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    CONTRA A GUERRA Karl Liebknecht

    A REVOLTA DAS TORNEIRAS VAZIAS

    Cleiton Damasceno do Carmo

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    A GREVE

    JACK LONDON

    Editora Po e Rosas2003

    TRADUOMnica Oliveira Giovannetti

    POSFCIOAlexandre Linares

    & Joo Carlos Ribeiro Junior

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    Ttulo original:The Dream of Debs de Jack London

    Copyleft permitida a reproduo par-cial ou total desta obra para fins no comer-ciais, desde que mantida esta nota.

    Editor : Ansio G. HomemTraduo : Mnica de Oliveira GiovannettiCapa e edio: Grfica: Alexandre Linares

    Curitiba / So Paulo 2003

    ISBN:

    EXPEDIENTE:

    Editora Po e Rosas

    Rua Madre Leonie, 279Curitiba- PR CEP: 82530-030

    Tel./Fax: 55 - 41 - 262-5655

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    A prpria existncia da classe capitalista depende da manuteno do

    sistema social de explorao. Depende,

    pois, da sobrevivncia da classe

    operria. Uma vez que, sem classe

    operria no h explorao, portanto,

    no h mais-valia e, portanto, no h

    lucro. Por isso, em uma dialtica que

    recorda a do amo e do escravo, a classe

    capitalista depende, em ltima instncia, da classe operria.

    Daniel GlucksteinGlobalizao e Luta de Classe

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    S UMRIO

    A PRESENTAO.............................. 10

    N OTA EXPLICATIVA.......................... 15

    A G REVE......................................... 17

    P OSFCIO......................................... 55

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    Este conto indito no Brasil. Ele est sendopublicado na esteira de algumas reedies de obrasdo autor.

    Em A Greve , London enfoca o tema com umahumanidade perfeita. No h nada fora das reaismedidas da vida. E, no entanto, h uma enormeinventividade literria.

    H uma greve, mas onde esto as descriesdas passeatas? Onde os piquetes e os clssicosenfrentamentos com a polcia?

    No isso que interessa London retratar.At porque ele no um retratista fiel, da nature-za ou dos movimentos sociais. Talvez seja umimpressionista, que sai luz do dia, observa ao

    A PRESENTAO

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    seu redor, capta a luminosidade que emana da rea-lidade, mas filtra tudo isso com a mente aguada

    de um criador. o que vemos no papel.Ele busca com este conto, fazer compreen-

    der. Por isso, no se trata de uma tragdia operriasomente, com o foco exclusivo nesta classe soci-al. Ele v mais longe, ali onde outros olhares po-

    deriam reter somente um drama exclusivamenterestrito a uma parcela da sociedade, o escritor fazemergir os dilemas da humanidade.

    filosofia, como Goethe com o seu clebreDoutor Faustoo era. No comeo no era o verbo, era a ao. E assim, na literatura, Goethe procurava ex-primir a poca da revoluo industrial, do conhe-cimento cientfico, do progresso tcnico.

    London exprime com este seu conto A Greve (como j o havia feito em A Praga Escarlate ) a en-cruzilhada a que as elites capitalistas empurram o

    mundo. Ele exprime as angstias da civilizao.Dos grandes aos pequenos detalhes da orga-

    nizao social, quem depende de quem? Os tra-balhadores dependem dos capitalistas ou estes que dependem para viver at no mais ftil deta-

    lhe dos trabalhadores? Do mais elementar cafda manh burgus at odrink no clube, tudo comoventemente atrapalhado pela insolncia dosgrevistas em paralisar o trabalho.

    este tom dramtico, dado a inoperncia doscapitalistas na vida cotidiana, onde mais parecem

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    crianas dependentes das suas mes, que cria oclima estranho e inslito da situao. primeira

    vista no parece real e crvel, porque entre a rea-lidade e a aparncia h um espesso cortinado deideologia para encobrir esta situao. No entanto,o brilhantismo de Jack London est em utilizar suagenialidade literria para fazer correr o pano queturva a viso, abrindo a cortina e deixando o olharentrar. Neste caso, a hiptese da greve geral ape-nas o meio laboratorial onde ele faz aparecer ascondies sociais perfeitas (como nas experinci-as cientficas onde se criam as condies para osexperimentos) que revelam toda a verdade pordetrs da mistificao.

    Jack London, no s um inventor de hist-rias, mais um esprito livre o suficiente, capaz decaptar as contradies da vida moderna e a exporcom uma maestria espetacular.

    H os que pensam na sociedade dos EstadosUnidos como desprovida de choques, de situaeslimites. Imaginam que isso de enfrentamentos declasses sociais, de conflitos de interesses, de mai-oria oprimida coisa que acontece nos chamadospases do terceiro mundo.

    Nisso London revelador. Brilhantementerevelador. No permite, como um filho do prole-tariado, como um andarilho pelas ruelas, portos,estaes ferrovirias do seu pas e do mundo, quenos enganemos sobre a existncia de apenas um

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    nico sonho americano, o da classe mdia. Existetambm o sonho de Debbs, lder operrio que

    empresta seu nome ao ttulo original do conto.Como existiu o sonho dos Comunards na Paris de1871, naquela primeira tentativa de assaltoaos cus.

    No temam se emocionar com este conto, as-

    sim como no evitem as reflexes que ele estimu-la. Nada mais inumano que querer separar comuma muralha da China a vida e a arte. Nada maisdesumano que tentar fugir dos dilemas que colo-cam em xeque a nossa civilizao.

    London no traz respostas. Semeia indaga-es. E s isso j grandioso e visionrio. O resto,de l para c, a histria do sculo XX tratou decolocar-nos mais nitidamente diante dos olhos.

    O E DITORAbril de 2003

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    O ttulo original do conto de Jack London TheDream of Debs, ou seja, O sonho de Debs, efoi escrito em janeiro/fevereiro de 1909. EugeneVictor Debs (1855 1926), famoso socialista esindicalista norte-americano, organizador daUnio Ferroviria e do sindicato IWW (IndustrialWorkers of the World) acusado de sedio porsua postura contra a guerra, foi encarcerado em1918. Em 1920, encontrando-se na Penitenci-

    ria, se apresentou como candidato socialista seleies presidenciais dos Estados Unidos, rece-bendo quase um milho de votos. Morto dez anosdepois que Jack London, sua meno histricaneste relato, junto a outras aluses a aconteci-mentos reais e inventados, serve para situar a

    N OTA EXPLICATIVA

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    ao no futuro a respeito do tempo em que foiescrito. Deve-se recordar ainda que o ttulo origi-

    nal deste relato, The dream of Debs, o mesmoque o do suposto ensaio escrito pelo narrador.

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    Despertei-me pelo menos uma hora antes queo de costume. Isto, por si s, era algo extraordin-rio; e permaneci completamente desperto, refle-tindo sobre isso. Algo se passava, algo no ia bem,embora no soubesse o que. Sentia-me angustia-do por um pressentimento de que alguma coisaterrvel havia ocorrido ou estava a ponto de ocor-rer. Porm, de que se tratava? Cuidei de orientar-me. Lembrei que depois do Grande Terremoto de

    1906 houve muita gente que assegurou que haviaacordado instantes antes da primeira sacudida, eque havia experimentado naqueles momentos umestranho sentimento de terror. Por acaso San Fran-cisco iria sofrer um novo terremoto?Permaneci um longo minuto paralisado e

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    expectante; porm, no se sentia tremer ou balan-arem-se as paredes, nem nenhum estrondo de

    desmoronamento de alvenaria. Tudo estavatranqilo. Ou seja, em silncio! No era estranhomeu desassossego. O rudo do trfego da grandecidade havia desaparecido misteriosamente. Otransporte de superfcie pela minha rua a esta horado dia era em mdia de um bonde a cada trs mi-nutos; no entanto, nos dez minutos seguintes, nopassou um sequer. Quem sabe tratava-se de umagreve de bonde foi a primeira coisa que pensei; outalvez houvesse ocorrido um acidente e o abaste-cimento de energia havia sido interrompido. Po-rm no, o silncio era por demais absoluto. Nose ouvia nenhum chiado ou estouro de rodas, nemo golpear de ferraduras de cavalarias ao subir arua calada pavimentada de pedras.

    Apertando o boto ao lado de minha cama,

    tratei de ouvir o som da campainha, mesmo sa-bendo que era impossvel, ainda que ela soasse,que o som subisse os trs andares que nos separa-vam. Funcionava, efetivamente, j que, poucosminutos depois entrava Brown com a bandeja e ojornal da manh. Ainda que seu rosto se mostras-se impassvel como de costume, observei um bri-lho de alarme e inquietude em seus olhos. Dei-meconta tambm de que no havia leite na bandeja.

    O leiteiro no veio esta manh expli-cou , nem o padeiro tampouco.

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    Olhei novamente a bandeja. Faltavam ospezinhos redondos e frescos. Em seu lugar, uni-

    camente umas fatias de po preto do dia anterior,o po mais detestvel para meu paladar. No houve distribuio de nada esta ma-

    nh, senhor... comeou a explicar Brown emtom de desculpa; mas o interrompi:

    E o jornal? Sim senhor, o trouxeram; mas nico, e

    a ltima vez tambm. Amanh no haver jornais. o que diz o prprio jornal. Quer que mande prleite condensado?

    Movi a cabea negativamente, aceitei somen-te o caf e abri o jornal. As manchetes explicavamtudo..., at demais, porque os extremos de pessi-mismo a que chegava o jornal beirava ao ridculo.Uma greve geral, dizia, havia sido convocada am-pla e largamente nos Estados Unidos, manifestan-do deste modo os pressgios mais alarmistas quan-to ao abastecimento das grandes cidades.

    Li rapidamente e por cima enquantorelembrava muitos dos problemas trabalhistas dopassado. Durante uma gerao, a greve geral tinha

    sido o sonho das organizaes sindicais, um so-nho que havia surgido originariamente da mente...de Debs, um dos grandes lderes sindicais de trin-ta anos atrs. Lembrei-me de como em minha ju-ventude tinha escrito um artigo sobre o tema parauma revista da Universidade o qual intitulei O

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    sonho de Debs. Porm, devo esclarecer que tra-tei a idia com precauo e de maneira acadmi-

    ca, como um sonho e nada mais. O tempo e omundo haviam seguido seu curso. Gompers e a American Federation of Labor tinham desaparecido,e o mesmo havia ocorrido com Debs e todas assuas descabeladas idias revolucionrias; apesardisso, o sonho havia persistido, e finalmente eraconvertido em realidade. Mas, conforme lia, nopude deixar de rir-me da viso pessimista do jor-nal. Minha opinio era outra. Tinha visto as orga-nizaes sindicais serem derrotadas em inmerosconflitos. O assunto se solucionaria em poucosdias. Isto era uma greve nacional, e o governo nodemoraria muito em acabar com ela. Joguei o jornal e comecei a vestir-me. Seria certa-mente interessante passear pelas ruas de San Fran-cisco quando toda a cidade estava de frias fora-

    das e totalmente privada de atividades. Perdo, senhor disse Brown, apresen-

    tando-me minha caixa de cigarros , masHarmmed quer ver-lhe antes que o senhor parta.

    Faa-o entrar agora respondi.Harmmed era o mordomo. Quando entrou, me deiconta do quanto estava alterado, mesmo tratandode dominar-se. Imediatamente foi ao ponto:

    Que devo fazer, senhor? Necessitaremosprovises, mas acontece que os entregadores es-to em greve. E cortaram a eletricidade... Devem

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    estar em greve tambm. As lojas esto abertas? perguntei. Somente as pequenas, senhor. Os empre-

    gados do comrcio no trabalham e as grandes nopodem abrir; porm, os proprietrios e suas fam-lias esto pessoalmente nas pequenas.

    Ento, pegue o carro respondi , andee faa as compras. Compre em abundncia de tudoo que necessites ou possas necessitar. Compra umacaixa de velas..., ou melhor, compra meia dzia decaixas. E quando terminar, diz ao Harrison queme leve de automvel ao clube...antes das onze.

    Harmmed sacudiu a cabea com um gestopreocupado. Harrison est na greve junto com o sindi-

    cato de choferes, e eu no sei dirigir o veculo. V, v! Assim como ele tambm. Eh? Bem,

    quando Harrison aparecer por aqui outra vez, diga-lhe que v buscar trabalho em outro lugar. Sim, senhor. Voc no pertence por acaso ao sindicato

    de mordomos, hein, Harmmed?

    No, senhor

    foi sua resposta

    . Inclu-sive se pertencesse, eu no abandonaria o senhorem uma situao como esta. No, senhor, eu...

    Est bem, obrigado disse-lhe. Agorase prepare para acompanhar-me. Eu mesmo con-duzirei o automvel. Vamos abastecer-nos de uma

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    boa quantidade de provises para resistir ao cerco.Era 1. de maio e fazia um belo dia, mesmo

    sendo os dias de maio como so. O cu estavasem nuvens, no ventava e o ar era levementequente e perfumado. Havia muitos automveis narua, porm conduzidos por seus prprios donos.As ruas estavam cheias, ainda que tranqilas. A

    classe trabalhadora, com sua melhor roupa de do-mingo, havia sado a tomar ar e a observar os efei-tos da greve. Era tudo to incomum e, sem dvi-da, to pacfico que eu mesmo me sentia satisfei-to naquele ambiente. Sentia um ligeiro formiga-mento de emoo em meus nervos. Era uma es-pcie de plcida aventura. Cruzei com a senhoritaChickering, que ia ao volante de seu pequeno con-versvel. Ela deu a volta e veio atrs de mim, al-canando-me na esquina.

    Senhor Corf! - gritou-. Sabe onde posso

    encontrar velas? Estive em uma dzia de lojas,mas elas terminaram. terrvel, no lhe parece?Sem dvida, seus olhos brilhantes desmentiam

    suas palavras. Como o resto de ns, via-se queestava desfrutando enormemente. A busca das ve-

    las era toda uma aventura. At que cruzamos acidade e nos metemos no bairro operrio ao sul deMarket Street, no fomos capazes de encontrarnenhum pequeno armazm que no tivesse esgo-tado seus estoques. A senhorita Chickering pen-sou que uma caixa seria suficiente, porm eu a

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    persuadi para que comprasse quatro. Meu auto-mvel era grande, assim carreguei-o com uma d-

    zia de caixas. Era impossvel saber quanto tempotardaria em solucionar-se a greve. Assim mesmo,enchi o carro de sacos de farinha, levedura, potesde conservas e de todos os artigos de uso correnteque me sugeria Harmmed, quem se ocupava comas compras cacarejando como uma velha galinhainquieta.

    O mais extraordinrio daquele primeiro diade greve foi que ningum compreendeu realmentesua gravidade. Considerou-se ridculo o annciofeito na imprensa matinal pelas organizaes traba-lhistas, segundo o qual estavam dispostos a pararum ms ou trs meses. E sem dvida, naquele mes-mo primeiro dia podamos ter suspeitado sua ver-dade a partir do fato de que a classe trabalhadorano participou praticamente na precipitada corre-

    ria para comprar provises. Claro que no! Durantesemanas e meses, com dissimulao e em segredo,toda a classe operria havia estado armazenandosuas provises particulares. Esta era a razo pelaqual nos era permitido comprar at esgotar os esto-ques das pequenas lojas de seus bairros.

    At minha chegada ao clube naquela tarde,no tinha experimentado os primeiros sintomas dealarme. Reinava uma grande confuso; no haviaazeitonas para os aperitivos e o servio era extre-mamente deficiente. Os scios em sua maioria es-

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    tavam furiosos; e todos estavam preocupados. Umamultido de vozes me saudou quando entrei. No

    salo de fumantes, o general Folsom mexia suagrande pana em uma cadeira junto janela, en-quanto se defendia de meia dzia de alterados ca-valheiros que lhe pediam que fizesse algo.

    Que mais posso fazer alm do que tenho

    feito?

    dizia. No h ordens de Washington. Sevocs so capazes de conseguir-me comunicao,eu estou disposto a fazer o que me seja ordenado.Porm no vejo o que se possa fazer. A primeiracoisa que fiz esta manh ao inteirar-me da grevefoi chamar as tropas do Presdio: trs mil solda-dos. Esto vigiando os bancos, a casa da moeda,correios e todos os edifcios pblicos. No se temregistrado nenhuma desordem. Os grevistas guar-dam uma atitude absolutamente pacfica. No pre-tendero que mande disparar contra eles enquan-

    to passeiam pelas ruas com suas esposas e filhostodos endomingados! Gostaria de saber o que est se passando em

    Wall Street ouvi dizer Jimmy Wombold, ao passarjunto a ele. Podia imaginar perfeitamente sua preo-cupao porque sabia que estava metido at o pes-coo na grande transao do Consrcio Ocidental.

    Ol, Corf! disse Atkinson, abordando-me precipitadamente. Teu carro funciona?

    Sim respondi-lhe. Mas o que se passacom o seu?

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    Est estragado, e as oficinas esto todasfechadas. Minha esposa ficou bloqueada do outro

    lado da baa, creio que em algum lugar perto deTruckee. No pude comunicar-me com ela pormais que o tenha tentado. Deveria ter chegado estatarde. Pode ser que esteja morrendo de fome. Em-presta-me teu carro.

    No poders atravessar a baa

    inter-veio Halsted. As balsas no funcionam. Mas tedirei o que podes fazer. Ali est Rollinson..., hei,Rollinson, vem c um momento! Atkinson querpassar com um carro ao outro lado da baa. Suamulher est presa em Truckee. No poderia trazera Lurlette de Tiburon para transportar-lhe o carroao outro lado?

    A Lurlette era uma escuna de recreio oceni-ca de duzentas toneladas.

    Rollinson moveu negativamente a cabea: No conseguiria nenhum estivador parasubir o carro a bordo, ainda no caso de poder tra-

    zer a Lurlette a este lado, coisa que nem sequerposso, pois a tripulao pertence ao Sindicato Li-toral Marinheiro e esto em greve como os demais.

    Mas minha esposa pode estar morrendode fome -pude ouvir lamentar-se Atkinson enquan-to eu continuava meu caminho. No outro extremodo salo de fumantes topei com um grupo de s-cios furiosos e acalorados em torno de BertieMessener. E Bertie os estava provocando e cutu-

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    cando-os com seu cnico e desapaixonado estilo.A Bertie no preocupava a greve; a ele, na realida-

    de, nada preocupava muito. Tudo lhe era igual...,ao menos todas as coisas agradveis da vida; por-que as desagradveis no lhe atraam. Sua fortunase estimava em vinte milhes, toda em investi-mentos seguros, e jamais em sua vida havia feitonada de produtivo, pois tinha herdado tudo de seupai e dos tios. Tinha estado em todos os lugares,tinha visto tudo o que se pode ver e havia feitotudo exceto casar-se, e este ltimo apesar dos reso-lutos e obstinados ataques de centenas de ambicio-sas mes. Durante anos, havia sido a pea mais co-biada; porm at o momento, tinha se esquivadoda armadilha. Era um partido escandalosamentedesejvel. Alm de sua fortuna, era jovem e bonito,e, como disse antes, decente. Era um grande atleta,um jovem deus ruivo, capaz de realizar qualquer

    coisa com perfeio, salvo o matrimnio. E tudolhe deixava indiferente. Carecia de ambies, pai-xes ou desejos de levar a cabo inclusive o que elepodia fazer melhor que ningum.

    Isto uma sedio! gritava um homemdo grupo. Outro o qualificava de rebelio e revolu-o, enquanto um terceiro o chamava de anarquia.

    Pois eu no vejo assim disse Bertie.Estive andando toda a manh pelas ruas. Reina amais perfeita ordem. Jamais vi uma plebe mais res-peitosa com a lei. De nada serve insult-la. No

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    nada do que esto dizendo. simplesmente o quepretende ser: uma greve geral. E agora, senhores,

    cabe a vocs participar. E ns vamos participar ento! excla-

    mou Garfield, um dos milionrios da indstria detratores. Vamos ensinar a essas bestas sujas o lu-gar que lhes corresponde! Espere que o governo

    tome p da situao. Mas onde est o governo? interrompeu

    Bertie. Ele bem podia estar no fundo do mar, noque diz respeito a vocs. No sabem o que estocorrendo em Washington. No sabem sequer seexiste governo ou no.

    No te preocupes por isso! saltouGarfield.

    Te asseguro que no estou preocupadorespondeu Bertie com languidez . Porm temoque vocs sim esto. Olhe-se no espelho, Garfield.

    Garfield no obedeceu; mas, se o tivesse fei-to, teria podido contemplar um cavalheiro extre-mamente alterado, com o cabelo gris revolto, o ros-to inflamado, a boca taciturna e rancorosa e nosolhos um brilho ameaador.

    Digo-lhes que no est certo disse opequeno Hanover; e a julgar pelo tom, pensei queo tinha repetido j vrias vezes.

    Agora voc est indo longe demais,Hanover replicou Bertie. Rapazes, vocs me

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    cansam. Esto todos pela contratao de traba-lhadores no sindicalizados. Enjoam-me com esse

    sermo constante sobre a liberdade comercial e odireito ao trabalho. Levam anos com a mesmamsica. O operariado no est fazendo nada demal ao declarar esta greve geral. No infringe ne-nhuma lei divina nem humana. No diga nada,Hanover. H muito tempo voc vem predicandoo direito divino a trabalhar... ou a no trabalhar;assim voc no pode escapar ao corolrio. Tudoisto no mais que uma pequena briga suja e sr-dida. Sempre tiveram o operariado por baixo, e opisotearam; e agora que eles os tm a vocs e os

    pisoteiam, comeam a chiar.Todo o grupo irrompeu em indignados pro-testos de que alguma vez se tivesse oprimido aooperariado.

    No, senhor! gritava Garfield. Temos

    feito tudo pelo operariado. Longe de oprimir-lhe,temos dado a oportunidade de viver. Temos cria-do trabalho para ele. Como estaria agora se nofosse por ns?

    Muito melhor, sem comparao expli-cou Bertie, zombando. Vocs o tm humilhado episoteado a cada oportunidade, e at criam as oca-sies para isso.

    No, no! responderam em coro. Aqui mesmo, em So Francisco, ocorreu a

    greve de caminhoneiros continuou Bertie,

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    imperturbvel. A Associao Patronal foi a queiniciou aquela greve. Vocs sabem perfeitamente.

    E tambm sabem que eu o sei, porque aqui mes-mo ouvi conversas e informaes confidenciaissobre o conflito. Primeiro vocs provocaram a gre-ve e logo contrataram o prefeito e o chefe de pol-cia para que acabassem com ela. Um bonitoespetculo, vocs to filantropos, dando uma ras-teira nos caminhoneiros e pisando-lhes em cima.

    Um momento! Ainda no acabei. Foi ain-da no ano passado, a candidatura operria deColorado elegeu um governador que nunca che-gou a tomar posse. Vocs sabem porque. A ma-neira como o resolveram seus irmos filantropose capitalistas de Colorado. Foi mais um caso deenganar ao operariado e pisotear-lhe. E o presi-dente da Unio de Associaes Mineiras do Sudo-este, vocs o mantiveram trs anos no crcere va-

    lendo-se de falsas acusaes de assassinato, e umavez sado de cena, aproveitaram para desfazer aUnio. Reconheceriam que isso se chama oprimirao operariado. A terceira vez que se declarouinconstitucional o impulso gradual foi um ato deopresso. E o mesmo com o projeto de lei de oitohoras que rejeitaram no ltimo congresso.

    Porm de todos os contnuos atos de opres-so imoral o da destruio do princpio de acordopatronal-sindicato foi o cmulo. Sabem perfeita-mente como se fez. Vocs compraram Farburg, o

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    ltimo presidente da American Federation of Labour .Ele era o homem de vocs..., ou o homem dos

    monoplios e patronais, que d no mesmo. Apro-varam a greve sobre o grande acordo patronal-sin-dicato. Farburg traiu essa greve e vocs ganharam,com o que a velha American Federation of Labour sedesmoronou. Vocs a destruram, rapazes; porm,ao faz-lo, buscaram sua prpria runa, porquesobre seus escombros se constituiu a I.L.W., amaior e mais slida organizao operria que ja-mais se viu nos Estados Unidos. E vocs so osresponsveis de sua existncia e desta greve geralde agora. Destroaram as velhas federaes e em-

    purraram o operariado I.L.W., e agora estconvocada a greve geral, tratando, todavia de ob-ter o acordo patronal-sindicato. E vocs ainda tmo cinismo de dizer-me cara a cara que nunca hu-milharam nem oprimiram ao operariado. Arrh.

    Desta vez no houve protestos. Garfield pror-rompeu em um tom de auto-defesa: No temos feito nada que no nos vsse-

    mos obrigados a fazer, se queramos ganhar. A respeito disso, eu no digo nada res-

    pondeu Bertie. O que me incomoda que estose queixando agora porque eles os tm feito pro-var de seu prprio remdio. Quantas greves vocsganharam rendendo o operariado pela fome? Bem,os trabalhadores idealizaram um plano para ren-der a vocs da mesma maneira. Querem a con-

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    veno, e se podem obt-la fazendo-lhes passarfome, deixaram-lhes sem comida.

    Pois voc tambm tem aproveitado des-ses atos de opresso de que est falando -insinuouBrentwood, um dos advogados mais astutos entrens. O receptador to culpado quanto o ladro comentou, zombando. No participa na opres-

    so, porm bem se aproveita dela. A questo no essa, Brentwood -respon-

    deu Bertie. Voc comete o mesmo erro queHanover ao introduzir o elemento moral. Eu nodisse que se trata de algo bom ou mal. Disse que um jogo lamentvel, e minha nica objeo aque se ponham a chiar agora que esto por baixo eos esto pisando. claro que tenho tirado provei-to da opresso e, graas a vocs, sem ter sequerque sujar as mos. Vocs tm feito isso por mim...Podem crer-me, no porque eu seja mais virtuoso

    que vocs, seno porque meu bom pai e seus ir-mos me deixaram um monte de dinheiro com oque pagar o trabalho sujo.

    Se pretende insinuar... -comeou a dizerBrentwood vivamente.

    Um momento, no fique to ofendido interrompeu-lhe Bertie com insolncia. De nadaserve fazer-se hipcrita neste covil de ladres. Aspalavras grandiloquentes so boas para os jornais,as associaes juvenis e as catequeses: isso fazparte do jogo. Porm, pelo amor de Deus, que aqui

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    todos nos conhecemos. Voc sabe to bem quan-to eu as falcatruas que se fizeram na greve da cons-

    truo no outono passado: quem ps o dinheiro,quem fez o trabalho e quem se aproveitou dele -Brentwood enrubesceu de ira. Porm aqui estamostodos metidos na mesma merda, e o melhor quepodemos fazer deixarmos de moralismos. Insisto:h que se jogar a partida, jog-la at o final; porm,por favor, no chorem quando esto a perder.

    Quando abandonei o grupo, Bertie haviacomeado um novo argumento, atormentando-lhesagora com os aspectos mais srios da situao, as-sinalando a escassez de suprimentos que est co-meando a deixar-se sentir e perguntando-lhes oque pensavam fazer para remedi-lo. Pouco maistarde encontrei-o no vestbulo e o levei para casaem meu carro.

    Tem sido um bom golpe esta greve geral -

    disse enquanto rodvamos entre a ordeira genteque enchia as ruas. Tem sido um golpe de mestre.O operariado nos encontrou cochilando e nos pe-gou pelo lado mais frgil: o estmago. Vou-me em-bora de San Francisco, Corf. Segue meu conselho evai tambm. Vai para o campo, ou a qualquer lugar.Ali haver mais possibilidades. Faz uma boa provi-so de vveres e vai para uma cabana, ou com umabarraca de acampamento a qualquer lugar. Nestacidade as pessoas como ns logo passaro fome.

    Nunca imaginei quanta razo tinha Bertie

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    Messener. Eu decidi que ele era um alarmista. Deminha parte, estava disposto a ficar para ver a fes-

    ta. Depois de deix-lo, em vez de ir diretamentepara casa continuei em busca de mais alimentos.Com grande surpresa, me dei conta de que as pe-quenas lojas onde havia comprado pela manh ti-nham esgotado seus estoques. Estendi minha buscaat o Potrero, e ali tive a sorte de encontrar outracaixa de velas, dois sacos de farinha de trigo, dezlibras de farinha de trigo integral (que serviriampara a criadagem), uma caixa de latas de milho eduas de tomates enlatados. Parecia que amos atra-vessar uma temporada de escassez de vveres, eme felicitei pela importante proviso deles quehavia conseguido.

    Na manh seguinte, tomei o caf na camacomo de costume, e, mais que o leite, notei a faltado jornal. A falta de informao sobre o que esta-

    va ocorrendo no mundo era o mais difcil paramim. No clube poucas notcias havia. Rider haviaconseguido atravessar desde Oakland em sua em-barcao, e Halsted tinha chegado at San Jos eregressado em seu automvel. Foram eles que in-formaram de que naqueles lugares as condieseram as mesmas que em San Francisco. Tudo es-tava paralisado pela greve. As classes abastadashaviam esgotado os estoques dos armazns. E rei-nava uma ordem perfeita. Porm o que estava su-cedendo no resto do pas? Em Chicago? Nova

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    York? Washington? O mais provvel era que ocor-resse o mesmo que aqui: essa era nossa conclu-

    so; porm o fato de no sab-lo com absolutacerteza resultava irritante.O general Folsom tinha algumas notcias.

    Havia tentado utilizar telegrafistas do exrcito nasoficinas de telgrafo, porm haviam cortado os ca-

    bos em todas as direes. Aquele era, at aqueladata, o nico ato ilegal cometido pelos trabalha-dores, e o general estava completamente conven-cido de que se tratava de uma ao acordada deantemo. Havia se colocado em contato por rdiocom a guarnio de Benicia, j que os soldadospatrulhavam ali por todo lado as linhas telegrfi-cas at Sacramento. Em uma ocasio, durante uminstante, receberam a chamada de Sacramento,porm os cabos, em algum lugar, haviam sido cor-tados de novo. O general pensava que, em todo o

    continente, estavam sendo empreendidas tentati-vas similares de estabelecer as comunicaes porparte das autoridades, porm mostrou-se evasivoquanto possibilidade de que dessem frutos essastentativas. O que lhe preocupava era o corte doscabos, pois isso lhe fazia pensar que se tratava deuma parte importante da profunda conspiraooperria. Assim mesmo lamentava que o governono houvesse estabelecido h mais tempo a proje-tada rede de estaes de rdio.

    Passaram os dias e por algum tempo reinou a

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    rotina. No ocorria nada. A chama do interesseparecia haver-se apagado. As ruas j no estavam

    to animadas. A classe trabalhadora havia deixa-do de vir ao centro da cidade para ver como en-frentvamos a greve. E tampouco circulavam tan-tos automveis. As oficinas mecnicas e as gara-gens estavam fechadas, de maneira que, quando

    se avariava um carro, ficava completamente inuti-lizado. A embreagem do meu se estropiou e nopude conseguir que me consertassem por nenhummeio. Agora, como os demais, tinha que caminhar.San Francisco estava morta, e ignorvamos o queestava se sucedendo no resto do pas. Noobstante, a partir do fato mesmo de nossa igno-rncia, podamos concluir que tudo estava tomorto como aqui. De quando em quando, a cida-de aparecia cheia de cartazes com as declaraesdas organizaes operrias, cartazes impressos com

    meses de antecipao que evidenciavam a meti-culosidade com que a I.L.W. havia preparado agreve. Todos os detalhes haviam sido previstos deantemo. No havia ocorrido nenhuma violncia,com a exceo dos disparos efetuados pelos sol-dados contra uns indivduos que cortavam cabos;mas as pessoas dos bairros pobres estavam pas-sando fome, e sua situao pressagiava tumultos.

    Os homens de negcios, os milionrios e aclasse profissional convocavam assemblias eapresentavam propostas, porm no havia manei-

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    ra de faz-las pblicas. Nem sequer podiam impri-mi-las. Um dos resultados destas assemblias, no

    obstante, foi o de persuadir ao general Folsom paraque o exrcito ocupasse todos os armazns e de-psitos de farinha, gros e vveres. J no era semtempo, o padecimento estava se fazendo sentir nascasas dos ricos, e as filas do po se faziam neces-srias. Sei que meus criados comeavam a andaracabrunhados, e eram surpreendentes os estragosque faziam em minhas reservas de alimentos. Defato, como deduzi posteriormente, cada um dosserviais se dedicava a roubar-me para acumularem segredo seu prprio estoque de provises.

    Porm com a criao de filas de po vieramnovos conflitos. A reserva de alimentos em SanFrancisco era limitada e, no melhor dos casos, nopodia durar muito. Sabamos que as organizaesoperrias tinham seus prprios suprimentos; no en-

    tanto, todos os operrios se puseram s filas. Des-te modo, as provises que o general Folsom haviaexpropriado diminuram com perigosa rapidez.Como iam distinguir os soldados entre um modes-to indivduo de classe mdia, um membro da

    I.L.W. ou algum dos bairros pobres? Tanto os pri-meiros como os ltimos tinham que ser alimenta-dos; porm os soldados no conheciam todos oshomens da sindical, e muito menos as esposas efilhos e filhas destes. Com a colaborao dos pa-tres, alguns sindicalistas foram retirados das fi-

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    las; porm isso e nada era a mesma coisa. Parapiorar, as lanchas governamentais que haviam es-

    tado carregando alimentos dos depsitos do exr-cito na Ilha Mare at a Ilha Angel, deram-se contade que j no havia nada que transportar. Desdeento, os soldados recebiam suas raes de provi-ses confiscadas, e eram eles quem as recebiamem primeiro lugar.

    O princpio do fim j estava vista. A vio-lncia comeava a mostrar seu terrvel semblante.A lei e a ordem comeavam a desaparecer; e desa-pareciam precisamente entre os mais pobres e asclasses abastadas. Os operrios organizados con-tinuavam guardando a mais perfeita ordem. Ver-dade que tinham meios para isso, pois tinhamcomida em abundncia. Recordo a tarde em quesurpreendi Halsted e Brentwood cochichando emum canto do clube. Aceitaram minha participao

    na aventura. O carro de Brentwood, todavia fun-cionava, e tinham a inteno de ir roubar gado.Halsted tinha um cutelo de aougueiro e um ma-chado. Samos da cidade. Aqui e ali se viam vacaspastando, porm sempre guardadas por seus do-nos. Continuamos nossa busca, circundando a ci-dade at o leste, e nas colinas prximas Ponta doCaador encontramos uma vaca vigiada por umagarotinha. Junto vaca havia tambm um bezer-ro. No perdemos tempo em contemplaes. Amenina escapou correndo enquanto ns matva-

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    mos a vaca. Omito os detalhes por no serem es-tes muito agradveis. No estvamos habituados

    a tais afazeres e fizemos um trabalho lastimoso.Mas quando estvamos no meio dele, com a

    pressa do medo, ouvimos gritos e vimos vir cor-rendo em direo a ns um grupo de homens.Abandonando o butim, pusemos os ps em

    polvorosa. Com grande surpresa de nossa parte,no nos perseguiram; porm ao olhar para trs vi-mos como os homens despedaavam o animal. Seuobjetivo era o mesmo que o nosso. Decidimos quehavia bastante para todos e voltamos correndo. Acena que seguiu foi indescritvel. Na diviso, dis-putamos e brigamos como selvagens. Recordo queBrentwood se comportou como uma perfeita bes-ta, rugindo, mostrando os dentes e ameaandomatar algum se no levssemos nossa parte.

    E quando estvamos a ponto de consegui-la,

    uma nova interveno teve lugar na cena. Destavez se tratava do temido servio de ordem daI.L.W. A garotinha lhes havia trazido. Vinham ar-mados de cordas e paus, e eram uns vinte. A garo-ta dava saltos de fria e, com lgrimas rolandopelas faces, gritava:

    Mostre a eles! Mostre a eles! Esse de cu-los, foi ele! Parte-lhe a cara!

    O dos culos era eu, e me partiram a cara,por certo, ainda que tivesse a serenidade suficien-te para retirar antes os culos. Caramba! A verda-

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    de que nos deram uma boa surra enquanto corr-amos em debandada.. Brentwood, Halsted e eu

    corremos em direo ao carro. Brentwood sangra-va pelo nariz, enquanto Halsted mostrava em seurosto um corte escarlate provocado por uma tre-menda chicotada.

    E, assim que terminada a perseguio e quan-

    do havamos j alcanado o carro, encontramos oassustado bezerro escondido detrs dele.Brentwood nos pediu que vigissemos com cui-dado e, como um lobo a um tigre, se acercou sigi-losamente do animal. Havamos perdido o cuteloe o machado, porm a Brentwood lhe restavamainda as mos, e rodou vrias vezes pelo solo abra-ado ao pobre bezerrinho enquanto o estrangula-va. Arremessamos o animal morto dentro do car-ro, cobrimos com um casaco e iniciamos o regres-so. No entanto, nossas desgraas no haviam feitomais que comear. Arrebentou-nos um pneu. Nohavia maneira de consert-lo e a noite se lanavasobre ns. Abandonamos o veculo. Brentwood ca-minhava na frente ofegante e cambaleando-se como bezerro carregado nos ombros, coberto com ocasaco. Nos revezvamos para levar o animal, o

    qual esteve a ponto de acabar conosco. Logo nosperdemos. E, finalmente, depois de andar semrumo, esgotados, topamos com um bando dedesordeiros. No eram da I.L.W., e suponho queestavam to famintos quanto ns. De todo modo,eles levaram o bezerro e ns ficamos com a surra.

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    O resto do caminho, Brentwood veio zangando-se feito um louco furioso, coisa que ademais pare-

    cia, por suas roupas destroadas, seu nariz incha-do e os olhos arroxeados.Depois daquilo, acabaram-se os roubos de

    gado. O general Folsom mandou confiscar todo ogado a seus soldados, e estes, ajudados pela mil-

    cia nacional, comeram a maior parte da carne. Noentanto a culpa no era do general. Seu dever eramanter a lei e a ordem, e como os mantinha pormeio dos soldados, estava obrigado a alimentar-lhes em primeiro lugar.

    Foi quando se produziu o grande pnico. Osricos empreenderam a fuga; logo, os habitantes dosbairros pobres se contagiaram e fugiram enlouque-cidos da cidade. O general Folsom estava satisfei-to. Calculava-se que pelo menos duzentas mil al-mas haviam abandonado San Francisco, e nestamesma proporo se havia resolvido o problemade aliment-los. Ainda recordo aquele dia. Pelamanh tinha comido um resto de po. Havia pas-sado metade da tarde de p na fila do po, e re-gressado para casa de noite cansado e abatido, le-

    vando pouco mais de um quilo de arroz e um pe-dao de bacon. Brown me recebeu na porta comgesto cansado e assustado. Informou-me que to-dos os empregados haviam fugido. S ele haviaficado. Senti-me comovido por sua fidelidade, equando me dei conta de que no havia comido

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    nada o dia todo, compartilhei com ele minhas pro-vises. Comemos a metade do arroz e a metade

    do bacon, dividindo-o em partes iguais e reservan-do a outra metade para o dia seguinte. Fui paracama com fome e no pude conciliar o sono du-rante toda a noite. Pela manh descobri que Brownme havia abandonado e, para maior desgraa, mehavia roubado o que restava do arroz e do bacon.

    O punhado de scios que se reuniu quelamanh no clube apresentava um aspecto abatido.No havia rastro dos serviais. Todos os empre-gados haviam desaparecido. Pude observar tam-bm que a prataria havia desaparecido, e fiqueisabendo para onde tinha ido. E no foram os em-pregados que a levaram, pela simples razo, supo-nho, de que os prprios scios do clube haviam seantecipado. A maneira de utiliz-lo era simples.Ao sul da rua do Mercado, nas residncias dos

    I.L.W., as donas de casa haviam fornecido comidaem abundncia em troca dele. Voltei para casa.Efetivamente, toda a prataria havia desaparecidoexceto um pesado jarro. Embrulhei-o e me dirigicom ele ao sul do Mercado.

    Depois da comida me senti melhor e regres-sei ao clube para inteirar-me se tinha havido algu-ma mudana. Hanover, Collins e Dakon caminha-vam naquele momento. No restava nada dentro,me disseram, e me convidaram a unir-me a eles.Propunham-se a abandonar a cidade utilizando os

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    cavalos de Dakon, e havia um para mim. Dakonpossua quatro formosos cavalos de carruagem que

    queria salvar, pois o general Folsom lhe haviacontado que na manh seguinte seriam confisca-dos os cavalos que restavam na cidade para servi-rem de alimento. No restavam j muitos porquehaviam soltado milhares e milhares deles pelo cam-po quando o feno e a cevada se acabaram nos pri-meiros dias. Recordo que Birdall, que tinha umnegcio de transportes, soltou trezentos cavalos.A uma mdia de quinhentos dlares cada um, acifra havia alcanado os 150.000 dlares. A prin-cpio manteve a esperana de recuperar a maioria

    quando acabasse a greve, porm ao final no re-cuperou nem um. Foram todos comidos pelas pes-soas que fugiram de San Francisco. Neste sentido,os cavalos e mulas do exrcito j haviam comea-do a ser sacrificados para servir de alimento.

    Por sorte para Dakon, ele tinha armazenadoem seu estbulo feno e cevada em abundncia.Conseguimos quatro selas de montar e encontra-mos os animais em excelentes condies, aindaque no habituados montaria. Enquanto caval-gvamos pelas ruas me recordei do Grande

    Terremoto de San Francisco; porm o aspecto des-ta San Francisco era muito mais lamentvel. Istono havia sido causado por nenhum cataclismonatural, seno pela tirania das associaes oper-rias. Descemos pela Union Square e passamos pe-las zonas de teatros, hotis e comrcios. As ruas

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    estavam desertas. Aqui e ali se viam automveis,abandonados no mesmo lugar onde tinham se ava-

    riado ou onde se lhes havia acabado a gasolina.No se observavam sinais de vida, salvo por al-gum policial ou grupos de soldados que vigiavamos bancos e prdios pblicos. Em uma ocasio nosencontramos com um operrio da I.L.W. dele pe-gando o ltimo panfleto, e nos detivemos a l-lo.Dizia assim:

    Temos mantido uma grevedisciplinada e manteremos

    a ordem at o final.O final chegar quandose satisfaam nossasreivindicaes, e nossasreivindicaes serosatisfeitas quando tenhamosrendido pela fome anossos patres, do mesmomodo que nos renderam ans muitas vezes no passado.

    -As mesmas palavras de Messener -disseCollins. Eu, por mim, estou disposto a render-mecontanto que me dem a oportunidade. Faz umsculo que no como uma comida decente. E mepergunto qual ser o gosto da carne de cavalo.

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    Nos detivemos a ler outro panfleto: Quando acreditarmos que ospatres estejam dispostosa render-se, abriremos ostelgrafos e poremos emcomunicao as associaespatronais do pas. Porm unicamente

    se lhes permitir enviar mensagensrelativas s condies de paz.

    Continuando nosso caminho, atravessamos arua do Mercado e, pouco mais tarde, cruzvamosos bairros operrios. Aqui as ruas no estavam de-sertas. Apoiados nos portes ou em grupos esta-vam os operrios da I. L. W. Meninos bem alimen-tados e contentes se entretinham com seus jogos,enquanto robustas comadres tagarelavam senta-das s portas. Todos sem exceo nos olhavambrincalhes. Alguns garotos, correndo atrs denossos cavalos, gritavam:

    Ei, amigo! No tens fome? Diga, gordinho, te dou uma comida estu-

    penda em troca de seu cavalo: presunto, batatas,gelatina de framboesa, manteiga de lata e dois co-pos de caf.

    Te ds conta - me comentou Hanoverde que nos ltimos dias no se v nem um cachor-ro perdido pelas ruas?

    Eu havia notado, porm no pensei nisso

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    antes. J era hora de abandonar a infortunada ci-dade. Finalmente pudemos alcanar a estrada de

    San Bruno, pela qual nos dirigimos at o sul. Nos-sa meta era minha casa de campo perto de Menlo.Porm em seguida comeamos a descobrir que ocampo estava pior e era muito mais perigoso quea cidade. Nesta, os soldados e a I. L. W. guarda-vam a ordem; no campo, ao contrrio, reinava aanarquia. Duzentas mil pessoas haviam fugido deSan Francisco em direo ao sul, e ante os olhostnhamos incontveis provas de que sua fuga teveo efeito de uma praga de gafanhotos. Tinham var-rido tudo por sua passagem. Houvera pilhagem e

    violncia. Aqui e ali se viam cadveres na beira daestrada, e runas enegrecidas das granjasincendiadas. Os muros haviam sido derrubados eas colheitas pisoteadas pela multido. As hordasfamintas haviam arrancado toda a vegetao dashortas. Todos os frangos e animais das fazendashaviam sido sacrificados. E o mesmo se podia di-zer de todas as estradas principais que partiam deSan Francisco. Em alguns locais distantes da es-trada, os granjeiros haviam se defendido comescopetas e revlveres, e ainda se mantinham vi-

    gilantes. Advertiram-nos que no nos aproxims-semos e se negaram a falar conosco. Todos os atosde violncia e pilhagem haviam sido cometidospelos habitantes dos bairros mais pobres e pelasclasses altas. Os membros da I. L. W., com abun-dncia de vveres, estavam tranqilamente em suas

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    casas da cidade.Naquela manh tivemos provas concretas do

    desespero da situao. nossa direita ouvimos gri-tos e disparos de rifle. Algumas balas passaramsilvando perigosamente prximas de ns. Ouviu-se um rudo no pasto; em seguida, um magnficocavalo negro de carruagem atravessou a estrada

    diante de ns e desapareceu. Apenas nos deu tempode observar que estava manco e ensangentado.Trs soldados iam atrs dele, e a perseguio con-tinuou entre as rvores da esquerda. Podamosouvir os trs soldados chamando-se uns aos ou-tros. Um quarto soldado surgiu coxeando pela di-reita da estrada, sentou-se em uma pedra e enxu-gou o suor da cara.

    Milcia, sussurrou Dakon. Desertores. Ohomem nos dirigiu um sorriso e nos pediu fogo.Quando Dakon perguntou-lhe o que se passava,

    nos informou que a milcia estava desertando. Acabou-se a comida explicou-nos. Estodando-a toda aos regulares.

    Por ele fomos informados tambm de que osprisioneiros militares da ilha de Alcatraz haviamsido postos em liberdade porque j no podiamalimentar-lhes.

    Nunca esquecerei o espetculo que vimos emseguida. Deparamo-nos com ele abruptamente,atrs de uma curva da estrada. As rvores forma-vam uma abbada nas copas, e o sol se filtrava

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    entre suas ramas. As borboletas revoavam ao re-dor, e dos campos chegava o canto das cotovias.

    Ali no meio havia um potente automvel. E tantodentro como a seu redor jaziam vrios cadveres.A explicao era evidente. Em sua fuga da cida-de, os ocupantes haviam sido atacados e saquea-dos por um bando de criminosos dos bairros po-bres. O fato havia ocorrido no fazia nem vinte equatro horas. Latas de carne e de frutas recm aber-tas explicavam a razo do ataque. Dakon exami-nou os corpos.

    Eu o imaginava nos informou. Conhe-o o carro. Era Pariton... Toda a famlia. Teremosque andar com cuidado de agora em diante.-Porm, ns no temos comida que lhes incite aatacar-nos -objetei eu.

    Dakon apontou minha montaria e compre-endi. Pela manh, o cavalo de Dakon havia perdi-do uma ferradura. O delicado casco se havia aber-to e, ao meio dia, o animal mancava. Dakon noqueria seguir montando-o nem tampoucoabandon-lo. Ento, a pedido seu, ns continua-mos. Ele levaria o cavalo pelas rdeas e se reuni-

    ria conosco em minha casa. Foi a ltima vez que ovimos, e nunca soubemos seu fim. uma hora chegamos ao povoado de Menlo,

    ou melhor, ao que havia sido Menlo, j que estavaem runas. Os cadveres jaziam por toda parte. Azona comercial assim como as residenciais tinham

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    sido totalmente arrasadas pelo fogo. Aqui e ali al-guma residncia resistia, porm no havia manei-

    ra de aproximar-se delas. Quando nos aproxim-vamos demais, disparavam contra ns. Encontra-mos uma mulher remexendo entre as runas fume-gantes de sua casinha. Primeiro haviam assaltadoos armazns, nos contou; e enquanto falava, po-damos imaginar aquela faminta turba, selvagem eenlouquecida, atirar-se sobre o punhado de habi-tantes do povoado. Ricos e pobres tinham lutadolado a lado pela comida, e logo uns contra outrosquando a tinham conseguido. Informamo-nos deque o povoado de Palo Alto e a Universidade deStanford tinham sido saqueados de modo similar.Diante de ns se estendia uma desolada terra de-vastada, e achamos prudente tomar um desvio atminha casa. Esta se achava a trs milhas a oeste,escondida entre as primeiras elevaes ao p das

    montanhas.No entanto, conforme avanvamos, vimosque a devastao no se limitava s principais ro-tas. A vanguarda da fuga tinha seguido pelas es-tradas, saqueando em sua passagem os pequenospovoados, enquanto que os que vinham atrs setinham dispersado e varrido toda a campina comouma gigantesca vassoura. Minha casa eraconstruda com concreto, alvenaria e telhas, e porisso tinha se livrado do fogo, ainda que o interiorestivesse completamente destrudo. Achamos o

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    cadver do jardineiro no moinho de vento, rodea-do de cartuchos vazios de escopeta. Havia se de-

    fendido com bravura. Porm no vimos rastro al-gum dos dois trabalhadores italianos nem da ca-seira e seu marido. No restava animal nenhum vivo.Terneiros, potros, aves de granja e os puro-sangue,tudo tinha desaparecido. A cozinha e a lareira ondea turba havia cozinhado era uma runa, tanto assimque os abundantes restos de fogueiras na parte defora testemunhavam a grande quantidade de genteque tinha comido e passado ali noite. E o que notinham consumido, o haviam levado consigo. Norestava nem um s bocado para ns.

    Passamos o resto da noite esperando em vopor Dakon, e pela manh com nossos revlvereslutamos com meia dzia de saqueadores. Logosacrificamos um dos cavalos, guardando para ofuturo a carne restante. Pela tarde, Collins saiu adar um passeio e no regressou. Isto foi demaispara Hanover. Estava decidido a fugir imediata-mente e a duras penas pude convencer-lhe de queesperasse at o amanhecer. De minha parte, con-vencido de que o fim da greve estava prximo,resolvi regressar a San Francisco. Assim, na ma-

    nh seguinte nos separamos e, enquanto Hanoverse dirigia ao sul com cinqenta libras de carneatadas sobre sua montaria, eu, com uma cargasimilar, me dirigi para o norte. O pequenoHanover logrou sair inclume, e at o fim de seusdias sei que continuar aborrecendo a todo o

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    mundo com o relato de suas peripcias.Quanto a mim, voltando estrada principal,

    consegui chegar at Belmont, onde trs milicianosme roubaram a carne que levava. A situao nohavia mudado, me disseram, alis, ia de mal a pior.Os da I.L.W., no entanto tinham escondidas provi-ses suficientes para resistir meses. Quando conse-

    gui alcanar Baden, um grupo de doze homens meroubou o cavalo. Dois deles eram policiais de SanFrancisco e os demais eram soldados regulares. Istoera um mau sinal. A situao devia ser extremadapara que os regulares comeassem a desertar. Notinha feito mais que retomar meu caminho a p,quando j tinham eles uma fogueira acesa e o lti-mo dos cavalos de Dakon jazia no solo morto.

    Quis o destino que eu torcesse um tornozeloe s consegui alcanar a zona sul de San Francis-co. Ali passei a noite, em uma varanda, tiritandode frio e ardendo de febre ao mesmo tempo. Doisdias passei estendido naquele lugar, demasiado en-fermo para mover-me, e ao terceiro, mareado ecambaleante, valendo-me de uma muleta impro-visada, me dirigi com passo vacilante at San Fran-

    cisco. Estava debilitado tambm, pois fazia j trsdias que no comia nada. Foi um dia de tormentoe pesadelo. Como em um sonho, cruzei com cen-tenas de soldados regulares que marchavam semrumo em direo contrria, e muitos policiais comsuas famlias, organizados em caravanas para pro-

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    teger-se mutuamente.Ao entrar na cidade, recordei a casa do ope-

    rrio na qual havia trocado o jarro de prata, e na-quela direo me guiou a fome. Estava escurecen-do quando cheguei ao local. Dei a volta pelo becoe, ao subir de gatinhas os degraus da porta de trs,desabei. Com a ajuda da muleta consegui dar umapancada na porta. Devo ter desmaiado, porquevoltei a mim na cozinha. Tinha a cara molhada degua e um trago de whisky corria por minha gar-ganta. Engasguei-me e balbuciei tentando falar.Comecei a dizer algo a respeito de que no merestavam jarros de prata, porm que lhes pagaria

    depois se me dessem algo de comer. A dona dacasa me interrompeu: Mas homem de Deus! exclamou . No

    est sabendo? A greve terminou esta tarde. Claroque lhe darei algo de comer. E se ps a abrir apres-sadamente uma lata de bacon e a frit-lo.

    D-me um pouco para com-lo agora supliquei; e enquanto comia a carne crua so-bre uma fatia de po, o marido me explicou quetinham sido aceitas as reivindicaes da I.L.W.Haviam sido abertos os telgrafos pouco depois

    do meio-dia, e as associaes patronais tinhamse rendido em todo o pas. Ainda que no res-tasse nenhum patro em San Francisco, o gene-ral Folsom havia falado por eles. Os trens e bar-cos comeariam a funcionar pela manh, e omesmo ocorreria com tudo o mais to logo se

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    pudesse restabelecer-se a rede.E assim acabou a greve geral. No quero vol-

    tar a ver nunca outra. Foi pior que uma guerra. Agreve geral algo cruel e imoral, e a mente huma-na deveria ser capaz de operar a indstria de umamaneira mais racional. Harrison continua sendomeu motorista. Uma das condies da I.L.W. foi

    que todos seus filiados fossem reintegrados a seusantigos empregos. Brown nunca voltou, porm orestante dos empregados continua comigo. Notive a coragem de despedi-los. Todos se inscreve-ram na I.L.W. A tirania das organizaes operriasest se convertendo em algo humanamente insu-portvel. H que se fazer algo.

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    Deixa-me ver a face da verdade.Dize-me como a face da verdade

    Jack London

    Da cadeia at as Ilhas do Pacfico, da bibliotecade Oakland at a guerra russo-japonesa passandopelo gelo do Alasca e pelas lutas operrias em Lon-dres, Jack London viu com seus prprios olhos ascontradies de seu mundo e de sua poca. Com apalavra em toda fria, com a vida transbordandode seus livros, London mudou o ritmo da literaturafazendo da realidade a fantasia de sua obra.

    Sua fico carrega todo tipo de experinciaextremada que seus caminhos lhe proporcionaram.

    A VENTURA , SUBMUNDO ,PAIXO E LUTA DE CLASSES : A VIDA DE J ACK LONDON

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    Sua existncia atribulada lhe permitiu que sua li-teratura concisa e direta nos trouxesse histrias

    vigorosas, em que o fio condutor a luta pela so-brevivncia, as diferenas sociais e o desesperoda vida na sociedade capitalista.

    Nasceu num bairro operrio de San Francis-co, Califrnia, em 12 de fevereiro de 1876. O

    ambiente era cru, spero e rude, como descrevesua infncia no primeiro pargrafo do conto auto-biogrfico O que a vida significa pra mim. Ecompleta, no final do primeiro pargrafo desseconto, Por aqui o corpo e o esprito andavam fa-mintos e atormentados. Apaixonou-se pelos li-vros logo cedo. No teve a oportunidade de estu-dar como gostaria devido precoce necessidadede contribuir com a renda familiar. Aos onze anosde idade tornou-se jornaleiro, a primeira das mui-tas outras ocupaes posteriores, mas isso noimpediu sua obsesso pelas letras. Os livros sem-pre o acompanharam onde quer que ele fosse. Suareao ao descobrir que existia um lugar em queeram guardados centenas de livros e que as pesso-as podiam peg-los - a biblioteca pblica deOakland - foi muito interessante. No acreditava

    que um lugar daqueles poderia existir, sua felici-dade era imensa. Mesmo na juventude, quando sejuntou a um grupo de piratas ladres de ostras,sempre se refugiava na biblioteca quando no po-dia sair para as pilhagens. Isso o tornou um perspi-caz autodidata, que dominou desde teorias

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    econmicas clssicas teoria evolucionista deDarwin. Tendo esta o fascinado de tal modo que

    margeou boa parte de suas histrias. Jack London trabalhou em fbricas nas pio-

    res situaes possveis. Arrumou empregos em que,pelo pouco que ganhava, era obrigado a trabalhardezoito ou at mesmo vinte horas. Livrou-se des-

    se tipo de emprego e tornou-se pirata de ostrascom outros bbados da costa de San Francisco,depois patrulheiro contra a pesca ilegal. Mais tar-de, como marinheiro, fez grandes viagens ao ori-ente e quando retornou se viu obrigado a voltarpara o ambiente hostil de uma fbrica. Sua mefoi quem o incentivou a participar de um concur-so literrio pela primeira vez. Jack hesitou, mas osvinte e cinco dlares como primeiro prmio o ins-tigaram. Nessa poca ganhava dez centavos porhora de trabalho. Mesmo jovem ainda - no com-

    pletara sequer vinte anos de idade - j possua umaboa bagagem de vida intensa e ao narrar um epi-sdio que vivenciou em um navio quando enfren-tou um tufo, ganhou o primeiro prmio e os dla-res prometido.

    Passou fcil pela seleo para ingresso na Uni-versidade da Califrnia, mas logo teve que aban-donar os estudos pelas dificuldades financeiras queenfrentava. Trabalhava numa lavanderia cuidan-do das roupas de seus colegas de classe. Nessamesma poca ficou sabendo da grande corrida que

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    se fazia ao Alasca, em busca de ouro. No pensouduas vezes. Esse foi um dos perodos mais

    marcantes de sua vida e o que lhe rendeu algunsdos seus famosos romances e contos. Tomou rumopara o confim gelado dos EUA e passou por gran-des dificuldades por l. Voltou para Califrnia semuma pepita sequer, nada encontrou, mas sua ca-bea j estava cheia de personagens e enredos,assim como seu caderno estava repleto de anota-es daquela experincia.

    Jack London foi traduzido para o mundo intei-ro, em pelo menos quarenta idiomas. Uma curiosida-de de sua obra que podemos encontrar diversastradues de um mesmo livro aqui no Brasil. TheCall of the Wild, possivelmente sua obra mais fa-mosa, foi traduzida mais de uma dezena de vezes, olivro ganhou vrios ttulos diferentes: Apelo da Sel-va, Chamado Selvagem ou As Vozes da Flores-

    ta. Se voc for a algum sebo procurar um livro de Jack London, provavelmente encontrar vrios de-les com lobos na capa. O esprito da natureza sel-vagem pulsa entre as batidas da razo militante.

    * * *

    Na introduo da primeira edio brasileira do li-vro Ilhas do Pacfico, Nlson Vainer conta:

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    Em 1931, de passagem pelo porto espa- nhol de La Corunha, a caminho do Brasil, co-

    nheci um velho marinheiro sueco, que o DeusAcaso fazia embarcar para um destino incerto.Estivera j em Buenos Aires, onde no conse-guira ficar, pois, s no mundo pelo esprito en-venenado pela aventura, no podia fixar residnciaem parte alguma.

    Era um homem inteligentssimo, muito fa-lador, e contava sempre histrias maravilhosas.Houve quem afirmasse que ele mentia. Talvez, mentisse mesmo. Narrava, porm, acontecimen-tos que atraiam tanto que, se no verdadeiros,ainda os prefiro a casos reais, lacnicos e secos,

    sem o sabor da fantasia do velho marinheiro,cuja palavra era cheia de vida e de aventura...Sim respondeu-me, pensativo estive

    em todas as ilhas do Pacfico. Vivi naquele mundo no sei quantas vidas...E que vidas!

    Em que poca foi, indaguei, curioso.Em vrias: 1900, 1910, 1913. Ia e voltava,

    de seis em seis meses. No raras vezes, passavalongas temporadas em diversas daquelas ilhas.

    Chegou por acaso, a conhecer JackLondon, um escritor norte-americano, que es-

    creveu muito sobre aquelas ilhas?O marinheiro arregalou os olhos. O seurosto mudou de cor. Levantou-se da cadeirade preguia, deu vrias voltas e parou.

    Por que pergunta isso? exclamou o velho marinheiro.

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    Porque sou um grande admirador dele.No h duvida comentou aquele ho-

    mem possua uma fora atrativa como poucagente nesse mundo de Deus. Sim, eu o conhe-ci. Primeiro, em So Francisco, depois na Chi- na, mais tarde nas ilhas do Pacfico. Que ho- mem! Jamais encontrei outro parecido, era va-lente, alegre, brincalho. Bebia muito, lutava com

    boxeadores reputados, jogava. Acreditava so- mente na vida e vivia intensamente A vida que pode ser tudo, menos esplndida como sem- pre dizia, e viajava, errando pela terra que toda brutalidade, ainda consoante a sua opi- nio sobre o mundo...

    Um dia prosseguiu o marinheiro London entrou num dancing numa das ilhasdo Pacfico. Uma cantora nativa cantava umadas maravilhosas canes locais e acompanha-va o ritmo da cano com o seu corpo bron-zeado semi-nu. Era mestia, um demnio fei-to de mulher, dessas mulheres que nascem umaem cada cem anos, que atraem e dominam oshomens mais fortes...

    Ao ver o escritor, apaixonou-se por ele.Era amor primeira vista. E Londoncorrespondeu. No sei quanto tempo se ama-ram, mas um dia, a voz da aventura chamou oseu aventureiro e Jack comunicou-lhe que iria partir. Ela sabia que nenhuma fora seria capazde det-lo. Resignada, limitou-se a cantar, como nunca o fizera em sua vida. Depois, veio o de-

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    sastre. Um dia antes de Jack London partir,encontraram-na morta no portal de sua caba-

    na, numa poa de sangue. Suicidara-se... O ve-lho marinheiro fez uma pausa e prosseguiu:London pagou toda a despesa do enter-

    ro. Conseguiu permisso para sepult-la no ce- mitrio dos brancos e acompanhou o fretrocabisbaixo, com o rosto molhado de lgrimas.

    Antes de baixarem o corpo da infeliz sepul-tura, London cortou um cacho dos cabelos da pobre cantora e guardou-o no bolso. Depois,desapareceu. Tornei a v-lo uma nica vez, doisanos mais tarde daquele triste acontecimento.Estava envelhecido e muito abatido. Bebia

    muito e no ligava a coisa alguma. Escrevia devez em quando, mas, no como antigamente.As suas produes literrias j no tinham a mesma expresso, a mesma fora dos seus maravilhosos contos do Alasca, das ilhas doPacfico, do Japo, que o tornaram um dos

    maiores novelistas da Amrica. Nem parecia o mesmo autor de O lobo do mar, O tacode ferro, Martim den, A voz da selva eoutras obras primas que ainda hoje leio e releiocom avidez...

    O marinheiro parou de falar. Aps umlongo instante de silncio, convidou-me paratomar alguma coisa. Agradeci, alegando indis- posio, e ele dirigiu-se para o bar, meio cam-baleando como fazem todos os marinheiros.

    Duas semanas depois, desembarquei emSantos, e fixei residncia em So Paulo. Todas

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    as vezes que ia terra de Brs Cubas, visitavaos navios que entravam e todos os lugares

    freqentados por marinheiros, na esperana deencontrar o marinheiro sueco, que conheceu Jack London. Intil. O homem desapareceu ecreio que para sempre. A nica lembrana quetenho dele a historia que acabo de contar-lhes. O marinheiro chamava-se Ernst Olsen.

    Seus personagens, como a realidade, experimen-tam e passam pela provao dos limites da exis-tncia, tal qual foi sua prpria vida. Nunca tevemedo de tomar partido, o incio de seu conto au-tobiogrfico Como me tornei Socialista bem

    interessante: Posso dizer que me tornei um soci-alista de modo bastante semelhante ao dos pagosteutnicos quando se tornaram cristos - isto , amarteladas.

    Entre operrios e vagabundos escutou pelaprimeira vez as palavras sindicato, socialismo, so-lidariedade operria. Como escreveu seu bigrafoIrving Stone:

    Aprendeu ao final que o socialismo mo-derno no tinha mais do que setenta anos: eraum pouco mais velho que Flora (sua me) e

    considerou uma grande sorte viver numa po-ca em que tal movimento comeava. E conti- nuava, Estudando Babeuf, Saint-Simon,Fourier e Proudhon, Jack ali encontrou os pri- meiros ataques contra a propriedade privada ea primeira diferenciao de classes econmicas.

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    (...) Um vagabundo da Estrada, metido a fil-sofo, falara-lhe de um folheto intitulado Mani-

    festo do Partido Comunista. Jack conseguiuum exemplar, e, lendo-o avidamente teve a im- presso de que se articulavam afinal as idiasda sua cabea e os sentimentos de seu corao.Rende-se ao ensinamento de Karl Marx, por-que nele encontrou o mtodo pelo qual o ho-

    mem no somente chegaria a construir umEstado socialista, mas seria ainda compelido arealiz-lo sob os imperativos histricos das for-as econmicas. No seu caderno Jack obser-vou ento: Toda histria da humanidade temsido a Histria das lutas entre exploradores eexplorados; a histria dessas lutas de classe mostra a evoluo da civilizao econmica da mesma forma que os estudos de Darwin mos-tram a evoluo do homem. Com o adventoda industrializao e da concentrao dos capi-tais atingiu-se um estgio social em que os ex- plorados no podem emancipar-se da classedirigente sem com isso, e de um vez por todas,emancipar a sociedade em geral de explora-es futuras, de opresso, de diferenas e lutasde classe.

    Comeou a assistir comcios operrios e se

    juntou seo local do Partido Socialista. Numatarde, sentiu-se inspirado, trepou num banco e fa-lou em alto e bom som multido de ouvintes, oque pensava sobre o capitalismo. Poucos minutosdepois a polcia chegou. Preso e conduzido numaviatura, l foi ele para cadeia, embora protestasse

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    que havia na Amrica liberdade de opinio e queo socialismo no era crime. Os jornais deram es-

    pao para o caso e Jack London ficou conhecidocomo o menino socialista. Numa entrevista aum jornal ele sustentou vigorosamente que osservios pblicos deveriam ser propriedade muni-cipal. A partir desse momento a imprensa classi-fica o jovem socialista de 19 anos de vermelho,dinamitador, um anarquista....

    Quando decidiu que deveria ingressar na uni-versidade, com 19 anos, volta a freqentar o cur-so ginasial regular afim de conclu-lo, e numa fes-ta de formatura convidado para ser orador. Irving Stone conta a histria:

    Discursando bem, Jack foi indicado para ser um dos oradores na festa de forma-tura do Ginsio. claro que o assunto desig- nado estava a mil lguas de distncia do soci-

    alismo. Mas, depois de falar um minuto oudois, Jack fez uma pausa, descansou o corpo na outra perna... e comeou a arrepiar os ca-belos do auditrio bem engomado de famli-as e amigos de estudantes, com uma oraoque certa expectadora disse ter sido a mais

    truculenta diatribe socialista que ouviu em todaa sua vida. Falava com tal paixo que os ou-vintes o sentiram fora de si, como se j esti-vesse apertando a garganta dos inimigosemplena guerra de classes.

    Sua opo no apenas um chavo extico.

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    Ele foi militante no sentido mais importante dapalavra. A arte era sua ferramenta e nunca deixou

    de escrever o que sentia. Como descreveu LeonTrotsky, lder da Revoluo de Outubro eorganizador do Exrcito Vermelho, numa carta a Joan London, filha de Jack, aps ao terminar a lei-tura livro O Taco de Ferro:

    O livro causou-me falo sem nenhumexagero uma profunda impresso. No por causa de suas qualidades artsticas: a for- ma do romance representa aqui apenas umacouraa para a anlise e prognsticos sociais.O autor, intencionalmente procura ser mode-

    rado na utilizao de seus recursos artsticos.Ele prprio est menos interessado no desti- no individual de seus heris do que no desti- no da humanidade. (...) Eu no pretendo, de maneira nenhuma, menosprezar o valor arts-tico da obra (...). O livro causou-me surpresa

    pela audcia e independncia das previses his-tricas que contm. (...) Jack London narra no apenas de maneira

    criativa o mpeto proporcionado pela PrimeiraRevoluo Russa (1905) como tambm analisoucom coragem, sob as luzes dessa Revoluo, odestino da sociedade capitalista como um todo.Precisamente aqueles problemas que o socialismooficial sua poca considerava como definitiva-mente sepultados: o crescimento da riqueza e dopoder de um lado, e da misria e destruio de

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    outro; a acumulao do dio e do ressentimentosocial; e a preparao inexorvel de um cataclis-

    mo sangrento. Jack London sentia todas essa ques-tes com tamanha intrepidez que nos obriga, per-plexos, a perguntar inmeras vezes: quando issofoi escrito? Foi mesmo antes da Primeira GuerraMundial?

    * * *

    Na primavera de 1913 era o escritor maisfamoso e mais bem pago do mundo, assumindo olugar que fora de Kipling no princpio do sculo.Quando uma jovem lhe escreveu um pouco an-tes de sua morte pedindo estmulo, ele respon-deu a ela:

    Na minha idade madura, estou convenci-do de que o jogo da vida vale a pena. Tiveuma vida muito feliz, mais feliz que milhes dehomens da minha gerao. Se por um lado sofri muito por outro vivi muito, vi muita coisa, senti muita coisa que foi negada maioria dos ho- mens. O jogo da vida vale mesmo a pena.Como prova disso, os meus amigos me dizem

    que estou engordando. Pode haver melhor in-dcio da vitria do esprito?Em 22 de novembro de 1916 Jack London

    se empanturrou de morfina que tomava para tra-tar dos problemas que tinha nos rins e na bexiga.Chegou at a fazer o clculo de quanto necessita-

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    va para dar um fim sua vida. Suicidou-se e psfim a uma fecunda e brilhante carreira literria, a

    uma vida que provou de tudo, que passou pormuitas aventuras. Morreu aos quarenta anos, eapenas dezessete desses foram dedicados litera-tura. Mesmo assim deixou uma obra com cente-nas de contos e mais de cinqenta livros, comoum grande legado humanidade.

    ALEXANDRE LINARES & JOO CARLOS R IBEIRO JUNIOR

    Abril de 2003

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