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http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/apresentacao.html NAVEGANDO NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA – HISTEDBR – HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA 1 A HEGEMONIA JESUÍTICA (1549-1759) Sônia Maria Fonseca É consensual afirmar que, nos trinta primeiros anos da colonização do Brasil, Portugal dedicou-se exclusivamente à exploração das riquezas sem efetivo projeto de povoamento. Os índios que ocupavam o território brasileiro, nas palavras de Pero Magalhães Gandavo, não tinham as letras ‘F, nem L, nem R’, não possuindo ‘Fé, nem Lei, nem Rei’ e vivendo ‘desordenadamente’. Essa suposição de uma ausência lingüística e de ‘ordem’ revela, um tanto avant la lettre, o ideal de colonização trazido pelas autoridades portuguesas: superar a ‘desordem’, fazendo obedecer a um Rei, difundindo uma Fé e fixando uma Lei. [...] ( Apud VILLALTA, 2002, p.332). “Língua, instrução e livros, nesse quadro, em termos das expectativas metropolitanas, deveriam desenvolver-se sob a égide de um Rei, uma Fé e uma Lei”. (VILLALTA, IDEM). A vinda dos jesuítas, em 1549, proporcionava assim a expansão da Fé e do Império, reunindo mercadores e evangelizadores sob a mesma empresa, tal como Antonio Vieira irá se referir posteriormente na obra História do Futuro. Com sua política de instrução uma escola, uma igreja , edificaram templos e colégios nas mais diversas regiões da colônia, constituindo um sistema de educação e expandindo sua pedagogia através do uso do teatro, da música e das danças, “multiplicando seus recursos para atingir à inteligência das crianças e encontrar-lhes o caminho do coração”. (AZEVEDO, 1943, p.290). Os jesuítas tiveram grande importância no campo das artes. A propagação de um estilo jesuítico nas artes foi tamanha, que pode ser dedicado um capítulo inteiro aos jesuítas na História da Arte no Brasil. Tal importância pode ser constatada na Carta que comunicava a supressão da Companhia, e determinava a abolição de “cada um dos seos officios, Residências (...) Costumes e Estilos”, quando das reformas pombalinas que culminaram com a sua expulsão das terras brasileiras.

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1

A HEGEMONIA JESUÍTICA (1549-1759)

Sônia Maria Fonseca

É consensual afirmar que, nos trinta primeiros anos da colonização do Brasil, Portugal

dedicou-se exclusivamente à exploração das riquezas sem efetivo projeto de povoamento. Os

índios que ocupavam o território brasileiro, nas palavras de Pero Magalhães Gandavo,

não tinham as letras ‘F, nem L, nem R’, não possuindo ‘Fé, nem Lei, nem Rei’ e vivendo ‘desordenadamente’. Essa suposição de uma ausência lingüística e de ‘ordem’ revela, um tanto avant la lettre, o ideal de colonização trazido pelas autoridades portuguesas: superar a ‘desordem’, fazendo obedecer a um Rei, difundindo uma Fé e fixando uma Lei. [...] ( Apud VILLALTA, 2002, p.332).

“Língua, instrução e livros, nesse quadro, em termos das expectativas metropolitanas,

deveriam desenvolver-se sob a égide de um Rei, uma Fé e uma Lei”. (VILLALTA, IDEM).

A vinda dos jesuítas, em 1549, proporcionava assim a expansão da Fé e do Império,

reunindo mercadores e evangelizadores sob a mesma empresa, tal como Antonio Vieira irá

se referir posteriormente na obra História do Futuro. Com sua política de instrução – uma

escola, uma igreja –, edificaram templos e colégios nas mais diversas regiões da colônia,

constituindo um sistema de educação e expandindo sua pedagogia através do uso do teatro,

da música e das danças, “multiplicando seus recursos para atingir à inteligência das crianças

e encontrar-lhes o caminho do coração”. (AZEVEDO, 1943, p.290).

Os jesuítas tiveram grande importância no campo das artes. A propagação de um estilo

jesuítico nas artes foi tamanha, que pode ser dedicado um capítulo inteiro aos jesuítas na

História da Arte no Brasil. Tal importância pode ser constatada na Carta que comunicava a

supressão da Companhia, e determinava a abolição de “cada um dos seos officios,

Residências (...) Costumes e Estilos”, quando das reformas pombalinas que culminaram com

a sua expulsão das terras brasileiras.

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Com o aprendizado das artes e dos mais diferentes ofícios adquiriram auto-suficiência na fatura dos mais diversos objetos de uso pessoal e para a lida cotidiana, de pares de sapatos a embarcações para transportar os padres e irmãos entre as possessões no Amazonas e ao longo do litoral da Bahia, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. A produção das reduções jesuíticas, por exemplo, tinha caráter notável. Na região dos Sete Povos das Missões, além das atividades de agricultura e pecuária, com produção de excedentes, foram construídas oficinas para fatura de instrumentos musicais, assim como para imaginária e adornos usados nos templos. Os indígenas sob a orientação de mestres jesuítas executavam a talha e a escultura em madeira e pedra, empregando em profusão elementos da flora e fauna circunvizinhas aos aldeamentos.

A adaptação aos costumes locais em respeito à diversidade das regiões sob domínio

jesuítico, para a eficácia da catequese, era orientação que constava nas Constituições da

Companhia de Jesus, apresentada por Inácio de Loyola, em 1550, aos padres e irmãos que

estavam em Roma.

De fato, os jesuítas empreenderam no Brasil uma significativa obra missionária e evangelizadora, especialmente fazendo uso de novas metodologias, das quais a educação escolar foi uma das mais poderosas e eficazes. Em matéria de educação escolar, os jesuítas souberam construir a sua hegemonia. Não apenas organizaram uma ampla ‘rede’ de escolas elementares e colégios, como o fizeram de modo muito organizado e contando com um projeto pedagógico uniforme e bem planejado, sendo o Ratio Studiorum a sua expressão máxima. (SANGENIS, 2004, p.93)

O Ratio Studiorum ou Plano de Estudos – o método pedagógico dos jesuítas, publicado em 1599 foi sistematizado a partir das experiências pedagógicas, que tiveram início no Colégio de Messina, primeiro colégio aberto na Sicília, em 1548. A par dessa primeira experiência na Itália a disputa entre o modus italicus e o modus parisiensis foi vencida pelo último, com o predomínio do modelo da Universidade de Paris, por onde passaram muito dos jesuítas, inclusive o próprio Loyola.

Este código de ensino ou estatuto pedagógico era composto de um conjunto de regras, que envolvia desde a organização escolar e orientações pedagógicas até a observância estrita da doutrina católica. O método de estudos contido no Ratio compreendia o trinômio estudar, repetir e disputar, prescrito nas regras do Reitor do Colégio, e como exercícios escolares havia a preleção, lição de cor, composição e desafio, práticas pedagógicas essas que remetem diretamente à escolástica medieval, configurando-se como Pedagogia Tradicional, que na sua vertente religiosa, tornava a educação sinônima de catequese e evangelização. A educação almejada pelo Ratio tinha como meta a formação do homem perfeito, do bom cristão e era centrada em um currículo de educação literária e humanista voltada para a elite colonial.

A concepção pedagógica tradicional se caracteriza por uma visão essencialista de homem, isto é, o homem é concebido como constituído por uma essência humana e imutável. À educação cumpre moldar a existência particular e real de cada educando à essência universal e ideal que o define enquanto ser humano. Para a vertente religiosa, tendo sido o homem feito por Deus à sua imagem e semelhança, a essência humana é considerada, pois, criação divina. Em conseqüência, o homem deve se empenhar para fazer por merecer a dádiva sobrenatural.

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A expressão mais acabada dessa vertente é dada pela corrente do tomismo, que consiste numa articulação entre a filosofia de Aristóteles e a tradição cristã; tal trabalho de sistematização foi levado a cabo pelo filósofo e teólogo medieval Tomás de Aquino [...] E é justamente tomismo que está na base do Ratio Sudiorum [...] ( SAVIANI, 2004, p. 127)

Ainda que não tenham sido os jesuítas os primeiros a pisar a Terra de Santa Cruz – vale lembrar que junto com Pedro Álvares Cabral vieram os franciscanos. Essa primazia dos franciscanos, no entanto, não legou à posteridade o mesmo alcance que tiveram os jesuítas, que durante duzentos e dez anos, a partir da chegada em 1549 até a expulsão em 1759, detiveram o monopólio da educação. É certo que esse monopólio não explica isoladamente a sanha despótica do Marquês de Pombal contra a Companhia de Jesus. Tinham os jesuítas domínio sobre as fronteiras ao norte do Rio Amazonas, e as suas missões naquela região praticavam o comércio das drogas do sertão, sendo isentas de contribuição à coroa portuguesa, e ao Sul dos rios Uruguai e Paraguai, onde havia resistência ao uso dos indígenas para povoar e defender o interior e regiões fronteiriças. “A Companhia de Jesus foi uma das vítimas mais evidentes dos acontecimentos postos em marcha pelas pretensões imperiais do governo de Pombal e pelas tentativas de nacionalizar setores do sistema comercial luso-brasileiro.”(MAXWELL, 1995, p.42) Em Portugal, cabia aos jesuítas o direito exclusivo de ensinar Latim e Filosofia no Colégio de Artes, curso preparatório obrigatório para ingresso nas faculdades da Universidade de Coimbra. A Universidade de Évora era também uma instituição jesuítica. No Brasil os colégios jesuíticos ofereciam quase com exclusividade a educação secundária. Nos domínios de Portugal na Ásia havia sido a força dominante desde os primórdios da expansão portuguesa no Oriente, sendo que alguns dos jesuítas chegaram a ser mortos no cumprimento da ação evangelizadora. A Companhia de Jesus estava presente desse modo como fator de empecilho às reformas econômicas e educacionais de Pombal, o que explica, à primeira vista, a sua expulsão e proscrição. Quando da supressão da ordem, em 1773, contavam os inacianos com 578 colégios e 150 seminários em todo o mundo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, Fernando de. O Sentido da Educação Colonial. In: A Cultura Brasileira. Rio de

Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1943. p.289-320.

FRANCA, Leonel. O Método Pedagógico dos Jesuítas: o “Ratio Studiorum”. Rio de Janeiro:

Livraria Agir Editora, 1952.

_____. História da Companhia de Jesus. São Paulo; Rio de Janeiro: CJS/ Petrobrás, 2005. 4 vols.

MATTOS, Luiz Alves. Primórdios da Educação no Brasil: O Período Heróico (1549-1570). Rio de Janeiro: Gráfica Editora Aurora, 1958.

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MAXWELL, Kenneth. A Devassa da Devassa - a Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal- 1750-1808. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1995.

__________________. Marques de Pombal: paradoxo do iluminismo. Rio de Janeiro; Editora Paz e Terra, 1996.

NEVES, Luiz Felipe Baeta. O Combate dos Soldados de Cristo na Terra dos Papagaios:Colonialismo e Repressão Cultural. Rio de Janeiro: Forense-Universitária,1978.

PAIVA, José Maria. Colonização e Catequese. São Paulo: Cortez; Campinas: Autores

Associados, 1982.

SANGENIS, Luiz Fernando Conde. Franciscanos na Educação Brasileira. In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara. Histórias e Memórias da Educação no Brasil – Vol. I – Séculos XVI-XVIII. Petrópolis: Editora Vozes, 2004. p.93-107.

SAVIANI, Dermeval. Educação e Colonização: as idéias pedagógicas no Brasil. In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara. Histórias e Memórias da Educação no Brasil – Vol. I – Séculos XVI-XVIII. Petrópolis: Editora Vozes, 2004.p.121-130.

VILLALTA, Luiz Carlos. O Que se Fala e o Que se Lê: Língua, Instrução e Leitura. In: História da Vida Privada No Brasil I: Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p.331-445.

(Início) Mestre em História da Arte e da Cultura pela Universidade Estadual de Campinas, no ano de 2001 e doutoranda em Educação na área “História, Filosofia e Educação”, pela Universidade Estadual de Campinas.

MARQUÊS DE POMBAL E A REFORMA EDUCACIONAL BRASILEIRA

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Ana Paula Seco1

Tania Conceição Iglesias do Amaral2

RESUMO: A origem e o desenvolvimento histórico da educação pública no Brasil são estritamente ligados as

ações reformistas empreendida pelo Marquês de Pombal durante o seu governo de Portugal e possessões no

período colonial, notadamente por meio do banimento do trabalho missionário e catequético empreendidos pela

Companhia de Jesus. Após quase cinco séculos de história, tal tema permanece ainda no horizonte acadêmico

como importante debate e referência de pesquisa. Este trabalho apresenta a discussão sobre o contexto em que

se deu a primeira reforma educacional no país, e mais precisamente, discute a relação direta entre a expulsão

dos jesuítas e a necessidade da implantação de um novo modelo educacional no Brasil. Tem como objetivo

realçar importantes contingências a serem consideradas na análise da gênese da educação pública no país por

meio do percurso da história. Evidencia a reforma educacional do Marques de Pombal como uma estratégia que

se apresentou necessária, não só pela lacuna deixada pelo sistema jesuítico de ensino, mas também como

tentativa de modernização da sociedade em prol do desenvolvimento da economia portuguesa para manutenção

e fortalecimento do seu regime absolutista.

Palavras-chave: Marques de Pombal, Reforma Educacional Pombalina, Ensino Estatal, Política

colonial.

A reforma Pombalina é um importante marco na Historiografia da Educação Brasileira. Por ser

contextual, não é possível compreendê-la senão por meio da própria História do Brasil enquanto

Colônia de Portugal, espaço temporal onde foi criada. Isso passa necessariamente pelo entendimento

das idéias de quem a gerou, qual seja, um dos vultos históricos mais contundentes de Portugal e da

América Portuguesa, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (primeiro ministro de

Portugal de 1750-1777)3. Tanto ele como o seu governo controverso permanecem motivo de polêmica

1 Mestre em Educação, na área de “História, Filosofia e Educação”, pela Universidade Estadual de

Campinas, no ano de 2002 e doutoranda em Educação na área “História, Filosofia e Educação”, pela

Universidade Estadual de Campinas.

2 Mestre em Fundamentos da educação pela Universidade Estadual de Maringá e doutoranda em História

e Filosofia da Educação Brasileira pela Universidade Estadual de Campinas.

3 Dom José I, rei de Portugal (1750-1777), nomeou como primeiro-ministro Sebastião de Carvalho e Melo, o Marquês de

Pombal, que durante 27 anos comandou a política e a economia portuguesa. Ele reorganizou o Estado, protegeu os grandes

empresários, criando as companhias monopolistas de comércio. Combateu tanto os nobres quanto o clero e reprimiu

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até hoje. Para além do mito, ficou o debate que a sua atuação suscitou ao longo de décadas: o lastro

ideológico, reformador e autoritário, voluntarista e despótico e de tirano esclarecido4. Deste modo, a

análise das transformações da sociedade portuguesa em meados do século XVIII, consubstanciadas

nas Reformas Pombalinas, que abarcaram os âmbitos econômico, administrativo e educacional, tanto

em Portugal como nas suas colônias, requer o conhecimento da situação da metrópole neste período.

A política colonial portuguesa tinha como objetivo a conquista do capital necessário para sua

passagem da etapa mercantil para a industrial. Porém, Portugal não conseguiu alcançar este objetivo.

A nação que se destacava neste período era a Inglaterra, bastante beneficiada pelos lucros coloniais

dos portugueses.

“Com o Tratado de Methwen (1703), firmado com a Inglaterra, país já inserido no capitalismo industrial, o processo de industrialização em Portugal é sufocado. Seu mercado interno foi inundado pelas manufaturas inglesas, enquanto a Inglaterra se comprometia a comprar os vinhos fabricados em Portugal. Canaliza-se, assim, para a Inglaterra, o capital português, diante da desvantagem dos preços dos produtos agrícolas em relação aos manufaturados. Desta maneira, enquanto uma metrópole entrava em decadência (Portugal) outra estava em ascensão (Inglaterra)” (Ribeiro, 2000, p. 29)

igualmente as manifestações populares em função da defesa do estado absolutista português. Durante esse período, o rei

concedeu-lhe os títulos de conde de Oeiras (1759) e de marques de Pombal (1769). No governo seguinte, de D. Maria I,

surgiu o movimento “Viradeira”, que combatia toda doutrina do pombalismo, encerrando-se esta importante fase

pedagógica de nossa história colonial. D. Maria I, filha de Dom José, anistiou todos os presos políticos que Pombal havia

encarcerado durante seu governo. Pombal se viu forçado a afastar-se. Seus inimigos, agora no poder, moveram-lhe um

processo. Nada foi comprovado contra ele, mas em 1781 foi confinado em sua quinta de Pombal, onde morreu no ano

seguinte.

4Nesse sentido, o livro de Kenneth Maxwell acima citado é considerado um clássico porque consegue, através de análise

de vasta documentação, captar as idéias de Pombal por meio do movimento que as gerou. Nele o autor analisa e avalia o

estadista que governou Portugal entre 1750 e 1777, especialmente no que se refere às reformas empreendidas no Brasil

colônia. Para ele é surpreendente a falta de atenção às percepções sobre as ações gerais do marquês de Pombal, porque

todos os historiadores concordam que Portugal do século XVIII era governado por um regime autoritário e absolutista.

Entretanto omitem que se tratava de um regime inspirado em um absolutismo lógico do Marquês de Pombal, que usava

seu autoritarismo para o processo de restabelecimento do controle nacional sobre a economia e a revitalização do Estado

por meio da promoção da propaganda cujo exemplo mais conhecido é a perseguição sistemática aos jesuítas. Quando, em

1750, o rei dom João V morreu, Portugal encontrava-se em grave crise econômica. Era um país atrasado em relação às duas

grandes potências européias, França e Inglaterra. Além disso, encontrava-se em profunda dependência da Inglaterra, que

em decorrência do Tratado de Methuen, de 1703, havia praticamente impedido o desenvolvimento da indústria

manufatureira em Portugal, pois o obrigava a comprar quase tudo desse país. Assim, a maior parte dos lucros obtidos na

colônia eram transferidos para os cofres ingleses.

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Na análise de Leôncio Bausbaum (1957) sobre a situação econômica e política dos

países colonizadores, fica claro a posição de Portugal frente às demais potências da época,

concluindo que a Inglaterra a partir do século XVI e, principalmente, do século XVII já era uma

nação burguesa e industrial estando à frente das demais.

“Como nação, continuava Portugal um país pobre, sem capitais, quase despovoado, com uma lavoura decadente pela falta de braços que a trabalhassem, pelas relações de caráter feudal ainda existentes, dirigido por um Rei absoluto, uma nobreza arruinada, quase sem terras e sem fontes de renda, onde se salientava uma burguesia mercantil rica mas politicamente débil, preocupada apenas em importar e vender para o estrangeiro especiarias e escravos e viver no luxo e na ostentação.” (Bausbaum, 1957, p. 48-9).

Neste período, o então rei de Portugal, D. José I, nomeia para seu ministro Sebastião

José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, que caminha no sentido de recuperar a

economia através de uma concentração do poder real e de modernizar a cultura portuguesa,

reforçando o Pacto Colonial, iniciando assim, uma tentativa de transformação no século XVII

com as Reformas Pombalinas.

Tais reformas visavam transformar Portugal numa metrópole capitalista, seguindo o

exemplo da Inglaterra, além de adaptar sua maior colônia o Brasil a fim de acomodá-la a nova

ordem pretendida em Portugal. A idéia de pôr o reinado português em condições econômicas

tais que lhe permitissem competir com as nações estrangeiras era talvez a mais forte razão

das reformas pombalinas.

Assim, Pombal procurou industrializar Portugal, decretando altos impostos sobre os produtos

importados. Fundou a Companhia dos Vinhos do Douro, que monopolizou a comercialização dos

vinhos em Portugal, prejudicando a nobreza que produzia vinhos em suas quintas. Incentivou a

produção agrícola e a construção naval. Reformou a instrução pública e fundou várias academias.

Confiou a reorganização do Exército português ao conde de Schaumburg-Lippe, militar alemão.

Acabou com a distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos. Entretanto, o exemplo mais conhecido

de suas ações reformadoras é a expulsão dos jesuítas de Portugal e de seus domínios.

Em relação à colônia, Pombal procurou organizar melhor a exploração das riquezas do Brasil,

pois, dessa forma, aumentariam os ganhos de Portugal, tão necessários para alcançar os objetivos

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pombalinos referentes à economia portuguesa. Criou duas companhias de comércio, a do Grão-Pará

e Maranhão e a de Pernambuco e Paraíba, para financiarem a produção de açúcar, café e algodão e

depois comercializarem os produtos. O algodão era exportado para a Inglaterra e para as indústrias

por ele criadas em Portugal. Incentivou a indústria de construção naval, com a criação de estaleiros, a

de laticínios, de anil e de cochonilha.

Com relação à mineração, aboliu o imposto do quinto (pagamento ao rei da quinta parte de toda

a produção de ouro), substituindo-o pela avença (cobrança fixa de 100 arrobas). Suprimiu o regime de

contratos para a exploração dos diamantes, criando a Real Extração. Para melhor controlar a

exportação do ouro e dos diamantes, mudou a capital de Salvador para o Rio de Janeiro, que era o

porto por onde saíam os metais preciosos. Criou um tribunal da relação na nova capital e juntas de

justiça em todas as capitanias. As capitanias hereditárias que ainda pertenciam a particulares foram

compradas pela Coroa durante seu governo e transformadas em capitanias reais.

Em 1753, Pombal extinguiu a escravidão dos índios no Maranhão, onde ela era mais comum

que no resto da colônia. Em 1755, proclamou a libertação dos indígenas em todo o Brasil, indo ao

mesmo tempo contra os proprietários de escravos índios e os jesuítas, que dirigiam a vida das

comunidades indígenas nas missões (aldeamentos indígenas organizados pelos jesuítas). Após ter

expulsado os jesuítas de Portugal, obrigou-os também a sair do Brasil em 1760. Pombal proibiu a

discriminação aos índios e elaborou uma lei favorecendo o casamento entre eles e portugueses.

Finalmente, criou o Diretório dos Índios para substituir os jesuítas na administração das missões.

Segundo Maxwell5, Pombal não agia por intenção, mas pelas opções determinadas pela

posição de Portugal no sistema de Estado mercantilista do século XVIII. No caso da expulsão dos

jesuítas, o que pretendia era a supressão do domínio dos religiosos sobre a fronteira, acordada no

tratado de Madri6, onde estavam situadas as sete missões jesuíticas. Seu objetivo era que os índios

fossem libertados da tutela religiosa e se miscigenassem para assegurar um crescimento populacional

que permitiria o controle do interior, nas fronteiras. Na verdade, não acreditava em uma emigração

européia que pudesse cumprir com essa tarefa, era mais fácil europeizar, digamos assim, a população

5 Kenneth Maxwell é historiador inglês, autor, entre outros, de "A Devassa da Devassa" e "Marquês de

Pombal - Paradoxo do Iluminismo". Ambos editados pela Paz e Terra.

6 No Tratado de Madri, os portugueses cederam à Espanha a Colônia de Sacramento e as terras

imediatamente ao norte do rio da Prata em troca do reconhecimento espanhol das fronteiras fluviais

ocidentais do Brasil. Estas incluíam o rio Uruguai, o que punha as sete missões jesuíticas da região,

havia tempos sob a soberania espanhola, sob a de Portugal. Os acordos de Madri prescreviam a

evacuação dos jesuítas e seus neófitos indígenas das missões uruguaias bem como mais de 1 milhão de

cabeças de gado e previam um levantamento da linha demarcatória entre a América espanhola e

portuguesa por duas comissões mistas

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local. Para ele, o afastamento dos jesuítas dessa região significava tão somente, assegurar o futuro

da América Portuguesa através do povoamento estratégico. O interesse de Estado acabou entrando

em choque com a política protecionista dos jesuítas para com os índios e melindrando as relações com

Pombal, tendo este fato entrado para a história como “uma grande rivalidade entre as idéias iluministas

de Pombal e a educação de base religiosa jesuítica”.

É importante lembrar que embora o iluminismo estar presente na Europa do século XVIII,

Pombal não pode ser considerado um defensor do mesmo, pelo menos não do iluminismo que pregava

a autonomia. Ao contrário, como estadista que era, considerava as idéias iluministas dos demais

países da Europa perigosas à autoridade real. Não obstante, sentia a necessidade de colocar Portugal

a altura das demais nações esclarecidas da época, mas sobre o controle de um forte poder

centralizador.

Esse esclarecimento sobre as ações do Marquês de Pombal, por quem se introduziu o

iluminismo no império português, é importante para compreender que diferentemente da maior parte

dos governantes Iluministas, mais preocupados com a teoria do que com a prática, Pombal geralmente

atingiu seus objetivos. E não menos pela reforma educacional, por meio da qual abriu as portas a um

florescimento da ciência e da filosofia portuguesas em fins do século XVIII, mas pelas relações entre

o Iluminismo e o exercício do poder do Estado. Não foi por espírito libertador e igualitário que Pombal

empreendeu a reforma educacional por meio de mestres e professores seculares, mas pela

necessidade, além de preencher o extenso vazio deixado pela expulsão dos jesuítas, preparar homens

suficientemente capazes para assumir postos de comando no Estado absolutista.

POMBAL E A REFORMA EDUCACIONAL

A política educacional como outra qualquer de Pombal era lógica, prática e centrada nas

relações econômicas anglo-portuguesa.

A reforma educacional pombalina culminou com a expulsão dos jesuítas precisamente

das colônias portuguesas, tirando o comando da educação das mãos destes e passando para

as mãos do Estado. Os objetivos que conduziram a administração pombalina a tal reforma,

foram assim, um imperativo da própria circunstância histórica. Extintos os colégios jesuítas, o

governo não poderia deixar de suprir a enorme lacuna que se abria na vida educacional tanto

portuguesa como de suas colônias.

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Para o Brasil, a expulsão dos jesuítas significou, entre outras coisas, a destruição do

único sistema de ensino existente no país. Para Fernando de Azevedo, foi “a primeira grande

e desastrosa reforma de ensino no Brasil”. Como bem colocou Niskier,

“A organicidade da educação jesuítica foi consagrada quando Pombal os expulsou levando o ensino brasileiro ao caos, através de suas famosas ‘aulas régias’, a despeito da existência de escolas fundadas por outras ordens religiosas, como os Beneditinos, os franciscanos e os Carmelitas”. (Niskier, 2001, p. 34)

Enquanto na Metrópole buscava-se construir um sistema público de ensino, mais

moderno e popular, na colônia, apesar das várias tentativas, através de sucessivos alvarás e

cartas régias, as Reformas Pombalinas no campo da educação, só logrou desarranjar a sólida

estrutura educacional construída pelos jesuítas, confiscando-lhes os bens e fechando todos

os seus colégios.

É importante destacar que a reforma pombalina no Brasil não foi implementada no

mesmo momento e da mesma forma que em Portugal. Foi de quase trinta anos o tempo de

que o Estado português necessitou para assumir o controle pedagógico da educação a ser

oferecida em terras brasileiras; da completa expulsão dos jesuítas e do desmantelamento

sistemático de seu aparelho educacional, dos métodos aos materiais didáticos, até a

nomeação de um Diretor Geral dos Estudos que deveria, em nome do Rei, nomear

professores e fiscalizar sua ação na colônia.

Através do Alvará Régio de 28 de junho de 1759, o Marquês de Pombal, suprimia as escolas

jesuíticas de Portugal e de todas as colônias ao expulsar os jesuítas da colônia e, ao mesmo tempo,

criava as aulas régias ou avulsas de Latim, Grego, Filosofia e Retórica, que deveriam suprir as

disciplinas antes oferecidas nos extintos colégios jesuítas.

Estas providências, entretanto, não foram suficientes para assegurar a continuidade e

a expansão das escolas brasileiras, constantemente reclamadas pelas populações que até

então se beneficiavam dos colégios jesuítas. Portugal logo percebeu que a educação no Brasil

estava estagnada e era preciso oferecer uma solução.

Somente quando a Real Mesa Censória, criada em 1767 (inicialmente com atribuição

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para examinar livros e papéis já introduzidos e por introduzir em Portugal), alguns anos depois,

passa a assumir a incumbência da administração e direção dos estudos das escolas menores

de Portugal e suas colônias, é que as reformas na instrução ganham meios de implementação.

Com as novas incumbências e a partir das experiências administrativas da direção geral de

estudos, nos anos anteriores, a Mesa Censória apontou para as necessidades tanto na

metrópole quanto na colônia referente ao campo educacional. Assim, os estudos menores

ganharam amplitude e penetração com a instituição, em 1772, do chamado “subsídio literário”

7 para manutenção dos ensinos primário e secundário. Como Carvalho (1978) bem explicitou:

“Com os recursos deste imposto, chamado subsídio literário, além do pagamento dos ordenados aos professores, para o qual ele foi instituído, poder-se-iam ainda obter as seguintes aplicações: 1) compra de livros para a constituição da biblioteca pública, subordinada à Real Mesa Censória; 2) organização de um museu de variedades; 3) construção de um gabinete de física experimental; 4) ampliação dos estabelecimentos e incentivos aos professores, dentre outras aplicações” (Carvalho, 1978, p. 128).

Dessa forma, foi implantado o novo sistema educacional que deveria substituir o

sistema jesuítico. Aberto que estava à modernidade européia, incorporou partes do discursos

sobre a ação do Estado na educação e passou a empregá-lo para ocupar o vácuo que foi

deixado com a saída dos jesuítas, pelo menos no que diz respeito ao controle e gestão

administrativa do sistema escolar.

O NOVO SISTEMA

7.O “subsídio literário” consistiu num imposto que insidia sobre a carne, vinho e a cachaça, passando assim o ensino público

a ser financiado pelo Estado e para o Estado.

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Como vimos, foi através do Alvará Régio de 28 de junho de 1759 que o Marquês de

Pombal, ao mesmo tempo expulsou os jesuítas de Portugal e de suas colônias, suprimindo as

escolas e colégios jesuíticas de Portugal e de todas as colônias; criou as aulas régias ou

avulsas de Latim, Grego, Filosofia e Retórica, que deveriam substituir os extintos colégios

jesuítas e criou a figura do “Diretor Geral dos Estudos”, para nomear e fiscalizar a ação dos

professores.

As aulas régias eram autônomas e isoladas, com professor único e uma não se

articulava com as outras. Destarte, o novo sistema não impediu, a continuação do

oferecimento de estudos nos seminários e colégios das ordens religiosas que não a dos

jesuítas (Oratorianos, Franciscanos e Carmelitas, principalmente).

Em lugar de um sistema mais ou menos unificado, baseado na seriação dos estudos,

o ensino passou a ser disperso e fragmentado, baseado em aulas isoladas que eram

ministradas por professores leigos e mal preparados.

Com a implantação do subsídio literário, imposto colonial para custear o ensino, houve

um aumento no número de aulas régias, porém ainda muito precário devido à escassez de

recursos, de docentes preparados e da falta de um currículo regular. Ademais, vemos uma

continuidade na escolarização baseada na formação clássica, ornamental e europeizante dos

jesuítas, isto porque a base da pedagogia jesuítica permaneceu a mesma, pois os padres

missionários, além de terem cuidado da manutenção dos colégios destinados à formação dos

seus sacerdotes, criaram seminários para um clero secular, constituído por “tios-padres” e

“capelães de engenho”, ou os chamadas “padres-mestres” Estes, dando continuidade à sua

ação pedagógica, mantiveram sua metodologia e seu programa de estudos, que deixava de

fora, além das ciências naturais, as línguas e literaturas modernas, em oposição ao que

acontecia na Metrópole, onde as principais inovações de Pombal no campo da educação como

o ensino das línguas modernas, o estudo das ciências e a formação profissional já se faziam

presentes. Por isso, se para Portugal as reformas no campo da educação, que levaram a

laicização do ensino representou um avanço, para o Brasil, tais reformas significaram um

retrocesso na educação escolar com o desmantelamento completo da educação brasileira

oferecida pelo antigo sistema de educação jesuítica, melhor estruturado do que as aulas régias

puderam oferecer.

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“O Brasil não é contemplado com as novas propostas que objetivavam a

modernização do ensino pela introdução da filosofia moderna e das ciências da natureza,

com a finalidade de acompanhar os progressos do século. Restam no Brasil, na educação,

as aulas régias para a formação mínima dos que iriam ser educados na Europa”. (Zotti,

2004, p. 32)

Nas Instruções8 do Alvará Régio de 1759 X, transparece claramente o objetivo que norteou a

reforma na instrução. A preocupação básica era de formar o perfeito nobre, simplificando os estudos,

abreviando o tempo do aprendizado de latim, facilitando os estudos para o ingresso nos cursos

superiores, além de propiciar o aprimoramento da língua portuguesa, diversificar o conteúdo, incluir a

natureza científica e torná-los mais práticos.

Em substância, tal Alvará teve como significado central a tentativa de manter a continuidade de

um trabalho pedagógico interrompido pela expulsão dos jesuítas. A educação jesuítica não mais

convinha aos interesses comerciais emanados por Pombal, com seus conhecidos motivos e atos na

tentativa de modernização de Portugal, que chegariam também as suas colônias. Assim sendo, as

escolas da Companhia de Jesus que tinham por objetivo servir aos interesses da fé não atendiam aos

anseios de Pombal em organizar a escola para servir aos interesses do Estado.

É dentro desta ordem e em nome dela que o Alvará de 1759 pode ser visto como o

primeiro esforço no sentido da secularização das escolas portuguesas e de suas colônias,

entendendo que somente um ensino, dirigido e mantido pelo poder secular, poderia

corresponder aos fins da ordem civil.

A ingerência do Estado nas questões de educação começa a ganhar vulto a partir do

deste período, concomitante com a idéia do desenvolvimento de sistemas nacionais de

educação, ligados aos processos político-sociais de consolidação dos Estados Nacionais

europeus.

Seguindo nesta direção, com uma ação intensiva, o Estado português assume

definitivamente o controle da educação colonial. A criação da figura do “Diretor Geral dos

Estudos” deixa bem clara, no mesmo “Alvará”, a intenção da Coroa de uniformizar a educação

na Colônia e fiscalizar a ação dos professores — desde já por ela nomeados — do material

8 Instrumento para orientar a execução de leis e decretos (atos normativos), fazendo menção aos

artigos cujos conteúdos se está detalhando e regulamentando. (BELLOTTO, 2004, p. 96)

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didático por eles utilizado — também devidamente “recomendado” no mesmo documento —

de modo a que não houvesse choque de interesses — isto é, que não houvesse nenhum outro

poder, como era o dos jesuítas, a afrontar as determinações da Coroa. Cabe à Coroa a

instalação de um novo sistema de ensino, e é exatamente essa a linha pela qual segue o

Alvará Régio.

As aulas régias instituídas por Pombal para substituir o ensino religioso constituíram,

dessa forma, a primeira experiência de ensino promovido pelo Estado na história brasileira. A

educação a partir de então, passou a ser uma questão de Estado. Desnecessário frisar que

este sistema de ensino cuidado pelo Estado servia a uns poucos, em sua imensa maioria,

filhos das incipientes elites coloniais.

Pedagogicamente, esta nova organização não representou um avanço. Mesmo

exigindo novos métodos e novos livros, no latim a orientação era apenas de servir como

instrumento de auxílio à língua portuguesa, o grego era indispensável a teólogos, advogados,

artistas e médicos, a retórica não deveria ter seu uso restrito a cátedra. A filosofia ficou para

bem mais tarde, mas efetivamente nada de novo aconteceu devido principalmente, às

dificuldades quanto à falta de recursos e pessoal preparado.

As transformações no nível secundário não afetaram o fundamental, que permaneceu

desvinculado da realidade, e buscando o modelo de exterior "civilizado". Quem tinha

condições de cursar o ensino superior enfrentava os perigos das viagens, para freqüentar a

Universidade de Coimbra ou outros centros europeus. Como as "Reformas Pombalinas"

visavam transformar Portugal numa metrópole como a Inglaterra, a elite masculina deveria

buscar respaldo fora, para poder servir melhor na sua função de articuladora dos interesses

da camada dominante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os 27 anos de governo de Pombal caracterizaram-se por uma tentativa de modernização da

sociedade e de desenvolvimento da economia portuguesa.A peculiaridade de Portugal nessa época

foi a coincidência do iluminismo com a luta do Estado português para voltar a ser a grande nação da

época dos descobrimentos - por meio do fortalecimento do Reino e seu soberano - adaptando-se às

técnicas que acreditava terem sido utilizadas pelos seus rivais para ultrapassá-lo - ainda que para tanto

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devesse se apoiar nas novas idéias da Ilustração, que não poupavam críticas a sua ordem política e

social já considerada velha - Pombal tinha essa missão. Foi um homem eclético, pragmático e

obstinado, disposto a tirar de seu caminho tudo que lhe impedisse de alcançar seus objetivos. - em

inúmeras oportunidades entrou em conflito com membros da nobreza e do clero – como se percebe a

controvérsia está no núcleo da ação pombalina, na combinação particular de métodos que ele utilizou.

Eles refletem seu posicionamento entre oportunidade e necessidade. Era a oportunidade e seu senso

prático que o faziam agir independentemente do julgamento de quem quer que fosse. Isso se esclarece

por meio das grandes reformas perpetradas por Pombal9, como por exemplo: A reconstrução de

Lisboa foi possível pela catástrofe do terremoto de 1755. A reforma da área militar seguiu-se à invasão

espanhola de 1762. Sua reforma do sistema educacional foi o resultado inevitável da expulsão dos

jesuítas. A crescente ênfase nas manufaturas que ocorriam na época acompanhou a criação de um

ambiente econômico favorável à substituição das importações.

Portanto, a praticidade, às vezes perversa de Pombal, se traduz nas atividades e reformas

estabelecidas pelo Marquês na defesa do absolutismo. Na verdade tratava-se de um oportunista cuja

hábil manipulação das circunstâncias nas quais não lhe importavam os métodos, colocou o poder do

Estado como o maior de seus objetivos, tendo sido, nesse sentido, o maior reformador de seu tempo.

Tratava-se, portanto de manobras sociais para o fortalecimento estado absolutista de Portugal.

Embora a Metrópole portuguesa só abrisse perspectivas para a penetração de um Iluminismo

contido, científico na aparência, já que permaneceria submetido à tradição cultural da imitação,

memorização e erudição literária, houve um avanço no ensino público português, que passou a formar

uma burocracia administrativa mais moderna e eficiente. Além disso, os professores régios que aqui

exerciam a profissão de ensinar, foram propulsionadores dos sentimentos liberais e incentivadores das

idéias filosóficas que tão significativamente se fizeram atuantes nos últimos trinta anos que

antecederam a independência do país.

É muito interessante perceber por quais vias o iluminismo implantou-se no Brasil. É justamente

através da política imperial de racionalização e padronização da administração de Pombal que a

educação passou para as mãos do Estado, mas essa educação que passou a ser pública, não se faz

para os interesses dos cidadãos. Ela serviu aos interesses imediatos do Estado, que para garantir seu

status absolutista precisa manter-se forte e centralizado nas mãos e sobre comando de uns poucos

preparados para tais tarefas. Assim, mesmo que aparentemente as ações de Pombal induzam ao

entendimento de uma política despótica de benefícios individuais - idéia que não é de toda inválida - é

preciso acordar com a análise de Maxwell de que os lucros das reformas pombalinas foram individuais,

9 . Sobre o assunto, consultar Kenneth Maxwell, “ Marques de Pombal: Paradoxo do Iluminismo”

(1996).

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privados. Mas os interesses foram públicos - no sentido de estatal - na medida em que naquele

contexto, iluminismo, racionalidade e progresso têm um significado muito diferente aos quais se deve

estar atento: iluminismo no contexto da colônia brasileira tratou-se, na verdade do engrandecimento

do poder do Estado e não das liberdades individuais, Dessa forma, entender o projeto do iluminismo

pombalino talvez seja a chave para ajudar a perceber a tradição reformista nas tentativas de

construção de um sistema nacional de educação pública realmente voltado aos interesses públicos,

que até hoje não se consolidou no Brasil.

BIBLIOGRAFIA

BAUSBAUM, Leônico. História sincera da República: das origens até 1889. Rio de Janeiro: Livraria

São José, 1957.

BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos Permanentes: tratamento documental. 2 ed. ver. ampl.. Rio de

Janeiro: Editora Da FGV, 2004.

CARVALHO, Laerte Ramos de. As Reformas Pombalinas da Instrução Pública. São Paulo: Saraiva:

Ed. Universidade de São Paulo, 1978.

MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal - Paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1996.

NISKIER, Arnaldo. Educação Brasileira: 500 anos de História. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2001.

RIBEIRO, Maria Luíza Santos. História da Educação Brasileira: a organização escolar. 18 ed. ver.

ampl.. Campinas: Autores Associados, 2000.

XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado. História da Educação: a escola no Brasil. São Paulo: FTD,

1994.

ZOTTI, Solange Aparecida. Sociedade, Educação e Currículo no Brasil: dos jesuítas aos anos de 1980.

Campinas: Autores Associados, 2004.

O IMPÉRIO E AS PRIMEIRAS TENTATIVAS DE

ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NACIONAL

(1822-1889)

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Maria Isabel Moura Nascimento10 [1]

Este período histórico foi determinado pelas transformações ocorridas no século XVIII

desencadeadas a partir da Revolução Francesa (1789) e da Revolução Industrial iniciada na

Inglaterra, que abriram o caminho para o avanço do capitalismo para outros paises. No início

do século XIX, a hegemonia mundial inglesa na área econômica amplia-se com a conquista

de novos mercados. A França, por outro lado, sob o comando de Napoleão Bonaparte,

passava a lutar pelo domínio de outros países, inclusive Portugal. Em 1808, a família real

portuguesa transferiu-se para o Brasil, para fugir do ataque francês. A presença da corte

portuguesa no Brasil, com todo o seu aparato, propiciou o desencadeamento de

transformações na Colônia. Neste processo, foram abertos os portos brasileiros ao comércio

exterior acabando com o monopólio português. Para suprir as carências oriundas do longo

período colonial foram criadas várias instituições de ensino superior, “com a finalidade

estritamente utilitária, de caráter profissional, visando formar os quadros exigidos por essa

nova situação.” (por ser citação de até três linhas, coloquei em itálico) (WEREBE, 1994).

Assim, foram criados diversos cursos de nível superior: na Academia Real da Marinha (1808),

Academia Real Militar (1810), Academia Médico-cirúrgica da Bahia (1808) e Academia

Médico-cirúrgica do Rio de Janeiro (1809).

Após três séculos de domínio político e exploração econômica do Brasil por parte de

Portugal, que manteve durante todo o período colonial uma posição parasitária em relação à

produção brasileira, com o novo contexto da economia mundial, de expansão do capitalismo,

que impunha uma nova postura dos paises em relação à produção e a comercialização, já

não era possível suportar domínio de Portugal, que onerava os produtos brasileiros na disputa

por mercados e onerava a aquisição de mercadorias estrangeiras necessárias para o

consumo interno no Brasil.

Diante do enfraquecimento econômico e político de Portugal e o contexto de

contradição entre a política econômica portuguesa e a política econômica internacional

ocorreu a conquista brasileira de sua autonomia política e econômica. A Independência

10 [1] Doutora em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Professora da Universidade

Estadual de Ponta Grossa. Secretária Geral do HISTEDBR.

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brasileira foi conquistada em 1822, com base em acordos políticos de interesse da classe

dominante, composta da camada senhorial brasileira, que entrava em sintonia com o

capitalismo europeu.

A Assembléia Constituinte e Legislativa instalada após a proclamação da Independência

para legar nossa primeira Constituição, iniciou os trabalhos propondo uma legislação particular

sobre a instrução, com o objetivo de organizar a educação nacional.

A Constituição11 [2] outorgada em 1824, que durou todo o período imperial, destacava,

com respeito à educação: “A instrução primária é gratuita para todos os cidadãos.” Para dar

conta de gerar uma lei especifica para a instrução nacional, a Legislatura de 1826 promoveu

muitos debates sobre a educação popular, considerada premente pelos parlamentares.

Assim, em 15 de outubro de 1827, a Assembléia Legislativa aprovou a primeira lei sobre

a instrução pública nacional do Império do Brasil, estabelecendo que “em todas as cidades,

vilas e lugares populosos haverá escolas de primeiras letras que forem necessárias”

A mesma lei estabelecia o seguinte: os presidentes de província definiam os ordenados

dos professores; as escolas deviam ser de ensino mútuo; os professores que não tivessem

formação para ensinar deveriam providenciar a necessária preparação em curto prazo e às

próprias custas; determinava os conteúdos das disciplinas; devem ser ensinados os princípios

da moral cristã e de doutrina da religião católica e apostólica romana; deve ser dada

preferência aos temas, no ensino de leitura, sobre a Constituição do Império e História do

Brasil.

Os relatórios do Ministro do Império Lino Coutinho de 1831 a 1836 denunciaram os parcos

resultados da implantação da Lei de 1827, mostrando o mau estado do ensino elementar no

país. Argumentava que, apesar dos esforços e gastos do Estado no estabelecimento e

ampliação do ensino elementar, a responsabilidade pela precariedade do ensino elementar

11 [2] A Constituição de 1824 manteve os princípios do liberalismo moderado e fortaleceu o poder

pessoal do imperador, com a criação do Poder Moderador acima dos poderes Executivo, Legislativo e

Judiciário. Ela estabelecia que as províncias passassem a ser governadas por presidentes nomeados pelo

imperador e dividiu o Legislativo em Senado vitalício, na prática escolhido pelo imperador, e Câmara

dos Deputados, eleita por voto indireto e censitário. Os eleitores votavam em suas províncias num

colégio eleitoral que escolhia os deputados. Apenas os homens livres que cumpriam algumas condições,

inclusive de renda, participavam das eleições. Esses requisitos eram apurados nos censos.

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era das municipalidades pela ineficiente administração e fiscalização, bem como culpava os

professores por desleixo e os alunos por vadiagem. Admitia, no entanto, que houve abandono

do poder público quanto ao provimento dos recursos materiais, como os edifícios públicos

previstos pela lei, livros didáticos e outros itens. Também apontava o baixo salário dos

professores; a excessiva complexidade dos conhecimentos exigidos pela lei e que dificultavam

o provimento de professores; e a inadequação do método adotado em vista das condições

particulares do país.

Podemos observar, nos relatórios do ministro, que o entusiasmo inicial com a instrução

popular esbarrava não somente nas condições reais do país, mas no discurso ideológico do

governo que dizia estar preocupado em levar a instrução ao povo, sem providenciar, todavia,

os recursos para criar as condições necessárias para a existência das escolas e para o

trabalho dos professores.

O Ato Adicional de 6 de agosto de 1834 instituiu as Assembléias Legislativas provinciais

com o poder de elaborar o seu próprio regimento, e, desde que estivesse em harmonia com

as imposições gerais do Estado, caber-lhe-ia legislar sobre a divisão civil, judiciária e

eclesiástica local; legislar sobre a instrução pública, repassando ao poder local o direito de

criar estabelecimentos próprios, além de regulamentar e promover a educação primária e

secundária. Ao Governo Central ficava reservado o direito, a primazia e o monopólio do ensino

superior. Graças à descentralização, em 1835, surgiu a primeira escola normal do país, em

Niterói.

Baseado nessa Lei, cada província passava a responder pelas diretrizes e pelo

funcionamento das suas escolas de ensino elementar e secundário. Logo se defrontaram,

porém, com as dificuldades para dar instrução de primeiras letras aos moradores dos lugares

distantes e isolados. Neste período, o acesso à escolarização era precário ou inexistente,

tanto por falta de escolas, quanto de professores.

Para atender a demanda de docentes, saíram os decretos para criação das primeiras

escolas normais no Brasil12 [3] , com o objetivo preparar professores para oferecer a instrução

12 [3] Foram criadas escolas normais em várias províncias do país:Minas Gerais (1835), Rio de Janeiro (1835), Bahia (1836), São Paulo (1846). Sabe-se que, embora criadas legalmente, as maiorias dessas escolas optaram por mandar professores para estudar fora do país,para aprender os métodos mútuos e simultâneos. Apenas a Escola Normal de Niterói iniciou suas atividades na década de 30 do século XIX.

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de primeiras letras.

Graças à descentralização da educação através do Ato Adicional, em 1835 surgiu a

primeira Escola Normal do país, em Niterói. Em seguida outras Escolas Normais foram criadas

visando melhorias no preparo do docente. Em 1836 foi criada a da Bahia, em 1845 a do Ceará

e, em 1846, a de São Paulo.

Em 1837, na cidade do Rio de Janeiro foi criado o Colégio Pedro II, onde funcionava o

Seminário de São Joaquim. O Colégio Pedro II fornecia o diploma de bacharel, título

necessário na época para cursar o nível superior. Foram também criados nessa época

colégios religiosos e alguns cursos de magistério em nível secundário, exclusivamente

masculinos. O colégio de Pedro II era freqüentado pela aristocracia, onde era oferecido o

melhor ensino, a melhor cultura, com o objetivo de formar as elites dirigentes. Por este motivo,

era considerado uma escola modelo para as demais no país.

A presença do Estado na educação no período imperial era quase imperceptível, pois

estávamos diante de uma sociedade escravagista, autoritária e formada para atender a uma

minoria encarregada do controle sobre as novas gerações. Ficava evidenciada a contradição

da lei que propugnava a educação primária para todos, mas na prática não se concretizava.

O governo imperial atribuía às províncias “[...]a responsabilidade direta pelo ensino primário e

secundário, através das leis e decretos que vão sendo criados e aprovados, sem que seja

aplicado, pois não existiam escolas e poucos eram os professores.”(NASCIMENTO,2004, p.

95).

Em 1879, a reforma de Leôncio de Carvalho instituiu a liberdade de ensino, o que

possibilitou o surgimento de colégios protestantes e positivistas. Em 1891, Benjamim

Constant, baseado nos ensinamentos de Augusto Comte, elaborou uma reforma de ensino de

nítida orientação positivista, defensora de uma ditadura republicana dos cientistas e de uma

educação como prática neutralizadora das tensões sociais.

O mundo desenvolvido caminhava para uma organização econômica que era

considerada “mundial”, onde o ideal para os teóricos idealizadores desta economia era

assegurar a divisão internacional do trabalho para que “[...] garantisse o crescimento máximo

da economia.[...] não tinha sentido tentar produzir bananas na Noruega, pois elas podiam ser

produzidas muito mais barata em Honduras.” (HOBSBAWM, 1992, p.66)

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O liberalismo econômico impunha as regras e tudo o que era possível para demonstrar

que esta prática era melhor para economia mundial. Nesta perspectiva os conflitos estavam

estabelecidos: a Industrialização e a Depressão “[...]formaram-nas num grupo de economias

rivais, em que os ganhos de uma pareciam ameaçar a posição de outras. A concorrência se

dava não só entre empresas, mas também entre nações.” (HOBSBAWM, 1992, p.68)

Com o protecionismo industrial (retirei vírgula) estabelecido, as bases industriais do

mundo, adequaram-se e para isso fez se necessário incentivar as poucas industriais nacionais

para este novo modelo e para produzirem com vistas ao mercado interno. Era preciso mão-

de-obra preparada, escolarizada e o Brasil, com sua economia baseada na agricultura, na

exploração bruta do trabalho, não atingia as exigências dos interesses externos. Diante de

muitos conflitos13 [4] , o Brasil passa a ser denominado Republicano com a libertação dos

escravos para atender às demandas do mercado internacional. E, paralelo a isso, são

incentivados os discursos e pequenas ações para acabar com o analfabetismo no país.

No final do Império, o quadro geral do ensino era de poucas Instituições Escolares, com

apenas alguns liceus províncias nas capitais, colégios privados bem instalados nas principais

cidades, cursos normais em quantidade insatisfatórias para as necessidades do país. Alguns

cursos superiores quem garantiam o projeto de formação (médicos, advogados, de políticos e

jornalistas). Identificando o grande abismo educacional entre a maioria da população brasileira

que, quando muito, tinham uma casa e uma escola, com uma professora leiga para ensinar

os pobres brasileiros excluídos do interesse do governo Imperial.

BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO, Azevedo de. A Cultura Brasileira. 5ª. Ed., revista e ampliada. São Paulo. Melhoramento, Editora da USP, 1971.

13 [4] A luta legal contra a escravidão se prolongou por 80 anos no Brasil. Sobre o assunto consultar

História do Brasil - Luiz Koshiba - Editora Atual, História do Brasil - Bóris Fausto – EDUSP , Os

Escravos - Castro Alves Espumas Flutuantes e outros

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COSTA, Emília Viotti da .Da Monarquia à República: Momentos Decisivos.Livraria Editora Ciências Humanas. Segunda Edição.São Paulo, 1979.

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder.Formação do Patronato Político Brasileiro. 7ª. Ed. Rio de Janeiro:globo, 1987.

HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios 1875-1914. São Paulo:3ª ed., Paz e Terra, 1992.

HOLANDA, Sergio Buarque de Holanda. O Brasil Monárquico. Tomo II; declínio e queda do império. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil,1997.

NASCIMENTO, Maria Isabel M. A Primeira Escola de professores dos Campos Gerais-PR, Tese (Doutorado), Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP- Faculdade de Educação, 2004.

RIBEIRO, Maria Luiza Santos.História da Educação Brasileira: A organização Escolar. Campinas, SP:Autores Associados, 2003.

WEREBE, Maria José Garcia. 30 Anos Depois - Grandezas e Misérias do Ensino no Brasil. São Paulo, Ática, 1994.

XAVIER, Maria Elizabete S. Prado. Poder político e educação de elite. 3.ed., São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1992.

A PRIMEIRA REPÚBLICA, AS ESCOLAS GRADUADAS E O IDEÁRIO DO ILUMINISMO

REPUBLICANO: 1889-1930

Jorge Uilson Clark14

O presente estudo visa analisar a difusão do ideário iluminista republicano e a propagação da

escola graduada entre o período de 1889 a 1930, também conhecido por República Velha. A divisão

da República em ordem cronológica tem como intuito facilitar o trabalho de quem estuda a História.

Entre as dificuldades que a ciência histórica apresenta, uma das maiores é justamente a determinação

dos períodos de seu desenvolvimento, pois não dá par dizer “a partir desse momento interrompemos

o estudo da Monarquia e começamos um estudo sobre a República”, já que em diferentes momentos

14 Doutor em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP.

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os fatos históricos se interpenetram; não é pelo fato que a República tenha sido proclamada em 1889,

que a vida econômica e social se transformou a partir daí, pelo contrário, ela seguiu da mesma forma,

mudando somente o regime político.

Depois de fazer esse pequeno esclarecimento, podemos dizer que, o Movimento Republicano

teve seu início em pleno andamento do Império, ou seja, a partir de 1870. Durante esse período,

muitas das mudanças exigidas pelos republicanos já vinham sendo promovidas pelos diferentes

gabinetes ministeriais do império. Era a velha Monarquia buscando ajustar sua política com intuito de

permanecer mais tempo no poder. Porém, esse fato não aconteceu devido principalmente a crise

política e econômica vivida pelo Império.

O Governo Imperial instituído com a Independência do Brasil (1822), pretendia manter intocável

o latifúndio escravista e preservar os privilégios da elite rural, porém com o passar dos anos, essa

estrutura montada nesses pilares social e econômico demonstrava sua incapacidade de acompanhar

a evolução pelo qual o Brasil passava, notadamente, a partir de 1870, quando evoluírem os meios de

transportes com o surgimento da rede ferroviária e a navegação a vapor. No Oeste Paulista as

fazendas de café adquiriram caráter de empresa, com os proprietários mecanizando a produção; e nas

regiões onde antes se produzia açúcar com seus velhos engenhos, foram aos poucos sendo

substituídas por usinas mais modernas. Além desse fator, contribuíram também para mudanças, o

crescimento populacional, a crise do sistema escravista e a lenta substituição no campo do trabalho

servil para de trabalhador assalariado, sem se falar, no surgimento nas grandes cidades de inúmeras

indústrias a partir da década de 1870, expandindo ainda mais na década seguinte.

Portanto, a não adequação do regime Imperial a nova realidade e a crise econômica que atinge

o Brasil em 1877, contribuiu para que os ideais republicanos se fizessem cada vez mais presente

acentuando o “antagonismo entre os tradicionais senhores de terra que governavam o país como se

governassem suas fazendas e os representantes de novos interesses” (COSTA, 1974: 27).

Na medida que o republicanismo avançava ganhando espaço na sociedade, instituições

comprometidas com seus ideais surgia como, por exemplo, a fundação no Rio de Janeiro do Clube

Republicano, em 3 de dezembro de 1870, e, nesse mesmo ano, surgia o Jornal “A República”

responsável pela publicação do “Manifesto”, cuja elaboração contou com a participação de Quintino

Bocaiúva, Saldanha Marinho e Salvador Mendonça, sendo assinada também pelos representantes

das mais diversas profissões, dentre as quais haviam “12 advogados, 9 médicos, 7 negociantes, 5

engenheiros, 5 jornalistas, 3 advogados-jornalistas, 3 funcionários públicos, 2 professores, 1

fazendeiro e 1 capitalista” (QUEIROZ, 1974:49).

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Entre as críticas feitas pelos republicanos ao sistema Imperial, a que mais pesava era contra

o poder moderador, que concedia plenos poderes ao imperador, atendendo sua vontade pessoal e

servindo ao seu despotismo.

Embora outras questões também fossem denunciadas pelos republicanos, como diferença de

raça, posição econômica e a manutenção dos privilégios da elite em relação à sociedade, continuou

prevalecendo a desigualdade social, pois não era intenção dos republicanos alterar a ordem

econômica, muito menos social, mais sim atrair cada vez mais adeptos, fortalecendo assim a causa

republicana. Daí evitar discutir assuntos polêmicos como a Abolição da Escravatura. Pois, não

desejavam comprometer-se com os ricos agricultores do sul, “sem prever que os elementos mais

inteligentes da grande lavoura seriam os primeiros a antecipar-se à escravidão, inaugurando por conta

própria, o trabalho livre do colono estrangeiro”. (BELLO, 1972:17), nas regiões mais ricas e

desenvolvidas do país devido principalmente ao café.

Nas vésperas da Proclamação da República o Movimento estava estruturado da

seguinte maneira em todo o país: 77 jornais e 273 clubes republicanos. Mas enquanto a elite

participava ativamente das mudanças políticas, a população permaneceu alienada do

processo sob a alegação de que pouco se lia e de que a maioria da população era composta

de analfabetos, e que, portanto, a propaganda só podia ser difundida oralmente. Com respeito

a esse assunto afirmava Silva Jardim:

[...] tinha-se em verdade passado o tempo das revoluções feitas somente à força da espada ou à força do dinheiro: o essencial era preparar a opinião pública; e com alguns níqueis no bolso para estradas de ferro, e com uma garganta para os discursos, também se podia abrir caminho para a República. Creio que me reconheci

com alguns níqueis no bolso e com uma garganta. (JARDIM, Silva, in: QUEIROZ:

1947:7).

Seguindo uma linha doutrinária liberal democrática, os republicanos procuravam

afastar os elementos mais radicais do partido, fortalecendo o pensamento dos moderados que

acreditavam no uso da palavra como meio de persuasão política, condenando a pretensão da

ala revolucionária ligada a Silva Jardim que pretendiam chegar ao poder através do uso da

força. Os ideólogos moderados acreditavam que não havia a necessidade do derramamento

de sangue, pois a revolução desde a muito já se encontrava amadurecida e podia ser realizado

com palavras, considerada importante “arma de discussão, instrumentos pacíficos da

liberdade, da qual se promove à revolução moral e que ampliam os direitos” político.

(MANIFESTO, A REPÚBLICA, 3/12/1870).

Os republicanos ao expor o regime imperial sob constante acusação pretendiam

promover seu desgaste político junto à opinião pública e abalar a confiança dos políticos que

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defendiam o Império no Congresso, como era caso do senador Francisco Gonçalves Martins,

Barão de São Lourenço, que utilizou umas das sessões do senado para assim declarar: “a

força e o prestígio com que tanto trabalho os partidos tinham ganhado para o governo do país

estão mortos; e as províncias começão a perder fé no governo do Império, nada esperando

em seu bem, antes contínuos obstáculos a seu programa pelas más administrações”. (ANAIS

DO IMPÉRIO DO BRASIL, 1868, V.II, p.155).

Com a implantação da República, em 1889, evidenciaram-se duas correntes

divergentes que se digladiavam entre si pela busca do poder. A primeira, representada pelos

“republicanos históricos”, sob a liderança de Quintino Bocaiúva e que pregava uma ação

política moderada; e a segunda, representada pelos “radicais” do partido, sob a liderança de

Silva Jardim pregava a tomada do poder pela violência se necessária. No confronto entre

ambas, saiu vitoriosa a ala moderada. Durante a implantação da República, Quintino Bocaiúva

assim se manifestou:

A República, como nós a queremos e como a temos proclamado em vários dos nossos manifestos, tem de ser e deve ser um governo de liberdade, de igualdade, de fraternidade, de justiça, de paz, de progresso e de ordem; de garantia para todos os direitos e de respeitos para todos os interesses legítimos.

Na alma nacional, fixou-se com a aspiração da idéia republicana a idéia de que o fim da monarquia deve fatalmente coincidir com o fim do Segundo Reinado.

Julgo poder assegurar que somos chegados ao período agudo da crise social e política da nossa pátria e que a nação brasileira tem demonstrado a sua firme intenção de repelir energicamente a hipótese do Terceiro Reinado.

Rio de Janeiro. 22 de maio de 1889. Quintino Bocaiúva (O País, 22 de maio de 1889).

A consolidação da República e em seguida, a elaboração da Constituição de 1891, deu

ao Brasil um regime presidencialista e representativo Apesar de seu anuncio como de

tendência liberal e democrático, foi esse regime dominado por forças política elitista,

constituída a partir de um modelo de Estado oligárquico, no qual prevaleceu o interesse dos

grupos dominante dos Estados mais ricos, isto é, às oligarquias cafeeiras de São Paulo, Minas

Gerais e do Rio de Janeiro.

A ingerência desse grupo no Estado leva a República a se tornar um sistema político

estagnado e viciado, no qual atuavam apenas as elites regionais, controlando eleições,

partidos, políticas e demais autoridades, alternando-se no poder que foi disputado por todos

os meios. Essa forma política ficou conhecida como a do “café com leite”, por serem seus

representantes oriundos de Minas Gerais ou de São Paulo, Estados responsáveis por

indicarem os candidatos à presidente da República”. Com a “República do café com leite”

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iniciava um sistema que tinha por objetivo incrementar o programa financeiro, fortalecendo o

poder pessoal do presidente, buscava também promover o equilíbrio político tentado a

instauração do regime federativo.

Já a partir de 1900, inaugurava a “Política dos Governadores ou dos Estados”, no qual

buscava empreender o entrosamento entre a União e os Estados. Esse modelo, refletiu

diretamente na atuação do Congresso que havia se tornado submisso aos desígnios

presidenciais, e sujeito à troca de favores, atendendo principalmente aos grupos oligárquicos

das unidades federativas que tinham seus interesses assegurados. Esta prática política

perpetuaria as grandes famílias de oligarcas,

A base desse sistema estava a mecânica eleitoral excludente e corrupta. Os analfabetos não votavam; num país quase sem escolas, apenas 6% da população constituía o eleitorado. E a maior parte desse eleitorado era manipulada. Primeiro pelo voto de curral, predominante no interior, onde o incontestado poder dos coronéis agrupava os submissos eleitores em grupos fechados, votando em quem o potentado escolhesse. Segundo pelo voto de cabresto, na cidade e no campo, voto comprado por meio de favores, ou mesmo através de dinheiro vivo. Finalmente, nas mesas eleitorais os coronéis e seus prepostos faziam votas fantasmas, ausentes, falsificavam as atas e fazia sumir o menor traço de oposição. Se algum coronel dissidente da política estadual conseguisse fazer representantes ao Congresso, a

“degola” se encarregava do resto. (LOVE, 1975:63).

O sistema político tornou-se refém da situação econômica, onde o principal produto era

o café, sujeito às oscilações de preço no mercado internacional, o que provocava instabilidade

econômica e interferia nos ganhos dos proprietários e exportadores desse produto. Esta

situação permaneceu durante os primeiros anos republicanos, somente alterado no final do

governo de Rodrigues Alves (1902-1906).

A instabilidade política vivida no período republicana foi decorrente, primeiro dá não

incorporação das classes sociais populares à política; segundo, em razão do aumento das

divergências e dissensões entre grupos dominantes em cada Estado ou entre as elites dos

dois Estados mais importantes da Federação. Terceiro, porque as classes populares não

tinham como expressar eleitoralmente; devido ao uso da violência, tanto dos “coronéis do

sertão”: nas pequenas localidades qual mantinha o domínio, como da violência oficial através

da intervenção da forças armada, convocadas para intervir nos Estados, sempre que a

situação fugisse ao seu controle.

O domínio das oligarquias sob a política permanece até as vésperas da Primeira

Guerra Mundial (1914-1918), quando o Brasil sofre transformações por força das

contingências criadas pela Guerra. As dificuldades de importação de mercadorias estrangeiras

levaram os capitalistas brasileiros e estrangeiros a investirem no pólo brasileiro estimulando

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o desenvolvimento interno, principalmente no setor industrial localizado entre o eixo Rio-São

Paulo. Ligadas ao setor urbano e industrial emergem às novas classes sociais, porém, essas

ainda eram incapazes de elaborar uma ideologia própria. Os novos setores sociais urbanos

que surgem, passa a exigir o direito de participarem do pleito eleitoral, mas para que isso fosse

possível, era necessário instruir o povo, pois a grande maioria era analfabeta. Segundo

VANILDA PAIVA

A questão do analfabetismo no Brasil emerge com a reforma eleitoral de 1882, (Lei Saraiva), que derruba a barreira da renda mas estabelecem a proibição do voto do analfabeto, critérios mantidos pela primeira Constituição republicana. Ela se fortalece com uma maior circulação de idéias ligadas ao liberalismo e se nutre também de

sentimentos patrióticos. A divulgação dos índices de analfabetismo em diferentes países do mundo na virada do século revelava a importância que a questão vinha adquirindo nos países centrais e, certamente, tocou os brios nacionais. Entre os países considerados, o Brasil ocupava a pior posição, divulgando-se internacionalmente os dados oferecidos pelo censo de 1890, que indicava a

existência de 85, 21% de iletrados, considerando-se a população total.[...] (PAIVA, 8-9, nº 2, jul/1990).

Para retirar o Brasil do atraso educacional, promovendo o seu desenvolvimento e

progresso industrial, os liberais republicanos encontram resposta na ideologia positivista

criado por Augusto Comte (1798-1857), surgida na Europa com o objetivo de exaltar o

progresso das ciências experimentais e propor uma reforma conservadora e autoritária, ao

mesmo tempo que inovadora,

Durante o período de 1889 a 1925 várias reformas educacionais foram promovidas

com o objetivo de melhor estruturar o ensino primário e secundário. Depois de ser criada a

Escola Normal Caetano de Campos (1891) em São Paulo, O governo paulista através do

Decreto Estadual nº 248, de 26 de setembro de 1894 (São Paulo -Estado 2000), resolveu criar

o Grupo Escolar.

À implantação dos Grupos Escolares alterou o curso de história do ensino público

primário no país, através de seus projetos de organização curricular e administrativa, a criação

dessa modalidade de ensino, apresentava um ensino seriado onde os alunos eram

distribuídos homogeneamente sob a orientação de um só professor, cujo método seguido era

o intuitivo. Isso criou novas relações de poder dentro das escolas, e a partir de 1894, se criava

também o cargo de diretor escolar, além disso, renovou os saberes escolares, sendo também

proposto uma nova estrutura arquitetônica, construída especificamente para essa fim.

Essa modalidade de escolas surgida primeiramente na Europa e nos Estados Unidos e

depois transplantada para o Brasil, tinha por objetivo promover modificações e inovações no

ensino primário, ajudando a produzir uma nova cultura escolar no meio urbano. Está

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concepção de escola primária, criada inicialmente em São Paulo, nasceu ligada ao Projeto

Educacional Republicano que entendia a educação como instrumento de desenvolvimento

intelectual e moral, requisitos importantes para se alcançar o progresso nacional. Os grupos

escolares surgiram como estratégia da elite republicana paulista constituiu um modelo de

escola a ser implantados por outros Estados do país.Ainda em 1920 vários grupos escolares

continuaram sendo inaugurados, tanto no interior paulista como na capital, além deles as

escolas isoladas, escolas preliminares, escolas provisórias, ambulantes e isoladas, etc.

Contudo, as escolas criadas não foram em números suficientes para atender a demanda, daí

o projeto republicano para a educação, transformar no tempo em uma escolarização rápida e

para todos, principalmente nos anos de 1920 a 1930, é quando a educação passa por uma

fase de mudanças e transformação.

Bibliografia

ANAIS DO IMPÉRIO DO BRASIL, V. II. 1868,

BELLO, José Maria..História da República. São Paulo: Cia. Editora Nacional. 1972.

COSTA, Cruz. Pequena História da República. Rio de Janeiro: Cia. Editora Civilização Brasileira. 1974.

FELIZARDO, Joaquim J. História Nova da República Velha. Do Manifesto de 1870 à Revolução de 1930. Petrópolis: Editora Vozes, 1980

JORNAL, “O País”, 22/05/1889.

LOVE, Joseph, Autonomia e Interdependência: São Paulo e a Federação Brasileira: 1889-1937, In: História Geral da Civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1975, p.63.

MANIFESTO, A REPÚBLICA, 3/12/1870.

PAIVA, Vanilda. Um Século de Educação Republicana. Campinas: Revista Pro-Posições: Cortez Editora/Unicamp. Nº2/julho/1990.

QUEIROZ, Mauricio Vinhas de. Uma Garganta e Alguns Níqueis. Rio de Janeiro: Editora Aurora, 1947.

SOUZA, Rosa Fátima de. Templo da Civilização: A Implantação da Escola Primária Graduada no Estado de São Paulo: 1890-1910. 1ºEdição. São Paulo: Editora Unesp. 1998.

TREVISAN, Leonardo. A República Velha. São Paulo: Editora Global. 1982.

SEGUNDA REPÚBLICA : O GOVERNO VARGAS E O EQUILÍBRIO ENTRE A PEDAGOGIA TRADICIONAL E A PEDAGOGIA NOVA

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Azilde L. Andreotti15

Como texto introdutório sobre a educação na Era Vargas, trago algumas informações sobre o

modelo pedagógico da escola nova, no período, através de escritos de Lourenço Filho e suas iniciativas

em escolas primárias particulares. Os novos métodos de ensino, inicialmente, limitaram-se a um

público restrito, tanto pelas iniciativas em escolas particulares, quanto pela manutenção de escolas

pela Igreja católica, espaço, na época, da educação tradicional.

Desde as primeiras décadas do século XX, os rumos da educação do país estiveram

na pauta de discussão de vários setores organizados da sociedade. A fundação da

Associação Brasileira de Educação, em 1924, com a função de promover debates

em torno da questão educacional; a influência da Escola Nova e seus defensores,

movimento que se empenhou em dar novos rumos à educação, questionando o

tradicionalismo pedagógico, e os embates da Igreja no seu confronto com o

estabelecimento de novos modelos para a educação tornam evidente a diversidade

de interesses que abrangia a educação escolarizada.

A criação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública em 1930; a

Constituição de 1934 estabelecendo a necessidade de um Plano Nacional de

Educação, como também a gratuidade e obrigatoriedade do ensino elementar, e as

Reformas Educacionais nos anos de 1930 e 40 demonstram que, nessas décadas,

houve mudanças formais e substanciais na educação escolar do país.

Essas questões não podem ser destacadas do processo de desenvolvimento do

modelo industrial, como também da demanda por educação.

A década de 1930 é reconhecida como o marco referencial da modernidade na história

do Brasil, modernidade entendida como o processo de industrialização e urbanização,

contemplada por inúmeros estudos que destacam esse período pelas mudanças que

inaugurou e os movimentos políticos que protagonizou: a Revolução de outubro de 1930, a

Revolução Constitucionalista de 193216 e o Estado Novo, em 1937. As análises se valem de

diferentes conceitos, abordagens e suportes teórico-metodológicos, para investigar os

processos que culminaram nesses acontecimentos e sobre quais forças políticas e interesses

15 Doutora em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP.

16 Movimento desencadeado no Estado de São Paulo visando a volta ao poder da elite paulista, segmento

hegemônico na Primeira República.

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predominaram nas alterações ocorridas no país, em um momento de definições sobre como

encaminhar o desenvolvimento capitalista industrial.

Em uma abordagem geral, a Revolução de 1930 foi fruto da crise econômica do setor

agro-exportador do café agravada com a quebra da bolsa de Nova York em 1929, e dos

embates de segmentos sociais que não se consideravam referenciados no processo político

da Primeira República, marcados por sucessivas eleições pactuadas entre os setores

agrários. O golpe de Estado em 1937, que instalou o Estado Novo, foi justificado pela

necessidade de se manter a ordem institucional contra os regionalismos, herança do período

anterior; contra as divergências entre os grupos dominantes: setores agrários e burguesia

industrial e contra as manifestações das forças de oposição, como por exemplo, a Intentona

Comunista em 1935.

Esse período intensificou as mudanças nas relações entre Estado e sociedade,

fortalecendo a centralização do poder e facilitando a criação de um Estado forte, que

predominou até meados dos anos de 1940.

A recente modernização capitalista no Brasil, nos anos de 1930, trouxe a expansão de

novas camadas sociais e abriu possibilidades de mobilidade social na estrutura de classes da

sociedade brasileira, com a ampliação do mercado de trabalho e do mercado consumidor.

Nesse contexto de expansão das forças produtivas, a educação escolar foi considerada

um instrumento fundamental de inserção social, tanto por educadores, quanto para uma ampla

parcela da população que almejava uma colocação nesse processo. Às aspirações

republicanas sobre a educação como propulsora do progresso, soma-se a sua função de

instrumento para a reconstrução nacional e a promoção social.

Acompanham esse quadro, as discussões em torno dos modelos educacionais. Do

ponto de vista do ideário, o liberalismo se consubstanciou na Primeira República no país e se

fez presente nas políticas educacionais, tomando lugar, paulatinamente, da ideologia

educacional católica.

O discurso pedagógico liberal se expressou na escola nova, movimento de renovação

escolar que se desenvolveu em vários países e chegou ao Brasil na década de 1920, fruto

das mudanças inerentes ao processo de desenvolvimento capitalista, com seus novos valores,

necessitando, segundo seus defensores, de uma renovação da escola.

Quanto aos métodos de ensino, a pedagogia tradicional predominou até o fim do século

XIX, enfatizando a atuação do professor. Como ensinar é uma das diretrizes dessa concepção

pedagógica. A pedagogia nova toma corpo a partir das primeiras décadas do século XX,

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mudando o foco e centralizando o processo de aprendizado no aluno. Como aprender é o seu

eixo principal, fundamentando-se nos aspectos psicológicos do processo de aquisição de

conhecimentos.

Escola ativa ou escola da iniciativa foram termos usados, na época, para designar

esse movimento de renovação educacional, o aprender a aprender, na definição

atual. No dizer da Escola Nova, o processo de aquisição do conhecimento,

diferentemente da escola tradicional, surge da ação da criança.

Os anos de 1930 foram férteis em relação à nova educação. As propostas sobre educação do

Manifesto dos Pioneiros, publicado em 1932, foram defendidas por educadores que ocuparam cargos

na administração pública e que implementaram diretrizes educacionais, respaldados por essa visão de

educação.

Contrastando com a educação tradicional, as novas tendências pedagógicas visavam

proporcionar espaços mais descontraídos, opondo-se como investigação livre, à educação ensinada.

Os novos métodos de ensino visavam à auto-educação e a aprendizagem surgia de um processo ativo.

Sobre a Escola Ativa, Lourenço Filho, um de seus precursores no país, afirma:

[...] aprende-se observando, pesquisando, perguntando, trabalhando, construíndo, pensando e resolvendo situações problemáticas apresentadas, quer em relação a um ambiente de coisas, de objetos e ações práticas, quer em situações de sentido social e moral, reais ou simbólicos. (LOURENÇO FILHO, 1978, p. 151),

Em São Paulo, segundo o autor, as escolas pioneiras na aplicação dos novos métodos de

aprendizagem foram a Escola Experimental Rio Branco, a Escola Modelo, anexa à escola Normal da

Praça da República, hoje Instituto Caetano de Campos e a Escola Americana, atual Instituto

Mackenzie, primeiramente nos cursos primários. (LOURENÇO FILHO, 1978, p. 175-176).

Na sua exposição sobre a Escola Nova, esse educador relata uma experiência com alunos do

curso primário na Escola Experimental Rio Branco, sobre a técnica dos projetos, como procedimento

didático, desenvolvida por John Dewey, que prima pela participação do aluno, o que promove sua

motivação e a aprendizagem com objetivos definidos. Ainda sobre sua experiência na Escola Rio

Branco, Lourenço Filho indica que o projeto implica ensino globalizado [...] e o papel do mestre como

conselheiro discreto, (que) encaminha, estimula, sugere. (LOURENÇO FILHO, 1978, p.199, 210).

O processo de implantação da educação renovada em São Paulo ocorreu, nos anos de 1930

e 40, nos cursos primários de escolas particulares, indicando que a criança das camadas médias da

população foi o público, inicialmente, atingido por esse modelo de educação.

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Dados estatísticos nos indicam que o acesso à educação primária nos anos de 1930 e 40,

mesmo com a ampliação na oferta de vagas nas escolas primárias e frente à demanda por educação

nos centros urbanos, não atingiu a maioria da população infantil. (SPOSITO, 1984, p. 32-34).

Saviani sobre a propagação da pedagogia da nova escola nos indica que,

[...] a “Escola Nova” organizou-se basicamente na forma de escolas experimentais ou

como núcleos raros, muito bem equipados e circunscritos a pequenos grupos de elite.

No entanto, o ideário escolanovista, tendo sido amplamente difundido, penetrou nas

cabeças dos educadores acabando por gerar conseqüências também nas amplas redes

escolares oficiais organizadas na forma tradicional. Cumpre assinalar que tais

conseqüências foram mais negativas que positivas uma vez que, provocando o

afrouxamento da disciplina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos,

acabou por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares as quais muito

freqüentemente têm na escola o único meio de acesso ao conhecimento. Em

contrapartida, a “Escola Nova” aprimorou a qualidade do ensino destinado às elites.

(SAVIANI, 1985, p. 14).

A Era Vargas foi palco das primeiras investidas dos novos métodos de ensino, preconizando a

centralidade na criança e na sua iniciativa no processo de aquisição do conhecimento. Mesmo que

inicialmente restrito, porque atendendo a uma camada da população, esse ensino renovado se

sedimentou, atingindo amplos setores educacionais, incitando uma discussão sobre os princípios

norteadores de seu método de ensino, que nem sempre atende as necessidades de parte da

população escolar.

Bibliografia

LOURENÇO FILHO, M. B. Introdução ao estudo da Escola Nova. São Paulo, Melhoramentos, 1978.

SPOSITO, M. O povo vai à escola. São Paulo, Loyola, 1984.

SAVIANI, D.Escola e Democracia. São Paulo, Cortez, 1985.

EDUCAÇÃO E NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO NO BRASIL

Manoel Nelito M. Nascimento[1]

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Em maio de 1945, a 2ª Guerra Mundial chegava ao fim com a vitória das Forças Aliadas, lideradas pelos

Estados Unidos, sobre as forças nazi-fascistas. Este acontecimento repercutiu na política brasileira, a ponto de

acelerar o fim do regime ditatorial do Estado Novo (1937-1945), com a deposição de Vargas, dando início a uma

nova fase de redemocratização do país.

A aliança vitoriosa das superpotências EUA e URSS contra o nazi-fascismo, logo após o fim do conflito,

deu lugar à chamada “Guerra Fria”, que opunha as forças ocidentais capitalistas lideradas pelos EUA e as forças

orientais socialistas lideradas pela URSS.

Como importante país da América Latina, a política brasileira esteve sob pressão da “Guerra Fria”,

resultando na colocação do partido comunista na clandestinidade e na perda de mandato dos deputados eleitos

pelo partido. No que diz respeito à educação, na obra A educação negada, Buffa e Nosella (1991) observam

que

... não poderia o debate educacional deste período, centrado na elaboração da Lei de Diretrizes

e Base, ficar imune. Embora persistindo a apologia à democracia e à liberdade, seus limites e

contornos eram dados pelo anticomunismo.

Desde o Estado Novo, a política brasileira se caracterizava pelo populismo, nacionalismo e

desenvolvimentismo. O populismo era adotado como instrumento de controle e mobilização das massas em

proveito das classes dominantes. O nacionalismo surgiu entre os grupos políticos, tecnocratas e militares, que

buscavam uma estratégia estatal capaz de enfrentar os problemas do desenvolvimento crônico do Brasil. (Cunha,

1989).

A ideologia do nacional-desenvolvimentismo teve como lócus privilegiado de discussão e

desenvolvimento o Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, que foi criado em 1955, no governo interino

de Café Filho. No governo de Juscelino Kubitschek o ISEB passou a ser peça essencial da nova administração,

com a atribuição de formar uma mentalidade nacional para o desenvolvimento.

No pós-segunda guerra mundial, a reconstrução dos países diretamente envolvidos no conflito, gerou

uma fase de crescimento da economia mundial, a denominada “era de ouro”, na qual deu-se o estabelecimento

do “Estado do Bem Estar Social” nos países centrais. Após a fase de reconstrução, ocorreu um período de ampla

internacionalização do capital.

O avanço do capitalismo para os paises periféricos encontrou o Brasil numa forma peculiar de

desenvolvimento, onde a entrada de capitais externos era discutida como opção para acelerar o seu

desenvolvimento. Havia o consenso entre os grupos sociais na defesa da industrialização como forma de

desenvolver o país. No entanto, a burguesia brasileira estava dividida entre os que defendiam a industrialização

sob o controle total do capital nacional e os partidários da participação e comando do processo de industrialização

brasileira dos capitais estrangeiros.

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Entre o suicídio de Vargas em 1954 e a posse de JK, no governo de Café Filho, foi baixada a Portaria

113 da SUMOC – Superintendência da Moeda e do Crédito, que concedia vantagens ao capital estrangeiro que

investisse no país. No governo JK, esta portaria foi aproveitada para atrair o capital externo e acelerar o processo

de produção de equipamentos, bens de consumo duráveis e produtos químicos. No final da década de 1950, o

parque industrial brasileiro havia crescido e diversificado, consolidando a indústria de base no país.

Os governos neste período, em especial os de JK e Jango, tentaram conciliar o modelo político nacional-

desenvolvimentista com o modelo econômico de substituição das importações em sua segunda fase, com a

participação do capital estrangeiro.

Após a II Guerra Mundial, a área rural no Brasil foi invadida pelo capital promovendo a modernização da

produção. Ambos os fenômenos, a industrialização do país e a modernização da produção rural (capitalismo no

campo), contribuíram para intensificar a migração da população rural para os centros urbanos, de tal forma, que

a população urbana do país ultrapassou a rural em número na década de 1960.

No início da década de 1960 a sociedade brasileira já havia se tornado bastante complexa, resultado do

desenvolvimento urbano e industrial e da mudança das relações de trabalho no campo. Havia um alto nível de

desigualdades sociais, que motivaram os movimentos de luta por reformas de base que reduzissem as grandes

diferenças de condições de vida entre as classes sociais.

O governo Goulart, ao tentar compatibilizar a manutenção do modelo político nacional-

desenvolvimentista e mudar a orientação econômica através das reformas de base, sob o argumento de, com

esta ação, provocar a redução das desigualdades sociais, deu origem à uma nova crise econômica e social, que

levou ao golpe militar de 1964 (RIBEIRO, 2003, p. 155).

É esse contexto de redemocratização do país, com uma política baseada no populismo e nacionalismo,

e no plano econômico pela opção ao desenvolvimento econômico nacional associado ao capital externo e da

crescente urbanização das capitais de Estado, que explica as linhas gerais da educação nesse período e que foi

marcada, principalmente, pela elaboração da lei de diretrizes e bases da educação nacional.

A quarta Constituição da República foi promulgada em 1946, inspirada na ideologia liberal-democrática.

A União, com a atribuição que recebeu de “fixar as diretrizes e bases da educação nacional”, encaminhou uma

proposta de LDB ao Congresso, que teve um período de treze anos de tramitação, com acaloradas discussões

entre os educadores progressistas defensores da escola pública e os conservadores que eram partidários da

defesa de privilégios à escola privada.

Estas discussões retomaram o debate iniciado na década de 1920, tornando um dos períodos mais

fecundos da luta ideológica em torno dos problemas da educação, cujos aspectos ideológicos em disputa eram

os mesmos de antes: a investida das lideranças conservadoras contra a ação do Estado na promoção da

educação pública para a população (ROMANELLI, 1998).

Outra questão colocada em discussão tratava da centralização, que preocupava os progressistas, diante

da política centralizadora do Estado Novo. A discussão sobre a centralização ou descentralização colocava em

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pauta a questão sobre qual o modelo mais eficiente para ampliar as oportunidades educacionais, estando os

educadores progressistas contrários à tendência centralizadora do Estado. (Ribeiro, 2003, p. 146).

Os conservadores, representados pela Igreja Católica, manifestavam suas preocupações com a questão

da laicidade do ensino. Apesar da separação da Igreja e Estado a partir da Proclamação da República, a Igreja

continuou atuando sobre a vida nacional, através da educação. A superioridade em número de colégios católicos,

em especial para as elites, bem como a tradição católica da população brasileira, permitiam que a Igreja tivesse

uma ampla atuação sobre a sociedade.

Além dos interesses puramente comerciais em jogo, que afetavam igualmente os dois setores

envolvidos nessas correntes, ou seja, o leigo e o católico, existia ainda, por parte deste último, o

interesse de ordem doutrinária, vale dizer, ideológico. Urgia aproveitar a oportunidade para,

através da cobertura dada “pelos direitos da família”, recuperar a influência antes exercida em

todos o sistema educacional e – por que não? – na vida mesma da Nação. Para tanto, a Igreja

contava com a tradição católica da sociedade brasileira. (ROMANELLI, 1993, p. 171).

Nessa direção, em 1959, os educadores progressistas e o Jornal “O Estado de S.Paulo” desencadearam

a Campanha de Defesa da Escola Pública, no interior do qual foi divulgado o “Manifesto dos Educadores Mais

uma vez Convocados”, invocando e “requentando” as idéias do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” de

1932.

A LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - foi aprovada através da Lei 4024, em 1961.

Como principais características desta lei, pode-se destacar: a garantia de igualdade de tratamento por parte do

Poder Público para os estabelecimentos oficiais e particulares; a obrigatoriedade do ensino primário, conquistada

na Legislação anterior, foi prejudicada pelas isenções que a Lei permitia e que, na prática, anulava a sua

obrigatoriedade; a estrutura de ensino não foi alterada: continuava o ensino pré-primário, o ensino primário de 4

anos, o ensino médio, nas modalidades: ginasial em 4 anos e colegial em 3 anos, e o ensino superior; o Conselho

Federal de Educação recebeu a delegação de determinar os valores das bolsas de estudo e financiamento para

os graus de ensino, que a lei atribuia aos Estados, ao Distrito Federal e aos Territórios. Pode-se destacar,

também, como aspectos positivos da LDBEN: a unificação do sistema escolar e a sua descentralização; a

autonomia do Estado para exercer a função educadora e o da distribuição de recursos para a educação.

Em relação às concepções pedagógicas defendidas no período nacional-desenvolvimentista, Saviani

(2005) assinala:

[...] se o período situado entre 1930 e 1945 pode ser considerado como marcado pelo equilíbrio

entre as influências das concepções humanista tradicional (representada pelos católicos) e

humanista moderna (representada pelos pioneiros da educação nova), a partir de 1945 já se

delineia como nitidamente predominante a concepção humanista moderna.

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A ênfase no desenvolvimento econômico do país, como pressuposto para o desenvolvimento das demais

instâncias da sociedade, produziu uma inversão do papel do ensino público, colocando a escola sob os desígnios

do mercado de trabalho, passando a concepção produtivista a moldar todo o ensino brasileiro por meio da

pedagogia tecnicista. (Saviani, 2005)

Enquanto o desenvolvimento caminhava fundamentalmente no sentido da expansão do capitalismo

industrial no Brasil, a educação escolar continuava a estruturar-se em bases, valores e técnicas próximas da

mentalidade pré-capitalista.

A LDBEN frustrou as expectativas dos grupos mais progressistas, que esperavam um avanço na

legislação educacional, no sentido de ampliar o atendimento das necessidades das classes populares.

A decepção dos grupos progressistas que lutaram pela educação pública e desempenharam um papel

importante na solução dos problemas nacionais, os levou a se lançarem nas campanhas da educação popular.

Os movimentos mais significativos foram o Movimento de Educação de Base (MEB) e o Movimento Paulo Freire

de Educação de Adultos.

A opção pelas reformas de base - agrária e urbana - com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais,

acabou agregando os setores mais conservadores da sociedade até a deposição de João Goulart pelo golpe

militar de 1964 e a perseguição aos movimentos populares e de estudantes até serem extintos.

Referências Bibliográficas:

ANDREOTTI, Azilde Lina. A administração escolar na Era Vargas e no Nacional-Desenvolvimentismo (1930 -

1964). Texto inédito, 2006

BEISIEGEL, Celso de Rui. Educação e Sociedade no Brasil após 30. In: HOLANDA, S. B. (Dir.) O Brasil

Republicano: economia e cultura. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1995. vol. 4 (Col. História Geral da Civilização

Brasileira).

BUFFA, Ester. Ideologias em conflito: Escola pública e Escola privada. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.

BUFFA, Ester; NOSELLA, Paolo. A educação negada. São Paulo: Cortez, 1997.

CUNHA, Luiz Antônio. A universidade crítica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989.

CURY, Carlos Roberto Jamil. Ideologia e educação brasileira – católicos e liberais. São Paulo: Cortez, 1988.

GHIRALDELLI JR. Paulo. História da Educação. 2a ed. rev. São Paulo: Cortez, 1994. 240 p. (Col.Magistério. 2o

grau. Série formação do professor)

IANNI, Octavio. __________. Estado e planejamento econômico no Brasil. 5ª ed. Rio de Janeiro, Civilização

Brasileira, 1991.

IANNI, Octavio. O colapso do populismo no Brasil. 4.ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.

RIBEIRO, Maria Luisa Santos. Introdução da História da Educação Brasileira> a organização escolar. 18ª ed.

São Paulo: Autores Associados, 2003.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. 21ª ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

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SAVIANI, Dermeval. As Concepções pedagógicas na História da Educação Brasileira. Apresentado na sessão

de Comunicações em História da Educação do HISTEDBR, na Faculdade de Educação – UNICAMP, em

25/agosto/2005.

SAVIANI, Dermeval. Educação brasileira: estrutura e sistema. São Paulo: Editora Saraiva, 1973.

[1] Mestre em Educação pela PUC-Campinas. Doutorando de Filosofia e História da Educação na UNICAMP

GOLPE MILITAR E ADEQUAÇÃO NACIONAL À INTERNACIONALIZAÇÃO CAPITALISTA (1964-1984)

Romeu Adriano da Silva17

A minha gente hoje anda

Falando de lado

E olhando pro chão...

(Chico Buarque)

A ditadura civil-militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1984 caracterizou-se pelo alinhamento

da economia nacional ao padrão de desenvolvimento capitalista em vigor nos anos 1960 e 1970,

alinhamento este que se traduziu em autoritarismo do Estado (Atos Institucionais, censuras de toda

ordem, repressão, torturas, ferrenha perseguição a opositores, tudo isso sob a vigência da Doutrina de

Segurança Nacional), em um modelo econômico altamente concentrador de renda, que rompeu com

um certo equilíbrio existente entre o modelo político de tendências populistas e o modelo econômico

de expansão da indústria vigentes no período anterior ao golpe civil-militar, em um conjunto de

reformas políticas e institucionais que visavam a “reconstrução da nação” e a “restauração da ordem”,

tudo isso se encaminhando para o endurecimento do regime instalado, defendido como necessário

para o “desenvolvimento” social e econômico do país (CLARK; NASCIMENTO & SILVA, 2005).

A forma de dominação burguesa (populista), existente no Brasil a partir de 1946, se mostrou

incapaz de preservar as relações fundamentais do sistema capitalista, sendo a intervenção das Forças

Armadas, em 1964, um meio utilizado pela parcela da burguesia brasileira que se aliava ao capital

internacional, para por fim ao modelo nacionalista de desenvolvimento e de consolidar a forma

imperialista de “progresso” (XAVIER; RIBEIRO & NORONHA, 1994). Foi a partir do governo de

17 Doutorando na Área de História e Filosofia da Educação / Unicamp.

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Juscelino Kubitschek (1956-1960) que se aprofundou a contradição entre modelo político e expansão

econômica, na medida em que, ao mesmo tempo, procurava manter a política de massas de caráter

populista e assumia de maneira cada vez mais crescente compromissos com o capital, inclusive

procurando atuar no sentido de intensificar a captação de capital estrangeiro. Assim, o golpe civil militar

de 1964 representou a vitória da parcela da burguesia nacional que defendia a internacionalização da

economia, o que resultou na consolidação de um modelo de desenvolvimento associado (dependente)

ao capital internacional (IANNI, 1975), com uma particular gravitação em torno do capital norte-

americano, numa espécie de reinvenção, feita pela Ditadura, das relações de dependência já antigas

do Brasil em relação aos países centrais do capitalismo.

É importante lembrar que a implantação da ditadura civil-militar não se deu sem um conjunto

resistências. A ditadura, além de representar a parcela da burguesia que vislumbrava o alinhamento

da economia brasileira ao capital internacional, também procurou dar cabo da “agitação revolucionária”

que se fazia presente em nossa sociedade, configurada por uma grande constelação de organizações

e movimentos: organizações de trabalhadores, político-partidárias, movimentos sociais, culturais,

artísticos, lutas as mais diversas (como a levada a cabo pelo movimento estudantil), etc. No âmbito da

cultura, por exemplo, vivíamos aqui uma espécie de “modernismo temporão”. Para caracterizá-lo, é

importante considerar as instigantes sugestões tecidas por Perry Anderson (1986) sobre o

“modernismo”, referindo-se a situações semelhantes a essas vividas no Brasil nos anos 1960, que vale

a pena considerarmos. Segundo o autor, numa crítica que apresenta ao livro de Marchal Berman

(1986), o “modernismo”:

(...) uma corrente artística unificada, mas um rótulo para uma infinidade de

propostas estéticas que só teriam em comum elementos negativos,

basicamente a crítica ao academicismo correspondente às sobrevivências

sociais aristocráticas nas sociedades modernas. O florescimento artístico

diferenciado, que se convencionou chamar de modernismo após a Segunda

Guerra Mundial, seria compreensível pela conjunção de três coordenadas

básicas que tomam a sociedade européia como parâmetro: em primeiro lugar,

a existência forte nas artes de um “academicismo altamente formalizado (...)

Em segundo lugar, “a emergência ainda incipiente, e portanto essencialmente

nova no interior dessas sociedades, das tecnologias ou invenções-chave da

segunda revolução industrial – telefone, rádio, automóvel, avião, etc.”

Finalmente, seria decisiva “a proximidade imaginativa da revolução social”,

fosse ela “mais genuína e radicalmente capitalista”ou socialista. (RIDENTI,

1986, p. 76)

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Tal movimentação (uma espécie de “canção do homem enquanto seu lobo não vem”18) era tão

intensa que o golpe de 1964 ainda não foi suficiente para destruí-la por completo, tendo os militares

apelado para o AI-5 (Ato Institucional nº 5), de dezembro de 1968. É importante lembrar, também, que

com o advento do AI-5, os movimentos de resistência à ditadura passaram, em grande medida, a ser

encabeçados pelas esquerdas armadas, com as ações das guerrilhas urbanas e rurais (MR-8, VPR,

etc.), que acabaram adentrando a década de 1970, sendo, com o tempo, aniquiladas pelas Forças

Armadas. A opção pelo combate armado contra a ditadura, entretanto, não deve ser entendida apenas

como “resistência”, mas como acirramento e expressão das lutas de classes no Brasil.

A partir do exposto, podemos melhor compreender como no campo da educação as ações e

projetos governamentais também apontam para um alinhamento ao capital internacional. Foi sob os

auspícios da ditadura civil-militar que foram assinados os chamados “Acordos MEC-USAID” (Ministério

da Educação e Cultura – United States Agency for International Development), sendo que os técnicos

da USAID participaram diretamente na reorganização do sistema educacional brasileiro:

Os acordos deram à USAID um poder de atuação em todos os níveis de ensino (primário, médio e superior), nos ramos acadêmico e profissional, no funcionamento do sistema educacional, através da reestruturação administrativa, no planejamento e treinamento de pessoal docente e técnico, e no controle do conteúdo geral do ensino através do controle da publicação e distribuição de livros técnicos e didáticos. Essa abrangência de atuação mostra a importância atribuída à educação pelos países centrais, na integração e no posicionamento das sociedades periféricas no contexto geral do capitalismo internacional. (CLARK; NASCIMENTO & SILVA, 2005, p. 05)

Foi a partir das orientações estabelecidaspelos acordos MEC-USAID e dos Relatórios do Grupo

de Trabalho da Reforma Universitária e do Relatório Meira Matos, que foram realizadas as reformas

educacionais sob a ditadura, culminadas com as Leis 5.540/68 e 5.692/71, sendo a primeira destinada

ao Ensino Superior e a segunda aos Ensinos de Primeiro e Segundo Graus (o que hoje denominamos

Ensino Fundamental e Médio, respectivamente).

Essas reformas acabaram com os movimentos de alfabetização baseados no método crítico

desenvolvido por Paulo Freire, no qual a educação aparecia ’como prática da liberdade‘. O método de

alfabetização de Freire seria adotado em todo o país, como previa o PNA (Plano Nacional de

Alfabetização), criado no governo de João Goulart. O PNA, porém, foi extinto pelo decreto nº 53.886,

18 Essa expressão é título do segundo capítulo do livro de Marcelo Ridenti. Ver RIDENTI, Marcelo

Siqueira. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo: Unesp, 1993.

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1964 e, para substituí-lo, a ditadura implantou a CRUZADA ABC (Cruzada da Ação Básica Cristã), a

fim de neutralizar a ação das Ligas Camponesas e, posteriormente, o MOBRAL (Movimento Brasileiro

de Alfabetização), utilizado como instrumento controlar politicamente as massas (XAVIER; RIBEIRO

& NORONHA, 1994).

Caracterizadas por uma visão utilitarista de educação, essas reformas se inspiraram na Teoria

do Capital Humano, por pretender estabelecer uma relação direta entre educação e sistema produtivo,

procurando instituir uma “escola-empresa”, formando mão-de-obra, consumidores, etc.

A Lei 5.540/68 (da Reforma Universitária) estabeleceu o fim da cátedra e a

departamentalização, ou seja, o parcelamento do trabalho na universidade, instituiu os cursos

“parcelados” através dos créditos, adotou o vestibular unificado e classificatório para resolver o

problema da falta de vagas (ao invés de expandir a universidade pública e “gratuita”) e criou uma

estrutura burocrática para dar suporte ao parcelamento e fragmentação do trabalho na universidade.

A Lei 5.692/71, de maneira geral, objetivou direcionar o ensino para a qualificação profissional,

“com a introdução do ensino profissionalizante através dos ginásios orientados para o trabalho (GOT)

e a implantação da profissionalização compulsória no ensino de 2º grau” (CLARK; NASCIMENTO &

SILVA, 2005, p. 06), em compasso direto com a preparação para um mercado de trabalho altamente

rotativo, dentro do modelo de industrialização e crescimento econômico associado e dependente do

capital estrangeiro. Outro ponto que é importante destacar desta lei é que ela postula a extensão da

obrigatoriedade escolar de 1º grau para oito anos. Sobre essa questão, Jamil Cury observa que

Aumenta-se o tempo da escolaridade e retira-se a vinculação constitucional de recursos com a justificativa de maior flexibilidade orçamentária. Mas alguém teria de pagar a conta, pois a intensa urbanização do país pedia pelo crescimento da rede física escolar. O corpo docente pagou a conta com duplo ônus: financiou a expansão com o rebaixamento de seus salários e a duplicação ou triplicação da jornada de trabalho. (CURY, 2000, p. 574)

Assim, a política educacional da ditadura se caracterizou por proporcionar uma débil formação

escolar e algum tipo de treinamento na formação escolar básica para inserção nos processos

produtivos e por procurar enfraquecer o ensino superior público e crítico, abrindo enormes espaços

para que a iniciativa privada pudesse operar no ensino superior. Essa política educacional foi, também,

altamente repressora, atingindo as diferentes categorias de trabalhadores universitários (docentes,

administrativas, técnicas) do sistema educacional, de forma a procurar, pelo medo, obter seu consenso

ao regime (CUNHA, 1996). Aos descontentes, além da repressão, destinou-se também o recado de

que não seria fácil nadar contra essa maré, expresso no seguinte lema: “Brasil: ame-o ou deixe-o!”

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GLOBALIZAÇÃO, TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA E EDUCAÇÃO (INTER)NACIONAL (1984...)

Lalo Watanabe Minto19 [1]

A derrocada da Ditadura Militar representou uma importante mudança no cenário político

brasileiro na década de 1980. A chamada “transição democrática” levou a termo o processo de

abertura “lenta, gradual e segura” iniciada pelo Governo Geisel (1974-9) e combatida pela chamada

19 [1] Doutorando em Educação, na área “História, Filosofia e Educação”, pela Universidade Estadual

de Campinas.

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linha dura do Exército brasileiro. A democratização consistia, de um lado, na destituição dos militares

do poder após 21 anos; de outro lado, marcava a ascensão de importantes movimentos sociais

organizados, que fizeram dos 80, não a “década perdida”, mas um período de intensa mobilização

social e de conquistas importantes na história da educação brasileira. Esta ascensão inaugurou,

também, uma intensa participação social nos processos decisórios do Poder Legislativo brasileiro,

nunca antes testemunhado na história, cuja culminância ocorreu no processo de elaboração da

Constituição Federal de 1988.

A abertura política do país, entretanto, não ocorreu como movimento histórico autônomo,

ainda que marcado por diversas contradições. Situava-se dentro de um contexto de mudanças nas

relações políticas internacionais, relacionadas ao processo de reestruturação capitalista que tem

início nos primeiros anos de 1970. A revolução tecnológica de base microeletrônica, geradora da

tecnologia da informática, criou novas bases materiais para a expansão do capital. O processo da

globalização tornava possível a ocupação de amplos espaços do globo terrestre, bem como de

setores da produção e da reprodução das relações sociais (como as políticas sociais, por exemplo)

até então não determinados inteiramente pela lógica do capital. As forças do capital encontravam-se

progressivamente livres de suas barreiras nacionais (territoriais) e de seus limites técnicos, o que

abria possibilidades inéditas de expansão/acumulação.

Tratava-se de um novo ciclo de expansão do capital, para o qual o neoliberalismo – que havia

surgido, nos anos 1940, como reação ao Estado do bem-estar social e a toda e qualquer forma de

controle social sobre o capital – apresentava-se como ideologia ideal. Isso ocorreu na forma de uma

nova onda de “liberalização” da economia e das sociedades capitalistas concretizada pelas políticas

de desconstrução do Estado providência, dito “interventor”, em prol de um Estado máximo para o

capital: sem regulamentação sobre a circulação de capitais (sobretudo o financeiro), sem políticas

sociais, sem sistemas públicos de educação, saúde e previdência social, com o mínimo de direitos

trabalhistas etc.

A redução dos gastos sociais como uma das premissas essenciais do neoliberalismo, abria

horizontes sombrios para o futuro da educação. A política educacional típica do período consistiu em

reformar: reformar para tornar eficiente e eficaz a educação; reformar para adequar a educação aos

ditames do novo paradigma da acumulação capitalista; reformar para flexibilizar as relações de

trabalho entre os trabalhadores da área; reformar para criar mecanismos de controle (avaliação e

autonomia) do ensino e da produção científica; reformar para tornar a forma de organização e gestão

do ensino apto a converter-se em campo de domínio do capital e da produção de mercadorias.

As lutas sociais que haviam adquirido força e presença política nos anos 80, conquistando

importantes mudanças na Constituinte de 1987-8, passaram a ser desconstruídas tão logo foi

promulgada a Constituição. No campo educacional, a liberdade concedida ao capital traduzir-se-ia

pela ampliação progressiva de seu campo de ação, dando continuidade e ampliando a tendência

privatizante dos anos da Ditadura Militar. Uma das maiores perdas para o ensino público, nesse

sentido, ocorreu na própria Constituição Federal de 1988, que não garantiu a exclusividade de

recursos públicos para os estabelecimentos de ensino mantidos pelo Estado, abrindo uma brecha –

que, aliás, ainda não foi fechada – para o setor privado apropriar-se de novas fatias do fundo público

para a educação.

A incorporação cada vez maior das demandas do setor privado na política educacional

brasileira, consagrou também uma nova tendência, que marcou todo o processo legislativo no país

nos anos 90: legislar de forma fragmentada, em doses homeopáticas, sem tratar de grandes

questões num mesmo processo. O maior exemplo disso é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

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Nacional (LDB, de 20/12/1996), elaborada durante longos oito anos, mas aprovada de forma a deixar

importantes lacunas para serem preenchidas por legislação complementar depois da aprovação da

LDB. Uma lei, portanto, deliberadamente minimalista e enxuta.

Nos anos 1990, com a Reforma do Estado levada adiante nos governos de Fernando

Henrique Cardoso na Presidência da República, a reforma da educação, totalmente conformada no

âmbito da contra-reforma neoliberal, ganhou contornos ainda mais evidentes. A criação de um

Ministério específico para cuidar da reforma, o MARE (Ministério da Administração Federal e da

Reforma do Estado), foi uma mostra evidente de que o grande projeto do governo brasileiro

converter-se-ia na mera adaptação aos desígnios da economia internacional e, principalmente, do

grande capital financeiro.

A ideologia do público não-estatal, uma das principais bandeiras divulgadas pela reforma do

Estado, serviria como pano de fundo para as reformas do ensino, expressando, acima de tudo, a

necessidade de legitimar a expansão do setor privado. Tal expansão utilizou-se dos mais variados

expedientes, todos eles no sentido de direcionar (direta e indiretamente) volumes crescentes de

recursos do fundo público para o mercado privado da educação. Também chamada de publicização,

numa falsificação grosseira do seu real significado, a idéia de criar e estimular a expansão de uma

propriedade pública, mas não estatal, tinha por fundamento tornar o terreno da educação mais

facilmente permeável ao interesse privado. Isso vem ocorrendo, desde então, num duplo processo

que, de um lado, ataca tudo o que é público (no sentido de estatal) como ruim, ineficiente,

incompetente; e, de outro lado, apresenta a atuação do setor privado, tido eficiente, eficaz e

“moderno”, como panacéia para os problemas educacionais brasileiros, aos quais o Estado é

supostamente incapaz de oferecer solução.

A ação dos organismos multilaterais foi o outro lado da moeda das reformas educacionais no

período em questão. Banco Mundial , FMI, UNESCO, entre outros, passaram a também

desempenhar o papel de porta-vozes dos interesses do grande capital internacional, no que diz

respeito à educação, na medida de sua necessidade de reestruturação e expansão/acumulação em

diversos setores fundamentais à reprodução social. As reformas educacionais, assim como outras

reformas (previdência social, saúde, trabalhista etc.), foram sendo estimuladas e orientadas por tais

organismos – servindo até como uma espécie de moeda de troca política – via grandes programas

de ajustes. Tais programas aqui desembarcam20 [2] sob a forma de programas de ajuda financeira

aos mais diversos setores (destaque para educação) e de diretrizes de reformas no aparelho de

Estado como um todo.

Sinteticamente, as principais diretrizes disseminadas por tais organismos são: 1) focalização

do gasto público no ensino básico, com ênfase no ensino fundamental; 2) descentralização do ensino

fundamental, o que vem sendo operacionalizado através do processo de municipalização do ensino;

3) estímulo à privatização dos serviços educacionais e à criação de verdadeiras indústrias em torno

das atividades educacionais; 4) ajuste da legislação educacional no sentido da desregulamentação

dos métodos de gestão e das instituições educacionais, garantido ao governo central maior controle

e poder de intervenção sobre os níveis de ensino (através dos sistemas nacionais de avaliação e

20 [2] É importante lembrar que tais programas e diretrizes não foram simplesmente uma imposição

externa à educação brasileira. Além de terem sido concebidas também por intelectuais brasileiros,

foram amplamente consentidas, do ponto de vista da política interna, pelos setores que levaram a cabo

as reformas em questão.

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fixação de parâmetros curriculares nacionais, por exemplo), mas sem que ele mesmo participe

diretamente da execução dos serviços.

O quadro que se desenvolve para a educação brasileira nos anos 90 é, portanto, quase que

uma caricatura de tais diretrizes. No ensino fundamental, a tendência verificada foi a de

descentralizar a ação do Estado, divulgada sob o lema da democratização. Tendência essa que

gerou uma deliberada concorrência entre as diferentes esferas de governo – sobretudo entre

municípios e, dentro deles, entre as próprias redes municipais e estaduais – pelos recursos da

educação. O FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental), criado

através da Emenda Constitucional n° 14, de 1996, para regular a distribuição dos recursos públicos

para as redes educacionais dos estados e municípios, foi um dos maiores estímulos a essa nefasta

concorrência. Além disso, outras diretrizes reformistas ainda estão na ordem do dia das políticas

educacionais, como é o caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais (os PCNs). Outras, como as

avaliações, de caráter nacional, homogêneas e centralizadas, já se transformaram em medidas

efetivas.

No ensino superior, a privatização é um processo ainda mais explícito e perverso, que

durante muito tempo revestiu-se de um caráter velado, em grande parte apoiado na baixa

abrangência de nosso ensino superior, o que vem servindo de pretexto para a ampliação do setor

privado como pressuposto de uma pretensa democratização das oportunidades de ensino. De um

modo geral, a necessidade de transformar o ensino superior em atividade apta a ser capturada pelo

capital, fez com que as grandes políticas para esse nível de ensino tivessem como sentido

fundamental a quebra de todos os obstáculos que dificultavam a sua organização como atividade

rentável. A principal delas envolve a quebra do chamado “modelo único” de ensino, a saber, aquele

que se pauta pela indissociabilidade entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Daí, por

exemplo, as políticas de diversificação e diferenciação institucional.

O combate ao ensino público se fez também mediante uma remodelação conceitual que

transformou uma bandeira histórica dos movimentos sociais em defesa da educação, a autonomia,

em critério do capital, de caráter tecnocrático, uma mera medida da eficiência e da eficácia da gestão

educacional. Observe-se, por exemplo, o discurso das “parcerias” entre Estado e setor privado e que

torna a questão da universalização do ensino uma medida a ser satisfeita pelas forças do mercado.

Algo similar também acontece com a concepção de avaliação que envolve as reformas. A

mesma apresenta-se como medida de controle, não da qualidade historicamente demandada por

muitos setores, mas a qualidade tida como pressuposto da eficiência econômica, da “gestão

responsável”, “moderna”, que otimiza recursos.

Em síntese, ao final da Ditadura Militar inaugura-se um período permeado por mudanças,

complexas e contraditórias, que transfiguraram o caráter da educação brasileira. Por maiores que

tenham sido as conquistas obtidas, não é de se negar que a tendência mais significativa do período

foi a do reforço da privatização do ensino, em todos os seus sentidos e tendo como contrapartida a

destruição, ideológica e efetiva, da educação mantida pelo Estado.

A tendência histórica do desenvolvimento capitalista pôs em evidência a capacidade de

controle e de avanço, aparentemente cada vez mais fora dos limites do controle social, que as forças

históricas do capital têm para organizar-se e defender os seus interesses. Nesse processo, o espaço

para as políticas educacionais, como projeto de Estado, fica ainda mais reduzido e subsumido às

determinações vorazes e à sede de lucro incessante do capital financeiro. Olhando para o campo

educacional como um todo, observa-se que há, portanto, um movimento coordenado entre as

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reformas, que faz jus a duas das premissas deste Estado máximo para o capital: de um lado, a

suposta incapacidade estatal de investir na educação pública, que deve economizar recursos para

remuneração do capital financeiro e, do pouco que resta, privilegiar o ensino básico; de outro, por

conseqüência, tomar como pressuposto que o desenvolvimento do mercado educacional é

necessário à “democratização” do ensino, uma vez que o setor privado é supostamente mais

eficiente na gestão dos recursos e flexível para adequar-se aos moldes da demanda dos setores

produtivos e do mercado em relação à formação (a empregabilidade).

Enfim, trata-se de um movimento histórico que efetivamente retira a educação do chamado campo dos direitos sociais – construído historicamente e subordinado ao controle social – e a submete ao campo das atividades mercantis, passando a ser determinada cada vez mais pela lógica totalitária do capital. Mas não se pode tomar esse movimento como livre de contradições e muito menos pressupor que paira sobre todos os homens, até o fim da história, o totalitarismo do capital, numa espécie de eternização das relações capitalistas. Ao contrário,

...precisamos lutar para que todos os homens tenham acesso a uma educação que os prepare para além do capital; que possibilite a todos o acesso aos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade; e, enfim, que todos os homens possam usufruir de uma educação crítica, voltada ao atendimento de toda a sociedade e centrada nos conteúdos, dentro de uma perspectiva política de transformação social. (LOMBARDI, 2005, p. xxviii)

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