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Apontamentos para Sociologia da Educação A herança clássica dos fundadores da sociologia da educação Durkheim e a educação A preocupação de Durkheim está em saber como acontece a vida em sociedade; como é possível a cooperação humana e como é que a sociedade não se desintegra, a educação é assim um factor de integração e reprodução social. «A educação é a acção exercida pelas gerações adultas sobre as que ainda se não encontram amadurecidas para a vida social. Ela tem por objectivo suscitar e desenvolver na criança um certo número de condições físicas, intelectuais e morais que dela reclamam, seja a sociedade politica no seu conjunto seja o meio especifico a que ela se destina particularmente.» Para este autor a educação cria as condições para que a sociedade continue a ser como é. As funções da educação são preservar a sociedade e socializar, humanizar o homem, fornecendo-lhe referenciais normativos e cognitivos que lhe faltam. A socialização é o processo através do qual a criança se forma de acordo com as necessidades da sociedade. Esta visão tem como consequência ser a educação vista essencialmente como uma força conservativa e integrativa. Para Durkheim o conteúdo do acto educativo não importa, o que interessa é a reprodução do perfil do individuo em que se venham a reflectir as particularidades da organização social. «O homem que a educação deve realizar não é o homem tal como a natureza o fez, mas tal como a sociedade quer que seja; e esta quere-o tal como a sua economia interna o exige». O autor compara os alunos a tábuas rasas «que a sociedade se encontra, pois, quando de cada nova geração, em presença de uma quase tábua rasa». Ao dizer isto ele não dá nenhum espaço á individualidade e originalidade de cada novo membro, não há muita liberdade de acção. A sociedade tem uma existência em si

A herança clássica dos fundadores da sociologia da educação

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Apontamentos para Sociologia da Educação

A herança clássica dos fundadores da sociologia da educação

Durkheim e a educação

A preocupação de Durkheim está em saber como acontece a vida em sociedade; como é

possível a cooperação humana e como é que a sociedade não se desintegra, a educação é

assim um factor de integração e reprodução social.

«A educação é a acção exercida pelas gerações adultas sobre as que ainda se não encontram

amadurecidas para a vida social. Ela tem por objectivo suscitar e desenvolver na criança um

certo número de condições físicas, intelectuais e morais que dela reclamam, seja a sociedade

politica no seu conjunto seja o meio especifico a que ela se destina particularmente.»

Para este autor a educação cria as condições para que a sociedade continue a ser como é. As

funções da educação são preservar a sociedade e socializar, humanizar o homem, fornecendo-

lhe referenciais normativos e cognitivos que lhe faltam. A socialização é o processo através do

qual a criança se forma de acordo com as necessidades da sociedade. Esta visão tem como

consequência ser a educação vista essencialmente como uma força conservativa e integrativa.

Para Durkheim o conteúdo do acto educativo não importa, o que interessa é a reprodução do

perfil do individuo em que se venham a reflectir as particularidades da organização social.

«O homem que a educação deve realizar não é o homem tal como a natureza o fez, mas tal

como a sociedade quer que seja; e esta quere-o tal como a sua economia interna o exige».

O autor compara os alunos a tábuas rasas «que a sociedade se encontra, pois, quando de cada

nova geração, em presença de uma quase tábua rasa». Ao dizer isto ele não dá nenhum

espaço á individualidade e originalidade de cada novo membro, não há muita liberdade de

acção. A sociedade tem uma existência em si mesma, sendo independente e exterior aos

indivíduos. A sociedade faz os indivíduos, mas os indivíduos não fazem a sociedade. Para ele é

irrelevante considerar o significado ou as intenções das acções dos indivíduos.

Max Weber

Em oposição a Durkheim dá um destaque muito particular á acção, para ele a sociologia tem

como objectivo compreender a acção social.

A grande diferença entre estes autores está no seu foco, Durkheim via a sociedade como um

todo e não considerava pertinente tomar em consideração o que relevava das acções dos

membros individuais. Weber pelo contrário considera inadequados os conceitos

colectivizantes que ignorem as acções das pessoas que estão na base dos fenómenos em

estudo. Para ele o individuo «é o único portador de um comportamento significativo».

Este autor apenas tem um texto acerca da educação, onde aborda a realidade dos literatos

chineses, fazendo uma análise do uso da educação, segundo as posições sociais ou grupos de

estatutos a que se pertence. Ele considera que há interesses conflituais entre os diferentes

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grupos de estatuto, noutras palavras ele admite a existência de interesses conflituais, mas

também considera que o que ocorre na sociedade é resultado da agregação de açoes levadas a

cabo por indivíduos ou grupos organizados e não por entidades que seriam deduzidas da

posição dos indivíduos no sistema de produção.

Para Weber ir a escola é uma acção social porque agindo assim você terá, indo ou, no caso

inverso, deixando de ir.

Esse tipo de acção que Weber classificaria como racional com relação aos fins, que estabelece

os fins e procura os meios mais adequados para a concretização dos seus objectivos

conscientemente visados.

O objectivo da acção é basicamente egoísta, no sentido de realização de metas do individuo

como tal.

Karl Marx

Marx enfatiza a luta de classes para ele os indivíduos de qualquer classe tornam-se «simples personificações das categorias económicas, suportes onde se cristalizam relações de classe e de interesses de classe particulares». O homem, torna-se, pois, estranho a ele mesmo, fruto da desumanização que resulta do desenvolvimento do capitalismo, deixando de se reconhecer a si próprio na sua actividade e nas suas obras.

Durkheim Weber Marx

Visão global da educação

EducaçãoAcção exercida sobre os sujeitos fornecendo-lhes referenciais normativos e cognitivos ajustados á sociedade onde se inserem (educação como força de integração moral e social)

Educação como o reflexo histórico de relações competitivas entre grupos sociais tendo como objectivos a vantagem económica, o prestigio ou a dominação politica (educação como uma arena competitiva e conflitual)

Educação como um instrumento que contribui para a manutenção da estrutura de classe e de produção nas sociedades burguesas e capitalistas (educação como um mecanismo ideológico)

Mecanismos e processos

HomogeneizaçãoEspecialização/ diferenciação

Lutas pelo monopólio de posições mais vantajosasCredencialismo e fechamento social: exclusão e usurpação

Produção de “falsas consciências”Reprodução social e culturalAutonomia relativa

Efeitos e implicações

Manutenção funcional da sociedade e das relações sistémicas

Articulação selectiva e conflitual na relação entre educação e sociedade

Manutenção (ou alteração) da estrutura de classes e do sistema capitalista

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As correntes na sociologia da Educação

A grande diferença nestas perspectivas está nos autores que defendem um paradigma de

determinação total dos indivíduos pela sociedade ou pela classe social dominantes e outros

que consideram incontornável a tomada em consideração das acções nos contextos em que

elas são levadas a cabo.

De forma resumida podemos explicar cada uma das teorias:

A perspectiva determinista, explica a existência das sociedades e a sua continuidade pela

partilha de sistemas de valores consensuais. A continuidade das sociedades, nesta perspectiva,

depende do sucesso da socialização dos novos membros nesse sistema consensual de valores.

Cada um dos seus membros é indispensável ao contribuir de forma específica para a

manutenção do equilíbrio e harmonia do conjunto. No funcionalismo estrutural e a

reprodução consensual as instituições sociais têm funções específicas no interior da

sociedade, ainda que todas concorram para um objectivo comum. Define como funções do

sistema educativo a socialização e a selecção dos indivíduos. A socialização na escola permite

que os alunos integrem o sistema de valores partilhado pela sociedade, a selecção permite

seriar os indivíduos para os orientar para as diferentes posições do sistema económico e social.

O sistema educativo tem como funções a socialização e a selecção dos indivíduos, a selecção

permite seriar os indivíduos para os orientar para a diferentes posições do sistema económico

e social, o funcionamento da turma permite a socialização e efectua a selecção.

As teorias de reprodução conflitual/ correspondência directa estes autores dividem-se em

duas correntes a capitalista na América e a capitalista em França, na américa consideram que a

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desigualdade de escolarização reproduz a divisão social do trabalho «enquanto alguns tiverem

poder sobre muitos e outros tiverem poder sobre nada – enquanto a divisão social do trabalho

persistir – a desigualdade da educação persistirá na sociedade americana», em França

defendem que o aparelho escolar contribui para a reprodução da força de trabalho, as praticas

escolares preparam para a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual. A ideologia

burguesa do conhecimento «é caracterizada por uma separação entre a teoria e a prática»,

com as raízes na separação do trabalho manual e intelectual.

Para os autores da teoria da correspondência directa e da reprodução cultural, sob a

inspiração de Durkheim, a sociedade tem o primado sobre o individuo, que é encarado como

sobressocializado. Situam-se dentro da perspectiva determinista. Também eles se interessam

pelas relações entre educação, politica e economia. A educação por mecanismos de

socialização e de selecção, preenche a função de reprodução social. A educação fornece ao

sistema económico uma mão-de-obra adequada e assegura um sistema político de

manutenção do poder das classes dominantes

Teoria da reprodução cultural os processos culturais efectuam a manutenção das estruturas

económicas e sociais existentes, a cultura transmitida na escola é a cultura da classe

dominante que se impõe como a cultura por excelência, para estes autores (Pierre Bordieu)

existem culturas dominantes que se caracterizam por «arbitrários culturais» específicos, estes

têm uma razão de ser no concerto das relações de poder da sociedade em geral.

“ …a classe dominante só consegue levar a cabo essa imposição do seu arbitrário cultural na

medida em que mistifica este processo. E este processo acaba por ser tanto mais eficaz quanto

mais dividir, fazendo de conta que faz comunicar «a cultura dominante produz este efeito

ideológico dissimulando a função de divisão sob a função de comunicação: a cultura que une

(meio de comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e que

legitima as distinções, forçando todas as culturas (designadas como subculturas) a se definirem

pela sua distância á cultura dominante” as diferentes classes sociais vão participar numa «luta

simbólica» para impor umas ás outras a definição do mundo social que mais corresponde ao

seu arbitrário cultural.

Teorias da resistência e da autonomia relativa

Este autor (Giroux) admite uma relativa autonomia da educação relativamente á ordem social

capitalista. A socialização escolar não consegue actualizar completamente o seu papel de

reprodutora pois há fenómenos de contraculturas que se geram entre os jovens escolarizados.

Esta abordagem dá algum espaço á acção dos indivíduos no seio da escola. Por isso, vai olhar

os alunos e professores de forma diferentes, estes são vistos como atores, sendo importante

conhecer a definição que eles dão da situação em que se encontram.

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As contraculturas são movimentos não conformistas e críticos da sociedade. Apresentam-se

mais como alternativa do que como simples condenação da ordem social e do poder

estabelecido. “(…) a negação da cultura dominante e da ideologia socioeconómica dominante,

supõe, antes do mais, que o contestatário se situe em função dessa cultura e dessa ideologia.

(…) que é necessário ser-se culto e possuir os meios intelectuais fornecidos pela ideologia

oficial (…) para que uma tal herança se possa recusar. As classes sociais excluídas da cultura e

do saber, dada a sua situação (…) não se podem revoltar contra algo que não possuem”.

Paradigma da acção

Para estes autores (R. Boudon e F. Bourricaud) « o sujeito social goza de liberdade, mas a sua

ação desenvolve-se sempre no interior de um sistema de constrangimentos mais ou menos

claramente definidos, mais ou menos transparentes para o sujeito, mais ou menos rigorosos»

Os atores são sujeitos que levam a cabo acções no contexto de redes complexas de

interacções. A acção não se pode limitar áquilo que pode ser observado no exterior, da

conduta humana. A acção é o comportamento contextualizado com a respectiva

intencionalidade.

Fenómenos macrossociais (perspectiva agregacionista R. Boudon), é uma perspectiva não

determinista da sociologia. Os atores são interdependentes pois as suas escolhas podem

alterar toda a dinâmica social ou então reproduzi-la.

Teoria do conflito (R. Collins) o objecto de estudo é a inflação dos requisitos para a ocupação

dos diferentes lugares sociais. As competências a serem demonstradas por que se candidata

aos lugares estão dependentes de determinadas características que determinados grupos

considerem relevantes.

Nesta escolha pode acontecer que as habilitações escolares, mais do que indicadores de

competências técnicas, funcionem como sinal de pertença a determinado grupo.

A escola vai desempenhar a função de selecção, estabelecendo distinções, não entre os mais

capazes e os menos capazes, mas entre os que se adequam mais ao perfil valorizado pelo

grupo social. Há conflito pela atribuição de lugares no mercado de trabalho.

«As exigências de qualquer posição ocupacional não são fixas, mas representam aquele

comportamento que é estabelecido no decorrer de negociação entre as pessoas que ocupam

posições e aquelas que tentam controla-las»

Perspectiva histórico sociológica, o autor A. Petitat estudou a partir de uma perspectiva

histórico sociológica a relação entre o aparecimento de colégios universitários na Idade Media

e a emergência da burguesia. Utilizando o exemplo dos colégios jesuítas identificou certos

traços fundamentais, em termos de espaço assiste-se á transição do ensino dispensado por

professores individuais em espaços disseminados nas cidades para um ensino ministrado num

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mesmo edifício. Passa-se da organização do espaço á imagem do artesão individual para uma

organização de espaço á imagem da manufactura colectiva. Estando os estudantes

concentrados num mesmo espaço, foi necessário organizar o seu tempo e as suas actividades.

Esta organização integrou questões de horários e também a organização da graduação das

aprendizagens. A racionalização introduzida estava baseada na ideia de trabalho, marcava uma

modalidade institucional que se desdobrava numa relação entre assunto a ser ensinado,

tempo para o aprender e verificação das aprendizagens. Introduziam-se assim os exames e a

graduação dos alunos.

«Por um lado a história e a sociedade são feitas pelas pessoas e, por outro, essa sociedade vai

funcionar como constrangimento na acção das pessoas. Mas o princípio dinâmico de integração

dos diferentes constrangimentos e de criação de novas estruturas reside nos próprios sujeitos em

perpétua autoconstrução»

Abordagem dos fenómenos microssociais, G. Mead (Interaccionismo simbólico) dá relevância á

compreensão dos processos através dos quais as pessoas constroem as suas acções. É no campo

simbólico que esses sinais têm inteligibilidade.

Só porque partilhamos um mesmo universo significativo podemos interpretar os sinais dos outros.

As acções das pessoas são, pois, vistas não como expressão das estruturas, mas como expressão do

desenrolar de interacções. Mas estas interacções não são olhadas como uma cadeia não acabada de

acções e reacções que se sucederiam de forma previsível, antes vai ser dada muita importância á

construção das representações da situação.

Fenomenologia, estuda a forma como as pessoas definem a realidade em que vivem. Há uma diferença

entre o que pode ser observado e aquilo que a pessoa ressente quando observa algo. A fenomenologia

social distingue comportamento e experiência. O comportamento é aquilo que se pode observar do

exterior, enquanto experiência é aquilo que a pessoa integra no seu mundo interior.

Isto significa que nunca podemos ter acesso á experiência dos outros.

A etnometodologia estuda a intencionalidade das açoes dos atores.

Conclusões importantes

as perspectivas deterministas ajudaram a criar e a reforçar um discurso que desculpabiliza a organização

e os seus intervenientes nas desigualdades que gera.

Se antes o discurso era: este aluno tem maus resultados porque não tem capacidade, não tem

inteligência bastante; a partir de certa altura a atribuição causal do insucesso passa a referir

predominantemente a origem social dos alunos.

A sociologia da açao exige uma alteração de logica interpretativa. Há alunos com mais capacidades do

que outros; há alunos com melhor enquadramento familiar do que outros; só que a escola pode

funcionar com esta diversidade.

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