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1 A Hierarquia Celeste segundo Santo Tomás de Aquino Prof. Dr. Paulo Faitanin - Universidade Federal Fluminense/Instituto Aquinate (www.aquinate.net ) Intenção: A hierarquia celeste é um breve estudo sobre a ordem das criaturas espirituais no céu. Deus é supremo e está fora de qualquer hierarquia e ordem. Esta palestra procura apresentar a hierarquia celeste segundo o pensamento de Tomás de Aquino. Muitas vezes esquecidos, negados, mal entendidos, reduzidos a símbolos, mitos ou a fenômenos psíquicos, é sempre oportuno recordar a verdade sobre o que são os anjos. DOGMA A existência do Anjo é uma verdade de fé. O nome Anjo significa mensageiro e não identifica a natureza do ser espiritual que ele é, mas a sua função. Deste modo, o seu ser é espírito e o seu ofício é anjo. É espírito pelo que é e anjo pelo que faz. Origem As Escrituras testificam a existência dos anjos. A palavra ‘céu’ em Gn 1, 1 refere-se aos Anjos. Tem origem por criação como atesta São Paulo em Cl 1, 16: “porque n´Ele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis: Tronos, Soberanias, Principados, Autoridades, tudo foi criado por Ele e para Ele”. Unânime é o Magistério da Igreja e Santo Tomás sobre a sua origem espiritual por criação, à imagem e semelhança de Deus. Finalidade Criado para servir a Deus, contemplar a Sua glória, testemunhar, guardar, anunciar e executar a Sua Palavra no governo e conservação do universo. Serve a Deus, servindo ao homem, criatura que Deus quis por si mesma, imagem e semelhança do Seu Filho, centro da existência dos anjos e dos homens, porque por Ele todas as coisas foram feitas, as visíveis e as invisíveis. Natureza O anjo é criatura espiritual subsistente com intelecto, vontade e liberdade, portanto ser pessoal eviterno, incorruptível e único diante de Deus, boa por natureza, mensageiro da verdade, nominalmente conhecido por Deus. Apesar de espírito é criatura limitada. Estado Depois da criação, mas antes de ver a Deus, o anjo foi posto à prova. Com a conversão a Deus, veio a confirmação permanente do estado, com a aversão a Deus veio a negação permanente do estado original. A Queda Os Anjos maus converteram-se às criaturas e se reconheceram nelas, dando origem ao mal de culpa, induzindo à queda de muitos inferiores por persuasão. Enraizado na soberba por não querer submeter-se a Deus naquilo que era devido, na inveja, por não conseguir que não existissem os santos e entristecer-se diante do bem do homem e da grandeza de Deus, desejou

A Hierarquia Celeste segundo Santo Tomás de Aquino

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Page 1: A Hierarquia Celeste segundo Santo Tomás de Aquino

 

A Hierarquia Celeste segundo Santo Tomás de Aquino

Prof. Dr. Paulo Faitanin - Universidade Federal Fluminense/Instituto Aquinate (www.aquinate.net)

Intenção: A hierarquia celeste é um breve estudo sobre a ordem das criaturas espirituais no céu. Deus é supremo e está fora de qualquer hierarquia e ordem. Esta palestra procura apresentar a hierarquia celeste segundo o pensamento de Tomás de Aquino. Muitas vezes esquecidos, negados, mal entendidos, reduzidos a símbolos, mitos ou a fenômenos psíquicos, é sempre oportuno recordar a verdade sobre o que são os anjos.

DOGMA

A existência do Anjo é uma verdade de fé. O nome Anjo significa mensageiro e não identifica a natureza do ser espiritual que ele é, mas a sua função. Deste modo, o seu ser é espírito e o seu ofício é anjo. É espírito pelo que é e anjo pelo que faz.

Origem

As Escrituras testificam a existência dos anjos. A palavra ‘céu’ em Gn 1, 1 refere-se aos Anjos. Tem origem por criação como atesta São Paulo em Cl 1, 16: “porque n´Ele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis: Tronos, Soberanias, Principados, Autoridades, tudo foi criado por Ele e para Ele”. Unânime é o Magistério da Igreja e Santo Tomás sobre a sua origem espiritual por criação, à imagem e semelhança de Deus.

Finalidade

Criado para servir a Deus, contemplar a Sua glória, testemunhar, guardar, anunciar e executar a Sua Palavra no governo e conservação do universo. Serve a Deus, servindo ao homem, criatura que Deus quis por si mesma, imagem e semelhança do Seu Filho, centro da existência dos anjos e dos homens, porque por Ele todas as coisas foram feitas, as visíveis e as invisíveis.

Natureza

O anjo é criatura espiritual subsistente com intelecto, vontade e liberdade, portanto ser pessoal eviterno, incorruptível e único diante de Deus, boa por natureza, mensageiro da verdade, nominalmente conhecido por Deus. Apesar de espírito é criatura limitada.

Estado

Depois da criação, mas antes de ver a Deus, o anjo foi posto à prova. Com a conversão a Deus, veio a confirmação permanente do estado, com a aversão a Deus veio a negação permanente do estado original.

A Queda

Os Anjos maus converteram-se às criaturas e se reconheceram nelas, dando origem ao mal de culpa, induzindo à queda de muitos inferiores por persuasão. Enraizado na soberba por não querer submeter-se a Deus naquilo que era devido, na inveja, por não conseguir que não existissem os santos e entristecer-se diante do bem do homem e da grandeza de Deus, desejou

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ser semelhante a Deus por virtude própria e não por auxílio divino, ao mesmo tempo em que quis tomar para si aquilo que para Deus é o Seu bem mais precioso na criação: o homem, criado à imagem e semelhança de Seu Filho.

Faculdade

A faculdade do anjo é amar, um amor semelhante ao de Deus pela criatura. O anjo bom converteu todo seu entender, querer e agir para este amor, mas o anjo mau entronizou o ódio e tornou-se o maior adversário do amor. Todo anjo tem a capacidade de entender, querer, decidir e escolher simultânea, direta e de uma única vez, definitiva e perfeitamente uma ou muitas coisas como elas são, sem sentir, emocionar-se, abstrair ou raciocinar.

Situação

Confirmado no amor o anjo bom converteu-se em mensageiro da verdade, mas o anjo mau privado do amor tornou-se o pai da mentira, convertendo toda a sua inteligência na mentira e a sua vontade no mal.

Modo

Capaz de escolher segundo o conhecimento que possuía antes da confirmação ou da queda, o anjo não atuou por ignorância, mas por sabedoria ou maldade.

Consequência

Sua escolha converteu plenamente toda a sua capacidade intelectual natural para o que escolheu, contraindo-se exclusivamente nisso, ao mesmo tempo em que resignava o intelecto e a vontade nesta livre decisão da natureza, sendo incapaz de revogar o seu ato de eleição, pois se tratava de um ato único e exclusivo, pelo qual se decidiria, mediante uma contração substancial, toda a natureza para o que ela entendeu e se inclinou a escolher.

Mundo

A aversão a Deus e a conversão a si mesmo o fez crer na falsa ideia de que o esplendor do universo fosse um efetivo reflexo do brilho de sua própria natureza e não da glória divina. Convertido ao mundo tornou-se senhor deste mundo. Perverteu o mundo e aquilo que no mundo fora mais querido por Deus, o homem, este se torna no mundo o principal alvo de sua mentira, malícia e ódio, com o intuito de atingir diretamente o Filho do Homem, de Quem o homem foi criado à imagem e semelhança. Isso justifica a razão de o Anjo caído preferir vaguear no mundo corpóreo a ter que ir para o inferno.

Indivíduo

Cada anjo é único e não há nenhum outro que se lhe assemelhe em espécie. O que constitui formalmente cada uma destas naturezas subsistentes individuais foi o que cada uma recebeu por iluminação divina no instante da sua criação. Deus criou a forma espiritual subsistente iluminando-a e a iluminou criando-a. E nisso consiste a criação, iluminação e individuação do anjo.

Sem Cara

Sem coesão no ser o demônio não se ‘reconhece’ como criatura divina individual, porque ao converter-se ao mundo reconhece em si a natureza material das coisas e se se reconhece nelas. Sua natureza disforme o faz manifestar-se com variadas formas sem ‘face’, pois não se dá a conhecer porque não se reconhece.

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Pessoa

O anjo é pessoa, um ser espiritual individual subsistente com natureza digna por representar uma semelhança divina, mas só o anjo bom goza desta dignidade, porque o anjo mau, por sua escolha e ação é justamente a dissolução da dignidade da natureza Angélica e, por conseguinte, do seu ser pessoal. Deste modo, só impropriamente lhe convém o nome pessoa.

Hierarquia

Hierarquia é governo sagrado. Tudo que Deus cria, Ele santamente governa segundo a Sua sabedoria, imprimindo uma ordem na criação, segundo a perfeição da Trindade: uma perfeição que purifica, outra que ilumina e outra ainda que aperfeiçoa. Primeira hierarquia - caridade; Segunda hierarquia - esperança e a Terceira hierarquia - fé. Cada hierarquia é composta por três ordens. Cada ordem é composta por uma multidão de anjos. Cada ordem é denominada de acordo com as suas propriedades, ou seja, em razão das suas perfeições próprias.

1ª Hierarquia

1ª Ordem, a dos Serafins

(ardor caritativo: imagem do amor divino);

2ª Ordem, a dos Querubins

(plenitude de ciência: imagem da sabedoria divina);

3ª Ordem, a dos Tronos

(assento de Deus: compreendem o juízo divino).

2ª Hierarquia

1ª Ordem, Dominação

(governo dos próprios anjos: domina e distingue o que fazer);

2ª Ordem, Virtude

(executa a ordem da dominação com relação à natureza física);

3ª Ordem, Potestade

(ocupa-se do combate aos anjos caídos).

3ª Hierarquia

1ª Ordem, Principado

(guia na execução dos atos e dirigem os destinos das nações);

2ª Ordem, Arcanjo

(anuncia importantes missões aos homens e guarda as pessoas que desempenham importantes funções para a glória de Deus, como o Papa, bispos e sacerdotes);

3ª Ordem, Anjo

(anuncia, comunica e protege individualmente cada homem).

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Desordem

Há entre os anjos caídos uma ‘ordem’ se for observado o que tem relação originalmente com a natureza e ao que foi recebido por iluminação na criação, mas não quanto ao que é relativo à glória. Os Anjos caídos foram:

Primeira Hierarquia

2ª. Ordem: Querubins

Segunda Hierarquia

3ª. Ordem: Potestades

Terceira Hierarquia

1ª. Ordem: Principados

O principado subordina-se à Potestade, mas esta precedência não infere relação de concórdia entre eles, pois se um obedece a outro não é pelo amor ou amizade que têm entre si, mas pela maldade em comum a todos eles, pela qual se odeiam uns aos outros, odeiam os homens e rejeitam a justiça de Deus.

Iluminar

Iluminar é um ato próprio da onisciência divina pelo qual irradia sua luz, a graça, sobre o intelecto angélico, aumentando-lhe a capacidade. A iluminação é justamente este acréscimo de capacidade intelectual e de conteúdo intelectual no espírito. O anjo confirmado no amor tem esta capacidade, pela qual comunica alguma verdade e perfeição da Palavra divina dirigida ao anjo que é denominada locução, ou ao homem, pela iluminação.

Insinuar

Os anjos podem agir sobre a imaginação, não imprimindo uma imagem que o homem não tenha, mas agem de modo diferente, o anjo bom inspira a boa imaginação e o anjo mau a má. Podem agir sobre os sentidos externos, valendo-se externamente das coisas sensíveis, ou internamente, alterando a forma de percepção sensível das coisas, sem propriamente alterar a formas das coisas. Desse modo, o anjo pode agir de maneira peculiar sobre os sentidos fora do modo ordinário, mas não pode provocar uma imaginação do que não se sente.

Moção

O anjo tem o poder de mover-se a si mesmo, a outro espírito puro, a alma espiritual unida ao corpo ou separada dele, ou mesmo qualquer outra criatura corpórea. Tal movimento advém de sua capacidade espiritual, mediante algum ato do seu entendimento, que impele a sua vontade a mover-se. Não se locomove, segundo uma moção típica dos corpos que se movem por si mesmos, nem se desloca, conforme uma moção específica dos corpos que são postos em movimento por ação do movimento de outro corpo.

Moção Espiritual

Pode ser por:

Iluminação (na alma unida ao corpo, separada no purgatório ou no céu)

Insinuação (na alma unida ao corpo ou separada no purgatório)

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Persuasão (no anjo inferior, na alma unida ao corpo, ou separada no inferno)

Tentação (insinuando ou persuadindo um anjo ou uma alma unida ao corpo a acreditar, aceitar e escolher uma inverdade).

Moção Corporal

Poder ser por:

Locomoção (suspender um corpo)

Composição (compondo substâncias, fazer aparecer o fogo)

Impressão (imprimindo no corpo uma nova coloração, segundo a capacidade da coisa).

O Milagre

Os anjos não realizam milagres. Tudo o que fazem é segundo o seu poder natural. Mas milagre só Deus faz, quando algo se faz para além da ordem da natureza, para além de toda ordem natural criada. As operações ocultas na natureza que os demônios fazem não são efetivos milagres. Não podem realizar sinais, prodígios, portentos ou virtudes, cura, profecia, línguas, bilocação, estigmas, levitação, sinais astronômicos, expulsão de demônios e ressurreição, embora possam enganar fazendo parecer serem capazes de fazer.

Manifestação

Os anjos se manifestam aos homens, segundo diversas aparências passíveis de serem total ou relativamente compreendidas pelo homem, dentro do contexto da sua vida, do que nela os homens puderam aprender e imaginar: ao assumir aparência de corpo, ao possuir o espírito humano, ao infestar coisas ou obcecar pessoas

A Aparência

O anjo bom, apesar do esplendor do seu espírito, mostra-se numa aparência compreensível ao espírito humano, segundo uma aparência humana esplendorosa, com imenso fulgor, que logo dá a impressão de ser o mais belo e perfeito dos seres humanos.

O anjo mau, em conseqüência da sua natureza decaída no pecado manifesta sua aparência totalmente carente de unidade, bondade, verdade e beleza, por isso aparenta o que não é, assumindo, às vezes, uma aparência humana enganadora, ou de mesmo de animais monstruosos ou criaturas amorfas desconhecidas ao homem. Trata-se de uma aparência sem face indescritivelmente múltipla, má, falsa e, portanto, feia. Por isso, não raro e por causa do modo como se manifesta, o demônio foi descrito com as formas mais aberrantes e feias que encontramos no universo sensível. Pode apresentar falsamente forma esplendorosa, fazendo parecer o que de fato não é para seduzir e levar a alma ao pecado.

O Toque

O anjo pode tocar as realidades naturais; quando é um anjo bom ele sagra o que toca (um pedaço de roupa, algum utensílio e mesmo partes do corpo de uma alma santa, como fragmentos de ossos), quando é um anjo mau ele infesta o que toca porque a utiliza como instrumento de manifestação do seu ódio, vileza, baixeza, fealdade e falsidade. São objetos que podem ser utilizados tanto pelo anjo quanto pelo demônio para manifestar o seu poder ou mesmo persuadir o homem acerca do que ele deve acreditar e decidir. Os objetos de infestação, na maioria das vezes, são vis e não raro profanos, porém úteis para a sua manifestação, como os

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objetos que são usados para simpatias, adivinhações, augúrios e coisas semelhantes que são potencialmente instrumentos de infestação.

A Obsessão

Denomina-se obsessão a manifestação do poder do demônio sobre alguma sensação do corpo, sentimento ou imaginação, provocando-lhe uma paixão na alma, desordenando-a, na medida em que insinua e/ou persuade a alma a aderir a tal paixão, contrariamente à moção da graça e da virtude. O demônio faz isso propondo imagem que ele não inventa nem impõe, mas sugere, insinua falsa e ilusoriamente, segundo aquilo que toca alguma fraqueza humana. O demônio também pode persuadir a alma a aderir tal paixão, valendo-se da provocação externa causada pela infestação, fazendo parecer com que algo perverso e avesso à graça de Deus se manifeste como algo bom, útil e prazeroso, transformando num objeto de obsessão da alma. A obsessão causa a cegueira espiritual da alma e a impede de ver a luz da graça, o que implica na aversão a Deus e a conversão à criatura.

A Possessão

Denomina-se possessão a manifestação do demônio sobre a alma humana, enquanto entra no corpo do homem, mediante uma operação que consiste em tomar, assumir ou possuir as faculdades da alma e, mediante isso, todo o corpo. Isso o anjo bom não faz, não porque careça de poder, mas porque respeita a liberdade humana. O demônio, ao contrário, porque não a respeita, embora não possa tocar e manipular a liberdade humana nem conheça a intenção humana, recorre a este ato extremo para manifestar o seu poder.

Condições para a Possessão

Permissão divina para purificar a alma e manifestar o seu poder sobre o demônio, para levar muitos à conversão;

Não conivência da alma humana;

Manutenção do juízo e consciência, embora a possessão atue na posse da razão e vontade para manifestar o seu poder, persuadindo o pensamento mediante a insinuação de imagens algumas verdadeiras e outras falsas, com o intuito de enfraquecer o domínio natural do intelecto sobre a vontade.

Mina a vontade com a moção das paixões contrárias ao bem e a verdade.

Insinua imagens internas e move as paixões.

Domina a potência sensitiva, as sensações.

Possui e manipula parcialmente a potência fisiológica, matriz das alterações bioquímicas e de funções como: reprodutiva, nutritiva, digestiva, respiratória, circulatória etc.

Ação da Possessão

Usar órgãos: a boca e as cordas vocais para vocalizar língua rara blasfemando, ou para informar fatos aparentemente ocultos ao conhecimento humano, falsear e distorcer a verdade, fazendo-a parecer verdade.

Mover o corpo possesso, fazendo-o levitar, tornando-o mais forte e imune a medicamentos como calmante ou qualquer outra droga que acalme a agitação espiritual da alma possessa.

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Possuir o corpo vivo, pois do contrário seria uma infestação se o demônio se valesse de um cadáver para manifestar-se.

Possuir a alma humana, verdadeiro princípio vital do corpo, para dispô-la contra Deus.

Blasfemar e escandalizar as almas mediante mostra de poder mediante a possessão, para afastá-las de Deus.

Escravizar a liberdade humana, o apanágio da natureza humana, por ser similitude à liberdade divina.

Missão

Missão significa a ação em que alguém envia outrem com a incumbência de executar uma tarefa ou exercer um encargo. Como tal, a missão implica uma dupla relação: do enviado com quem o envia e do enviado com o fim para o qual é enviado. No caso do anjo, quem o envia o faz por uma ordem ou mandato, tal como um senhor envia um servo, mediante uma ordem, pois quem ordena é superior. O envio tem tais finalidades: que o enviado comece a estar em algum lugar onde antes nunca esteve ou que sirva quem o enviou onde esteja. Ora, está incluído na ordem divina servir o homem. Portanto, eles também são servos dos homens. Mas sobre isso se deve advertir que os anjos em suas ações onde estão servem principalmente a Deus e só secundariamente ao homem.

Condições da Missão

Os anjos são enviados para agirem como servos para executar ordens dadas por quem os enviou.

Os anjos enviados gozam da presença divina no encargo que executam.

A missão e o serviço devem ser exercidos na caridade, enquanto acende o fogo do amor no coração dos homens.

Não há missão para os demônios, pois contraídos no ódio não servem, pois toda missão Angélica supõe uma ordem e uma finalidade dadas e ordenadas segundo a caridade por Deus.

Sem missão os demônios sempre tentam estar onde não podem estar. Algumas vezes, sob a permissão divina, conseguem estar onde querem estar, mas não o podem normalmente, como no corpo possesso ou nos ares; mas não querem estar no inferno.

Guarda

O anjo é enviado por Deus para servi-lO. Ora, um dos serviços prestados pelo anjo é a guarda dos homens. De fato, se o homem é o tesouro da criação divina, justifica-se enviar um súdito fiel e poderoso para guardá-lo. Daí que anjos bons sejam enviados para a guarda dos homens, para dirigi-los e movê-los ao bem. Deus, em sua onisciência, providencia que o anjo guarde o espírito do homem, porque sabe que tal tesouro se encontra depositado num ‘vaso de barro’. Portanto, o homem necessita desta guarda, porque embora livre, ele por si mesmo não consegue suficientemente evitar o mal e fazer o bem, condição para alcançar a caridade.

Condições da Guarda

Cristo, como homem, não possuiu anjo da guarda, pois era dirigido imediatamente pelo Verbo de Deus, não precisando por isso da guarda dos anjos. Por isso, não precisou de um anjo superior a Ele que Lhe guardasse como ser inferior, mas de um anjo inferior que Lhe servisse.

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A todos os homens são delegados, desde o nascimento, anjos para guardá-los, sem nunca totalmente os abandonar, com a intenção de que no fim da jornada terrestre reine com ele um anjo, para que não encontre no fim deste caminho o inferno, onde haverá um demônio para puni-lo.

O demônio não guarda porque quer que o homem se perca do caminho.

Não há um demônio tentador para cada homem, pois o número de demônios não é superior ao de anjos da guarda e um só demônio pode tentar pela comum concupiscência da carne, muitos homens ou muitos a um só homem.

Como Guardam

O anjo da guarda priva o homem mau de fazer um mal ainda maior e evita que o demônio possa realizar, mediante sua influência sobre tal homem, o mal tanto quanto gostaria. De tal modo que o anjo da guarda não deixa que o demônio valha-se de um homem para fazer todo o mal que queira.

O anjo da guarda, embora não queira que o homem peque e sofra não se entristece nem sofre pela culpa nem pela pena do homem que guarda, pois nada acontece no mundo que contrarie a vontade do anjo da guarda, porque a sua vontade perfeitamente adere à ordem da divina justiça.

O anjo da guarda conduzirá a alma guardada diante do tribunal, como testemunha dos atos bons ou maus cometidos por ela. O anjo também mostrará ao tribunal sua diligência, vida virtuosa ou testemunhará a sua negligência.

Como tenta o Demônio

O anjo serve o homem na caridade, guardando a alma na esperança, para animá-la com graças que servem para que ela resista com fé ao combate do demônio. De fato, o demônio primeiramente tenta a alma para desarmar-lhe da lança com que ela se defende: a fé. Em seguida, se alcançado o almejado, a alma desarmada, despojada de sua lança, se encontra vulnerável frente a qualquer investida do demônio sobre a couraça que protege o seu coração: a esperança. Uma vez desarmada da lança da fé e desprotegida da couraça da esperança, que protege o coração, a alma enfraquecida deixa exposta o seu tesouro: a caridade. A sucessiva investida do demônio sobre o coração faz com que aos poucos ele seja despojado do seu tesouro e fique totalmente exposto e vulnerável às contínuas investidas do demônio. Completamente desarmada a alma, no coração do homem são entronizados o ódio, a fraqueza e a falsidade.

Tentação

Tentar é experimentar alguma coisa e o demônio tenta o homem com uma finalidade má, pois quer saber como alguém está na fé ou na virtude para enganá-lo ou fazê-lo cair. Conhecedor da concupiscência humana pelas coisas externas que o homem realiza, ele tenta porque não sabe se o homem resiste à tentação. Tenta para estimular o vício ao qual o homem está mais inclinado. Tenta a carne para enfraquecer a vontade e incliná-la ao pecado. Tenta para saber; se sabe a fraqueza, persiste; e persiste porque quer dominar; e domina porque o quer utilizar como instrumento para fazer o mal. Quer instigar o pecado e punir o homem.

Seria uma resistência inútil se a alma não tivesse o auxílio da graça divina e o auxílio da guarda do anjo.

Não é suficiente ao homem para evitar ou resistir ao assédio tentador do demônio sobre a concupiscência humana apenas a ascese, dada pela virtude adquirida pelo exercício da

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temperança da carne quanto aos prazeres do mundo. Sem a graça e o auxílio do anjo da guarda o homem, por causa da sua concupiscência, não consegue por si mesmo resistir à tentação.

Anjos Hoje

A proliferação de seitas é sinal de uma profunda crise da unidade da fé cristã em nossos dias. Seguramente isso se reflete numa Angelologia desacreditada, mitificada, quando não negada por causa de três erros: teológico, filosófico e científico. O teológico, o mais grave, consiste em ir de uma mera consideração dos anjos como símbolos poéticos, como assinala P. Tillich, à simples negação da sua existência, como sustenta R. Bultmann. Dentre os teólogos católicos as maiores reservas com relação à consideração da natureza Angélica devem ser feitas com relação à doutrina de Karl Rahner, a ponto de um dos seus maiores intérpretes mostrar a ambiguidade e a periculosidade de sua doutrina. O erro filosófico é, muitas vezes, a base de sustentação do equívoco teológico e científico. O equívoco filosófico se identifica, sobremaneira, com as teses materialistas e racionalistas que interpretam tais seres como mitos que alienam. De fato, as ciências humanas, especialmente aquelas aplicadas que se fundamentam em tais doutrinas filosóficas e que estudam o comportamento humano, como a psicanálise, acabam facilmente por conceber e enquadrar anjos e demônios em alguns dos tipos de neurose e/ou psicose. A infeliz propagação da teologia da prosperidade substantiva o mal no demônio e acaba por gerar uma espécie de idolatria às avessas, a partir de uma infundada oposição aos demônios e de um absoluto esquecimento da devida veneração aos santos anjos.

Conclusão

O Papa João Paulo II, em mensagem de 31 de março de 1985 dizia aos jovens como identificar nos dias de hoje este latido do demônio: “A tática que aplicou e que aplica consiste em não se revelar, para que o mal difundido por ele desde a origem se desenvolva por ação do próprio homem, através dos sistemas e das relações entre os homens, entre as classes e entre as nações (...) a fim de que o mal se converta cada vez mais num pecado estrutural e cada vez menos se possa identificá-lo como pecado pessoal”. Em razão do exposto, mais do que nunca se faz necessário uma adequada exposição acerca da natureza destes seres, como atuam em silêncio na origem do pecado pessoal, transformando-o em social. E nada mais perfeito do que se valer do que há de melhor dentre o que de melhor se escreveu sobre tais seres: Santo Tomás de Aquino – quem muito foi tentado contra a castidade e que a venceu; e se não a tivesse vencido com o auxílio do seu anjo da guarda que lhe infundiu a graça de Deus, a Igreja não o teria conhecido como Doutor Angélico, como nos relata conta o Papa Pio XI em sua Encíclica Studiorum ducem.