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A GRANDE RAINHA

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No planeta de Micropella reside uma menina simples e humilde, Aara, que foi aclamada como a Grande Rainha de Brenor, graças ao seu espírito puro. Era o ano de 1074 quando Mitrax, o principal líder dos anjos, decide se apoderar dos cristais de diferentes poderes espalhados entre os reinos. Ele envia os seus exércitos na captura desses objetos, liderados pelo príncipe gigante Tipreus e pela maga degenerada Meissa. Para enfrentá-los, Aara conta com a amizade do mago Aldebaran, professor da Ordem de Lumerae, e de seu escudeiro, o hilário Gdu. Neste primeiro livro da série A saga de Mitrax, que se situa na Era dos Grandes Reis e Rainhas, monstros, magos imortais são alguns dos grandes desafios. E a personalidade complexa dos elfos, ondinas, salamandras, entre outros, é explorada a fundo, afirmando-se como uma trama rica, de grande diferencial da literatura fantástica.

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Sérgio Roberto de Paulo

São Paulo 2012

COLEÇÃO NOVOS TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

A Saga de Mitrax:A Grande Rainha

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Copyright c 2012 by Sérgio Roberto de Paulo

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo no 54, de 1995)

Paulo, Sérgio Roberto deA Saga de Mitrax: a grande rainha / Sérgio Roberto de Paulo -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2012. -- (Coleção novos talentos da literatura brasileira)

1. Ficção brasileira I. Título. II. Série.

12-13764 cdd-869.93

Índices para catálogo sistemático:1. Ficção: Literatura brasileira 869.93

2012IMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO ÀNOVO SÉCULO EDITORA LTDA.

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Produção Editorial Novo Século Assistente Editorial Nair Ferraz Diagramação Edivane Andrade de Matos/Efanet Design Capa Monalisa Morato Preparação de Texto Catia Pietro da Silva Revisão de Texto Rita Costa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

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À minha amada esposa

Iramaia,

a verdadeira Grande Rainha.

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Conhecedor do grande poder das palavras,o sábio mago deve pensar muito

antes de pronunciar qualquer uma.

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Apresentação

A Grande Rainha é uma obra fantástica que se passa num mundo e tempo, em princípio, desconhecidos. Situa-se na Era dos Grandes Reis e Rainhas, que sucede a Era das

Salamandras e antecede a Era dos Reis Magos. Conta a história de Aara, uma moça humilde e simples, que se torna a Grande Rainha de Brenor, a Terceira, a Rainha de Copas, graças ao seu espírito sincero de ajudar os outros. Trata-se do primeiro livro da série A Saga de Mitrax, que conta como o planeta de Aara, chamado Micropella, se estrutura a partir do episódio da queda dos anjos.

Para a composição desta obra, reuni elementos presentes em outras sagas de grande sucesso, como O Senhor dos Anéis, Harry Potter e As Crônicas de Gelo e Fogo, e também séries cinema-tográficas como Jornada nas Estrelas e Guerra nas Estrelas. A saga também se baseia em grandes obras clássicas, como O Livro Tibetano dos Mortos, O Livro de Enoque e o Bhagavad Gita (que fundamentam A Grande Rainha) e em nomes clássicos como Ho-mero, Goethe, Dante Alighieri, William Blake, Milton e Joyce. Assim, procurei construir uma história complexa, com base em um detalhado antecedente milenar, constituída por personagens com um passado denso e múltiplos entrelaçamentos entre as cenas. A narrativa é densa, no sentido que muito acontece em poucas pá-ginas, sem que haja cenas desnecessárias e que não têm papel im-portante na trama; mas ao mesmo tempo leve, com a preocupação

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de sempre levantar elementos novos, para atrair a curiosidade do leitor ao que virá, sem explicar completamente os eventos, aumen-tando assim a sensação de mistério e expectativa sobre a série.

Como se trata de fantasia, é claro que a saga conta com ma-gos, anjos, demônios, dragões, trolls, gigantes e seres elementais. Com relação a esses últimos, acredito que A Saga de Mitrax seja a que explora mais profundamente a personalidade de tais seres: a complexa personalidade dos elfos (que ao mesmo tempo que são um, são quatro seres diferentes), o comportamento hilário dos gnomos (os quais, embora muito espertos, são palhaços por na-tureza), o furor sexual das ondinas (cujo único propósito é gerar vida) e a crueldade das salamandras (de apenas um objetivo, como assassinas sanguinárias: a extinção da vida). Mas a série conta também com seres fantásticos exclusivos, como utubracs, kiches, glimurdroms, troglodroms, aghs, hanumais, magouts, comonzatls, demônios andaluzes, além de doze espécies de dragões e trolls.

Além disso, esta obra explora as características pessoais de diversos anjos caídos – Belial, Amazarak, Samyaza, Azaziel, Ba-traal, Belzebius –, cujas personalidades são tão variadas que for-talecem a complexidade dos acontecimentos ao longo das Eras. A saga descreve como os anjos veem o mundo (a partir da tetravisão) e como se dão as relações entre eles, incluindo as relações sexuais.

Objetos mágicos são explorados. Embora as armas mais po-derosas de Aara sejam o amor e a compaixão, ela é auxiliada pela posse de objetos com poderes especiais, como o Cálice Sagrado (presente do arcanjo Uriel, seu padrinho), que tem o dom da cura; a espada do Primeiro Grande Rei, Alionor; o escudo da Segunda Grande Rainha, Anahar, que tem o poder de expelir um campo de força que desvia flechas e faz o seu portador saltar (além de abri-gar dois seres fantásticos: a serpente gigante Jachim e o dragão Bohas); a Aljava de Tunis, cujas flechas, disparadas com os olhos

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fechados, sempre acertam o alvo e retornam ao portador, e o elmo celestial, que dá à rainha a tetravisão.

Há três ordens de magos: Lumerae, Crux e Escorpião. Esta úl-tima é a mais antiga. Seu líder, Antares, recebeu o cristal amarelo das mãos do Senhor da Luz (o ser mais poderoso e evoluído que já pisou em Micropella), mas os seus membros, por causa da longa convivência com o cristal, a pedra da ambição, se corromperam, perdendo a noção da realidade. Assim, suas pernas se esvanece-ram e, então, se transformaram em gênios, que agora combatem as outras ordens. Em batalha, os magos se servem de doze encanta-mentos e suas variantes: os sete encantamentos básicos, de nature-za alquímica, e os cinco superiores, que se assentam nos princípios da Mecânica Quântica.

Mas o aspecto mais importante da Saga de Mitrax, sua base mais sólida, são os Doze Ensinamentos. Aldebaran, professor da Ordem de Lumerae os ensinará à Grande Rainha ao longo da saga. São ensinamentos que valorizam a amizade e a justiça, mas que também lidam com conhecimentos formais e secretos, principal-mente a respeito da magia. O leitor que os acompanhar atentamen-te poderá realmente se tornar um mago e realizar grandes feitos. Em A Grande Rainha, são expostos os Três Primeiros Ensinamen-tos: sobre o mundo dos mortos, sobre a oposição entre o céu e a terra e sobre a Força Peregrina.

Nesta obra, Aara enfrentará, além do Príncipe Gigante Tipreus, os dissidentes da Ordem de Lumerae: os magos Saiph e Meissa. Esta última transformou-se numa poderosa harpia. No passado, seu corpo foi deformado por picadas múltiplas de kiches e, por ter copulado com o cristal negro, adquiriu a imortalidade. Porém, embora imortal, seu corpo envelhece, de forma que, no ano 1074, da Era dos Grandes Reis e Rainhas, apresenta uma aparência me-donha, com aspecto cadavérico, pele escura, sem olhos, e orelhas

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e nariz extremamente longos. Mas, como todos os personagens da saga, Meissa tem um passado: enlouquecera após seu filho re- cém-nascido ter sido morto pelo próprio pai, há mil anos.

Embora aborde temas adultos, tive a preocupação de escrever a obra de forma que crianças também pudessem lê-la e apreciá-la. Trata-se de uma obra escrita para rir (com as estripulias e histórias estapafúrdias de Gdu, o gnomo, escudeiro da rainha, e Aeris, o elfo); para chorar (com o sofrimento dos personagens nas passa-gens dramáticas, e com as histórias de amor – entre Aara e Zeilig, entre a rainha Lianor e o mago Castor, e entre o trio amoroso for-mado por Meissa, o rei Alionor e o mago Sirius); para sonhar (com as paisagens exuberantes de dezenas de reinos diferentes e seres fantásticos) e para perder o fôlego (com as batalhas intensas).

Espero que goste de A Saga de Mitrax, em que o Bem enfren-ta o Mal numa trama complexa, na qual nem sempre é possível distinguir claramente um do outro.

Sérgio Roberto de Paulo

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Às vezes, os mortais repetem erros, mas quando isso acontece com deuses é algo digno de se pensar...Há muito tempo contado do que é agora, chegava-se à era da renovação. Os Espíritos que se elevaram já não podiam ser contidos no mundo. Assim, o Grande Senhor da Luz decidiu partir com os Espíritos. Era a era do perdão também. Com isso, decidiu-se deixar, na administração do mundo, Mitrax, o Caído. Dessa maneira, libertou-o e disse: “Não mais se apiede dos homens, se não quiser reincidir na ruína”. E, naquele dia, partiu do mundo em naus luminosas, seguido por trinta mil milhões de emanações elevadas. Mas antes disso, o Senhor repartiu a Luz em forma de cristais, entregando cada um aos jovens espíritos que agora chegavam em menor número. Aos gnomos, foi entregue o cristal laranja, aos elfos, o verde, e às ondinas e salamandras, o azul e vermelho, respectivamente. Aos magos, os únicos espíritos elevados que ainda permaneceram, deixou o cristal amarelo, destinado aos homens, mas que a eles não deveria ser entregue. E, finalmente, a Mitrax, o Príncipe dos Homens, o cristal negro, para que ele e seu séquito fossem os regentes do mundo dos mortos. Muitas Eras se passaram depois disso, enquanto os homens primitivos se rastejavam na lama em seu ressurgimento no mundo. Foi então que Mitrax cometeu o mesmo erro pela segunda vez: apiedou-se dos homens, pois eles morriam aos montes, acometidos por doenças e atacados pelas feras terríveis que agora habitavam as planícies, os mares e as montanhas. Então, o Príncipe dos Homens os ensinou novamente. A humanidade progrediu rápido na ciência das ervas medicinais, mas também na arte da guerra, pois aos homens foi ensinado

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a construir máquinas para que se defendessem das feras. E assim Mitrax novamente se esqueceu das palavras do Senhor da Luz e desejou não mais apenas ser o condutor dos mortos, mas também o mentor absoluto do mundo dos vivos. E, mais uma vez, membros de seu séquito viram que as filhas dos homens eram belas e com elas desejaram ter filhos. A raça dos gigantes ressurgiu no mundo. E as guerras se espalharam por todo o globo. Mas os homens guerrearam e aprenderam muito com os gigantes ao longo das Eras. E então surgiu Alionor, o Primeiro Grande Rei, que derrotou e humilhou Mitrax e construiu a Grande Muralha, separando o mundo dos homens do mundo dos gigantes. Alionor teve um longo reinado, mas, na época dos seus descendentes, Mitrax ganhou força novamente. Entretanto, antes que pudesse reunir os seus exércitos, surgiu Anahar, a Primeira Grande Rainha, que, num combate mortal, arremessou o Príncipe dos Homens na garganta profunda formada abaixo das jovens Montanhas de Fogo de Piriatheas, que haviam surgido uma era antes por causa de uma fenda na plataforma continental. Anahar pereceu junto a ele, e essas são histórias muito antigas que não devem ser contadas agora... Agora que o príncipe retorna das cinzas.

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Lumerae

Lago Sawagasa

Vila

Pankar

Beliária

Marmórea

Barratas

Mar dos Monstros

Ismar

Reino dos Gnomos (Chorum)

Reino das Ondinas

Reino dos Elfos

(Surkarnevion)

Roc-Hai

Reino das Salamandras

(Deserto

Monte Alionor

Monte Armon

Piramar

Aldária

Olmea

Goliah

Armon

Altosanco

Bresul

Terra dos Gigantes

Grande Muralha

Bhorgarium

Colconetha Dalbathea

Rio Sanco

Rio Mégion

Tessla

Monte Anahar

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A VILA E O LEITO DO PRÍNCIPE

Aara vinha pelos campos, entre as plantações de cevada e trigo, onde, em pequenas moitas espalhadas aqui e acolá, se abaixava para colher folhas, ramos e raízes do que lhe

interessava. Tinha uma sacola de pano que lhe pendia através do tronco, apoiada no ombro direito. Nela, fizera diversos compar-timentos com panos de cores diferentes. Ia por aí enchendo cada bolsículo com ervas diversas. Já era final de tarde naquelas prada-rias da ilha: teria de voltar logo à cidade. Assim, foi caminhando, meio que sussurrando alguma canção.

Logo que ultrapassou as paliçadas da cidade, um homem pau-pérrimo a cercou. Observava-se que era trabalhador, mas muito pobre, dada suas roupas rasgadas.

– Menina Aara, tens alguma coisa para dor nas costas? Ela o perscrutou por um milésimo de segundo, como que fa-

zendo um diagnóstico sem toque, então, estendeu sua mão para um bolso cinza na sacola, retirou umas folhas e disse:

– Faze um chá disso e toma três vezes ao dia, com bastante água.

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O homem pegou as folhas como se fossem preciosas, tirou o chapéu que tinha a forma de gorro e agradeceu, saindo semissal-titante.

Não tinha andado mais 100 m ao longo da estrada principal que levava do portão da paliçada ao centro da cidade, quando uma senhora indagou:

– Aara, minha querida, tenho sentido que minha pele está muito fina. Sempre que esbarro em algo me machuco e sangra. Podes dar um jeito?

– Olha, senhora Mir, aqui não tenho. Mas posso fazer um óleo de frutas amarelas e trazê-lo amanhã, tá bom?

A senhora, então, estampou uma alegria incontida nas faces e escancarou os dentes de felicidade:

– Muito obrigada! Que o Senhor da Luz a proteja! E Aara foi andando, passando pelas casas de madeira, das

quais já saía um pouco de fumaça das chaminés e, no caso daque-les que já haviam retornado do trabalho, já se podia observar as primeiras luzes de vela através das janelas, concomitantes ao Sol que se punha.

Em breve chegaria em casa. Estava com pressa, mas algo a impediu. Um menino esbaforido corria em sua direção. Mesmo de longe, começou a gritar:

– Aara, meu pai, meu pai! Ela se virou e andou rapidamente em direção a ele. Ele lhe

agarrou no braço, puxando-a. – Meu pai caiu do telhado, se machucou, está sangrando! Então, saíram correndo em direção à casa do menino. Lá che-

gando, encontrou a mãe chorando ao lado do corpo estendido no chão. Aara se abaixou ao lado dele, virou-lhe o rosto e abriu suas pálpebras com ambas as mãos. Disse para a mãe do menino:

– Vai ficar bom. Não te preocupais. A mãe chorou mais ainda, aliviada, disse:

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– Graças ao Senhor da Luz! Obrigada, querida. De fato, o sangue já se estancara e o brilho ainda habitava os

seus olhos. – Vamos levá-lo até uma cama. Precisa ficar aquecido – disse

a moça. Assim, carregaram-no, os três, até uma cama. O enfermo foi

coberto por lençóis e cobertores. Aara fez um chá a partir de uma mistura de diversas ervas e o injetou em sua boca por meio de um pedaço de bambu. Quase imediatamente, ele abriu os olhos, perguntando o que havia acontecido. Sua esposa explicou-lhe en-quanto Aara se levantou e preparou outro remédio.

– Este aqui é para a cicatrização do ferimento. Precisa ser aplicado externamente, com compressas... e quente – disse à senhora.

Após os agradecimentos, apressou-se a voltar para casa. Já era noite e isso não era bom. Quando lá chegou, abriu a porta bem devagar, para que não rangesse. Mas não precisava ter tomado esse cuidado. Ele estava sentado bem lá na mesa, logo adiante, o padrasto, inclinado sobre uma garrafa vazia e um copo semicheio com um líquido totalmente transparente. Ao perceber a entrada de Aara, levantou-se tentando se equilibrar. Fitou-a com ódio nos olhos. Aproximou-se e desferiu-lhe um pesado tapa no rosto.

– Vadia! Andas por aí com amigos da pior espécie quando deverias estar aqui cuidando de teu pai! Estou com fome! Vais preparar o jantar!

Aara abaixou a cabeça, passando a mão no rosto que lhe doía e, chorando baixinho, respondeu:

– Sim, senhor... E foi para a cozinha. Mas muito antes de terminar de prepa-

rar o jantar, ele já se estendia no chão, sem conter o sono de tão bêbado que estava, e dali nada neste mundo o tiraria até a manhã seguinte.

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ab

Na manhã seguinte, bem cedo, quando o Sol nascia, Aara já estava a caminho da estalagem de sua tia, em que trabalhava. Nessa hora, era preciso preparar o desjejum para os hóspedes, usualmente comerciantes de caravanas que, logo cedo, deixavam a ilha em que se situava a Vila, levando grãos e frutas, a fim de dali a dias, ou meses, voltarem com outros produtos. Particularmen-te nessa manhã, o salão onde eram servidas as refeições estava cheio. Um som alto oriundo de vozes de muitas conversas tomava conta do recinto. Tudo absolutamente normal para aquela manhã de outono, exceto por uma coisa: uma figura sinistra sentada sozi-nha numa mesa no canto mais escuro do salão. Tratava-se de um homem alto e magro, meio calvo, vestido com roupas negras des-botadas pelo tempo. Aara aproximou-se para servi-lo. Cheirava mal, um suor meio adocicado e, pareceu-lhe, misturado ao odor de sangue. Quando ela colocou a xícara na mesa, ele agarrou o seu pulso. Com um olhar cheio de malícia, sussurrou:

– Como és bela, senhorita. Capaz de levar muitos homens à perdição!

Então, passou a outra mão em volta da cintura de Aara e forçou-a a se sentar em seu colo. Ela, mais que depressa e sem titubear, derramou quase uma chaleira inteira de chá quente na barriga do estranho. Ele se levantou irado, derrubando-a no chão com grande estrondo. Fez-se silêncio no salão e todos pararam para olhar o que se passava. O homem agarrou Aara pela frente quase a fazendo ficar pendurada, encostando sua face à dele. Com isso, disse, como que para extravasar a sua fúria:

– A vida de ninguém nesta Vila vale uma moeda furada mes-mo! Em breve todos aqui estarão mortos! Então, o teu belo corpo não te valerá para nada!

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E jogou Aara contra o solo. Ela caiu soltando um gemido de dor. O homem fitou todos na sala, um a um. E saiu calmamente pela porta, sem se preocupar com a conta. Assim, as pessoas vol-taram a conversar despreocupadamente, alguns rindo do ocorrido, enquanto que tia Mace ajudava Aara a se levantar.

– Quem era aquele sujeito, tia? – Não sei, não era hóspede. Deve ter vindo aqui para comer

alguma coisa. Estás bem? – Sim... Mas posso ir para casa? Preciso trocar este vestido.

Volto logo. – Claro, minha filha. E não precisas mais voltar agora de ma-

nhã. Deixe-nos cuidar de tudo. Deves estar assustada, pobrezinha! Aara agradeceu e saiu. Mas não iria para casa. Ficara preo-

cupada e iria seguir o sujeito. Lá fora, viu que ele montava num cavalo. Tinha uma coisa na mão, parecia um pedaço de carvão. Ele a fitou de novo e riu. Ela, então, por algum motivo, olhou a pa- rede externa da estalagem à sua direita: ele havia feito uma marca, em forma de X, com o carvão na parede. Saiu a galope. Aara não poderia segui-lo, mas poderia ver para onde se dirigiria. Correu, então, para o centro da cidade, o mais rápido que pôde, subindo as ladeiras, até chegar ao pé da torre. Entrou e subiu a escadaria em forma de caracol até o alto dos seus quase 50 m. De lá, podia-se ver quase toda a extensão da ilha, exceto do lado sul, pois a Vila ficava mais ao norte. Porém, nessa direção, podia ver o grande rio Sanco se dividir em dois, como se a ilha o fendesse, e podia ver também as duas pontes, a do leste e do oeste, os dois únicos aces-sos àquele lugar. Então, viu o cavaleiro como uma mancha preta de deslocando contra a pradaria de trigo, já amarelada nessa época do ano. E viu ele se dirigindo para a ponte leste, atravessando-a, e depois rumando para o norte até desaparecer de sua vista.

Desceu a torre com menos agilidade do que subira. Estava pensando no que fazer. Decidiu ir falar com o prefeito. A prefeitura

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era bem ao lado da torre. Logo estava entrando no maior prédio de alvenaria da Vila. Era um mero sobrado. Embaixo, apenas a sala do prefeito e uma sala de espera. Em cima, a residência do prefeito.

Na sala de espera estava o secretário debruçado sobre a sua mesa, lendo um papel com os olhos a 1 cm das letras: era míope de tudo.

– Quasetudo, preciso falar com o prefeito. Quasetudo olhou para Aara tentando reconhecê-la. Não podia

enxergá-la direito, mas sabia quem era pela sua voz. – Ele está lá dentro, senhorita Aara. Ela entrou no gabinete. Ele, o prefeito, estava sentado por trás

da mesa tomando chá, com uma toalha sobre a enorme barriga. – Bom dia, senhorita Aara – disse ele, sorrindo e coçando as

costeletas. – Senhor prefeito, estamos diante de um grande problema,

acho que bandidos invadirão a Vila! O prefeito ficou piscando de boca aberta, sem saber o que

dizer. Sua careca brilhava. – Invadir... como?... Como sabes? – Um deles estava na estalagem ainda há pouco. Ele me disse

que em breve estaríamos todos mortos. Depois montou num ca- valo e rumou para o norte!

O prefeito coçou o queixo um pouco, depois começou a rir: – Ora, Aara, está claro que ele estava tentando te assustar. – Tenho certeza que estava falando sério. Fez um X a carvão

na parede da estalagem. – Deve ser um vandalozinho estrangeiro, minha menina, só

isso! – E se for verdade? Então, o prefeito se levantou, aproximou-se de Aara e colo-

cou as mãos sobre os ombros da moça.

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