, 2001).

Destaca-se ainda, na condução da política imigratóriabrasileira, o trabalho desenvolvido pelo Comitê Nacionalpara os Refugiados – Conare , vinculado ao Ministério daJustiça, que tem por finalidade a condução da política na-cional sobre refugiados.

Cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego estabele-cer diretrizes e orientações de caráter geral no que concerneà autorização de trabalho a estrangeiros, com observân-cia dos preceitos da Lei no 6.815/80 que define sua situa-ção jurídica no país.16

Esse conjunto de dispositivos caracteriza o Brasil comoum dos países mais restritivos quanto à imigração de es-trangeiros. É interessante considerar as discussões a res-peito no âmbito do governo do Mercosul, onde houve ten-tativas para harmonizar as políticas migratórias dospaíses-membros com vistas à livre circulação de trabalha-dores no contexto da abertura comercial; nesse fórum, aposição brasileira tem-se mantido inalterada.

Outra dimensão que vem surgindo com ímpeto é a ques-tão do acesso dos imigrantes não documentados e seusfamiliares aos serviços públicos no Brasil. Sabe-se que,no Brasil, crianças e adolescentes estrangeiros ou filhosde estrangeiros em situação ilegal nem sempre conseguemlugar em escolas públicas. No Fórum Social das Migra-ções, realizado em Porto Alegre, em janeiro de 2005, dis-cutia-se o acesso desses migrantes às políticas univer-salistas – saúde e educação – constatando-se que o SistemaÚnico de Saúde – SUS é o único programa que, por suaregulamentação universalista, possui o respaldo de aten-dimento a todos, indistintamente.

No Brasil, os estados têm relativa autonomia no que serefere ao acesso de imigrantes e/ou seus filhos ao ensinopúblico fundamental. No entanto, no plano jurídico, aConstituição Brasileira, de cunho universalista, contrapõe-se ao Estatuto do Estrangeiro, que é mais restritivo. Mui-tas vezes, o jovem pode freqüentar a escola, mas esta nãopode emitir certificados de conclusão.17

Todas essas constatações a respeito dos movimentosmigratórios internacionais a partir de e para o Brasilindicam fortemente a urgência de tratamento de umaproblemática emergente que demanda análise, enten-dimento e monitoramento. Isso significa reformulação e

ampliação das políticas e ações frente à nova situação, paraalterar seus pressupostos, tomar em conta as especi-ficidades dos fluxos e dos grupos sociais envolvidos,defender os indivíduos de atravessadores, ampliar seuescopo para dar conta dos direitos humanos dos migrantese suas famílias. Sob a égide da Conferência sobre DireitosHumanos, o tratamento dos migrantes internacionaiscircunscreve-se no âmbito da articulação entre soberanianacional, democracia, direitos humanos e direitos aodesenvolvimento. O desafio consiste em transformar oscompromissos assumidos internacionalmente em pro-gramas e práticas sociais condizentes com a articulaçãoproposta – síntese das contradições, conflitos e anta-gonismos intensificados neste início de século. A migraçãointernacional, que é a contrapartida populacional dessecontexto globalizado, representa hoje a transformação daherança alvissareira do século 20 e um grande desafio parao século 21.

NOTAS

1. Veja-se, entre outros: Harvey (1993), Piore (1979), Benko e Lipietz(1998).

2. Veja-se Sassen (1988).

3. É bastante expressivo o montante e a qualidade da produção dedemógrafos e especialistas em Estudos Populacionais sobre o tema.Mesmo com risco de apresentar lacunas, é importante mencionar o tra-balho da Comissão de Migração Internacional da União Internacionalpara o Estudo da População – IUSSP. Cf., entre outros, Massey et al.(1993); a produção mexicana, consistente e numerosa, expressa-se nasvariadas publicações da Somede; sugestivo também, o recente textode Canales (2003). Um bom balanço da produção bibliográfica encon-tra-se em Assis e Sasaki (2001); contribuições posteriores mais signi-ficativas são mencionadas ao final.

4. À exceção de estudantes e casos isolados de profissionais de algu-mas áreas de ponta, a saída de brasileiros só existira durante o regimemilitar, com os refugiados políticos e expulsos do país.

5. O registro de brasileiros no exterior constitui um levantamento doMinistério das Relações Exteriores junto aos consulados e embaixa-das brasileiras. Iniciou-se, em 1996, e já tivemos acesso a quatro le-vantamentos: além do primeiro, outros em 2000, 2001 e 2003. Caberegistrar aqui que não se trata de estatísticas públicas, mas sim de umlevantamento administrativo interno; os próprios funcionários doItamaraty são muito cautelosos no que se refere ao uso desses dadoscomo uma quantificação precisa dos emigrantes brasileiros.

6. Nos últimos meses, a entrada de brasileiros nos Estados Unidos viaMéxico vem sendo amplamente noticiada e alardeada; na verdade,parece haver um afluxo mais intenso, possivelmente conjuntural e in-duzido. A mídia menciona a cifra de 800 mil a um milhão de brasilei-ros aí residindo, a maioria clandestinamente.

7. O caso dos movimentos populacionais entre Brasil e Paraguai temsido amplamente estudado. Entre outros estudos, veja-se Palau (1995,1996 e 1997) e Sprandel (1992 e 1998).

8. Considera-se, além da Argentina, Paraguai e Uruguai, também Chi-le, Bolívia e Peru.

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9. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Relações do Tra-balho (SRT)/Coordenação de Imigração (CGI), CNPD, (2000).

10. No âmbito das negociações que cercaram a conferência e que seencaminharam para o relatório final, dava-se ênfase às questões rela-cionadas à saúde reprodutiva e seus desdobramentos temáticos; noentanto, a questão das migrações internacionais geraram sempre for-tes tensões entre os representantes dos países de origem e os dos paí-ses receptores, em grande parte identificados com movimentos inter-nacionais de países pobres para países ricos. Nesse capítulo, o relató-rio reflete essas tensões, caracterizando-se por ambivalências, contra-dições e inexeqüibilidades. Apesar disso, constitui-se, como todos osrelatórios das conferências da ONU, num referencial básico para dis-cussões de ações e políticas no plano internacional, bem como norteadorde financiamentos para pesquisa e, muitas vezes, ação.

11. O encontro foi promovido pela Procuradoria Regional dos Direi-tos do Cidadão do Distrito Federal – PRDC/MPF, com apoio orga-nizacional da Casa do Brasil de Lisboa e a colaboração da CáritasPortuguesa, da Cáritas Brasileira, da Obra Católica Portuguesa deMigrações e da Pastoral dos Brasileiros no Exterior da ConferênciaNacional dos Bispos do Brasil, sob patrocínio do Banco do Brasil.

12. Há que se assinalar que, no já mencionado levantamento consulardo Itamaraty de 2003, registra-se pela primeira vez a situação regulare irregular dos brasileiros no exterior, bem como os detentos nos res-pectivos países.

13. No Brasil, a iniciativa vem sendo organizada em conjunto com aFundação Getúlio Vargas, com projeto coordenado pela pesquisadoraDra. Ana Cristina Braga Martes.

14. De acordo com os dados do BID, as remessas para o Brasil aumen-taram significativamente, somando 2,6 bilhões, em 2001; 4,6 bilhões,em 2002; e 5,2 bilhões, em 2003.

15. O registro consular do Ministério das Relações Exteriores aponta,para 2003, 1,8 milhão de brasileiros vivendo no exterior. No entanto,o próprio Ministério chegou a uma estimativa de 2,5 milhões de emi-grantes considerando estatísticas elaboradas pelos países que acolhemos brasileiros e dados referentes à movimentação consular dos brasi-leiros ilegais. Quanto às estimativas das remessas, o Banco do Brasilregistrou o envio de 2,9 bilhões e o restante são quantias trazidas pes-soalmente ao país ou enviadas por amigos.

16. Veja-se um levantamento sobre as atribuições dos Ministérios, bemcomo sobre as informações por eles obtidas e a regulamentação jurídi-ca que informa essa atuação em Baeninger e Leoncy (2001).

17. Seminário 10 – Políticas Públicas. Fórum Social das Migrações(Porto Alegre, 23 a 25 de janeiro de 2005).

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MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS DE E PARA O BRASIL CONTEMPORÂNEO: ...

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Artigo recebido em 17 de maio de 2005.Aprovado em 1 de junho de 2005.

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ROSA ESTER ROSSINI

A

Resumo: O artigo discute a solidariedade intergeracional dos migrantes japoneses e seus descendentes no Bra-sil, incluindo-se os nikkeis que retornaram para o Japão. Discute também a atual solidariedade existente entreos japoneses residentes no Japão, que não migraram para o Brasil.Palavras-chave: Migração. Dekasseguis. Solidariedade.

Abstract: The article discusses the Japanese intergenerational migrants' solidarity and their descendants inBrazil, being included the Nikkeis that came back to Japan. It's also discussed the current existent solidarityamong resident Japanese in Japan, that didn't migrate to Brazil.Key words: International migration. Remittances. Public Policies.

ROSA ESTER ROSSINI

A MEMÓRIA CONGELADA DO IMIGRANTEa solidariedade intergeracional dos japoneses e

dos nikkeis no Brasil e no Japão atual

população brasileira, nas últimas décadas, per-deu o ritmo histórico de crescimento, passandode 2,1% ao ano na década de 80 para 1,5% ao

eram inferiores a 32 óbitos por 100 mil habitantes, atin-gindo o patamar de 125 óbitos em 1999. O número deóbitos de mulheres na mesma faixa etária era de 3 em 1980,passando a 7 por 100 mil habitantes em 2002 (FUNDA-ÇÃO SEADE, 2004).

A questão do desemprego/desocupação ocupa a aten-ção de todos os pesquisadores e das autoridades governa-mentais. Foram incrementadas algumas políticas como ado Primeiro Emprego, mas os resultados ainda são insufi-cientes em relação à demanda. As pessoas jovens não en-contram trabalho porque têm que ter experiência. As pes-soas com mais de 40 anos não encontram trabalho porquesão consideradas velhas.

Devido à modernidade tecnológica, o mercado de tra-balho se encolhe. Destaque-se que 70% dos bancáriosperderam os postos de trabalho nos últimos 15 anos. Asaída é o setor terciário, em atividades informais (vende-dor ambulante de tudo, desde frutas a eletroeletrônicos).Há também alguma chance como trabalhador autônomo,vendendo sua força de trabalho como elemento especializa-

ano no período de 1990-2000 (IBGE, 2001; 2003a).Hoje, além da pobreza, são muitas as linhas de atenção

das pesquisas. Dentre elas destacamos:- o aumento proporcional e numérico de idosos na popu-lação total. A população com 60 anos e mais correspondia,em 2000, a quase 9% do total (há municípios que chegama 20%; no distrito da Consolação, na cidade de São Pau-lo, era de 21% em 2004);

- a gravidez na adolescência;

- a morte de pessoas ainda jovens, do sexo masculino, nafaixa de 15 a 39 anos, motivada por arma de fogo (chaci-na, extermínio), drogas e acidentes de trânsito, em parti-cular de moto.

Na pirâmide populacional da cidade de São Paulo jápode ser identificada uma espécie de “dentes falhados”do lado masculino, nessa faixa etária. Em 1982, as taxas

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do, por alguns meses no ano. A pessoa terá mais oportu-nidade se for versátil e criativa. A outra possibilidade deconseguir trabalho é por meio da migração interna ou in-ternacional. Além do telemarketing, o setor que hoje estáempregando, mas em pequena escala, é o setor público –especialmente o magistério. Esse é o motivo pelo qualhouve aumento do número de homens que prestaram ves-tibular para ingresso na universidade em áreas mais vol-tadas para o ensino.

Do ponto de vista da migração, o Brasil, no século pas-sado, passou por três fases distintas:- até 1960, fase imigrantista – havia oferta de oportunida-des de trabalho na agricultura e na nascente e progressis-ta atividade industrial;- de 1960 a 1980, fase emigrantista – as razões políticasforam as grandes motivadoras da partida das pessoas parao exterior;- pós 1980, fase emigrantista – por razões econômicas,principalmente.

Estima-se que mais de 2,5 milhões de pessoas estejamfora do país (mais de 10% desse total encontram-se noJapão).

Nessa terceira fase, a migração internacional é basica-mente de classe média ou média inferior. Em sua maioria,são migrantes com escolarização de nível médio que dis-põem de capital para utilizar o meio de transporte rápido– avião (SASAKI, 1996; CAIADO, 1997; SALES, 1996)

No presente trabalho, é realizada uma discussão arespeito da solidariedade intergeracional dos migrantesjaponeses e seus descendentes no Brasil. Incluem-setambém, neste texto, os nikkeis (japoneses e seusdescendentes) que retornaram/migraram para o Japão. Aomesmo tempo, discute-se essa solidariedade vivida hojepelos japoneses residentes no Japão que não migrarampara o Brasil. São praticamente 100 anos de presença dejaponeses e seus descendentes no Brasil: um século deuma memória congelada em relação à herança histórico-cultural vigente àquela época no Japão. Depois daSegunda Guerra Mundial, o Japão mudou muito e vive a“era dos descartáveis” para tudo – inclusive para aspessoas idosas.

A VIAGEM DOS JAPONESES PARA ODESCONHECIDO

Para melhor compreensão do Japão de hoje, torna-senecessário recuperar sinteticamente a história de seu povoe de sua gente.

Com a restauração Meiji (1868), a massa de desem-pregados aumentou em virtude da crise econômica e dodesemprego real e potencial intensificado pela baixa pro-dutividade agrícola e industrial. As medidas de moderni-zação tomadas provocaram tensões sociais que redunda-ram na saída dos excluídos (YOSHIOKA, 1995).

Nessa época, a política imigratória brasileira convo-cava braços para a lavoura cafeeira, enquanto a políticajaponesa era a de apoiar os migrantes como pequenos pro-prietários.

Os primeiros migrantes (1908-1923) eram basicamen-te de origem rural e foram encaminhados para as fazen-das de café (165 famílias – 786 pessoas).

Bastaram algumas semanas para os japoneses perce-berem que o país que haviam escolhido pouco ou nadatinha a ver com o “Eldorado” que as agências encarrega-das de organizar a imigração lhes haviam prometido noJapão. Estavam em um lugar cuja língua não entendiam,conviviam com um clima diferente, com gente que tinhacostumes, religião e até rostos diferentes dos deles. O re-médio era conformar-se, comer pouco, vestir-se mal eeconomizar dinheiro para o retorno. Ledo engano. O so-nho, em sua maioria, não se realizou (FAUSTO, 1998).

O segundo período (1924-1941) foi o de destinaçãoprincipal dos migrantes para núcleos coloniais, e com forteapoio do governo japonês.

As rígidas restrições impostas nos anos de guerra (emparticular na 2a Grande Guerra) aos japoneses residentesno Brasil tinham sido apenas um capítulo a mais no calváriode provações vividas por eles desde a época dos primei-ros migrantes. As autoridades tinham preocupação com aformação de quistos; o governo estabeleceu o sistema decotas em 1930; proibiu também o funcionamento de es-colas de língua japonesa e levou à prisão aqueles que “de-sobedeciam” as normas estabelecidas. Acrescentem-seainda os problemas criados entre os migrantes com a não-aceitação da derrota do Japão na 2a Guerra Mundial.

O terceiro e último período, nos meados do século 20,foi realizado via imigração planejada ou livre, viabilizadapela iniciativa particular de japoneses residentes no Bra-sil por meio das redes de parentesco e amizade, e pelachamada de órgãos diversos – como a Sociedade Paulistade Sericicultura, a Cooperativa Agrícola de Cotia, etc.

De 1908 a 1972, cerca de 250 mil pessoas de origemjaponesa chegaram ao Brasil. Desse total, 75% radicaram-se no Estado de São Paulo.

Na cidade de São Paulo, os bairros étnicos representa-ram um fator de intimidade e segurança, em meio às vi-

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cissitudes da vida na cidade. Por exemplo, o japonês fei-rante – depois de enfrentar com seu mutismo os freguesesque regateiam insistentemente – retorna ao seu bairro, aLiberdade, com a sensação de intimidade e segurança(FAUSTO, 1998). É bastante conhecida, por exemplo, afrase dos feirantes japoneses ou mesmo de seus descen-dentes em resposta a fregueses que regateiam com insis-tência: “no entendo”, como forma de encerrar o assunto.

A língua funciona também como forma consciente ouinconsciente de resistir à integração: número considerá-vel de japoneses após 30, 40, 50 anos ou mais no Brasil,não entende português e a “língua oficial” em casa é ajaponesa, com o objetivo de preservar a continuidade e amanutenção dos laços do país de origem.

Os imigrantes japoneses tinham o compromisso de honra

de só retornarem ao Japão como vencedores. Não podiam

sequer pensar em levar seus filhos nascidos aqui como

gaijim. Era preciso que eles aprendessem a ler e a falar a

língua japonesa. Esta era a maneira que eles encontraram

de não terem seus filhos considerados como estrangeiros

pelos japoneses, quando retornassem ao Japão (SAKURAI,

1987, p. 43).

Essa “doce ilusão”, o sonho do retorno rápido, perdu-rou por muito tempo. A realidade aconteceu quando, nosanos 80, o Japão necessitou de mais braços e chamou seuspatrícios para o trabalho.

Até que ocorresse esse chamado, os japoneses perce-beram a dificuldade ou mesmo a impossibilidade deretornarem ao Japão. Dessa percepção decorreu atendência de “aculturar-se” por meio da conversão formalao catolicismo, da escolha de nomes cristãos para osfilhos e do casamento com não-descendentes (FAUSTO,1998).

A questão do casamento interétnico ocorre, num pri-meiro momento, com a união de uma brasileira com oprimogênito da família japonesa. Explica-se tal tendên-cia pelo fato de que a responsabilidade de assumir todosos encargos familiares na ausência ou dificuldade dospais recaía, na tradição japonesa, sobre o filho mais ve-lho. A organização familiar obedeceu a um sistema so-cial hierárquico, organizado a partir do princípio de des-cendência patrilinear, no qual o filho mais velho é oherdeiro e o futuro chefe da família (TOMA, 2000). Porisso, as japonesas ou seus descendentes, sabedoras des-sa responsabilidade e encargo, evitavam o casamento como filho mais velho da família japonesa, tradição que decerta forma persiste até hoje, embora a miscigenação seja

intensa entre os nikkeis de ambos os sexos no Brasil(ROSSINI, 2004).

Além da ocupação na agricultura, e mais tarde no co-mércio, os japoneses tiveram, no Brasil, uma enorme preo-cupação com a educação dos filhos como forma de ascen-são social. No Brasil, a taxa de alfabetização de pessoascom 15 anos e mais, segundo o Censo Demográfico de2000, era de 87,1%. Essa mesma taxa para a populaçãoamarela, em que predominam os japoneses, era de 95,1%(IBGE, 2001; 2003a). Na Universidade de São Paulo, nosanos 80 e mesmo 90, cerca de 19% dos alunos eram deorigem oriental, e aí se destacavam os de ascendência ja-ponesa, em maior número, seguido dos chineses ecoreanos. Freqüentam e freqüentavam mais os cursos,principalmente, de exatas, tecnológicas e saúde. Menosde 1% da população brasileira é de ascendência japone-sa. No Estado de São Paulo, a participação dos nikkeis napopulação total é inferior a 5%.

A partir de 1970, quando houve a implantação de fi-liais de indústrias japonesas no Brasil ou a compra de in-dústrias nacionais pelos japoneses, iniciou-se um lentoprocesso de imigração para o Brasil por parte dos japone-ses, agora na situação de “técnicos especializados”.

A título de exemplo de adaptação/integração, podemser citadas informações a partir do último levantamentodo Centro de Estudos Nipo-Brasileiro a respeito dos ja-poneses e seus descendentes no Brasil:

de cada dez descendentes, metade é casada com ocidentais

[...] A mistura de raças é uma tendência irreversível. Estima-

se que existem 1,4 milhão de descendentes no Brasil. Desses,

apenas 52 mil fazem parte da primeira geração de emi-

grantes. São mestiços cerca de 30% (REVISTA MADE IN

JAPAN, 2003).

Entretanto, deve-se destacar que 11% dos migrantesestrangeiros residentes no Município de São Paulo em2000 eram japoneses, seguidos pelos italianos, que repre-sentavam 7% (FUNDAÇÃO SEADE, 2004).

A MEMÓRIA CONGELADA DO IMIGRANTE ESUA PRESENÇA EM UM OUTRO LUGAR

O “lugar” é onde o indivíduo estabelece suas relaçõessociais, onde tem sua identidade e o sentimento de per-tencer.

É no plano do cotidiano que vão aparecendo paulati-namente as formas de apropriação/utilização e ocupaçãode um determinado lugar do “mundo vivido”. É assim que

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A MEMÓRIA CONGELADA DO IMIGRANTE: A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 34-43, jul./set. 2005

as relações se estabelecem na produção da existência daspessoas/famílias.

Já assentado no Brasil, o imigrante busca amenizar o corte,

materializando, de várias formas, a lembrança da terra que

deixou. Desse modo, o arranjo de sua casa tem carac-

terísticas próprias, evidenciadas nos chamados objetos

biográficos. Um retrato emoldurado de toda a família, um

pôster turístico de um lugar do país de origem, uma imagem

religiosa, etc., são expostos como fragmentos de um mundo

a que se deseja voltar, mas que se suspeita jamais ser possível

rever, ou, talvez pior, ao revê-lo não mais reconhecer seus

traços originais (FAUSTO, 1998, p. 18).

O imigrante sente saudade do que deixou sem se darconta, sem sequer racionalizar, sem perceber que o paísde origem, no movimento dos acontecimentos socioeco-nômicos, científicos e políticos, sofreu profundas mudan-ças em relação à realidade de quando deixou aquele lu-gar. A memória congelada do país de origem, guardadapreciosamente, mudou (FERREIRA, 2001). Mudaram osque ficaram; mudaram os que partiram, pois a sociedadee o espaço estão em contínuo movimento.

A mistura de raças, de etnias, é evidente em São Pauloe no Brasil. Todos sentem enorme orgulho de suas raízeshistóricas. Com freqüência, mesmo sem terem ido ao paísde seus ancestrais, têm profunda curiosidade por tudo,especialmente a partir da história dos avôs/avós. Essa trans-missão de conhecimentos/lembranças funciona como umaforma de não-apagamento da memória, como elo de liga-ção do passado com o presente.

A imigração representa um profundo corte, com váriosdesdobramentos, no plano material e no plano do imaginário.

O corte não é sinônimo de apagamento de uma fase

passada, na vida individual, familiar ou do grupo,

integrando-se pelo contrário ao presente, com muita força

(FAUSTO, 1998, p. 4).

Atualmente, a maioria das migrações internacionaisutiliza o avião como meio de transporte. As viagens du-ram muitas horas. Porém, o corte com a família, com opaís, é aparentemente menos doloroso, pois os meiosmodernos de comunicação – telefone, Internet, correio –encurtam as distâncias.

Nesse mundo globalizado é possível encontrar, atémesmo no lugar onde se está, todos os ingredientes para areceita da comida feita pela avó (bassan): só falta o “gos-tinho dado por ela à comida, aquele gostinho de algo quesó ela sabia fazer e que tinha sabor de infância”.

A FACE DO BRASIL NO JAPÃO

Os brasileiros que migram à procura de melhores con-dições de vida – “os deserdados do capitalismo” – na suamaioria não figuram nas estatísticas oficiais comomigrantes: são “turistas”. Há estimativas que apontam aexistência de 250 mil a 310 mil migrantes do Brasil resi-dindo no Japão. Muitos estão com a documentação emordem, mas outros estão em situação irregular.

A Revista Made in Japan (2004) informa que o gover-no japonês realizou pesquisa sobre a vida dos brasileirosno Japão. São 268 mil, sendo:- 52% entre as idades de 20 e 40 anos;

- 68,6% trabalham nas fábricas (economicamente ativos);

- 71% são casados;

- 65% estão há mais de cinco anos no Japão;

- 36% das crianças estão fora da escola;

- 61% ganham mais de 2 mil dólares mensais;

- nascem mais de 4 mil crianças por ano.

Os brasileiros constituem a terceira nacionalidade emnúmero de estrangeiros no Japão, cifra somente superadapelos coreanos e chineses. A presença brasileira no con-texto dos imigrantes da América do Sul é significativa.Os brasileiros são o grupo mais numeroso seguido de lon-ge pelos peruanos (Tabela 1).

Em 1o de junho de 1990, foi aprovada a nova lei decontrole de entrada de estrangeiros. As pessoas passaram ater direito de contratar legalmente nisseis e sanseis. Mesmoapós a regulamentação da referida lei, nem sempre oscontratos são legais, apesar da existência de descontos de15 a 30% do salário mensal dos chamados “contratados”.

Em geral, os trabalhadores ilegais não percebem suasituação, ou só tomam consciência dela quando ficamdoentes ou sofrem acidentes: seus contratos não são mui-to claros, seus direitos são raros.

Os autônomos devem efetuar o pagamento do segurojunto à prefeitura municipal. No caso de algum problemade saúde, deverão assumir 30% das despesas e não rece-berão pelos dias parados.

Em caso de doença, aqueles que são regulamente con-tratados pagam 10% das despesas com saúde e, após oquinto dia, recebem 60% do salário.

Os trabalhos dados aos nikkeis estão, segundo eles, nacategoria dos 5 Ks: Kitsui (duro, pesado); Kitanai (sujo);Kiken (perigoso); Kibishü (exigente); Kirai (detestável)(FERREIRA, 2001).

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ROSA ESTER ROSSINI

Embora sejam de ascendência japonesa, não são muitoaceitos pela sociedade local por não terem os mesmoshábitos e por não falarem a língua. São conhecidos comoos “brasileiros” (FOLHA DE S.PAULO, 2003).

Na verdade, o que garante a permanência dos migrantesdo Brasil no Japão é a solidariedade daqueles que vieramem primeiro lugar e a solidariedade da família que deixa-ram no Brasil.

PARA MELHOR ENTENDER ASOLIDARIEDADE: ALGUNS DIREITOSDA PESSOA IDOSA NO BRASIL

A partir dos anos 80, organismos internacionais, como a

Organização das Nações Unidas e mais tarde a Comunidade

Européia, tiveram um papel ativo na produção de novas

sensibilidades em relação ao envelhecimento em diferentes

culturas (DEBERT, 2004, p. 235).

A Constituição Brasileira de 1988 atendeu a algunsreclamos e necessidades da população idosa e o Estadobrasileiro apoiou muitas das aspirações na Política Nacio-nal do Idoso de 1994, que foi regulamentada em 1996.Nessa política, os campos de atuação dos idosos foramem parte reconhecidos.

Percebe-se certa atenção geral com o aumento de even-tos sobre o tema, o destaque nos meios de comunicação,o cumprimento da legislação: são algumas das demons-trações da importância da pessoa idosa, hoje, no Brasil eno mundo.

De envelhecer ninguém escapa. Alguns envelhecem mais

rapidamente do que outros e nem todos vivem essa etapa da

vida da mesma maneira, uma vez que o envelhecimento

biológico está estreitamente relacionado às formas materiais

e simbólicas que identificam socialmente cada indivíduo

(PEIXOTO, 1999, p. 357).

As questões ligadas ao envelhecimento, que antes eramadstritas ao mundo privado (médico, prática de caridadereligiosa) alçam vôo, transformando-se em discussão maisampla, instigando campos de conhecimento e do agir. Istoé, atinge a esfera do espaço público (CABRAL, 2001).

Esse prolongamento da vida tem mais a ver com reju-venescimento/integração do idoso na sociedade do quecom a efetiva discussão sobre o velho propriamente dito(CABRAL, 2001).

Tanto a demonstração de solidariedade da sociedadeatual para com os idosos quanto o incentivo a essa práticasugerem a necessidade de se refletir sobre a construçãodas relações entre as gerações jovens e velhas no espaçopúblico (das políticas públicas) e no espaço privado. Asolidariedade deve ser pensada como uma totalidadeprofundamente imbricada, onde cada um compartilha como outro em todos os momentos de vida, isto é, nas alegrias,nos problemas, etc. (CABRAL, 2001). A solidariedadepode salvar as pessoas reinserindo-as na sociedade e re-cuperando sua auto-estima.

As formas de solidariedade entre as gerações construídas

no espaço público permitem identificar diferenciações entre

essas formas e aquelas tecidas no interior do seio da família,

TABELA 1

Estrangeiros no Japão Provenientes da América Latina

1991-2000

País 1991 1992 1994 1996 1998 2000

Total 151.798 185.704 201.843 246.187 271.398 309.230

Brasil 119.333 147.803 159.619 201.795 222.217 254.394

Peru 26.281 31.051 35.382 37.099 41.317 46.171

Argentina 3.366 3.289 2.796 3.079 2.962 3.072

Paraguai 1.052 1.174 1.129 1.301 1.441 1.678

Bolívia 1.766 2.387 2.917 2.913 3.461 3.915

Fonte: Yoshioka, (2002). Japan Immigration Association - JIA - Heisei 13.

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onde as regras de reciprocidade se vinculam à consan-

güinidade e às relações de parentesco que envolvem os

membros de várias gerações, estando muito mais presentes

aspectos indicativos de uma relação de obrigações morais

entre pais e filhos e mesmo entre aqueles e seus netos

(CABRAL, 2001, p. 30).

A Constituição Brasileira, em particular após 1988, eoutras formas de regulamentação posteriores impõem umconjunto de obrigações legais de proteção entre pais e fi-lhos e vice-versa. A não-obediência pode ter graves con-seqüências para aqueles que não atendem a esse ordena-mento jurídico que formaliza e obriga os indivíduos comvínculos parentais ao exercício da solidariedade. Alémdisso, só o risco de ser punido elimina muitas incorreçõespor parte daqueles que pretendiam desobedecer as leis(BARROS, 1987; CABRAL, 1999; 2001).

A Constituição Brasileira de 1988 e a legislação pos-terior estabelecem, dentre outros itens, que:- homens com 65 anos e mais, e mulheres com 60 anos emais têm direito à aposentadoria de 1 salário mínimo (queera inferior a 100 dólares em 2004), por meio daPrevidência Social Rural, mesmo sem terem contribuído.A legislação de 1963 estabelecia o benefício da aposen-tadoria (jubilamento/reforma) para apenas uma pessoana família, em geral o homem e, em todos os casos, comapenas um salário mínimo vigente;

- as pessoas que contribuíram com outros valores epagaram à Previdência, obviamente, têm direito àaposentadoria correspondente;

- haja transporte urbano gratuito – ônibus e metrô – paraas pessoas idosas, sejam homens ou mulheres. Esse bene-fício possibilitou à pessoa idosa maior liberdade, maiorautonomia, concorrendo para o aumento da esperança devida. Com essa autonomia, nas famílias mais pobres apessoa idosa passou a receber encargos que nem sempreeram exercidos por ela, como pagar contas, levar crian-ças à escola, etc.;

- a partir de 2004, o transporte interurbano e interestadualdeveria ser gratuito para pessoas que recebessem até 2salários mínimos mensais. Porém, essa medida tem sidoboicotada, com freqüência, pelos responsáveis pelas em-presas;

- haja assentos preferenciais nos transportes;

- haja guichês preferenciais para atendê-los nos bancos;

- haja guichês preferenciais nos aeroportos para atendi-mento aos idosos;

- em cinemas e teatros as bilheterias sejam preferenciaise com 50% de desconto;

- sejam implantadas Delegacias de Proteção ao Idoso;

- nos hospitais públicos seja reservado espaço para acom-panhante da pessoa idosa (em geral é uma poltrona ao ladoda cama). Essa é uma medida que favorece a solidarieda-de intergeracional e ainda evita a contratação, pelo hospi-tal, de atendentes personalizados para pessoas altamentedependentes;

- na tramitação de processos seja assegurada a priorida-de à pessoa idosa;

- em Brasília, capital federal, acrescenta-se ainda a re-serva de 5% das vagas para automóveis em áreas públicasou privadas para uso da pessoa idosa.

Com a legislação para a pessoa idosa no Brasil, cria-ram-se duas novas categorias profissionais: office old emotobói. Assim, praticamente desaparece o office boy.Como os idosos não precisam aguardar na fila porque têmguichês especiais para a sua faixa etária, e também por-que não pagam transporte e, além disso, já são aposenta-dos, os serviços que antes eram feitos pelo office boy pas-saram a ser feitos por eles, pois representam benefícioseconômicos para os contratantes.

Já os motobóis circulam aceleradamente por São Pau-lo fazendo entregas rápidas de mercadorias e papéis, com-prometendo a própria vida. Há informações de que 280mil motobóis circulam diariamente em São Paulo e quelamentavelmente ocorre, no mínimo, uma morte por diadesse profissional.

Por várias razões, a expectativa de vida da mulher ébem superior que a dos homens – e essa é uma tendênciamundial. Em 2000, no Estado de São Paulo, por exemplo,a expectativa de vida das mulheres era de 75,6 anos, en-quanto a dos homens era de 66,8 anos. Essa situação éreforçada, dentre outras razões, pela morte prematura dosjovens na faixa dos 15 a 35 anos, motivada por acidentesde trânsito (motos), arma de fogo e drogas. Assim é quefoi cunhada a denominação de “feminização da velhice”(MOTTA, 1999a). No Brasil a mesma diferença existe emrelação à esperança de vida (total 71,0; homens 64,8;mulheres 72,6 anos) (IBGE, 2001; 2003b; FUNDAÇÃOSEADE, 2003; 2004).

Outro assunto a ser analisado é a solidariedade daspessoas idosas no Brasil, que é demonstrada de váriasformas. Entretanto, destaque-se que a presença femininaé marcante. As atividades realizadas pela pessoa idosa eas atividades de integração são: visitas às pessoas neces-

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sitadas; confecção de roupas para doentes e carentes; par-ticipação em grupos de dança, música, teatro; freqüênciaa festas, palestra, cursos; participação em grupos de gi-nástica, desenho; freqüência a cursos para aprendizado euso do computador, da Internet, etc. Há, portanto, umasérie de programas centrados na “sociabilidade progra-mada e centrada no lazer e na cultura - e que são predomi-nantemente femininos” (MOTTA, 1999a, p. 171). São pes-soas atentas e abertas a novas amizades, as quais sãocultivadas carinhosamente.

Contar história é uma prática que tem sido muitodifundida por idosos e idosas no Brasil. É comum seremconvidados por professores de seus netos para ir à escolacontar as histórias que conhecem ou para falar sobre acidade ou o campo. Essa prática não só reforça sua auto-estima, como possibilita às crianças melhor conhe-cimento, em particular do folclore e da herança culturaldo país.

Os programas para a terceira idade, assim como as

Universidades são compreendidas como espaço capazes de

ampliar os relacionamentos sociais extrafamiliares dos

idosos, propiciar novas experiências e possibilidades de

aquisição de conhecimento (DEBERT, 2004, p. 246)

Tanto nos estabelecimentos de ensino público comode ensino privado, merece destaque a iniciativa deinstituição da Universidade da Terceira Idade. Parafreqüentá-la, a pessoa idosa não precisa ter cursouniversitário. Em muitas universidades, os idosos assis-tem às aulas e delas participam como estudantes uni-versitários regularmente matriculados. Essa transmissãode conhecimentos e essa interação na sociedade é ex-tremamente salutar.

A população idosa também tem sido um forte agenteimpulsionador do turismo no período “entre férias” – oque possibilita que os hotéis e outros centros de recrea-ção mantenham pessoal empregado durante todo o ano paraatender a essa clientela.

Por isso, as pessoas da terceira idade estão sendo

descobertas como nova fatia de mercado consumidor, estão

postos diante de uma sociedade em movimento, no acelerado

ritmo de mudança tecnológica, intensificação paroxísmica

da comunicação (MOTTA, 1999b, p. 209).

Segundo Cabral (2001) há, principalmente, um tipo desolidariedade incondicional por parte das pessoas da ter-ceira idade. E é esse sentimento que as faz:- acolher em suas casas filhos casados ou separados;

- ajudar os filhos de todas as maneiras possíveis, quandoas dificuldades os atingem, principalmente nas situaçõesde enfermidade e desemprego;

- sentir que a reciprocidade e a solidariedade é suportadapelo lado que se considera mais frágil;

- ocupar grande parte do tempo para atender às deman-das de filhos e netos;

- auxiliar a família, com trabalho, no apoio doméstico;

- dar um espaço no terreno, quando possui, para a cons-trução de moradia para os filhos e netos, sendo este, umprocedimento moralmente estabelecido.

Acrescente-se que a solidariedade dá compreensão fe-cunda à integração social do idoso (SOUTO, 1999).

A solidariedade esperada pelas pessoas idosas é a com-preensão do outro, é saber que seus filhos estão bem, re-ceber deles carinho e atenção e, quando necessário, rece-ber tanto apoio emocional como ajuda material (CABRAL,2001).

OS JAPONESES E SEUS DESCENDENTES:O CUIDADO COM A PESSOA IDOSA E ASREDES DE SOLIDARIEDADE

Além da legislação, há a considerar, em relação aosnikkeis residentes no Brasil e aqueles moradores no Ja-pão que:- há uma herança histórico-cultural de quase um século,uma verdadeira memória congelada dos migrantes de ori-gem japonesa e seus descendentes no Brasil;

- na época da migração dos japoneses para o Brasil, noJapão, o idoso/a era respeitado/a e ouvido/a, prática quese mantém até hoje no Brasil;

- ao filho mais velho competia a responsabilidade e cui-dados com a pessoa idosa, isto é, na falta ou impossibili-dade dos pais, ele respondia e responde pela família;

- o filho mais velho fez e faz todo empenho possível notrabalho, em geral na pequena produção agrícola ou comofeirante, para deixar espaço para os irmãos mais moçosestudarem. Em função dessa abdicação e apoio aos mem-bros da família, em geral, como recompensa, o filho maisvelho herda a terra ou patrimônio urbano;

- é de responsabilidade do filho mais velho (ou de suaesposa), os cuidados com os pais. No Brasil, é raro alojaros pais em casas de repouso. Entretanto, quando isso acon-tece, eles recebem visitas freqüentes das famílias – práti-ca abandonada pelos japoneses do Japão.

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As redes de solidariedade de nikkeis brasileiros noJapão são expressas sob várias formas. Na escola, mãesque não trabalham são voluntárias para apoiar os filhos eos outros migrantes – inclusive para protegê-los contra fre-qüentes atos de violência praticados pelos colegas. Outroapoio importante das mães voluntárias diz respeito ao en-sino, pois as crianças ingressam na escola de acordo coma idade e não a série, em conformidade com o conheci-mento estabelecido e o da língua japonesa.

Além disso, há vários outros fatores que impulsionama solidariedade. Como os pais permanecem muito tempofora de casa, motivados pela necessidade de trabalhar,dedicam pouca atenção às crianças nas suas atividadesescolares. Essa situação se agrava ainda mais com o des-conhecimento da língua, que geralmente justifica o aban-dono da escola por 36% dos filhos de migrantes.

Há gestos de solidariedade por ocasião das festas, emparticular no carnaval; na comida compartilhada; na ofer-ta do emprego/ocupação; e até mesmo no empréstimo dafita de vídeo que traz novelas brasileiras gravadas. É co-mum compartilhar o envio de mensagens pela Internet.Mas a maioria das pessoas recebe ou envia notícias portelefone (80%) e apenas 10% se comunicam por cartas.Como 50% dos migrantes (homens e mulheres) no Ja-pão são casados, a solidariedade das avós do Brasil ex-pressa-se no cuidado dos filhos do casal que parte. Me-rece destaque o fato de que, em geral, primeiro migra ohomem, depois a mulher e – bem mais tarde – as crian-ças.

Por fim, não é rara nova união no Japão, tanto por par-te do homem como da mulher, e o abandono dos filhos nacasa dos pais, ou com a mulher que não migrou. O queacontece mais freqüentemente é que o homem – que atra-vessou o oceano em busca do “Eldorado” – abandone amulher que o espera no Brasil.

A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONALCONVIVE MUITO POUCO COM O CAPITALNO JAPÃO DE HOJE

Hoje, os japoneses que vivem no Japão medem a soli-dariedade pelo capital e ela pode expressar-se sob váriasformas. Lá, os que se aposentaram pela Previdência So-cial recebem menor assistência por parte da família. A as-sistência médica é de boa qualidade e, dependendo do caso,os idosos também recebem assistência de uma enfermeirapaga pelo Estado, pois os filhos não têm tempo de dar aten-ção aos pais.

O grande problema surge quando os mais velhos nãopodem mais morar sozinhos e são encaminhados para um“asilo/casa de repouso”, pois a família que trabalha “nãotem tempo para cuidar da pessoa idosa porque tem quetrabalhar”. Quando esse fato ocorre, os idosos, nas “casasde terceira idade”, preferem os cuidados de pessoas quejá moraram no Brasil, pois são mais atenciosas, mais afá-veis, mais respeitosas, mais carinhosas.

Anotou-se depoimento de um turista japonês visitandouma “casa de repouso” no Brasil: “No Brasil, a famíliavai visitar o idoso na ‘casa de repouso’. No Japão, a famí-lia vai depositar o velho no asilo e vai buscá-lo quandorecebe o telefonema avisando que ele morreu”. Esse fatofica muito evidente no filme japonês O Funeral, no qual,após o recebimento do telefonema comunicando o faleci-mento do idoso, o filho é, em seguida, procurado peloagente que cuida de funerais e que resolve tudo.

A constatação de que o capital desumaniza as relaçõese enfraquece a solidariedade é patente no Japão. Lá, o velhodá lugar na fila ao jovem, porque este não tem tempo. Idosotem todo o tempo!

Diante dessa realidade, o idoso passa por uma espéciede “lavagem cerebral” portadora efetivamente de uma ideo-logia ilusória que insiste em convencê-los de que a mu-dança para o Mundo Tropical lhes dará maior longevidade.Ao mesmo tempo, o Estado se desobriga/descarta dessapopulação que “deu sua vida” para o Japão emergir comogrande potência mundial. Por essa razão, já ocorreramcompras de terreno no Brasil para a construção de vilasresidenciais. A Constituição Brasileira permite, que, comuma renda de até 500 dólares mensais, qualquer pessoaestrangeira pode migrar em definitivo para o Brasil, nãoimportando a idade. Assim é que em Campos do Jordão(SP) e Maringá (PR), japoneses já compraram terrenos paraa construção de conjuntos residenciais para idosos. NoNorte da África, no Sul da Espanha, no Caribe, já é umarealidade a presença de japoneses em conjuntos ha-bitacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A memória congelada dos migrantes japoneses parao Brasil garantiu a persistência de uma herança culturalque vem sofrendo alteração no tempo. No Japão de hoje,homens e mulheres “não têm tempo” de cuidar de seusidosos.

No Brasil, os nikkeis ainda continuam “achando tem-po” para respeitar seus idosos e cuidar bem deles. Os

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ROSA ESTER ROSSINI

exemplos citados no texto evidenciam claramente essefato – a tal ponto que as casas de saúde japonesas têmclara preferência por atendentes nikkeis brasileiros paracuidarem dos idosos.

A sociedade brasileira é hoje muito mais sensível e temaberto espaços para que experiências inovadoras de soli-dariedade intergeracional sejam vividas. Também há gran-de esforço de reeducação das pessoas para com a imagemdo idoso – particularmente nos grupos de convivência comjovens.

Freqüentemente a solidariedade político-social tem aduração de uma queimada, mas não resiste às cinzas paraa reconstrução do que foi perdido. Falta continuidade.Assim é que, ao lado das políticas públicas, é necessárioque os olhos atentos da sociedade civil garantam a aplica-ção, a continuidade, a permanência e a renovação daspolíticas públicas de interesse às pessoas idosas e reforcea solidariedade intergeracional.

A solidariedade tem um nome: mulher. A solidarieda-de é feminina.

Há que assumir a coragem de romper com a cultura queacha “natural” a situação de abandono que paulatinamen-te tem vitimizado a população idosa e mutilado sua cida-dania e dignidade, e implantar/desenvolver/intensificar asolidariedade com razão e emoção, para devolver/recu-perar para a pessoa idosa a herança histórica de respeito/admiração/carinho e amor, perdidos na era do descartável.Essa construção só se realiza com uma educação que pra-tique a solidariedade intergeracional de respeito, de amor.Dessa forma, todos terão melhor qualidade de vida, istoé, cidadania plena (SANTOS, 1996).

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A MEMÓRIA CONGELADA DO IMIGRANTE: A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL ...

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ROSA ESTER ROSSINI: Professora Titular do Departamento de Geografiada Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidadede São Paulo. Assessora do CNPq e Assessora Científica da Fundação deAmparo à Pesquisa dos Estados de: SP; RJ; PE; MG; AM e DF.

Artigo recebido em 11 de abril de 2005.Aprovado em 12 de maio de 2005.

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TERSEA SALES

P

Resumo: O artigo trata do avanço do nível organizativo dos migrantes brasileiros na região metropolitana deBoston, nos Estados Unidos. Baseando-se em uma pesquisa realizada em outubro de 2005, é feito um históri-co das várias organizações criadas pelos migrantes brasileiros entre 1995 e 2005, nas cidades de Framingham,Boston, Somerville e Cambridge. A conclusão é a de que os brasileiros avançaram mais em sua organizaçãopolítica – em conseqüência da bagagem cultural que alguns líderes levaram consigo do Brasil – do que nosetor de serviços.Palavras-chave: Migração internacional. Imigrantes brasileiros nos Estados Unidos da América.

Abstract: This paper discusses the progress of the Brazilian migrants’ organization in the metropolitan area ofBoston, in the United States. Based on a research done in October of 2005, it presents several organizationscreated by the Brazilian migrants between 1995 and 2005, in the cities of Framingham, Boston, Somervilleand Cambridge. It concludes that the Brazilians improved their political organization, as a consequence of thecultural background of some leaders, than in the service sector.Key words: International migration, Brazilian immigrants in the United States of America.

TERESA SALES

A ORGANIZAÇÃO DOS IMIGRANTESBRASILEIROS EM BOSTON, EUA

or que os brasileiros imigrantes nos Estados Unidostêm tido uma presença marcante na nossa mídiadesde finais de 2004? Como acontece desde o início

do fluxo migratório de brasileiros para o exterior, emmeados dos anos 80, a imprensa brasileira costuma darmais cobertura aos fatos negativos dessa migração,1 queestiveram muito presentes ultimamente: aumento daapreensão de brasileiros na fronteira México-EstadosUnidos; prisões e deportações de brasileiros; o caso damorte do brasileiro Jean Charles, pela Scotland Yard, emLondres; e, como exceção para confirmar a regra, oaumento das remessas financeiras dos brasileiros noexterior.

Houve porém um fato novo na mídia que se somou aesses para dar maior visibilidade aos nossos brasileiros longede casa: a novela América, exibida no horário de maior

audiência da Rede Globo de Televisão. No início da nove-la, vários jornais deram destaque a essa situação. O Cader-no Aliás, do jornal O Estado de S.Paulo de 20 de março de2005, trouxe o tema Vidas brazucas, apresentando uma en-trevista comigo e um artigo de Dorrit Harazim sobre a epo-péia de um mineiro acusado de estupro e a prisão de 57brasileiros ilegais. Entre os vários assuntos abordados naentrevista, respondendo à pergunta sobre possíveis efeitosda novela, mencionei que isso dependeria em parte doenfoque adotado, mas, quando as pessoas estão propensasa emigrar, qualquer estímulo serve como reforço. E acres-centava:

como já existe uma predisposição na sociedade brasileira,

é possível que a novela seja um fator de estímulo, mesmo

mostrando os riscos da travessia, as dificuldades de

adaptação, etc.

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A ORGANIZAÇÃO DOS IMIGRANTES BRASILEIROS EM BOSTON, EUA

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 44-54, jul./set. 2005

Cerca de dois meses após o início da novela, o jornalFolha de S.Paulo (5 de maio de 2005) apresentou, namatéria, “Captura de brasileiros nos EUA decuplica”,dados impressionantes:

apenas em abril, 4.802 brasileiros foram detidos em

território americano da fronteira com o México – uma

incrível média de 160 casos diários, segundo dados

fornecidos pela Patrulha da Fronteira a pedido da Folha.

O número é mais de dez vezes o registrado no mesmo período

do ano passado: 443 casos (15 por dia).

Essa notícia reacendeu o debate em torno da questãomigratória de brasileiros para os Estados Unidos em váriosmeios de comunicação e até no Congresso Nacional, sendoque um representante do Ministério das Relações Ex-teriores, outro do Ministério da Justiça, Glória Perez –autora da novela América – e eu fomos convidados aparticipar de uma Audiência Pública da Comissão deRelações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federalsobre o tema.

Eu, que já tinha dado por encerrada minha pesquisa comimigrantes brasileiros nos Estados Unidos depois de es-crever um circunstanciado artigo sobre a “Segunda Gera-ção” (SALES; LOUREIRO, 2004), voltei ao tema. Paraparticipar da audiência pública, fiz contato por e-mail comuma rede de lideranças das organizações de brasileiros nosEstados Unidos e retomei contatos, o que me despertoupara um novo projeto, de natureza mais jornalística, pos-to que circunscrito a um curto espaço de tempo. Partici-pei de um Encontro de Lideranças Brasileiras nos Esta-dos Unidos em Boston, de 21 a 23 de outubro de 2005, erealizei 13 entrevistas com líderes da comunidade brasi-leira, visando avaliar a organização dos brasileiros imi-grantes dez anos depois da pesquisa de 1995/96, que deuorigem à obra Brasileiros Longe de Casa (SALES, 1999).

Ao visitar mais uma vez os brasileiros imigrantes naregião de Boston, foi possível observar que a visão da im-prensa brasileira é muito parcial, no sentido negativo, emrelação a nossos imigrantes lá fora. Isso talvez seja de-corrência de como a sociedade brasileira encara essesimigrantes: eles ferem a nossa auto-imagem de país aco-lhedor. Não gostamos de ver nossos cidadãos saindo decasa e sobretudo de ver que muitos deles estão entrandona casa alheia pela porta dos fundos. Contudo, numa pers-pectiva histórica, é importante lembrar que foi assim tam-bém com outros povos que hoje são respeitáveis cidadãosnorte-americanos, brasileiros, argentinos, só para citar ocontinente americano. Ao enfatizar apenas os aspectos

negativos da migração de brasileiros para outros países, aimprensa reforça um estereótipo já existente na socieda-de em relação a esses migrantes.

Sem pretender entrar no mérito dessa questão, esse ar-tigo tem o objetivo de fazer uma análise comparativa, entre1995 e 2005, dos grupos organizados de imigrantes bra-sileiros, com ênfase no Estado de Massachusetts. Com isso,procura-se mostrar que, para além das prisões e deporta-ções, os brasileiros longe de casa têm construído umamarca de povo trabalhador, solidificando seus vínculosorganizativos e caminhando a passos largos para um re-conhecimento no seio da sociedade norte-americana, mes-mo que isso possa lhe causar uma contra-ofensiva por partedaquela sociedade em algumas localidades, como é o casoda cidade de Framingham.

AS CIDADES IRMÃS

Em 13 de novembro de 1995, caem os primeiros flocos de

neve ainda indecisos, que lá eles chamam de fluries. Naquela

noite será assinado um acordo de cidades irmãs entre a

prefeitura de Framingham e a prefeitura de Santa Luzia,

em Minas Gerais. Para isso vieram autoridades de Santa

Luzia – o vice-prefeito, o vice-presidente da Câmara dos

Vereadores, o diretor do hospital e o médico-chefe do SUS

[...] A primeira parte da sessão é toda ela dedicada à troca

de discursos, troca de certificados, troca de presentes. Os

discursos americanos, curtos e diretos, os brasileiros

demorados e cheios de Lyncolns e Washingtons, traduzidos

mais sucintamente para o inglês pelo nosso vice-cônsul em

Boston. Não sei se pela memória de filmes de infância, aquilo

tudo me lembra muito uma cerimônia apache, sobretudo na

troca de presentes (SALES, 1999, p. 197-198).

Essa cerimônia, na qual foi assinado o acordo de cida-des irmãs (sister city), ficou como uma pedra no sapatoda comunidade brasileira de Framingham. A idéia partiudo vice-cônsul em Boston. Compareceram pessoas repre-sentativas da comunidade, como o pároco da Igreja SãoTarcísio, vários comerciantes locais e as imprensas nor-te-americana e brasileira. A pergunta que ficava no ar era,porém, evidente: em uma cidade com predominância tãogrande de imigrantes oriundos de Governador Valadares,por que Santa Luzia? Dois anos depois, em 1997, já ocônsul e o vice-cônsul no Consulado Brasileiro em Bostonhaviam mudado e a Associação de Cidades Irmãs perma-necia apenas como figura jurídica, congregando muitopouca gente entre os brasileiros imigrantes.

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Em compensação, começavam a surgir novas organi-zações, algumas como conseqüência de campanhas bem-sucedidas e que, ao longo do tempo, terminaram se insti-tucionalizando, como a Brazilian Children Foundation,fundada em 1996 por um imigrante oriundo de Ipatinga –município vizinho de Governador Valadares, em MinasGerais –, cuja missão era dar apoio a crianças necessita-das no Brasil (diga-se, região do entorno de GovernadorValadares).2 Alguns anos depois, mais uma organizaçãohavia sido fundada em Framingham, vinculada à Paróquiade São Tarcísio. Era o Centro Bom Samaritano, sediadoem um novo prédio no centro da cidade, com a finalidadeprincipal de dar assistência, em termos de moradia e em-prego, aos novos imigrantes. Mais adiante esse novo pré-dio, o Arcade, onde hoje 90% das salas são ocupadas pornegócios de brasileiros, voltará à cena.

Minha vinculação a Boston, sobretudo depois que pas-sei um semestre como visiting scholar de Harvard em 2000,vem se renovando a cada novo seminário ou outras ativi-dades de que participo, permitindo-me acompanhar o queacontece na comunidade brasileira. Assim, em dezembrodaquele ano, fui à inauguração da sede de mais uma orga-nização de brasileiros em Framingham, a BrazilianAmerican Association – Bramas, que havia sido fundadaem 1998. À frente da sua fundação – juntamente com ou-tros negociantes da cidade – o primeiro presidente da Bra-mas era um comerciante do centro de Framingham dos maisativos e com uma história de ascensão social comum aosbrasileiros imigrantes na região de Boston: valadarense,imigrante ilegal inicialmente e que trabalhou em váriosserviços não qualificados em restaurantes e construção,até se estabelecer com sua loja no centro de Framingham.A Bramas é uma organização sem fins lucrativos, cujaprincipal missão é organizar os brasileiros para formar umaidentidade e ter plena participação na sociedade norte-americana. Em fins de 2004, sob nova direção (de umavaladarense), a associação conseguiu ajuda de estudantesvoluntários do Massachusetts Institute of Technology –MIT3 , que fizeram uma pesquisa com 400 moradores daregião Metrowest para determinar as necessidades dacomunidade brasileira. Baseado nessa pesquisa, o conse-lho da associação sugeriu a criação de vários comitês nasáreas de business, saúde, cultura, cidadania, família, edu-cação e jovens.

Ainda em 2004, depois de várias negociações tambémcoordenadas por comerciantes brasileiros do centro deFramingham e ficando comprovado o não cumprimentodos acordos feitos anteriormente com a cidade de Santa

Luzia, foi firmado um novo acordo de Cidades Irmãs en-tre Framingham e Governador Valadares. Dessa vez, oprocesso foi conduzido com trâmites mais cuidadosos eprecedido da visita de uma comitiva governamental deFramingham a Governador Valadares, resultando em pa-recer favorável à assinatura do acordo.

O Comitê de Cidades Irmãs – Sister City Committee– é dirigido por uma brasileira muito orgulhosa de suaorigem valadarense e dona de uma das lojas de destaquena Concord St., principal rua do centro de Framingham.Essa mesma imigrante, em 1995, me contava em sua en-trevista sobre o apreço que os poderes públicos daquelacidade tinham pelos brasileiros:

Está vendo as calçadas da rua? As da frente de lojas de

brasileiros já estão todas limpas da neve, enquanto as demais

estão ainda esperando o serviço público da prefeitura. É

por isso que somos muito bem vistos aqui pela prefeitura e

pelas pessoas da comunidade.

Naquela época já se sabia, pela imprensa norte-ameri-cana, que:

naquele centro da cidade, sinais de decadência estavam por

toda parte – lojas vazias, calçadas sujas e pessoas vendendo

drogas em esquinas escuras. Então os novos habitantes

começaram a chegar em torno da última década, com seus

sonhos de uma nova vida. Eles vinham de Porto Rico, Costa

Rica, Guatemala e Brasil – especialmente Brasil. Alguns

encontraram trabalho como operários de construção,

jardineiros e garçons. Outros, tendo juntado algum dinheiro

desses empregos, alugaram as lojas vazias, limparam suas

calçadas e, com a sua presença, ajudaram a expulsar os

vendedores de drogas. Hoje, o novo centro da cidade, com

menos crime e mais lojas, levanta-se como um símbolo

palpável da mais recente mudança histórica na demografia

de Framingham desde a chegada dos irlandeses que vieram

trabalhar na indústria têxtil daquele município [...] Agora

são os brasileiros, liderando uma onda de nescomers de outro

hemisfério, a forjar uma nova identidade em Framingham

para o próximo século (BOSTON GLOBE, 11 dez. 1994).

Ao início de minha pesquisa, em 1995, depois de cir-cular pela primeira vez nas ruas centrais de Framingham,município que tinha então 65 mil habitantes (hoje com 69mil, segundo dados do site sobre a cidade) e de visitaruma loja tipicamente brasileira, assim expressava o im-pacto que aquilo me causou:

ao sair novamente à rua, apesar do frio de outono daquele

final de tarde apressado em escurecer mais cedo, me sinto

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brasileirinha da silva. Tão brasileira depois daquela coxinha

de galinha e daquele suco de caju, que estranhei quando,

na rua, me deparei com dois autênticos nativos conversando

em inglês (SALES, 1999, p. 47).

Dez anos depois, os brasileiros estão ainda mais fortesno centro de Framingham, considerada sua GovernadorValadares de clima temperado, mas estão pagando umpreço muito alto por isso.

AMERICANOS CONTRA BRASILEIROS

Framingham é conhecida por ser a maior Town deMassachusetts, – incorporada neste sistema desde1700 –, pois todas as demais cidades do seu tamanho sãoconstituídas administrativamente como cities. As váriastentativas de mudança de regime de governo local de Townpara City nunca prosperaram. Ali se elege não um prefeito,mas sim uma espécie de Conselho de Cidadãos, o TownMeeting, que, por sua vez, elege cinco selectmen, entreos quais um é escolhido como town manager. O Board ofSelectmen e o Town Manager formam o Poder Executivoda cidade e o Town Meeting corresponde ao PoderLegislativo. A cidade é dividida em 18 Precincts (distritoseleitorais) e existem 12 membros do Town Meeting querepresentam cada distrito, totalizando, portanto, 216representantes do Poder Legislativo na cidade, com man-dato de três anos, sendo que a cada ano quatro são eleitos.Essa forma de governo da cidade difere daquela de umaOpen Town Meeting, mais semelhante às antigas cidades-estado, em que cada residente pode votar no TownMeeting.4

Atualmente, dois brasileiros fazem parte do TownMeeting. Na mesma ocasião em que esses brasileiros fo-ram eleitos, um cidadão norte-americano, Joe Rizolli, hojemuito conhecido de toda a comunidade brasileira, tam-bém se candidatou mas não obteve o número de votosnecessários para ser eleito. Quem é esse senhor?

Em finais de 2003, Joe Rizolli, co-fundador doConcerned Citizens and Friends of Immigration LawEnforcement, um grupo que se opõe publicamente à imi-gração ilegal, declarou em uma reunião do Board ofSelectmen de Framingham que a cidade tem sido “raped”pelos imigrantes brasileiros. “Rape” significa em portu-guês raptar, estuprar, saquear. Nos Estados Unidos, o verboé mais comumente usado para designar o seu sentido maisduro: estuprar. Outras pessoas do mesmo grupo afirma-ram que os imigrantes brasileiros estavam drenando a eco-nomia local, ao enviarem mensalmente milhares de dóla-

res de seus salários para o Brasil e ao se beneficiarem dosprogramas sociais locais.

Em outra ocasião, Joe Rizolli e Jeffrey Buck, ambosco-diretores da referida associação, disseram que estavamapenas preocupados com o fato de os imigrantes ilegaisestarem desrespeitando as leis, referindo-se mais aos bra-sileiros do que a outros grupos imigrantes, porque eleseram o maior grupo de estrangeiros ilegais em Framingham,segundo estimativas da própria comunidade brasileira.5

Essa situação inusitada de xenofobia contraria totalmentea matéria do Boston Globe de dezembro de 1994, citadaanteriormente, na qual os imigrantes brasileiros eram vistoscomo forjando uma nova identidade em Framingham parao próximo século. Naquela época não se imaginava que,uma década mais tarde, os Estados Unidos estariam sobum governo republicano que abriu espaço para esse e outrostipos de manifestações de intolerância para com os imi-grantes. Desde o desencadeamento desse movimento anti-imigrante brasileiro em Framingham, os brasileiros ali resi-dentes têm lidado em seu dia-a-dia com esse fantasma deforças contrárias que estão à espreita em plena luz do dia.

A presidente atual da Bramas não tem dúvida de queesse movimento representa não apenas o pensamento dosdirigentes daquela associação, mas também de uma am-pla camada dos habitantes da cidade, sobretudo daquelesresidentes no lado norte. Esta região é predominantemen-te residencial e seus moradores desfrutam de melhor qua-lidade de vida. A população é constituída, sobretudo, pe-los descendentes dos mais antigos moradores locais, comidade média mais avançada do que os demais habitantes(SALES, 1999). Já no lado sul da cidade, estabeleceram-se originalmente as indústrias, seguindo as obras de infra-estrutura ao longo dos trilhos da ferrovia. Nesta área, aclasse operária passou a morar no início do surto indus-trial de Framingham, em finais do século 19 até meadosdo 20. Depois foram os porto-riquenhos e asiáticos queforam morar ali. Essa parte da cidade caracteriza-se pelopredomínio de uma população mais pobre, mais jovem enão americana; é nesse local que mora a maioria dos imi-grantes brasileiros.

O clima republicano repressivo que predomina nosEstados Unidos, desde a primeira eleição de George W.Bush e sobretudo depois dos atentados de 11 de setembrode 2001, é um fator que favorece tais manifestações dexenofobia. A declaração de Bush, de que o objetivo deseu governo é deportar, sem exceção, todas as pessoas queentram ilegalmente no país, foi destacada pela imprensanorte-americana.

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O movimento anti-imigração de Framingham não só fazparte desse clima republicano repressivo, como tambémé conseqüência da maior visibilidade e organização dosbrasileiros imigrantes, o que não acontece em outras ci-dades da Grande Boston, onde os brasileiros têm tambémforte presença, mas não aparecem tanto quanto emFramingham. Esse destaque dos imigrantes brasileirosresulta, por sua vez, de dois fatores principais: a organi-zação dos brasileiros imigrantes e a revitalização do cen-tro da cidade e conseqüente revalorização de seus imó-veis. É como se os antigos habitantes estivessem a dizer:“vão embora, vocês já cumpriram sua parte, agora quere-mos o centro da cidade de volta para nós”.

Esses dois fatores estão inter-relacionados, pois a or-ganização dos brasileiros passa também pela sua fortepresença enquanto negociantes bem-sucedidos no centroda cidade. Antes mesmo da fundação da Bramas e da As-sociação de Cidades Irmãs Framingham-GovernadorValadares, vários brasileiros já há cerca de uma década,começaram a participar ativamente em outras organiza-ções norte-americanas da localidade, como nas escolaspúblicas, na South Middlesex Oportunity Council – SMOC,na South Middlesex Area Chamber of Commerce –SMACC ,6 e em associações como Rotary, Lyons e Ma-çonaria. Mais recentemente, como já mencionado, doisbrasileiros foram eleitos para o Poder Legislativo da ci-dade. Numa localidade com mais habitantes, como é o casodo município de Boston, essa presença brasileira ativa nãoteria tanto destaque quanto em Framingham.

Há atualmente um enorme ruído entre os líderes decomunidade de Framingham: desencontros de informaçõese intrigas, que poderiam indicar um retrocesso na organi-zação da comunidade. Há relatos sobre pessoas que se de-sencantaram e abandonaram o trabalho comunitário e deum líder comunitário que simplesmente se desorganizoupsiquicamente. Entretanto, se alguns saem do movimen-to, são muito mais os que entram, os que se mobilizam;afinal, a discórdia nem sempre determina o fracasso, ser-vindo, muitas vezes, para apurar os processos organizativose definir melhor as lideranças. Foi assim, por exemplo,em relação a uma outra organização de brasileiros deBoston (hoje possivelmente a de maior destaque entre osimigrantes brasileiros da Boston Metropolitana): o Cen-tro do Imigrante Brasileiro.

Quanto ao segundo fator de visibilidade dos imigrantesbrasileiros – a revitalização do centro da cidade econseqüente revalorização dos imóveis ocupados pelosimigrantes –, foram identificadas, na pesquisa de 1995,

31 casas de comércio ou de serviços de brasileiros, amaioria no centro de Framingham: cinco restaurantes;cinco cabeleireiros; quatro lojas de vendas de passagense transporte; quatro lojas de seguros; quatro de produtosbrasileiros e remessas; três oficinas mecânicas; duasjoalherias; uma boutique; uma padaria; uma loja deeletrodomésticos; e um escritório de contador. Essaquantificação foi possível, na época, por meio de umalistagem cedida pelo responsável pela distribuição dejornais brazucas, que se destinam a todos os locais poronde circulam brasileiros. Para a pesquisa atual, recorreu-se a uma publicação também distribuída gratuitamente naslojas e outros locais freqüentados por brasileiros. Trata-se de uma lista amarela, a Brazilian Superlist, que abrangeos Estados de Califórnia, Connecticut, Flórida, Georgia,Massachussetts, New Jersey, New York, Pennsylvania eOutros Estados.7

Na Brazilian Superlist de 2005 foram identificadas 71casas de comércio ou de serviços de brasileiros, a maio-ria também no centro de Framingham; ou seja, nesses úl-timos dez anos, o número de comércios e serviços de bra-sileiros mais do que duplicou. Desses estabelecimentos,40% estão localizados na principal rua do centro deFramingham – a Concord St., onde fica a prefeitura – e22% em outras ruas igualmente centrais – a Union St. e aHollis St. Além desse aumento, observou-se também umamaior diversificação nos ramos de atividade.8

O edifício Arcade, situado num espaço nobre daConcord St., é sede de várias dessas atividades de comér-cio ou serviços. Com 90% de suas salas alugadas por bra-sileiros, incluindo consultórios, lojas, sedes de duas dasorganizações de brasileiros (a Bramas e o Centro BomSamaritano, que aliás não constam na Brazilian Superlist),é um exemplo do processo de valorização dos imóveis nocentro de Framingham. Segundo a atual presidente doBramas, o uso desse edifício irá mudar, sendo ampliado eparcialmente destinado a residências. Os aluguéis atual-mente pagos pelos negociantes e profissionais brasileiros,em torno de US$ 300 por mês, passariam para US$ 1.400a US$ 1.800. A maioria dos atuais brasileiros do Arcadecertamente não terá recursos para arcar com esse valor eo contrato de locação prevê apenas um aviso de 30 a 60dias para desocupação das salas. A presidente da Bramasé pessimista quanto à situação não apenas dos brasileirosdo Arcade mas também de outros negociantes do centroda cidade, pois, segundo ela, esse é o início de um movi-mento de retomada pelos nativos de seu centro da cidade.Há contudo opiniões contrárias às dela, que afirmam que

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o proprietário do prédio tem conversado com os atuais in-quilinos, assegurando-lhes prioridade no aluguel das no-vas salas.

O tempo dirá quem tem razão. Ainda estão faltandoestudos que, à semelhança daqueles que mostram arevitalização de centros decadentes e despovoados pelaschamadas “empresas étnicas” dos imigrantes (HALTER,1995), apresentem agora sua outra face: o processo deretomada, pelos nativos descontentes, dos centrosreconstituídos pelos imigrantes, com a justificativa depresença de estrangeiros ilegais em seu território, ou, emoutros casos, de uma afirmação étnica de gerações jáestabelecidas. A situação não apenas nos Estados Unidos,mas também nos países receptores de imigrantes, entre osquais o caso da França é o exemplo paradigmático, apon-ta um quadro sombrio para o futuro imediato.

ORGANIZAÇÕES – BALANÇO DE DEZ ANOS

Como a maior parte dos imigrantes que chegam em umpaís estrangeiro, os brasileiros também procuraram inicial-mente, na região de Boston, o conforto das igrejas. Umadas igrejas católicas procurada pelos brasileiros foi a deSanto Antônio, em Cambridge, construída pelos portugue-ses e com as missas celebradas em português por um dosprimeiros padres que chegaram a Boston para atender àcomunidade brasileira. Os pastores protestantes de váriasdenominações, por sua vez, foram chegando, celebrandoos cultos em lugares improvisados e, posteriormente, jun-tando dinheiro da própria comunidade para a construçãode suas igrejas. Esse foi o marco inicial da organizaçãodos brasileiros. Além do conforto espiritual, os imigran-tes também encontram nas igrejas um espaço de sociabi-lidade e de ajuda, com indicações para suas demandas maisimediatas de moradia, trabalho, escolas para os filhos eserviços de saúde.

Com o padre brasileiro em Cambridge, as missas pas-saram a ter um ritual mais moderno e alegre, com as mú-sicas acompanhadas por guitarra e os brasileiros se con-fraternizando ao final, no salão paroquial, com café e pãode queijo. Entretanto, numa comemoração do 7 de setem-bro, o padre resolveu fazer uma missa ainda mais festivae providenciou uma bandeira do Brasil para ser colocadaao lado das outras já existentes de Portugal e dos EstadosUnidos. Por infelicidade, a bandeira brasileira era maiordo que a portuguesa e isso foi a gota d’água para um certodescontentamento dos portugueses, que constituíam umacomunidade mais velha que não andava satisfeita com as

modernidades do padre brasileiro, interpretando o inci-dente da bandeira como um sinal de que os brasileirosestavam querendo tomar conta daquela igreja que eleshaviam construído com muito esforço.

Porém, esse foi apenas o começo. Logo outros padresforam chegando e descobrindo as igrejas construídas pe-los italianos, irlandeses, latinos da América Central e doSul e foram abrindo mais espaços para suas missas e ati-vidades comunitárias em português. Do lado dos protes-tantes, um pastor da Igreja Assembléia de Deus tinhaconstruído, em 1993, um enorme templo para 2 mil pes-soas, em Somerville; em 1994, outro pastor havia com-prado um prédio de três andares de um antigo conventocatólico dos padres beneditinos, no bairro de Charlestown,em Boston, para instalar a Primeira Igreja Batista Brasi-leira da Grande Boston.

Nas dependências dessa igreja Batista foi criado, em1995, o Brazilian Community Center, que, com os parcosrecursos de um grant inicial de US$ 5,000.00, destinava-se a aulas de inglês e de computação, bem como à distri-buição de roupas e alimentos em razão do Natal que seaproximava. Entretanto, os objetivos do centro eram bas-tante abrangentes e sua inauguração foi pomposa, contandocom a presença do cônsul brasileiro e de várias lideran-ças comunitárias. Esse centro teve porém vida curta, comoaconteceu também com uma outra organização que, du-rante a minha pesquisa em 1995, era muito atuante na re-gião de Boston: o Brazilian Professional Network.

Diferentemente das demais, que foram todas iniciati-vas de brasileiros, essa organização foi fundada por umadvogado norte-americano (casado com uma brasileira),tendo porém como público-alvo os brasileiros, sobretudoos emergentes negociantes dos centros de Framigham, deSomerville e dos bairros de Allston e East Boston, emBoston. A principal atividade dessa organização era pro-mover reuniões mensais para tratar de assuntos de inte-resse da comunidade. Contando sempre com um ou maisexpositores convidados, eram abordados temas diversos,tais como promoção de contatos com organizações hispâ-nicas, divulgação dos resultados do Censo Americano de1990, exposição de uma linha de créditos do BankBostonpara imigrantes (quando o então presidente do banco erao brasileiro Henrique Meireles) e promoção de um conta-to com o deputado federal Joe Kennedy. Esse advogado,que hoje colhe os dividendos desse investimento, é umatuante profissional vinculado aos brasileiros e possui es-critórios em Framingham e Boston. No Brazilian Superlist,ele dispõe de uma página inteira, onde abaixo de seu nome

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está escrito “o advogado dos brasileiros”, citando sua es-pecialidade: acidentes de automóvel, acidentes de pedes-tres, mordidas de cachorro (sic) e acidentes em geral.

A Bramas, de certa maneira, veio substituir a BrazilianProfessional Network, pois originou-se entre os negocian-tes brasileiros de Framingham que tinham presençamarcante nas reuniões mensais dessa última organização.

As duas organizações que vi nascer em 1995 e quecomemoraram seus dez anos em 2005 foram o GrupoMulher Brasileira e o Centro do Imigrante Brasileiro,ambos situados no bairro de Allston, em Boston, e com asmesmas pessoas à frente desde então. O Grupo MulherBrasileira, segundo sua diretora executiva, conseguiu semanter nesse período mas não deu o “pulo do gato”, talcomo o Centro do Imigrante Brasileiro, porque não teveainda condições de ter um pessoal fixo remunerado paradesenvolver as atividades, sendo que todo o trabalho évoluntário, com exceção da recente contratação de umapessoa para trabalhar dez horas por semana, que ficarápor dez meses. Apesar de a presidente do grupo ser a úni-ca que o freqüenta com regularidade, não houve, segundoela, um afastamento total das participantes, que sempreaparecem em ocasiões especiais, tais como nas palestrase eventos, colaborando quando podem. É um grupo queestá sempre presente nos eventos da comunidade e esteveà frente da organização de todos os Festivais da Indepen-dência do Brasil, em Boston, desde que este começou, hádez anos.

O contato com as universidades e com estudantes e al-guns professores brasileiros vem trazendo benefícios paraessas organizações; dentre estas, algumas se beneficiaramdesse contato de uma forma mais efetiva, por meio de pro-jetos em parceria com a Universidade de Massachusettsde Lowel. No Centro do Imigrante Brasileiro há um pro-jeto com jovens na área de saúde e segurança no trabalho;e no Grupo Mulher Brasileira é desenvolvido um projetode formação de uma cooperativa de faxineiras. Essas par-cerias propiciam, além da verba para realização dos pro-jetos, também um intercâmbio frutífero da academia comas organizações comunitárias.

O Centro do Imigrante Brasileiro foi concebido, em1995, por um jovem idealista a partir de sua própriaexperiência migratória. Tendo chegado a Boston em 1988,seu primeiro emprego foi em uma companhia de limpeza,onde teve problemas trabalhistas e recorreu a uma orga-nização criada para atender aos imigrantes latinos, aImmigration Work Result Center – IWRC. Resolveu seuproblema na empresa e, a partir daí, passou a fazer traba-

lho voluntário nessa organização. Dessa experiência nas-ceu a idéia de fundar uma organização para os própriosbrasileiros. Com a orientação de uma iraniana (casada comum brasileiro) que fazia parte da IWRC, ele iniciou oCentro do Imigrante Brasileiro, em março de 1995.

Logo depois, em abril do mesmo ano, um outro jovemque tivera problemas trabalhistas na empresa de lasdscape,onde trabalhava, recorreu ao Centro, resolveu seu proble-ma e passou a fazer ali trabalho voluntário. Quando osentrevistei, em finais de 1995, ambos eram igualmentecomprometidos com o trabalho e estavam fazendo umcurso oferecido pela Universidade de Massachusetts, des-tinado ao treinamento de líderes comunitários sobre de-senvolvimento e leis norte-americanas de imigração. Nessaépoca, o Centro não tinha sequer uma sede e dispunhaapenas de uma mesa e um telefone numa sala onde funcio-nava uma representação da Massachusetts Agence forPortuguese Speakers – MAPS e um curso de inglês parabrasileiros, no centro de Allston, um dos bairros de con-centração de brasileiros em Boston.

Nessa época, eles contavam com algum dinheiro quehaviam arrecadado em uma festa e com uma equipe deadvogados norte-americanos que trabalhavam voluntaria-mente para comunidades imigrantes e podiam ser aciona-dos para os casos difíceis, pois nos mais simples os acor-dos podiam ser conseguidos por meio de telefonema delespróprios, geralmente em inglês, para um entendimento como empregador. Ainda sem registro próprio, o Centro con-seguiu, em outubro de 1995, o seu primeiro Grant, pelaintermediação da mesma iraniana que havia dado a mãogenerosa em sua fundação.

Aos dez anos de existência do Centro do ImigranteBrasileiro, apenas o seu fundador, entre os cinco mem-bros que participavam no início, permanece como diretorexecutivo. Nesses anos, foram muitas as dissensões, mastambém muitos os apoios vindos de todo lado. Hoje oCentro tem uma organização consolidada por um Boardof Directors de nove membros, um staff de seis membros(três trabalhando em tempo integral e três em tempo par-cial) e tem recebido suporte financeiro de cerca de dozefundações norte-americanas. Sua missão é a defesa dacomunidade brasileira em Massachusetts em questões deeducação, direitos trabalhistas – seu principal foco de atua-ção – e outros direitos do imigrante.

Nesta última pesquisa, entrevistei o diretor executivode outro Centro com uma missão semelhante à do Centrodo Imigrante Brasileiro, de Allston, mas que é mais re-cente e atende sobretudo à comunidade brasileira da re-

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gião de East Boston. Trata-se do Centro do TrabalhadorBrasileiro, sediado em uma das salas do prédio do Servi-ço Social de East Boston desde 2004, e antes disso emuma igreja católica da região.9 A gênese desse Centro vemda atuação de uma brasileira imigrante que hoje está devolta ao Brasil, mas que, em 1995, quando fiz a pesquisa,era uma pessoa muito atuante na área de East Boston. Naépoca ela era vinculada a um Conselho Ecumênico daComunidade de East Boston e foi lá que começou sua atua-ção voltada para os brasileiros. O Centro do TrabalhadorBrasileiro foi criado em 2000 por essa imigrante e umnorte-americano de Cambridge, com a ajuda da IgrejaCatólica, tendo então o nome de Ana da Hora Work Center.Em 2002, mudou para a denominação atual.

Assim como o de Allston, esse Centro também é man-tido principalmente por fundações norte-americanas e se-cundariamente pelos recursos das aulas de inglês; funcio-na com um staff fixo (nesse caso, somente o diretorexecutivo em tempo integral e uma secretária em tempoparcial) e um Conselho de Diretores que se reúne regular-mente. Aliás, as atividades dos dois Centros são muitosemelhantes, atendendo prioritariamente a demandas tra-balhistas e mantendo cursos de inglês que procuram prin-cipalmente preparar o trabalhador para as situações coti-dianas no trabalho. Ambos têm alguma aproximação comos sindicatos, sobretudo o de Limpeza, que hoje possuimais de mil brasileiros associados, e o de Pintores. Ou-tras atividades comuns não somente a esses Centros, mastambém ao Grupo Mulher Brasileira, são as palestras so-bre assuntos de interesse da comunidade (com destaquepara o tema da imigração) e a participação em campanhas– em geral realizadas em conjuntos com outros grupos imi-grantes – pela legalização, por carteira de motorista, peloacesso à escola e outras.

O fator que diferencia aqueles dois centros de objeti-vos tão semelhantes é menos a abrangência e o tamanho –o que favorece mais o Centro do Imigrante Brasileiro, atépor ser cinco anos mais antigo do que o outro – do quealgumas outras características de sua atuação, que têm aver em parte com a trajetória de seus dois dirigentes. Odiretor executivo do Centro de Allston saiu do Brasil (Es-pírito Santo) com o segundo grau completo, e, nos Esta-dos Unidos, trabalhou como imigrante ilegal em serviçosnão qualificados até conseguir recursos para o Centro quepudessem mantê-lo por tempo integral. Sua esposa aindatrabalha como faxineira em Boston. Já o diretor executi-vo do Centro de East Boston é administrador de empresasformado em São Paulo, está em Boston há cinco anos, veio

como turista para estudar inglês, tornando-se voluntáriodo Centro logo que chegou, em 2000. Depois disso vol-tou ao Brasil, providenciou a documentação e retornou,em 2001, tornando-se diretor executivo, em 2002. Voltounovamente ao Brasil, casou-se e trouxe a esposa, que éformada em Letras na USP e dá aulas de português paranorte-americanos. O primeiro tem uma postura demilitância, de missão a cumprir, enquanto o segundo pos-sui a frieza de um profissional. Contudo, isso explica poucoo porquê das diferenças. Esse assunto será retomado naconclusão do artigo.

Esse texto não abrange todas as organizações de brasi-leiros imigrantes em Boston, que são em maior númerodo que as aqui mencionadas. Foram abordadas tão somenteaquelas com as quais tive oportunidade de manter contatoe que me forneceram subsídios suficientes para as con-clusões a seguir. Porém, antes de chegar às conclusões,vale fazer ainda rápidos comentários sobre algumas ou-tras organizações. A MAPS, que foi citada anteriormen-te, é um caso interessante, pois trata-se de uma organiza-ção antiga, sediada inicialmente em Somerville paraatender aos imigrantes portugueses, cuja migração é anti-ga em Boston, oferecendo vários serviços de assistênciasocial. Quando começaram a chegar os imigrantes brasi-leiros, a MAPS, além de mudar de nome para poder abran-ger também os brasileiros, foi estendendo cada vez maissua atuação para esses newcomers, contratando inclusivebrasileiros para essa finalidade. Hoje a entidade aindapresta serviços aos portugueses, entretanto, como seu pú-blico beneficiário e os funcionários são principalmente bra-sileiros – e em grande quantidade –, a agência já tem qua-tro sedes na região metropolitana de Boston.

Entre as organizações dos imigrantes brasileiros, exis-tem algumas que são especialmente voltadas para ativi-dades culturais. É o caso do grupo de Capoeira fundadopelo baiano Deraldo, em Cambridge, e de um teatro fi-nanciado pela TAM. Quem for nas férias de verão aHarvard Square (o movimentado centro daquela cidadetão universitária), verá que, entre as várias performancese shows que ali se apresentam ao ar livre para deleite dospassantes, tem sempre um grupo de capoeira, que é hojeuma das marcas culturais do Brasil pelo mundo afora. Re-centemente, quando esteve em Boston para um diálogocom a comunidade brasileira, o ministro da Cultura Gil-berto Gil propôs que um Ponto de Cultura fosse montadono Grupo de Capoeira de Deraldo. Essa proposta foicriticada por um de meus entrevistados, que trabalha comodiretor de pesquisa da Prefeitura de Boston, pelo fato de

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TERSEA SALES

o ministro não ter entrado em contato com a Prefeiturapara planejar melhor esse Ponto de Cultura de Boston.

Um horizonte que se vislumbra para a expansão dasatividades culturais e organizativas da comunidade brasi-leira em Boston é uma proposta que está em estudo e quefoi discutida no recente encontro de lideranças. Trata-seda disponibilização de um prédio, atualmente pertencen-te a uma escola da Paróquia de Santo Antônio que estásendo desativada, para atividades da comunidade brasi-leira. A idéia inicial é que se juntem lá organizações, comoo Grupo Mulher Brasileira, o Centro do Imigrante Brasi-leiro, o Grupo de Capoeira de Deraldo, e aos poucos oespaço seja transformado também em um Centro CulturalBrasileiro. Isso implica arcar mensalmente com os custosdo aluguel de um prédio que vale 30 milhões de dólares,chegar a um entendimento entre os possíveis ocupantesdo prédio e realizar uma programação cultural que supor-te parte das despesas. Será que os grupos organizados dosbrasileiros imigrantes em Boston já estão preparados paraesse desafio?

CONCLUSÃO

Uma leitura da descrição feita até aqui dos grupos or-ganizados – ou, em outros termos, das Organizações Não-Governamentais – de brasileiros imigrantes em Bostonmostra, ou pelo menos indica, alguns detalhes que podemdar subsídios para responder à pergunta colocada no finaldo parágrafo anterior. Até agora os brasileiros têm dadopassos importantes na sua organização. Em Framingham,pela dimensão muito mais reduzida da cidade em compa-ração com Boston, há alguns anos eles já deixaram de seruma população invisível,10 a ponto de começar a desper-tar reações anti-imigrantes. Em Boston, eles se destacamsobretudo nos bairros de Allston e East Boston, mas issonão desencadeou as conseqüências vistas em Framingham.Alguns grupos conversam entre si, como é o caso do Gru-po Mulher Brasileira, do Centro do Imigrante Brasileiroe da MAPS. Há porém uma grande distância deles em re-lação aos grupos de Framingham, cuja dinâmica é muitomais circunscrita à chamada região Metrowest.11 Porém,mesmo em Boston, os grupos de Allston têm uma relaçãomuito tênue com os de East Boston.

Seguramente, não é apenas a localização espacial queestá marcando essas fronteiras e tampouco a origemsocial de seus dirigentes, tal como poderia parecer à pri-meira vista na descrição feita na sessão anterior sobre osCentro do Imigrante Brasileiro, em Allston, e do Centro

do Trabalhador Brasileiro, em East Boston. A entrevistacom o diretor de pesquisa da prefeitura de Boston deupistas para uma possível interpretação. Tudo indica queessas fronteiras têm a ver, principalmente, com uma ba-gagem cultural que os brasileiros levaram consigo do Brasile reproduzem lá fora nas suas organizações. Aqui no Bra-sil existe uma tradição muito arraigada dos grupos da so-ciedade civil se organizarem politicamente, com objeti-vos de mudanças estruturais freqüentemente inalcançáveisem curto prazo. Já nos Estados Unidos, a tradição é de asorganizações sem fins lucrativos se voltarem unicamentepara a prestação de serviços, sem nenhum conteúdo polí-tico. A MAPS, por exemplo, cuja expansão tem sido notá-vel em Boston, tem essa visão muito clara e vem conse-guindo apoio do governo norte-americano e das diversasfundações que lhe dão suporte financeiro.

Por sua vez, as associações fundadas por brasileiros,se, por um lado, têm um nível de organização política in-vejável, tendo conseguido inclusive motivar a ida de trêsministros do governo Lula para debater os problemas dacomunidade, por outro, são muito frágeis no sentido daobtenção dos recursos financeiros disponíveis no gover-no e nas fundações norte-americanas, exatamente peladificuldade de se organizarem em termos de prestação deserviços. Isso talvez explique a impressão que me ficoudo encontro de lideranças e das entrevistas: é como sehouvesse um certo hiato entre a comunidade dos imigran-tes brasileiros que estão na labuta diária de um trabalhoduro, construindo sua auto-imagem de povo trabalhador,e a “comunidade dos líderes”. A primeira pode até se or-ganizar, porém, quando o faz é mais freqüentemente pe-las igrejas. Estas sim têm uma ampla base de apoio nosgrupos comunitários que organizam e pelos serviços queprestam, oferecidos sobretudo pelas igrejas evangélicas.

Os estudantes brasileiros às vezes se entusiasmam quan-do assistem às reuniões das lideranças e se propõem a aju-dar a comunidade. No fundo, o que os entusiasma é com-partilhar do clima de mobilização política, que em geralse acirra em momentos de campanhas por alguma reivin-dicação, como a legalização, a anistia, em que os líderesbrasileiros, às vezes com uma base social muito menossólida do que outros grupos imigrantes, se colocam à frentedas lutas, exatamente por causa dessa bagagem que leva-ram consigo do Brasil.

Líderes sem base? Já ouvi por mais de uma vez um dosmais articulados membros desse grupo de líderes afirmarque ele não se considera líder porque não tem uma base,quase como uma autocrítica e uma chamada para a cons-

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A ORGANIZAÇÃO DOS IMIGRANTES BRASILEIROS EM BOSTON, EUA

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ciência dessa situação por parte dos demais. Essas lide-ranças formam uma espécie de classe média lá, distancia-da da classe que no Brasil era média e lá vira classe traba-lhadora. E, nos Estados Unidos, é essa classe trabalhadoraque tem legitimidade para abrir uma organização não-go-vernamental de imigrantes e não a classe média politizada.Daí o porquê dessa pessoa, que não se considera líder pornão ter uma base na comunidade, sabiamente, ter busca-do o Centro do Imigrante Brasileiro. O diretor executivodesse Centro também comunga do sentido político da or-ganização, mas, ao mesmo tempo, pela sua profunda iden-tidade com os trabalhadores e com a igreja Evangélica,consegue fazer a transição do político para o social e issoé o segredo do sucesso do Centro por ele dirigido.

A classe média politizada, que é constituída pelos cha-mados líderes, no decorrer desses últimos dez anos, vemse articulando não apenas entre si nas suas próprias reu-niões e mobilizações políticas, como também na órbita doConsulado brasileiro de Boston. A atuação do consuladofoi diferente segundo os quatro cônsules que estiveram(ou do que está atualmente) à sua frente. O primeiro teveuma atuação pouco destacada e o vice-cônsul era a pes-soa mais ativa, que inclusive antecipou a proposta doConsulado Itinerante quando ia às localidades mais dis-tantes, sobretudo Framingham, para atender a demandasda comunidade. Foi daí que nasceu seu vínculo com aquelacidade, que o levou à proposta da criação do Conselho deCidades Irmãs com Santa Luzia. O segundo cônsul institu-cionalizou a proposta do Itamaraty de criação do Consu-lado Itinerante e do Conselho de Cidadãos. Foi com eleque se iniciou um contato mais direto com os líderes decomunidade, o que teve continuidade e foi aprofundadocom o terceiro cônsul. Este tinha duas pessoas no próprioConsulado que eram mais diretamente vinculadas à co-munidade dos líderes, participando de suas reuniões e, àsvezes, de manifestações políticas. Já o último cônsul émuito criticado pelas lideranças politizadas, por ter ado-tado uma postura de afastamento em relação à comunida-de dos líderes e dado prioridade à eficiência no trabalhode emissão de documentos, enquanto, pelas liderançasmenos politizadas e com um trabalho adstrito à prestaçãode serviços, ele é bem aceito. A insatisfação da classemédia politizada atual talvez se explique, em parte, pelofato desta ter tido nos Consulados anteriores uma formade reconhecimento, que se manifestava inclusive social-mente nos eventos festivos promovidos pelo Consulado,para os quais era convidada, o que deixou de acontecerdesde 2004, quando o novo cônsul assumiu suas funções.

Voltando à pergunta colocada anteriormente, se os bra-sileiros estão preparados para enfrentar o desafio de ar-car com um Centro Cultural que abrigue várias atividadese tenha uma presença física marcada no espaço territorialde Boston, acredito que estão a caminho disso e só chega-rão lá à medida que enfrentarem o próprio desafio. Esseprédio pode justamente dar uma oportunidade de ouro paraum aprendizado importante para os líderes comunitáriosbrasileiros, que é a de se organizarem para uma atuaçãonas áreas de prestação de serviços, fundamental para lhespropiciar recursos financeiros e alargar sua base de apoio.Fazer isso sem perder o lado combativo da luta políticaque levaram na bagagem do Brasil talvez seja a sínteseque dará a marca das organizações brasileiras nos próxi-mos dez anos.

NOTAS

1. Em 1993, foi feito um banco de dados com notícias da imprensanacional e norte-americana e constatou-se que dois terços das infor-mações da imprensa brasileira sinalizavam para fatores negativos, comoilegalidade, discriminação e criminalidade. Já na imprensa norte-ame-ricana, as notícias relativas aos brasileiros apontavam, predominante-mente, fatores positivos, como o espírito empreendedor do imigrantebrasileiro, casos de sucesso e a reconstrução de centros de cidade de-caídos.

2. Em minha mais recente investigação, fiquei sabendo que essa As-sociação foi fechada há alguns anos.

3. Essa ajuda foi possível porque a atual presidente da Bramas estádesde agosto de 2005 vinculada como fellow ao Center for ReflectiveCommunity Practice do Massachusetts Institute of Technology – MIT.Foi selecionada para esse Centro não por causa de sua atuação na co-munidade brasileira em Framingham, mas sim por um outro trabalhoque vem desenvolvendo há alguns anos com uma comunidade de ren-deiras na região agreste de Pernambuco.

4. Dados retirados do site de Framingham.

5. Dados da jornalista Liz Mineo para o jornal Metrowest Daily Newsem 23 de novembro de 2003.

6. Framingham faz parte de uma área geográfica delimitada por fato-res mais econômicos do que políticos, na qual a cidade possui posiçãode liderança, chamada The South Middlesex Region, ou simplesmenteMetrowest.

7. Um fato curioso nessa lista amarela é que ela pode servir como umaindicação grosseira da presença de negócios de brasileiros nos Esta-dos Unidos (e mais grosseiramente ainda dos próprios brasileiros).Massachusetts lidera de longe o número de páginas na lista (24), se-guido pelos estados da Flórida e New Jersey (16 cada um), depoisConnecticut (11), New York (8), Califórnia (6) e finalmente Georgia ePennsylvania (4 cada um).

8. Esses estabelecimentos compreendem: dois açougues; três escritó-rios de advogados; uma agência de publicidade; uma agência de via-gem; duas lojas de computadores e assistência técnica a computador;quatro revendedoras e oficinas de automóvel; quatro butiques; umaloja de carpete; uma loja de CD e vídeo; quatro escritórios de contado-res; três consultórios de dentistas; dois salões de estética; uma loja de

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TERSEA SALES

filmagem; uma financeira; duas floriculturas; duas lojas de fotógra-fos; uma gráfica; uma imobiliária; uma imprensa; quatro joalherias;cinco consultórios de médicos; uma loja de mudanças; quatro padariase confeitarias; duas lojas de perfumes; duas pizzarias; um posto degasolina; duas lojas de produtos brasileiros; um consultório de fisiote-rapia e quiropatia; três lojas de remessas; dois restaurantes; seis sa-lões de beleza; uma loja de vídeo-produção.

9. Por causa dos escândalos de pedofilia, a igreja teve que pagar mui-tas indenizações e por isso fechou várias igrejas, inclusive aquela ondeestava sediado o Centro.

10. Sobre isso, vale lembrar Maxine Margolis (1994), que se referia aosimigrantes brasileiros de Nova York como uma população invisível.

11. Sobre essa região, ver nota 6.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOSTON GLOBE. Boston, 11 Dez. 1994.

FOLHA DE S.PAULO. São Paulo, 5 maio 2005. Folha Mundo.

HALTER, M. (Ed.). New migrants in the Marketplace: Boston,Ethnic Entrepreneus. Amherst: University of Massachusetts Press,1995.

MARGOLIS, M. Little Brazil: imigrantes brasileiros em Nova York.Campinas: Papirus, 1994.

METROWEST DAILY NEWS, 23 Nov. 2003.

O ESTADO DE S.PAULO. São Paulo, 20 mar. 2005. Cad. Aliás.

SALES, T. Brasileiros longe de casa. São Paulo: Cortez, 1999.

________. Brasil migrante, Brasil clandestino. São Paulo emPerspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 8, n. 1, p. 107-115, jan./mar. 1994.

SALES, T.; LOUREIRO, M. Imigrantes brasileiros adolescentes e desegunda geração em Massachusetts, EUA. Revista Brasileira deEstudos de População, v. 21, n. 2, jul./dez. 2004.

TERESA SALES: Socióloga, Professora Livre-Docente e Pesquisadora doNúcleo de Estudos de População da Unicamp.

Artigo recebido em 29 de julho de 2005.Artigo aprovado em 12 de setembro de 2005.

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A FORMAÇÃO DE COMUNIDADES-FILHAS NO FLUXO DE BRASILEIROS ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 55-63, jul./set. 2005

A

Resumo: A proposta deste artigo é analisar a formação de comunidades brasileiras nos Estados Unidos comoresultado do processo de organização social que facilita a adaptação do imigrante no destino. Fortemente in-fluenciados pelas redes migratórias, os migrantes em potencial deixam de considerar muitas localidades teori-camente disponíveis e concentram-se naqueles poucos locais com os quais seu lugar de origem possui laçossociais importantes.Palavras-chave: Migração internacional. Estados Unidos. Rede social.

Abstract: The purpose of this work is to analyze the formation of Brazilian communities in certain areas of theU.S.A. as a result of the social organization process which facilitates the immigrant adjustment at his/herdestination. Strongly influenced by migrant networks, the potential migrants fail to consider many availableplaces as potential destinations in order to concentrate themselves at those few places, which are connected totheir place of origin through relevant social ties.Key words: International Migration. United States. Social Network.

WILSON FUSCO

A FORMAÇÃO DE COMUNIDADES-FILHASNO FLUXO DE BRASILEIROS PARA OS

ESTADOS UNIDOS

formação de comunidades de imigrantes nosEstados Unidos é um processo amplamente regis-trado na literatura especializada. Massey (1987)

é o único autor a usar o termo “daughter communities”(comunidades-filhas) para descrever o caso dos mexica-nos na Califórnia, mas vários outros estudiosos que anali-sam processos semelhantes podem ser citados, como Por-tes (2002), que encontra “enclaves” de imigrantessul-americanos em Los Angeles, Nova York e Washing-ton, ou Menjivar (1997), que analisa os salvadorenhos emSan Francisco. Margolis (1994), que estudou os brasilei-ros em Nova York, descreve uma comunidade “invisível”,principalmente em função da ausência de instituiçõesassociativas direcionadas aos brasileiros.

O conceito de “rede social” na migração internacionalé entendido por Massey (1987) como um conjunto de la-

ços sociais que ligam comunidades de origem a pontos dedestino específicos. Tais laços unem migrantes e não-migrantes em uma complexa teia de papéis sociais com-plementares e de relacionamentos interpessoais que sãomantidos por um quadro informal de expectativas mútuase comportamentos predeterminados.

A origem dos fluxos migratórios confunde-se com aexpansão de determinadas redes sociais. Estas se consoli-dam e formam vias transmissoras de recursos necessáriospara a adaptação do migrante no destino, ao mesmo tem-po em que, na origem, estimulam o migrante em potenciala ingressar no fluxo.

Em consonância com a argumentação de DouglasMassey acerca da formação de comunidades-filhas entremexicanos, este trabalho pretende mostrar algumas carac-terísticas da organização social própria do processo de

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WILSON FUSCO

concentração de emigrantes brasileiros em regiões espe-cíficas nos Estados Unidos. A hipótese a ser explorada éa de que a formação de comunidades de brasileiros emdeterminadas áreas nos EUA pode ser explicada, para alémdos fatores econômicos, em função da utilização do capi-tal social, cujos benefícios circulam por meio das redessociais, principalmente redes de parentesco e amizade, quealimentam e regulam os fluxos continuamente.

BASE DE DADOS

Os dados utilizados para subsidiar este trabalho sãoprovenientes de dois surveys – um, realizado em Gover-nador Valadares-MG, e o outro, em Criciúma-SC. O surveyrealizado em Governador Valadares-MG, finalizado emjulho de 1997, fez parte do projeto CNPq (MCT/Finep/Pronex) intitulado “Imigrantes Brasileiros nos EUA –Cidadania e Identidade”; o realizado em Criciúma-SC,levado a termo em junho de 2001, foi financiado pelo pro-jeto Fapesp “As redes sociais nas migrações internacio-nais: os migrantes brasileiros para os Estados Unidos eJapão”. Ambos os projetos foram coordenados pela Pro-fessora Dra. Teresa Sales e desenvolvidos no Núcleo deEstudos de População – Nepo da Unicamp.

O método utilizado para o planejamento das pesquisasde campo pode ser descrito como “amostragem aleatóriapor conglomerados simples”. Esse processo permite infe-rir os resultados obtidos à população total, uma vez quetodas as combinações de “n” unidades entre os “N” indi-víduos da população têm a mesma probabilidade de per-tencer à amostra, com erro e intervalo de confiança con-trolados.1 Dessa forma, podemos extrapolar os resultadosdas amostras e dizer que as cidades de GovernadorValadares e Criciúma têm, no mínimo, 6,7% e 3,2% desuas populações com experiência migratória internacio-nal, respectivamente. Uma vez encontrados os domicílioscom migrantes internacionais, foram aplicados questioná-rios para capturar as características sociodemográficas dapopulação envolvida com o processo, juntamente comdiversos aspectos do histórico migratório de cada indiví-duo.

A principal vantagem de surveys como os que foramutilizados para este trabalho é a de suprir a carência siste-mática de dados oficiais representativos sobre a migra-ção internacional de brasileiros. As fontes secundárias dedados não são capazes de captar as informações necessá-rias para as análises que os estudiosos da migração se pro-põem a elaborar – e isso acontece principalmente em fun-

ção da ilegalidade dos migrantes. Além disso, um estudoespecialmente valioso para este trabalho é a pesquisa decampo realizada com a intenção explícita de captar ele-mentos particulares da organização social dos migrantes,e que permita a comparação entre diferentes locais de ori-gem.

Também cabe reconhecer um fator negativo das fontesde dados utilizadas. Por terem sido realizados somente emuma das “pontas” do fluxo migratório, esses estudos car-regam um limite importante: algumas das informações nãopuderam ser obtidas diretamente dos migrantes, pois, nomomento das entrevistas, estes estavam vivendo nos Es-tados Unidos. Na verdade, tais informações foram dadaspelos migrantes retornados ou por parentes em condiçõesde fazê-lo.

CONCENTRAÇÃO NO DESTINO

A rota que leva aos Estados Unidos é a principal esco-lha dos emigrantes brasileiros. Segundo estimativadivulgada pelo Ministério das Relações Exteriores para2001 (Tabela 1), aproximadamente 42% dos brasileirosque viviam no exterior estavam nos Estados Unidos, 23%estavam no Paraguai e 12% no Japão. Os emigrantes paraParaguai e Japão guardam características específicas aosrespectivos movimentos: os primeiros têm origem na re-gião do entorno da fronteira com o Paraguai e fixam-sena zona rural (PALAU, 2001); os dekasseguis,2 por suavez, são cidadãos brasileiros que se enquadram nas exi-gências legais relativas à ascendência étnica para a ob-tenção do visto apropriado, concedido pelo governo ja-ponês (SASAKI, 1999).

Os brasileiros que decidem viver nos Estados Unidoscarregam a marca da ilegalidade: ao mesmo tempo em queo Ministério das Relações Exteriores calcula em 800 milos brasileiros que estão morando nos Estados Unidos, a

TABELA 1

Migrantes Brasileiros, segundo País de Residência

Brasil – 2001

País de Residência População %

Total 1.887.895 100,00

Estados Unidos 799.203 42,33

Paraguai 442.104 23,42

Japão 224.970 11,92

Outros 421.618 22,33

Fonte: Ministério das Relações Exteriores (2001).

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estimativa do Bureau of the Census deste país coloca essenúmero entre 160 e 230 mil brasileiros (UNITED STATESBUREAU OF THE CENSUS, 2000, Tabelas 3-4). É no-tório que o registro de brasileiros é feito somente paraaqueles que têm a situação de imigrante regularizada, vistoque os indocumentados não se declaram, pelo risco deprisão e deportação. O que se conclui é que a maioria dosmigrantes vive de forma clandestina nos Estados Unidos.

Os Estados Unidos também atraem a maioria dos emi-grantes de Governador Valadares e de Criciúma. Segun-do a Tabela 2, mais de 85% dos valadarenses e 60% doscriciumenses escolheram os EUA como destino em suaprimeira viagem ao exterior. As proporções de migrantescom experiência nos EUA sobem respectivamente para88,7% e 65,4%, quando são considerados também os in-divíduos que, tendo inicialmente escolhido outro país emsua primeira viagem, decidem-se pelos Estados Unidosnum momento posterior. Outra característica comum aosdois fluxos é que mais de 80% dos migrantes declararamestar em situação irregular nesse país.

a freqüência de negativas aos pedidos de visto que vêmocorrendo nos últimos anos por parte do consulado norte-americano no Brasil. Como conseqüência, verifica-se umaproporção muito maior de pessoas de Criciúma – 23migrantes – seguindo para os Estados Unidos depois depassarem pelo México. Ao que indicam as mais recentesnotícias veiculadas pela mídia, o fluxo de brasileiros quetentam a sorte por meio da travessia da fronteira México-Estados Unidos tem aumentado continuamente.

FORMAÇÃO DAS COMUNIDADES-FILHAS

O que dificulta o reconhecimento preciso da distribui-ção de brasileiros nos Estados Unidos é a ausência de dadosoficiais mais específicos sobre o destino dos emigrantes.A variável do Censo Demográfico brasileiro que registrao país de residência anterior, por exemplo, não é acompa-nhada de uma variável complementar para determinar emque estado e município daquele país vivia o migranteretornado. Por meio dos surveys utilizados neste traba-lho, no entanto, podemos reconhecer o local de destinodos emigrantes em nível municipal.

O reconhecimento dos pontos de destino mais expres-sivos de um determinado fluxo permite uma caracteriza-ção adicional de sua dinâmica. Para citar alguns exem-plos, tome-se a comunidade brasileira em San Francisco,nos Estados Unidos. Segundo Ribeiro (1999), dados doconsulado brasileiro mostram que podemos encontrarmigrantes de vários estados do Brasil, mas que a concen-tração de goianos é a expressão mais evidente; Oliveira(2003), em sua pesquisa de campo na Flórida, encontroubrasileiros originários predominantemente do Rio de Ja-neiro e de São Paulo. E os indivíduos que saem de Gover-nador Valadares e Criciúma, onde se concentram? A Ta-bela 3 mostra o estado de destino desses brasileiros emsua primeira viagem aos EUA.

Os valadarenses concentram-se predominantemente emMassachusetts, Flórida, Nova Jersey e Nova York (Tabe-la 3), mas o primeiro estado é, sem dúvida, o principaldestino, uma vez que agrega mais de 51% da populaçãomigrante. As pessoas originárias de Criciúma estão aindamais concentradas em um único estado: algo em torno de83% desses migrantes encontravam-se em Massachusetts,que é, também, a região que mais atrai valadarenses. Naverdade, o movimento de saída mais expressivo emCriciúma acontece mais de 10 anos depois do ápice veri-ficado para o fluxo de Valadares. Dessa forma, podemosconsiderar que os criciumenses seguiram o caminho tra-

TABELA 2

Distribuição dos Migrantes, por Cidade de Origem,

segundo País de Destino na Primeira Viagem

Governador Valadares e Criciúma – 1997-2001

País de Destino

Cidade de Origem

Governador Valadares Criciúma

1997 2001

Total (Nos Absolutos) 514 505

Total (%) 100,00 100,00

Estados Unidos 85,60 60,00

Canadá 2,53 1,58

Portugal 2,33 10,89

Itália 0,78 14,26

México 0,19 4,55

Outros 8,57 8,72

Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 1997 e 2001.

Nota: Os dados desta tabela são originados dos surveys realizados em Governador Valadares-

MG (1997) e/ou em Criciúma-SC (2001), ambos coordenados pela Professora Dra. Teresa

Sales e descritos neste artigo no item “Base de Dados”.

Em alguns casos, o caminho até os Estados Unidos passapelo México, ou seja, alguns brasileiros tentam o ingres-so nesse país pela fronteira. Note-se que até 1997, ano darealização do survey em Governador Valadares, somenteum habitante dessa cidade arriscou a travessia por essafronteira. Os criciumenses, por participarem de um fluxomuito mais recente que o dos mineiros, sofrem mais com

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WILSON FUSCO

çado pelos valadarenses, encontrando uma comunidade debrasileiros em estágio de expansão no território norte-americano.

O município de Framingham abriga uma das mais no-táveis comunidades de imigrantes brasileiros, provenien-tes principalmente de Governador Valadares. SegundoBicalho (1989), 87% dos residentes em Framingham vie-ram do Vale do Rio Doce. Teresa Sales (1999, p. 47), quededicou um capítulo especial à cidade norte-americana,relata o sentimento de identidade provocado pela predo-minância de brasileiros no local.

Ao sair novamente à rua, apesar do frio de outono daquele

final de tarde apressado em escurecer mais cedo, me sinto

brasileirinha da silva. Tão brasileira depois daquela coxinha

de galinha e daquele suco de caju, que estranhei quando,

na rua, me deparei com dois autênticos nativos conversando

em inglês.3

Os valadarenses, portanto, formam comunidades im-portantes em quatro Estados dos EUA, mas a concentra-ção de mais de 51% em Massachusetts evidencia este comoo principal ponto de destino desses brasileiros. Essa in-formação também pode ser encontrada nos trabalhos deSales (1999), Martes (1998) e Bicalho (1989), quepesquisaram sobre a origem dos imigrantes brasileiros nos

TABELA 3

Distribuição dos Migrantes, por Município de Origem,

segundo Estado de Destino na Primeira Viagem para os Estados Unidos

Governador Valadares e Criciúma – 1997-2001

Estado de Destino Governador Valadares (1997)

Total (Nos Absolutos) 403

Total (%) 100,00

Massachusetts 51,86

Flórida 15,88

Nova Jersey 14,64

Nova York 11,66

Outros 5,96

Estado de Destino Criciúma (2001)

Total (Nos Absolutos) 302

Total (%) 100,00

Massachusetts 83,08

Flórida 5,38

Connecticut 3,85

Texas 1,92

Outros 5,77

Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 1997 e 2001.

Nota: Os dados desta tabela são originados dos surveys realizados em Governador Valadares-

MG (1997) e/ou em Criciúma-SC (2001), ambos coordenados pela Professora Dra. Teresa

Sales e descritos neste artigo no item “Base de Dados”.

Observando as cidades de destino com maior concen-tração de brasileiros (Tabela 4), destaca-se, em primeirolugar, a cidade de Boston, que sozinha é responsável pormais de um terço das migrações de Valadares, e quase 60%do movimento de Criciúma. Para Valadares, em seguidavem a cidade de Nova York, com 9,40%; Newark, com5,48%; e Framingham, que faz parte da região metropoli-tana de Boston, com 4,96%. Na Flórida, destacam-se ascidades de Pompano Beach, Deerfield Beach e Miami, po-rém todas com contingentes de valadarenses que repre-sentam apenas 3% dos migrantes. No caso de Criciúma, asegunda cidade de destino em importância é Somerville,que também está inserida na região metropolitana deBoston e que acrescenta quase 7% de criciumenses a essaárea. Em síntese, Massachusetts e, principalmente, a re-gião metropolitana de Boston são os locais que mais con-centram os migrantes que partiram de GovernadorValadares e de Criciúma.

TABELA 4Distribuição dos Migrantes, por Município de Origem,

segundo Cidade de Destino na Primeira Viagem para os Estados Unidos

Governador Valadares e Criciúma – 1997-2001

Cidade de Destino Governador Valadares (1997)

Total (Nos Absolutos) 383

Total (%) 100,00

Boston 37,60

Nova York 9,40

Newark 5,48

Framingham 4,96

Outras 42,56

Cidade de Destino Criciúma (2001)

Total (Nos Absolutos) 292

Total (%) 100,00

Boston 58,90

Somerville 6,85

Miami 4,11

Hartford 3,42

Outras 26,72

Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 1997 e 2001.

Nota: Os dados desta tabela são originados dos surveys realizados em Governador Valadares-

MG (1997) e/ou em Criciúma-SC (2001), ambos coordenados pela Professora Dra. Teresa

Sales e descritos neste artigo no item “Base de Dados”.

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 55-63, jul./set. 2005

Estados Unidos. Os criciumenses aparecem ainda maisconcentrados em Massachusetts que os valadarenses, masdevido ao caráter extremamente recente desse fluxo, nãoencontramos referências a ele na literatura especializada.

Uma vez que a chegada dos brasileiros em territóriodos Estados Unidos acontece de forma contínua, pode-mos concluir que muitos migrantes seguiram paulatina-mente para locais onde já se encontravam seus conter-râneos. Esse é um dos aspectos das redes sociais, que,segundo Sales (1999, p. 36)

contribuem não apenas para fornecer os referenciais do local

de destino, como a acomodação inicial do imigrante e sua

inserção no mercado de trabalho.

A Tabela 5 mostra o estado de destino do migrantevaladarense em função do período da primeira viagem aosEUA. Os dados de Criciúma não podem ser apresentadosdessa forma, pois o caráter recente desse movimento con-centra mais de 50% dos migrantes nos três últimos anosantes da pesquisa, indicando que o ápice ainda não foiatingido, o que inviabiliza a desagregação da informaçãoem períodos. O fluxo de Valadares, por outro lado, teveseu auge dez anos antes da pesquisa – o que permite clas-sificar os períodos em: aceleração, ápice e desaceleração/estabilização. Dessa forma, vemos que Massachusettsatraiu 45,1% dos migrantes que fizeram sua primeira via-gem até 1986. Essa concentração aumentou para 50,6%no segundo período, e cresceu ainda mais no período maisrecente, chegando a contar com 58,5% dos migrantes quesaíram do Brasil entre os anos de 1990 e 1997. O fluxoque se direcionou para Nova Jersey teve um crescimento

tímido entre o primeiro e o último período de primeirasviagens, passando de 12,3% para 14,4%. O que se verifi-ca para os estados da Flórida e de Nova York é uma dimi-nuição contínua da concentração de migrantes: com 18,9%e 18,0%, respectivamente, no primeiro período, a propor-ção de indivíduos que escolhem esses destinos em suaprimeira viagem cai para 12,7% e 5,1% no último perío-do.

O direcionamento de fluxos migratórios para pontosespecíficos de destino também foi estudado por Massey(1987). Esse autor descreve a formação de comunidadesde migrantes, que ele chamou de “comunidades-filhas”,como um processo intrínseco da migração. Os primeirosmomentos da migração de mexicanos para os EUA com-portavam uma diversidade muito maior de destinos do quenos períodos mais recentes. É um processo social que levatempo para operar, de modo que as comunidades-filhasse desenvolvem mais devagar no início, aumentando o rit-mo de crescimento quando um volume maior de migrantespassa a sustentar e alimentar as redes de forma mais con-sistente, fato que exerce um efeito magnético para as mi-grações subseqüentes. O Gráfico 1 reflete os dados daTabela 5 e mostra a correspondência entre o processomigratório brasileiro em questão e as observações deDouglas Massey sobre a migração de mexicanos para osEstados Unidos.

O desenvolvimento de comunidades estabelecidas nosEstados Unidos é um passo crucial na maturação das re-des migratórias. Quando alguns indivíduos se fixam em

TABELA 5

Distribuição dos Migrantes, por Período de Migração, segundo Estado

de Destino na Primeira Viagem para os Estados Unidos

Governador Valadares – 1967-1997

Estado de DestinoPeríodo da Migração

1967 a 1986 1987 a 1989 1990 a 1997

Total (Nos Abs.) 122 166 118

Total (%) 100,0 100,0 100,0

Massachusetts 45,1 50,6 58,5

Flórida 18,9 13,9 12,7

Nova Jersey 12,3 16,3 14,4

Nova York 18,0 10,8 5,1

Outros 5,7 8,4 9,3

Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 1997.

Nota: Os dados desta tabela são originados do survey realizado em Governador Valadares-

MG (1997), coordenado pela Professora Dra. Teresa Sales e descrito neste artigo no item

“Base de Dados”.

GRÁFICO 1

Distribuição dos Migrantes, por Estado de Destino na Primeira Viagem

para os Estados Unidos, segundo o Período de Migração

Governador Valadares – 1967-1997

Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 1997.

Nota: Os dados desta tabela são originados do survey realizado em Governador Valadares-

MG (1997), coordenado pela Professora Dra. Teresa Sales e descrito neste artigo no item

“Base de Dados”.

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WILSON FUSCO

determinados lugares, o processo migratório transforma-se, redirecionando os fluxos para regiões específicas(MASSEY, 1987). Visto desse modo, em todo local quese forma uma comunidade de imigrantes, a atração paranovos migrantes parece um fato consumado. Mas não éisso o que pode ser observado no caso analisado. Enquanto,proporcionalmente ao total de pessoas em cada período,Massachusetts recebe cada vez mais indivíduos, decresceo número relativo de migrantes que se dirigem aos outrosestados, com exceção de Nova Jersey, que mantém certaestabilidade.

O que ocorre é que não basta a aglomeração de pes-soas no destino para que existam os benefícios que facili-tam e estimulam o ingresso de pessoas num fluxo migra-tório. A formação de comunidades no destino é umacondição necessária, mas não suficiente. É preciso que sedesenvolvam redes de relações confiáveis unindo origeme destino, nas quais o migrante em potencial ou o retornadopossam apoiar-se. As diferenças verificadas na Tabela 3podem ser explicadas em função desse argumento, ou seja,as regiões que mais atraem migrantes são as que melhordisponibilizam os recursos do capital social presentes nasredes migratórias.

CAPITAL SOCIAL EDINÂMICA MIGRATÓRIA

Uma vez que Massachusetts concentra mais de 83% dosemigrantes de Criciúma que se dirigem aos Estados Uni-dos, as variáveis de uso dos recursos do capital social nãosuportam a desagregação em função dos outros estadosde destino. Foi possível, no entanto, separar os migrantes

em “presentes/retornados” e “ausentes/exterior”. Dessaforma, os resultados da Tabela 6 referem-se de modo quaseintegral aos criciumenses que decidiram viver emMassachusetts, e pretendem indicar a influência do usodos recursos das redes sociais na manutenção do statusde migrante.

De acordo com a Tabela 6, cerca de 56% dos cri-ciumenses ausentes e 45% dos retornados recorreram àajuda de terceiros para levantar os recursos financeirosnecessários para realizar a empreitada; com relação à hos-pedagem, mais de 91% dos ausentes e cerca de 90% dosretornados solicitaram e receberam ajuda nesse quesito; aobtenção do primeiro emprego no destino foi atingida coma colaboração de parentes e amigos para mais de 86% dosausentes e para mais de 85% dos retornados. Apesar depequena, a diferença entre a proporção de utilização dosrecursos do capital social entre retornados e ausentes podeser verificada. Entre os que melhor se aproveitam dessesrecursos, esse fato poderia indicar maior propensão demanter-se no destino. As agências de recrutamento, porsua vez, não se configuram como uma fonte utilizada comfreqüência para a obtenção desses mesmos recursos. Dequalquer forma, podemos concluir que, para a maioria doscriciumenses, os recursos do capital social influenciamfortemente o processo de adaptação no destino – o qual,nesse caso, está cristalizado em Massachusetts.

Por outro lado, devido à maior diversidade dos locaisde destino, os dados de Valadares comportam a apresen-tação dos recursos utilizados pelos migrantes desagrega-dos por estado. As Tabelas 7 e 8 foram construídas asso-ciando os dados sobre quem o valadarense conhecia nodestino e quem lhe forneceu ajuda financeira para chegar

TABELA 6

Distribuição das Fontes de Recursos para o Migrante em sua Primeira Viagem aos Estados Unidos, por Tipo de Recurso e Status Migratório

Criciúma – 2001

FontesRecursos Financeiros Hospedagem Emprego

Retornado Ausente Retornado Ausente Retornado Ausente

Total (Nos Abs.) 142 406 143 406 124 353

Total (%) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Próprios 54,2 44,0 9,8 8,4 14,5 13,9

Parentes 38,0 47,0 43,4 44,8 30,6 34,8

Amigos 3,5 4,2 39,2 41,4 50,0 46,5

Ag. Recrutamento - 1,2 0,6 1,2 - 0,6

Outros 4,3 3,6 7,0 4,2 4,9 4,2

Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 2001.

Nota: Os dados desta tabela são originados do survey realizado em Criciúma-SC (2001), coordenado pela Professora Dra. Teresa Sales e descrito neste artigo no item "Base de Dados".

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 55-63, jul./set. 2005

TABELA 7

Quem o Migrante Conhecia no Destino, segundo o Estado de Destino na Primeira Viagem aos Estados Unidos

Governador Valadares – 1997

Estado de DestinoTotal Quem Conhecia no Destino

(Nos Absolutos) Parentes Amigos Ninguém Outra Total

Massachusetts 208 56,3 26,0 17,3 0,4 100,0

Flórida 61 50,9 21,3 27,8 0,0 100,0

Nova Jersey 59 64,4 15,3 20,3 0,0 100,0

Nova York 46 47,8 28,3 23,9 0,0 100,0

Outro 31 58,1 19,3 22,6 0,0 100,0

TABELA 8

Distribuição da Fonte de Recursos Financeiros para o Migrante, segundo o Estado de Destino na Primeira Viagem aos Estados Unidos

Governador Valadares – 1997

Estado de DestinoTotal Fonte de Recursos Financeiros

(Nos Absolutos) Próprios Parentes Amigos Ninguém Outra Total

Massachusetts 208 38,0 44,7 9,6 3,4 2,9 100,0

Flórida 61 64,0 27,9 4,9 1,6 1,6 100,0

Nova Jersey 59 52,5 39,0 6,8 1,7 0,0 100,0

Nova York 46 45,7 32,6 10,9 8,7 2,2 100,0

Outro 31 48,4 38,7 6,5 3,2 3,2 100,0

Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 1997.

Nota: Os dados desta tabela são originados do survey realizado em Governador Valadares-MG (1997), coordenado pela Professora Dra. Teresa Sales e descrito neste artigo no item “Base de

Dados”.

ao estado de destino na primeira viagem. Pudemos, en-tão, retomar a hipótese inicial de que, em determinadasregiões, a atração exercida sobre os migrantes está direta-mente relacionada à dinâmica de transferência dos bene-fícios próprios das redes migratórias.

As pessoas que chegaram a Massachusetts fizeram usoda melhor estrutura de relações dentre todos os estadosde destino: somente 17,3% relataram não conhecer nin-guém, enquanto que 56,3% tinham parentes no destino, eos amigos foram a principal referência para 26,0% dessegrupo, conforme a Tabela 7. Os migrantes que se dirigi-ram para Flórida e Nova York apresentam o maior índicede pessoas sem nenhum conhecido nos Estados Unidos,com 27,8% e 23,9%, respectivamente.

Conforme a Tabela 8, os migrantes que não utilizaramfontes alternativas de recursos financeiros aparecem emmaior quantidade nos Estados da Flórida, Nova Jersey eNova York, com a proporção interna a cada grupo de

64,0%, 52,5% e 45,7%, respectivamente. Mais uma vez,pudemos destacar a presença e a importância das redesque ligam Governador Valadares a Massachusetts e dosrecursos que por elas circulam. Apenas 38,0% desse gru-po contaram somente com recursos próprios, e a propor-ção daqueles que conseguiram ajuda financeira entre pa-rentes atinge 44,7% – o maior índice da tabela para essacategoria.

A simples utilização de recursos financeiros de paren-tes ou amigos não significa necessariamente que essaspessoas ficaram em vantagem com relação àqueles quecontaram somente com recursos próprios. Alguns têmmaior poder econômico que outros, e essa pode ser a ra-zão da não necessidade de empréstimos. Entretanto, o quese evidencia aqui é que existe, de fato, maior disponibili-dade e uso de recursos, financeiros ou não, que justificama maior concentração de migrantes em determinadas re-giões.

Fonte: Pesquisa sobre Migração Internacional de Brasileiros – 1997.

Nota: Os dados desta tabela são originados do survey realizado em Governador Valadares-MG (1997), coordenado pela Professora Dra. Teresa Sales e descrito neste artigo no item “Base de

Dados”.

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WILSON FUSCO

CONCLUSÃO

Um importante passo no amadurecimento das redesmigratórias ocorre quando alguns migrantes começam ase estabelecer nos Estados Unidos. Quando as novidadespositivas percorrem a região de origem, mais indivíduosse encorajam e seguem os passos dos pioneiros. A exis-tência de regiões com concentração de parentes, amigos econhecidos, por sua vez, acelera a expansão das redes,dando a elas uma forte base nos EUA. No entanto, os pon-tos de destino encontram-se em diferentes fases quanto àcirculação dos recursos por meio das redes formadas emcada local. Observou-se que as redes sociais que ligamGovernador Valadares e Criciúma a Massachusetts são asque melhor disponibilizam seus recursos, e que é essa re-gião nos EUA que mais atrai os migrantes valadarenses ecriciumenses. Como resultado, encontramos atualmentediversas instituições associativas para brasileiros emMassachusetts, evidenciando o desenvolvimento de umacomunidade bastante “visível”, ao contrário do que MaxineMargolis encontrou em Nova York.

Como vimos, a migração de valadarenses e criciu-menses para os Estados Unidos é fortemente baseada numaorganização social que a apóia e sustenta. Massey (1987,p. 169) diz que

a migração internacional é um processo social organizado

através de redes forjadas diariamente pelas conexões

interpessoais que caracterizam todos os grupos humanos.

Percebemos a presença dessas conexões cotidianastransformadas no contexto das migrações e a ampliaçãodo uso das redes com o passar dos anos. As redes migra-tórias tendem a se tornar auto-suficientes com o tempo,devido ao capital social que elas geram aos migrantes empotencial, pois ao mesmo tempo em que as redes se ex-pandem, novas situações de oferta e demanda de recursossão reproduzidas e negociadas entre os novos migrantes.Contatos pessoais com parentes, amigos e conterrâneosdão aos migrantes o necessário acesso a emprego, hospe-dagem e assistência financeira no destino, canalizandopessoas que fazem parte de certos grupos sociais no Bra-sil para regiões específicas nos Estados Unidos. A con-fiança é – claramente – um elemento fundamental nesseprocesso. Afinal, os preciosos recursos que facilitam ainserção dos migrantes no país de destino e, conseqüente-mente, o direcionamento desses migrantes para determi-nados locais, estão restritos a relacionamentos em que osatores envolvidos são pautados pelo reconhecimento do

risco envolvido na transferência desses mesmos recursos– ou na ausência dele.

NOTAS

1. No caso das pesquisas realizadas, o erro máximo em GovernadorValadares ficou em 5,0% e em Criciúma ficou em 5,3%; em ambascidades o intervalo de confiança foi de 95%.

2. Este termo é utilizado para designar o descendente de japonês quemigra para trabalhar no Japão.

3. Este é um depoimento da própria autora, em seu livro BrasileirosLonge de Casa (SALES, 1999).

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WILSON FUSCO: Doutor em Demografia pelo Nepo/IFCH/Unicamp (Cam-pinas) ([email protected]).

Artigo recebido em 5 de maio de 2005.Aprovado em 29 de agosto de 2005.

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 64-76, jul./set. 200564

WEBER SOARES / ROBERTO NASCIMENTO RODRIGUES

E

Resumo: O artigo apresenta evidências das conexões prováveis da migração interna e a emigração internacio-nal entre Governador Valadares e Ipatinga e as demais microrregiões brasileiras, com base na aplicação dosprincípios teóricos e metodológicos da análise de redes sociais.Palavras-chave: Migração internacional. Migração interna. Análise de redes sociais.

Abstract: This article shows evidences of the probable connections between the internal and internationalmigration among the micro-regions of Governador Valadares and Ipatinga and the others micro-regions ofBrazil, based on the social network analysis.Key words: International migration. Internal migration. Social network analysis.

WEBER SOARES

ROBERTO NASCIMENTO RODRIGUES

REDES SOCIAIS E CONEXÕES PROVÁVEISENTRE MIGRAÇÕES INTERNAS E

EMIGRAÇÃO INTERNACIONAL DEBRASILEIROS

ntre o final do século 19 e início do século 20, oBrasil recebeu grande quantidade de imigrantesoriundos principalmente de Portugal, da Itália, da

Espanha, da Alemanha e do Japão. De meados do século 20até final dos anos 70, o país manteve-se praticamente fechadoa trocas populacionais externas. Na década de 80, o Brasilvolta a apresentar fluxos expressivos de migração interna-cional: exporta, nessa década, de 1 milhão a 2,5 milhões depessoas (CARVALHO, 1996). E, quanto ao movimentopopulacional, assume um perfil emigratório.

O processo bipolar de distribuição espacial interna dapopulação brasileira, que ganhara corpo durante o perío-do 1930-70 pela enorme transferência de população domeio rural para o urbano (em especial para as metrópo-les), e pelas migrações que se dirigiram às fronteiras agrí-colas, passa por transformações significativas, nos anos80. Entre as transformações sofridas pelas trajetórias es-paciais dominantes no período 1940-80 cabe pôr em re-levo:

- a redução do volume dos fluxos migratórios;

- o maior peso das migrações de curta distância e intra-regionais;

- a maior incidência das migrações de retorno; e

- a alteração da tendência à concentração urbana nas gran-des capitais e regiões metropolitanas.

O objetivo deste artigo é tratar de colocar em evidên-cia as conexões prováveis entre a migração interna e amigração internacional na história recente dos deslocamen-tos espaciais da população brasileira. Essas conexões ex-pressam-se com maior precisão tanto na descoberta dosnós que, a um só tempo, integram a rede migratória inter-na e a rede migratória internacional, quanto nas resultan-tes de incorporação dos referidos nós a essa mesma rede.Para identificar tais conexões, foi acionado o arcabouçoteórico e metodológico da Análise de Redes Sociais – ARS.Isso implica, por um lado, a recusa de uma espécie de re-presentação metafórica das redes – presente em boa parte

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REDES SOCIAIS E CONEXÕES PROVÁVEIS ENTRE MIGRAÇÕES INTERNAS ...

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dos estudos que lidam com os fluxos migratórios – e, poroutro lado, a necessidade de considerar as redes comométodo para descrição e análise dos padrões relacionaispresentes em determinada configuração reticular. Subja-cente à escolha da metodologia analítica de redes, está opressuposto de que a ampliação dos laços interpessoaisestimula a expressiva migração internacional que proce-de desses recortes territoriais – e é importante ressaltarque esses laços são suscitados pela magnitude das tro-cas migratórias entre os recortes territoriais brasileiros,uma vez que as redes sociais também migram (TILLY,1990).

O passo analítico dado neste texto leva em conta a pers-pectiva copernicana das redes sociais. Isso significa con-siderar a rede migratória completa: todas as microrregiões(nós) e a ocorrência ou não de fluxos migratórios entreelas. A intenção reside, nesse caso, em identificar asmicrorregiões que:- estão mais ou menos conectadas pela migração interna;

- são mais centrais;

- conferem mais estabilidade às estruturas reticulares; e

- ocupam posições similares na rede.

As trocas populacionais (imigrantes e emigrantes deúltima etapa migratória) nas 91 microrregiões brasileiras,nos períodos 1970-80 e 1981-91, constituem as “redesmigratórias internas”, que serão objeto de aplicação doarcabouço conceitual e metodológico da análise de redes.Nessas redes, as microrregiões representam os atores/nós,e os fluxos populacionais correspondem às conexões – eestas comportam sentido e intensidade.

Para estabelecer conexões entre os fluxos migratóriosinternos e a emigração internacional, a ênfase recairá so-bre as microrregiões de Governador Valadares e Ipatinga,localizadas em Minas Gerais. A importância da migraçãointernacional na dinâmica demográfica mineira, navaladarense e na ipatinguense torna-se evidente pela gran-deza que ela representa no tocante às perdas líquidas ocor-ridas entre 1986 e 1991. No estado, a migração internacio-nal respondeu por cerca de 62% das perdas líquidas (172mil, de 277 mil pessoas), em Valadares, por 50% (12 mil,de 24 mil pessoas), e, em Ipatinga, por 90% (11 mil, de12 mil pessoas). Isto significa que a microrregião deValadares e a microrregião de Ipatinga teriam contribuí-do com mais de 13% desse fluxo no período 1986-91, aindaque a população destas microrregiões representavam aoredor de 5% da população estadual em 1991 (SOARES,2002).

Quanto às informações sobre as características da emi-gração internacional de brasileiros, constituem referênciabásica os estudos de Martes (1999) e, em especial, deSoares (1995; 2002). Não se fará nenhuma exposição maisdetalhada do fenômeno migratório internacional e essesestudos serão utilizados de acordo com sua estritavinculação com o presente trabalho e como suporte àsconclusões.

ANÁLISE DE REDES: O OLHARSOBRE AS RELAÇÕES

Uma rede consiste num conjunto de atores ou nós (pes-soas, objetos ou eventos) ligados por um tipo específicode relação. A diferentes tipos de relações correspondemredes diferentes – ainda que o conjunto de atores seja omesmo. A rede, porém, não é conseqüência, apenas, dasrelações que de fato existem entre os atores; ela é tambémo resultado da ausência de relações, da falta de laços di-retos entre dois atores, daquilo que Burt (1992) chama de“buraco estrutural” (SCOTT, 2000).

As redes podem ser compostas por atores de naturezadiversa. Num extremo, elas consistem de símbolos cons-tantes em textos ou de símbolos presentes em verba-lizações; noutro extremo, de estados que integram um paísou de países que compõem o sistema mundial. As redespodem, então, ser tão pequenas quanto uma sala de aulado ensino fundamental, ou tão grandes, como o conjuntodos países1 (HANNEMAN, 2001).

A organização do mundo social, com base em atribu-tos, muito difere de uma organização que se debruça so-bre as relações. “Atributos” são qualidades inerentes àunidade que não consideram as relações dessa mesmaunidade com outras unidades ou com o contexto socialespecífico dentro do qual essas qualidades são observa-das. A construção de categorias a priori – que agregaindivíduos de acordo com sexo, idade, classe econômi-ca, etc. – fundamenta-se no pressuposto de independên-cia estatística (e, dessa forma, o pressuposto de depen-dência resultaria em um viés) e tem a intenção de determinara força do relacionamento entre certas variáveis. Logo, aanálise se faz sobre as relações entre variáveis – e nãoentre atores.

As relações entre os atores de uma rede apresentamforma e conteúdo. O conteúdo é dado pela natureza doslaços (parentesco, amizade, poder, troca de bens simbóli-cos ou materiais, afetiva, etc.); e a forma da relação com-preende dois aspectos básicos: i) a intensidade ou a força

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do laço entre dois atores; e ii) a freqüência e o grau de reci-procidade com que esse laço se manifesta. Logo,conceitualmente, duas relações de conteúdo distinto po-dem apresentar formas idênticas (KNOKE; KUKLINSKI,1982).

Recortes Analíticos

De acordo com Wellman (1997), a análise de redesconsidera, basicamente, duas perspectivas analíticas quese complementam:- egocentrada (perspectiva ptolomaica) – nesse tipo deanálise, a atenção está voltada para determinado nó/ator(ego) e outros nós/atores da rede com os quais o nó egóicomantenha relações. Logo, o número, a magnitude e a di-versidade das conexões estabelecidas direta ou indireta-mente com o ego definem os demais nós da rede;

- rede completa (perspectiva copernicana) – nesse tipo deanálise, a informação sobre o padrão de laços entre todosos nós/atores na rede é usada, grosso modo, para identifi-car tanto subgrupos reticulares com maior grau de coesãointerna quanto os nós que ocupam posições similares narede.

Tendo em conta a rede completa (perspectiva coper-nicana), um passo capital da análise consiste em identifi-car as posições/papéis sociais que se manifestam pelopadrão das relações observadas entre os atores. A tarefaempírica consistiria, então, em distinguir os atores queapresentam maior semelhança, descrever o que os tornasemelhantes, registrar o que os torna diferentes. É a rela-ção entre os ocupantes de dois papéis que define o signi-ficado desses papéis (HANNEMAN, 2001).

Redes Sociais, Redes Pessoais e Redes Migratórias

A análise de redes atribui mais crédito à lógica da com-binação do que à lógica puramente agregativa; sustentaque a configuração, assumida por uma rede qualquer, im-porta mais do que o acréscimo de uma relação extra aoconjunto de relações preexistentes. Não cabe dúvida so-bre a importância das redes sociais para entender, em es-pecial, os fluxos populacionais. Mas é necessário ir alémdessa mera indicação e estabelecer as bases iniciais daperspectiva teórica que se estrutura em conseqüência dasimprecisões encontradas em parte da literatura sobre astemáticas redes sociais, redes pessoais e redes migratórias.Assim, cabe admitir que:

- Uma “rede social” consiste no conjunto de pessoas, or-ganizações ou instituições sociais que estão conectadaspor algum tipo de relação. Em virtude do processo em tornodo qual ela se organiza, uma rede social pode abrigar vá-rias redes sociais.

- Uma “rede pessoal” representa, então, um tipo de redesocial que se funda em relações sociais de amizade, pa-rentesco, etc.

- Uma “rede migratória” não se confunde com redes pes-soais. Essas redes precedem a migração e são adaptadas aum fim específico: a ação de migrar. Quando suas singu-laridades dependem da natureza dos contextos sociais queela articula, uma rede migratória é, também, um tipo es-pecífico de rede social que agrega redes sociais existen-tes e enseja a criação de outras: portanto, consiste em “umarede de redes sociais”. Por fim, uma “rede migratória”implica origem e destino – isto é: recortes territoriais,países, estados, microrregiões, municípios, cidades, etc.que se articulam por intermédio de fluxos migratórios.

Representação Gráfica e Matricial das Redes

A análise de redes retira os instrumentos para repre-sentar os padrões de laços entre os atores sociais de doissubcampos da matemática: a teoria dos grafos e a álgebramatricial.

O tipo de grafo utilizado para representar as redes so-ciais recebe o nome de “sociograma”. No sociograma,os pontos/nós equivalem a atores, e os segmentos de li-nhas correspondem a laços (WASSERMAN; FAUST,1994; SCOTT, 2000; HANNEMAN, 2001). De acordocom o tipo, esses laços classificam-se em: não-direciona-dos – registram a existência ou não de conexões entrepares de nós; direcionados – indicam que as conexõesapresentam orientação de um nó para outro (a seta pre-sente na extremidade de cada segmento de linha dá osentido de cada conexão); e valorados – expõem a forçadas conexões entre os nós, expressa por valor numérico.É possível, ainda, representar graficamente laços que são,por exemplo, não-orientados e valorados, orientados evalorados, etc.

Os sociogramas constituem meio muito útil de repre-sentação das redes sociais. Todavia, quando o número deatores/nós é muito grande e os laços são muitos, torna-sequase impossível identificar visualmente os padrões rela-cionais. A solução está em representar as informações derede na forma matricial. Assim, para sintetizar e revelar

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REDES SOCIAIS E CONEXÕES PROVÁVEIS ENTRE MIGRAÇÕES INTERNAS ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 64-76, jul./set. 2005

padrões existentes nas redes, podem ser realizadas opera-ções matemáticas vinculadas ao campo da álgebra vetoriale da matricial (inversas, transpostas, adição, subtração,multiplicação e multiplicação booleana de matrizes).

Noções fundamentais sobre a estrutura reticularadmitem maior precisão quando o padrão de laços entreum conjunto de atores é expresso formalmente por meiode grafos e matrizes. Consoante a teoria dos grafos e aálgebra matricial, vários são os conceitos, as medidas eos métodos utilizados para descrever as propriedadesbásicas, a centralidade e a centralização, além da divisãode determinada rede (WASSERMAN; FAUST, 1994;BONANICH, 2000; HANNEMAN, 2001). Assim, o passoseguinte consiste em lançar mão do recorte empírico sobreo qual esse arcabouço conceitual e metodológico da análisede redes deve ser aplicado: redes migratórias internas de1970-80 e 1981-91. Para trabalhar os dados relacionais –fluxos migratórios internos – numa linguagem estatísticaadequada, foi utilizado o programa Ucinet 5.0, paraWindows.

O tamanho das redes migratórias de ambos os perío-dos resultou do agrupamento sem reposição das micror-regiões brasileiras que mantiveram o maior volume detrocas populacionais internas com as microrregiões deValadares e de Ipatinga: 91 ao todo. A associação dasregularidades nas trocas migratórias entre as micror-regiões – sistema empírico – com as regularidades ma-temáticas e topológicas que representam esse mesmo sis-tema empírico ganha expressão em duas matrizesquadradas (91 x 91): a rede migratória 1 corresponde aoperíodo 1970-80; e a rede migratória 2, ao período 1981-91. É preciso ter claro que a discriminação dessas trocaspopulacionais internas em duas redes migratórias distintasconsiste em mero recurso analítico que prima pela iden-tificação de tendências. Com efeito, é mais acertado su-por a existência de uma rede migratória interna única,sujeita a alterações ao longo do tempo – pelo que regis-tra Soares (2002) sobre a natureza processual, dinâmicadas redes sociais.

Ambas as redes são valoradas, direcionadas e as-simétricas. São valoradas porque cada uma das célulasmatriciais traz um valor em N (conjunto dos números na-turais) que corresponde, a um só tempo, ao de emigrantesde determinada microrregião e ao número de imigrantesem outra. São direcionadas porque uma microrregião podereceber ou não migrantes, e pode enviar ou não migrantespara outra microrregião – o que confere assimetria àsmatrizes, às redes migratórias.

APLICAÇÃO DO ARCABOUÇO CONCEITUAL EMETODOLÓGICO DA ANÁLISE DE REDES

O tamanho de uma rede social é dado pela quantidadede nós que a integra. As redes migratórias dos períodos1970-80 e 1981-91 possuem o mesmo número de nós: 91microrregiões, o que equivale a 8.190 pares ordenados,isto é, 8.190 conexões diretas possíveis (vínculos migra-tórios) entre as microrregiões, duas a duas (Tabela 1).Embora de mesmo tamanho, a composição dos nós da redemigratória de 1970 a 1980 mostra-se diferente em com-paração com a de 1981 a 1991: um total de 22 micror-regiões foram substituídas de um período para outro. Hou-ve aumento da participação do número de microrregiõesdos estados de Rondônia, Minas Gerais, São Paulo e Es-pírito Santo; e queda da contribuição das microrregiõesdo Pará, Bahia, Paraná, Mato Grosso e Rio de Janeiro.

TABELA 1

Conexões Efetivas, Conexões Possíveis e Densidade das

Redes Migratórias das Microrregiões Brasileiras que

Mantiveram o Maior Volume de Trocas Populacionais com

as Microrregiões de Valadares e Ipatinga

Brasil – 1970-1991

Indicadores 1970-80 1981-91

Conexões Efetivas 5.583 5.286

Conexões Possíveis 8.190 8.190

Densidade (média) 0,68 0,65

Desvio-Padrão 0,47 0,48

Coeficiente Variação 68,4 74,1

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1970, 1980 e 1991.

Para informar a densidade, os dados foram dicoto-mizados de tal maneira que indicassem, apenas, a exis-tência ou não de trocas migratórias entre uma microrregiãoe outra. A Tabela 1 mostra que a razão entre o número deconexões diretas – existentes entre parte das microrregiõesque constituem a rede migratória do período 1970-80 – eo possível de conexões (densidade) foi de aproximada-mente 68%. Essa densidade sofre pequeno declínio na redeno período 1981-91, pois 65% de todas as conexões pos-síveis estão presentes nesse caso. Assim, o nível geral dasconexões, tanto nesta quanto naquela rede, deve ser con-siderado alto, pois ocorrem trocas migratórias entre maisda metade dos pares ordenados de cada uma das redes.

O agrupamento das microrregiões, conforme o fluxomáximo nas conexões resultantes das trocas migratórias

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da década de 70, indica que o primeiro nível de agregaçãoé ocupado por Belo Horizonte, São Paulo e Valadares: es-sas três microrregiões apresentaram vínculos migratóriosanálogos entre si e com as demais microrregiões da rede.Brasília, Rio de Janeiro, Goiânia, Vitória, Osasco, Campi-nas, Ipatinga e Caratinga também são incorporados a essesubconjunto da metade dos pares ordenados de cada umadas redes.

O agrupamento das microrregiões, conforme o fluxomáximo nas conexões resultantes das trocas migratóriasda década de 70, indica que o primeiro nível de agrega-ção é ocupado por Belo Horizonte, São Paulo e Valadares:essas três microrregiões apresentaram vínculos migrató-rios análogos entre si e com as demais microrregiões darede. Brasília, Rio de Janeiro, Goiânia, Vitória, Osasco,Campinas, Ipatinga e Caratinga também são incorporadosa esse subconjunto de microrregiões.

Na rede migratória do período 1981-91, a representa-ção gráfica da análise de cluster, baseada no fluxo máxi-mo, torna evidente as microrregiões que, no tocante aosvínculos migratórios, mais se assemelham: Belo Horizontee São Paulo, seguidas por Rio de Janeiro, Campinas,Brasília, Vitória, Valadares, Belo Horizonte, São Paulo,Ipatinga e São José dos Campos.

Portanto, o fluxo máximo deixa registrada a elevadaconectividade entre Valadares, Ipatinga, Belo Horizonte,São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Goiânia e Brasília nasduas redes migratórias internas: a de 1970-80 e a de 1981-91. Também assinala a conectividade que se manifestatanto nas trocas populacionais ocorridas entre essas micror-regiões quanto nas trocas populacionais que se deram en-tre essas microrregiões e a quase totalidade das outrasmicrorregiões que integram ambas as redes migratórias.

A proeminência relativa de um ator/nó em relação àsua vizinhança (centralidade local) é dada pelo grau decentralidade. As microrregiões que se encontram em po-sição vantajosa na rede migratória de 1970-80 por possuí-rem o maior número de conexões diretas/adjacentes (con-seqüência dos fluxos populacionais de saída) são Valadarese São Paulo (Tabela 2). Em posição subseqüente, BeloHorizonte e Rio de Janeiro mantiveram conexões diretascom 98,9% das microrregiões da rede; Teófilo Otoni, com96,7%; Ipatinga e Brasília, com 94,4%; Vitória, com93,3%; e Caratinga, com 90%. Castanhal e Viseu, no Pará,e Cocoal, em Rondônia, ficaram com os menores grausde centralização dessa rede.

As microrregiões que mantiveram mais conexões di-retas em relação aos fluxos populacionais de entrada

foram São Paulo e Belo Horizonte. Brasília e Rio de Janei-ro constituíram, respectivamente, destino de pessoasoriundas de 97,8% e 96,7% das microrregiões da redemigratória de 1970-80; Goiânia e Vitória, de 95,6%.Valadares, que recebeu migrantes de 92,2% dessa mes-ma rede, e Ipatinga, de 87,8%, ocuparam, respectivamen-te, o sétimo e o nono lugar nessa hierarquia. CamposSales, no Ceará, por ter mantido conexões de entrada com22,4% das demais microrregiões, e Santa Tereza, noEspírito Santo, com 32,2%, comportaram os menoresgraus de centralidade.

As estatísticas descritivas mostram que, em média, cadamicrorregião manteve conexões diretas, tanto em relaçãoàs entradas quanto às saídas migratórias, com 61,4microrregiões da rede de 1970-80. A dispersão dos flu-xos foi baixa: o desvio padrão situou-se abaixo da médiapara os ganhos e perdas populacionais.

A amplitude de coesão de toda a rede de 1970-80 emtorno de atores/nós focais (centralização) foi baixa paraambos os tipos de conexões migratórias: o grau de cen-tralização correspondente aos fluxos de entrada e de saí-da foi cerca de 32%. Assim, as vantagens posicionais nãose manifestaram tão desigualmente distribuídas entre as

TABELA 2Conexões e Grau de Centralidade na Rede Migratória das Dez

Microrregiões Brasileiras que Mantiveram mais Volume de Trocas

Populacionais com as Microrregiões de Valadares e Ipatinga

Brasil – 1970-80

MicrorregiõesConexões Grau de Centralidade

Saída Entrada Saída Entrada

Teófilo Otoni 87 68 96,7 75,6

Belo Horizonte 89 90 98,9 100,0

Governador Valadares 90 83 100,0 92,2

Ipatinga 85 79 94,4 87,8

Caratinga 81 59 90,0 65,6

Vitória 84 86 93,3 95,6

Rio de Janeiro 89 87 98,9 96,7

São Paulo 90 90 100,0 100,0

Goiânia 79 86 87,8 95,6

Brasília 85 88 94,4 97,8

Média 61,4 61,4 68,2 68,2

Desvio-Padrão 17,4 16,0 19,3 17,8

Mínimo 21 22 23 24

Máximo 90 90 100 100

Centralização 0,32 0,32

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1970 e 1980.

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REDES SOCIAIS E CONEXÕES PROVÁVEIS ENTRE MIGRAÇÕES INTERNAS ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 64-76, jul./set. 2005

microrregiões – de fato, a distribuição dos migrantes deacordo com as microrregiões de destino e de origem nãose concentrou em torno de uma microrregião ou pequenoaglomerado de microrregiões.

O maior número de conexões referente às perdaspopulacionais da rede migratória de 1981-91 ocorreu emBelo Horizonte e São Paulo (Tabela 3). Nesse período, oRio de Janeiro manteve ligações diretas com 98,9% dasmicrorregiões integrantes dessa rede; Brasília e Vitória,com 95,6%; Teófilo Otoni, com 91,1%; e Goiânia eCaratinga, com 83,3%. Valadares, que enviou pessoas para93,3%, e Ipatinga, para 88,9% da rede, detiveram o quar-to e o sexto lugar na ordem decrescente de fluxosrelacionais. Alvorada d’Oeste, em Rondônia, e Cárceres,no Mato Grosso, registraram os menores graus decentralidade.

Quanto aos fluxos de entrada, Belo Horizonte e SãoPaulo receberam migrantes de todas as microrregiões darede no período 1981-91. As conexões diretas mantidascom 97,8% dessa rede situaram o Rio de Janeiro e Cam-pinas logo a seguir na hierarquia dos vínculos baseadosem ganhos populacionais. Brasília, Vitória e Goiânia re-

ceberam, respectivamente, pessoas oriundas de 95,6%,93,3% e 86,7% das microrregiões da rede migratória. Oquinto e o sexto lugar foram ocupados por Valadares92,2% e Ipatinga 90,0%, respectivamente. As micror-regiões que responderam pelo menor número de conexõesmigratórias de entrada no período 1981-91 foram Tauá,no Ceará, e Bocaiúva, em Minas Gerais.

As estatísticas descritivas informam que o número deconexões diretas estabelecido por cada microrregião narede migratória de 1981-91 foi de aproximadamente 58.Também nesse caso a dispersão dos fluxos foi baixa: odesvio padrão seja para ganhos seja para perdas migrató-rias foi bem inferior à média.

O grau de centralização, quase 36%, tanto para os vín-culos de entrada quanto de saída, indica que a distribui-ção dos migrantes conforme as microrregiões de destinoe de origem dos fluxos não se concentrou em torno de umamicrorregião ou de um pequeno agrupamento de micror-regiões.

O grau de proximidade acusa a posição estratégica deum ator/nó com relação à estrutura total da rede. Ou seja,essa medida de centralidade global considera os laços in-diretos entre os atores/nós. Na rede migratória de 1970-80, os fluxos migratórios de saída levam ao conhecimen-to de que Valadares e São Paulo situam-se na posição maiscentral (Tabela 4). Ocupando posições subseqüentes nes-sa ordem global de centralidades, Belo Horizonte e Riode Janeiro despontam com um grau de proximidade de98,9%; Teófilo Otoni, de 96,8%; Ipatinga e Brasília, de94,7%; Vitória, de 93,8%; Caratinga, de 90,9%; e Goiânia,de 89,1%. Castanhal, no Pará, e Cocoal, em Rondônia,admitiram os menores graus de proximidade.

Em relação aos fluxos migratórios de entrada, a Tabe-la 4 assinala que as microrregiões mais centrais, no pe-ríodo 1970-80, foram Belo Horizonte e São Paulo. Osgraus de proximidade de Brasília (97,8%), do Rio de Ja-neiro (96,8%), de Goiânia e de Vitória (95,7%) situamessas microrregiões em posições subseqüentes na hierar-quia de centralidades. Valadares e Ipatinga, com proxi-midade em relação às demais microrregiões da rede pertode 93% e de 89%, ficaram na sétima e na nona posição,nessa mesma hierarquia. Pela centralidade mais baixa, fo-ram responsáveis Campos Sales, no Ceará, e Santa Tere-za, no Espírito Santo.

A dispersão dos dados em torno das médias correspon-dentes aos vínculos relacionais de entrada e de saída mos-trou-se muito baixa. É o que se verifica nos valores assu-midos pelo desvio padrão dos ganhos e das perdas

TABELA 3Conexões e Grau de Centralidade na Rede Migratória das Onze

Microrregiões Brasileiras que Mantiveram mais Volume de Trocas

Populacionais com as Microrregiões de Valadares e Ipatinga

Brasil – 1981-91

MicrorregiõesConexões Grau de Centralidade

Saída Entrada Saída Entrada

Teófilo Otoni 82 62 91,1 68,9

Belo Horizonte 90 90 100,0 100,0

Governador Valadares 84 83 93,3 92,2

Ipatinga 80 81 88,9 90,0

Caratinga 75 53 83,3 58,9

Vitória 86 84 95,6 93,3

Rio de Janeiro 89 88 98,9 97,8

Campinas 80 88 88,9 97,8

São Paulo 90 90 100,0 100,0

Goiânia 75 78 83,3 86,7

Brasília 86 86 95,6 95,6

Média 58,1 58,1 64,5 64,5

Desvio-Padrão 15,9 15,6 17,7 17,3

Mínimo 16 22 18 24

Máximo 90 90 100 100

Centralização 0,36 0,36

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980 e 1991.

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WEBER SOARES / ROBERTO NASCIMENTO RODRIGUES

populacionais. O grau de centralização, baseado nas dis-tâncias geodésicas resultantes das conexões migratóriasde entrada e de saída, gravitou ao redor de 46%.

A aplicação do algoritmo – que considera a proximi-dade topológica, o grau de proximidade à rede migratóriade 1981-91 – revela Belo Horizonte e São Paulo comomicrorregiões mais centrais quanto a perdas populacionais(Tabela 5). A seguir, obedecendo à hierarquia de centra-lidades, apresentaram-se Rio de Janeiro (98,9%), Brasíliae Vitória (95,7%), Teófilo Otoni (91,8%), Goiânia eCaratinga (85,7%). Os laços de saída de Valadares e deIpatinga, regidos por uma proximidade de 93,8% e 90,0%,respectivamente, conferiram a essas microrregiões a quartae a sexta posição nessa mesma hierarquia. Os menoresgraus de proximidade foram registrados nas microrregiõesde Tucumã, no Pará, e Alvorada d’Oeste, em Rondônia.

Quanto aos ganhos populacionais, as microrregiões quedetiveram a maior centralidade no período 1981-91 fo-ram Belo Horizonte e São Paulo (Tabela 5). Em ordemdecrescente dos graus de proximidade, seguem Rio de Ja-neiro e Campinas (97,8%), Brasília (95,7%), Vitória(93,8%) e Goiânia (88,2%). Valadares, titular de uma pro-

ximidade de quase 93% em referência às microrregiõesdessa rede, e Ipatinga, de 90,9%, detiveram o quinto e sextolugar, nessa ordem. Tauá, no Ceará, e Bocaiúva, em Mi-nas Gerais, ficaram com os valores correspondentes àscentralidades mais baixas.

A dispersão dos dados em torno do grau médio de pro-ximidade, não só para as perdas como para os ganhos mi-gratórios, é bem pequena: o desvio padrão, mais uma vez,ficou abaixo da média. O indicador de afastamento da dis-tribuição das centralidades da rede de 1981-91 em compa-ração com a rede de formato estelar do mesmo tamanho,com grau de centralização de cerca de 51%, traz à tona umadesigualdade superior à apresentada pela rede de 1970-80na distribuição das vantagens posicionais – não só emrelação aos laços de entrada, mas também no tocante aoslaços de saída.

Quando se analisam as trocas populacionais nas redesmigratórias de 1970-80 e de 1981-91 é necessário lançarmão do algoritmo Conjunto Lambda para identificar ossubgrupos de microrregiões que mais estabilidade confe-rem a essas estruturas reticulares.

TABELA 5Conexões e Grau de Proximidade na Rede Migratória das Onze

Microrregiões Brasileiras que Mantiveram mais Volume de Trocas

Populacionais com as Microrregiões de Valadares e Ipatinga

Brasil – 1981-91

MicrorregiõesConexões Grau de Proximidade

Saída Entrada Saída Entrada

Teófilo Otoni 118 98 76,3 91,8

Belo Horizonte 90 90 100,0 100,0

Governador Valadares 97 96 92,8 93,8

Ipatinga 99 100 90,9 90,0

Caratinga 127 105 70,9 85,7

Vitória 96 94 93,8 95,7

Rio de Janeiro 92 91 97,8 98,9

Campinas 92 100 97,8 90,0

São Paulo 90 90 100,0 100,0

Goiânia 102 105 88,2 85,7

Brasília 94 94 95,7 95,7

Média 121,9 121,9 75,1 75,1

Desvio-Padrão 15,6 15,9 10,1 10,0

Mínimo 90 90 57,0 54,9

Máximo 158 164 100 100

Centralização 0,506 0,506

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980 e 1991.

TABELA 4Conexões e Grau de Proximidade na Rede Migratória das Dez

Microrregiões Brasileiras que Mantiveram mais Volume de Trocas

Populacionais com as Microrregiões de Valadares e Ipatinga

Brasil – 1970-80

MicrorregiõesConexões Grau de Proximidade

Saída Entrada Saída Entrada

Teófilo Otoni 112 93 80,4 96,8

Belo Horizonte 90 91 100,0 98,9

Governador Valadares 97 90 92,8 100,0

Ipatinga 101 95 89,1 94,7

Caratinga 121 99 74,4 90,9

Vitória 94 96 95,7 93,8

Rio de Janeiro 93 91 96,8 98,9

São Paulo 90 90 100,0 100,0

Goiânia 94 101 95,7 89,1

Brasília 92 95 97,8 94,7

Média 118,6 118,6 77,3 77,4

Desvio-Padrão 16,0 17,4 10,6 10,9

Mínimo 90 90 57,0 56,6

Máximo 158 159 100 100

Centralização 0,462 0,459

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1970 e 1980.

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 64-76, jul./set. 2005

A representação gráfica da análise de cluster para a rededa década de 70 põe à mostra, no primeiro nível de agre-gação, o agrupamento constituído por Governador Vala-dares, Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo.O movimento seguinte incorpora Ipatinga, Vitória, TeófiloOtoni e Osasco. Posteriormente, Goiânia e Caratinga pas-sam a fazer parte do grupo. As conexões estabelecidas entreessas microrregiões são de capital importância. Afinal, ten-do em vista o papel que desempenham na configuração/continuidade dos fluxos migratórios, a remoção dessas mi-crorregiões levaria à ruptura de toda a rede. Já as micror-regiões que menos importam ao tecido de conexões da redemigratória da década de 70 são Castanhal, no Pará; Cam-pos Sales, no Ceará; e Santa Tereza, no Espírito Santo.

A configuração assumida pelos dados resultantes daaplicação do algoritmo Lambda Set aos fluxos po-pulacionais do período 1981-91 inscreve Valadares, BeloHorizonte, Rio de Janeiro e São Paulo no primeiro nívelde agregação, seguidas por Brasília, Campinas, Vitória,Ipatinga, Goiânia, Osasco, Teófilo Otoni e Caratinga.Verifica-se que essas microrregiões ocupavam, na rede dosanos 70, os níveis mais altos de agregação. Conseqüente-mente, caso Valadares, Belo Horizonte, Rio de Janeiro,São Paulo, Brasília, Campinas, Vitória e Ipatinga fossemretiradas de quaisquer das duas redes, ocorreria a maiorobstrução das trocas migratórias. Assentadas nos níveismais afastados de agregação do período 1981-91, encon-

travam-se as microrregiões de: Cárceres, no Mato Grosso;Tucumã, no Pará; e Bocaiúva, em Minas Gerais.

Quando os dados são valorados, o coeficiente de cor-relação de Pearson constitui o algoritmo mais apropriadopara subdividir determinada rede segundo o critério deequivalência estrutural com a finalidade de identificar osatores que guardam padrão similar de vínculos relacionaise que ocupam posições semelhantes na rede. Esse coefi-ciente varia de -1 (significa que dois atores possuem pa-drões de laços opostos com outros atores/nós) a 1 (indicaque dois atores possuem o mesmo padrão de laços comoutros atores/nós – equivalência estrutural perfeita).

A Tabela 6, que traz os coeficientes de correlação dePearson para os pares de microrregiões da rede migratóriade 1970-80, revela padrões similares de vínculos migra-tórios internos entre Valadares, Ipatinga, Caratinga,Vitória, Rio de Janeiro, Goiânia e Brasília: em tais casos,quase todos os coeficientes assumiram valores acima de0,6. Em relação a cada uma dessas microrregiões, SãoPaulo foi depositária do padrão de laços migratóriosmenos semelhante: de fato, os pares microrregionais SãoPaulo/Rio de Janeiro e São Paulo/Belo Horizonte, porexemplo, evidenciam correlações negativas (-0,58 e -0,49respectivamente). Logo, com exceção de Teófilo Otoni,nenhuma das outras microrregiões guarda equivalênciaestrutural com São Paulo. Tal fato se deve à posição sin-gular da microrregião paulista nessa rede migratória: por

TABELA 6Coeficiente de Correlação de Pearson na Rede Migratória das Dez Microrregiões Brasileiras que Mantiveram

mais Volume de Trocas Populacionais com as Microrregiões de Valadares e Ipatinga

Brasil – 1970-80

Microrregiões

Microrregiões Teófilo Belo Governador Rio de

Otoni Horizonte ValadaresIpatinga Caratinga Vitória

JaneiroSão Paulo Goiânia Brasília

Teófilo Otoni 1,00 0,27 0,45 0,56 0,75 0,47 0,19 0,71 0,52 0,57

Belo Horizonte 1,00 0,69 0,71 0,61 0,73 0,78 -0,49 0,77 0,64

Governador Valadares 1,00 0,74 0,66 0,76 0,67 -0,07 0,77 0,81

Ipatinga 1,00 0,72 0,79 0,77 0,06 0,77 0,73

Caratinga 1,00 0,68 0,59 0,31 0,72 0,68

Vitória 1,00 0,72 -0,1 0,76 0,76

Rio de Janeiro 1,00 -0,58 0,73 0,56

São Paulo 1,00 -0,13 0,13

Goiânia 1,00 0,76

Brasília 1,00

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1970 e 1980.

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ser um locus privilegiado de expansão das atividadesindustriais no Brasil, São Paulo – e em especial sua regiãometropolitana – tornou-se o destino predominante dosprincipais fluxos migratórios internos nos anos 70.Todavia, o fato de Teófilo Otoni ter apresentado padrãotão semelhante de laços com a microrregião de São Paulocausa estranheza e aponta para a necessidade de umaanálise futura mais atenta.

O período 1981-91, apresenta padrões mais altos desimilaridade dos fluxos migratórios internos entreValadares, Ipatinga, Caratinga, Vitória, Rio de Janeiroe Goiânia do que os encontrados para a década de 70(Tabela 7). Os coeficientes de Pearson para essasmicrorregiões, tomadas duas a duas, são superiores a 0,7.Merece atenção especial o grau mais acentuado que taltendência assume em relação a Teófilo Otoni. De umperíodo para outro, as correlações sofrem um aumentosignificativo; e, quanto aos vínculos migratórios, inscre-vem essa microrregião em um nível mais elevado deequivalência estrutural com Belo Horizonte (r = 0,78),Valadares (r = 0,79), Ipatinga (r = 0,84), Caratinga(r = 0,84), Vitória (r = 0,82) e Goiânia (r = 0,8). No pe-ríodo 1981-91, São Paulo permanece com um padrão maissimilar de laços; e Brasília assiste à redução dos valoresde quase todos os coeficientes de Pearson – exceção fei-ta ao caso do Rio de Janeiro, em que o coeficiente passade 0,5 na década de 70 para 0,84 nos anos 80.

Enfim, a similaridade do padrão de vínculos relacionaisentre Valadares, Ipatinga, Caratinga, Vitória, Goiânia e BeloHorizonte foi alta em ambos os períodos, seja 1970-80, seja1981-91. Portanto, essas microrregiões ocupam posiçõessemelhantes nas duas redes migratórias internas e possuema maioria ou todos os vínculos migratórios com as mesmasmicrorregiões que integram tais redes.

DISCUSSÃO

Considerando-se a perspectiva da rede social comple-ta em fluxos migratórios internos dos períodos 1970-80(rede migratória 1) e 1981-91 (rede migratória 2), a apli-cação do arcabouço teórico e metodológico da análise deredes mostrou que o nível geral das conexões (densidade),tanto nesta como naquela, foi alto.

Essa alta densidade ganha ressonância na existênciade distâncias geodésicas para todos os pares de microrre-giões e nos pequenos valores (distâncias geodésicas) porelas assumido nas duas redes migratórias. De fato, qual-quer microrregião, em ambos os períodos, está conectadapor fluxos migratórios que descrevem uma seqüência má-xima de dois passos.

Tanto na rede migratória de 1970-80 como na rede de1981-91, a perspectiva analítica trazida pelo fluxo máxi-mo deixa ver que Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Ja-neiro, Valadares, Ipatinga, Brasília, Vitória e Campinas

TABELA 7Coeficiente de Correlação de Pearson na Rede Migratória das Dez Microrregiões Brasileiras que Mantiveram

mais Volume de Trocas Populacionais com as Microrregiões de Valadares e Ipatinga

Brasil – 1981-91

Microrregiões

Microrregiões Teófilo Belo Governador Rio de

Otoni Horizonte ValadaresIpatinga Caratinga Vitória

JaneiroSão Paulo Goiânia Brasília

Teófilo Otoni 1,00 0,78 0,79 0,84 0,84 0,82 0,66 0,45 0,8 0,42

Belo Horizonte 1,00 0,72 0,73 0,72 0,73 0,58 0,48 0,75 0,39

Governador Valadares 1,00 0,76 0,85 0,83 0,73 0,03 0,87 0,6

Ipatinga 1,00 0,77 0,83 0,59 0,49 0,78 0,38

Caratinga 1,00 0,82 0,7 0,22 0,82 0,52

Vitória 1,00 0,7 0,3 0,81 0,5

Rio de Janeiro 1,00 -0,37 0,78 0,84

São Paulo 1,00 -0,04 -0,73

Goiânia 1,00 0,67

Brasília 1,00

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980 e 1991.

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possuem vínculos migratórios análogos entre si e com asdemais microrregiões da rede. Ou seja, um maior númerode conexões diretas (alternativas) para alcançar outrasmicrorregiões está à disposição dessas microrregiões.

Para as trocas populacionais dos dois decênios –1970-80 e 1981-91 – o indicador de centralidade local re-gistrou que São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro,Valadares, Ipatinga, Brasília e Vitória ocuparam posiçõescentrais em ambas as redes, em razão do número de cone-xões diretas estabelecido por essas microrregiões. Já aamplitude de coesão das redes em torno de microrregiõesfocais (centralização) foi baixa para os dois tipos de co-nexões migratórias, ou seja, a distribuição dos migrantesde acordo com as microrregiões de destino e de origemnão se restringiu a uma microrregião ou a um pequenoaglomerado de microrregiões.

Em relação aos fluxos de saída e de entrada de acordocom a medida de centralidade global (grau de proxi-midade), Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro,Valadares, Ipatinga, Vitória, Goiânia e Brasília ficaramcom as posições mais centrais em ambas as redes migra-tórias. Logo, quanto aos fluxos migratórios, essasmicrorregiões apresentam alto grau de acessibilidade. Istoquer dizer que são capazes de alcançar outras micror-regiões – ou serem alcançadas por elas – por meio depassos de comprimento mais curto.

As medidas de centralidade põem à mostra a posiçãoprivilegiada e a proeminência de determinados nós na rede.Quando as relações são direcionadas, essa posição mani-festa-se de duas formas: influência e prestígio. Neste caso,identificam-se os atores/nós que constituem o foco de re-cepção dos vínculos relacionais; naquele, os atores/nós querepresentam o centro desses vínculos. Assim, as altascentralidades locais e globais que Valadares, Ipatinga,Vitória, Brasília, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Ja-neiro apresentaram em relação às redes migratórias de1970-80 e de 1981-91 permitem inferir tanto a influênciaquanto o prestígio dessas sete microrregiões no tocanteàs perdas e ganhos no âmbito das trocas populacionaisocorridas nesses períodos.

A utilização do algoritmo Lambda Se – como recursopara identificar os subgrupos de microrregiões que con-ferem mais estabilidade à rede e as microrregiões que tor-nam o tecido de conexões migratórias mais vulnerável àruptura – evidenciou que Valadares, Ipatinga, Brasília,Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória eGoiânia participaram dos níveis mais altos de agregaçãoem ambas as redes migratórias: tanto a de 1970-80 como

a de 1981-91. Assim, as conexões que essas microrregiõesestabeleceram entre si e com outras microrregiõesreticulares são de importância capital para garantir a es-trutura das trocas populacionais.

A aplicação do critério de equivalência estrutural àsduas redes migratórias mostrou que a similaridade do pa-drão de vínculos relacionais entre Valadares, Ipatinga,Caratinga, Vitória, Goiânia, Belo Horizonte e Rio de Ja-neiro foi alta em ambos os períodos: Teófilo Otoni ins-creve-se em nível elevado de equivalência estrutural comessas microrregiões nos anos 80. A teoria registra que ato-res/nós situados em posições reticulares semelhantes, emposições que são estruturalmente equivalentes, possuema maioria ou todas as conexões com os mesmos atores/nós da rede a que pertencem – e, por isso mesmo, moni-toram-se reciprocamente. Assim, Valadares, Ipatinga,Caratinga, Vitória, Goiânia, Belo Horizonte, Rio de Ja-neiro e Teófilo Otoni, que se encontram em posições es-truturais similares nas duas redes migratórias internas,estariam mais sensíveis a mudanças ocorridas no interiordo subgrupo constituído por essas microrregiões do queàs alterações sofridas por microrregiões que não fazemparte desse subgrupo.

CONEXÕES PROVÁVEIS COM AEMIGRAÇÃO INTERNACIONAL

Em suma, esse conjunto de medidas que toma como refe-rência a perspectiva copernicana das redes sociais põe emevidência: i) um contexto reticular propício tanto à difusãode bens materiais e simbólicos quanto à circulação de repre-sentações sociais sobre a migração internacional (e issoacontece, por exemplo, quando se tem em conta a elevadaconectividade das redes migratórias internas resultante daalta densidade e das pequenas distâncias geodésicas entreas microrregiões) e ii) também destaca microrregiões ondese situam as cidades brasileiras que maior participação tive-ram na emigração internacional cujo destino foi o estadoamericano de Massachusetts. De fato, a seleção das micror-regiões que constituem o resultado comum da aplicaçãodas medidas de rede, fluxo máximo, centralidade local, cen-tralidade global, conjuntos Lambda e equivalência estru-tural, faculta o reconhecimento da coincidência entre o pro-eminente papel desempenhado por Valadares, BeloHorizonte, Rio de Janeiro, Ipatinga e Vitória nas redes mi-gratórias internas, assim como a posição que ocuparam –primeiro, segundo, terceiro, quinto e sexto lugar respecti-vamente – na hierarquia das dez cidades brasileiras que

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mais enviaram migrantes para Massachusetts, conformepesquisa de Martes2 (1999).

Quando se tem em conta:- o registro numérico de que a microrregião de Ipatingaocupou lugar de decisivo relevo nas trocas populacionaisinternas de Valadares, e que Valadares teve grande pesonas trocas populacionais ipatinguenses (SOARES, 2002);

- a importância da emigração internacional na dinâmicademográfica valadarense e na ipatinguense;

- o fato de que se encontram migrantes internacionais deIpatinga nas mesmas localidades onde, nos Estados Uni-dos, residem os migrantes internacionais de Valadares –visto que as pessoas não migram para qualquer lugar, massim para lugares onde possuem parentes ou amigos;

- a evidência de que os movimentos migratórios trans-plantam os principais segmentos de redes sociais; e

- as conexões históricas entre Valadares e Ipatinga.

Tudo isso leva a crer, à luz do princípio de que os flu-xos migratórios facultam a ampliação dos laços pessoaise, em virtude disso, propiciam o aumento dos canais detransferência de recursos materiais, simbólicos, etc. naexistência de vínculos estreitos entre a migração interna ea internacional de Valadares e de Ipatinga.

O perfil demográfico mais recente da migração inter-nacional de Ipatinga (SOARES, 2002), sugere que a redemigratória internacional, originada em Valadares, ampliouseu campo de ação e incorporou a microrregião ipatin-guense.

Além disso, ocorreu uma elevação das trocas migrató-rias internas entre Vitória, Valadares e Ipatinga da déca-da de 70 para os anos 80:- o número de emigrantes de Valadares para a micror-região de Vitória aumentou 52%, passou de 4.631 a 7.042;

- as perdas populacionais de Ipatinga para Vitória salta-ram de 3.089 a 8.299;

- os imigrantes de Vitória em Valadares e Ipatinga tam-bém aumentaram de um período a outro, chegando a qua-se 199% no caso valadarense e a 78% no ipatinguense.

Tais dados remetem à intensificação dos contatos entreesses recortes territoriais brasileiros, à ampliação dos laçospessoais e à transferência de segmentos de redes sociaisde uma microrregião para outra (SOARES, 2002). Destaforma, verifica-se a expressiva presença de emigrantesinternacionais originários de Vitória nas cidades deMassachusetts, onde se concentraram os emigrantesinternacionais de Valadares e de Ipatinga – Vitória ocupa

o sexto lugar entre as dez cidades brasileiras que mais en-viaram migrantes para esse estado americano (MARTES,1999). De mais a mais, a expansão das relações socio-econômicas que a construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas proporciona entre o Vale do Rio Doce – mais pre-cisamente Valadares e Ipatinga –, e a capital do estadoespírito-santense constituem fortes indícios de que essamesma capital e a microrregião que ela polariza integrama rede migratória internacional que tem como nós Valadarese Ipatinga.

Concluindo, se o escrutínio dos fluxos populacionais in-ternos, realizado por Soares (2002), segundo a perspectivaegocentrada da análise de redes, dá crédito à existênciade vínculos estreitos entre as trocas migratórias internas ea emigração internacional de Valadares, de Ipatinga e deVitória, também põe em relevo fortes indícios de que essasmicrorregiões constituem uma rede migratória interna-cional. Parece razoável supor que Belo Horizonte e Riode Janeiro também se agregam a essa rede migratória inter-nacional – em virtude das intensas trocas populacionaisque mantiveram com Valadares e Ipatinga; da recorrênciacom que se manifestaram; e da proeminência que adqui-riram em todos os resultados da aplicação das medidas deredes sociais com base na perspectiva copernicana.

Mas não se pode dizer o mesmo, por exemplo, de Cara-tinga: apesar de estar inscrita em alto nível de equivalênciaestrutural com Valadares e Ipatinga nas redes migratóriasinternas, e de ter sustentado intensas trocas populacionaiscom essas duas microrregiões mineiras, em ambos os pe-ríodos – 1970-80 e 1981-91 – a microrregião caratinguensenão integrou o conjunto de cidades brasileiras que maisenviaram migrantes para Massachusetts. Entre as prováveisexplicações para a não-inserção de Caratinga no fluxomigratório internacional, cabe lembrar que o ambientesocial joga um papel efetivo na difusão de bens simbólicose na circulação de representações sociais sobre a migraçãointernacional. Isto é, o processo de transmissão de infor-mação manifesta-se num campo de negociação avaliativoque transforma essa mesma informação. Conseqüente-mente, os desdobramentos desse processo não apresentamnecessariamente uma única via, visto que dependem dasingularidade do contexto social no qual ele se desenvolve.

Finalmente, o conjunto de assertivas que gravitam emtorno das conexões entre a emigração internacional e amigração interna deixa entrever uma via privilegiada dereflexão que se abre com os suportes teóricos e metodo-lógicos da análise de redes sociais – à luz da análise dadistribuição social das oportunidades e constrangimentos,

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da desigualdade de recursos disponíveis e da estruturasocial por meio da qual as pessoas têm acesso ou não aesses mesmos recursos. As redes funcionam como circui-to de tráfego no ambiente social, como trajetóriasrelacionais possíveis que ligam certos atores/nós; reme-tem ao fato de que a interação carece de princípios“ordenadores”, de representações sociais por meio dasquais as pautas de conduta possam ser exercidas e, atémesmo, mudadas. Elas são dinâmicas, suscetíveis de alte-rações ao longo do tempo e, portanto, possuem dimensãoprocessual, histórica, uma vez que expressam as regulari-dades presentes nas interações sociais.

NOTAS

1. A título de ilustração, poder-se-ia considerar, como exemplo de rede,o fluxo comercial de 50 mercadorias diferentes (café, açúcar, chá, etc.)entre 170 países do sistema mundial, em determinado ano. Neste caso,os 170 países despontam como atores e a quantidade de cada merca-doria exportada de um país para os 169 restantes, como a força do laçoexistente entre eles (HANNEMAN, 2001).

2. Conforme pesquisa de campo realizada por Martes (1999), asdez cidades brasileiras que mais contribuíram com os fluxos migra-tórios internacionais para o estado americano de Massachusettsadmitem a seguinte hierarquia: Valadares participou com 17% dototal de emigrantes, Belo Horizonte com 11%, Rio de Janeiro com9%, São Paulo com 8%, Ipatinga com 6%, Vitória com 5%, Goiâniacom 4%, Anápolis com 3%, Brasília com 3% e Criciúma com 2%.Dignas de nota são as posições ocupadas por Ipatinga, quinto lu-gar, e por Vitória, sexto lugar, nesta hierarquia.

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ROBERTO NASCIMENTO RODRIGUES: Professor do Departamento deDemografia da UFMG e Pesquisador do Centro de Desenvolvimento ePlanejamento Regional – Cedeplar/UFMG ([email protected]).

Artigo recebido em 17 de março de 2005.Aprovado em 6 de abril de 2005.

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 77-83, jul./set. 2005

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Resumo: Este artigo discute a linguagem dos símbolos entre os bolivianos em São Paulo a partir de uma pers-pectiva antropológica, procurando inferir os significados que práticas e objetos da cultura material, veicula-dos no contexto das festas devocionais, passam a ter numa nova conjuntura. No caso em análise, o contextoapresenta uma especificidade que é a discriminação – razão pela qual esses imigrantes estão mobilizados emveicular uma nova imagem de si mesmos.Palavras-chave: Bolivianos. Símbolos. Identidades. Diálogo intercultural.

Abstract: This article aims to discuss from an anthropological perspective the language of symbols amongBolivian immigrants in São Paulo. It attempts to grasp the meaning that some cultural pratices presented inthe context of devotional celebrations acquire in the new country. In the case under analysis, the context presentsa specific challenge – as they have to face racial and social discrimination. That is why these immigrants arenow engaged in showing a new image of themselves to Brazilian society.Key words: Bolivians immigrants. Symbols. Identities. Intercultural dialogue.

SIDNEY DA SILVA

A MIGRAÇÃO DOS SÍMBOLOSdiálogo intercultural e processos identitários

entre os bolivianos em São Paulo

lém da transposição de fronteiras geográficas, oprocesso migratório implica, invariavelmente, ainserção em uma nova ordem sociocultural – e

esta é, em geral, marcada por tensões e estranhamentos,que acabam por incidir na dinâmica cultural do grupo dosemigrados, conferindo-lhe significações específicas.

Porém, a inserção dos migrantes em um novo contextonão significa a perda ou, simplesmente, a fusão de suacultura original com a local. Ao contrário, ela tende a sim-plificar-se e a condensar-se em alguns traços, que passama ser distintivos para o grupo que os veicula, proporcio-nando-lhe maior visibilidade.

É nesse contexto contrastivo que elementos da culturamaterial – como aguayos (tecidos multicoloridos), formaslingüísticas, ou mesmo expressões mais complexas, comorituais, tradições, festas entre outros – ganham relevân-

cia. Afinal, muitas vezes esses elementos evocam váriossignificados, dependendo da situação em que são veicu-lados. A partir dessa perspectiva, este trabalho propõe-sea analisar a linguagem dos símbolos no contexto migrató-rio – particularmente para grupos que enfrentam algumaforma de discriminação, como é o caso dos bolivianos emSão Paulo, que se mobilizam em torno da construção deuma nova imagem de si mesmos. Isto se deve ao fato deque a imprensa local tem veiculado com freqüência notí-cias que mostram o envolvimento de membros do grupocom o tráfico de trabalhadores e com a escravização deseus próprios compatriotas nas oficinas de costura da ci-dade. Por esse motivo, a prática abusiva de algunsoficinistas acaba incidindo na construção de uma imagemnegativa, a qual é atribuída ao grupo por setores da socie-dade local.

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CRUZANDO FRONTEIRAS

A inserção de imigrantes num contexto socioculturaldiverso, e quase sempre adverso, é um processo marcadopor conflitos e estranhamentos, seja para os recém-che-gados, que não dominam os códigos culturais locais, sejapara a sociedade receptora, que tende a vê-los a partir deestereótipos já construídos, transformando as diferençasétnico-culturais em algo exótico ou depreciativo. Assim,em primeiro lugar, é preciso lidar com esses preconceitosda sociedade local, os quais vêm à tona à medida que ogrupo dos imigrados passa a disputar, com os nacionais,espaços no mercado de trabalho no bairro onde eles mo-ram – sobretudo no que diz respeito aos serviços básicosde saúde e educação, nas instâncias de representação po-lítica, e na dinâmica cultural da cidade. Em segundo lu-gar, a transposição de fronteiras geográficas implica, nolimite, o desafio de ser aceito como cidadão pelo país dedestino, para desse modo ter seus direitos sociais, políti-cos e culturais respeitados – o que nem sempre acontece.

Somente a partir da década de 80 a presença bolivianaem São Paulo tornou-se significativa. Entretanto, pode-sedizer que tal presença não é um fenômeno recente, poisno início da década de 50, já era possível constatar a pre-sença de alguns bolivianos na cidade, que vinham na con-dição de estudantes, estimulados pelo programa de inter-câmbio cultural Brasil-Bolívia. Após o término dosestudos, muitos deles acabavam optando pela permanên-cia na cidade, em razão das múltiplas ofertas de empregooferecidas naquele momento pelo mercado de trabalhopaulistano (SILVA, 1997, p. 82). As razões pelas quaisos bolivianos continuam deixando a Bolívia são múltiplas.Porém, os fatores de ordem econômica são preponderan-tes na decisão de emigrar, já que o mercado de trabalhobrasileiro, mesmo na denominada “década perdida” – ouseja, a de 80 – oferecia mais oportunidades de empregodo que o da Bolívia, pois esse país enfrentava uma pro-funda crise econômica, com altos índices de inflação edesemprego.

O perfil característico desses imigrantes, que foi sen-do construído desde os anos 80, mostra que eles são, emsua maioria: jovens; de ambos os sexos; solteiros; de es-colaridade média; e vieram atraídos principalmente pelaspromessas de bons salários feitas por empregadorescoreanos, bolivianos ou brasileiros da indústria da con-fecção. Oriundos de várias partes da Bolívia, porém comuma predominância dos pacenhos e cochabambinos (por-tanto, provenientes de La Paz e Cochabamba, respectiva-

mente), esses imigrantes passaram a apostar tudo na ati-vidade da costura, alimentando, assim, sonhos de uma vidamelhor para si mesmos e seus familiares que lá ficaram.

Hoje, a presença boliviana é um fato consolidado nacidade de São Paulo. Isto se deve tanto à manutenção dofluxo migratório ao longo da década de 90 – quando elesse tornaram o grupo mais numeroso entre os hispano-ame-ricanos que vivem na cidade – quanto à construção denovas famílias, em geral de forma endogâmica.

Do ponto de vista espacial, os bolivianos estão con-centrados em bairros da zona central da cidade, como oBom Retiro, Brás, Pari, Barra Funda, entre outros. Entre-tanto, há também uma significativa presença deles embairros da Zona Leste, como, Belém, Tatuapé, Penha,Itaquera, Guaianases e em bairros da Zona Norte, comoVila Maria, Vila Guilherme, Casa Verde, Vila NovaCachoeirinha, entre outros.

Outro fator que vale ser destacado é o organizacional,uma vez que nos últimos anos surgiram várias instituiçõesde cunho social e cultural, entre elas as fraternidades fol-clóricas de morenadas, fundadas em função das festasdevocionais. A Fraternidade Bolívia Central, a primeira aser fundada na cidade por ocasião da festa da Virgem deCopacabana de 2001, é a mais expressiva delas, pois reú-ne pelo menos trezentos integrantes – em sua maioria do-nos das oficinas de costura. Contudo, há também a parti-cipação de dançarinos de outras classes sociais inclusivede crianças – o que revela a preocupação do grupo emmanter a continuidade da tradição pela segunda geração.Todos os anos novas roupas e alegorias são alugadas etrazidas da Bolívia para dar um colorido e brilho novosàs festas tradicionais de que participam. O custo do alu-guel gira em torno de U$ 100 (dólares).

O significado de tal presença fundamenta-se em doisfatores: por um lado, é preciso considerar a importânciaeconômica da mão-de-obra boliviana, pois grande partedos que chegaram nas décadas de 80 e 90 trabalha na in-dústria da confecção – seja para coreanos, para brasilei-ros ou mesmo para os próprios compatriotas, que vão àBolívia agenciar trabalhadores para as suas oficinas decostura.1 O problema é a forma como essa reproduçãoeconômica se dá, ou seja, sem nenhuma regulamentaçãotrabalhista, uma vez que parte dessa mão-de-obra éindocumentada.2 Dessa forma, abre-se espaço para rela-ções de trabalho escravo (SILVA, 1997, p. 126). É preci-so lembrar, no entanto, que dentro da comunidade, há tam-bém um grupo significativo de médicos, enfermeiros,dentistas e outros profissionais liberais, dentre os quais

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muitos já enfrentaram o problema da regularização jurí-dica e profissional no Brasil e continuam sendo desafia-dos por ele.

Por outro lado, a importância da presença boliviana emSão Paulo deve-se à vitalidade e pluralidade de suas ma-nifestações culturais, as quais são reproduzidas em dife-rentes momentos do ano, seja no âmbito privado ou pú-blico. Entre os espaços públicos de maior visibilidade emais freqüentados pelos bolivianos na cidade temos aPraça Kantuta, no Canindé e a Igreja Nossa Senhora daPaz, no Glicério (região central).

A praça é um espaço que foi conquistado por eles gra-ças a um processo de negociação com a prefeiturapaulistana e a população local, que se sentiu incomodadacom a presença desses imigrantes no bairro – uma vez que,até o ano de 2002, eles ocupavam a Praça Padre Bento,ou “Praça do Pari”, como é conhecida pelos moradoresdaquela região. Os conflitos tiveram início com o aumen-to da presença boliviana na praça nos fins de semana:começaram a surgir casos de violência, circulação de dro-ga, acúmulo de lixo no local, entre outros. Aos olhos dosmoradores locais, o espaço público estava se transforman-do em privado, sendo apropriado por “estranhos”, queacabavam invertendo a ordem cotidiana das coisas, im-pondo um novo ritmo ao bairro e à cidade (SILVA, 2005,p. 40). Assim, a transferência dos bolivianos para o novolocal, denominado por eles de Praça Kantuta (nome deuma flor do Altiplano), foi o caminho encontrado para seresolver o conflito.

Seja como for, a praça é hoje um “pedaço” boliviano nacidade, ainda que somente aos domingos. Além de ser umespaço de encontro, de degustação da variada gastronomiatípica do país e de múltiplos serviços – como propostas deemprego, corte de cabelo, propaganda religiosa de igrejasevangélicas – a praça é também o palco de várias manifes-tações culturais. Entre elas, vale citar a festa de Alasitas oudas miniaturas, realizada no dia 24 de janeiro, quando sefesteja a deidade andina da abundância, denominada deEkeko. Neste dia, as miniaturas de casas, carros, máquinasde costura, diplomas, alimentos, entre outras, deverão sercompradas antes do meio-dia e abençoadas por um padrecatólico, bem como por um yatiri (sacerdote andino), quefaz o ritual da ch´alla, ou seja, uma oferenda à Pachamama(Mãe Terra), para que os desejos do devoto se tornem rea-lidade (SILVA, 2003, p. 84).

Outra festa que reúne uma grande quantidade de bo-livianos na Praça Kantuta é o carnaval. No domingo decarnaval, vários grupos de danças, entre eles, a morenada,

os caporales, a diablada, os tinkus, as chuntas e outros,que se formam especialmente para a ocasião, fazem suaapresentação na praça. Todos os anos é realizado, tam-bém, um concurso de fantasias para crianças: elas apre-sentam as fantasias das danças dos adultos, numa claraindicação de que deverão continuar a tradição de seus paisem sua nova pátria. Outra tradição que ainda persiste en-tre eles é a molhança, ou brincadeira com água, tradiçãopraticamente extinta no contexto brasileiro, embora fossecaracterística da celebração do Entrudo no Rio de Janei-ro, no século 19.

Ainda no contexto do carnaval, temos o martes dech´alla, ou seja, a oferenda à Pachamama, realizada naterça-feira em âmbito privado e público. Nesse dia, se faz ach´alla ou oferenda da casa, das máquinas de costura, docarro e outros objetos. Depois, se repete o mesmo ritual napraça, onde um pequeno pedaço de terra é cercado simbo-licamente com serpentina para reverenciar e oferecer pre-sentes à Mãe Terra, entre eles: bebida alcoólica, confetes,doces, incenso, entre outros.

A Igreja Nossa Senhora da Paz, no Glicério, é outroespaço freqüentado pelos bolivianos e outros grupos dehispano-americanos que vivem em São Paulo. Inaugura-da em 1942 pelos missionários escalabrinianos para aten-der inicialmente os italianos, esse local é hoje uma refe-rência para os imigrantes mais pobres, pois lá sãooferecidos vários serviços, entre eles orientação religio-sa, jurídica, psicológica e assistência social, e até mesmoalojamento para quem não tem onde ficar no momento desua chegada na cidade, ou quando as redes sociais de apoiodentro do grupo falham.

Entretanto, vale destacar, nesse contexto, a excepcio-nal visibilidade que o ciclo de festas devocionais realiza-das naquela igreja confere aos bolivianos e outros gruposde hispano-americanos. Tal ciclo inicia-se em julho, coma festa da Virgem do Carmo, realizada pelos chilenos;seguidas pelas festas bolivianas das Virgens de Copaca-bana e Urkupiña, no mês de agosto; pela festa peruana doSenhor dos Milagres, no fim de outubro; e finalizando coma festa da Virgem de Caacupê, realizada pelos paraguaiosno início de dezembro.

Nas festas bolivianas, o que chama a atenção é a quan-tidade de pessoas de diferentes classes sociais, faixasetárias e origens étnicas que elas são capazes de aglutinar.Também é notável a diversidade de tradições, ritmos, sa-bores e objetos da cultura material veiculados nessas fes-tividades. Nesse sentido, graças à sua polissemia – quelhes permite exprimir uma pluralidade de significados –

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os símbolos constituem-se um importante canal de diá-logo para grupos de imigrantes em vias de inserção numnovo contexto – como é o caso dos bolivianos em SãoPaulo. Em seguida, veremos como símbolos aparente-mente dissonantes conversam entre si e, ao mesmo tem-po, abrem possibilidades de aproximação entre diferen-tes culturas.

A LINGUAGEM DOS SÍMBOLOS NOCONTEXTO MIGRATÓRIO

Como já notara Manuela C. da Cunha num outro con-texto, a cultura de um grupo étnico no contexto migrató-rio não se perde ou se funde simplesmente, mas sim tendea simplificar-se e a concentrar-se em alguns traços que setornam diacríticos para o grupo. A língua é um deles, pois,como sistema simbólico capaz de organizar a percepçãodo mundo, constitui-se num diferenciador por excelência(CUNHA, 1986, p. 99-100). A culinária, os trajes, ritmosmusicais, danças típicas e outros elementos da culturamaterial são, em geral, veiculados pelos diferentes gru-pos de imigrantes como elementos constitutivos das váriasidentidades em jogo.

No caso dos bolivianos em São Paulo, elas são ao mes-mo tempo elementos de diferenciação – seja em âmbitoregional ou do ponto de vista étnico e cultural – como sãotambém fatores de aglutinação e afirmação da identidadenacional, num contexto de contato interétnico e de discri-minação. As danças da morenada e da diablada sãoemblemáticas dessa realidade, pois, ainda que origináriasde um contexto de escravidão do negro e do índio nas minasde prata da Bolívia, elas passam a ser, no Brasil, a ex-pressão de uma identidade boliviana positiva, independen-temente da origem histórica de cada uma delas – em geralpouco conhecida pelos dançarinos. Vale lembrar, porém,que essas danças eram vinculadas a um contexto religiosoe, portanto, passaram a ser vistas pelos colonizadores como“diabólicas”, pois, segundo Max Weber (1969), esta é aforma de se representar a religião dos vencidos. Um exem-plo disso são as máscaras da morenada e da diablada, asquais ressaltam, por um lado, de forma exagerada e ridi-cularizada, os traços africanos; e, por outro, a demonizaçãopropriamente dita do outro. Entretanto, ao cruzarem asfronteiras geográficas e culturais, esses símbolos são evo-cados e apresentados com orgulho pelos bolivianos comoelementos constitutivos de uma possível “identidade cul-tural” boliviana – ainda que a pluralidade cultural seja umacaracterística inconteste daquele país andino.3

Isto fica evidenciado, sobretudo, no contexto das fes-tas devocionais em São Paulo, nas quais é veiculada umamultiplicidade de tradições e práticas culturais, entre elasa instituição do presterío, que consiste na escolha de umnovo festeiro a cada ano para organizar os festejos. Esteconta com a ajuda de colaboradores (padrinhos), denomi-nada por eles de ayni. Essa tradição, fundada na lógica dadádiva, implica na obrigação de restituir o dom ofertadoquando o doador organizar algum tipo de festa – seja emâmbito privado, como é o caso dos batizados e fim do luto,ou público, como é o caso das festas devocionais. A cola-boração pode ser, por exemplo, armar os arcos no localda festa, revestindo-os de aguayos (tecido multicolorido)e adornados com objetos de prata, máscaras, flores, arte-sanatos, entre outros; oferecer as colitas, representaçãoem miniatura de pequenos objetos obsequiados aos parti-cipantes da festa; ou ainda fazer um cargamento,4 ou seja,adornar um carro com aguayos, utilizando objetos de prata,bonecas vestidas tipicamente e outros elementos que vãosendo incorporados a cada ano (como é o caso do PatoDonald com notas de dólares ou a alegoria de um boi, em2005, reproduzindo exatamente a figura do animal bran-co com uma estrela vermelha na testa que se apresenta noboi-bumbá Garantido, por ocasião do famoso FestivalFolclórico de Parintins, no Amazonas).

A presença desse símbolo pela primeira vez na festada Virgem de Copacabana – uma festa de caráter regionalna Bolívia (La Paz), e que no exterior se transforma em“festa dos bolivianos” – nos instiga a pensar quais seriamos significados dessa presença aparentemente exótica numcontexto cultural diferenciado. Em primeiro lugar, importaressaltar que a festa como um fato social total põe emcirculação uma multiplicidade de elementos culturais esociais, num complexo sistema de prestações totais(MAUSS, 1974, p. 179). Em segundo lugar, seu meio deexpressão, particularmente por meio das formas sensíveise simbólicas, permite o diálogo com elementos de outrasculturas – os quais parecem estar fora de lugar para umapercepção mais desavisada. Entretanto, eles encontrampontos de intersecção num imaginário cultural mais amplo,onde, em sua polissemia, os símbolos podem prestar-se ainteressantes diálogos. No caso das culturas andinas, éimportante destacar a presença de um símbolo como allama branca sacrificada à Pachamama por ocasião doplantio. Símbolos dessa natureza são comuns em contextosem que a relação do homem com a terra é vital para a suasobrevivência, como é o caso dos povos andinos. Paraestes, a abundância não é uma simples decorrência das

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respostas da natureza à ação do homem, mas depende deuma relação de reciprocidade, expressa nos rituais defertilidade, onde o derramamento de sangue é fundamentalpara garantir uma boa colheita. É nesse contexto que allama branca aparece como uma mediação entre morte evida, privação e abundância de bens que são pedidos àPachamama (Mãe Terra) no início do mês de agosto. Ora,ela é também, em suas versões, o significado do animalencontrado nos bois-bumbás de Parintins e nos bumba-meu-boi de outras partes da Região Nordeste – que sãodefinidos por Mário de Andrade como a expressão de algo“maior e geral” que é o “princípio de Morte e Ressurreição”da natureza (ANDRADE apud BRAGA, 2002, p. 336).

Contudo, a figura do boi não é uma exclusividade bra-sileira. Ele está presente em diferentes contextos latino-americanos, como resultado de um processo de mes-tiçagem cultural entre tradições ibero-americanas,indígenas e africanas que ocorreu no Brasil, assim comono restante da América espanhola. No Brasil, as festasdo boi são celebradas, sobretudo, no Nordeste e Nortedo país no mês de junho, época das comemorações dasfestas de São João, tendo sua versão mais conhecida nosbumba-meu-boi do Maranhão. Parintins é hoje um exem-plo emblemático da vitalidade desta tradição que, mi-grando para o Amazonas com os trabalhadores nordesti-nos no ciclo da borracha, mobiliza a região amazônicaem torno da saga dos bois Garantido e Caprichoso, quese enfrentam a cada ano numa disputa criativa e renova-dora. A festa é um auto que dramatiza, segundo a narra-tiva dos brincantes, a História de Catirina, mulher de umpeão de fazenda, chamado Pai Francisco, que estava grá-vida e queria comer língua de boi. Desesperado, seumarido resolve matar o boi do dono da fazenda, o amodo boi. Denunciado por um dos vaqueiros e perseguidopor índios guerreiros a serviço do amo, Pai Franciscotem que encontrar um meio de trazer o boi de volta. As-sim, ele resolve chamar outros personagens para ajudá-lo a “curar” o boi – o padre, o doutor, o pai de santo, opajé – até que alguém deles (o personagem varia de lu-gar para lugar segundo a intenção satírica do auto) oaconselha a aplicar um clister no rabo do boi. Feito oque lhe fora ensinado, o boi dá seu urro, demonstrandoque está vivo, e todos comemoram com danças, comidae bebida a ressurreição do boi (BRAGA, 2002, p. 27-28). Em sua versão amazônica, a estória narrada pelo autodramático é minimizada, reduzindo-se a personagensobrigatórios, porém, quase que só alegóricos (Pai Fran-cisco, Catirina, o amo, os vaqueiros) para dar lugar ao

grande espetáculo do poder do pajé, e transformando-seem celebração dos povos indígenas da Amazônia.

No caso do Peru, o boi aparece na Yawar fiesta, quesignifica festa do sangue, realizada entre os dias 26 a 30de julho, em povoados como Cotabambas (Apurímac),região de Cuzco. Vale notar que as festividades aconte-cem durante as celebrações comemorativas da indepen-dência peruana, o dia 28 de julho.

O ritual consiste em capturar um condor que é apre-sentado ao prefeito na entrada da cidade, o qual lhe dá asboas-vindas. Depois, ele é colocado em cima de um boique, ao movimentar-se, assusta o condor – e este começaa bicar o lombo do animal até sangrar. A presença do san-gue não é aleatória, já que ele fecunda a terra, o ventre daPachamama, aquela que dá os bens necessários à vida. Éimportante dizer que a referida festa está ancorada emprincípios comuns às cosmologias andinas, onde cada ele-mento tem um significado e, portanto, ganha um sentidoparticular para os participantes da festa. O condor estáassociado aos ancestrais e é denominado de Apu (Senhor),de modo que seu habitat, as montanhas, são também con-sideradas seres vivos, morada dos ancestrais, e, por essarazão, cada comunidade tem uma montanha como prote-tora. A partir dessa perspectiva, o condor, denominadode Apu Kuntur (condor sagrado), pertence à esfera celes-te, ou seja, ao mundo superior, em contraposição ao tou-ro, denominado de Wak´as, divindade pertencente aomundo inferior. No meio está a Pachamama, a Mãe-Ter-ra, que gosta de receber presentes, como a folha da coca,incenso, chicha (bebida fermentada do milho), cerveja,entre outros, e, assim, também o sangue, que resulta doencontro auspicioso entre os mundos superior e inferior.Nesse contexto, a festa acontece em meio a uma grandeexpectativa, pois, se ocorrer algum acidente com o condorno momento de sacrificar o boi e ele vier a morrer, algode ruim poderá sobrevir sobre a comunidade – como umaforte seca ou a morte de algum parente daquele que cap-turou o condor. Assim, o momento da sua soltura é mar-cado por um grande alívio e satisfação para aqueles queparticiparam do ritual.

No Paraguai, tal como no Brasil, o boi aparece no con-texto das festas juninas, ou seja, durante os festejos deSão João. Naquele país, esta tradição recebe o nome deToro Candil, uma vez, que durante a festa, a armadura deum touro, feita em madeira recoberta com o couro naturalde um boi, é carregada por um personagem que ameaçaprecipitar-se sobre os participantes da festa, os quais ex-pressam um grande prazer em enfrentar o boi, que tem a

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cabeça em chamas. No final da brincadeira, o boi é quei-mado na fogueira, sendo, portanto, sacrificado simboli-camente.

Já na Bolívia a brincadeira com o boi, denominado deWaka tok‘oris ou de toros bailadores, aparece no contex-to do carnaval (tal como o bumba-meu-boi em Pernam-buco e Alagoas e o boi-de-mamão em Santa Catarina) etambém das festas devocionais – entre elas a da Virgemde Urkupiña (Cochabamba) e a de Gran Poder (La Paz)–, quando um personagem com a armadura do boi e umoutro na condição de toureiro simulam uma tourada. Acada três passos o boi dá uma volta e aquele que imita otoureiro levanta uma espada de madeira insinuando o atode sacrificá-lo (PAREDES, 1981, p. 40-41).

Seja como for, esse boi que aparece em diferentes fes-tas latino-americanas é “bom para pensar” a dinâmica dacultura – particularmente no contexto da migração, poisos símbolos, em sua polissemia, vão revelando umapluralidade de significados que permitem o diálogo entrecontextos culturais aparentemente distantes e desconexose, ao mesmo tempo, são signos aferidores de identidades.No caso de Parintins, o boi é o elemento central em tornodo qual se constrói uma identidade regional que é reafir-mada anualmente no ciclo das festas juninas, a partir dadisputa entre os bois Garantido e o Caprichoso (VIEIRAFILHO, 2002, p. 31). Já em São Paulo, o boi indicaria aexistência de uma mediação cultural dialogando com allama, símbolo das culturas andinas e, portanto, elementode afirmação de uma identidade andina e boliviana quequer impor-se enquanto positividade em meio a um con-texto de discriminação, como é o vivido pelos bolivianosna atualidade. Essa é a identidade que se afirma atravésda festa “confundindo-se” com a cultura local e é, aomesmo tempo, signo da “carnavalização” que marca am-bos os festejos.5 Um exemplo disto é a fala de GuillermoSalazar, residente há mais de quarenta anos na cidade, eque só nos últimos anos começou a participar das festasmarianas. Antes, ele procurava viver no anonimato e nãoparticipava de nenhuma atividade organizada por bolivia-nos – o que pode ser interpretado como uma estratégia paranão ser identificado como boliviano, em razão dos pre-conceitos com que seu grupo é visto por setores da socie-dade paulistana e com os quais teria que lidar. Hoje, par-ticipante das festas devotas, ele afirma enfaticamente:solamente ahora tengo consciencia de mis raíces. Istosignifica que agora ele já não tem mais receio de se assu-mir enquanto boliviano, pacenho, andino e de ascendên-cia aimará. Pelo contrário, sente-se orgulhoso dessas for-

mas de pertencimento e identidades que as festas e seussímbolos lhe permitem reconhecer.

Assim, como uma linguagem distintiva, a migração dossímbolos permite dizer várias coisas ao mesmo temposobre quem os veicula. Mais do que isso: permite-lhes criarnovas formas de diálogo com o novo contexto que os re-cebe – e que é marcado, não raras vezes, por tensões eambigüidades.

NOTAS

Trabalho apresentado na IX Abanne – Reunião de antropólogos do Nortee Nordeste/2005.

1. Vale notar que existem redes de agenciamento de mão-de-obra naBolívia, em cidades como La Paz, de onde vem grande parte dos boli-vianos que vivem em São Paulo, e Santa Cruz de La Sierra, cidademais próxima do Brasil e, portanto, última etapa antes da saída do país.O custo da viagem para o emigrante pode variar, dependendo do traje-to escolhido. Para quem opta pela entrada por Corumbá (MT), podecustar cerca de US$ 120,00 (dólares). Porém, o risco de ser detido porum agente federal é maior. Já quem escolhe a rota do Paraguai, teráque enfrentar uma longa e exaustiva viagem até chegar à Ciudad DelLeste, para depois cruzar a fronteira e entrar no Brasil por Foz do Iguaçu(PR). O custo deste trajeto pode chegar a US$ 160,00 (dólares).

2. O problema da indocumentação tem sido um dos grandes desafiospara os imigrantes mais pobres no Brasil, particularmente para os bo-livianos, uma vez que o Estatuto do Estrangeiro, aprovado em 1980por decurso de prazo e num contexto de Segurança Nacional, só per-mite a entrada de mão-de-obra especializada e de empreendedores nopaís. Para os que não se enquadram nestes critérios, as duas únicaspossibilidades de regularização são o casamento com cônjuges brasi-leiros ou o nascimento de um filho em território brasileiro. Um novoprojeto de lei está em discussão no Congresso Nacional. Entretanto, anova proposta mantém o seu caráter seletivo e economicista, sem le-var em conta a Política de Direitos Humanos do governo brasileiro.No dia 15 de agosto de 2005 foi assinado um acordo entre Brasil eBolívia para a regularização dos indocumentados em ambos países. Oproblema, porém, é a pesada multa que cada imigrante terá que pagarpara regularizar-se, a qual gira em torno de R$ 828,00, valor equiva-lente a cem dias de ilegalidade no país.

3. Vale notar que a questão da identidade cultural, quando tomada deforma essencialista, “pode levar a uma racialização dos indivíduos edos grupos, pois, para algumas teses radicais, a identidade está prati-camente inscrita no patrimônio genético”. Nesta perspectiva, a identi-dade “é vista como uma condição imanente do indivíduo, definindo-ode maneira estável e definitiva” (CUCHE, 1999, p. 178-179). Entre-tanto, num contexto contrastivo, como o vivido pelos bolivianos emSão Paulo, a tendência é apresentar uma identidade cultural essen-cializada, pois o que está em jogo é exatamente a afirmação de umaidentidade positiva numa situação de discriminação.

4. Essa tradição remonta à época pré-colombiana, quando os metaispreciosos, que não tinham valor de troca, eram levados no lombo deanimais para serem oferecidos às divindades incaicas. Hoje, essa tra-dição continua vigente, seja nas festas devocionais realizadas na Bolí-via, seja naquelas realizadas no exterior – como é o caso de São Paulo,ocasião em que os devotos fazem passar perante a Virgem os símbolosde sua riqueza obtida da terra (isto é, graças à intermediação daPachamama), oferecendo-a como agradecimento ou em caráterpropiciatório, na esperança de obter a dádiva da Mãe-Terra (MAUSS,2005). Porém, agora essa riqueza já não é mais retirada da terra, como

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 77-83, jul./set. 2005

em épocas pretéritas, mas do trabalho superexplorado nas confecçõesda cidade (SILVA, 2003, p.89).

5. Não é por acaso que danças como a morenada e a diablada entreoutras – que em geral são apresentadas no carnaval de Oruro e tam-bém nas festas devotas em São Paulo – vão parar na quadra da escolade samba Camisa 12, local onde ocorre o último dia dos festejos.

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SIDNEY ANTONIO DA SILVA: Antropólogo, Doutor em Antropologia pelaUSP, Membro do conselho editorial da revista Travessia.

Artigo recebido em 30 de junho de 2005.Aprovado em 25 de agosto de 2005.

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ROSANA BAENINGER

O

Resumo: Este artigo busca resgatar as tendências migratórias nacionais para o Estado de São Paulo nos anos90, destacando a centralidade da Região Metropolitana de São Paulo. No âmbito intra-regional, são analisa-dos os fluxos migratórios metrópole-interior, em especial nas áreas consolidadas como espaços ganhadores depopulação.Palavras-chave: Migração. Redistribuição da população. Urbanização.

Abstract: This article seems to recover the national migratory trends for the State of São Paulo in 1990s, denotingthe centrality of the São Paulo Metropolitan Area. In the intra-regional scope, the metropolis-interior migratoryflows are analyzed, in special in the areas consolidated as spaces witch receive population.Key words: Migration. Redistribution of population. Urbanization.

ROSANA BAENINGER

SÃO PAULO E SUAS MIGRAÇÕESNO FINAL DO SÉCULO 20

presente trabalho busca analisar o papel de SãoPaulo no contexto migratório nacional nos anos90, bem como aprofundar aspectos da dinâmica

ricas estimulam algumas interpretações teóricas que, semabandonar a importância das transformações econômicase suas relações com a dinâmica migratória e regional, con-sideram abordagens que possam ser complementares emais voltadas para a sociologia contemporânea.

ASPECTOS TEÓRICOS DA MIGRAÇÃO NASÚLTIMAS DÉCADAS

As tendências gerais dos deslocamentos populacionaisno Brasil ocorridos desde os anos 30 até a década de 70estiveram ancoradas na enorme transferência de popula-ção do meio rural para o urbano, nas migrações com des-tino às fronteiras agrícolas, no fenômeno da metro-polização e na acentuada concentração urbana.

Na vertente da migração rural-urbana, Singer (1973)contextualizou esses movimentos migratórios no bojo doprocesso de industrialização em curso, onde os desloca-

intra-estadual.As preocupações que permeiam o trabalho estão pau-

tadas nas seguintes questões: houve a continuidade doprocesso de desconcentração populacional da metrópolede São Paulo? Qual foi o comportamento das áreas carac-terizadas como de evasão populacional? Como se deu ocrescimento das cidades e o crescimento da populaçãosegundo a morfologia da rede urbana paulista? Os pólosregionais continuaram sendo absorvedores de população?

As tendências apontadas a seguir indicam novos arran-jos migratórios no Estado: há a consolidação de determi-nadas áreas; a expansão da migração para regiões fora dasfranjas metropolitanas; ao mesmo tempo, observa-se aredefinição de espaços da migração, tanto na metrópolede São Paulo quanto no interior.1 Essas evidências empí-

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mentos populacionais – com origem no rural e destinourbano representavam a força de trabalho necessária àetapa de acumulação capitalista. As áreas rurais estagna-das ou em processo de transformação contribuíam para“fatores de estagnação” ou “fatores de mudanças”impulsionadores de fluxos migratórios nos locais de ori-gem, onde as “causas” e os “motivos” da migração eramresultantes das transformações econômicas globais dasociedade. Os excedentes populacionais do rural consti-tuíam transferências populacionais para as cidades, coma incorporação desses contingentes no mercado de traba-lho industrial em expansão.

Embora os movimentos migratórios rural-urbanos fos-sem a principal força redistributiva da população, princi-palmente nos anos 50 e 60, o panorama dos movimentosmigratórios no Brasil foi se ampliando a partir de então,até mesmo pela nova etapa de desenvolvimento econômi-co que o país viria assistir (CANO, 1988; PACHECO;PATARRA, 1998; MARTINE, 1987). Segundo Martinee Camargo (1984), o cenário da distribuição espacial dapopulação brasileira a partir dos anos 60 foi movido porforças centrífugas, com a expansão populacional (migra-ções inter-regionais) rumo às áreas de fronteiras, e porforças centrípetas, com a migração rural-urbana em dire-ção às grandes cidades do Sudeste, particularmente paraa Região Metropolitana de São Paulo.

Já nos anos 70, no bojo dessa bipolaridade, as forçasde reforço à concentração (forças centrípetas) faziam-senotar, promovendo a emigração das áreas de fronteirasagrícolas em direção às cidades maiores (MARTINE,1987). Nesse contexto, a urbanização nacional operava-se em moldes cada vez mais concentradores, em um pro-cesso de distribuição da população que tendia a privilegiaros grandes centros urbanos do Sudeste.

A partir dos anos 80, essas forças redefinem-se com maisnitidez e pode-se compreender melhor as direções e ossentidos das migrações internas. As “forças centrífugas”,resultantes da força de atração exercida pelas fronteirasagrícolas, já haviam acentuado sua perda de importâncianos anos 70 (MARTINE, 1987), muito embora seus des-dobramentos tenham ainda se refletido, nos anos 80 einício dos 90, nos movimentos migratórios. Já as “forçascentrípetas”, em especial a exercida pela metrópole de SãoPaulo, arrefeceram pós anos 80, porém não desaparece-ram (BAENINGER, 1999). Compondo um movimento maisamplo de distribuição populacional, a Região Metropoli-tana de São Paulo – RMSP também passou a se destacarpela importância de seu volume emigratório em nível nacio-

nal, emprestando recentes características ao processo dedistribuição espacial da população e redefinindo algunsaspectos da migração interna, ao mesmo tempo em que aindase mantém como o maior centro de recepção migratória.

As migrações internas assumem, nesse contexto, maiorcomplexidade, particularmente pelo predomínio dasmigrações entre áreas urbanas; ou seja, movimentos mi-gratórios constitutivos e elemento fundamental na con-figuração de novas espacialidades. Portanto, o en-tendimento do processo de reorganização da populaçãono espaço desloca-se do eixo de análise via migração rural-urbana, que é a força motriz das análises centrípetas.

Nas últimas décadas, as migrações internas no Brasilforam marcadas por alterações expressivas em sua dinâmica– e estas refletem-se nas novas especificidades e tendênciasdo processo de distribuição espacial da população. Ao ladodos fluxos tradicionais, também passam a sobressair-secomo elementos explicativos e determinantes do fenômenomigratório: outras direções (movimentos de curta distância,movimentos de retorno, movimentos intra-regionais) e novasdimensões da migração – em particular a espacial.

As tendências recentes dos movimentos migratórios noBrasil suscitaram análises interpretativas enriquecedorasdo debate atual. As transformações ocorridas no fenômenomigratório poderiam estar apontando: a configuração deum novo padrão migratório brasileiro (BRITO, 1997); oresultado das transformações ocorridas na sociedade e emsua dinâmica econômica no mesmo período (PACHECO;PATARRA, 1998); variações de um mesmo processohistoricamente referenciado no tempo e no espaço(CUNHA, 1999); a desconcentração da população frenteà desconcentração econômica (MATOS, 1995); a expansãodos espaços da migração (BAENINGER, 1999).

Mesmo com diferentes maneiras de interpretar o fenô-meno, essas análises indicam, de modo geral, a partir dosanos 80, as evidências e características apontadas anterior-mente: inflexão no ritmo de crescimento metropolitano,aumento nas migrações de curta distância, importância dofluxo de retorno, esgotamento dos deslocamentos para asfronteiras agrícolas, diminuição no ímpeto das migraçõesinter-regionais.

Os anos 90 foram ainda mais desafiadores em termos deinterpretações teóricas, particularmente em relação às aná-lises pautadas na interiorização da indústria, uma vez queesse processo vem perdendo fôlego desde meados dos 80.

Se, de um lado, os anos 80 e 90 assistiram a inten-sificação e consolidação de tendências já observadas nosanos 70, deve-se, contudo, considerar que, a partir de então,

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esses fenômenos estiveram contextualizados em tempos,momentos e espaços inseridos em uma outra sociedade:na sociedade de risco (BECK, 1992) ou na alta mo-dernidade (GIDDENS, 1991). A compreensão dosfenômenos urbanos, em especial as novas formas demobilidade espacial da população, passam por dimensõesque, mesmo como reflexos de reestruturações na economia,compõem um novo mosaico das interações sociais.

A articulação de processos locais ao âmbito regional eglobal promove “mecanismos de desencaixe” da socieda-de (GIDDENS, 1991), com reflexos nos processos de ur-banização e de redistribuição espacial da população nosvariados contextos regionais. As novas territorialidades,por sua vez, aceleram seu processo de emergência na so-ciedade contemporânea, onde os riscos são compartilha-dos (OJIMA, 2003).

Nesse novo cenário, as novas territorialidades, queabrangem municípios diferenciados, estão imersas em umconjunto de “sistemas peritos” da sociedade (GIDDENS,1991) – dentre os quais se destaca a facilidade de trans-portes –, contribuindo para a formação, a institucio-nalização e para os desafios da gestão desses espaços, tantoem termos das migrações e dos deslocamentos popula-cionais quanto das políticas sociais. O aumento da migra-ção intrametropolitana e intra-regional é também uma res-posta aos espaços compartilhados da sociedade de risco eindicam a necessidade de arranjos institucionais que con-templem essas novas territorialidades.

O aprofundamento futuro dessas interpretações poderácontribuir para o entendimento do fenômeno migratórioem São Paulo, bem como para a compreensão da relaçãoentre migração e urbanização nos espaços metropolitanose interioranos.

O PÓLO NACIONAL DE RECEPÇÃOMIGRATÓRIA: SÃO PAULO

As tendências da migração nacional nas últimas déca-das vêm indicando oscilações do volume migratório quese dirige a São Paulo. À intensa migração interestadualdos anos 70 (3,2 milhões de pessoas) seguiu-se uma redu-ção na década de 80 (2,6 milhões). Isso parecia indicarque essa tendência continuaria para os anos 90; no entan-to, nesse último período as migrações interestaduais paraSão Paulo voltaram aos patamares dos anos 70 (3,2 mi-lhões de migrantes).2

Contudo, a outra face do fenômeno migratório estadualé marcada pela emigração de São Paulo – tendência que

vem se mantendo constante a partir dos anos 80: de 1,3milhões, nos 70, para 1,8 milhões, nos 90.

Desse modo, considerando-se a “eficiência” do Esta-do de São Paulo na retenção da migração, observa-se que,nos anos 70, este figurava no contexto interestadual comoárea de média absorção migratória (IEM de 0,43), comum ganho líquido populacional de quase 2 milhões depessoas. Já no período 1981-1991, passava para área debaixa absorção migratória (IEM de 0,28), decrescendoseu saldo migratório para 1,2 milhão de pessoas. No perío-do 1990-2000, manteve essa baixa capacidade de reten-ção da migração, com o mesmo IEM (0,29) registrado nadécada anterior, porém com um saldo migratório mais ele-vado de 1,5 milhão de pessoas. Destaca-se que, com rela-ção aos anos 70, mesmo com volumes de migração seme-lhantes, os anos 90 registraram menor capacidade deretenção da população no Estado.

De fato, deve-se destacar que, dentre as característicasda migração interestadual para São Paulo, houve impor-tante redução de seu volume absoluto dos anos 70 para os80. Nos anos 70, a média anual era de 325.089 migrantes,baixando para 267.916, no período 1981-1991; para o pe-ríodo 1990-2000, este volume anual voltou a ser de325.438 migrantes. Constata-se, portanto, que os anos 80caracterizaram-se como o momento específico da tendên-cia de declínio da imigração interestadual para São Paulo,e pode ter refletido os efeitos mais imediatos da descon-centração econômica, das novas economias regionais, das“ilhas de prosperidade” (PACHECO, 1998) que, juntamen-te com a forte crise econômica que se manifestava nametrópole de São Paulo, compuseram um movimento depopulação caracterizado tanto pela redução na imigraçãoquanto pela forte emigração para fora de São Paulo.

O aumento da imigração nos anos 90 para o Estado deSão Paulo – em especial para a RMSP – parece se devermenos a uma recuperação econômica da metrópole paulista(até pelo aumento da emigração nos 90), e mais, talvez,ao arrefecimento na capacidade de reter a população nasáreas de “origem” da migração. Essa retomada da imigra-ção para São Paulo pode trazer à tona a discussão dareconcentração da migração em São Paulo. De fato, porum lado, em termos de migração de longa distância, pare-ce que São Paulo mantém essa centralidade dos destinosmigratórios; por outro, nesse mesmo movimento está pre-sente um forte componente de retorno que transforma es-paços migratórios anteriormente consolidados, como aRMSP, em áreas de intensas entradas e saídas de contin-gentes populacionais.

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Apesar da crise econômica, São Paulo continuou sendoo maior pólo de recepção da migração, bem como o“coração da economia nacional”. Portanto, no imagináriomigratório – principalmente para os migrantes de áreasmenos desenvolvidas – essa área continuará fazendo parteda geografia mental da população (VAINER, 1991).Talvez a relação migração/industrialização não seja tãonítida e direta como nos anos 60 e 70, mas, para os movi-mentos interestaduais, permanece a forte e complexarelação migração/emprego e, certamente, as redes sociaisconstituem elementos importantes da manutenção dehistóricos fluxos migratórios para a metrópole.

Na estrutura migratória dos fluxos de chegada e saídade migrantes inter-regionais de e para o Estado de SãoPaulo (Tabela 1), nos anos 90, o Nordeste continuou lide-rando em volume, respondendo por 52,6% dos que entra-ram no Estado. O volume total da imigração dessa região,que era de 1,3 milhão de migrantes, no período 1981-1991,subiu para 1,7 milhão entre 1990 e 2000.

Dentre os Estados da Região Nordeste, destaca-se o in-cremento da imigração, vinda principalmente da Bahia(de um volume de 437 mil pessoas, nos anos 80, para 652mil, nos 90), do Maranhão (de 32 mil para 63 mil migrantes,respectivamente) e do Piauí (de 79 mil para 109 mil pes-soas). Pernambuco continuou ocupando o segundo maior

fluxo de migrantes do Nordeste para o Estado de São Paulo,porém mantendo no mesmo patamar seu volume de emi-gração (de 322 mil, entre 1980 e 1991 para 331 mil, nosanos 90). Por outro lado, a emigração do Estado de SãoPaulo para os estados nordestinos também aumentou: de509 mil emigrantes, nos anos 80, para 690 mil, entre 1990e 2000; para a Bahia, a emigração, que foi de 147 mil pes-soas, na década de 80, passou para 223 mil, nos anos 90.Nas trocas líquidas populacionais, no entanto, São Pauloaumentou seu ganho com o Nordeste, de 834 mil pessoaspara 982 mil, de uma para outra década; com a Bahia, nastrocas populacionais, São Paulo chegou a obter um ganhode 428 mil pessoas contra 289 mil, dos anos 80.

Essa elevação no ganho populacional para o Estado deSão Paulo, advinda das trocas migratórias, ocorreu tam-bém com os Estados da Região Norte. Ainda nos anos 80,São Paulo registrou uma emigração para essa região decerca de 58 mil pessoas, como reflexo das possibilidadesde expansão da fronteira agrícola e do garimpo, sendo ovolume de entrada para o Estado praticamente o mesmo.Já nos anos 90, a emigração para os Estados da RegiãoNorte em seu conjunto decresceu (49 mil migrantes),embora para o Estado do Pará possa-se observar um li-geiro aumento em seu volume (de 13 mil pessoas para 15mil), o que resultou em um ganho populacional da ordem

TABELA 1

Volumes de Imigração e Emigração Interestadual, segundo Regiões

Estado de São Paulo – 1981-2000

RegiõesImigração Emigração Trocas Migratórias

1981-1991 1990-2000 1981-1991 1990-2000 1981-1991 1990-2000

BRASIL (1) 2.679.162 3.177.676 1.494.933 1.789.544 1.184.229 1.388.132

Norte 58.715 58.444 58.742 49.295 -27 9.149

Pará 26.275 25.478 13.192 15.511 13.083 9.967

Nordeste 1.343.496 1.672.649 509.433 689.908 834.063 982.741

Maranhão 32.136 63.309 13.244 19.675 18.892 43.634

Piauí 79.823 109.358 26.004 49.794 53.819 59.564

Pernambuco 322.686 331.070 121.071 128.640 201.615 202.430

Bahia 437.131 652.212 147.587 223.420 289.544 428.792

Sudeste 619.793 530.765 424.912 521.039 194.881 9.726

Minas Gerais 475.269 411.590 326.580 412.020 148.689 -430

Sul 493.407 406.346 287.240 344.090 206.167 62.256

Paraná 440.281 347.388 222.365 262.129 217.916 85.259

Centro-Oeste 163.751 168.242 214.606 185.212 -50.855 -16.970

Mato Grosso 37.689 45.425 64.125 40886 -26.436 4.539

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000 (tabulações especiais, Nepo/Unicamp).

(1) Exclui país estrangeiro.

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de 9 mil pessoas com origem na Região Norte para o Es-tado de São Paulo.

Considerando outra área de fronteira agrícola – a Re-gião Centro-Oeste – a tendência a maior emigração paraseus estados do que a imigração para São Paulo aindapermaneceu nos anos 90, embora o volume de emigrantestenha apresentado uma diminuição: de 214 mil, no perío-do 1980-1991, para 185 mil migrantes, nos anos 90 – oque resultou na manutenção da perda populacional de SãoPaulo para o Centro-Oeste em seu conjunto. Deve-se men-cionar, contudo, que com o Estado do Mato Grosso, SãoPaulo reverteu a tendência de perda de população, de umapara outra década, passando a registrar um ganho po-pulacional positivo; parte desse volume de imigração paraSão Paulo é composto por um movimento de retorno demigrantes que para lá se deslocaram em décadas passadas.

Foi com os Estados do Sudeste – em especial com Mi-nas Gerais – que o Estado de São Paulo refletiu a expan-são dos espaços da migração no Brasil: passou a registraruma perda populacional nos anos 90. Embora o volumede entrada de mineiros constitua o segundo maior fluxoda migração para São Paulo, em torno de 410 mil pessoas,entre 1990 e 2000 (era de 475 mil, nos anos 80), a emi-gração em direção a esse Estado elevou-se, de 326 milemigrantes para 412 mil, entre 1980-1991 e 1990-2000.

Com a Região Sul, embora o movimento de imigraçãotenha diminuído (de 440 mil pessoas para 347 mil) e ovolume de emigração aumentado ligeiramente (de 222 milpessoas para 262 mil), os ganhos populacionais para SãoPaulo mantiveram-se, mesmo que em volume bem menor(de 217 mil pessoas para 85 mil).

Ou seja, a imigração vinda de Minas Gerais e Paranáainda representam volumes expressivos de migrantes parao Estado de São Paulo. O que se constata, entretanto, éque o movimento emigratório foi bem mais acentuado,sobretudo para Minas Gerais. Em estudos anteriores sobreos anos 80, apontava-se uma tendência de menor migraçãopara São Paulo oriundas desses estados. Na verdade, SãoPaulo continuará sendo o maior pólo de recepção migratóriano país, ao mesmo tempo em que se assiste a expressivaemigração desta área para localidades específicas.

Os movimentos migratórios de e para São Paulo, se-gundo as Grandes Regiões, no período 1990-2000 indi-caram:- aumento da atração migratória do Estado com relação àRegião Norte;

- incremento no volume de imigração vinda da RegiãoNordeste e da emigração de São Paulo para lá. Assim, São

Paulo volta a ser uma área de média absorção migrató-ria com relação ao Nordeste;

- inversão da tendência do movimento migratório comMinas Gerais;

- manutenção da tendência de evasão populacional parao Sul, em especial para o Paraná, porém ainda mantendoganhos populacionais com os Estados dessa região;

- com o Centro-Oeste, ainda manteve perdas popu-lacionais, embora note-se a recuperação migratória como Estado de Mato Grosso.

No cenário da migração brasileira, o Estado de SãoPaulo, no período 1990-2000, continuou recebendo maisda metade da emigração que saiu do Nordeste e até mes-mo do Sul. Por outro lado, também continuou responden-do pelos maiores volumes de pessoas que chegaram a es-sas mesmas regiões. No entanto, a potencialidademigratória do Estado diminuiu com relação a Região Sule Sudeste, aumentou com o Nordeste e Norte, e apontouessa mesma tendência com relação à Região Centro-Oes-te.

Considerando o movimento emigratório do Estado deSão Paulo, os anos 80 caracterizaram-se como a “décadado retorno”, quando 45,0% dos migrantes que deixaramSão Paulo estavam voltando aos seus Estados de nas-cimento. Nos anos 90, essa proporção foi semelhante,indicando que se trata de um fenômeno de longa duraçãoe não apenas circunscrito a uma década. Esse refluxopopulacional envolveu 669.781 pessoas no período 1981-1991, das quais quase a metade (319.340 migrantes)retornaram aos Estados nordestinos. No período 1990-2000, o retorno com origem em São Paulo alcançou807.401 pessoas, sendo 427.524 para o Nordeste (52,9%do total da emigração).

A emigração de São Paulo para Minas Gerais teve for-te componente de retorno (45%), bem como para o Paraná(39%). Nesses dois casos, a redinamização recente dedeterminados espaços urbano-regionais serviu não só paradiminuir a emigração dessas áreas para São Paulo, comotambém passaram a atrair um fluxo de retorno.

Para as Regiões Norte e Centro-Oeste, foram registradasas menores proporções e volumes de retornos. Para oCentro-Oeste, esse refluxo foi mais significativo em fun-ção da proximidade geográfica, e mesmo do bom desem-penho econômico regional nesse período (GUIMARÃES;LEME, 1997) – tanto que São Paulo continuou perdendopopulação para essa região ainda nos anos 90, como jáfoi mostrado anteriormente.

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As direções e sentidos da imigração – e, particularmen-te, da emigração do Estado de São Paulo – comportamexplicações distintas. Assim, no processo migratório in-terestadual paulista configuram-se, pelo menos, quatrosituações:- absorção de população vinda do esgotamento da fron-teira agrícola do Norte;

- emigração do Estado de São Paulo (fluxos para o Nor-deste);

- continuidade da imigração Nordeste São Paulo, prin-cipalmente pelas redes migratórias pré-estabelecidas;

- fortalecimento da desconcentração migratória a partirde São Paulo em direção às áreas que registraram desdo-bramentos no processo de desconcentração industrial eagroindustrial do país (Minas Gerais, Rio Grande do Sul,Mato Grosso do Sul e Goiás).

Portanto, de um lado, São Paulo expandiu seus espa-ços de migração – sobretudo com a porção Centro-Lestee Sul do país, áreas onde os efeitos multiplicadoresadvindos da desconcentração foram mais acentuados – e,de outro lado, reforçou seu caráter de pólo nacional comas Regiões Nordeste e Norte.

Redistribuição da População no Contexto Paulista

O Estado passou de uma taxa de crescimento de 3,5%a.a. nos anos 70 para 2,12% no período 1980/91, chegandoa 1,8% a.a. nos anos 90 (Tabela 2). O menor crescimentoda Região Metropolitana de São Paulo (1,9% a.a., no perío-do 1980/91 contra 4,5% a.a. na década anterior e 1, 6%a.a. 1991 e 2000) refletiu fortemente na taxa estadual.

A capital do Estado (ou seja, o Município de São Pau-lo) registrou um decréscimo considerável em sua taxa de

crescimento da população total, passando de 3,7% a.a.,nos anos 70, para 0,87% a.a., nos anos 90. O interior man-teve mais ou menos estável sua taxa de crescimento: 2,6%a.a. em 1970/80 e 2,4% a.a. no período 1980/91, baixan-do para 1,9% entre 1991 e 2000.

Assim, a partir dos anos 80, tanto a Região Metropoli-tana de São Paulo quanto sua sede vêm apresentando ta-xas de crescimento populacional abaixo da média nacio-nal (que foi de 1,93% a.a., nos anos 80, e 1,6% entre 1991e 2000) e estadual (2,1% a.a. e 1,8% a.a., respectivamen-te). Destaca-se, no entanto, que a periferia da área metro-politana de São Paulo apresentou ritmo de crescimentopopulacional mais elevado que a média do Estado e dointerior: 3,20% a.a., nos anos 80, e 2,8% a.a., nos 90, in-dicando a intensa mobilidade intra-regional da populaçãometropolitana.

O baixo crescimento populacional da área metropoli-tana de São Paulo evidenciou no período 1980/91, pelaprimeira vez na história do século 20, um saldo migrató-rio negativo de grande magnitude: cerca de 274 mil pes-soas, sendo que o Município de São Paulo teve o maiorpeso nesse processo, chegando a registrar um saldo nega-tivo de mais de 750 mil pessoas.

Entre 1991 e 2000, o saldo migratório permaneceunegativo para a cidade de São Paulo: 457 mil pessoas(Tabela 3). Nesse sentido, reforçando uma incipientetendência anterior de “perda” de população, a RegiãoMetropolitana de São Paulo – e, particularmente, a cidadede São Paulo – teria se transformado agora em área decirculação para uma parcela significativa da populaçãomigrante. O interior de São Paulo reforçou seu potencialde absorção migratória, passando de um saldo migratóriopositivo de 850 mil pessoas, nos anos 80, para 1,1 milhão,nos anos 90.

TABELA 2

População Total e Taxas de Crescimento Populacional

Estado de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo e Interior – 1970/2000

Área

População Total Taxa de Crescimento (% a.a.)

1970 1980 1991 1996 20001970- 1980- 1991-

1980 1991 2000

Estado de São Paulo 17.771.948 25.040.712 31.436.273 34.407.358 37.035.456 3,49 2,13 1,78

RMSP 8.139.730 12.588.725 15.416.416 16.581.933 17.833.511 4,46 1,86 1,63

Capital 5.924.615 8.493.226 9.626.894 9.839.066 10.435.546 3,67 1,15 0,87

Periferia 2.215.115 4.095.499 5.789.522 6.742.867 7.397.965 6,34 3,20 2,81

Interior de São Paulo 9.632.218 12.451.987 16.019.857 17.825.425 19.201.945 2,60 2,38 1,92

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1970 a 2000; Contagem da População de 1996.

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90 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005

ROSANA BAENINGER

localidades, cidades, regiões e nações [...] criando uma

atmosfera de lugar e tradição que aja como atrativo para o

capital e para pessoas “do tipo certo” (isto é abastadas e

influentes).

Nessa nova etapa de desenvolvimento econômico, asregiões mais dinâmicas estão “abertas” e absorvem osmigrantes qualificados; que é minoria. As variadas e dis-tintas modalidades de movimentos migratórios, envolven-do principalmente áreas urbanas, rompem com o para-digma explicativo da emigração como um dos efeitossociais negativos resultantes do menor crescimento eco-nômico e, sobretudo, da ausência de atividades industriaisfortes. Na relação migração/dinâmica econômica, as ci-dades mais prósperas (em termos de inserção no mercadoregional, nacional e internacional) tendem a registrar osmaiores volumes de emigrantes, tanto na RMSP quantono interior do Estado. Assim, os fatores de expulsão, paraos migrantes de baixa renda, estariam nas áreas mais di-nâmicas e os de atração nas de menor dinamismo. Contu-do, essa interpretação só faz sentido se a dimensão espa-cial for considerada como elemento constitutivo do próprioprocesso migratório. As migrações intrametropolitanas,intra-regionais e da metrópole para o interior exemplificamessa formulação.

As mudanças no paradigma da indústria,4 que se ma-nifestam na crescente diminuição da absorção de mão-de-obra, já revelam o deslocamento do eixo explicativoda migração via industrialização. Se nos anos 70, prin-cipalmente, os destinos migratórios apresentavam estreitarelação com o dinamismo industrial das regiões do inte-rior (incluindo-se o agroindustrial), agora as evidênciasempíricas apontam a necessidade de mudanças nas abor-dagens sobre as migrações – em particular no casopaulista.

TENDÊNCIAS DAS MIGRAÇÕES PAULISTAS:METRÓPOLE E INTERIOR

Considerando o destino da migração vinda de outrosEstados para o Estado de São Paulo, torna-se importanteindicar os espaços paulistas desse movimento (Tabela 4).

Em que pese o aumento das migrações interestaduaispara o interior de São Paulo, com tendência crescentenos últimos 30 anos (de 1,1 milhão, nos anos 70, para1,4 milhão nos anos 90), é notável a retomada da força daRMSP na recepção dessa imigração, nos anos 90. Entreos anos 70 e 80, a metrópole paulista vivenciou expres-sivo decréscimo da migração interestadual: de 2,2 milhões

TABELA 3

Saldos Migratórios

Estado de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo e

Interior – 1980-2000

ÁreasSaldos Migratórios

1980-1991 1991-2000

Estado de São Paulo 556.424 1.326.987

RMSP -290.455 219.051

Município de São Paulo -754.358 -457.416

Outros Municípios da RMSP 463.903 677.007

Interior 846.879 1.107.36

Fonte: Fundação Seade (2002).

Esse processo de desconcentração populacional da áreametropolitana de São Paulo está, em parte, associado à cri-se econômica dos anos 80 e à recessão econômica dos anos90. Pode-se dizer que até os anos 80, o processo dedesconcentração da indústria de São Paulo em direção aoutros estados e para o interior (NEGRI; PACHECO, 1993)foi acompanhado, embora com defasagem temporal – poisa desconcentração econômica foi mais contundente nos anos70 –, de importantes fluxos migratórios na mesma direção.A partir dos anos 90, o processo de reestruturação produti-va tem mudado o perfil da indústria brasileira, com a reto-mada do maior peso relativo do Estado de São Paulo nadistribuição da indústria de transformação nacional. Assim,em que pese a enorme alteração na “dimensão espacial dodesenvolvimento brasileiro”, o Estado de São Paulo diver-sificou e modernizou sua indústria de transformação, per-manecendo na posição de centro dinâmico do país.3

Na verdade, a “condição pós-moderna” (HARVEY,1992) que busca a metrópole paulista tenderá a gerar, cadavez mais, um enorme excedente populacional sem queocorra uma perda de dinamismo econômico da região; aredefinição de seu papel no cenário nacional e a compe-titividade entre metrópoles do mundo globalizado fará comque esta área reafirme seu caráter de centro decisório dopaís, especialmente em termos financeiros, tornando-seapenas área de circulação para a população migrante.

Essa reestruturação produtiva implica também nacompetitividade entre os espaços urbanos para sua inser-ção nessa dinâmica global; nesse esforço, Harvey (1992,p. 267) enfatiza que

a produção ativa de lugares dotados de qualidades especiais

se torna um trunfo na competição espacial entre as

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SÃO PAULO E SUAS MIGRAÇÕES NO FINAL DO SÉCULO 20

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005

de migrantes para 1,5 milhão, respectivamente, para re-tomar o incremento desse movimento nos anos 90(1,8 milhão). Assim, do total do movimento interestadualpara São Paulo, 56% tiveram como destino a RMSP.

Ao longo das últimas décadas, o interior também vemse constituindo como espaço dessa migração, ao elevarsua participação na distribuição relativa da migração in-terestadual. De fato, nos anos 70, respondia por 33,9%dos destinos da migração interestadual; nos anos 80, pas-sou para 42,7%; e, nos 90, alcançou 43,9% do total damigração interestadual para São Paulo.

Nesse contexto, as procedências das migraçõesinterestaduais para os distintos espaços da migração emSão Paulo marcam suas especificidades. A RMSP constituio grande pólo de recepção da migração nordestina, umavez que responde por 73,6% dos migrantes nordestinosque chegaram ao Estado de São Paulo. Já o interiorcaracteriza-se pelos fluxos advindos de Minas Gerais eParaná. Contudo, no novo cenário das migrações interesta-duais no Estado – principalmente com o aumento nosvolumes da imigração interestadual para o interior – ocrescimento dos fluxos com origem no Nordeste emdireção a essa área já era apontado nos anos 80. Essatendência ampliou-se nos anos 90, fortalecendo o“corredor da migração nordestina” no interior do Estadode São Paulo (BAENINGER, 1999). No período 1981-1991, o volume da imigração nordestina para o interiorpaulista era de 273 mil pessoas, elevando-se para 440mil, entre 1990 e 2000; ou seja, respondia por 24,7% damigração interestadual, passando para 26%, respecti-vamente.

No contexto intra-estadual, a pergunta que se colocapara as migrações nos anos 90 é: “houve continuidade nofluxo de saída de população da metrópole para o interior?”

Como espaço perdedor iniciado nos anos 70, a metró-pole paulista marcou a inflexão em sua trajetória de forte

absorção migratória. A partir de então, o interior passou aganhar população vinda da RMSP. Apesar da retomadadas migrações interestaduais para a RMSP, a tendência àdesconcentração de população em direção ao interior per-maneceu nos anos 90: entre 1995 e 2000, cerca de 468mil pessoas deixaram a metrópole.

TABELA 4

Imigração Interestadual

Estado de São Paulo, Região Metropolitana de

São Paulo e Interior – 1970-2000

Regiões 1970-1980 1981-1991 1990-2000

Estado de São Paulo 3.325.468 2.734.819 3.177.676

RMSP 2.196.560 1.566.206 1.781.151

Interior 1.128.908 1.168.613 1.396.525

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000 (tabulações especiais, Nepo/Unicamp).

TABELA 5

Fluxo Migratório Intra-Estadual entre Metrópole e Interior

Estado de São Paulo – 1995-2000

Regiões de GovernoImigração Vinda Emigração com Trocas

da RMSP Destino a RMSP Migratórias

Total 468.295 172.132 296.163

Registro 8.257 2.569 568.888

Santos 60.188 18.824 41.364

Caraguatatuba 10.791 2.574 8.217

Cruzeiro 1.164 524 640

Guaratinguetá 3.629 1.790 1.839

São José dos Campos 18.179 6.225 11.954

Taubaté 12.515 3.253 9.262

Avaré 7.318 2.088 5.230

Botucatu 6.562 1.096 5.466

Itapetininga 13.117 3.195 9.922

Itapeva 3.619 1.932 1.687

Sorocaba 42.312 9.117 33.195

Bragança Paulista 20.795 4.228 16.567

Campinas 69.248 13.284 55.964

Jundiaí 22.398 3.843 18.555

Limeira 8.478 2.379 6.099

Piracicaba 8.747 2.171 6.576

Rio Claro 5.951 1.224 4.727

São João da Boa Vista 7.907 2.033 5.874

Araraquara 7.766 2.958 4.808

Barretos 4.650 2.060 2.590

Franca 4.611 2.058 2.553

Ribeirão Preto 11.852 5.096 6.756

São Carlos 7.897 1.666 6.231

São Joaquim da Barra 866 423 443

Bauru 11.750 3.509 8.241

Jaú 3.826 1.013 2.813

Lins 4.439 797 3.642

Catanduva 4.257 1.582 2.675

Fernandópolis 1.990 705 1.285

Jales 3.603 1.545 2.058

São José do Rio Preto 15.556 3.766 11.790

Votuporanga 3.662 795 2.867

Andradina 3.476 1.301 2.175

Araçatuba 10.160 3.470 6.690

Adamantina 3.686 1.211 2.475

Dracena 2.569 1.248 1.321

Presidente Prudente 9.712 4.316 5.396

Assis 5.069 1.683 3.386

Marília 8.219 2.736 5.483

Ourinhos 4.928 1.534 3.394

Tupã 2.576 1.043 1.533

Ignorado São Paulo - 43.268 -

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000 (tabulações especiais, Nepo/Unicamp).

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ROSANA BAENINGER

TENDÊNCIAS DA MIGRAÇÃO E DAURBANIZAÇÃO NO INTERIOR

Utilizando a morfologia e hierarquia da rede urbana(IPEA/IBGE/NESUR-UNICAMP, 2000) do Estado de SãoPaulo em 2000 apreende-se que:- as metrópoles envolveram 67 municípios do Estado, oque corresponde a cerca de 22 milhões de habitantes;

- as aglomerações urbanas, totalizaram 48 municípiose 3,8 milhões de pessoas;

- os centros urbanos somaram 9 localidades e concen-tram 1,8 milhão de habitantes;

- além dessas espacialidades, outros 521 municípios – queperfazem mais de 8 milhões de pessoas – compuseram arede urbana paulista, que integrou o dinamismo das de-mais regiões do Estado (Tabela 6).

Nota-se que, mesmo quando se adota outro recorte paraa rede urbana paulista que não as regiões de governo, épossível apreender taxas positivas de crescimento de mu-nicípios situados fora das grandes concentrações urbanas.Na verdade, observa-se um gradiente no ritmo de cresci-mento das populações desses municípios não-metropolita-nos: parte de um patamar de 1,3% a.a. para os que tinhammenos de 10 mil habitantes no período 1996-2000 e atinge2,5% a.a. na categoria 100 mil-300 mil habitantes, com li-

O panorama das migrações metrópole-interior em SãoPaulo reforça a importância dos pólos regionais na ex-pansão das migrações no Estado (Tabela 5). Os pólos eco-nômico-populacionais, que em décadas passadas já regis-travam atração nessa migração metropolitana, continuarama fazê-lo no período 1995-2000. A Região Metropolitanade Campinas continuou a canalizar o maior volume dessaemigração (cerca de 69 mil migrantes vindos da metró-pole), seguida pelas Regiões de Governo (RG) de Santos(60 mil), Sorocaba (42 mil), São José dos Campos (18mil), São José do Rio Preto (15 mil), Ribeirão Preto (11mil), Bauru (11 mil), Araçatuba (10 mil) e PresidentePrudente (9 mil).

No final dos anos 90, outras regiões de recepção damigração metropolitana vieram somar-se a esses pólos– o que indicou a consolidação da expansão dos espaçosde migração em São Paulo: RGs de Bragança Paulista(20 mil migrantes), Jundiaí (22 mil), Caraguatatuba (11mil), Taubaté (12 mil) e Itapetininga (13 mil). Assim,torna-se necessário fazer a revisão desses antigos pólosregionais acima mencionados. Afinal, há outros espaçosque também passam a absorver população e a desempe-nhar importante papel no processo de desconcentraçãoda população, reforçando o fenômeno da interiorizaçãoda migração no Estado: os subcentros regionais damigração.

TABELA 6

População, segundo Rede Urbana (1)

Estado de São Paulo – 2000

Número

População Total

Distribuição Taxa de Grau de

Rede Urbana de

(2000)

Relativa Crescimento Urbanização

Municípios (%) (1996-2000) (2000)

Estado de São Paulo 645 37.035.456 100,00 2,02 93,41

Menos de 10 mil habitantes 291 1.774.458 4,79 1,34 74,99

De 10-20 mil habitantes 105 1.806.455 4,88 1,48 78,41

De 20-50 mil habitantes 91 3.260.919 8,80 1,73 86,91

De 50-100 mil habitantes 31 2.620.884 7,08 2,05 89,45

De 100-300 mil habitantes 3 340.121 0,92 2,48 90,35

Sub-Total 521 9.802.837 26,47 1,73 84,14

Metrópoles (SP, CPS, BS) 67 21.657.859 58,48 2,01 96,15

Núcleo 11.820.017 31,92 1,39 94,58

Entorno 9.837.842 26,56 2,78 98,03

Aglomerações Urbanas Não-Metropolitanas 48 3.806.402 10,28 2,37 94,94

Centros Urbanos 9 1.768.358 4,77 2,01 96,65

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000.

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SÃO PAULO E SUAS MIGRAÇÕES NO FINAL DO SÉCULO 20

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005

geiras elevações nessa taxa de crescimento nas classes detamanho subseqüentes. Essa mesma tendência pode serverificada quanto ao grau de urbanização, de 75% a 90,3%,nas respectivas categorias de tamanhos de municípios. As-sim, apenas apresentaram crescimento os municípios commenos de 20 mil habitantes e não pertencentes a áreas me-tropolitanas e aglomerações urbanas. Isso ocorreu nos úl-timos cinco anos, a uma taxa abaixo da média estadual:1,6% a.a. contra 2,0% a.a. – muito embora deva-se consi-derar a expressiva recuperação demográfica dessas locali-dades.

Adotando novamente as regiões de governo, é possí-vel apreender outra especificidade do atual processo deurbanização em São Paulo, qual seja: o menor crescimen-to populacional das sedes regionais e o crescimento maiselevado de suas áreas no entorno – onde justamente pre-dominam os municípios pequenos.

Enquanto o conjunto das sedes regionais do interiorcresceu a 1,6% a.a. no período 1991-1996, nas áreas deentorno essa taxa foi ligeiramente superior: 1,7% a.a. Essasituação é distinta das décadas anteriores, quando, porexemplo, nos anos 70, os municípios-sede cresciam a 3,0%a.a. e seus entornos 2,1% a.a. O crescimento dessesentornos regionais implica um adensamento da rede ur-bana por todo o Estado. Seus efeitos podem ser verifica-dos na reversão da tendência dos pequenos municípios,antes incapazes de reter sua população. Nessa nova reali-dade regional, a caracterização da rede urbana estadualnão mais comporta agregar os municípios em faixas detamanho, distantes de seu contexto regional.

De fato, o complexo conjunto de mudanças econômi-co-espaciais experimentados pelo interior paulista contri-buiu para o fortalecimento das distintas economias regio-nais, favorecendo, por um lado, a dispersão populacionalno Estado e, por outro, um rearranjo das formas de distri-buição espacial da população no âmbito de cada região.Nesse contexto, são incorporados ao sistema urbano emexpansão vários municípios pequenos e de porte interme-diário. Ao mesmo tempo, as cidades de médio e grandeportes vêm apresentando uma desaceleração em seus rit-mos de crescimento populacional. Assim, a histórica redeurbana do interior redesenha-se em múltiplas formas.

Nos últimos 30 anos, a recuperação populacional dointerior de São Paulo esteve ancorada em seu potencialde absorção migratória no âmbito do próprio Estado. Ossaldos migratórios registrados pelas regiões de governoapontam a importância desses espaços no processo deredistribuição da população paulista (Tabela 7).

Nos anos 90, os núcleos regionais desempenharam umpapel relevante no processo interno de redistribuição dapopulação:

TABELA 7

Saldos Migratórios, segundo Regiões de Governo

Estado de São Paulo – 1980-2000

Regiões de GovernoNúcleo Entorno

1980-1991 1991-2000 1980-1991 1991-2000

Registro -2.247 -2.538 -10.766 5.130

Santos -45.701 -19.782 97.933 98.253

Caraguatatuba 8.455 16.803 21.933 31.959

Cruzeiro -2.065 -3.123 -4.582 -63

Guaratinguetá -1.694 711 -4.867 -1.305

São José dos Campos 59.480 31.266 17.412 9.333

Taubaté -3.587 11.682 15.438 13.959

Avaré 3.630 8.433 -15.152 621

Botucatu 11.933 7.398 4.703 7.074

Itapetininga 331 8.640 25.576 29.547

Itapeva -1.941 -1.179 -23.547 -18.531

Sorocaba 40.921 63.522 78.228 71.343

Bragança Paulista 7.071 11.988 25.333 33.669

Campinas 30.825 28.521 256.554 221.211

Jundiaí -25.381 4.383 64.261 60.192

Limeira 19.767 16.020 23.889 17.982

Piracicaba 22.290 19.845 11.369 9.882

Rio Claro 7.250 18.171 4.794 11.043

São João da Boa Vista 2.476 2.367 4.487 2.979

Ribeirão Preto 44.855 30.789 34.276 25.884

Bauru 35.427 27.126 -13.807 -18

Jaú 5.688 9.468 7.915 6.426

Lins -1.080 1.233 -8.391 -54

Catanduva 6.397 6.525 -9.157 -288

Fernandópolis -797 513 -12.385 -2.790

Jales -713 1.233 -19.045 -3.717

São José do Rio Preto 55.162 50.373 -3.864 20.556

Votuporanga 3.100 5.643 -12.918 -4.320

Andradina -3.395 -2.169 -12.382 7.245

Araçatuba 4.508 2.763 -6.117 5.445

Adamantina -5.414 -1035 -24.805 -10.008

Dracena -2.852 -2.133 -15.720 -7.254

Presidente Prudente -3.368 3.978 10.926 -252

Assis 3.485 4.176 6.217 504

Marília 12.761 18.072 -22.265 8.523

Ourinhos 4.396 8.181 -7.936 -1242

Tupã -5.702 -279 -15.393 -5.940

Araraquara 11.048 9.684 32.720 11.673

São Carlos 16.380 18.900 9.041 9.999

Barretos 8.495 1.179 21.031 -99

Franca 40.091 20.151 -6.588 3.663

São Joaquim da Barra 444 1.728 -2.096 2.898

Fonte: Fundação Seade (1993; 2002).

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ROSANA BAENINGER

- quer como pólo indutor de transferências populacionaispara os municípios vizinhos, como no caso da região deSantos, onde esse processo aponta um saldo migratórionegativo para a sede;

- quer como área canalizadora de expressivos fluxos mi-gratórios inter-regionais, como são os casos das regiõesdo Oeste Paulista (Presidente Prudente, Ourinhos), queregistram saldo migratório positivo na sede e negativo noentorno;

- ou ainda como centralidade principal da região, comfluxos que partem do entorno para a sede, como é o casode Bauru.

Por outro lado, a nova configuração da urbanizaçãopaulista vem sendo marcada pela regionalização de espa-ços. Nesse caso, os municípios situados nos entornos re-gionais adensam a rede urbana, com crescimentospopulacionais e saldos migratórios mais elevados que suassedes, como nas regiões de Campinas, Santos, Sorocaba.

Apenas nove sedes regionais e quinze entornos regio-nais registraram saldos negativos no período 1991-2000:trata-se das regiões do extremo leste do Estado (Cruzei-ro, Guaratinguetá) e do Oeste (Jales, Fernandópolis, etc).Assim, mesmo que com saldos negativos em decréscimos,os entornos dessas regiões e até alguns núcleos permane-cem com sua tendência de perda populacional – muitoembora essa emigração provavelmente ocorra entre regiõescircunvizinhas e não mais em direção à metrópole.

Os pólos regionais continuaram a exibir os saldos mi-gratórios mais elevados (regiões de Campinas, São Josédos Campos, Ribeirão Preto, Sorocaba, São José do RioPreto), mantendo a tendência de espraiamento popula-cional, ou seja, regiões ganhadoras fora das fronteirasmetropolitanas da RMSP.

Nos anos 90, destacam-se também os elevados saldosmigratórios das RGs de Caraguatatuba (no núcleo e noentorno), de Rio Claro (entorno), de Itapetininga (entor-no), de Bragança Paulista (núcleo e entorno), de Marília(entorno), dentre outras.

Como já foi analisado em estudo anterior (BAENINGER,2002), se por um lado assistiu-se à expansão dos espaçosda migração em São Paulo – principalmente considerando-se regiões como Marília, Assis, Jaú, Araçatuba, dentre ou-tras –, por outro, houve a redefinição de algumas áreasanteriormente mencionadas como pólos regionais e que sedestacaram por perda populacional em décadas anteriores,como Bauru (com saldos migratórios negativos no entorno)e Presidente Prudente.

A consolidação dos espaços da migração ocorreu nasregiões metropolitanas de: Campinas e da Baixada Santista.Na RG de São José do Rio Preto, de uma para outra década,a expansão dos espaços de migração no entorno traduziu-se na reversão do saldo negativo para positivo. Portanto,os anos 90 parecem indicar uma diversidade de situaçõesem termos de absorção migratória no Estado de São Paulo,inclusive com alguns retrocessos a tendências passadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de redistribuição espacial da população –e, em especial, a migração – marcou o final do século 20em São Paulo. Enquanto o núcleo da RMSP consolida-se como espaço perdedor de população, mantendo seusaldo migratório negativo dos anos 80 para os 90, houvea redefinição de sua periferia, que, de saldo negativo nosanos 80, passou a positivo nos 90. Na verdade, além dereter os fluxos migratórios provenientes da cidade de SãoPaulo e acentuar a importância da migração intra-metropolitana, essa periferia também passou a ter maiorcapacidade de retenção de migrantes vindos de outrosEstados – mais até que a própria sede metropolitana.Portanto, a periferia da metrópole de São Paulo tornou-se o novo espaço das migrações interestaduais, lugar antesreservado à capital do Estado.

Além disso, os anos 90 parecem indicar para o inte-rior, uma diversidade de situações em termos de absorçãomigratória, inclusive com alguns retrocessos a tendênciaspassadas. As regiões ganhadoras do interior do Estadoarticulam processos locais ao âmbito regional e global,promovendo “mecanismos de desencaixe” da sociedade(GIDDENS, 1991), com reflexos nos processos de urba-nização e de redistribuição espacial da população nos va-riados contextos regionais.

As evidências empíricas apresentadas suscitam os se-guintes pontos para a compreensão e aprofundamento dosestudos sobre movimentos migratórios que chegam, quepartem e que se processam em São Paulo. Com relação àmigração interestadual:- se São Paulo mantiver os volumes elevados de nor-destinos e, ao mesmo tempo, de saída de retorno, poderáse tornar uma área de rotatividade migratória – sobre-tudo a RMSP;

- o crescente afluxo de nordestinos para o interior poderepresentar maior possibilidade de retenção dessesmigrantes em relação à metrópole – com a expansão dosespaços da migração em relação a esse fluxo determinado;

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SÃO PAULO E SUAS MIGRAÇÕES NO FINAL DO SÉCULO 20

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 84-96, jul./set. 2005

- o decréscimo na migração de Minas Gerais e Paraná eo aumento expressivo do retorno para esses estados con-tribui para que o Nordeste também passe a ter maior pesona migração do interior, dando novos contornos àsespecificidades da migração nessa área.

Em termos da migração intra-estadual:- o processo de desconcentração populacional da metró-pole em direção ao interior reforça o fenômeno do espraia-mento populacional, ampliando áreas de recepção da mi-gração no Estado;

- os pólos regionais mantiveram seus papéis de catali-sadores da migração intra-estadual, ao mesmo tempo quecontinuaram a reter uma população que potencialmentemigraria para a metrópole paulista;

- a dinâmica intra-regional vem ampliando os espaços damigração no Estado, aumentando os nexos entre os espa-ços econômicos e os espaços de migração.

Nesse sentido, o conceito de “urbano” definido porVillaça (1998, p. 330) como o

espaço estruturado pelas condições de deslocamento da

força de trabalho enquanto tal e enquanto consumidora

(deslocamentos casa-escola, casa-compras, casa-lazer e

mesmo casa-trabalho

constitui também um caminho promissor para que asnovas territorialidades urbanas sejam identificadas, bemcomo para apontar a importância da migração e das no-vas modalidades de deslocamentos populacionais (pen-dular, dupla residência, etc.) para a formação dessasterritorialidades.

As evidências empíricas, as análises referentes àstransformações econômicas e à dinâmica do mercado detrabalho, a questão da regionalização e da formação denovas territorialidades, as políticas sociais de transferên-cia de renda, a manutenção dos fluxos migratórios emsituação de crise econômica, a expansão dos espaços damigração, dentre outros, constituem aspectos a seremaprofundados para a compreensão das migrações e dosdeslocamentos populacionais em São Paulo no século 21.

NOTAS

1. Considera-se interior, neste artigo, todos os municípios paulistasnão integrantes da Região Metropolitana de São Paulo.

2. Perillo (2002) já indicava essa retomada da imigração para São Paulonesse período baseando-se nos saldos migratórios da Fundação Seade:

de 556 mil pessoas, nos anos 80, para 1,3 milhão, nos 90. A contagemde 1996 indicava tendência de aumento de alguns fluxos migratórios,como Bahia e Pará, mas não chegava a aumentar o volume total daimigração para o Estado (BAENINGER, 1999).

3. Veja-se os relatórios do Projeto: Desenvolvimento Tecnológico eCompetitividade da Indústria Brasileira (NEGRI; PACHECO, 1993).

4. Veja-se, por exemplo, Benko e Lipietz (1994).

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ROSANA BAENINGER

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ROSANA BAENINGER: Doutora em Ciências Sociais, Professora Colabora-dora do Departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e CiênciasHumanas da Unicamp, Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Populaçãoda Unicamp ([email protected]).

Artigo recebido em 17 de maio de 2005.Aprovado em 6 de junho de 2005.

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PERCURSOS MIGRATÓRIOS NO ESTADO DE SÃO PAULO: ...

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A

Resumo: Este estudo tem como objetivo acompanhar a trajetória da migração no Estado de São Paulo na déca-da de 90. Para tal, são utilizadas as informações provenientes do Censo Demográfico 2000, que possibilitama identificação dos fluxos migratórios interestaduais e intra-estaduais ocorridos em São Paulo nesse período.Palavras-chave: Redistribuição espacial. Fluxos migratórios. Áreas de origem e destino.

Abstract: The objective of this study is to follow the trajectory of migration in the State of São Paulo in thedecade of 90. For such purpose are used the information proceeding from the Demographic Census 2000, thatmake possible the identification of the migratory flows occurrences inside the State of São Paulo and betweenSão Paulo and other States of Brazil in this period.Key words: Space redistribution. Migratory flows. Areas of origin and destination.

SONIA REGINA PERILLO

MAGALY DE LOSSO PERDIGÃO

PERCURSOS MIGRATÓRIOS NOESTADO DE SÃO PAULO

uma análise do período 1995-2000

s últimas décadas foram marcadas por transfor-mações socioeconômicas e políticas profundas,tanto em âmbito mundial como nacional. Essas

meno. A migração comporta várias interpretações, queapresentam como única idéia comum a dimensão temporale espacial. Acresça-se a dificuldade de mensuração e/ouinterpretação dessa variável, bem como uma série de res-trições quanto à disponibilidade dos dados e metodologiasde análise. Além disso, a falta de registros contínuos dosdeslocamentos populacionais faz com que a análise damigração fique praticamente dependente das informaçõesdisponíveis nos censos demográficos.

Há que se lembrar que a adoção de uma definição de“migrante” também apresenta algumas dificuldades adi-cionais relacionadas à natureza espacial da unidade de aná-lise adotada que, por sua vez, depende do tipo de fluxo mi-gratório a ser analisado (interestadual, intra-estadual,intermunicipal, entre outros).

Tomando-se como base as considerações estabelecidasacima, este estudo utilizará as informações sobre migra-ção provenientes do Censo Demográfico 2000, que per-

mudanças tiveram desdobramentos importantes, alteran-do os padrões da redistribuição espacial da população.Tendo em vista que grande parte da economia industrialdo país concentra-se na Região Sudeste, sobretudo noEstado de São Paulo, os efeitos desse processo incidiramfortemente no território paulista.

Este artigo propõe-se a colaborar nessa direção, acom-panhando os deslocamentos populacionais ocorridos noEstado de São Paulo e apontando as principais alteraçõesna dinâmica migratória paulista nos anos recentes.

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

As dificuldades inerentes à análise dos deslocamentospopulacionais têm origem na própria definição do fenô-

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mitem definir como “migrantes” as pessoas com 5 anosou mais de idade cuja Unidade da Federação – UF de re-sidência em uma data fixa era distinta daquela em queresidiam no momento da pesquisa. Em 1991, essa data fixacorrespondia a 01/09/1986; e, em 2000, a 31/07/1995.

No contexto dos deslocamentos interestaduais serãoconsiderados “imigrantes” todas as pessoas com 5 anosou mais de idade, que residiam fora do Estado de São Pauloem 31/07/1995. As unidades de análise serão as GrandesRegiões e as UFs.

Como “emigrantes” serão consideradas as pessoascom 5 anos ou mais de idade cuja UF de residência em31/07/1995 era São Paulo e que, no momento do Censo,residiam em outra UF brasileira, exceto São Paulo.

No caso dos fluxos intra-estaduais, será analisado o Es-tado de São Paulo – considerando-se como recorte analíticoa Região Metropolitana de São Paulo – RMSP e o interiordo Estado.1 Serão avaliados os deslocamentos populacionaisocorridos entre as 15 Regiões Administrativas – RAs queintegram o Estado e, serão considerados migrantes interes-taduais as pessoas com 5 anos ou mais de idade cujo muni-cípio de residência anterior (em 31/07/1995) não pertençaà RA onde foram recenseados.

Assim, será dada ênfase aos fluxos migratórios nume-ricamente mais importantes segundo os volumes de imi-gração e emigração registrados no período 1995-2000.Essas informações permitirão detectar as trocas líquidasde população (diferença absoluta entre o volume de imi-grantes e emigrantes) e os respectivos ganhos ou perdaspopulacionais de cada área envolvida nos fluxos.

É importante destacar que as informações analisadaspossibilitarão identificar e quantificar apenas os “migrantesrecentes”, ou seja, os que migraram entre 1995 e 2000.Ressalte-se a impossibilidade de se resgatar o processomigratório por que passaram os indivíduos durante todoo período censitário (1991-2000), pois a pergunta elabo-rada pelo Censo só permite auferir os deslocamentos ocor-ridos entre 1995 e 2000.

MIGRAÇÃO NO CONTEXTO DASTRANSFORMAÇÕES ECONÔMICO-SOCIAISNO PERÍODO 1980-2000

Segundo alguns especialistas da área econômica, atéos anos 70, a dinâmica e a localização das atividades in-dustriais pautavam, em grande medida, os possíveis ca-minhos da população no Estado de São Paulo. Nesse con-texto, a RMSP consolidava-se como o grande centro

econômico-financeiro nacional e desempenhava o papelde maior área de concentração populacional do país. Defato, o volume de migração para a metrópole chegou asuperar dois milhões de pessoas na década de 70, mos-trando-se como a variável determinante do seu crescimento– respondendo por 51,6% do incremento demográfico entre1970 e 1980 (PERILLO, 1993; RODRIGUES; PERILLO,1986).

Na década de 80, o poder de atração exercido pela in-dústria paulista diminuiu consideravelmente, repercutin-do de forma pronunciada no mercado de trabalho e nosmovimentos populacionais. A profunda recessão que aba-lou o país nos anos 80 atingiu predominantemente a ativi-dade industrial, provocando queda generalizada nos ní-veis de atividades, de emprego e de renda. Tendo em vistaque grande parte da economia industrial do país concen-tra-se na Região Sudeste, sobretudo no Estado de SãoPaulo, os efeitos dessa crise econômica incidiram forte-mente no território paulista.

Tanto na metrópole como no interior do Estado, a re-cessão dos anos 80 veio somar-se aos efeitos do processode “desconcentração metropolitana decorrente dos custosde aglomeração” e da “interiorização do desenvolvimen-to econômico”, fazendo com que a RMSP apresentasseum arrefecimento importante em seu dinamismo econô-mico e populacional.

Nos anos 90, novos fatores passaram a interferir nadinâmica econômica e migratória estadual. Com a abertu-ra comercial e financeira e a conseqüente internacio-nalização da economia, a política econômica vigente in-duziu a processos de reestruturação da base produtiva. Osprincipais setores que compunham o parque industrialbuscaram novos mercados e incrementaram a produtivi-dade por meio de estratégias de competitividade. Essemovimento provocou não apenas a “liberalização econô-mica”, como também foi responsável pela quebra de em-presas, transferências patrimoniais, mudanças nos padrõestecnológicos, alteração dos métodos e modelos de gestãoe eliminação de empregos, entre outros.

Do ponto de vista da oferta de emprego, que é umfator fundamental para a compreensão dos movimentosmigratórios, os levantamentos mensais da Pesquisa de Em-prego e Desemprego – PED, realizada pela FundaçãoSeade e pelo Dieese desde 1985, apuraram os impactosdessas mudanças no mercado de trabalho na RMSP. Noperíodo 1985-2002, o nível de emprego recuou e as taxasde desemprego total expandiram-se, atingindo 19,0%em 2002.

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Segundo Branco (1999)

à medida que avançava o desemprego na Região Metro-

politana, cresciam as tentativas analítico-explicativas de

associá-lo aos processos de reestruturação produtiva e de

recolocação da atividade industrial.

De fato, a reestruturação na atividade produtiva, so-bretudo no setor industrial, eliminou significativa parcelade postos de trabalho, ao mesmo tempo em que a tercei-rização de atividades, antes realizadas na planta industrial,contribuiu para que parte dos empregos eliminados fos-sem incrementados nos serviços. Em termos setoriais, aPED mostrou que, enquanto a proporção de ocupados naindústria da RMSP diminuiu de 32,6% para 20% no pe-ríodo entre 1995 e 2002, a participação dos ocupados nosserviços passou de 40% para 52,6% no mesmo período.O comércio, por sua vez, registrou um pequeno aumentona proporção de ocupados, de 14% para 16% entre 1995e 2002.

Diante desse contexto, pode-se dizer que, se até os anos70, a localização e a ampliação das atividades urbano-in-dustriais direcionavam os caminhos da migração em SãoPaulo, nas décadas de 80 e sobretudo 90, a capacidade deatração migratória pela indústria transformou-se sensivel-mente. Esta parece ser agora exercida pela interação dosinvestimentos na produção industrial e na capacidade queesses investimentos têm na demanda por mais serviços emão-de-obra.

As mudanças na estrutura industrial não significaramuma diminuição de sua importância na estrutura produti-va do Estado, mas sim uma modernização – e, portanto,um fortalecimento dessa atividade. Para se ter uma idéiada importância da indústria, em 1996, São Paulo concen-trava quase 50% das atividades industriais do país, 53%da produção da indústria mecânica, 60% da química, 62%de material de transportes, 70% de borracha, 65% de pro-dutos de materiais plásticos – para citar apenas algunsgêneros da indústria de transformação.

Em 1996, mesmo com todas as mudanças ocorridas, ametrópole apresentou elevada participação na produçãoindustrial do Estado com 60,4% do valor adicionado,56,8% do pessoal ocupado e 57% das unidades locais. Asregiões do interior, beneficiadas pela “interiorização dodesenvolvimento”, exibiram um elevado grau de comple-mentaridade e de integração técnica e funcional com aRMSP. Esse processo é muito mais significativo nas re-giões situadas no entorno metropolitano que abrange Cam-pinas, RM da Baixada Santista, São José dos Campos e

Sorocaba. A evidência mais completa dessa integração estáno fato de que a matriz produtiva de São Paulo, em seusprincipais gêneros, completa-se nesse entorno. Em 1996,mais de 90% do valor adicionado estadual estava aí con-centrado: 96%, na fabricação de produtos químicos; 99%,na fabricação e montagem de veículos automotores, re-boque e carrocerias; e 91%, na fabricação de máquinas eequipamentos. A exceção é a indústria de alimentos e be-bidas, mais espraiada pelo interior do Estado (ARAÚJO,1999).

Nos anos 90, dando continuidade à década anterior,mesmo em menores proporções, verifica-se um processode interiorização econômica e populacional do Estado.Segundo Araújo (1999), esse processo ocorreu em umespaço concentrado num raio de aproximadamente 150 kma partir do centro da metrópole, abrangendo as regiões deCampinas, São José dos Campos, RM da Baixada Santistae Sorocaba. A autora mostra que diversos fatores contri-buíram de forma decisiva para a continuidade da des-concentração metropolitana e fortalecimento do interior,dentre eles: as condições estruturais existentes no interi-or, os investimentos maciços em infra-estrutura energética,de transportes e comunicações, o crescimento da agroin-dústria da cana e da laranja, a proximidade do mercadoconsumidor, dentre outros.

As mudanças apontadas no cenário econômico tiveramdesdobramentos importantes, alterando os padrões deredistribuição espacial da população (PERILLO, 2002;OLIVEIRA; SIMÕES, 2004; BAENINGER, 2002; 2004).

Diversos estudos já destacaram que o relevante papelda migração em São Paulo contribuiu para a manutençãodas elevadas taxas de crescimento da população, até osanos 70. As décadas seguintes foram marcadas por umadesaceleração dos movimentos migratórios e do ritmo decrescimento demográfico. Mesmo assim, entre 1991 e2000, a população paulista cresceu a uma taxa anual de1,8% – superior à média nacional, de 1,6%. Dentro de umcontexto demográfico em que o crescimento vegetativo(nascimentos menos óbitos) tende a ser cada vez maishomogêneo, o componente migratório continua tendo pa-pel decisivo para o entendimento da dinâmica demográficado Estado de São Paulo. De fato, a redução nas taxas decrescimento da população paulista nas últimas décadasreflete, em grande medida, as mudanças ocorridas em seusmovimentos migratórios.

As informações sobre migração disponíveis no CensoDemográfico 2000 permitem o acompanhamento das ten-dências migratórias recentes em São Paulo. Segundo es-

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SONIA REGINA PERILLO / MAGALY DE LOSSO PERDIGÃO

sas informações, verifica-se que algumas modalidades dedeslocamentos populacionais confirmaram-se e fortalece-ram-se na década de 90 – como os movimentos intra-es-taduais no território paulista. A mobilidade interestadualcontinuou tendo importância; porém, desde a década de80, vem perdendo peso relativo na composição da migra-ção. Em contrapartida, a migração intra-estadual ganhoudestaque, aumentando sua participação no cenário migra-tório nos anos recentes.

O CONTEXTO DOS MOVIMENTOSMIGRATÓRIOS INTERESTADUAIS

A liderança econômica do Estado de São Paulo no ce-nário brasileiro sempre lhe garantiu elevada concentra-ção populacional e uma trajetória marcada por intensosmovimentos migratórios. Com efeito, São Paulo vemprotagonizando, há várias décadas, o processo de redis-tribuição da população no território brasileiro, destacan-do-se como a principal área de concentração populacionaldo país. Em 2000, contava com 37 milhões de habitan-tes e respondia por 21,8% da população nacional. Os mo-vimentos migratórios interestaduais sempre desempenha-ram papel relevante na composição da população paulista.Em 2000, praticamente 75,2% de sua população corres-pondia a pessoas nascidas no próprio Estado (naturais)e 24,8% a pessoas nascidas em outros Estados brasilei-ros e outros países (não-naturais). Vale dizer: em 2000,residiam em São Paulo aproximadamente 9,1 milhões depessoas não-naturais do Estado, com predominância dosmineiros (20,7%), baianos (19,7%), paranaenses (12,9%)e pernambucanos (12,4%).

São Paulo, segundo o Censo 2000, continuou se con-solidando como a UF que registrou o maior volume demigrantes do país – o que determinou intensa mobilida-de populacional em seu território. No período 1986-1991,recebeu 1,4 milhão de migrantes interestaduais e em1995-2000, 1,2 milhão de pessoas – o que indica umaredução de 12% nos deslocamentos interestaduais. Poroutro lado, entre 1986 e 1991, 648 mil pessoas saíramde São Paulo em direção a outros estados brasileiros (emi-grantes) e, entre 1995 e 2000, 884 mil pessoas – o querepresentou um aumento de 36%. O Estado de São Pau-lo prevaleceu como porta de entrada da população naci-onal; porém, o volume dos deslocamentos interestadu-ais para o Estado vêm diminuindo progressivamente aolongo das décadas. Paralelamente a esse fenômeno, en-tre 1995 e 2000, São Paulo apresentou um aumento da

emigração de sua população para os outros estados brasi-leiros. Os principais fluxos migratórios ocorridos entreo Estado de São Paulo e as Grandes Regiões do país, noperíodo 1995-2000, podem ser observados no Mapa 1.

MAPA 1

Principais Fluxos Migratórios, segundo Grandes Regiões

Estado de São Paulo – 1995-2000

Fonte: IBGE; Fundação Seade.

Origem dos Migrantes que Chegaram aoEstado de São Paulo

A diminuição do volume de migrantes interestaduaisque chegaram ao Estado de São Paulo entre 1995-2000não está vinculada à redução dos fluxos procedentesdo Nordeste. De fato, nos períodos entre 1986-1991 e1995-2000, São Paulo permaneceu como o principal des-tino desses fluxos, e a migração de nordestinos manteve-se em níveis semelhantes, aproximadamente 720 mil pes-soas (Tabela 1). Verificou-se, inclusive, um aumento daparticipação relativa dos nordestinos no total dos migrantesdo Estado – de 51,7%, entre 1986-1991, para 57,7%, en-tre 1995-2000 – e uma acentuada redução da participa-ção dos fluxos do Sudeste e do Sul, no mesmo período(Gráfico 1). Ainda assim, os deslocamentos com origemna Região Sudeste representaram 19% da imigração parao Estado de São Paulo, entre 1995-2000. Segue-se a Re-gião Sul, responsável por 13,5% dos migrantes que che-garam ao Estado. Sobressaíram-se os fluxos procedentes

Sudeste

Nordeste

Centro-Oeste

Norte

Sul

(Exceto São Paulo)

Estado de

São Paulo

Com destino aoEstado São Paulo

Com origem noEstado São Paulo

Fluxos Migratórios

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PERCURSOS MIGRATÓRIOS NO ESTADO DE SÃO PAULO: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005

dos Estados da Bahia (22,7%), Minas Gerais (14,6%),Pernambuco e Paraná (10,7%) (Tabelas 2 e 3). O Estadode São Paulo permaneceu como importante porta de en-trada da população que se deslocou da Região Nordeste.Por outro lado, diminuiu a potencialidade migratória doEstado com relação às Regiões Sul e Sudeste. As RegiõesNorte e Centro-Oeste não mostraram mudanças pronun-ciadas nas trocas migratórias estabelecidas com o Estado,no período 1995-2000 (Gráfico 1).

A RMSP destacou-se como a área mais atrativa dosmigrantes interestaduais. São Paulo não conseguiu atrairpopulação interestadual na mesma intensidade que nasdécadas passadas; porém, a RMSP continuou desem-penhando papel relevante no direcionamento dos fluxosprovenientes de outros Estados brasileiros. Essa área re-

GRÁFICO 1

Migrantes Interestaduais, segundo Local de Origem

Estado de São Paulo – 1986-2000

Fonte: IBGE; Fundação Seade.

(1) Considerou-se a Região Sudeste, exceto o Estado de São Paulo.

TABELA 1

Volume de Imigração e Emigração Interestaduais,

segundo Grandes Regiões Brasileiras

Estado de São Paulo – 1986-2000

RegiõesImigração Emigração

1986-1991 1995-2000 1986-1991 1995-2000

Brasil 1.392.796 1.242.975 647.991 884.024

Norte 34.797 31.194 21.426 29.137

Nordeste 720.565 716.697 211.412 325.529

Sudeste (1) 308.242 239.906 189.309 258.836

Sul 245.270 168.180 130.779 173.983

Centro-Oeste 83.922 86.998 95.065 96.539

Fonte: IBGE; Fundação Seade.

(1) Considerou-se a Região Sudeste, exceto o Estado de São Paulo.

0

10

20

30

40

50

60

Norte Nordeste Sudeste (1) Sul Centro-Oeste

1986-1991

1995-2000

%

Local de Origem

Regiões e

Unidades da

Federação

TABELA 2

Volume de Imigração e Emigração Interestaduais,

segundo Regiões e Unidades da Federação Brasileiras

Estado de São Paulo – 1986-2000

Imigração Emigração

1986-1991 1995-2000 1986-1991 1995-2000

BRASIL 1.392.796 1.242.974 647.991 884.024

Região Norte 34.797 31.194 21.426 29.137

Acre 810 787 780 626

Amapá 225 504 322 631

Amazonas 3.742 3.523 2.622 4.176

Pará 14.656 14.129 5.655 9.002

Rondônia 12.735 7.349 8.179 8.701

Roraima 418 570 578 670

Tocantins 2.211 4.332 3.290 5.330

Região

Nordeste 720.565 716.697 211.412 325.529

Alagoas 52.326 63.590 13.361 19.105

Bahia 248.600 281.648 58.544 105.830

Ceará 94.929 67.424 28.585 52.502

Maranhão 18.029 33.061 5.760 9.865

Paraíba 58.743 49.541 18.650 28.349

Pernambuco 164.909 133.547 52.321 58.364

Piauí 43.523 46.290 10.819 23.367

Rio Grande

do Norte 23.657 19.755 13.182 17.855

Sergipe 15.849 21.841 10.190 10.293

Região

Sudeste 308.242 239.906 189.309 258.836

Espírito Santo 8.865 10.995 10.827 11.850

Minas Gerais 236.086 181.216 145.823 201.880

Rio de Janeiro 63.291 47.694 32.659 45.105

Região Sul 245.270 168.180 130.779 173.983

Paraná 217.406 133.350 97.962 131.094

Rio Grande

do Sul 16.222 18.443 13.397 14.546

Santa Catarina 11.642 16.387 19.420 28.343

Região

Centro-Oeste 83.922 86.998 95.065 96.539

Distrito Federal 9.546 9.981 7.673 12.520

Goiás 17.330 19.870 20.497 27.976

Mato Grosso 21.192 21.790 25.006 19.793

Mato Grosso

do Sul 35.854 35.358 41.889 36.250

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000.

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102 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005

SONIA REGINA PERILLO / MAGALY DE LOSSO PERDIGÃO

GRÁFICO 2

Migrantes Interestaduais, segundo Local de Origem

Região Metropolitana de São Paulo e Interior – 1995-2000

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000.

(1) Refere-se ao Estado de São Paulo, excluindo-se a RMSP.

TABELA 3

Imigração, segundo Regiões Administrativas

Estado de São Paulo – 1995-2000

Regiões Administrativas

Imigração (Origem)

TotalEm São Paulo

Fora de

(1) São Paulo

Estado de São Paulo 2.268.951 45,2 54,8

RMSP 889.626 19,3 80,7

Registro 20.415 75,5 24,5

RM da Baixada Santista 141.558 58,3 41,7

São José dos Campos 131.646 50,0 50,0

Sorocaba 168.537 68,8 31,2

Campinas 410.578 57,1 42,9

Ribeirão Preto 67.892 52,9 47,1

Bauru 64.983 76,7 23,3

São José do Rio Preto 94.911 71,1 28,9

Araçatuba 46.491 71,7 28,3

Presidente Prudente 53.687 66,4 33,6

Marília 60.092 74,5 25,5

Central 61.037 64,5 35,5

Barretos 23.897 69,9 30,1

Franca 33.601 49,2 50,8

Fonte: IBGE; Fundação Seade.

(1) Refere-se à soma dos fluxos migratórios intraestaduais e interestaduais ocorridos no/para

o Estado de São Paulo entre 1995 e 2000.

cebeu 720 mil migrantes de outros Estados – o que repre-sentava 58% da imigração paulista no período. Desta-caram-se os fluxos procedentes da Região Nordeste, so-bretudo dos Estados da Bahia (29,1%) e Pernambuco(14,1%) (Tabelas 2 e 3). A importância dos deslocamen-tos interestaduais para a RMSP também pode ser contem-plada quando se verifica que 81% dos deslocamentos paraesta área tiveram origem em outros Estados brasileiros,contra apenas 19% ocorridos no próprio Estado de SãoPaulo (Tabela 3).

O Município de São Paulo manteve seu papel de gran-de área de atração da população de outros Estados para aRMSP. Para a capital paulista, deslocaram-se 410 milmigrantes interestaduais, principalmente, dos Estados daBahia (30%), Pernambuco (13,1%) e Minas Gerais (9,6%).

O interior do Estado recebeu 525 mil migrantes de ou-tros Estados brasileiros, procedentes, em sua maioria, dasRegiões Nordeste (37,2%), Sudeste (25,7%) e Sul (22,2%)(Gráfico 2). Sobressaíram-se os deslocamentos com origemnos Estados de Minas Gerais (20,5%), Paraná (19,1%) eBahia (13,9%). No contexto regional, a migração interesta-dual representou quase 50% do total dos fluxos, em regiões

como Franca, São José dos Campos e Ribeirão Preto. Emoutras áreas, como as regiões de Bauru, Registro, Marília,São José do Rio Preto e Araçatuba, a participação dos des-locamentos interestaduais foi menos expressiva.

Destino dos Migrantes que Saíram doEstado de São Paulo

Entre 1986 e 1991, 648 mil pessoas deixaram o Estado deSão Paulo em direção a outros estados brasileiros; entre1995 e 2000, esse volume passou a 884 mil pessoas – o querepresentou um aumento de 36% na emigração paulista(Tabela 1). Os principais locais de destino dos migrantesque saíram de São Paulo foram as Regiões Nordeste(36,8%), Sudeste (29,3%) e Sul (19,7%) (Gráfico 3).Um aspecto importante a se ressaltar é que, entre osmigrantes que saíram do Estado e foram para a RegiãoNordeste (325 mil pessoas), 62% (200 mil pessoas) erammigrantes nordestinos na condição de retorno aos seusestados de nascimento e 26,5% (86 mil pessoas) erammigrantes nascidos no Estado de São Paulo. Destacaram-se como importantes locais de destino dos emigrantes deSão Paulo, Minas Gerais (22,8%), Paraná (14,8%), Bahia(12,0%) e Pernambuco (6,6%).

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PERCURSOS MIGRATÓRIOS NO ESTADO DE SÃO PAULO: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005

Mesmo considerada o grande pólo de atração popu-lacional do Estado, a RMSP caracterizou-se como a prin-cipal área de saída da população no período 1995-2000. Taltendência vinha sendo apontada desde a década de 70, epersistiu até 2000: 544 mil pessoas saíram de lá em direção

a outros estados brasileiros – correspondendo a 61,6% daspessoas que deixaram o Estado nesse período (CUNHA,1987; PERILLO; PERDIGÃO, 2000). A grande área deabsorção dos fluxos foi a Região Nordeste, responsávelpor 46,7% da emigração da RMSP nesse período. Em menorproporção, seguiram-se Sudeste (27,4%) e Sul (16,3%)(Gráfico 4). Destacaram-se os Estados da Bahia (15,3%),Paraná (11,5%) e Pernambuco (8,4%).

Chama a atenção o papel relevante da capital, que é amaior porta de entrada e de saída da população paulista:cerca de 380 mil pessoas deixaram essa área entre 1995 e2000. Os principais locais de destino dos migrantes fo-ram os Estados de Minas Gerais (20,7%), Bahia (16,2%)e Paraná (10,7%).

Praticamente 310 mil pessoas saíram do interior paulistaem direção a outros estados. As áreas mais atrativas des-sa população foram as Regiões Sudeste e Sul, sobretudo,os Estados de Minas Gerais (27,2%) e Paraná (20,6%)(Gráfico 4).

GRÁFICO 4

Migrantes Interestaduais, segundo Local de Destino

Região Metropolitana de São Paulo e Interior – 1995-2000

Fonte: IBGE. Censo Demográfico do Estado de São Paulo de 2000.

(1) Refere-se ao Estado de São Paulo, excluindo-se a RMSP.

GRÁFICO 3

Migrantes Interestaduais, segundo Local de Destino

Estado de São Paulo – 1986-2000

Fonte: IBGE; Fundação Seade.

(1) Considerou-se a Região Sudeste, exceto o Estado de São Paulo.

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Norte Nordeste Sudeste (1) Sul Centro-Oeste

1986-1991

1995-2000

%

Local de Destino

TABELA 4

Emigração, segundo Regiões Administrativas

Estado de São Paulo – 1995-2000

Regiões Administrativas

Emigração (Destino)

TotalEm São Paulo

Fora de

(1) São Paulo

Estado de São Paulo 1.909.836 53,7 46,3

RMSP 1.067.998 47,4 52,6

Registro 18.971 73,5 26,5

RM da Baixada Santista 81.874 58,4 41,6

São José dos Campos 67.753 45,1 54,9

Sorocaba 85.628 63,6 36,4

Campinas 191.909 53,0 47,0

Ribeirão Preto 53.997 61,6 38,4

Bauru 43.341 74,8 25,2

São José do Rio Preto 54.781 70,5 29,5

Araçatuba 44.381 69,9 30,1

Presidente Prudente 54.921 64,9 35,1

Marília 52.932 76,0 24,0

Central 36.258 74,9 25,1

Barretos 26.663 72,2 27,8

Franca 28.429 48,2 51,8

Fonte: IBGE; Fundação Seade.

(1) Refere-se à soma dos fluxos migratórios intraestaduais e interestaduais ocorridos no/para

o Estado de São Paulo entre 1995 e 2000.

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104 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005

SONIA REGINA PERILLO / MAGALY DE LOSSO PERDIGÃO

A saída de população de São Paulo para outros esta-dos do país foi bastante pronunciada em regiões comoRMSP, São José dos Campos e Franca: nessas áreas, amigração externa (fora do Estado de São Paulo) represen-tou mais de 50% dos deslocamentos populacionais ocor-ridos no período. Em contrapartida, em regiões como Re-gistro, Bauru, Marília e Central, a participação da migraçãoexterna foi bem inferior: da ordem de 25% do total dos des-locamentos populacionais (Tabela 4).

CONTEXTO DOS DESLOCAMENTOSINTRA-ESTADUAIS

As informações censitárias de 2000 revelam que, alémdos movimentos migratórios interestaduais, outras formasde mobilidade adquiriram importância e significado ana-lítico nas últimas décadas. No Estado de São Paulo, pas-saram a se destacar os movimentos intra-estaduais: entre1995 e 2000, o volume de migrantes do Estado (excetuan-do-se os deslocamentos intra-regionais) foi de 2,3 milhõesde pessoas. Desse total, 54,8% correspondiam a fluxosmigratórios originários de outros estados brasileiros e45,2% a movimentos ocorridos no próprio Estado de SãoPaulo.

Este continuou apresentando intensa mobilidadepopulacional: entre 1986 e 1991, 1,3 milhão de pessoas mo-vimentaram-se entre as regiões; entre 1995 e 2000, esse nú-mero ficou em torno de 1 milhão – o que indica uma re-dução nos movimentos internos de aproximadamente 27%.

A tendência migratória intra-estadual encontra-seassociada ao fortalecimento do processo de interiorizaçãodo desenvolvimento econômico já iniciado em meados dosanos 70. Esse processo contribuiu, num primeiro momento,para uma desconcentração das atividades econômicas apartir da RMSP em direção ao interior do Estado. Comoresultado, ocorreu um redirecionamento dos fluxosmigratórios da metrópole para as regiões situadas nos eixosde maior desenvolvimento econômico do interior e maiorretenção da população do interior em suas regiões deorigem (CANO, 1988; ARAÚJO; PACHECO, 1996;PERILLO, 1996; ARANHA, 1996; FUNDAÇÃO SEADE,2004). Nos anos 90, intensificou-se a tendência deinteriorização econômica e populacional do Estado.Segundo Araújo (1999), esse processo ocorreu em umespaço concentrado num raio de aproximadamente 150 kma partir do centro da RMSP, abrangendo as RAs deCampinas, São José dos Campos, Sorocaba e RM daBaixada Santista. Nesse contexto, Caiado (1996) destacaque, além dos centros industriais já consolidados do

Estado, como as RAs de Campinas, São José dos Campose a RM da Baixada Santista e seus respectivos entornos,foram privilegiados os grandes eixos de ligação com acapital paulista – notadamente as cidades com melhorinfra-estrutura em seu entorno, cortadas pelas rodoviasBandeirantes, Anhangüera, Presidente Dutra, CarvalhoPinto, Castelo Branco, Marechal Rondon e Fernão Dias.

As mudanças que vêm ocorrendo na dinâmica econô-mica e populacional da metrópole tiveram impactos sig-nificativos no conjunto de regiões que integram o inte-rior. Essa área tem-se caracterizada como a segundaconcentração industrial do país, só perdendo para aRMSP, e tem apresentado uma intensa mobilidadepopulacional, consolidando-se como uma das principaisáreas migratórias do país nas últimas décadas (CUNHA,1987; PERILLO; ARANHA, 1998; UNICAMP/NEPO,1997).

Esse cenário econômico contribuiu, em grande medi-da, para o redirecionamento dos fluxos migratórios paraas regiões de maior dinamismo do Estado, principalmen-te para as duas áreas metropolitanas – São Paulo e Baixa-da Santista – e para as RAs de Campinas e Sorocaba, en-tre outras.

Capital: Maior Porta de Saída dos Migrantesque Deixaram a RMSP

Entre 1995 e 2000, 468 mil pessoas saíram da RMSP eforam para as regiões do interior do Estado. Relevante éo papel da capital que, mesmo consolidando-se como im-portante pólo de atração populacional, caracterizou-secomo a maior área de saída da população da metrópole:320 mil pessoas deslocaram-se dessa área – o equivalentea 68,5% dos migrantes que deixaram a RMSP. Apenas 148mil pessoas (31,5%) mudaram de outros municípios daRMSP (excetuando-se São Paulo) para o interior do Esta-do. As regiões do interior que mais se beneficiaram comos deslocamentos originados na RMSP foram as RAs deCampinas, Sorocaba, São José dos Campos e a RM daBaixada Santista (RMBS).

Os deslocamentos populacionais procedentes do inte-rior do Estado foram menos pronunciados: 172 mil pes-soas saíram do interior em direção à RMSP; dentre estas,91 mil (52,8%) movimentaram-se para os outros municí-pios da RMSP e 81 mil (47,2%) para o Município de SãoPaulo (Mapa 2). Destacaram-se os fluxos originários dasRAs de Campinas, Sorocaba, São José dos Campos e daRM da Baixada Santista.

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PERCURSOS MIGRATÓRIOS NO ESTADO DE SÃO PAULO: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005

MAPA 2

Fluxos Migratórios Intra-Estaduais

Estado de São Paulo – 1995-2000

Fonte: IBGE; Fundação Seade.

Trocas Migratórias: 1 Milhão de Pessoas Deslocaram-se entre as Regiões

Os deslocamentos populacionais no Estado de SãoPaulo foram pronunciados: praticamente 1 milhão de pes-soas movimentaram-se entre suas regiões, no período1995-2000.

Na RMSP, a participação dos deslocamentos intra-es-taduais foi relativamente pequena, 19% (Tabela 5). Essaregião recebeu um volume de 172 mil pessoas e exibiuuma perda migratória acentuada, de 468 mil pessoas paraas regiões do interior do Estado nesse período. Isso signi-fica que, mesmo caracterizada como grande pólo de atra-ção de migrantes, a RMSP consolidou-se como a princi-pal área de saída da população. No balanço das trocasmigratórias, essa área perdeu quase 300 mil pessoas paraas outras regiões do interior. A região que mais se benefi-ciou com os deslocamentos da RMSP foi a de Campinas,que recebeu praticamente 144 mil migrantes dessa área.Dentre os migrantes que chegaram à metrópole, destaca-ram-se os procedentes de Campinas (16,9%), RMBS(10,9%), Sorocaba (10,1%) e São José dos Campos (8,3%).

A capital paulista foi o local preferido dos migrantesque saíram das regiões de Campinas e RMBS. Emcontrapartida, os migrantes procedentes das regiões deSorocaba e São José dos Campos concentraram-se, em suamaioria, nos outros municípios da RMSP (excetuando-se

São Paulo). Dentre as regiões que integram o interior,Campinas foi a que recebeu o maior volume de migrantesintra-estaduais entre 1995 e 2000: cerca de 235 mil pes-soas mudaram para essa área. Sobressaíram-se os deslo-camentos com origem na RMSP, responsáveis por 61,2%dos fluxos para a RA de Campinas. Praticamente 68% dosmigrantes que chegaram à região de Campinas saíram dacapital e apenas 32% dos outros municípios da RMSP.Em menor expressão, Campinas recebeu migrantes das re-giões de Sorocaba (5,9%), Presidente Prudente (3,7%) eSão José do Rio Preto (3,6%) (Mapa 3). A região de Cam-pinas também se caracterizou como importante área de sa-ída de migrantes para a RMSP (31%), e para as regiões deSorocaba (13,7%) e São José do Rio Preto (9,9%) (Tabela6). No balanço das trocas migratórias, essa região exibiuum ganho líquido de 140 mil pessoas nesse período.

Outro importante pólo de atração populacional foi aregião de Sorocaba, que recebeu 116 mil pessoas entre1995-2000. Destacaram-se os deslocamentos com origemna RMSP (62,9%), principalmente na capital (63%) e, emmenor expressão, os procedentes das RAs de Campinas,Marília e Bauru. O destino preferido das pessoas que saí-ram de Sorocaba foi a RMSP (34,6%), seguida das re-giões de Campinas (27,3%) e Bauru (8,5%). Entre 1995-2000, Sorocaba apresentou um ganho líquido de 66 milpessoas nas trocas populacionais estabelecidas com asdemais regiões do Estado.

Interior do Estado

Outros Municípiosda RMSP

Município deSão Paulo

68,5%31,5%

52,8%

47,2%

91 mil

148 mil 320 mil

81 mil

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106 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005

SONIA REGINA PERILLO / MAGALY DE LOSSO PERDIGÃO

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42

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RMSP

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 97-109, jul./set. 2005

MAPA 3

Fluxos Migratórios Intra-Estaduais Numericamente mais Importantes

Estado de São Paulo – 1995-2000

Fonte: IBGE; Fundação Seade.

TABELA 6

Fluxos Migratórios Intra-Estaduais Numericamente mais Significativos, segundo Áreas de Origem e Destino

Estado de São Paulo – 1995-2000

Áreas Imigrantes Emigrantes Origem dos Imigrantes % Destino dos Emigrantes %

RMSP 172.134 468.296 Campinas 16,9 Campinas 30,6

RM da Baixada Santista 10,9 Sorocaba 15,6

Sorocaba 10,1 RM da Baixada Santista 12,9

RM da Baixada Santista 82.568 44.233 RMSP 72,9 RMSP 42,6

Campinas 17,3

São José dos Campos 65.834 28.264 RMSP 70,3 RMSP 50,8

Campinas 8,3 Campinas 21,0

Sorocaba 115.902 50.356 RMSP 62,9 RMSP 34,6

Campinas 11,2 Campinas 27,3

Campinas 234.546 94.187 RMSP 61,2 RMSP 31,0

Sorocaba 5,9 Sorocaba 13,7

São José do Rio Preto 67.508 35.738 RMSP 43,1 RMSP 23,5

Campinas 13,8 Campinas 23,3

Araçatuba 11,8 Araçatuba 11,1

Fonte: IBGE; Fundação Seade.

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SONIA REGINA PERILLO / MAGALY DE LOSSO PERDIGÃO

A RMBS recebeu 83 mil migrantes nesse período; a gran-de parcela dos fluxos (73%) teve origem na RMSP,notadamente na capital. Em menor expressão, destacaram-se os movimentos originários das RAs de Campinas, Re-gistro e Sorocaba. Os migrantes que saíram da RM daBaixada Santista tiveram como principais áreas de desti-no a RMSP (42,6%) e a RA de Campinas (17,3%). Nastrocas populacionais efetuadas com as demais regiões doEstado, a RM da Baixada Santista registrou um ganho lí-quido de 38 mil pessoas.

Outro importante pólo de atração foi a Região de SãoJosé do Rio Preto, que recebeu quase 68 mil migrantes nesseperíodo. Destacaram-se os fluxos procedentes da RMSP(43,1%) e, em menor proporção, das RAs de Campinas eAraçatuba. Nesse período, a Região de São José do RioPreto apresentou perdas populacionais importantes para aRMSP (23,5%) e para a RA de Campinas (23,3%).

A RA de São José dos Campos recebeu 65 mil pessoasprocedentes, em sua maioria, da RMSP (70%). Osmigrantes que saíram da Região de São José dos Campostiveram como principais áreas de destino a RMSP (51%)e a RA de Campinas (21%). Dentre as regiões caracteri-zadas como pólo de atração do Estado de São Paulo, aRegião de São José dos Campos foi a que exibiu as meno-res perdas populacionais nas trocas estabelecidas no pe-ríodo 1995-2000, da ordem de 28 mil pessoas (Tabela 6).

As regiões analisadas foram as que apresentaram os flu-xos migratórios intra-estaduais numericamente mais signi-ficativos, consolidando-se como as áreas de grande atra-ção da população que se deslocou dentro do Estado de SãoPaulo. Entre 1995 e 2000, essas áreas responderam em con-junto por praticamente 72% da migração intra-estadual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados apresentados mostram a importância dasmigrações interestaduais e apontam que o Estado de SãoPaulo continuou sendo o principal pólo nacional de atra-ção migratória entre 1995 e 2000. A migração desempe-nhou papel relevante na RMSP – principalmente na capi-tal, que ainda exerce forte atração no redirecionamentoda população vinda de Estados brasileiros para São Pau-lo. Bahia, Minas Gerais, Paraná e Pernambuco consoli-daram-se como as principais áreas de procedência dosmigrantes que chegaram a São Paulo. As principais áreasde destino dos migrantes que saíram do Estado de SãoPaulo foram Minas Gerais, Paraná, Bahia e Pernambuco.

As informações censitárias de 2000 revelam que, alémdos movimentos migratórios interestaduais, outras formasde mobilidade vêm adquirindo importância e significadoanalítico nas últimas décadas. Além dos movimentos in-terestaduais, os intra-estaduais passaram a ter um papelcada vez maior, respondendo por 45,2% dos fluxos migra-tórios para o Estado de São Paulo entre 1995 e 2000. Pra-ticamente um milhão de pessoas deslocaram-se entre asregiões do Estado nesse período. Os principais fluxos mi-gratórios ocorreram para as regiões de maior dinamismoeconômico, sobressaindo-se as áreas metropolitanas de SãoPaulo e da Baixada Santista e as RAs de Campinas,Sorocaba, São José dos Campos, entre outras.

Nos anos 90, o interior do Estado de São Paulo reforçouseu potencial de atração migratória, notadamente da po-pulação originária da RMSP. Por outro lado, mesmo ca-racterizada como o grande pólo de migrantes, a metrópo-le paulista, notadamente a capital, consolidou-se como aprincipal área de saída da população do Estado de SãoPaulo. No balanço das trocas migratórias intra-estaduais,essa região perdeu quase 300 mil pessoas para as outrasregiões paulistas entre 1995 e 2000.

Ressalte-se, porém, que a maior parte das transforma-ções econômicas e demográficas recentes que a RMSP vemapresentando concentram-se, sobretudo, na capital. Essaárea continua centralizando grande parte das atividadesmais dinâmicas e modernas do país, intensificando aindamais sua característica de cidade “global” ou “mundial”.

NOTA

1. Interior aqui definido como o conjunto de todas as regiõespaulistas, excluindo-se a Região Metropolitana de São Paulo.

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SONIA REGINA PERILLO: Estatística e Demógrafa, Analista da FundaçãoSeade ([email protected]).MAGALY DE LOSSO PERDIGÃO: Tecnóloga em Processamento de Dados,Analista da Fundação Seade ([email protected]).

Artigo recebido em 23 de março de 2005.Aprovado em 30 de maio de 2005.

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FABÍOLA RODRIGUES

O

Resumo: Esse artigo tem por objetivo lançar luz sobre os processos demográficos e socioeconômicos recentes(entre 1970 e 2000) decorridos em município paulistas de porte médio, especialmente a reversão da tendênciade perdas populacionais e a crescente mobilidade espacial intra-urbana, decorrentes da incorporação dessesmunicípios às novas formas da acumulação flexível, vis-à-vis à precarização do emprego e o crescente empo-brecimento da população trabalhadora.Palavras-chave: População. Desenvolvimento urbano. Mobilidade espacial da população.

Abstract: This article has the objective of throwing some light onto the recent demographic and socioeconomicprocesses (between 1970 and 2000) that occurred in most of the municipalities in the State of São Paulo,especially the reversion of the trend toward demographic losses and the growing intra-urban spatial mobilityresulting from the inclusion of these municipalities into new forms of flexible accumulation, vis-à-vis thegrowing unemployment and the increasing impoverishment of the working population.Key words: Population. Urban development. Spatial mobility of the population.

FABÍOLA RODRIGUES

POPULAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO URBANANO (NOR)OESTE PAULISTA

um estudo sobre a produção social do espaçourbano no município de Votuporanga

objetivo desse artigo é resgatar – de forma gerale aproximada – as condições históricas (decor-ridas no período entre 1970 e 2000) sob as quais

se deu a formação capitalista dos municípios da franja donoroeste paulista, no interior dos processos mais geraisde urbanização, concentração e desconcentração indus-trial na malha paulista.

De fato, este artigo propõe-se a evidenciar a inter-rela-ção historicamente urdida entre a mobilidade espacial dapopulação, a industrialização e a produção social do es-paço urbano, no intento de demonstrar como as disputaspela apropriação dos recursos e das localizações no espa-ço intra-urbano estão subsumidas às necessidades de re-produção do capital, bem como ao poder de classe na cons-trução da forma espacial da cidade (HARVEY, 1980). Paratanto, estuda o caso de um típico município médio da malhanoroeste do Estado: o município de Votuporanga.

Desse modo, o texto foi organizado de forma a permi-tir a compreensão da evolução sociodemográfica do no-roeste paulista no interior do processo de desconcentraçãoindustrial e de reversão da tendência de esvaziamentodemográfico da franja pioneira. Nesse sentido, estudaparticularmente a Região Administrativa (RA) de São Josédo Rio Preto, onde se localiza o município de Votuporanga.

Na seqüência, a partir da análise das condições histó-ricas que engendraram a formação urbana dessa área, oenfoque recai sobre o município de Votuporanga e as con-dições mais gerais de sua industrialização, que parecemter desempenhado um papel decisivo na forma espacialda cidade, sobretudo ao longo das duas últimas décadas.

Dessa perspectiva, acompanha-se a evolução da indus-trialização e a conformação das primeiras áreas industriais,vis-à-vis à nova forma espacial que a cidade adquire econsolida, evidenciando-se uma relação permanente (e

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POPULAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO URBANA NO (NOR)OESTE PAULISTA: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 110-120, jul./set. 2005

levada ao limite, na década de 2000) entre dinâmica eco-nômica, mobilidade espacial da população e produçãosocial do espaço intra-urbano.

PANORAMA DA DINÂMICA DEMOGRÁFICADO NOROESTE PAULISTA

A evolução dos volumes e das taxas de crescimento dapopulação da Região Administrativa de São José do RioPreto,1 entre 1970 e 2000, é bastante elucidativa do movi-mento de declínio e posterior recuperação econômica edemográfica do interior de São Paulo, especialmente doOeste Paulista.

Efetivamente, os grandes processos de industrializaçãoe urbanização ocorridos em larga escala no país entre asdécadas de 60/70 (MARTINE, 1987; PACHECO; PA-TARRA, 1997) e que redundaram na extraordinária con-centração demográfica na capital paulista e em sua áreade influência mais imediata, causaram grande prejuízo aocrescimento urbano e demográfico dos municípios recém-formados na franja pioneira paulista.

Esses municípios também foram bastante afetados pelaexpansão da fronteira agrícola na direção centro-oeste dopaís (MARTINE, 1987), de modo que seu crescimento eco-nômico e demográfico declinou sensivelmente no perío-do 1960/70 – tendência que só esboçou reversão para oconjunto de municípios dessa região a partir dos anos 80.

É bastante emblemático do processo de reversão doesvaziamento demográfico no Oeste Paulista o vigorosocrescimento das Regiões de Governo da RA de São Josédo Rio Preto, expressos na Tabela 1, que mostra uma sig-nificativa evolução da taxa de crescimento da populaçãode todas as áreas no período 1970-2000.

Notamos, em primeiro lugar, uma inequívoca lideran-ça da RG de São José do Rio Preto, seguida pela RG deCatanduva na composição do crescimento populacionalda RA, nesse período. Embora as taxas de crescimentodas regiões mais novas (Votuporanga, Fernandópolis eJales) sejam bem mais modestas que as taxas de São Josédo Rio Preto e Catanduva, é possível perceber uma clarareversão na tendência de crescimento negativo e de eva-são populacional. Exemplificando: a RG de Jales, muitoafetada na década de 70 pelas políticas de modernizaçãoagrícola, passou a reverter sua tendência de perda à medi-da que paulatinamente foi conseguindo fixar sua popula-ção rural em atividades urbanas.

Assim, as modestas taxas de crescimento positivo dapopulação nas RGs de Fernandópolis e Votuporanga nos

períodos entre 1980/1991 e 1991/2000 (sempre inferioresa 1% ao ano) traduzem a paulatina capacidade dessasáreas de reter a população em atividades urbanasregulares – isto, num contexto de capitalização dasrelações sociais de produção no campo e de forta-lecimento de sub-pólos regionais com relativa capacidadede absorção de uma população pouca qualificada eprecariamente escolarizada.

Região de Governo de Votuporanga

De modo geral, tanto a RG de Votuporanga quanto omunicípio-sede apresentaram no período 1970-2000 umaevolução demográfica bastante semelhante à analisadaanteriormente para o conjunto da Região Administrativade São José do Rio Preto.

Isso significa dizer que também aqui ocorreram os pro-cessos de reversão da tendência de esvaziamento demo-gráfico, esvaziamento esse, configurado no período 1960/70, bem como o processo de fortalecimento do municí-pio-sede.

Sob esse aspecto, a Tabela 2 reitera e evidencia oprocesso de reversão do esvaziamento demográfico dosmunicípios da RG de Votuporanga: como se pode observarno período 1991-2000 (que mostra a intensidade docrescimento da população em um momento em que areversão já está em curso) 9 dos 15 municípios que

TABELA 1

Taxa de Crescimento Geométrico Anual da População

Região Administrativa de São José do Rio Preto e

Regiões de Governo – 1970-2000

Em porcentagem

RegiõesTaxa de Crescimento

1970/80 1980/1991 1991/2000

Região Administrativa de

São José do Rio Preto 0,71 1,59 1,59

Região de Governo de

São José do Rio Preto 1,85 2,52 2,33

Região de Governo de

Catanduva 1,77 1,42 1,29

Região de Governo de

Votuporanga -0,20 0,87 0,91

Região de Governo de

Fernandópolis -0,43 0,41 0,55

Região de Governo de

Jales -1,80 0,27 0,50

Fonte: IBGE; Fundação Seade (1990-2004).

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FABÍOLA RODRIGUES

compõem a RG de Votuporanga apresentavam taxas decrescimento negativo, ainda que baixas (à exceção deÁlvares Florence e Pontes Gestal, que apresentam altastaxas negativas, os demais municípios apresentavam taxasnegativas que se aproximam de zero); já no período 2000-2004 apenas 4 dos 15 municípios da RG apresentam taxasnegativas de crescimento e, ainda assim, elas são significa-tivamente menores em comparação com o período anterior(Álvares Florence passa de uma taxa geométrica decrescimento anual de -1,75% para -0,78%; Pontes Gestalsalta de uma taxa geométrica de crescimento anual de-1,69% para 1,72%).

Cumpre destacar, ainda, as excepcionais taxas de cres-cimento da população, entre os períodos 1991-2000 e2000-2004, dos municípios de Parisi (2,76% ao ano e2,49% ao ano, respectivamente) e de Valentim Gentil(4,31% ao ano e 3,39% ao ano, respectivamente) que, adespeito de terem diminuído sua intensidade no últimoperíodo, em comparação com o período anterior, mantêm-se significativamente acima das taxas registradas para ototal da RG de Votuporanga (0,91% e 1,05%, respectiva-mente), RA de São José do Rio Preto (1,59% e 1,43%) eEstado de São Paulo (1,82% e 1,55%) (FUNDAÇÃOSEADE, 2004).

As taxas geométricas de crescimento da população sig-nificativamente mais elevadas para esses dois municípiosexplicam-se, no entanto, em razão de conjunturas bastan-te particulares: no caso do município de Parisi, o recentedesmembramento (1991) parece ter contribuído para seuinsígne desempenho, corroborando uma tendência jáexaustivamente analisada na constituição urbana da ma-lha paulista (CAMARGO, 1981); no caso de ValentimGentil, a explicação repousa, possivelmente, no bom de-sempenho da economia local, especialmente da indústriamoveleira, sobremaneira do segmento de estofados.2

No que diz respeito às trocas migratórias do municípiode Votuporanga, no contexto intra-regional, conforme odemonstra a Tabela 3, nota-se que praticamente todos osmunicípios da RG de Votuporanga aumentam sua capaci-dade de retenção migratória no período 1995-2000, emcomparação com o período 1986-1991, uma vez que omunicípio-sede diminui o volume do saldo migratório emsuas trocas com quase todos os municípios da RG, aumen-tando, inclusive, as perdas migratórias que, no período1986-1991 ocorriam apenas nas trocas com os municípiosde Macaubal (-41 pessoas) e Sebastianópolis do Sul (-51pessoas).

Assim, no período 1995-2000, o saldo migratório ne-gativo ocorre também nas trocas com os municípios deCosmorama (-6 pessoas), Floreal (-26 pessoas), Monções(-11 pessoas), Pontes Gestal (-111 pessoas), Riolândia(-16 pessoas) e Sebastianópolis do Sul (-6 pessoas).

Esses números apontam, concomitantemente, para doisfenômenos para os quais deve-se atentar: o primeiro é a céle-re e tardia desruralização da população e da economia dosmunicípios da RG de Votuporanga, nos últimos 20 anos –o que contribui sensivelmente para a retenção de popula-ção, que muda sua situação de domicílio (de rural paraurbano) muitas vezes dentro do mesmo município, induzindoa uma diminuição do fluxo migratório para Votuporanga.

O segundo fenômeno é a crescente informalização daeconomia votuporanguense, aliada aos processos deliofilização da estrutura produtiva (ANTUNES, 2003),modernização tecnológica e aumento do desempregodiferencial3 (que afeta mais intensamente a mão-de-obrade baixa qualificação) em curso na indústria local, parti-cularmente na indústria moveleira, desde meados dadécada de 90 o que contribuiu para a diminuição daatratividade migratória do município-sede, haja vista queas transformações recentes no regime de acumulaçãolimitam sensivelmente a capacidade de absorção de mão-de-obra do setor produtivo do município.

TABELA 2

Taxa de Crescimento Geométrico Anual da População, segundo Municípios

Região de Governo de Votuporanga – 1991-2004

Em porcentagem

MunicípiosTaxa de Crescimento

1991-2000 2000-2004

Álvares Florence -1,75 -0,78

Américo de Campos -0,03 0,08

Cardoso -0,61 0,00

Cosmorama -0,67 -0,24

Floreal -1,04 -0,52

Macaubal 0,02 0,45

Magda -0,79 -0,28

Monções -0,35 0,09

Nhandeara -0,18 0,47

Parisi 2,76 2,49

Pontes Gestal -1,69 1,72

Riolândia 1,12 0,98

Sebastianópolis do Sul 0,19 0,54

Valentim Gentil 4,31 3,39

Votuporanga 1,8 1,49

Fonte: IBGE; Fundação Seade (2004).

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POPULAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO URBANA NO (NOR)OESTE PAULISTA: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 110-120, jul./set. 2005

AS (TRANS)FORMAÇÕES DACIDADE INDUSTRIAL

A Emergência da Cidade Industrial

Assim como ocorreu com os fluxos migratórios, areversão da tendência de esvaziamento demográfico e ocrescente fortalecimento do município de Votuporangacomo pólo econômico regional configuraram-se como de-terminantes de primeira grandeza para a formação de umamorfologia urbana específica. O aparecimento das pri-meiras áreas industriais no final dos anos 70 explica aforma urbana – marcada pela forte segregação residencial– que a cidade adquiriu e consolidou nas décadas seguintes.

Isso equivale dizer, como o demonstra o Mapa 1, quea implantação de distritos industriais no município deVotuporanga desde o final da década de 70 foi deverasdeterminante para a conformação do desenho urbano epara a orientação da distribuição da população no espa-ço intra-urbano.

Foi essencialmente a partir da estruturação do PóloComercial e Industrial de Votuporanga (1979) e dos doisprimeiros distritos industriais (1978 e 1979, respectiva-mente) que se abriu uma frente de expansão ao norte enoroeste do perímetro urbano, conformando um novo eixode intenso dinamismo econômico.

TABELA 3

Trocas Migratórias, segundo Municípios

Região de Governo de Votuporanga – 1986-2000

Municípios1986-1991 1995-2000

Imigração Emigração Saldo Migratório Imigração Emigração Saldo Migratório

Total 1.975 1.053 922 265 107 158

Álvares Florence 435 76 359 211 67 144

Américo de Campos 234 41 193 158 16 142

Cardoso 252 135 117 194 95 99

Cosmorama 426 317 109 112 118 -6

Floreal 73 26 47 0 26 -26

Macaubal 47 88 -41 36 7 29

Magda 67 0 67 37 14 23

Monções 40 0 40 0 11 -11

Nhandeara 105 87 18 109 73 36

Pontes Gestal 22 0 22 131 242 -111

Riolândia 73 50 23 23 39 -16

Sebastianópolis do Sul 0 51 -51 125 131 -6

Valentim Gentil 201 182 19 10 0 10

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 1991 e 2000 (tabulações especiais).

Graças aos incentivos e regulamentação do Plano Mu-nicipal de Amparo e Incentivo Industrial de Votuporanga– Plamivo,4 houve importante transferência de empresasjá sediadas no município, bem como a instalação de no-vas empresas nas áreas zoneadas para uso industrial, to-das localizadas nas franjas do perímetro urbano legal, nosentido norte-noroeste, conformando aglomerações demoradia popular – já que a consolidação da indústria detransformação no município, destacadamente a moveleira(SEMPLA, 1995), requeria a proximidade entre as áreasde moradias operárias e a industrial como forma deotimização dos custos de reprodução do capital.

Nesse sentido, a produção social do espaço urbano(GOTTDIENER, 1997) passa a ser fortemente orientadaem função das necessidades das novas aglomerações in-dustriais, as quais demandam políticas de infra-estruturaurbana e de transportes que são apenas parcialmente pro-vidas pelo Poder Público.

Dessa forma, a dinâmica de expansão imobiliária noespaço intra-urbano foi-se deslocando paulatinamente doeixo centro-sul para o eixo centro-norte, ratificando o cen-tro tradicional (VILLAÇA, 2001). No entanto, continuoudeslocando a configuração dos bolsões de pobreza e dasáreas de moradia popular para a frente de expansão norte,gerando um efeito indireto de enobrecimento da zona sul.Tudo isso ocorreu a despeito da permanência de antigos

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FABÍOLA RODRIGUES

MAPA 1

Localização dos Principais Loteamentos Urbanos

Votuporanga – 2000

Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento, Habitação e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Votuporanga.

bolsões de pobreza nessa região (como a favela Ipiranga,a mais importante e mais antiga do município), ao longodas décadas seguintes.

Evidentemente, a conformação de aglomerações de mo-radias populares na frente de expansão norte, além de con-figurar-se como conveniente para o capital industrial, re-velou-se oportuna para o capital imobiliário, que não tardoua plantar inúmeros loteamentos populares naquela região.

O capital imobiliário se beneficiou, ainda, da dina-mização do mercado imobiliário suscitada pela amplia-ção do perímetro urbano efetivamente ocupado, em virtu-de do adensamento progressivo da zona norte, que gerou,ainda, um rearranjo na apropriação dos recursos físicosdo espaço intra-urbano, abrindo novos flancos para umaocupação das camadas médias na malha consolidada dazona centro-sul.

Efetivamente, a zona de expansão norte5 replicouampliadamente a tensão centro-periferia presente naestruturação urbana ocorrida entre as décadas de 40 e 70,quando a formação de uma pequena economia de aglo-

meração na região do Patrimônio Velho (correspondenteao centro histórico) polarizou crescentemente as atividadesmais dinâmicas e atraiu as camadas de alta renda para seuentorno, relegando paulatinamente a região da EstaçãoFerroviária (núcleo econômico e residencial primevo) afunções urbanas mais secundárias.

À medida que a ferrovia foi perdendo importânciafrente ao transporte rodoviário, as atividades comerciaise industriais ali existentes tenderam a transferir-se, pri-meiramente, para a área do centro tradicional e, posterior-mente, (especialmente no caso das indústrias) para a áreados distritos industriais. Assim, as moradias popularesforam subsistindo sobremaneira na região da Estação Fer-roviária, conformando essa região (no extremo sul damalha urbana) como zona de periferia urbana.

No final da década de 70, com a estruturação do PóloComercial e Industrial de Votuporanga e dos dois primei-ros distritos industriais, a especialização urbana das áreasde moradia popular espraiou-se para a zona de expansãonorte, ratificando, da perspectiva da produção social do

Pólo Comercial e Industrial

II, III e IV Distritos Industriais

Santa Luzia

Patrimônio Velho

Patrimônio Novo

V Distrito Industrial

I Distrito Industrial

Própovo

Pozzobon

São Cosme

São Damião

Jardim MarinVila Marin

Bairro Marão

B. São João (Favela Ipiranga)

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espaço, uma dinâmica de apropriação e uso do solo urbanonitidamente marcada pela tensão centro-periferia.

Destarte, embora a periferia urbana tenha se ampliado,mantendo sua conformação no extremo sul do perímetrourbano (cuja funcionalidade justifica-se na medida em quea zona de expansão norte produz a valorização da áreacentro-sul, cujo enobrecimento demanda crescentementea proximidade de mão-de-obra de serviços gerais) e avan-çando sobre a zona de expansão norte, a centralidade docentro tradicional (que pouco avançou nas últimas quatrodécadas para fora da área do centro histórico)6 manteve-se inalterada.

Essa leitura é amplamente endossada pela análise daevolução da abertura de loteamentos no espaço intra-ur-bano de Votuporanga, desde os primórdios de sua forma-ção urbana, onde se nota, claramente, o aumento no nú-mero de loteamentos (mormente voltados para as camadaspopulares) abertos na década de 80, especialmente na zonade expansão norte.

Nesse contexto, a partir do centro tradicional, a áreada cidade que recebeu os maiores investimentos imobiliá-rios entre as décadas de 50 e 60 foi a porção oeste, dondedestacamos os loteamentos Vila América (1956), Lotea-mento Albino Zan (1961), Loteamento Santa Elisa (1959),Chácara da Aviação (1959), Recanto dos Esportes (1959),Jardim Santo Antônio (1965), Vila Guerche (1966), Cháca-ra das Paineiras (1966), Jardim Paraíso (1967), entre outros.

Conformando uma expansão radial, em direção ao suldo perímetro urbano, foram abertos inúmeros loteamentosna porção mais meridional do município, primeiramenteno entorno do bairro da Estação (1950), alongando-se nosentido leste-oeste, donde destacamos: Bairro São João(1952), Parque Guarani (1966), Jardim Umuarama (1967),Chácara Vera (1967), Cecap I (1968), Parque Roselândia(1968), Jardim Progresso (1974), Jardim Santos Dumont(1978), e outros.

Finalmente, a zona de expansão norte configura-se,entre o fim dos anos 70 e o curso da década de 80, a partirda abertura dos primeiros parques industriais (1978/79),carreando um sem-número de loteamentos populares queadensam e ampliam o perímetro urbano efetivamente ocu-pado na franja norte: Bairro Pozzobon (1978), LoteamentoSão Vicente de Paulo (1978), Parque Rio Vermelho(1979), Cohab (1981), Parque Residencial Santa Amélia(1983), Própovo (1988), Parque das Nações I e II (1988),entre outros.

Essa ocupação marcadamente radial do perímetro ur-bano, primeiro no sentido centro-sul, com expansões a leste

e a oeste, e posteriormente, na década de 80, no sentidocentro-norte deixa bastante perceptível a importância eco-nômica, social e política do centro tradicional (do qual ascamadas de alta renda não abrem mão), e mais do que isso,evidencia a relação funcional que o centro tradicional es-tabelece com as periferias urbanas, deixando entrever opoder de classe na estruturação urbana, à medida que ospobres vão sendo reiteradamente expulsos para territóriosdo espaço intra-urbano mais convenientes à lógica de re-produção do capital.7

De fato, a ampliação da mancha urbana na direção nortedo perímetro urbano, pulverizando nas franjas da malhaas localizações das moradias populares, fez-se conco-mitantemente a um movimento de adensamento constru-tivo e demográfico do centro tradicional, que se torna maiscomplexo e se valoriza frente aos novos investimentos doscapitais industrial e imobiliário.

Assim, a distensão do processo de periferização na dire-ção da malha norte produziu, concomitantemente, maioradensamento, verticalização e intensificação da valoriza-ção imobiliária da região central, ao longo das décadas de80 e 90, vedando-a em definitivo aos pobres e conforman-do-a como locus do domínio das camadas de alta renda.

O processo de verticalização do centro foi bastanteintenso entre as décadas de 80 e 90, de modo que a pró-pria paisagem da região central foi rapidamente alterada,na mesma medida em que sua centralidade econômica, so-cial e política foi fortalecida pela rápida evolução da in-dústria e pela dinamização do comércio e serviços lo-cais, que expandem sua polarização regional (SEMPLA,1995).

Em Votuporanga, a clássica tensão centro-periferia éampliada, na década de 80, a partir da constituição da zonade expansão norte, conformando um modelo de produçãosocial do espaço urbano marcado pela crescente centrali-dade do centro tradicional e pela distensão da periferiaurbana.

Destarte, se por um lado, tem-se em Votuporanga umcentro principal classicamente segregado (concentrandocrescentemente maiores parcelas das camadas de alta ren-da, ao longo dos anos 80 e 90, especialmente nos condo-mínios residenciais verticais), de outro lado, tem-se umaperiferia fortemente espraiada (que se amplia de sua lo-calização mais antiga, no extremo sul, na direção doextensor norte), distribuída em diversas aglomerações aolongo das fímbrias do perímetro urbano.

De qualquer modo, a progressiva distensão radial daperiferia urbana na direção do extensor norte, aliada à

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FABÍOLA RODRIGUES

necessidade de produção de novas localizações industriais,bem como a expansão concomitante do centro tradicio-nal, configuraram-se como forças determinantes naestruturação do espaço intra-urbano de Votuporanga, en-tre as décadas de 80 e 90.

Nesse sentido, ainda, a desfuncionalização do I DistritoIndustrial (assediado pela crescente proximidade com ocentro expandido), bem como as inúmeras transformaçõesno regime de acumulação da indústria votuporanguense(destacadamente a moveleira), mormente a partir de mea-dos da década de 90, estabelecem novas injunções no de-senho urbano, alterando rapidamente a paisagem urbana,(re)criando lugares de valor e lugares marginais na contí-nua produção da cidade do trabalho e da vida cotidiana.

A Velha Dualidade Centro-Periferia: MobilidadeSocioespacial e Pobreza

A década de 90 marca um momento determinante demodernização e ampliação de abrangência para a indús-tria moveleira de Votuporanga: influenciada fortementepela ascendência do Sebrae sobre o Poder Público Muni-cipal local e a entidade representativa regional dos indus-triais (Associação Industrial da Região de Votuporanga –Airvo), inicia-se em 1994 um vigoroso programa8 demodernização tecnológica e reestruturação organizacionalda indústria moveleira local, até então expressiva em nú-mero de fabricantes, mas relativamente obsoleta e compífia participação no mercado nacional de móveis(RODRIGUES, 2005).

Nesse sentido, a implantação do pólo de moderniza-ção da indústria moveleira configura-se como marco dacélere modernização da indústria votuporanguense – o quegerou significativos impactos nos níveis de incorporaçãotecnológica, no volume da produção e na amplitude dosmercados alcançados pela indústria moveleira local.

Por outro lado, quando a indústria moveleira “hibridiza”seus processos produtivos, introduzindo inovações técni-cas capazes de substituir o trabalho humano – sobretudoaquele mais braçal, de menor qualificação – essa ade-quação às novas exigências de qualidade e produtivi-dade obsoletizam uma mão-de-obra particularmentesensível a essas transformações – ou seja, a dos tra-balhadores de baixa qualificação, cujas chances dereinserção no mercado de trabalho formal vão diminuindocada vez mais.

Na verdade, todo o sucateamento da força de trabalhoda população de baixa qualificação traduz-se em desesta-

bilização das condições de reprodução física e social dascamadas populares, cujo empobrecimento (decorrente daprecarização do emprego) os obriga a buscar cada vez maislonge as alternativas possíveis de sobrevivência na cidade.

O contínuo deslocamento dos pobres, impulsionadopelas constantes pressões do capital imobiliário, vai es-vaziando os loci já constituídos de moradia popular que,valorizados (na medida em que avançam os serviços e sedistanciam os pobres), são crescentemente assediados pelascamadas médias.

No município de Votuporanga, essa conjunção entremodernização tecnológica da indústria, achatamento dossalários e precarização das condições de vida da popula-ção trabalhadora é reforçada por um padrão de estruturaçãourbana assumido com a configuração dos primeiros dis-tritos industriais, no final dos anos 70, que nitidamentedisjunge a cidade a partir de uma tensão capital/trabalho, queconforma um centro no singular, e periferias, no plural.

Isso significa dizer que o desenho urbano de Votu-poranga vem sendo orientado, desde os anos 80 até o pre-sente, especialmente pela lógica de reprodução do capitalindustrial: o grande vazio urbano da área norte do muni-cípio foi sendo ocupado, desde o final dos anos 70, pelapopulação operária, de modo a se constituir, naquela por-ção da cidade, uma importante aglomeração residencialdas camadas populares.

Com o adensamento da malha nas décadas seguintes, ecom a expansão física do centro tradicional (VILLAÇA,2001) na direção do extensor norte houve uma paulatinavalorização imobiliária das áreas mais próximas do cen-tro expandido, delineando uma discreta alteração no per-fil socioeconômico dos moradores da área – especialmentedaqueles dos bairros mais antigos, que contavam com umainfra-estrutura urbana de melhor qualidade.

Essa valorização das áreas residenciais localizadas entreas franjas do centro expandido e o entorno do I DistritoIndustrial operou uma intensa mobilidade populacional noespaço intra-urbano, com notável expulsão dos mais po-bres para loteamentos mais distantes, em localizaçõesmenos privilegiadas – e, não raro, em espaços clandesti-nos de moradia.

Efetivamente, como demonstra o Mapa 2, a malhacentro-sul é a mais antiga e já está consolidada, além dedispor de melhor infra-estrutura urbana, expressa pelo maiornúmero de loteamentos. Apesar disso, as maiores den-sidades demográficas, especialmente dos mais pobres,estavam localizadas, em 2000, na zona de expansão norte.Com sua constituição mais recente e contando com infra-

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POPULAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO URBANA NO (NOR)OESTE PAULISTA: ...

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estrutura, equipamentos e serviços urbanos disponíveisem menor quantidade, ainda assim, de forma muito assis-temática, essa área abrangia, basicamente, os bairros maispróximos ao I Distrito Industrial – cuja valorização tematraído crescentes parcelas das camadas médias.

Assim, na espacialização da população de Votupo-ranga em 2000, pode-se enxergar uma nítida disjunçãoentre as localizações centrais do capital e as localizaçõesperiféricas das camadas populares (no extremo sul e nazona de expansão, no extremo norte) – o que reflete aexistência de disputas de classe pelo domínio do espaçointra-urbano.

Nesse contexto, o nítido crescimento das favelas emVotuporanga,9 especialmente na década de 2000, sinali-za muito claramente a diminuição da qualidade de vidada população trabalhadora, resultado, em certa medida,do processo de reestruturação produtiva que alterou sen-

MAPA 2

Distribuição Espacial da População, por Níveis de Densidade Demográfica, segundo Loteamentos de Residência

Município de Votuporanga – 2000

Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento, Habitação e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Votuporanga.

sivelmente a estrutura organizacional e ocupacional da in-dústria de transformação, destacadamente a da moveleira,outrora com grande capacidade de absorção de mão-de-obra, especialmente aquela de baixa qualificação.

As transformações recentes na estrutura produtiva daindústria, com o conseqüente enxugamento organizacionale redução das plantas produtivas redundou em aumento dodesemprego e depreciação da renda do trabalhador.

Desse modo, a capacidade de pagamento da habitação,pelas camadas operárias, reduziu-se, significativamente, oque redundou, para muitas famílias, na busca de outrassoluções habitacionais possíveis (inclusive a favela) ou nodeslocamento para áreas em que o custo da habitação fos-se compatível com o poder aquisitivo dessas famílias.

De fato, nesse contexto de precarização das condiçõesde vida das camadas populares, houve uma intensificaçãodos deslocamentos intra-urbanos, fruto da necessidade de

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FABÍOLA RODRIGUES

reequacionar o orçamento familiar com os custos da ha-bitação.

Efetivamente, a multiplicidade de deslocamentos intra-urbanos identificados dentre a população das camadas maisempobrecidas10 é bastante reveladora da inacessibilidadeda cidade a essa população que, a despeito de engendrarsua riqueza, não pode dela se apropriar, estando perma-nentemente empurrada para a margem – do espaço, do con-sumo e da cidadania.

Isso significa dizer que a trajetória residencial daempobrecida classe trabalhadora, marcada por múltiplose sucessivos deslocamentos, permite-nos enxergar comoa produção social do espaço urbano é perpassada pela lutade classes e, mais do que isso, como o espaço, enquantoproduto do trabalho social (RODRIGUES, 1994), é apro-priado diferencialmente pelas distintas camadas sociais,revelando que, a despeito de despenderem esforços parasua produção, os pobres usufruem parcelas muito dimi-nutas (e no mais das vezes desprestigiadas) do espaço so-cialmente produzido.

A Tabela 4 nos permite, ainda, visualizar a enormeconcentração de renda no município de Votuporanga, exa-tamente da perspectiva da localização espacial das clas-ses sociais: assim, enquanto no Patrimônio Velho(loteamento incrustado no core do centro tradicional), oschefes de domicílio percebem uma renda média mensalde R$ 6.504,01, na Favela PróPovo (incrustada na zonade expansão norte), os chefes percebem uma renda médiamensal de R$ 127,82. Ou seja: a diferença de renda quesepara os chefes do Patrimônio Velho dos chefes doPróPovo é da ordem de 50,82 vezes.

Deve-se observar, ainda, que todos os cinco loteamentosque concentram a população de maior renda em Votu-poranga, estão localizados na zona central da cidade, en-quanto a população mais pobre acha-se espraiada emloteamentos nos pontos mais distantes e de pior acessibi-lidade no espaço intra-urbano.

Efetivamente, em Votuporanga, a enorme concentraçãode renda aliada às crescentes dificuldades de inserção dostrabalhadores no mercado formal de trabalho – com aconseqüente precarização das condições de vida dasfamílias operárias – vai pouco a pouco transformando acidade no não lugar para significativas parcelas dapopulação que apresentam notáveis dificuldades em fixar-se no espaço urbano e até mesmo garantir as condiçõesnecessárias para sua reprodução física e social.

De fato, as recentes transformações em curso na eco-nomia votuporanguense (especialmente a reestruturação

TABELA 4

Renda Média Nominal Mensal do Chefe de Domicílio, segundo Principais

Áreas de Loteamentos Urbanos

Votuporanga – 2000

Áreas de LoteamentoRenda Média Localização

(R$) do Loteamento

Votuporanga (Total) 807,2 -

Favela Própovo 127,82 Norte

Patrimônio Velho 6.501,04 Centro

Jardim Santos Dumont 211,57 Sudoeste

São Cosme 254,43 Leste

São Damião 234,04 Leste

Santa Luzia 1212,9 Centro

Patrimônio Novo 3.730,68 Centro

Jardim Marin 1.235,22 Centro-Leste

Vila Marin 4504,3 Centro

Favela Ipiranga 215,31 Sul

Fonte: Prefeitura Municipal de Votuporanga. Sistema de Informações Georreferenciadas (SIG);

IBGE. Censo Demográfico 2000 (Setores censitários).

produtiva do setor moveleiro) aliadas a um déficithabitacional histórico11 – produto de relações desabo-nadoras entre o Poder Público e o capital imobiliário –intensificaram nos primeiros anos da década de 2000 umpadrão de produção social do espaço marcado por inúme-ras desigualdades na apropriação e uso dos recursos físi-cos e simbólicos do espaço urbano.

Destarte, esse contexto local de acelerada obsoletizaçãoda força de trabalho, concomitante com a interinidade dalocalização residencial das famílias mais empobrecidas,permite-nos algumas comparações com os grandes pro-cessos em curso de periferização, empobrecimento eprecarização das condições de vida da população nas gran-des aglomerações urbanas brasileiras.

De fato, a análise dos deslocamentos populacionaisintra-urbanos em Votuporanga na sua relação com aestruturação urbana pontuou que a segregação socioes-pacial, a extrema concentração de renda (que se reflete nacapacidade diferencial de apropriação do espaço) e aperiferização das camadas populares não são privilégiosdas metrópoles, na rede urbana brasileira. Esses proces-sos também ocorrem – de formas diferenciadas e com in-tensidades e nuances particulares – em cidades médias,de constituição recente, mas onde, igualmente, os interes-ses do capital privado sobrepõe-se permanentemente aosinteresses coletivos, comprometendo significativamente oacesso universal à cidade.

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POPULAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO URBANA NO (NOR)OESTE PAULISTA: ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 110-120, jul./set. 2005

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A problemática dos deslocamentos populacionais intra-urbanos parece ter sido tratada de forma pouco atenciosapelos estudiosos de migração. Entretanto, a relevânciademográfica dos deslocamentos intra-urbanos (que tendea ser negligenciada em um contexto de crescente facilita-ção das comunicações e encurtamento das distâncias pelamaior disponibilidade e barateamento dos transportes)reside na sua força enquanto fenômeno social: quando aspessoas se deslocam no espaço intra-urbano, seu movi-mento não é um riscado sem ordem; o mapeamento e aespacialização dos fluxos e deslocamentos populacionaispermite enxergar, nitidamente, mesmo no urbano peque-no, que são as classes sociais que estruturam o espaço.

Mas afinal de contas, por que nos importa a afinidadeeletiva dos deslocamentos intra-urbanos e a estruturaçãodo espaço? A resposta a essa questão é complexa e não seesgota em um estudo de caso – que, de forma geral, pro-curou evidenciar a emergência de um perverso padrão deestruturação urbana, a partir da sua relação com a mobili-dade intra-urbana da população e o seu crescente empo-brecimento, decorrente das inúmeras transformações nosníveis de emprego da indústria local, revelando que aperiferização das camadas populares e a segregação só-cio-espacial das camadas de alta renda também são pro-cessos presentes nas pequenas e médias cidades paulistas.

Na verdade, o desafio que nos é lançado pela questãoda afinidade eletiva entre os deslocamentos intra-urbanose a estruturação urbana é a renitente problemática relati-va às razões pelas quais as pessoas migram. E a respostatão pungente, que parece emergir dos estudos de migra-ção – abranjam estes longas distâncias, curtas distânciasou pequeníssimas distâncias intra-urbanas – é que todosparecem revelar o profundo paradoxo entre a crescenteurbanização da população paulista e brasileira e o forterecrudescimento, em tempos de globalização, da espolia-ção urbana. E é essa espoliação que torna as cidades merasabstrações simbólicas, nas quais o pertencimento, a socia-bilidade e os laços de solidariedade, apoio e afinidade sãoapenas um brevíssimo vislumbre, num universo em que nãoexistem utopias e a itinerância é uma condenação.

NOTAS

1. A Região Administrativa (RA) de São José do Rio Preto, que englo-ba o município de Votuporanga, compõe-se de 81 municípios, consti-

tuindo-se uma das áreas mais importantes (ao lado da RA de Araçatuba)da porção norte-ocidental da malha paulista.

2. Essa hipótese baseia-se na análise dos dados da Relação Anual deInformações Sociais – Rais de 2001/2002 relativos à indústria moveleirade Votuporanga e Valentim Gentil.

3. A respeito da temática da reestruturação produtiva no Brasil na dé-cada de 90, veja-se especialmente: Ferreira (1997) e Suzigan (2004),dentre outros.

4. O Plamivo, sancionado pelo prefeito Hernani de Mattos Nabuco,em 1970, constituía-se basicamente em um plano de incentivos fiscaiscom vistas a subsidiar a industrialização de Votuporanga. As diretri-zes e incentivos do Plamivo foram determinantes para a conformaçãodos primeiros distritos industriais em Votuporanga, bem como para aconformação do tecido urbano nas décadas subseqüentes.

5. A zona de expansão norte refere-se à área surgida no entorno doPólo Comercial e Industrial (1979), I Distrito Industrial (1978) e doLoteamento Residencial Pozzobon (1978) (ver Mapa 1).

6. Sobre a relação entre classes sociais e estruturação urbana veja-se,dentre outros, Lefebvre (1974), Kowarick, (1983); Santos (1979; 1996;2000) e Villaça (2001).

7 A distinção entre centro tradicional e centro histórico é postuladapor Villaça (2001): na concepção do autor o que define uma centralidadeé a sua capacidade de otimizar os custos de deslocamento e maximizaras condições de acessibilidade; assim, o centro tradicional é aqueleque dentro da malha urbana representa o ponto que permite a máximaacessibilidade e a maior economia de tempo de deslocamento no espa-ço intra-urbano, em um dado momento no tempo. Já o centro históricodiz respeito à área de constituição mais remota que no espaço intra-urbano assumiu o papel de centro tradicional. Desse modo, o centrohistórico pode ou não coincidir com o centro tradicional recente deuma cidade, dependendo das características históricas de sua evolu-ção urbana.

8. Refere-se ao projeto de Pólos de Modernização do Estado de SãoPaulo, fruto de uma pareceria Sebrae/FIA-USP (FERREIRA, 1997;SUZIGAN, 2004).

9. A taxa geométrica de crescimento das favelas de Votuporanga, en-tre 1996 e 2001, foi de 6,58% ao ano (calculado a partir dos dados daSecretaria Municipal de Planejamento – Sempla, 2002) enquanto a taxageométrica de crescimento da população do município entre 1991-2000foi de 1,8% ao ano (FUNDAÇÃO SEADE, 2004).

10. Para a dissertação de mestrado (RODRIGUES, 2005) da qual esseartigo é produto, foram entrevistadas 20 pessoas, dentre trabalhadorese ex-trabalhadores da indústria moveleira, residentes em favelas oubolsões de pobreza. Das entrevistas foi possível constatar que, emmédia, os trabalhadores residentes em loteamentos regulares haviamrealizado, até o momento da pesquisa, em torno de dois deslocamentosresidenciais no município, enquanto aqueles residentes em favelashaviam realizado, em média, quatro deslocamentos, o que parececonfirmar a maior instabilidade da habitação para a população maisempobrecida.

11. De acordo com informações da Sempla, de Votuporanga, o déficithabitacional, em 2004, era de aproximadamente 2.500 unidadeshabitacionais, abrangendo cerca de 10% da população do município(cf. RODRIGUES, 2005, especialmente cap. 3).

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Artigo recebido em 25 de abril de 2005.Aprovado em 5 de setembro de 2005.

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A

Resumo: A utilização de dados populacionais em sistemas de informações municipais não é recente. Tendopor base esses sistemas, a proposta deste trabalho é sugerir indicadores que possam ter em conta aspectos domovimento migratório nos municípios. As variáveis escolhidas são levantadas nos Censos de 1991 e 2000, noquesito “migração de data fixa” relativa aos últimos cinco anos – o que permite identificar o município deorigem e destino do migrante.Palavras-chave: Migração. Fonte de dados. Sistema de informações.

Abstract: The use of population data in systems of municipal information is not recent. The proposal of thispaper is to suggest, considering these systems, indicators that can have in account aspects of the migratorymovement. The chosen variables are raised in the Censuses of 1991 and 2000, using data fix migrationinformations that allow to identify the origin and destination of the migrant.Key words: Migration. Data base. Information system.

DUVAL FERNANDES

IDAMILA RENATA PIRES VASCONCELLOS

PROPOSTA PARA A INSERÇÃO DAVARIÁVEL MIGRAÇÃO EM SISTEMAS DE

INDICADORES MUNICIPAIS

utilização de dados populacionais em sistemasde informações municipais não é recente. Namaioria dos casos, o número de habitantes ou de

subgrupos populacionais, por exemplo, definidos por sexoe idade, são as variáveis demográficas mais utilizadas. As-sociados a outros dados, servem de base para o cálculo deindicadores como “densidade demográfica”, “taxa de al-fabetização”, etc.

Indicadores mais elaborados, como a “esperança de vidaao nascer” e “mortalidade infantil” (ou “mortalidade nainfância”), são também encontrados, mas, apesar de utili-zarem dados populacionais, requerem técnicas mais so-fisticadas de cálculo e definição de hipóteses sobre o com-portamento dos componentes da dinâmica demográfica.Na área da saúde, além desses dois indicadores, váriosoutros são calculados e apresentados em sistemas de in-

formações que tratam de riscos e vulnerabilidade de gru-pos populacionais específicos.

Se, de um lado, algumas variáveis populacionais sãoamplamente empregadas, por outro, o componente migra-tório é relegado a um segundo plano. Quando se trata dodesenho de cenários relacionados a questões sociais, háum tácito reconhecimento da importância da imigração.Algumas vezes, o movimento migratório é indicado, deforma equivocada, como sendo o responsável por proble-mas sociais, no local de destino, e pela estagnação econô-mica, na origem.

Todos os gestores públicos reconhecem a importânciada análise de fatores de atração e expulsão da população,assim como a necessidade de avaliar, no âmbito do planeja-mento, os impactos de um aumento ou diminuição donúmero de habitantes em determinado município ou região.

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DUVAL FERNANDES / IDAMILA RENATA PIRES VASCONCELLOS

Apesar da sua importância, é raro encontrar dados so-bre a migração nos sistemas de informações municipais.Essa lacuna pode ser explicada pela falta de dadosconfiáveis que permitam traçar o quadro das trocas muni-cipais com a necessária periodicidade. Essas informaçõessão disponíveis por meio dos censos – isto é, de dez emdez anos, ou em períodos mais curtos, por conta da conta-gem intercensitária – mas com dados limitados. Se o inte-resse está voltado para as Unidades da Federação ou Re-giões Metropolitanas, é possível, por meio da PesquisaNacional por Amostra de Domicílios – PNAD, ter o qua-dro de dados em períodos de tempo mais curtos. Outrasfontes, como os registros administrativos, também con-têm dados sobre a migração, mas são restritos à popula-ção-alvo dos registros e, em alguns casos, pouco con-fiáveis.

A realização da II Conferência das Nações Unidas paraos Assentamentos Humanos – Habitat-II, em Istambul, em1996, representou um importante momento para a cons-trução de indicadores relacionados ao desenvolvimentolocal. O Programa das Nações Unidas para os Assenta-mentos Humanos propôs aos países participantes a cons-trução de 30 indicadores-chave e um conjunto de noveindicadores qualitativos,1 que relacionavam as diversasfunções exercidas no meio urbano. No Brasil, quatro ci-dades foram selecionadas para a elaboração do quadro deindicadores, a saber: Brasília, Rio de Janeiro, Curitiba eRecife. Essa iniciativa tinha o propósito de incentivar asadministrações locais ao uso de indicadores para o plane-jamento da ação pública, como também de permitir a com-paração entre cidades no ambiente internacional.

Mesmo com algumas resistências, a proposta de incor-poração de indicadores no planejamento urbano prospe-rou na área governamental. Seguindo algumas experiên-cias bem sucedidas no âmbito municipal e estadual, acriação de um sistema de informações passou a ser consi-derada no Plano Plurianual de Investimentos – PPA (pe-ríodo 2000/2003) no rol dos programas afetos à Secreta-ria do Desenvolvimento Urbano da Presidência daRepública – Sedu/PR. Assim, o Programa de Gestão daPolítica de Desenvolvimento Urbano passa a incluir a cria-ção de dois sistemas complementares de informações: oSistema Nacional de Indicadores Urbanos – SNIU, cujoprotótipo está disponível, com acesso via Internet, e oSistema de Monitoramento e Avaliação de Programas eProjetos – SMAPP.

O SNIU, na versão atual,2 contempla 744 variáveis eindicadores divididos em quatro campos temáticos: ges-

tão urbana, habitação, saneamento e transportes urbanos.Além desses campos, há informações sobre a dinâmicademográfica da população municipal que são disponi-bilizadas em um campo temático especial.

Tendo por base sistemas de informações municipaissemelhantes ao SNIU, a proposta deste trabalho é sugerirum grupo de indicadores que levem em conta alguns as-pectos do movimento migratório nos municípios. A pro-posta aqui esboçada não exaure as possibilidades do usodas informações censitárias para a definição de um qua-dro amplo sobre o processo migratório nos municípiosbrasileiros. O que vai pautar este trabalho é a necessidadede gerar informações para o grupo de municípios incor-porados ao sistema e que, por razões técnicas, possam serconsideradas metodologicamente confiáveis e de fácil le-vantamento.

A primeira parte do texto trata da avaliação das possí-veis fontes de informação para o conhecimento do pro-cesso migratório. Em seguida, são discutidas as principaistécnicas para o uso das informações das fontes indicadase é apresentado um quadro que sugere as variáveis quepoderão ser levantadas, assim como os indicadores resul-tantes para inserção no sistema e a ilustração sobre o usode alguns indicadores.

UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕESSOBRE MIGRAÇÃO

Segundo Pressat (1976), define-se “migração” como ofenômeno demográfico caracterizado pelo deslocamentode um indivíduo do seu local de residência para um novolocal. O Manual IV das Nações Unidas (1972, p. 2) defi-ne a migração como

un traslado de una zona definitoria de la migración a otra

(o traslado a una distancia mínima especificada) se ha hecho

durante un intervalo de migración determinado y que ha

implicado un cambio de residencia.

Essas definições têm como característica comum a vi-são do deslocamento de um local de residência e referem-se a movimentos de caráter permanente. No entanto, ad-mitem também outros tipos de deslocamentos nãomigratórios. Por exemplo, aqueles que ocorrem entre olocal de trabalho e a residência – chamado de “movimen-to pendular” – que são de capital importância para o pla-nejamento urbano.

Tendo em conta a definição mais restrita de “desloca-mentos permanentes”, qualquer fonte que forneça infor-

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mações sobre o local de residência anterior e atual podeser considerada para o estudo da migração – como regis-tros administrativos e pesquisas censitárias, por exemplo.No caso do movimento pendular, devem ser consideradasas informações sobre os deslocamentos temporários, como“ida ao trabalho”, e, assim, dependendo da disponibilida-de de dados que envolvam o tempo despendido nos per-cursos e outras características, é possível realizar análi-ses mais detalhadas.

Fontes de Informação

Censos Demográficos – Segundo Martine (1984), foi noCenso Demográfico de 1940 que, pela primeira vez, foramlevantadas informações sobre a migração interna. Foramincluídas algumas indagações sobre a Unidade da Federação– UF de nascimento e a de residência de todos os recen-seados. Dessa forma, definiu-se o migrante como “aqueleque residia em uma UF diversa daquela de seu nascimento”.Para os estrangeiros ou brasileiros naturalizados, foipesquisado o ano em que fixou residência no Brasil.

No Censo Demográfico de 1950, foram feitas as mes-mas questões sobre nascimento e residência. SegundoMartine (1984), comparando-se os resultados com aque-les obtidos no levantamento precedente, é possível esti-mar a migração líquida do período para cada UF. No en-tanto, em 1950 não foi perguntado para os estrangeiros ebrasileiros naturalizados qual tinha sido o “ano de entra-da no país”.

Em 1960, além das perguntas sobre a UF de residênciaatual e a de nascimento, o conjunto de questões relativasà migração ampliou-se. As indagações visavam a saber seo indivíduo era natural do município de residência – o quepermitia estimar, para cada município, a migração acu-mulada de não-naturais. As informações dos levantamen-tos anteriores recuperavam dois pontos no tempo – a UFde nascimento e a de residência atual. O Censo de 1960indagou aos não-naturais dos municípios qual era a UFonde se localizava o município de residência anterior – oque permitiu recuperar um segmento a mais do processomigratório dos indivíduos. Outra inovação foi perguntaraos não-naturais sobre o tempo de moradia no atual mu-nicípio de residência. Apesar das inovações, os resulta-dos não foram animadores em termos da utilização dasinformações, uma vez que, por diversos problemas, a pu-blicação completa dos dados tardou décadas.

Em 1970, foram repetidos os mesmos quesitos utiliza-dos no Censo de 1960. Além disso, foi acrescentada uma

questão sobre a procedência, para saber se o domicílioanterior era localizado na região urbana ou rural. Em re-lação ao “tempo de residência sem interrupção”, foramincluídas algumas perguntas sobre o município e a UF – oque permitiu observar a migração intra-estadual. Umanovidade introduzida em 1970 foi a pergunta relativa aomunicípio em que o entrevistado trabalhava ou estudava.

É importante notar, segundo lembra Martine (1984),que a ampla utilização das informações sobre migraçãono Censo Demográfico de 1970 levou a propostas de im-portantes avanços no questionário do novo levantamentoem 1980. Apesar das restrições financeiras, os quesitosrelativos à migração foram dirigidos tanto aos naturaisquanto aos não-naturais dos municípios, e outras duasmodificações importantes foram introduzidas:- pergunta específica em relação à migração intramu-nicipal;

- questão dirigida a todos os migrantes com menos de 10anos de residência, sobre o nome do seu município deprocedência. A questão relativa ao município de trabalhoe estudo foi mantida.

Em termos de avanço para o estudo da migração, hou-ve uma inovação muito importante no Censo de 1991: aincorporação do quesito que indaga o local de residênciacinco anos antes3 (data fixa) da data de realização do cen-so. Essa questão, combinada com os quesitos relativos ao“tempo de residência” e “lugar de residência imediatamen-te anterior”, gerou um quadro de informações sobre mi-gração encontrado somente em censos de alguns poucospaíses. Vale notar que, apesar dos avanços, o quesito queindagava sobre o “local de estudo ou trabalho” foi supri-mido.

A Contagem da População, de 1996, apesar do questio-nário simplificado, incluiu dois quesitos sobre migração.Um indagava se a pessoa residia no município em 1/9/1991,isto é, na data de referência daquele Censo, e outro per-guntava em qual UF residia naquela data. É interessantenotar que a questão está, em princípio, referindo-se a cincoanos antes da data de referência da Contagem, realizadaem 1/8/1996.

O Censo de 2000 utilizou 13 quesitos para o estudo damigração. Por conta de restrições financeiras, foram in-cluídas algumas modificações: dentre elas, a retirada daidentificação do “município de residência imediatamenteanterior”, que ficou restrita à “UF” e “país estrangeiro”.Foram mantidos os quesitos relativos à migração de datafixa, relacionada a cinco anos antes da data do censo. A

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DUVAL FERNANDES / IDAMILA RENATA PIRES VASCONCELLOS

questão sobre o “município onde o entrevistado trabalhaou estuda” foi reintroduzida.

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Segun-do Hakkert (1996), o primeiro levantamento da PNADocorreu no segundo trimestre de 1967. Inicialmente comopesquisa trimestral, a PNAD tinha por objetivo a coletade informações socioeconômicas básicas para todo o país,à exceção das Regiões Norte e Centro-Oeste. No DistritoFederal, as informações eram levantadas uma vez por ano.Em 1972, a PNAD passou a ser anual; e, em 1973, foramincluídas na amostra a Região Norte (apenas as áreas ur-banas) e a Região Centro-Oeste. Naquele ano, a pesquisalevantou informações em 90.629 domicílios. Após um pe-ríodo de interrupção, o questionário básico da pesquisafoi uniformizado em 1976, incluindo informações sobreos membros do domicílio, ocupação, renda e instrução.Com a exceção de 1979, também se investigou sistemati-camente a fecundidade das mulheres de 15 anos e mais.Além do questionário básico, a PNAD contém um suple-mento, cujo conteúdo varia anualmente, para permitir aná-lise de assuntos específicos. Na PNAD de 2001, por exem-plo, foram pesquisados 126.858 domicílios e foi agregadoao questionário básico o suplemento sobre o trabalho dascrianças e adolescentes de 5 a 17 anos.

A partir de 1992 foram incluídos na PNAD quesitossobre migração. Atualmente são encontradas 12 questõesrelacionadas à migração no questionário básico. Isso per-mite, entre outros pontos, identificar a UF de naturalida-de do migrante, a UF de residência anterior e a UF de re-sidência cinco anos antes da data do levantamento. Dessaforma, diferentemente dos resultados do Censo, não é pos-sível identificar o município de origem do migrante e asanalises ficam restritas às UFs. Segundo Cunha (2002),podem ser citadas três limitações ao uso da PNAD paraestudos sobre a migração, a saber:- o tamanho e o nível de representatividade da amostranão permite conhecer a realidade migratória dos municí-pios e das regiões dentro dos estados, com exceção dealgumas regiões metropolitanas;

- a falta de coleta de informações da área rural da RegiãoNorte compromete a comparação entre as UFs;

- a expansão da amostra é feita com base em projeçõesdemográficas – o que pode levar a imprecisões das esti-mativas.

No entanto, é importante salientar que, apesar dessaslimitações, a PNAD é um importante instrumento para o

acompanhamento da evolução dos componentes da dinâ-mica populacional – aí incluída a migração, por conta dasua periodicidade anual. Torna-se, pois, uma fonte fun-damental para o acompanhamento das tendências migra-tórias, apesar das limitações impostas pelo tamanho daamostra e pelo número reduzido dos quesitos.

Outras Fontes – Qualquer coleta de informação – sejauma pesquisa de campo pontual, sejam levantamentos con-tínuos – pode ser utilizada para obtenção de dados sobremigração. No entanto, deve-se ter em conta, nas análisesdos resultados obtidos, os limites metodológicos de cadaenquete e as possibilidades de comparação.

Dentre as pesquisas pontuais, podem ser destacadasaquelas que levantam informações sobre o mercado detrabalho, em especial a Pesquisa Mensal de Emprego –PME do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –IBGE e a Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED doDepartamento Intersindical de Estatística e EstudosSocioeconômicos – Dieese e Fundação Seade. Nesses doislevantamentos, são incluídas questões que permitem ava-liar a migração na área de abrangência das pesquisas. Noentanto, por conta do tamanho da amostra e da área decobertura,4 o uso dessas informações é muito restrito emtermos espaciais.

Apesar do pouco uso da informação sobre migraçãocoletada em registros administrativos, possivelmente nofuturo essas fontes de dados contínuos poderão ter umamplo emprego para o acompanhamento do fluxo migra-tório, inter e intra-urbano. Nesse grupo, destacam-se osregistros da Relação Anual de Informações Sociais – Rais,que contêm informações detalhadas sobre o mercado for-mal de trabalho. Como é um levantamento do universo,não haveria problema em utilizá-lo em termos de abran-gência espacial. Por outro lado, as estimativas ficariamcomprometidas por conta da cobertura e qualidade da in-formação, além de se tratar de registros sobre o mercadoformal de trabalho – o que exclui grande parcela dos tra-balhadores brasileiros.

Outra fonte utilizada para trabalhos relacionados àmigração são os dados coletados pelo Ministério da Saú-de através do Sistema de Mortalidade – SIM, Sistema deNascidos Vivos – Sinasc e os registros da Autorização deInternação Hospitalar – AIH. A limitação no empregodesses dados fica por conta da qualidade da informação,da cobertura e da abrangência do universo captado. Al-guns trabalhos, ainda embrionários, utilizando essas ba-ses avaliam o impacto do fenômeno migratório sobre a

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PROPOSTA PARA A INSERÇÃO DA VARIÁVEL MIGRAÇÃO EM SISTEMAS ...

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demanda por serviços de saúde. O principal objetivo éconhecer a origem dos pacientes que buscam os serviçospúblicos de saúde e, assim, contribuir para equacionar,na medida do possível, o atendimento local.

A Escolha da Fonte de Informações

Várias fontes poderiam ser utilizadas para a constru-ção de um quadro de indicadores sobre migração em umsistema de informações municipais. No entanto, é impor-tante considerar, primeiramente, que esses dados deverãoter como base geográfica o município e, se possível, umaperiodicidade que garanta a observação da evolução doprocesso migratório intra e inter municipal.

Em relação ao primeiro requisito, a fonte mais in-dicada, no momento, são os dados censitários, pois dis-ponibilizam informações sobre entradas e saídas demigrantes para todos os municípios brasileiros. Dessaforma, é possível construir a “matriz cruzada municipalde entradas e saídas”, que permitirá identificar áreas deatração e expulsão. Ainda em relação ao aspecto geo-gráfico, considerando-se a intensa modificação da basemunicipal,5 o mais indicado seria utilizar as informaçõesmais recentes sobre a migração, isto é, os dados do Cen-so de 2000. Para determinar a evolução do processo mi-gratório, sugere-se a incorporação das informações le-vantadas no Censo de 1991 ao quadro de variáveis. Nesseparticular, deve-se ter em mente que, para aproximada-mente 20% dos municípios pesquisados em 2000, nãoserá possível fazer comparações com os resultados en-contrados para 1991.

Caso as regiões metropolitanas venham a receber tra-tamento especial no sistema, o uso da PNAD poderá serconsiderado. Então, seria possível fazer um acompanha-mento do processo imigratório interestadual ano a ano.No entanto, devem ser consideradas as possíveis limita-ções metodológicas e de utilização dessas informações.6

VARIÁVEIS E INDICADORESRELACIONADOS À MIGRAÇÃO PARAINCLUSÃO NO SISTEMA

Desde o Censo de 1940, vários são os quesitos quetratam da migração interna nos diversos recenseamen-tos realizados no Brasil. As questões mais comuns são:se natural ou não do município; duração de residência;lugar da última residência; e lugar de residência em umadata no passado, usualmente cinco anos antes da data do

censo. Além dos aspectos relacionados à migração in-terna, a migração internacional vem merecendo desta-que por conta de sua importância no quadro nacional eem algumas regiões.

Segundo Rigotti (1999), o “lugar de nascimento” é avariável mais fácil de ser encontrada nos censos e permi-te classificar o informante como “migrante” ou “não-migrante” – dependendo se nasceu, respectivamente, emmunicípio diferente daquele onde responde ao recensea-mento ou se nasceu no local de coleta. A desvantagem douso dessa informação é que o resultado obtido indica so-mente se as pessoas residem em município diverso daquelede nascimento, mas não trata nem do momento em queocorreu a migração, no caso dos migrantes, nem se houvealguma etapa migratória cumprida pelos naturais – o queos transformaria em “imigrantes de retorno”.

Com outras variáveis como “local de nascimento”, oitem “duração de residência” permite avançar nas análi-ses e captar o “imigrante de retorno”: uma pessoa quenasceu no município onde está sendo entrevistada, masque residiu fora por algum tempo. Nesse caso, o tempo deresidência deverá ser menor do que a idade declarada eos não-migrantes deverão ter a idade equivalente ao tem-po de residência.

O lugar da última residência permite identificar como“migrante” aquele que em um momento qualquer, nosúltimos 10 anos a contar da data do censo, residiu emum município diverso do de nascimento. Nesse caso, sãoconsiderados “migrantes” todos os que já moraram forado local de nascimento, independentemente da data e dotempo de residência. A falta de referência temporal indicaque, para melhor análise, é recomendável a combinaçãodesse quesito com a informação sobre a “duração deresidência”.

Dentre os quesitos de um censo relacionado à migra-ção, o mais simples, do ponto de vista analítico, é o queindaga sobre o “lugar de residência” em uma data fixaanterior à realização do censo – usualmente cinco anosantes. Nesse caso, o “migrante” é aquele que residia, cin-co anos antes, em lugar diverso daquele em que está resi-dindo. O “não-migrante” reside no mesmo local nas duasdatas consideradas. Deve-se notar que, dentre os “não-migrantes”, estão incluídos aqueles que fizeram algumamigração no período considerado que antecede ao censo,mas que retornaram ao mesmo local de residência ondemoravam cinco anos antes do censo.

A grande vantagem desse quesito é que ele permitecalcular, para as pessoas com idade acima de cinco anos,

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as medidas convencionais de migração, como o saldo mi-gratório que, segundo Magalhães (2003), deve ser consi-derado como “trocas líquidas migratórias”7 entre duas da-tas fixas.

Além desses quesitos, também há informações sobre amobilidade pendular,8 a partir da pergunta sobre o muni-cípio onde o entrevistado trabalha ou estuda. Dessa for-ma, pode-se estabelecer o fluxo de pessoas cujos deslo-camentos atendem a necessidades de trabalho ou estudo.

Independente da informação censitária considerada, oponto de capital importância é a necessidade de conceituaro “migrante”, sempre considerando as restrições ineren-tes ao uso de cada tipo de variável (CARVALHO;RIGOTTI, 1998). Para a mensuração do volume demigrantes são empregadas técnicas indiretas ou diretas.Segundo Carvalho (1982)

os métodos indiretos são mais empregados para o cálculo

do saldo migratório e a migração é estimada por resíduo,

ou seja, é a diferença, no segundo censo, entre a população

esperada e a efetivamente observada, supondo a ausência

de erros nas declarações de idade, perfeita cobertura cen-

sitária e uso de funções de mortalidade e fecundidade

adequadas.

Dessa forma, além da qualidade dos dados censitários,é preciso ter o conhecimento da mortalidade e fecundidadenas áreas em estudo.

No caso da mensuração direta, calcula-se o número demigrantes de um determinado período, sua origem e desti-no e, de forma diversa da empregada no método indireto,estima-se também o saldo migratório. Assim, dependendoda informação considerada, o conceito de “migrante” va-ria. Por exemplo, se o estudo utiliza a informação sobre“local de nascimento”, o migrante será definido como aqueleque reside, no momento do censo, em local diverso do denascimento. Se a variável utilizada trata do “local de últi-

ma residência”, o migrante será aquele que, em algum mo-mento dentro do período analisado, morou fora do local denascimento, mesmo que a sua residência seja, no momentodo censo, a cidade onde nasceu.

Tendo em conta as limitações impostas pela disponi-bilidade de informações no nível municipal e a facilidadedo levantamento de dados para a aplicação da mensuraçãodireta da migração, sugere-se a utilização desta última paraa definição das variáveis a serem consideradas em um sis-tema que tenha por objetivo captar informações sobre amigração municipal.

Variáveis Disponíveis nos Censos de 1991e 2000 e Métodos

Considerando o propósito deste trabalho – que é a apre-sentação de sugestões para a inclusão da variável “migra-ção” em um sistema de informações municipais – algu-mas restrições de ordem prática e metodológica devemser consideradas. Uma análise que envolvesse a compa-ração temporal entre o Censo de 1991 e o de 2000, esbar-ra na impossibilidade, para os fins propostos, de recons-truir a malha municipal de 1991 em 2000 e garantir acomparabilidade das informações para todos os municí-pios. Deve-se considerar, ainda, que nem todos os quesi-tos presentes no levantamento de 1991 foram mantidosem 2000. Assim, só é possível avaliar os dados comunsaos dois censos. Outro aspecto a ser considerado é que sóas informações que contenham a referência municipalpoderão ser utilizadas, pois o objetivo é construir a ma-triz de “trocas” municipais. Dessa forma, dados relativosapenas às UFs não serão levados em conta.

Nos Quadros 1 e 2 são apresentadas as questões que tra-tam da migração nos Censos Demográficos 1940 a 2000 ena Contagem de 1996. Considerando para os Censos de 1991e 2000 as informações em comum, tem-se que, para a variá-

QUADRO 1

Quadro de Indicadores Propostos por Município

Indicador Composição

Taxa Líquida Migratória Numerador: [número de imigrantes (menos imigrantes internacionais)]

– [número de emigrantes]

Denominador: população de 5 anos e mais

Taxa de Imigração Numerador: [número de imigrantes (menos imigrantes internacionais)]

Denominador: população de 5 anos e mais

Taxa de Emigração Numerador: número de emigrantes

Denominador: população de 5 anos e mais

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QUADRO 2

Questões sobre Migração nos Censos Brasileiros e Contagem

Brasil – 1940-2000

Ano Questões

1940 • Se o recenseado nasceu no Brasil, declarar o estado; se no estrangeiro, o país

• Nacionalidade: brasileiro nato? Naturalizado brasileiro? Se estrangeiro, de que nação?

• Se é estrangeiro ou brasileiro naturalizado, em que ano fixou residência no Brasil?

1950 • Onde nasceu (nome da UF ou país estrangeiro)?

• É brasileiro nato, naturalizado brasileiro, ou estrangeiro?

1960 • Unidade da Federação ou país estrangeiro de nascimento

• Nacionalidade (brasileiro nato, naturalizado brasileiro, estrangeiro)

• Somente para as pessoas que não nasceram neste município:

- Número de anos em que reside neste município (se anteriormente residia na zona rural marque também)

- Unidade da Federação ou país estrangeiro em que residia antes de mudar-se para este município

1970 • Nacionalidade (brasileiro nato, brasileiro naturalizado, estrangeiro)

• Unidade da Federação ou país estrangeiro de nascimento

• Nasceu neste município? (sim/não)

• Somente para as pessoas que responderam não no quesito 10 (anterior)

- Há quanto tempo mora nesta Unidade da Federação?

- Há quanto tempo mora neste município?

- Em que Unidade da Federação ou país estrangeiro residia antes de mudar para este município?

- Situação da residência no município onde morava anteriormente (cidade ou vila, povoado ou zona rural)

• Município onde trabalha ou estuda

1980 • Nacionalidade (brasileiro nato, brasileiro naturalizado, estrangeiro)

• Unidade da Federação ou país estrangeiro de residência

• Nasceu neste município? (sim/não)

• Neste município morou: só na zona rural, só na zona urbana, nas zonas urbana e rural

• No município onde residia anteriormente morava: na zona urbana, na zona rural, nasceu – quem sempre morou no município)

• Há quantos anos mora nesta Unidade da Federação?

• Há quantos anos mora neste município?

• Se no quesito 17 (anterior) respondeu menos de 10 anos, indique o nome do município e a sigla da Unidade da Federação ou

país estrangeiro em que morava antes

• Município em que trabalha ou estuda

1991 • Neste município morou: só na zona urbana, só na zona rural, nas zonas urbana e rural

• Se no quesito 12 (anterior) assinalou o retângulo 3 (nas zonas urbana e rural), indique a quantos anos se deu a última mudança.

• Nasceu neste município? (sim e sempre morou neste, sim mas já morou em outro, não nasceu)

• Se naturalizado brasileiro ou estrangeiro, indique o ano em que fixou residência no país

• Unidade da Federação ou país estrangeiro de nascimento

• Há quantos anos mora sem interrupção: nesta Unidade da Federação, neste município

• Para as pessoas com menos de 10 anos de moradia no município:

- Indique a sigla da UF e o nome do município ou país estrangeiro em que morava antes de mudar para este município

- Na localidade indicada no quesito 19 (anterior), residia: (na zona urbana, na zona rural)

• Os quesitos seguintes só serão preenchidos para as pessoas de 5 anos ou mais nascidos antes de 01/09/1986.

- Indique a sigla da UF e o nome do município ou país estrangeiro em que residia em 01/09/1986.

- Na localidade indicada no quesito 21 (anterior), antes de mudar, residia: (na zona urbana, na zona rural)

1996 • Em 01/09/91 residia neste município? (nasceu após a data, sim/não)

• Em que Unidade da Federação residia?

2000 • Mora neste município desde que nasceu? (sim/não)

• Há quanto tempo mora sem interrupção neste município?

• Nasceu neste município? (sim/não)

• Nasceu nesta Unidade da Federação? (sim/não)

• Qual é a sua nacionalidade? (brasileiro nato, naturalizado brasileiro, estrangeiro)

• Em que ano fixou residência no Brasil?

• Qual é a Unidade da Federação ou país estrangeiro de nascimento?

• Há quanto tempo mora sem interrupção nesta Unidade da Federação?

• Qual é a Unidade da Federação ou país estrangeiro de residência anterior?

• Onde residia no dia 31 de julho de 1995?

- Neste município na zona urbana

- Neste município na zona rural

- Em outro município, na zona urbana

- Em outro município, na zona rural

- Em outro país

- Não era nascido.

• Em que município residia em 31 de julho de 1995?

• Em que Unidade da Federação ou país estrangeiro residia em 31 de julho de 1995?

• Em que município e Unidade da Federação ou país estrangeiro trabalha ou estuda?

Fonte: IBGE.

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vel “local de nascimento”, podem ser identificados, paraos não-naturais, o país estrangeiro ou a UF de nascimento,assim como o tempo de residência no município. Para osestrangeiros e brasileiros naturalizados, é possível saber otempo de residência no Brasil. Para todos os moradores,foi perguntado o tempo de residência na UF.

Em relação ao quesito “data fixa”, nos últimos cincoanos, é possível identificar a migração rural-urbanaintramunicipal. Para aqueles que residiam em cidades di-ferentes nos dois momentos – uma data fixa (1/9/86 parao Censo de 1991 e 31/7/95 para o Censo de 2000) e nadata do censo – é possível identificar a situação do domi-cílio no município de origem, o nome do município, a UF;e, para os que residiam fora do Brasil, o país. No Censode 2000, o último quesito do bloco trata da mobilidadependular e é possível identificar o município, UF ou paísestrangeiro onde o entrevistado trabalha ou estuda.

Pelo exposto, observa-se que a única informação dis-ponível nos Censos de 1991 e 2000, que permite a identi-ficação do município de origem dos imigrantes, é aquelarelativa à “data fixa”, que será considerada em nossa aná-lise, em conjunto com os dados relativos à mobilidadependular levantados no Censo de 2000.

A Variável Migração no Sistema deInformações Municipais

Para a definição das variáveis relativas à migração em umsistema de informações municipais, dois aspectos deverãoser considerados: um, tratando da migração no senso estri-to, isto é, “modificação no local de residência”; e outro,sobre a mobilidade pendular. No primeiro caso, o migranteserá, para 1991 e 2000, a pessoa que em 1o de setembro de1986 e em 31 de julho de 1995, respectivamente, residiaem um município diferente daquele em que morava na datado censo. Em relação à mobilidade pendular, em 2000, os“moventes” serão considerados aqueles que trabalham ouestudam em município diferente do de residência.

Para a migração definida por meio de data fixa, as variá-veis sugeridas são listadas nos Quadros 3 e 4:9

- migração rural/urbana no município de residência.Imigrante rural/urbano – pessoa10 que: a) para 1991, em 1o

de setembro de 1986 residia na região rural do município eque em 1o de setembro de 1991 estava na região urbana domesmo município; b) para 2000, em 31 de julho de 1995residia na região rural do município e que em 1o de agostode 2000 estava na região urbana do mesmo município;

QUADRO 3

Quadro de Variáveis para o Município A

Brasil – 1991

VariávelSituação de Residência

Em 1o de setembro de 1986 Em 1o de setembro de 1991

Migração Intramunicipal

Imigrante rural/urbano Residia na área rural do município A Residia na área urbana do município A

Imigrante urbano/rural Residia na área urbana do município A Residia na área rural do município A

Migração Intermunicipal (1)

Imigrante Residia em outro município excluindo país estrangeiro Residia no município A

Emigrante Residia no município A Residia em outro município

Imigrante rural/urbano Residia na zona rural de outro município Residia na zona urbana do município A

Imigrante urbano/urbano Residia na zona urbana de outro município Residia na zona urbana do município A

Imigrante rural/rural Residia na zona rural de outro município Residia na zona rural do município A

Emigrante rural/urbano Residia na zona rural do município A Residia na zona urbana de outro município

Emigrante urbano/urbano Residia na zona urbana do município A Residia na zona urbana de outro município

Emigrante rural/rural Residia na zona rural do município A Residia na zona rural de outro município

Migração Internacional

Imigrante internacional Residia no exterior Residia no município A

Migração de Retorno (2)

Imigrante de retorno Residia em outro município Residia no município A

Fonte: IBGE. Censo Demográfico.

(1) Esta variável pode ser construída considerando, em separado, a migração interestadual e intra-estadual.

(2) Para os naturais do município A.

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QUADRO 4

Quadro de Variáveis para o Município A

Brasil – 2000

Variável Situação de Residência

Em 31 de julho de 1995 Em 1o de agosto de 2000

Migração Intramunicipal

Imigrante rural/urbano Residia na área rural do município A Residia na área urbana do município A

Imigrante urbano/rural Residia na área urbana do município A Residia na área rural do município A

Migração Intermunicipal (1)

Imigrante Residia em outro município excluindo país estrangeiro Residia no município A

Emigrante Residia no município A Residia em outro município

Imigrante rural/urbano Residia na zona rural de outro município Residia na zona urbana do município A

Imigrante urbano/urbano Residia na zona urbana de outro município Residia na zona urbana do município A

Imigrante rural/rural Residia na zona rural de outro município Residia na zona rural do município A

Emigrante rural/urbano Residia na zona rural do município A Residia na zona urbana de outro município

Emigrante urbano/urbano Residia na zona urbana do município A Residia na zona urbana de outro município

Emigrante rural/rural Residia na zona rural do município A Residia na zona rural de outro município

Migração Internacional

Imigrante Internacional Residia no exterior Residia no município A

Migração de Retorno (2)

Imigrante de retorno Residia em outro município Residia no município A

Mobilidade Pendular

“In-movente” Residia em outro município e trabalha ou

estuda no município A

“Ex-movente” Trabalha ou estuda no município A, mas

residia em outro município

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000.

(1) Esta variável pode ser construída considerando, em separado, a migração interestadual e intra-estadual.

(2) Para os naturais do município A.

TABELA 1

Número de Imigrantes, Emigrantes e Saldo Migratório, segundo Municípios Selecionados

Rondônia – 2000

Código do Município Saldo

Município SelecionadoImigrantes Emigrantes

Migratório

1100015 Alta Floresta d’Oeste 3.453 2.540 913

1100023 Ariquemes 10.100 12.055 -1.955

1100031 Cabixi 917 1.485 -568

1100049 Cacoal 8.875 14.383 -5.508

1100056 Cerejeiras 2.425 5.555 -3.130

1100064 Colorado do Oeste 1.551 7.424 -5.873

1100072 Corumbiara 1.292 2.163 -871

1100080 Costa Marques 1.605 1.682 -77

1100098 Espigão d’Oeste 2.510 4.120 -1.610

1100106 Guajará-Mirim 2.742 4.052 -1.310

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000.

Nota: Data fixa (1995/2000).

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- migração urbana/rural no município de residência. Imi-grante urbano/rural – pessoa que: a) para 1991, em 1o desetembro de 1986 residia na região urbana do municípioe que em 1o de setembro de 1991 estava na região rural domesmo município; b) para 2000, em 31 de julho de 1995residia na região urbana do município e que em 1o deagosto de 2000 estava na região rural do mesmo muni-cípio;

- saldo migratório rural/urbano no município de residên-cia: diferença entre o item 1 e 2 para 1991 e 2000;

- imigrante intermunicipal do qüinqüênio para um deter-minado município. Pessoa que: a) para 1991, em 1o desetembro de 1991 foi recenseada na cidade, mas que de-clarou residir em outro município em 1o de setembro de1986; b) para 2000, em 1o de agosto de 2000 foi recenseadana cidade, mas que declarou residir em outro municípioem 31 de julho de 1995;

- emigrante intermunicipal do qüinqüênio de um deter-minado município. Pessoa que: a) para 1991, em 1o desetembro de 1986 residia na cidade e em 1o de setembrode 1991 foi recenseada em outro município; b) para 2000,

em 31 de julho de 1995 residia na cidade e em 1o de agos-to de 2000 foi recenseada em outro município;

- saldo migratório ou trocas líquidas migratórias doqüinqüênio do município: para um dado município, será adiferença entre os imigrantes e emigrantes do qüinqüênioconsiderado, excluindo-se os imigrantes internacionais, ouseja, os moradores no município em 1o de setembro de1991, para 1991, e 1o de agosto de 2000, para 2000, queindicaram residir no exterior em 1o de setembro de 1986 e31 de julho de 1995, respectivamente.

Ainda com a informação de “data fixa”, é possível esti-mar a migração intermunicipal segundo a situação do domi-cílio de destino (se rural ou urbano), e, da mesma forma,no caso dos emigrantes, pode-se definir a situação domici-liar de origem. Conjugando a informação sobre o local denascimento (naturalidade) com o dado de “data fixa”, pode-se obter para os imigrantes a informação sobre a migraçãode retorno dos naturais do município. Outro aspecto a consi-derar seria a divisão dos imigrantes e emigrantes segundo aUF de origem e destino. Assim, é possível definir o montantedos movimentos migratórios dentro da UF (migração intra-estadual) e com outras Unidades (migração interestadual).

No aspecto relativo à mobilidade pendular, aplicávelexclusivamente para os dados de 2000, as variáveissugeridas são:- “in-movente” pendular para uma cidade: pessoa que tra-balha ou estuda na cidade e reside em outro município;

TABELA 2

Emigrantes do Município de Vale do Anari (RO), por Município

e Unidade da Federação de Destino

Rondônia – 2000

Código doMunicípio de Destino UF Migrantes

Município

1100114 Jaru RO 71

1100122 Ji-Paraná RO 28

1100130 Machadinho d’Oeste RO 102

1100155 Ouro Preto do Oeste RO 83

1100346 Alvorada d’Oeste RO 8

1100403 Alto Paraíso RO 7

1100452 Buritis RO 49

1100601 Cacaulândia RO 6

1100700 Campo Novo de Rondônia RO 23

1100940 Cujubim RO 15

1101005 Governador Jorge Teixeira RO 13

1101302 Mirante da Serra RO 6

1101401 Monte Negro RO 5

1101609 Theobroma RO 104

3201308 Cariacica ES 12

4108304 Foz do Iguaçu PR 11

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000.

Nota: Data fixa (1995/2000).

TABELA 3

Ex-Movente do Município de Alta Floresta (RO), por Município

e Unidade da Federação de Destino

Rondônia – 2000

Código do Município ondeUF Ex-Movente

Município Trabalha ou Estuda

1100049 Cacoal RO 32

1100122 Ji-Paraná RO 27

1100189 Pimenta Bueno RO 9

1100288 Rolim de Moura RO 28

1100379 Alto Alegre do Parecis RO 21

1101484 São Felipe d’Oeste RO 12

2904902 Cachoeira BA 16

3170107 Uberaba MG 9

4301602 Bagé RS 8

5103403 Cuiabá MT 11

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000.

Nota: Data fixa (1995/2000).

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PROPOSTA PARA A INSERÇÃO DA VARIÁVEL MIGRAÇÃO EM SISTEMAS ...

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 3, p. 121-132, jul./set. 2005

MAPA 1

Distribuição dos Municípios, segundo Volume do Saldo Migratório

1995–2000

Fonte: IBGE. Censo Demográfico Amostra (2000) – Microdados.

- “ex-movente” pendular de uma cidade: pessoa que re-side na cidade e trabalha ou estuda em outro município;

- saldo pendular de uma cidade:11 diferença entre 1 e 2.

Indicadores sobre Migração

Além das variáveis apontadas, alguns indicadores po-derão ser calculados para expressar a importância do pro-cesso migratório nos municípios. Para o cálculo de indi-cadores relacionados a qualquer variável demográfica,deve-se ter em conta, com muita clareza, a definição dodenominador e do numerador da taxa ou quociente que seestá buscando.

Com as informações selecionadas, pode-se construir umquadro de indicadores, tanto em 1991 e em 2000, paracada um dos municípios brasileiros. O primeiro indica-dor a ser considerado seria a Taxa Líquida Migratória –TLM, calculada da seguinte forma: tendo no numerador oresultado da diferença entre o número de imigrantes eemigrantes de determinado município e, no denominador,a população com cinco anos ou mais na data de referência(1991 e 2000).

Considerando para cada município os imigrantes eemigrantes, pode-se calcular a “taxa de imigração” e a“taxa de emigração”. O numerador, no caso dos imigran-tes, seria o montante daqueles que, não residindo no mu-

0 500

kilometers

1.000

Saldo Migratório (1995 - 2000)(em número de pessoas)

50.000 a 80.000 (4)10.000 a 50.000 (86)5.000 a 10.000 (82)1.000 a 5.000 (421)

500 a 1.000 (365)0 a 500 (1472)

-500 a 0 (1613)-1.000 a -500 (659)-5.000 a -1.000 (744)

-10.000 a -5.000 (38)-50.000 a -10.000 (18)

-550.000 a -50.000 (5)

Km

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DUVAL FERNANDES / IDAMILA RENATA PIRES VASCONCELLOS

nicípio no início, entraram no município entre as duas datasconsideradas e lá permaneceram. No caso dos emigran-tes, aqueles que lá residiam no início, saíram do municí-pio, não morreram e residiam em outro município no fi-nal do período. O denominador será a população com cincoanos ou mais nos Censos de 1991 e 2000. Apesar de nãoser uma taxa no sentido estrito, esse indicador permiteavaliar a importância da imigração e emigração, tendo emconta o efetivo populacional. Um proxy do poder de atra-ção ou expulsão do município.

NOTAS

Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Po-pulacionais, Abep, realizado em Caxambu – MG – Brasil, de 20-24 desetembro de 2004.

1. Condições de Moradia; Desenvolvimento e erradicação da pobreza;Gestão Ambiental; Desenvolvimento Econômico; Governança; e Coo-peração internacional.

2. O SNIU pode ser acessado na página do Ministério das Cidades, naInternet (www.cidades.gov.br).

3. No Censo de 1991, perguntou-se o nome do município, situação dedomicílio e a UF de residência em 1o de setembro de 1986.

4. A Pesquisa Mensal de Emprego – PME, pesquisa mensalmente37.212 domicílios nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador, BeloHorizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. A Pesquisa deEmprego e Desemprego – PED, pesquisa mensalmente 15.720 domi-cílios nas regiões metropolitanas de São Paulo, Porto Alegre, Recife,Salvador, Belo Horizonte e Distrito Federal.

5. Em 1970, o Brasil contava com 3.951 municípios; 3.991 em 1980;4.491 em 1991 e 5.507 em 2000, quando da realização do censo. Em1/1/2001 foram agregados à malha municipal mais 54 municípios.

6. Não há informação sobre a emigração das Regiões Metropolitanas– RM, sequer interestaduais. Apenas dos imigrantes da RM cuja UFde residência anterior ou a de cinco anos atrás tenha sido outra.

7. Na realidade, não se trata de um “saldo migratório” no sentido es-trito do termo, pois, como os emigrantes internacionais não sãocontabilizados no censo brasileiro, o mais correto seria defini-lo como“trocas líquidas migratórias”, descontados os imigrantes internacio-nais.

8. Apesar do termo amplamente utilizado ser “migração pendular”, adefinição mais usual da migração pressupõe a mudança de domicíliopermanente. Alguns autores como Cunha (2002) preferem qualificaresse movimento de “mobilidade pendular”.

9. Um exemplo do uso de variáveis é apresentado nas Tabelas 1, 2 e 3e no Mapa 1.

10. Em todos os itens são consideradas as pessoas com cinco anos oumais.

11. Esse “saldo” poderia também ser considerado como fator de atra-ção e avaliado em relação à população do município, controlado pelaidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, J.A.M. de; RIGOTTI, J.I.R. Os dados censitáriosbrasileiros sobre migrações internas: algumas sugestões para análise.Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, v. 15, n. 2,p. 7-16, 1998.

CARVALHO, J.A.M. de. Migrações internas: mensuração direta eindireta. Revista Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, v. 43, n.171, p. 549-583, jul./set. 1982.

CUNHA, J.M.P. O uso das PNADs na análise do fenômenomigratório: possibilidades, lacunas e desafios metodológicos. Rio deJaneiro, IPEA, 2002. 87 p. (Texto para Discussão, n. 875).

HAKKERT, R. Fontes de dados demográficos. Abep, 1996. 63 p.

MAGALHÃES M.V. O Paraná e suas regiões nas décadasrecentes: as migrações que também migram. Tese (Doutorado) –CEDEPLAR/UFMG, Belo Horizonte, 2003.

MARTINE, G. Os dados censitários sobre migrações internas:evolução e utilização. In: Seminário Metodológico dos CensosDemográficos – CENSOS, CONSENSOS E CONTRA-CENSOS, 3.,1984, Ouro Preto-MG. Abep, 1984. p. 183-214.

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PRESSAT, R. Dicionaire demographique. Paris: Editions PUF,1976. 236 p.

RIGOTTI, J.I.R. Técnicas de mensuração das migrações a partir dedados censitários: aplicação aos casos de Minas Gerais e São Paulo.Tese (Doutorado) – CEDEPLAR/UFMG, Belo Horizonte, 1999.

DUVAL FERNANDES: Doutor em Demografia e Professor do Programa dePós-graduação em Geografia e Tratamento da Informação Espacial –PUC-Minas ([email protected]).

IDAMILA RENATA PIRES VASCONCELLOS: Mestre em Geografia e Tratamen-to da Informação Espacial – PUC-Minas ([email protected]).

Artigo recebido em 28 de março de 2005.Aprovado em 17 de abril de 2005.