A Hinódia Protestante e a Reforma do Século XVILuiz Carlos RamosIntrodução

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    A Hindia Protestante e a Reforma do Sculo XVILuiz Carlos RamosIntroduo (o cntico

    litrgico medieval)

    Para melhor compreendermos a hinologia protestante necessrio considerarmos seus

    antecedentes na liturgia medieval, pois, em certa medida, esta definiu aquela, quer afirmativa,

    quer negativamente.

    A msica na igreja medieval integrava, principalmente, a liturgia da missa. Esta se estruturava

    em duas partes principais: a primeira, a liturgia dos catecmenos, inclua oraes, salmos do

    Antigo Testamento ou ocasionalmente hinos cristos, leitura da Escritura e homilia; a segunda

    parte, a liturgia dos fiis, compreendia a oblao dos elementos eucarsticos do po e vinho, a

    orao eucarstica especial de consagrao que inclua as palavras da instituio, e a

    comunho partilhada dos elementos.

    Na Idade Mdia, as oraes, os cantos, e as leituras, que compunham cada culto, eram

    colecionados em um brevirio ou ordem de culto para o ano todo. O latim foi mantido, mesmo

    depois da queda do Imprio Romano (sc. V), o que restringia sua compreenso aos clrigos. A

    msica, como a participao na celebrao em geral, era privilgio do clero. Por influncia de

    So Gregrio (540604 d.C.), as melodias eram planas e no se empregava rtmica variada nema polifonia. Era uma prtica restrita os religiosos da qual os leigos no participavam.

    Tratava-se, portanto, de uma hindia clerical/monacal, de estilo mondico, diatnico e de

    ritmo livre, cujas letras eram composies sobre textos litrgicos latinos, muitos deles j

    estabelecidos no primeiro sculo da era crist (Gloria in Excelcis Lc 2.14, Gloria Patri, Kyrie,

    Sursum Corda, Ter Sanctus Is 6.3, Gloria et Hosanna et Benedictus Lc 19.38/Mt 21.15,

    Agnus Dei Jo 1.29, Credo, Te Deum Laudamus); ou sobre os salmos bblicos (De Profundis Sl

    130, etc.); os cnticos evanglicos (Anunciao Lc 1.30 33, Magnificat Lc 1.46 55,

    Benedictus Lc 1.68 79, Nunc Dimittis Lc 2.29 32); outros textos teolgicos capitais, os

    chamados Hinos (Hino eucarstico Mt 26.30/Sl 113 118, Hinos apostlicos At 4.24 30; Ef

    5.14; Fp 2; 1Tm 3.16; 5.15 16; 2Tm 2.11 13; Ap vrios).

    Note-se que a hindia medieval era essencialmente bblica. Praticamente tudo o que se

    cantava no contexto litrgico ou eram trechos bblicos literais ou textos teolgicos com

    evidente referncia ao contedo escriturstico.

    Joo Huss (circa 1369/1373 1415)

    Pouco se pode dizer com base documental confivel sobre os anabatistas (assim chamados por

    sua prtica de rebatizar aqueles que no haviam sido batizados por imerso). No entanto,

    sabe-se que seu costume de cantar congregacionalmente, tanto na Sucia, como na Alemanha

    e em outros pases da Europa, influenciou diretamente lderes empenhados na reforma da

    Igreja Romana, como o sacerdote tcheco Joo Huss, que tambm introduziu o canto

    congregacional nas igrejas bomias. Este, por sua vez, inspirou Martinho Lutero a empregar o

    cntico do povo no processo de consolidao da Reforma Protestante (sc. XVI).Martinho Lutero (1483 1543)

    Martinho Lutero, o grande reformador alemo, tinha uma atitude de liberalidade em relao

    liturgia. Coerente com a sua nfase na Teologia da Graa, no proibia nada no culto a no ser

    que fosse algo explicitamente rechaado pelas Escrituras. Livremente, reconhecia que as

    variaes de temperamento e tradio deveriam encontrar mtodos variados de adorar o

    mesmo Deus.

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    No prefcio do seu Livreto de Hinos Espirituais (1524) escreve: Com alegria eu gostaria de ver

    todas as artes, especialmente a msica, no servio daquEle que as deu, e as criou. E, ainda,

    no condeno cerimnias. Desta forma, encontramos em Lutero, um incentivador das artes,

    em geral, e da msica, em particular.

    Sabe-se que Lutero tinha conhecimentos musicais e atribui-se sua autoria pelo menos 37

    hinos. O mais conhecido de todos o Castelo Forte (uma verso do Salmo 46). Supe-se que

    ele mesmo no compusesse as melodias, h quem afirme que ele emprestava as melodias das

    msicas que se cantava secularmente em sua poca.

    No que diz respeito ao contedo lrico, preservou os hinos medievais de origem latina,

    traduzindo vrios deles para o alemo, bem como a salmdia. No entanto, estimulou novas

    composies, inclusive adaptando essas letras a melodias populares.

    Lutero devolveu o canto, antes restrito ao clero, para a congregao (sua maior contribuio

    no campo da msica litrgica). Tambm o responsvel pelo estmulo ao canto coral (i.e, o

    cntico a quatro vozes, entoado juntamente com o povo).

    Ulrico Zunglio (1484 1531)Ulrico Zun-lio, um dos mais importantes telogos do movimento

    reformador na Sua, particularmente em Zurique, era provavelmente o musicista mais

    capacitado de todos os reformadores, mas, curiosamente, se dependesse dele, toda msica ecntico seriam dispensados, descartados pela igreja. Sua preocupao central foi com a leitura

    sistemtica das Escrituras e a pregao do Evangelho, fruto da sua enftica racionalidade.

    O culto regular dominical, dirigido por Zunglio, comeava com orao, seguida da orao do

    Senhor, ento vinha o sermo, geralmente em estilo expositivo; depois disso, uma confisso

    geral de pecados, com absolvio; finalmente, outra orao e bno.

    Joo Calvino (1509 1564)

    Joo Calvino fez de Genebra, Sua, o centro do protestantismo europeu. Em contraste notrio

    a Lutero (Teologia da Graa), Calvino enfatizou a Teologia da Soberania de Deus. Da que a

    austeridade constituiu-se na principal caracterstica litrgica da espiritualidade calvinista. Para

    Calvino, s permitido no culto o que a Bblia permite. Guilherme Farel, mentor de Calvino,

    retira o cntico do culto, mas Calvino, percebendo a sua importncia e ntima relao com a

    orao, restituio e passa a incentivar o cntico congregacional. Entretanto, s se pode cantar a

    Bblia, especificamente, os Salmos. Calvino insistia na necessidade de se voltar fonte do

    canto cristo, a Bblia, para estabelecer as bases do canto litrgico. Por isso, traduziu e

    metrificou vrios Salmos.

    Insatisfeito com o que acontecia na Alemanha, sob a liderana de Lutero, no que diz respeito

    ao emprego de melodias populares no culto, decidiu contratar musicistas como Clemente

    Marot, Louis Bourgeois e Claude Goudimel (alguns a quem estavam dando asilo, por serem

    foragidos, perseguidos em seus pases de origem). Estes se tornariam importantes

    compositores das melodias dos salmos (planejados para o canto em unssono).Calvino mesmo decidiu publicar o Saltrio (1539). Este se tornou muito popular e foi traduzido

    para vrias lnguas, com centenas de edies publicadas. Esse hinrio tornou-se o modelo para

    todos os demais saltrios mtricos que apareceram posteriormente, tanto no continente como

    na Inglaterra, na Esccia e na Amrica.

    Liturgicamente, enfatizou a celebrao da Palavra e a ministrao da Ceia (celebradas

    semanalmente). O pastor Profeta, e exerce o ministrio proftico a partir do plpito; e

    tambm Sacerdote, e exerce o ministrio sacerdotal a partir da mesa/altar.

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    A liturgia reformada calvinista clssica conduzida da mesa e somente no momento da leitura

    e da proclamao da Palavra o ministro ocupa o plpito. O culto comea com a confisso de

    pecados, diferentemente da idia de Zunglio, que comeava o culto com o sermo e depois a

    confisso, Calvino entende que a pregao do evangelho da graa, e do perdo, deve,

    necessariamente, se seguir confisso de pecados e no provoc-la. Segue-se confisso, a

    leitura de textos bblicos relativos remisso de pecados ou alguma outra forma de

    absolvio. Ento, durante o canto de um salmo metrificado, o ministro se dirige para o

    plpito. Faz uma orao extempornea ou uma coleta por iluminao, pedindo para que a

    graa do Esprito Santo permita que a Palavra seja fielmente anunciada e humildemente

    obedecida. Ento uma passagem bblica lida e o sermo pregado com base nesse texto.

    Calvino era inimigo de sermes lidos e de sermes longos. Por causa da sua asma, sua

    pregao era pausada, ainda assim, ele raramente pregava mais de meia hora. Pretendia que

    seus sermes fossem mais do que instruo, mas que tocassem o corao humano com vida.

    Retornando mesa da comunho, o ministro conduz o povo na Grande Orao de Ao de

    Intercesso, a qual contempla as necessidades de toda sorte e condies humanas e inclui a

    Orao do Senhor na forma de uma longa parfrase. O Credo dos Apstolos cantado por

    todos e o ministro prepara os elementos eucarsticos. Sem interrupo do culto, orao sesegue as Palavras da Instituio da Ceia e uma severa exortao, que inclui a excomunho dos

    impenitentes e a certeza de que pela f ns recebemos, de fato, o corpo e o sangue do Senhor.

    A Comunho se encerra com uma admoestao para que todos elevem os coraes cada vez

    mais ao alto, onde Cristo est na glria do seu Pai. Depois de um hino, segue-se uma breve

    orao de ao de graas e o Nunc Dimittis, aps o que uma bno encerra o culto.

    Calvino influenciou grande parte do mundo porque Genebra era um lugar de asilo que

    abrigava generosamente os perseguidos por motivos polticos e religiosos de toda a Europa.

    Tais exilados, ao retornarem para seus pases de origem, levavam consigo a influncia

    calvinista.

    Concluso

    Destacamos, da hindia protestante e reformada: (1) A participao do povo no canto

    litrgico; (2) a tentativa de busca da fonte bblica da msica na Igreja e no culto,

    particularmente, a valorizao dos Salmos; (3) a abertura para novas experincias artsticas e

    musicais, tais como o canto coral e o emprego da harmonia a quatro vozes; (4) e mesmo, pelo

    menos no caso de Lutero, a preservao da cultura medieval dos cnticos litrgicos latinos,

    ainda que traduzidos para o vernculo.

    somente no perodo ps-Reforma que a Igreja passar a entoar hinos com letras no

    exclusivamente bblicas. A influncia dos movimentos pietista (na Alemanha) e puritano (na

    Inglaterra e Esccia) abrir as portas para o canto autoral, testemunhal e evangelstico que

    marcar o perodo dos grandes avivamentos e a era das misses transculturais dos sculos

    XVIII e XIX. Mas esse tema merece uma abordagem parte, o que pretendemos fazer em outraocasio.

    Tais aspectos, supomos, oferecem Igreja Crist uma rica contribuio no campo da arte e da

    cultura, mas, principalmente, no campo da Teologia, que, mais do que verbalmente anunciada,

    pode ser entusiasticamente cantada. Soli Deo gloria!