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A Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário do Distrito de Piedade do Paraopeba A Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário do Distrito de Piedade do Paraopeba A Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário do Distrito de Piedade do Para- opeba: uma tradição responsável pela união de um grupo de pessoas em torno da causa da inclusão social e, também, um movimento identitário da comunidade do distrito de Piedade do Paraopeba. Este registro em formato de cartilha tem o objetivo de divulgar o Congado junto aos estudantes e jovens da região e outros cantos, considerando a pos- siblidade de o formato e o conteúdo atraírem o interesse de conhecer essa prática que caracteriza a comunidade e valoriza o lugar de origem. Realização:

A Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário

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  • A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosriodo Distrito de Piedade do Paraopeba

    A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba

    A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Para-opeba: uma tradio responsvel pela unio de um grupo de pessoas em torno da causa da incluso social e, tambm, um movimento identitrio da comunidade do distrito de Piedade do Paraopeba. Este registro em formato de cartilha tem o objetivo de divulgar o Congado junto aos estudantes e jovens da regio e outros cantos, considerando a pos-siblidade de o formato e o contedo atrarem o interesse de conhecer essa prtica que caracteriza a comunidade e valoriza o lugar de origem.

    Realizao:

  • Crditos:

    Concepo: Compreender Consultoria em Responsabilidade SocialRoteiro e texto: Mnica Botelho MaldonadoDesign e editorao: Fred Peres e Raquel PiresFotografia: Raquel PiresApoio: Ferrous Resources do Brasil

    Este projeto foi aprovado pela Lei Rouanet de Incentivo Cultura.

    Agradecimentos

    Ao grupo de pessoas que, reunidas pela crena, representam a Guarda de Moam-bique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba.

    Realizao:

  • SumrioSumrioSumrioIntroduo

    1 A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba 1.1 A histria

    1.2 Signifi cado O signifi cado do Congado para os integrantes da Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba

    1.3 O sentido da Guarda para os participantes

    1.4 O sentido da Guarda para o lugar

    2 As festas

    2.1 O conceito de festa para o Congado

    2.2 Os atores da Guarda de Moambique

    3 Os desafi os

    3.1 O desafi o maior

    3.2 Outros desafi os

    4 O orgulho de ser congadeiro

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  • A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do ParaopebaIntroduo

  • E sta cartilha apresenta o registro das percepes de participantes da Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba localizado no sop da Serra da Moeda, em Bru-madinho (MG) sobre o Congado, a prpria Guarda e a relao da Guarda com o lugar onde ela atua e est registrada. O texto foi construdo a partir de en-trevistas em profundidade feitas com quatro representantes do grupo, alm de conversas informais com participantes, em diferentes ocasies e circunstncias de encontro. O texto est ilustrado com fotografias exclusivas da Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba, tiradas por ocasio da apresentao feita no ms de dezembro de 2014, na sede de Brumadinho, quando o grupo abrilhantou a festa de ordenao do padre Eudes.

    A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba

    Introduo

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  • O objetivo principal deste registro contribuir para preservao da Guarda de Moambique, da forma como ela se apresenta atualmente: uma tradio responsvel pela unio de um grupo de pessoas em torno da causa da incluso social e, tambm, um movimento identitrio da comunidade do Distrito de Piedade do Paraopeba. A esse objetivo acrescenta-se o propsito de divulgar o Congado junto aos estudantes e jovens da regio e outros cantos, considerando a possiblidade de o formato e o contedo divulgados atrarem o interesse e o desejo de conhecer essa prtica que caracteriza a comunidade e valoriza o lugar de origem.

    Importa esclarecer que este trabalho de pesquisa e registro foi idealizado a partir do relacionamento entre os participantes da Guarda de Moambique e os representantes da empresa mineradora Ferrous Resources do Brasil, cujo negcio est instalado na regio do Vale do Paraopeba. de interesse de ambos, Guarda e empresa, que o territrio seja preservado e valorizado culturalmente para que o desenvolvimento acontea de maneira justa e sustentvel.

    Registra-se, ainda, que a tcnica utilizada para a obteno das infor-maes por meio das quais este registro foi elaborado a Histria Oral: trabalho de pesquisa que faz uso de depoimentos orais, coletados por meio de entrevistas aplicadas a partir de um roteiro que organiza a memria do entrevistado. Os relatos gravados, transcritos e recontados so fontes para a compreenso do passado, ao lado de outros documentos, como fotografias e documentos escritos. A referncia nica para a construo do texto , portanto, a fala dos entrevistados. Embora os depoimentos tenham sido coletados e transcritos, para efeito de compreenso e contextualizao do trabalho, a escrita contou com a teatralizao da histria, uma interpretao da fala exatamente como foi feita junto com as outras expresses de memria que foram sendo contadas com os olhos, com gestos e com sentimento dos entrevistados.

    A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba

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  • A Guarda de Moambique

  • A Guarda de Moambique

  • A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba

    A origem da Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba se perdeu no tempo. Est registrada nas pessoas. A tradio tem sido passada de pai para filho h mais de cinquenta anos e assim se constitui em uma herana esperada e desejada entre os filhos que, desde a primeira idade, participam das festas. A exemplo, Mrio Lcio Coimbra, conhecido como Marinho, de 56 anos e atual Capito da Guarda, assumiu o cargo com 22 anos, passado pelo seu pai, falecido aos 96, que rece-beu de seu pai, aos 106 anos.

    Marinho representa a famlia Coimbra, que por meio de onze irmos e seus descendentes, filhos, netos e bisnetos, mantm a tradio do Congado da Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba. E assim vem acontecendo desde 1926 e est dito que aconte-cer pelo desejo e pela crena de um grupo de mais de cinquenta pessoas, que se fortalece e se reafirma a cada encontro, a cada manifestao e, sobretudo, a cada festa, como integrante ativo de uma sociedade solidria e socialmente inclusiva.

    Incluso social, alis, o motivo pelo qual o Congado se fundou e a causa que sustenta a crena dos integrantes deste grupo de moradores da regio do Vale do Paraopeba, conforme registra a seguir o Capito da Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba.

    A Histria

  • Capito da Guarda - Marinho

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  • A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba

    O significado do Congado para os integrantes da Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do ParaopebaNa regio da minerao, no estado de Minas Gerais, lendas e causos curiosos contados pelos jesutas justificam a chegada da imagem de Nossa Senhora do Rosrio para os negros que vieram trabalhar na explorao do ouro e do diamante. No Distrito de Piedade do Paraopeba, conta-se o seguinte:

    O Significado

  • Uma negra foi na fonte, no sei se para buscar gua ou para lavar roupa, e viu uma imagem muito bonita e ficou maravilhada de ver aquilo! Ento ela chegou na senzala e foi contar, mas tinha um senhor ouvindo e pensou: o que essa negra viu? Vamos l pra ver, e se no tiver nada l, essa negra vai apanhar! Os escravos ficaram apreensivos, tentando salvar a negra! Malaquias, um negro que tinha acesso ao senhor, ficou muito apertado e implorou que aquilo aparecesse de novo, porque apesar de ele tambm no ter visto, tinha f. A desceram e chegaram no local; a gua comeou a manifestar e apareceu uma viso, a imagem de Nossa Senhora. Malaquias falou com os senhores: a Nossa Senhora e ela tem um rosrio! Eles ficaram muito sem graa pelo fato de que a negra no havia falado mentira e disseram: ns vamos fazer uma capela e vamos buscar a Nossa Senhora. E assim eles fizeram. Fizeram os negros construir uma capela, com um altar muito bonito, com muito ouro e foram l buscar a imagem. Mas s que, da maneira que eles fizeram, com muita arrogncia, a Nossa Senhora foi colocada no altar pela manh e tarde no estava mais l. Os negros, que a visitavam escondidos, ao anoitecer, encontravam a imagem sempre no lugar, mas o senhor, no tinha jeito, nunca a encontrava. A os senhores arrumaram uma banda, muita coisa bonita, tornaram a fazer uma procisso e ela foi para a capela, porque carregada ela ia, mas ela no ficava. A, o Malaquias, que tinha mais acesso ao dono dos escravos, tornou a chegar perto do senhor e pediu: senhor, ns podemos buscar a Nossa Senhora? O senhor falou: o que voc vai fazer l? Voc, com essa catinga, acha que ela vir e ficar? Ns j fomos buscar, ela vem mas no fica! E Malaquias contin-uou: Podemos buscar da nossa maneira? O senhor deixou. Ai o Malaquias convidou os outros negros que, juntos, fizeram instrumentos a partir de caixas para buscar a Nossa Senhora com reza em forma de msica. Com uma guarda de sete pessoas, foram buscar Nossa Senhora batendo nas caixas e carregando um altar de madeira chamado Santana. Os negros buscaram a imagem, colocaram na capela e l ela ficou. Os negros, assim, adquiriram o direito de entrar na igreja e orar por Nossa Senhora e assim fizeram todos os dias de suas vidas. Ento foi assim, o Congado nasceu em uma senzala. Isso uma parte da histria. Capito Marinho

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    A aceitao do Congado pela sociedade no foi dada, mas conquistada, sobr tudo em se tratando da Guarda de Moambique do Distrito de Piedade do Paraopeba. Houve um tempo em que a comunidade rejeitava a presena do negro, cujo comportamento alegre e festi-vo chegou a ser entendido como postura cambaleante advinda do uso excessivo da bebida. Contra este conceito e, por vezes, preconceito, lutam hoje os membros da Guarda que tm sua imagem como valor e sua reputao como desafio. A manu-teno desses valores exige do gru-po um esforo para alm da Guar-da, j que, como Congado, pode receber os efeitos de possveis comportamentos diversos de outros grupos integrantes da localidade. Assim sendo, h que se cuidar da postura e da conduta de cada um, assim como do encantamento, para que persista o desejo de continuar a tradio e, mais ainda, para que a participao seja objeto de desejo de outras pessoas atradas pela f em Nossa Senhora ou pela possibilidade de compartilhar valores como unio, integrao, solidariedade, incluso, estudo e pesquisa histrica. Para isso, no basta gostar, tem que demonstrar que gosta.

    A rejeio, apesar de pouco sentida atualmente, persiste entre os mora-dores que se incomodam com o som produzido pelos tambores e pela can-toria, ou explica-se pela religio. O motivo religioso talvez se apoie no entendimento equivocado de que uma Guarda de Congado seja uma manifestao religiosa comprometi-da com o Candombl ou a Umbanda, manifestaes tambm religiosas e caracterizadas pelo ritmo dos instru-mentos de percusso, pela cantoria e por coreografias diversas. O Conga-do uma das maneiras pelas quais o negro historicamente contou e cantou sua luta pela insero social. Elas so chamadas de ternos, cortes ou Guardas, dependendo da regio, e se classificam em sete, dentre as quais so conhecidos o Congo; o Vilo; o Moambique; o Catup; o Caboclo; o Marujo e o Candombe.

    Em contraponto rejeio, manifes-ta-se a aceitao e at mesmo o es-tmulo prtica, na comunidade do Distrito de Piedade do Paraopeba, por meio de convites para o caf da manh de segunda-feira, feito por moradores aos congadeiros que feste-jaram durante o sbado e o domingo. O acolhimento representado pelo con-vite, entretanto, no desqualifica a re-

  • jeio, entendida pelos membros da Guarda de Moambique de Piedade do Paraopeba como uma forma de conhecer os erros para ento serem corrigidos. A crtica fortalece, nas palavras do Capito Marinho.

    A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba um dos cinco grupos de Congado no municpio de Brumadinho. Sua identidade se apoia na confi-ana conquistada pela condu-ta sria e pelo fervor da crena de que a manifestao mantm abertas as portas da igreja e da comunidade, assegurando assim o lugar social um dia negado ao gru-po, pela discriminao racial. A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio , hoje, convidada a abrilhantar comemoraes, festejos, cerimnias fnebres e saudaes, ocasies em que se reafirma a identidade do grupo. a nica Guarda representante da Irmandade de Nossa Senhora do Rosrio em Piedade do Paraopeba.

    Em termos de identidade, essa Guarda se caracteriza tanto pelo tipo de instru-mento que usa, da o nome Moam-bique, como pela influncia rabe na

    indumentria, sempre com a cabea tampada. A culinria diversificada e com forte apelo para a quitanda tam-bm uma caracterstica intrnse-ca deste grupo, fato que qualifica a Guarda e impe aos seus integrantes o desafio do registro formalizado das receitas. Para o Congado, cada localidade tem na comida elementos identitrios do grupo e, no caso da Guarda de Moambique, o biscoito de polvilho e a broa so ingredientes que no podem faltar no caf da manh, ambos originrios do milho e da man-dioca, cultivados na regio de Piedade na poca do surgimento da Guarda de Moambique. Os dois ingredientes, portanto, simbolizam no somente um gosto, mas o compromisso de per-tencimento da Guarda ao lugar de ori-gem. tarefa do Capito garantir que tanto o biscoito como a broa estejam na mesa do caf da manh dos con-gadeiros.

    Conforme tambm conta o Capito Marinho, Nossa Senhora da Piedade deu o nome ao lugar e, dentre as quatro imagens trazidas pelos portu-gueses, ela era a maior e mais pesada e, portanto, foi deixada pelo caminho em primeiro lugar.

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    P ara os cinquenta integrantes do grupo, a Guarda de Moambique de Nos-sa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba representa o prprio lugar onde vive cada um deles. Em se tratando de sentido, Pieda-de do Paraopeba e Guarda de Moambique se complementam, assim como se completam pai e me para a identidade do filho. A relao dos representantes da Guarda entre si de compromisso com a imagem da tradio junto comu-nidade, e a relao da Guarda com o Congado de comprometimento com a causa da incluso social. A percepo do sentido se concretiza na celebrao, nos encontros, nos ensaios, nas reunies, nas apresentaes e representaes traduzidas pelas festas.

    A Guarda , para seus integrantes, um exemplo de unio, de f, de famlia, de respeito, apesar das dificuldades e das diferenas culturais e sociais entre cada um. Respeito mtuo, apesar das diferenas. Vestir a farda do Moambique iguala crenas, ideais, o lugar social e cultural que cada um ocupa.

    O sentido da Guarda para os participantes

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  • A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba

    P iedade do Paraopeba um lugar vulnervel perda da identidade con-siderando o grande nmero de condomnios que ali se instalam cotidia-namente. A este parcelamento do solo e consequente diviso territorial sem limites expressivos soma-se a caraterstica de transitoriedade adquirida pelo lugar, que se transformou em um corredor turstico de acesso ao Inhotim e a outros lugares de interesse. Ambos os elementos urbanos citados interferem decisivamente no modo de vida dos moradores, impactando o modelo identitrio e nos valores da comunidade local. Neste contexto caracterizado pela vulnera-bilidade socioambiental, o Congado entendido como tradio adquire valor de elemento identitrio de importncia vital para o vnculo das pessoas com o lugar onde vivem. Preservar e manter o Congado significa, portanto, cuidar de Piedade do Paraopeba como lugar, socialmente importante pelo potencial comunitrio, e como territrio, economicamente importante como potencial turstico.

    A Guarda de Moambique, diferente de outras Guardas, aberta a quem queira participar, fato que favorece a apropriao do Congado pela comunidade de Pie-dade do Paraopeba. A identificao tamanha que a vestimenta da Guarda de Moambique identifica no somente a Guarda, mas a prpria comunidade. Onde se v a vestimenta, se pensa: Piedade est aqui.

    Essa abertura da Guarda para a participao da comunidade como um todo se deu a partir da regularizao do grupo junto Secretaria Municipal de Cultura. Desde ento, a abertura para receber novos integrantes se tornou um elemento identitrio desafiante para o grupo que, por vezes, se viu obrigado a reorientar a rota de passantes desinformados, inseridos na dana e na cantoria confundidas com elementos de grupos carnavalescos. Ao Capito coube e sempre caber a tarefa de informar os interessados o significado, os valores e o formato de apre-sentao do Congado. Bem-vindos so e sero todos aqueles que se admirarem e se interessarem pela tradio, tal como ela .

    Os elementos identitrios como a abertura para a comunidade, a comida tpi-ca, a vestimenta, os instrumentos e as apresentaes regulares mostram que a Guarda de Moambique resistiu ao tempo e s presses pela urbanizao que a

    O sentido da Guarda para o lugar

  • cada dia se intensificam na regio do sop da serra da Moeda, especificamente em Piedade do Paraopeba. Prova disso a ausncia de outras manifestaes culturais que tentaram se instalar e at duraram certo tempo, mas no resistiram aos apelos da modernizao. A banda de Msica, a qual pertenceu o pai do atual Capito Marinho foi, por sessenta anos, um elemento cultural forte, porm sem um vnculo de pertencimento com a localidade que mantivesse a banda atuante. O Congado nasceu, fez sentido e continuou. o smbolo mais caraterstico de Piedade do Paraopeba.

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  • A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do ParaopebaAs festas

  • As festas

  • A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba

    A s festas so a representao da tradio. A Guarda de Mo-ambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba se traduz nas festas, que acontecem para todos os grupos de Congado da regio de maio a dezem-bro e somente so interrompidas pela quaresma. Especificamente a festa da Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio acontece no ter-ceiro domingo de outubro. O motivo a confraternizao entre os congadei-ros e os grupos de Congado, que se convidam mutuamente para almoar juntos, cada dia na casa de um dos integrantes. O convite , portanto, um indicador da reputao do grupo. Um grupo almoa na casa de um integran-te de outro grupo para que possa re-ceber em sua casa os integrantes do grupo que primeiro o convidou. As festas garantem as relaes e a unio entre as pessoas que integram o gru-po e, por isso, fazer festas o grande desafio do Capito regente. As casas dos integrantes se transformam no Reinado, o lugar adequado para rece-ber os trs santos: Nossa Senhora do Rosrio; So Benedito e Santa Efig-nia. O Reinado se caracteriza tambm pela ornamentao da casa e pela co-mida, tudo feito pelos integrantes, que se dividem para a realizao do traba-

    lho e tm como desafio a manuteno da tradio. Ao trmino do almoo, a Guarda leva as imagens de volta para a igreja.

    Alm das festas entre os grupos de Congado do municpio, cada grupo pode ser convidado a participar de festas comuns da cidade, desde que sejam religiosas. O atendimento ao convite voluntrio, a Guarda no faz apresentaes - procedimento sim-bolicamente representado pelas duas bandeiras brancas, uma na frente e outra ao final. A exceo que houve para este grupo especificamente se apresentar em pblico foi uma viagem Braslia, entendida pelos seus repre-sentantes como uma oportunidade de difundir a imagem positiva da tradio e, por consequncia, do territrio onde ela est estabelecida.

    Conceitos

  • A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba composta pela diretoria administrativa e pela prpria Guarda, formada pelos danantes, pelos caixeiros e pelos ban-deireiros. A diretoria responsvel pela organizao administrativa e fiscal e eleita todo ano, no ms de janeiro. O rei e a rainha festeiros recebem a coroa anualmente aps a festa de outubro e os reis e as rainhas perptuas, como diz o prprio nome, so permanentes. As pessoas assumem ou recebem os cargos da Guarda por substituio na famlia ou so escolhidas pelo grupo dentre aqueles que j manifestaram a vontade.

    Atualmente, dentre os cinquenta integrantes do grupo, registram-se os representantes da diretoria e alguns membros da Guarda:

    Geraldo Alcir Guimares: Presiden-te, responsvel pela articulao e or-ganizao do grupo h 10 anos.

    Mrio Lcio Coimbra: Vice-Presi-dente e Capito regente da Guarda, est no grupo desde que nasceu.

    Maria de Ftima Vidigal: Tesoureira, est h 8 anos no grupo.

    Roberto Cardoso: Vice-Tesoureiro e caixeiro da Guarda.

    Glucia Almeida: Secretria e com-ponente da Guarda.

    Nicole Coimbra: Vice-Secretria e componente da Guarda.

    Rosalina da Silva: Rainha Perptua, participa h 30 anos.

    Cleiton da Silva: Rei Perptuo.

    Deolinda Alice: Rainha Conga.

    Os encontros do grupo acontecem na Igreja do Rosrio local, geralmente em reunies da Irmandade de Nossa Senhora do Rosrio.

    Os atores

    dados referentes maro de 2015.

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  • Os desafi os

  • Os desafi os

  • A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba

    O s integrantes da Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba lutam, sobretudo, pela preservao dos Elementos Rituais, por meio dos quais a tradio se caracteriza e se mantm como marca regional da comunidade de Piedade do Paraopeba. O desafio, portanto, se constitui em materializar os rituais em formato de um re-gistro que se transforme em referncia tanto para os atuais participantes como para aqueles que venham a integrar o grupo, por hereditariedade ou por desejo. Dentre os principais Elementos Rituais, destacam-se os seguintes:

    Retirada de casa do rei e da rainha festeira.

    Retirada de casa do rei e da rainha perptua.

    Retirada do andor de Nossa Senhora do Rosrio, da igreja.

    Levantamento do mastro.

    Cumprimento do mastro quando for visitar uma comunidade, ou seja, na chegada da Guarda de Moambique de Nossa Sen-hora do Rosrio na festa de outras comunidades.

    Ritual de travessia da Guarda em encruzilhadas e em pontes.

    Incio da jornada para outras festas em outras casas, momen-tos em que o Capito faz a orao de proteo da Guarda para a harmonia da festa esse ritual especfico da Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba.

    O desafi o maior

  • Sobre os Rituais, importa ainda registrar que o formato de cada um deles de-pende da ocasio, das pessoas e do lugar em que acontecem. Isso porque o fundamento do Ritual o improviso. Por meio da cantoria, o Capito pergunta, responde, apresenta a Guarda, retira a Guarda e, sobretudo, contextualiza os participantes sobre o sentido do Congado e o motivo pelo qual acontece cada atuao do grupo. Por exemplo, quando a Guarda de Moambique visita a Guar-da de Conceio de Itagu, o Capito anfitrio pega a bandeira da mo da F de Bandeira e se ajoelha diante do Capito da Guarda visitante. Em reao a esse movimento especfico, o Capito Marinho canta, em letra improvisada, o pedido de licena para entrar. Assim, a cantoria do Capito Marinho ser diferente a cada costume que caracteriza cada Guarda. Pela crena do Capito Marinho, a habilidade para ser Capito inata, j para ser congadeiro, pode ser aprendida!

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  • A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba

    P ara alm da manuteno e da preservao dos Elementos Rituais, mas tambm no sentido da preservao da tradio, a Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio se preocupa em guardar seus documentos e seus smbolos: o patrimnio material representado pelas esculturas de santos e o patrimnio imaterial representado tanto pelas receitas dos quitutes servidos nas festas como pelas letras das msicas, essas ltimas guardadas somente pela memria de trs mulheres integrantes do grupo. Em um esforo para preser-var a tradio, a Guarda tenta implementar um projeto de transformar a Fazenda dos Martins em um centro de referncia da memria do Congado, onde poderiam ser guardados e mantidos os Santos e demais objetos integrantes do patrimnio material de todos os grupos de Congado da regio.

    O cotidiano do grupo ainda conta com problemas de ordens diversas que, se forem negligenciados, podem se tornar dificuldades maiores para a manuteno da tradio. Dentre eles, destacam-se os seguintes:

    Outros desafi os

  • Conscientizao de alguns sacerdotes sobre a importncia histrica e antropolgica da preservao da memria e da cultura da comunidade.

    Elaborao de um plano de captao de verbas que garan-ta o pagamento do transporte necessrio ao deslocamento da Guarda de Moambique para as festas de outros Conga-dos e tambm do caf com quitandas servido para toda a comunidade.

    Planejamento de uma secretaria de festas, responsvel pelo plano de realizao das festas e de outras visitas, alm de se responsabilizar pela atualizao dos documentos.

    Estruturao de uma parceria com o governo local, por meio da Secretaria de Cultura, para o fomento ao vnculo do Conga-do com a juventude local, com o objetivo de garantir a unio do grupo social por meio de prticas e costumes regionais.

    Estruturao de uma parceria com o governo local, por meio da Secretaria de Educao, para a produo de oficinas forma-tivas nas escolas, sobre a localidade e seu acervo cultural, no recorte territorial que abriga as Irmandades de Nossa Senhora do Rosrio e suas respectivas Guardas.

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  • O orgulho de ser Congadeiro

  • O orgulho de ser Congadeiro

  • A Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba

    C rena, respeito, amizade, unio e reunio: valores que sustentam o jeito de ser e o jeito de fazer da Guarda de Moambique de Nossa Senhora do Rosrio do Distrito de Piedade do Paraopeba. Valores que garantem a ca-racterizao da cultura e a identidade do lugar. Valores que, para os participantes do grupo, se traduzem em sentimento e em consentimento para ter orgulho de ser congadeiro.

    O orgulho de ser Congadeiro