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A História Dos Cristãos Novos

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As referências acerca dos cristãos-novos no Brasil são vastas na historiografia brasileira. Fugidosdas perseguições ibéricas, milhares de judeus convertidos vieram se estabelecer na colônia com ointuito de aqui construírem uma nova vida. Cada vez mais surgem estudos que dedicados aotema, apontam para as múltiplas possibilidades de se trabalhar com esses personagens, tendo emvista, as redes que aqui formaram envolvidos em uma série de atividades em diversos espaços etempos diferentes. Nosso interesse consiste em analisar a presença de tais indivíduos em algunslivros didáticos, tanto àqueles voltados para o Ensino Fundamental quanto para o Ensino Médio,e que possuem em sua temática a História do Brasil, remontando à época do Descobrimento. Oobjetivo é perceber a forma como esses agentes vem sendo representados pela escrita da históriaapresentada por esses manuais, considerando, sobre esses últimos, o complexo universo que osconstituem. Os cristãos-novos estiveram presentes durante todo o período de nossa colonização,podendo ser encontrados na sociedade que passaram a integrar, uma série de elementos de suacultura que ainda se fazem presentes nos dias de hoje. Através de fontes variadas, tais como ospróprios livros didáticos, este estudo visa compreender como se constrói o conhecimentohistórico acerca de nossa formação frente a uma sociedade predominantemente cristã, o queacreditamos influenciar significativamente no tipo de ensino e aprendizagem pretendido pelasescolas e pelos agentes que as constituem como é o caso dos livros didáticos, parte da culturamaterial escolar.

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A Histria dos Cristos-Novos no Brasil Coloniale a Escrita nos Livros Didticos: Um Estudo Comparativo Helena Ragusa

Universidade Estadual de Londrina Centro de Letras e Cincias Humanas Programa de Ps-Graduao em Histria Social A Histria dos Cristos-Novos no Brasil Colonial e a Escrita nos Livros Didticos: Um Estudo Comparativo Helena Ragusa Orientadora: Ana Helosa Molina Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Estadual deLondrina,emcomprimentosexignciaspara obtenodottulodeMestreemHistriareade ConcentraoemHistriaSocialLinhaHistriae Ensino. Londrina, 2012 Catalogao elaborada pela Diviso de Processos Tcnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina. Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP) Bibliotecria Responsvel: Marlova Santurio David CRB 1107/9 R146hRagusa, Helena. A histria dos cristos-novos no Brasil colonial e a escrita nos livros didticos: um estudo comparativo / Helena Ragusa. Londrina, 2012. 188 f. : il. Orientador: Ana Helosa Molina. Dissertao (Mestrado em Histria Social) Universidade Estadual de Londrina, Centro de Letras e Cincias Humanas, ProgramadePs-Graduao em Histria Social, 2012. Inclui bibliografia. 1. Judeu-cristos Historiografia Brasil Teses . 2. Histria do Brasil Estudo e ensino Teses. 3. Brasil colnia Teses.4. Histria Livro didtico Teses. 5. Cristos Historiografia Teses. I. Molina, Ana Helosa. II. Universidade Estadual de Londrina. Centro de Letras e Cincias Humanas. Programa de Ps-Graduao em Histria Social. III. Ttulo. CDU 930.1:37.02 Helena Ragusa A Histria dos Cristos-Novos no Brasil Colonial e a Escrita nos Livros Didticos: Um Estudo Comparativo Avaliado em _________________________ com conceito ___________ Banca Examinadora Prof DrAna Helosa Molina (Orientadora) Prof Dr. Arnaldo Pinto Junior (1. Examinador) Prof Dr. Marco Antnio Soares(2. Examinador) Para meus amados e queridos pais Silvestre e Emiliana,e para Andr AGRADECIMENTOS Uma das certezas que tiveno percurso dessa pesquisa que este trabalho fruto das muitascontribuies,sugesteseencaminhamentosdevriaspessoasqueacompanharam minha trajetria e que se encontram tanto no meio acadmico como tambm fora dele.PrimeiramentegostariadeagradeceraosmeusalunosdocolgioSt.Jamesde Londrina, por terem despertado um anseio h muito desejado, porm, at ento engavetado. minha orientadora e amiga, prof DrAna Helosa Molina, por ter acreditado emmim enesta pesquisa. A ela os meus mais sinceros agradecimentos, pelas sugestes, crticas e elogios que levaram constituio da mesma. AgradeotambmUniversidadeEstadualdeLondrina,quelogocedopasseia chamar de minha 2 casa. Como uma estrangeira, numa terra desconhecida, foi na UEL que estabeleci durante minha trajetria de graduanda, e depois, na especializao, os laos que me acompanhamathoje.AoprogramadePs-GraduaoemHistriaSocialdamesma; CAPESpelofinanciamentodestapesquisaeaosseusprofessores,especialmenteaMrcia ElisaTetRamos,MariadeFtimaCunha,JosMiguelAriasNeto,PauloAlves,Claudia Martinez, entre outros. Aos funcionrios Claudio e Rosely, pela pacincia, carinho e presteza em atender prontamente as dvidas e necessidades que surgiram ao longo do caminho.AoProfDr.deminhabanca,MarcoAntnioSoares,pelascontribuiesemminha qualificao,almdagenerosidadeemcompartilharoconhecimentoeomaterial,alguns livrosdeacervoprprio,ediesraras,quemeajudaramacompreenderasmltiplas possibilidades de pensar e de descrever o cristo-novo. E Arnaldo Pinto Junior, tambm pela disponibilidadeeatenonaleituradotextoenassuascontribuiesqueforamdeveras importantssimas,emeguiaramparaumcaminhooqualconsiderorduoededifcil compreenso.Enfim,pelosinmerosincentivosquemederam,agradeoaseriedadeeo carinho para com este estudo cujas criticas e sugestes se fazem aqui presentes. Prof Daniela Levy, que carinhosamente me atendeu em seu espao no Laboratrio de Estudos sobre a Intolerncia da Universidade de So Paulo(LEI/USP). acolhida que me foiproporcionadapeloArquivoHistricoJudaicoBrasileiro,especialmente,aosprofessores Paulo Valadares e Lcia Chermont cujo suporte foi de grande valia ao desenvolvimento deste trabalho.AssimcomoSrgioMotaeSilva,aquemtambmdevopartedosmeus agradecimentos. Aos amigos: Tet, peloincentivo delevar adiante o estudo do tema e pelasinmeras contribuies no decorrer deste trabalho, cuja inspirao e paixo pela Histria e pelo ensino damesmasodefatocontagiantes.Miguelito,umdosgrandesresponsveisporeuter chegadoataqui,sempremeguiandopeloscaminhostortuosos tantodapesquisaquantoda burocraciaexigidos em um Mestrado.Gilberto, amigo e professor que soube com destreza e sensibilidadedarvozsideiasediscursosporvezesumtantoconfusos.Rosngela,minha terapeuta,quedurantetodooprocessodesatougrandepartedosnsemocionaise profissionais.Renata,aquemsempreagradecereipelosconselhoseporcompartilharsuas experinciasacadmicascomigo.Daniela,pelaamizadeincondicionalepelacapacidadede trazerlevezaaosdiasmaisdifceisdosltimosanos.Gabriel,pelasfrutferaseinspiradoras conversasquetrouxeramumflegomaioraotemaaquiapresentado.Minhaquaseirm Cris,comquemcresci,equesempredemonstrouenormerespeito,amoreamizadepara comigo,sempreacreditandoeincentivandomeuspassos.Atodososdemaisamigos queridos, sem os quais o caminho para a concluso deste trabalho certamente teria sido mais desgastante e cansativo.E, ao Claudiomar, que infelizmente nos deixou muito cedo, mas com quemtiveoprivilgiodeconvivereumdosincentivadoresdemeuretornoinstituio,a quem deixo aqui o meu carinho especial. Aosfamiliaresdocorao:TiaMariaDulce,aquemeumuitoadmiropela persistncia,fepeloenormeamorvida.TiaCci,peloapoioeamizadeincondicional minha famlia em todos os momentos. Tia Carol e filhas, cuja casa e corao sempre encontro abertos. Lucy e Mauro Granado, sogros queridos. Por fim, agradeo a minha famlia: Papai, Silvestre, pesquisador incansvel e professor admirvelquesempremedeuasasparaescolheromeuprpriocaminho;emame, Emiliana, cuja histria de vida foi certamente determinante para a escolha do tema. Obrigado aambospornuncateremdesistidoesempremesocorridoemtodosospercalos.minha irm,GiulianaeJooRobertopelaacolhidaenquantoestiveemSoPaulo.Mel,minhafiel companheira de estudo, de lazer e de amor.Com especial gratido dedico este trabalho ao Andr,meu esposo eescudeiro, que medeuamor,espaoesilncionosmomentosmaiscrticosefelizesdestapesquisa.Seu despreendimento e pacincia foram imensurveis.RAGUSA,HELENA.AHistriadosCristos-NovosnoBrasilColonialeaEscritanosLivros Didticos: Um Estudo Comparativo. Dissertation presented for the Master,s Program in the Social History Course of the Universidade de Londrina, 2012.

RESUMO A Histria dos Cristos-Novos no Brasil Coloniale a Escrita nos Livros Didticos: Um Estudo Comparativo As referncias acerca dos cristos-novos no Brasil so vastas na historiografia brasileira. Fugidos das perseguies ibricas, milhares de judeus convertidos vieram se estabelecer na colnia com o intuitodeaquiconstruremumanovavida.Cadavezmaissurgemestudosquededicadosao tema, apontam para as mltiplas possibilidades de se trabalhar com esses personagens, tendo em vista, as redes que aquiformaram envolvidos em uma srie de atividades em diversosespaos e tempos diferentes. Nossointeresse consiste em analisar a presena de taisindivduos em alguns livros didticos, tanto queles voltados para o Ensino Fundamental quanto para o Ensino Mdio, e que possuemem sua temtica a Histria do Brasil, remontando poca do Descobrimento. O objetivo perceber a forma como esses agentes vem sendo representados pela escrita da histria apresentadaporessesmanuais,considerando,sobreessesltimos,ocomplexouniversoqueos constituem. Os cristos-novos estiveram presentes durante todo o perodo de nossa colonizao, podendoserencontradosnasociedadequepassaramaintegrar,umasriedeelementosdesua culturaqueaindasefazempresentesnosdiasdehoje.Atravsdefontesvariadas,taiscomo os prprioslivrosdidticos,esteestudovisacompreendercomoseconstrioconhecimento histricoacercadenossaformaofrenteaumasociedadepredominantementecrist,oque acreditamosinfluenciarsignificativamentenotipodeensinoeaprendizagempretendidopelas escolasepelosagentesqueasconstituemcomoocasodoslivrosdidticos,partedacultura material escolar. Palavras-chave: Cristo-novo; Livro Didtico; Brasil colnia; Ensino de Histria. RAGUSA,HELENA.TheHistoryofNew-ChristiansinColonialBrazilandtheWritinginthe Textbooks: A Comparative Studie. Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps Graduao em Histria Social da Universidade de Londrina, 2012. ABSTRACT The History of New-Christians in Colonial Brazil and the Writing in the Textbooks: A Comparative Studie ThereferencesabouttheNewChristiansinBrazilarevastintheBrazilianhistoriography. Fleeing from the Iberian persecutions, thousands of converted Jews came to establish themselves inthecolonywheretheyintendedtobuildanewlife.Itistobenoted theincresingnumberof studiesonthissubjectaimingatthemultiplepossibilitiesofworkingwiththesecharacters, bearinginmind,thecommunitygroupstheyformedhere,somethingthatallowedfortheir envolvementina series ofactivities withinvarious and different space and time. Ourinterestis thatofanalyzingthepresenceoftheseindividualsinsometextbooks,theonesadoptedinthe Medium and High Schools for the teaching of the History of Brazil, and going back to the time of itsDiscovery.Itisourgoaltounderstandthewaythesecharactershavebeenpresentedinthe writing of the history textbooks, takinginto consideration, theirinherence complexity. The New Christians were a confirmed presence during the whole colonization period. They can be found in the society they began to be a part of, thus having a series of elements of their culture still present nowadays. Through several sources, such as our own textooks, this study intends to comprehend howthehistoricalknowledgewasbuiltconcerningourformationwithinapredominantly Christian society.It is our view that such matter meaningfully influences the kind of teaching and learning intended by the schools, as shown in the textbooks which are part of the school material culture. Keywords: New Christians, Textbooks, Colonial Brazil, History Teaching SUMRIO Apresentao..................................................................................................................................11 Captulo1Brevehistrico:Estudoseperspectivasemtornodocristo-novonacolnia brasileira.........................................................................................................................................31 1.1 Quem so os cristos-novos................................................................................................31 1.2Judeus conversos no territrio espanhol: perseguio e dispora......................................36 1.3A chegada a Portugal.........................................................................................................38 1.4A presena judaica na produo historiogrfica brasileira: um balano...........................46 1.5Cristos-novos no Brasil portugus: uma questo de identidade......................................58 Captulo2LivrodidticonoensinodeHistriadoBrasil:Mudanasepermanncias1980-2007................................................................................................................................................70 2. 1Currculo Uma breve discusso.....................................................................................70 2. 2Livros didticos Algumas reflexes..............................................................................74 2. 3Atentando para uma escrita: O cristo-novo como novo sujeito histrico.......................80 Captulo3Arepresentaodoscristos-novosnoslivrosdidticos:Umestudo comparativo..................................................................................................................................101 3.1Uma anlise de fontes: Os cristos-novos em cena.........................................................101 3.2O livro didtico pblico do professor no Estado do Paran............................................120 3.3Os perigos de uma histria nica.....................................................................................126 Captulo4Oestudodoscristos-novosnoBrasilcolniasobreaticaisraelita:Estudode caso...............................................................................................................133 4.1ApresenaisraelitanoEstadodeSoPaulo:Dostemposdacolniaaosdiasde hoje....................................................................................................................................133 4. 2As primeiras escolas judaicas no Brasil: O incio.....................................137 4.3Aeducaoparaacomunidadejudaica:IntegraoeidentidadenoEstadodeSo Paulo.................................................................................................................................141 4. 4O cristo-novo na obra de Renato Mezan: Alguns apontamentos............................145 4.5Ocristo-novonaculturamaterialescolardeCheder:Algumas consideraes....................................................................................................................150 Consideraes Finais....................................................................................................................160 Fontes............................................................................................................ ................................168 Referncias Bibliogrficas............................................................................................................170 NDI CE DE I MAGENS Fig 01. Sinagoga Kahal Zur Israel......................................................................................106 Fig. 02. O Recife Holands.................................................................................................111 Fig. 03. Descrio de Obra..................................................................................................112 Fig. 04. O Mercado De Escravos Na Rua Dos Judeus (Zacharias Wagener, 1614-1668)..112 Fig 05. Comunidade Rochedo de Israel..............................................................................113 Fig. 06. Excerto de Marurcio de Nassau por Boris Fausto................................................115LI STA DE ABREVI ATURAS PNLD Programa Nacional do Livro Didtico LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao FTD Frre Thophane Durand PCNs Parmetros Curriculares Nacionais MEC Ministrio da Educao e da Cultura LDP/PR Livro Didtico Pblico do Paran LEI/USP-SP Laboratrio de Estudos da Intolerncia da Universidade de So Paulo So Paulo PNLEM Programa Nacional do Livro Didtico para o Ensino Mdio JCA Jewish Colonization Association

11 INTRODUO HumquadrodePaulKleequesechamaAngelusNovus.Representaumanjoque parecequererafastar-sedealgoqueeleencarafixamente.Seusolhosestoescancarados,sua bocadilatada,suasasasabertas.OanjodaHistriadeveteresseaspecto.Seurostoest dirigidoparaopassado.Ondensvemosuma cadeiade acontecimentos,ele vuma catstrofe nica que acumula incansavelmente runa sobre runa e as dispersa aos nossos ps. Ele gostaria dedeter-seacordarosmortose juntarosfragmentos.Masumatempestadesopradoparaso e prende-seemsuasasascomtantaforaqueelenopodemaisfech-las.Essatempestadeo impeleirresistivelmenteparaofuturo,aoqualeleviraascostas,enquantooamontoadode runas cresce at o cu. Essa tempestade o que chamamos de progresso. Walter Benjamin O presente trabalho A histria dos cristos-novos no Brasil colonial e a escrita nos livros didticos: um estudo comparativo tem por objetivo analisar a escrita produzida em torno dos cristos-novos na literatura didtica, tanto a que abarca a dcada de 1980 quanto quela quese refereaos diasatuais. So vrias asfunes que olivro didtico assumeno processoescolar,aomesmotempoemquedifundedeterminadosfatosepersonagensde nossaHistria,osreelaboraconformeapocaeasdiferentesperspectivastericase metodolgicas que se pretendem apresentar. Sobre esseaspecto, procurar-se- perceberas diversasrepresentaesexistentesnasescritasproduzidaspeloslivrosdidticosaqui selecionados, comparando-as e mostrando as diferentes nuances e aproximaes entre um e outro.Almdetrabalharcomoslivrosdidticosescolhidosparaessapesquisa, buscaremostambmapoiarmo-nosnafontedecarterbibliogrficoquecorresponde atuaodoscristos-novosnaAmricaPortuguesa.Investigaremosascausasqueos trouxeramparac,aformacomosedeusuaintegraoeoocultamentodesuasorigens que, em alguns casos levou ao completo apagamento. Em um terceiro momento, focaremos nossotrabalhonaanlisedostextosveiculadasemescolasdeorientaojudaica, observando a construo e a narrativa desse perodo histrico nesses materiais didticos. EnvolvidacomoensinodeHistriadesdeoano2000,tendoatuadonosegundo ciclocorrespondenteaosanosfinaisdoEnsinoFundamentale,algunsdessesnoEnsino 12 MdionaredeestadualdeLondrina,tivecomoprincipalferramentadetrabalhoolivro didtico. Foimaisprecisamenteaofinalde2008,duranteminhaprticaemsaladeaula, numa 6 srie atual 7 ano do Ensino Fundamental- que surgiu, o tema do cristo-novo. Aoaplicarumaatividadepropostapelolivrodidticoutilizadonaescola,umalunome chamou a ateno ao identificar a presena do cristo-novo no texto que estudvamos e me questionousobrequemviriaaseraquelepersonagem.Seriasegundoeleumcristo novinho de idade, ou se tratava de algum que havia acabado de se tornar cristo? Aorecorreraolivronointuitoderespondersquestescolocadaspeloaluno, percebidequesetratavadeumapassagem,masqueaqueletermocristo-novose encontravanumespaovazio,ouseja,desconectadodos textosedasimagensqueaquele manualtrazia.Nohavianenhumarefernciaouqualquerexplicaonemmesmona bibliografia trazida pelolivro, ou no glossrio- sobre quemviria a ser aquele personagem que ali se encontrava. Decertomodo,aquestocolocadapeloalunoacaboudespertandoointeressede outroscolegasdaquelamesmaturma,fatoessequemelevouabuscaroutrasfontesque pudessemsatisfazeraquiloquepasseiaconsiderarmaisdoquemeracuriosidade,masde conhecimento a ser buscado.Estimulada pelo questionamento do aluno, nascia assim, o desejo de pesquisar mais afundosobreocristo-novoesuaatuaonoBrasilColonial,aomesmotempoemque repensaralgunsaspectosrelacionadosaoensinodaHistria,comoporexemplo,aescrita produzidanoslivrosdidticos,umrecursobastanteutilizadonoprocessodeensinoe aprendizagem.Assim como Arnaldo Pinto Jnior, acreditamos que: Oslivrosdidticos,produtosculturaisqueacompanhavamosestudos escolareshtempos,sodocumentosimperdveisparareflexesacercada atuaodocenteemsaladeaula.ConceitosdeHistriaedeeducao construdosapartirdaspropostasdeensinodadisciplinapodemser problematizados em anlises de obras didticas (PINTO JR, 2009: 29). Apartirdeento,percebiquefigurapresentenoterritriobrasileirodesdeos primrdios de nossa colonizao, os cristos-novos foram e so objeto de vrios estudiosos quenabuscadedocumentosepistasqueretratemsuaatuao, trazematodo omomento 13 aspectosinovadoresemsuasabordagens.Noentanto,aexistnciadeumatradioda culturaescolarquestoqueiremosdiscutirmaisadiante-impedemuitasvezeso estabelecimentodeumaescritaqueprivilegieapresenadeoutrospersonagensalm daqueles que j se encontram bastante difundidos na Histria de nossa colonizao.O estudo sobre os cristos-novos emnossahistoriografia vem sendo realizado com maior nfase desde as trs ltimas dcadas do sculo XX a exemplo dos textos de Anita NovinskyCristos-Novos naBahia:A Inquisio e Jos SaraivaInquisio e Cristos-Novos1nessaperspectiva,buscaremosinvestigarodilogorealizadocomosaber produzidonaescola,maisespecificamente,aquiloquevemsendoveiculadonoslivros didticos.Adissertaoestestruturadaemquatrocaptulos.Oprimeirocaptulovisa apresentaroscristos-novosnocontextodeseutempodeformaacompreendera complexidadedessefenmeno,bemcomoatrajetriahistoriogrficaemtornodesse indivduo,sobrediferentesrepresentaesnosmaisvariadosespaoseemdiferentes temporalidades.O segundo captulo baseia-se no recorte temporal que se segue dos anos de 1980 e 2007,entendendoquenumprimeiromomentooBrasilpassavapeloprocessode redemocratizaoeseusdesdobramentosatingir-se-otodosossetoreseclassesque compunhamasociedadee,nooutroponto,aproduodemanuaisdidticoscomvista avaliaodoPNLD,referenteaoEditalPNLD2008,nosparecebastantepropciapara verificarmoscomoasdiscussesabarcadasnaqueleprimeiromomentovieramase consolidar.Na dcada de 1980,num cenrio delutas, debates, greves, reformas e denncias, o tema da democracia atingiu diretamente o setor da educao, culminandona promulgao daConstituiode1988,sendoreferendadomaistarde,pelaLDBn9394/96.Nesse contextoondeoseducadoresdesempenharamumpapelfundamentalpelamudanada situao educacional do pas, no que concerne a disciplina de Histria, seu ensino passou a serrepensadoeumasriedepropostasediscussesapontaramparaanecessidadede 1 Tanto Novinsky (1972) quanto Saraiva (1994), possibilitam uma maior clareza sobreoscristos-novoseo contextoemqueestavaminseridos,bemcomo,analisarascausasquelevaramaoprocessodeconverso ocorrido em Portugal no ano de 1497. 14 reformulaes nas vrias instncias que o abarcavam, ou seja, os currculos e os programas nasvriasSecretariasEstaduaiseMunicipaisdaEducao;nalegislao,pormeiode revises e questionamentos; e, por fim, o papel dos manuais didticos, tidos at ento como viles por seu carter exclusivo e conservador2. O estudo dos reflexos dessas mudanas e propostas ocorridas no Ensino de Histria dadcadade1980,passandopeladcada1990echegandoatosnossosdias,foio caminhopercorridonestecaptulonatentativadeobservarasmudanasepermanncias quesefazempresentesnosmanuaisdidticos,maisentendidossobovisdateoria foucaultianacomomicrodispositivosdepoder,fontefundamentalaindaqueambguae polmica - de estudo e pesquisa no processo de ensino e aprendizagem. Noterceirocaptulobuscamosfazerumacomparaoentreaescritaproduzida peloslivrosdidticosanalisados.Destacamosaqui,entreosoutrostextos,autilizaodo livrodidticopblicodoParan,olivrodoprofessor,lanadonofinalde2006,pela Secretaria de Estadual de Educao.Noquartoeltimocaptulodessapesquisa,realizamosamesmaabordagem metodolgicautilizadanocaptuloanterior,porm,nosvoltamosespecificamenteparao materialdidticoproduzidopelacomunidadejudaica.Nossoobjetivoperceberaforma comooscristos-novosforampercebidosporessegrupoedequemaneirasuaatuao interpretada no contexto que permeia nossa colonizao. Olevantamentobibliogrficorealizadoapontouaexistnciadeumexpressivo nmerodetrabalhossobreoscristos-novosnoBrasil,comdiferentesinterpretaese leituras sobre a presena de tais personagens em nosso territrio, referentes ao perodo que compreende a colonizao, contedo correspondente ao Ensino Fundamental- 2 ciclo e EnsinoMdio.Umadasfinalidadesfoitrabalharcomaideiadequetaispersonagens tiveramparticipaonoprocessodeformaodasociedadebrasileirae,durantetodoo perodocolonial,dandoumdiferenteenfoquesobreoscontedosapresentadosnesses materiais em relao a estes personagens e ao papel que exerceram aqui. 2DeacordocomKtiaAbud,olivrodidticonadcadade1980erabastanteconservador,nosentidode seguirostpicossugeridospeloscontedosdosprogramascurriculares,colocandoemsegundoplanoos objetivos e as propostas de uma Histria critica (ABUD,1984: 82). Para ela faltava o questionamento em relao aos itens que compunham os programas. 15 DeacordocomJaneB.Glasman,aorigemjudaicaoucriptojudaicade descobridoresecolonizadoresdoBrasilsefazcontroversaaindanosdiasdehoje,pois, trata-se de: Incontveiscristos-novos,alternandodurantesculos umavidacomo judeusassumidosemarranos,praticandoojudasmosecretamente,deacordo comosventospolticos,sobodomnioholandsouaatuaodaInquisio, variandodeumclimademaiortolernciaeliberdadetotalintolernciae represso (Glasman, 2005: s/p).

Dessaforma,arelevnciadestapesquisa,isto,desepensarsobreaatuaodo neocristonaformaodasociedadebrasileiraeaescritaquedelesefaznoslivros didticos, est em tornar-semais um elemento a ser pensado na construo historiogrfica apropriadaporessematerial,entendidocomoobjetodeensinocentraldoprocesso educativo,osmanuaisocupam40%dosestudosvoltadosparaessarea.(FONSECA, 2006: 30).KazumiMunakataafirmaqueolivrodidticojumfatonosetratamaisde decidirsedeveus-loouno,masdeus-lobem(MUNAKATA,1997:45).Nesse sentido,emboraopropsitodestetrabalhonoconsistaemrealizarumaanlisesobreas tendncias historiogrficas adotadas pelos livros didticos, admitimos o livro didtico como artefato cultural, indo alm de uma ferramenta de socializao do conhecimento produzido nomeioacadmico,oquenoslevadecertaformaaobservarcomooscontedosesto sendoelaborados,emmeioaumadinmicamercadolgicaquedefineaquiloqueirser veiculado,eaquiloqueserexcludo.Sobreaproduodidticarecente,porexemplo, fcilverificarquemuitopoucodaquiloquecontempladonahistoriografiachegaaser incorporado pelos livros didticos e, quando o so, tem o sentido de ilustrar temas polticos e econmicos com cenas cotidianas (CAIMI, 1999: 28). Essa relao entre o ensino de Histria e produo historiogrfica demonstra que, os avanos no sentido de uma aproximaomaisconsistente entre os saberes produzidos so demasiados tmidos. No entanto, essa distncia constatada entre um saber e outro, no nos remete,comoocorreparaalgunsestudiosos,ideiadatransposio3quecarregaemsia imagem de uma escola conservadora, que no passa de um mero agente de transmisso de 3SobreessaquestoverLatransposiodidtica.Delsabersbioalsaberenseado(CHEVALLARD, 2000). 16 saberes elaborados fora dela, como demonstra Andr Chervel (1990: 182), em seu estudo acerca das disciplinas escolares.Eemsetratandodosmanuaisdidticos,umdosnossosobjetosdeestudo, acreditamosassimcomoAnaMariaMonteiroquemuitomaisdoqueassociarmosolivro didticoumaideiadetransposiodoconhecimentocientficopara osaberescolar,os autoresdelivros,aoproduziremsuasobras,expressamleituras,posicionamentos polticos,ideolgicos,pedaggicos(MONTEIRO,2009:175).Nodevemospensaro mesmocomoumacompilaodetextosde outrosautoresoucomoumfluxooriundo do saber acadmico, mas sim como: Textosqueapresentamamescladoscontedosselecionados,coma organizao textual, o (s) gneros discursivos utilizado (s), a elaborao didtica realizada,asopesfeitasquantoaexemplos,analogias,ilustraes, comparaes,refernciastemporaiseespaciais,entreoutrosaspectos, apresentamumaexpressodosaberescolarquetrazimplcitaavisoqueos autorestmsobreoqueecomoensinar,etambmsobreosprocessosde aprendizagemeasexpectativasquantoaoqueconsideramquedevaser aprendido (Idem: 188). apartirdanoodeculturaescolarqueremetemosnossaanlise,umavezque entendemos o livro didtico como parte dela, como um produto dessa cultura que influencia diretamentenasuaelaborao.ParatantorecorremosaDominiqueJulia,eseu pronunciamentonaconfernciadeencerramentodoXVCongressodaAssociao Internacional de Histria da Educao, tendo mais tarde publicado um artigo, quedefine a cultura escolar como:Um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas ainculcar,eumconjuntodeprticasquepermitematransmissodesses conhecimentoseaincorporaodessescomportamentos;normaseprticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as pocas(finalidades religiosas,sociopolticasousimplesmentesocializao(JULIA, 2001:10). Refletindo sobre a questo das finalidades, mais especificamente no que se refere finalidadereligiosa,quetrazemosessadiscussoparaoensinoescolarbrasileirodesde seusprimrdiosatosdiasdehoje.DeacordocomAnne-MarieChartier,emboranose creia mais no papel cristianizador das escolas, nos pases que sofreram a colonizao, como ocasodoBrasil,adominaoculturalexercidapeloOcidente,impondoseusmodosde 17 pensar, suas categorias, suas referncias e seus sistemas de valores promoveram certamente uma educao pautada no cristianismo (CHARTIER, 2005:18). Maria Ins Sucupira Stamatto, explica em seu estudo acerca dos livros didticos de histria,quemesmotendosurgidonosculoXVIalgumasobrassobreahistriada AmricaPortuguesa,anfasenosestudoshistricoseranosautoresdaAntiguidade Clssicaounacronologiadosfeitosmilitaresereinadosportugueses,e,naHistriada Igreja.Duranteaadministraopombalina,foicriadoumsistemadeeducaoque controladopelogovernoportugus,tendocomopredomnioaPedagogiaTradicionale organizada pelos jesutas, trazia os compndios para os anos iniciais de escolarizao tendo como foco principal os preceitos religiosos e os bons costumes4 (STAMATTO, 2009: 134). Tendoemvistaainexistnciadeumapolticanacionaltantoparaoensinode Histriaquantoparaolivrodidticoatadcadade1930,arefernciaadotadaaquino Brasilparaoestudodahistriapautou-senomodelofrancs,estruturadoapartirda traduodecompndiosfranceses,quandonoadotavam-sediretamenteosmanuaisem lngua francesa. Dessa forma, a histria da Civilizao Ocidental foi inculcada no ensino de histria, relegando assim, a histria da ptria (CAIMI, 1999: 34). Orompimentocomomodelopedaggicofrancsvaiocorrer,quandoosmanuais didticos passam aser produzidos no Brasil,sobuma poltica de educao que atendia ao contextodapoca.AimplantaodoEstadoNovo traziadentreoutros,umapreocupao emreafirmarumadeterminadahistrianacionalemconsonnciacomofortalecimentoda figura do lder de governo da poca (Idem: 36-37). De qualquer forma os efeitos do ensino de Histria proposto no Brasil no perodo imperial, ainda parecem determinar os contedos aseremescolhidoseensinadospelasescolas,sejanosprogramasoficiais,ounoslivros didticos.MesmoquandoChervelapontaparaasdisciplinasescolarescomodisciplinas autnomas, isto que devem ser compreendidas alm de possveis combinaes de saberes emtodospedaggicos,masqueseconstituempelaescola,naescolaeparaaescola (CHERVEL,1990:180-181),ouaindaquandoJuliademaneiramaisenfticadefine-as 4 Nesse caso os bons costumes aqui referidos estariam associados queles que se encaixavam dentro de uma moral crist. 18 como um produto especfico da escola (JULIA, 2001: 33), ambos percebem o efeito das finalidades que: Diferenciadasemfunoprincipalmente,dasposiescontraditrias dasinstnciasquepromovemoensino,sociedadecivil,igrejasouestado nacional,permeiamaseleocurriculareaconfiguraodasdisciplinas escolares em cada estabelecimento de ensino particularmente, ainda que sempre exista algum espao para a resistncia e para as aes de transgresso, com as respectivas punies reguladas pelos poderes institudos e ao qual a escola est vinculada (GATTI JR, 2007: 22). Acreditamosaqui,quemesmotendosidoredefinidoopapeldaescola,issono eliminaantigoshbitos,posturaseprticas.Aindaqueoensinodevaordenar,depurar, aprofundar, sistematizar e criticar os estmulos externos (SACRISTN, 200: 122). Aexistnciadeumaheranacristnosistemaeducacionalbrasileironoschamaa ateno quando questionamos a ausncia dos cristos-novos na escrita da Histria do Brasil Colnianoslivrosdidticos,afinal,aeducaodotipoescolar,aconscinciadetudoo que ela conserva do passado no deve encorajar a inconscincia de tudo o que ela esquece, abandona ou rejeita (FORQUIN, 1993: 15). Alm do mais: Setodaaeducaosempreeducaodealgum,poralgum,ela supesempretambmnecessariamente,acomunicao,atransmisso,a aquisiodealgumacoisa:conhecimentos,competncias,crenas,hbitos, valores,que constituemoquesechama precisamente de contedoda educao (Idem: 10). Num estudo bastanteinteressante acerca das elites catlicas do Brasile sua atitude emrelaoaosjudeus,GracielaBen-Dror(2007),buscacompreenderaposiodesse grupodiantedaimigraojudaicaparaoBrasilnadcadade1930,indagandosobrea posturadaIgrejaCatlicabrasileirafrenteaosjudeus,ainflunciaqueseusmembros poderiamterexercidonoclimapolticoeintelectualemrelaoaosjudeus,ese contriburamparaumclimadehostilidadeemrelaoaeles.Taisquestionamentos levantados pela autora so elucidados ao longo do trabalho, de forma bastante detalhada no sentindodepossibilitaraoleitorumadimensosobreosreflexosdaatuaoeo posicionamentodaIgrejaCatlicaemrelaoaosjudeusnosmaisdiversossetoresda sociedade.Emboraapesquisaestejavoltadaparaumperodoespecficodenossahistria dcada de 1930 - nos chama a ateno o fato de que em uma das hipteses levantadas pela 19 autoraacercadocomportamentodaIgrejaCatlicaemrelaoaosjudeus,ainstituio possuagrandeinflunciasobreasdecisespolticasesobreasociedade,emboranegasse qualquerpossibilidadedeumaposturaanti-semitaouracista.Seudiscursopautava-sena justificativadequetratava-seapenasdeumapreocupaocomapreservaoda identidade catlica brasileira (BEN-DROR, 2007: 224): Aidentificaoentreostermoscatlicoebrasileirocomo sinnimosdaidentidadenacionalbrasileiraeracorrentenocleroduranteos anos de 1920, e contribuiu para rotular o judeu como inimigo do cristianismo e indesejvelparaoBrasil.Entreosanosde1930e1940,essaposiofoi expressa repetidamente (Idem, Ibidem). Oqueestamostentandomostrar,quedesdeostemposdacolonizao,a sociedadeestevesubmetidaaumaforteinflunciacristqueatmesmoapsareforma educacional pombalina5, se manteve. Emborareferindo-seumcontextodiferente,aatitudedaIgrejaCatlicafrentea presenajudaicanoBrasil,noperodovarguista,nosediferemuitodaquelaquequese tinha sobre osneocristos naAmrica Portuguesa. A rejeio aos judeus, ou descendentes dosmesmosocorreuporpartedainstituiodeformaainterferirnasrelaesqueaqui estabeleceram,nasatividadesdesempenhadasporeles,nasregiesemquesefixaram, enfim, na forma como foram se inserindo em nosso territrio.A respeito das perseguies sofridas pelos israelitas na Amrica Portuguesa, ngelo Adriano Faria de Assis (2003), discutindo acerca do tratamento que dado documentao produzida pelo Santo Ofcio da Inquisio em suas visitaes ao Brasil,faz uma denncia quandoalertaparaoabandono,oucomoeledizquaseesquecimento,aquedeixada essadocumentaopelohistoriador,sejaenquantotemticaaserexploradanocampo cientfico ou nas escolas por meio dos livros didticos, por exemplo. De acordo com ele: SeaInquisioclebreexemplodestedescasoaquesosubmetidos certos assuntos de nossa Histria, suas principais vtimas, motivo inicial para a suacriaonoMundoportugusem1536,oscristos-novosfazempartedo mesmo quadro de quase completo desconhecimento por parte do pblico geral e mesmo especializado ( ASSIS, 2003:192). 5Atporque,onovosistemanoimpediuacontinuaodooferecimentodeestudosnosseminriose colgios das ordens religiosas que no a dos jesutas. Sobre essa questo ver Marques de Pombal e a reforma educacionalbrasileira(SECO;AMARAL,s/d:tetodisponvelem: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/periodo_pombalino_intro.html) 20 RefletindosobreaformacomoadisciplinadeHistriaelaborada,organizadae pensadanouniversoescolar,entendemosqueosestudosrealizadosemtornodocristo-novo no Brasil dentro da nossa historiografia no necessariamente entendem que o mesmo estejapresentenasescolas,ounaescritaproduzidapeloslivrosdidticos,quesero utilizados por ela. A escola possui uma cultura prpria, assim como as prticas e as formas de transmitir e adquirir o conhecimento que tambm lhes so prprios: Aescolaescolhe,deveescolherentretodosossaberespossveisaqueles quetmvalordeformaoparaasgeraesjovens.Ouaindaaquelesquea sociedadeacreditanosejamapenasteis,masnecessrios,importantes, educativos.Aculturaatransmitir,talqualdefinidatradicionalmente,, portanto,oquefazoobjetodeumacrenapartilhada,crenanoindividual, mas coletiva e inscrita nas instituies (CHARTIER, 2005: 26). Poressarazoentendemosquenoaprofundarumatemticaemtornodos neocristos,estdiretamenterelacionadoaumaseleocultural6doscontedosaserem transmitidos.Umaseleoquepartedoprincpiodeumaculturapatrimnio,quedeve serpreservadaetransmitida,conformenosinformaForquin,emseuestudoacercada relao entre a escola e a cultura. Trata-se, portanto, de uma ao deliberada, isto , alguns aspectosdaculturasoreconhecidoscomopodendoedevendodarlugarauma transmisso deliberada e mais ou menos institucionalizada, enquanto que outros constituem objeto apenas de aprendizagens informais, at mesmo ocultas (FORQUIN, 1993: 14 - 16). Quandoentorefletimosacercadasfinalidadesdaescola,daquelasqueesto impressasnoscurrculos,dasfinalidadessociais,estaramosentonosreferindoa finalidades dissimuladas? Segundo Hannah Arendt, o status objetivo do mundo cultural queestemjogo,quenamedidaemquecontmcoisastangveislivrosepinturas, esttuas, edifcio e msica compreende e testemunha todo o passado registrado de pases, naese,porfim,dahumanidade.Umpassadoimortalizado,glorificado,objetode refinamento social e individual (ARENDT, 1972:254-255).Cremosassimcomoestesautores,que ofuncionamentodaescola,asrelaesque nela se estabelecem no dia a dia, as prticas que nela se operam, enfimo rico universo que permeiaesseespaodeveserlevadoemcontanonosatendosomenteaopapel 6SegundoSacrist(2000:128),todaseleoculturaltemdeterminadasrelaesdecorrespondnciacomo contexto histrico-social no qual se localizam a cultura e as instituies escolares. 21 desempenhado pelo professor, como tambm aos contedos ensinados que esto presentes nos vrios dispositivos, como por exemplo, noslivros didticos, enquantoparte do corpus que constituem a educao escolar. Livrosessesqueseencontramentreosdispositivosmediadoresqueconectamo sabercientficoeosaberescolarequeconstituem-sedentreoutroselementos,deumcontextodeproduodetextos,apresentandodefiniesquesoreferenciadaspara leituras e negociao de sentidos no contexto da prtica, e tambm incorporando demandas e orientaes desse contexto e do contexto de influncia (MONTEIRO, 2009: 192).notrio,porexemplo,ainflunciadosParmetrosCurriculareseasmudanas ocorridasno contexto poltico-social do pas a partir da dcada de 1980 na elaborao dos manuaisdidticosdiversos,tantonaformaquantonomtodoenaabordagem.Quantos adequaesfeitasnoslivrosdidticos,possvelperceberquealgumasdelas corresponderemsnovastendnciasdahistoriografia,enquantooutrasparecemainda ligadasaumacertatradio,especialmentequandonosreferimosasideiasdeevoluoe progresso linear da humanidade, quando no uma poltica de mercado.ChristianLaville,utilizando-sedoexemplonorte-americanoparapensarnoensino dehistria,maisespecificamenteamanutenodatradionoscontedosdoensinode histria,nosrevelaoquantoesseelemento,atradio,importanteparadeterminados grupos que valorizam uma formao pautada nos princpios cristos e ocidentais. Segundo ele: Ao se abrir histria social, aos imigrantes, s mulheres, aos negros, ao tratardoKluKluxKlanedoMcCartysmo,asnormasestariamquerendo obscurecer heris como Washington, Thomas Edison ou Paul Revere e deixando apenas um pequeno espao para a Constituio (LAVILLE, 1999: 128). Outro exemplo dado pelo mesmo autor quando na Inglaterra, na poca do governo Thatcher, um grupo de professores elaboraram um programa para o ensino de histria que teriaincomodado profundamente os conservadores, que por sua vezlogo trataram de criar umprogramacomoscontedosdesejados,ouseja,aquelesqueenalteciamopassado glorioso do pas (Idem: 129). Os exemplos dados por Laville, e que apontam para uma postura conservadora em relao produo didtica, decorre da guerra de narrativas proposta no livro didtico e 22 que do voz a determinados grupos e fatos. Essa talvez seja uma das razes que leve alguns temasasesustentarememumahistoriografiatradicionalapresentando-sedemodo recorrente e naturalizado em termos de explicao, vindo a reforar o enorme abismo entre arenovaohistoriogrficaadvindadapesquisahistoriogrficaeosaberhistrico veiculado por meio do livro didtico (MIRANDA; DE LUCA, 2004: 141). Trata-se de pequenasvariaes, tmidas, como se o antigo sistema continuasseao mesmotempoemqueonovoseinstaura(CHERVEL,1990:203-204).Aspolticas educacionaiseosprogramaselaboradosemtornodoensino,maisespecificamentedo ensinodeHistria,assimcomoaescolaatendemsfinalidadescolocadasporuma sociedade, que no caso do Brasil, teve uma instruo religiosa catlica. Dessaforma,quantoescritadahistriaqueseapresentanoslivrosdidticos, podemosdizersetratardeumajustaposiode antigosenovosparadigmas,comobem observou Flvia Helosa Caimi (1999: 106), um grande desafio, portanto. De acordo com a autora, preciso atentar para o fato de que a produo dos livros didticos no s est em meio a um amplo sistema educacional, mas tambm sujeito s leis de mercado: Disputandoaprefernciadosconsumidores,no caso,osprofessoresque decidemsobreaindicaodolivro.Nessesentido,osautoresprocuraminovar asobrasemalgunsaspectos,sem,noentanto,romperradicalmentecomuma tradio ainda bastante presente no ensino de histria (Idem: 107) . muitoforteainflunciadaindstriacultural7eaatuaodamesmasobrea produodidtica.Aindaquenoobjetivemosdiscutirmaisafundoessaquesto,no ignoramos o fato de que assim como Munakata, analisando a produo de livros didticos e paradidticos,opapeldaindstriaculturalnaelaboraodosmesmosbastante significativo,determinandoemgrandeparteaquiloqueserensinadoeveiculado.Tambm, no podemos esquecer que na sociedade de mercado, os saberes valem o que vale a posio social que eles permitem atingir atendendo a interesses especficos. (CHARTIER, 2005: 21). Muitasvezes ento, mantm-se o conservadorismo que h pouco pontuamos, e por essarazo,acreditamosserpertinenteexaminaromodocomoessasmercadorias 7 Em Adorno e Horkheimer, no ensaio A Indstria Cultural: o esclarecimento como mistificao das massas (1985),entendemosporindstriaculturalumconjuntodemeiosdecomunicaoqueformamumpoderoso sistemavoltadoparaolucro,e,queporsermaisacessveispopulao,exerceumtipodemanipulaoe controle social. 23 aparecem, em papel e tinta, espao vazio e espao preenchido (MUNAKATA, 1997: 42). Ernesta Zamboni explicita melhor essa questo quando, por exemplo, em seu estudo acerca dasrepresentaeselinguagensnoEnsinodeHistria,entendequenoprocessode produodetaismateriaisasmudanassomaisevidentesnaescolhadastemticas propostas pela Histria Nova, s quais foram incorporadas as propostas curriculares, do que no tratamento metodolgico a elas atribudo (ZAMBONI, 1999: 89-102). Almdapermannciadeumavisohomogeneizadora,voltadaparaumahistria nicaequedeacordocomCirceBittencourt,umatendnciaidealizada,dentreoutros fatores,pelosdefensoresdasociedadeglobalizada(BITTENCOURT,2008:102),ono questionamentoouanoproblematizaodosprocessoshistricostratadosnoslivros didticos aomenosnomaterial o qualnos propomos analisar pode seridentificado na escritaproduzidaemtornodoscristos-novosedesuapresenaemnossoterritrio enquanto colnia.Umexemploseriatrazerocristo-novoeojudeunummesmocontexto, entendendo-oscomoumnicoindivduo8;tambmtrabalharcomoscristos-novosna regionordestedoBrasil,comoseantesnohouvessemestadoaqui,excluindosua participaodoprojetocolonizador;ouainda,associarapresenadosjudeusnonordeste brasileiro do sculo XVII liberdade religiosa concedida por Maurcio de Nassau durante sua administrao. Ora, de acordo com Lana Mara Siman o entendimento dos conhecimentos histricos que nutrem as representaes e identidades coletivas remete, igualmente, necessidade de uma leitura e do uso crtico dos materiais didticos (SIMAN, 2001: 165). Segundo ela: Oscontedosveiculadospelaescola,sobretudoatravsdosmanuais didticos,parecemcontinuarsendoumafonteprivilegiadadaconstruodas representaes,asquaisdevemtornar-seobjetodedesconstruoapoiadasnas contribuiesmaisrecentesdahistoriografiacontemporneae,em especial,na HistriaCultural,quetomaoscontedosmesmodasrepresentaescomo objetos de estudo (Idem: 164). 8Comoveremosmaisadiante,essetipoderelao,ouconfusoporpartedosautoresbastantecomum, principalmentenoperodoqueremontaoBrasilholands.MuitosjudeusvindosdeAmsterdse estabeleceramnaregionordestedaColnia,porm,apresenajudaicanaregiojexistia.Muitosdos cristos-novos que vieram para o Brasil, sados de Portugal, optaram por se fixar logo que chegaram, tanto na Bahia, quanto em Pernambucoou em Recife, desempenhando um papel bastante diverso nos mais diferentes setores das sociedades que ali se formavam ( VAINFAS, 2010). 24 Mais ainda se associarmos a ideia de representao ao modo pelo qual em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade construda, pensada e lida por diferentes grupossociais,aatuaodoscristos-novosenquantoimportantespartcipesdasociedade queaquiseformava-sobreoolharcolonizadorportugus-conferindo-lhesentido, deixando suas marcas, no deveria passar em branco.Estudosrealizadossobreatrajetriadoscristos-novosnoBrasildesdeachegada dos primeiros europeus fazem parte de umabibliografiaextensa sobre o assunto dentro de nossahistoriografia9,porm,aindabastantelimitada,tantoemrelaoaoespaoquetais sujeitos passaram a ocupar, quanto s diversas pocas em que aqui estiveram colocando-se distante,portanto,darealidadedaquelesquenocontextoescolar,aprendemsobrea formao do territrio nacional desde seu Descobrimento. Nosso interesse acerca da escrita que vem sendo produzida nos livros didticos e a escritaqueseproduzacercadeumdeterminadogruponosprovocacertainquietaona medidaemqueelesentramnasaladeaulacomo objetos,cujaintenoapresentarum conhecimento j organizado, fechado (ZAMBONI, 1999: 89-102). Voltando discusso que permeia a relao entre saber escolar e saber acadmico, Abud entende que: Nemsempreasreformaseducacionaissignificammudananocotidiano da escola. O peso da tradio escolar se faz sentir em todas as instncias, ainda quepareamdiferentes,renovadasouatmesmotransformadas.Nocasodos livrosdidticos,porexemplo,sopoucososquesearriscamafugirdeuma periodizao tradicional da Histria, ou que buscam romper com a antiga ideia de que o Brasil s existe a partir de uma viso eurocntrica (ABUD, 2007: 113). Nohdvidadequenocenrioqueseapresentahoje,cercadoderecursos tecnolgicos, o livro didtico, ao contrrio do que ocorriana dcada de 1980, nomais se constitucomofonteexclusivadepesquisaouinformao.Contudo,estudosdemonstram que o uso desse material, seja na rede privada ou pblica, ainda soberano no cotidiano da saladeaulae,porisso,asdiscussesacercadomesmoparecemestarlongedeserem superadas. 9 Ressaltamos que estudos sobre os cristos-novos extrapolam a historiografia ibrica e brasileira. Em Portugal Bel Bravo ( 1992) e os clssicos estudos acerca dos judeus ibricos em Amador de los Rios ( 1973). 25 Almdoque,emoutraspesquisas,ficaclaraadificuldadenadiversificaodas fontesemsaladeaula,tantoparaosprofessores,queporvriosfatoresapresentam dificuldade no manuseio das mesmas pelo menos de uma forma crtica e reflexiva ou da prpria instituio, que tambm devido a uma srie de razes no conseguem inseri-las no contexto escolar.Seolivrodidticoindiscutivelmenteumaferramentabastanteutilizadano processodeensinoeaprendizagem,entodepreende-sequeaspesquisaseosdebatesem tornodessematerialeosusosquedelepodemserfeitossofundamentaisnamedidaem que podem vir a contribuir para uma aprendizagem mais significativa.Ao mesmo tempo, consideramos o fato de que o saber escolar no deve ser reduzido ao conhecimento acadmico transposto, nem tampouco: Aosmanuais,nemaosprogramas,nemaosprojetosdeensino.Ao conhecimentoprviodoaluno,asrelaesdosprofessorescomasdisciplinas, massoesseselementosquecontribuemparaasuadefinioequesero necessrios para que se faa a necessria reformulao curricular, no cotidiano da sala de aula. (ABUD, 2007: 115). Apresenadoscristos-novosnoBrasilQuinhentista,porexemplo,embora bastanteconhecidaeestudadapelanossahistoriografianoqueserefereliteratura didtica,poucoexploradalevando-nosentoaalgunsquestionamentosemrelao forma como a Histria do Brasil, mais especificamente, da formao da sociedade brasileira vem sendo apresentada. O Brasil um pas de multiplicidades econmicas, culturais, regionais, e por isso os livros didticos tambm devem ser mltiplos (GONALVES, 2006: 147). A impresso que se tem que a construo de identidades hegemnicas permanece: Acrticafundamentalequetemsidorepetidainmerasvezespor historiadores, especialmente os que se dedicam ao ensino, a de que a Histria doBrasiltemsidoensinadavisandoconstruirumpassadonicoehomogneo, sem atentar para os diferentes setores sociais e tnicos que compe a sociedade brasileira (BITTENCOURT, 2003: 198). Ofato que os cristos-novos ou descendentes dosmesmos quando aportaram em solobrasileiro,vierammuitosdeles,comamissodeparticipardoprojetocolonizador 26 portugusocupandoatmesmo,cargosdeconfianaamandodorei10.Semocapital neoconversoaCoroaportuguesanoteriaconseguidorealizaracolonizaodaforma como o fez e, levar ao conhecimento do aluno este tipo de anlise possibilita-o distanciar a Histriadosherisemitosqueaindasefazempresentes,despertando-lheanoode cidadania por meio de um olhar crtico e consciente (ASSIS, 2003: 192). certoqueaprticahistoriogrficaalterou-sedeformasignificativanasltimas dcadasdosculoXX,surgindoentonovosobjetos,sujeitos,problemaseabordagens, almdeumaverdadeirarenovaonoqueserefereaostemasqueatentosefaziam ausentesnaHistria,pelomenosatadcadade1980.Umexemploseriaoestudodas mentalidades, dacriana, domedo, das tradies, questes essas quemodificaram olugar dahistria.Oobjetivoconsistiaemverificarcomoemdiferentesespaosetemposuma determinada realidade social pensada e construda agregando o trabalho do historiador a outrossaberes,comoasociologia,aantropologiaealiteratura,calcandoahistriaem novos princpios de legitimidade, alm daqueles que lhe so inerentes. Quanto s discusses levantadas aqui sobre o saber cientfico e o saber escolar, vale ressaltar que os processos de didatizao envolvidos na elaborao de um livro didtico so extremamentecomplexosenopodem,portanto,seranalisadossobreumanica perspectiva. So vrios fatores que levam constituio desse tipo de material didtico indo alm do autor em si. Estamos nos referindo s Diretrizes Curriculares do Estado do Paran de 2006 e aos Parmetros Curriculares do ano de 1996, em geral, s exigncias colocadas pelomercado,aprpriasociedade,considerandoaindaaformaodoprofissionalque delasfarusoequesepreocupaematenderasdemandasdoprofessor,seuprincipal consumidor. Nessa pesquisa percebemos ainsero do cristo-novo no material didtico quenos propusemosainvestigar,assimcomoverificamosumesforodessaaproximaoentrea historiografiaeoconhecimentohistricoescolar,pormcomonosalertaBittencourt, 10Aliteraturaapontaparaaproteodadapelosmonarcasportuguesesaosjudeusdesdeosprimrdiosdo Reino,fatoessequesediferenciavasobremuitosaspectossecomparadacomaformacomoocorriana Espanha.Aimportnciaqueosjudeusantesedepoisdaconversorepresentavamnacolnianose justificaapenaspeloscargospblicosquemuitasvezesocupavam,mastambmaosserviosprestados levandodescobertaseavanossignificativos,comofoiocasodosetornutico(VAINFAS;HERMANN, 2005: 35). 27 estabelecerrelaesentreaproduohistoriogrficaeensinodeHistriafundamental, masexigeumacompanhamento,mesmoqueparcial,dessaproduo(BITTENCOURT, 2008:139).Nessecaso,oquenospreocupaaformacomoapresenacrist-novano Brasil foi e vem sendo apropriada11, e, em que contexto est sendo representada. Paratanto,selecionamosalgunsdoslivrosaprovadospelacomissocompostapelo FNDEdogovernofederal,destacando,nocasodascoleesatuais,aquelesquetiveram umamaiorcirculao.Assim,pautamosnossapesquisapormeiodessescritriosao definirmosnossafonteaserpesquisadaenelainvestigarmosolugardocristo-novona Histria do Brasil, mais especificamente, ao incio dela. Assim correspondendo ao primeiro recorte de tempo 1980 focaremos nossa anlise nas obras de Raymundo Campos Histria do Brasil e Francisco de Assis Silva e Pedro Ivo de Assis Bastos Histria do Brasil: Colnia, Imprio e Repblica, ambos voltados para 2 ano do Ensino Mdio. J no que tange ao contexto contemporneo, selecionamos trs obras, sendo duas delas partedeumacoleo,aprimeiradelas,HistriaemprojetosVelhosmundosemundos novos: encontros e desencontros do sculo XV ao XVIII, das autoras Conceio Oliveira, CarlaMiuccieAndreaPaula,contedoprogramticovoltadoparaa6srieque correspondeatualmenteao7anodoEnsinoFundamental12,e,voltadaparaoEnsino Mdio, sob a autoria de Antnio Pedro e Liznias de Souza Lima,Histria da Civilizao Ocidental, ambas buscando pautar-se na abordagem de uma Histria Integrada. Tambm, direcionado para o Ensino Mdio, o livro de Roberto Catelli Junior, Histria: texto e contexto, sobre a perspectiva de uma Histria temtica. Ressaltamos que os livros aqui em questo foram editados pelas principais editoras de livrosdidticosdadcadade1980,damesmaformaquecomaquelesquecorrespondem aos dias atuais: Moderna, Atual, tica, Scipione, e FTD. QuantoaolivrodidticopblicodoParan,trata-sedeumlivrodeautoriados professores da rede pblica estadual de ensino, e que surgiu de um projeto, denominado de 11AquinosatentadefiniodadaporPaulRicoeuraoconceitodeapropriao,definindo-acomoa compreenso pela distncia, passando por todas as objetivaes estruturais do texto, e, na medida em que no responde ao autor, responde ao sentido (RICOEUR, 1977: 58).12Comocolocadonoversodaobra,HistriaemprojetosfoianicacoleodeHistriaquerecebeu conceito timo em todos os critrios de avaliao PNLD/2008. 28 ProjetoFolhas,ficandoostextosdisponibilizados,podendoserlidoson-lineoutambm nas escolas que dele fazem uso13. OprojetoconsisteemumProgramadeFormaoContinuadadosProfissionaisda Educao cuja proposta seria uma metodologia especfica de produo de material didtico, como forma de viabilizar a pesquisa dos saberes e fundamentos terico-metodolgicos das disciplinasquecompemamatrizcurriculardaEducaoBsicadaescolapblica paranaense.importanteatentarparaofatodequeoprojetofoiidealizadopelo DepartamentodeEnsinoMdio,daSecretariadeEstadodaEducao,voltadonum primeiro momento para o 2 ano, onde iremos focar nossa anlise: Naesteiradoprojetofolhas,oLivroDidticoPblicoumaformade PolticaPblicaeducacionalquefazcoincidircomoprofessorafigurado escritor.Trata-sedeummaterialproduzidoporprofissionaisdaredepblica estadualparanaense,envolvendoasdozedisciplinasdetradiocurricularno EnsinoMdio:LnguaPortuguesa/Literatura,Matemtica,Fsica,Qumica, Biologia,Geografia,Histria,Filosofia,Sociologia,Arte,EducaoFsicae Lngua Estrangeira Moderna14. De acordo com Eliane M. Prado, as razes que levaram a elaborao de tal material pelo Estado do Paran, estariam relacionadas a dois fatores: primeiro os problemas gerados pelo Programa Federal de distribuio de livros didticos aos alunos das escolas de Ensino Fundamental;eosegundoaprticapedaggicadosprofessoresdeHistriaquandose utilizavamdetextosavulsos,reportagensdejornaiserevistasemsubstituioaouso corrente de um manual: A produo do material didtico pelos professores foi e considerada umaformadeviabilizarapesquisadossaberesefundamentosterico-metodolgicosdasdisciplinasquecompemamatrizcurriculardaEducao Bsica da escola pblica paranaense (PRADO, 2010: 102-103). 13 A iniciativa do Governo do Paran beneficia mais de 450 mil estudantes. Na primeira edio foram 5,4 milhesdeexemplares,de12disciplinas.Agorasomaisde1,8milhodelivrosparaalunosqueesto chegandoaoensinomdio,disseoentosecretrioMaurcioRequio.Disponvelem< www.diaadiaeducacao.pr.gob.br >. Acessado em: 26/07/2011. 14Textodisponvelem< http://www.diaadiaeducacao.pr.go.br/projetofolhas/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=10>. Acessado em 03/05/2011. 29 Noquedizliteraturadidticautilizadapelacomunidadejudaica,focaremosnossa anliseaumestudodecaso,ouseja,aummaterialespecficoelaboradopelos pesquisadores que atuamno LEI criado no ano de 2002 pelo Departamento de Histria da UniversidadeEstadualdeSoPaulo,pormeiodeumareivindicaodaDra.Anita Novinsky, e que dentre outros trabalhos, elaboram textos que buscam trazer para o universo escolar, particularmente judaico, a atuao dos judeus e cristos-novos no Brasil colonial. Tambm,porserbastanteutilizadanasescolasjudaicasemgeral,pelomenos aquelasexistentesnoEstadodeSoPaulo,aobradeRenatoMezan,Caminhosdopovo judeu, voltada para o Ensino Mdio,maisespecificamente ao 3 ano, ser objeto de nossa anlise,buscandocompreendercomoseconstriaescritadahistoriaemtornodos neocristos quando esses estavam aqui no perodo colonial. SobreautilizaodolivrodidticodeHistriadoParan,nossapesquisasedeuem torno do chamado Livro Pblico do professor, dentro de uma proposta bastante inovadora, destinado a princpio, ao ensino mdio. Numprimeiromomento,buscamosoentendimentodeAbud,sobreaformaemque soconstrudasasnarrativasdidticas,ouseja,demaneirasimplesecompreensvel,haja vistaopblicoaoqualsedestina,nocaso,aclientelaescolar(ABUD,1984:81).No entanto, a autora chama a ateno para os cuidados que se deve ter durante esse processo, evitando o aparecimento de distores ou excluses. Emnossaanlisefoipossvelidentificar,comoveremosmaisadiante,quemesmo havendoevidnciasdocumentaissobreaparticipaodoscristos-novosnaformaoda sociedadecolonial,omesmonoocorrenaescritatrazidapeloslivrosaquiescolhidos, almdeinterpretaesquetrazemumsentidodbioquantoquiloqueelesrealmente representavam na sociedade em que estavam inseridos. IranilsonBuritideOliveiradefineaescritacomoumartefatoquepode problematizarasmemriaselaboradashistoricamenteelanarquestionamentossobre aquilo que se convencionou chamar de memria cristalizada; como uma prtica que institui rostos (OLIVEIRA, 2007: 68). No caso da escrita produzidanoslivros didticos em torno dosneocristos,contrariamenteaideiadelacuna,associamosaummovimentode 30 esquecimento,umapagarqueestmuitomaisrelacionadoaoatodeesconder,ocultar, despistar, impedindo que um determinado conhecimento circule. Paolo Rossi, nos atenta para o fato de que existe um tipo de conhecimento que se baseianadeterminaodasorigens,dosmodoscomoumacoisageraoutra,dasrelaes queunem,notempo,umfenmenoouumasrieaoutrofenmenoouaoutrasrie (ROSSI, 2010: 137).Serefletirmossobreaconcepodemundocrist,fortementedisseminadapela IgrejaCatlica,durantetodaaIdadeMdia,propsitoprimeirodoprojetocolonizador,a evangelizaodospovos,ento,assimpodemospensarsobreemquaisbasesasociedade no caso do Brasil se formou e os reflexos das mesmas nos dias de hoje. Nossaintenoemdimensionararelevnciadispensadaaotemadaparticipao desses agentes na formao da sociedade brasileira est no fato de que como j apontado e, conformesermostradodurantetodaessapesquisa,nosetratadeumapresena esvaziada15, mas ao contrrio, bastante atuante. Sendoassim,entendemosqueopapeldoslivrosdidticosnaconstruodeuma memria escolar sobre os cristos-novos reafirmando que a escola por si s um lugar de memria, um espao privilegiado para a informao/difuso do passado e sua reflexo16 no permitir que os legados deixados por esse grupo sejam apagados, esquecidos.Porfimobjetivamosanalisaraspossibilidadesdesepensarapresenacrist-nova na Amrica Portuguesa na escrita produzida pelos manuais didticos, tendo em vista a forte influncia exercida pela mesma na sociedade em questo.Considerando a realidade quehojefazemos parte, diversa e complexa, acreditamos pormeiodesteestudocontribuirparaumahistriavoltadaparaasdiferenas,paraas identidades,observandoasnormasecondutas,osvaloreseasprticasquepermeiama sociedade. 15 A expresso foi utilizada por Luiz Felipe Miguel no artigo, Retrato de uma ausncia: a mdia nos relatos da histria poltica do Brasil, disponvel na Revista Brasileira de Histria (2000, vol. 20, n 39: 190-199). 16 Sobre esse assunto ver Francisco C. A. Ferraz, onde este discute o papel dos livros didticos na construo de uma memria escolar (FERRAZ, 2010: 11-39). 31 1CAPTULO-BREVEHISTRICO:ESTUDOSEPERSPECTIVAS EM TORNO DO CRISTO-NOVO NA COLNIA BRASILEIRA Sempre correto partir, quando se trata de escapar ao mal. Sfocles (496-406 a.C.) 1.1 QUEM SO OS CRISTOS-NOVOS? Aoiniciarmosasdiscussesqueironortearnossotrabalho,acreditamosser indispensvelrefletirsobrequemvemaseroscristos-novoseemquaiscontextosse estabeleceram em solo brasileiro. Aolongodatrajetriahistoriogrficabrasileira,diferentesdenominaesforam surgindo em torno desses sujeitos, algumas, porm, generalizando sua atuao ou levando a algumasdistoresemrelaosuaorigem,razesquejustificamnossointeresseem apresentar quem de fato so os cristos-novos. Marranos,judeus,criptojudeus,soalgunsdosexemplosqueemdeterminados estudosaparecemcomosinnimosdecristo-novo,comosetratassemdomesmo indivduo. Ao primeiro caso, Saraiva j explicava que o termo marrano estaria ligado a um grupodistintodaquelesdesignadoscomocristos-novosedosconsideradosjudeus praticantes(SARAIVA,1994:23).Seriam,portanto,personagensque,duranteas perseguiesocorridasnaEspanhanosculoXVetendopassadopeloprocessoda conversoforadaaoCristianismo,praticavamanovafperanteasociedade,mas secretamente mantinham seus ritos hebraicos.Tambmchamadosdecriptojudeus,essesagentesconstituamassim,umaoutra classe de cristos-novos, isto , daqueles que praticavam o judasmo de forma clandestina, logo,consideradosfalsamenteconvertidos.SniaSiqueira,emseuestudoacercados cristos-novos no Brasil colonial e a Inquisio, j nos alertava para a distino entre um e outro, segundo ela: 32 Cristo-novoecriptojudeunososinnimos.Onascimentogerao primeiro,avontadeosegundo.Ocristo-novoesforava-seporserigualaos demais:tentavavencerasbarreirasdomeioedoseuntimoeajustar-se.O criptojudeucontentava-seemparecerigualaosdemais.Reservava-seodireito de continuar sendo judeu, de permanecer, s vezes, heroicamente fiel a si mesmo, religioherdada.Porissotinhaduasreligies:umaexterna,social,outraa religiodasuaconscincia,interior,feitadeprticassecretas.Odiavaa sociedade que o compelia a uma vida de simulaes que lhe tolhia a liberdade de crena,masguardava certaatitudeprecavida, cnscio deseroladomaisdbil (SIQUEIRA, 1978: 71). Essa prtica secreta da f judaica um dos fatores que nos leva a crer que identificar o marrano no constitui tarefa simples. Vrios estudos apontam para essefenmeno como algo bastante recorrente em outras pocas e localidades. A historiadora Anita Novinsky em seuestudoacercadomarranonacolniabrasileira,maisespecificamentenaregiodas Minas, nos alerta para o cuidado em no generaliz-lo. A autora identifica o marranismo no Brasil,comoumfenmenopluricultural,comcaractersticaspeculiaresdiferenciando-o assim, daquele ocorrido na Europa e em parte da Amrica Espanhola (NOVINSKY, 2009: 27). Outrotipodeequvocoestariapresentenostrabalhosquetrazemadefiniode cristo-novo a partir do termo judeu.Saraiva, explica que, so muitos os que cometem essetipodeerro,confundindoouentoassociandocomofaziaaInquisioocristo-novoprticadojudasmo.Paraele,oproblemadosCristos-Novosespecificamente ibrico,ouseja,noexistenadaalmdeumaligaohistricaentrejudeusecristos-novos, pois, trata-se de entidades inteiramente distintas (SARAIVA, 1994: 21-25).Numoutroestudomaisrecente,pormnomuitodistantedadiscussoproposta, vemos a preocupao de Janaina Guimares, em definir ou de fato compreender a condio de judeus, cristos-novos e judaizantes: Cristos-novossoosindivduosquepassaramporconverses, foradasouno,naEspanhaouemPortugal,ouento,algumquetem ascendnciajudaicaataoitavagerao;ojudaizanteapenasuma possibilidadedecristo-novo,seriaaquelequenoaceitousinceramentea conversoequeapenasexternamenteseportacomocristo;ojudeuseria aquele que nunca foi batizado, e, sequer, forado ao batismo (SILVA, 2007: 38). fatoagrandequantidadedeobrasvoltadasparaosjudeusnaPennsulaIbrica, bemcomosobresuaexpulso.Poressarazo,nopretendemosaquilevaroassunto 33 exausto,apenasnosatentaremosparaoqueconsideramosserrelevanteaoentendimento da presena dos cristos-novos no Brasil no incio do sculo XVI17. Acomplexidadeemdesvendarofenmenodocristo-novojera,contudo, apontada por Novinsky em um de seus primeiros trabalhos sobre a presena deste na Bahia do sculo XVII. Para ela, o problema do cristo-novo vai alm da compreenso do universo queocupa,isto,quepermeiasuaformaoculturalibrica.Entenderocristo-novose deve segundo ela, aos dois mundos em que ele estava situado: o mundo cristo, sendo deste excludo por no ser aceito; e o mundo judeu, o qual recusava.No primeiro caso entende-se que, desde que a Igreja tomou o cristo-novo como um sujeito falso, dissimulado e hertico, o processo de converso que seria ummecanismo de aceitao desse indivduo por parte de toda a comunidade crist passou a ser um meio, uma justificativa,umeficazargumentoparaqueessamesmaisntituiopormeiodaaodos inquisitores passasse a perseguir e a amea-lo nas diferentes regies por onde passava18.DeacordocomMariaLuizaTucciCarneiro,aoconverterem-seaocatolicismo,os cristos-novos foram relegados a uma condio racial esocialinferior e, assim como seus descendentes,passariamaserconsideradoscomoportadoresdesangueimpuro,ou ainda, representantes de uma raa infame (CARNEIRO, 2005: 10)19. Sobre esta crenana existncia de um anti-semitismo secularna Pennsula Ibrica, emfunodacriaodosestatutosdepurezadesanguenoterritrioespanholnoanode 1449,equeposteriormenteforamdifundidosemPortugal,nsnosutilizaremosda expressoantijudaicoouantijudasmo,tendoemvistaqueconformenosexplicaFleiter, no que toca o racismo antijudaico, no era a legislao que transmitia especificamente as bases, o detalhe, o discurso antijudaico. Esta legislao transmitia to-somente o prprio 17NestetrabalhooptamospeladefiniodadaporMariaLuizaTucciCarneiro,aqualconsideracomo cristos-novos os judeus que, por meio da violncia, se tornaram cristos, e os que deles descendem por linha depaieme.Otermocristo-novopassouaserfrequentementeempregadoemPortugal,emoposioa cristo-velho,apsaconversoforadadetodososjudeusimpostaporD.Manuel,em1497(CARNEIRO, 2005: 4). 18 Sobre o surgimento da Inquisio, pode-se afirmar que em comparao com o restante da Pennsula Ibrica, seu estabelecimento na regio de Portugal foi tardio. Foi durante o reinado de D. Joo III(1521-1557), sobre forteinflunciadocleroquesedeuoestabelecimentodainstituiopromovendoumafugamassivados cristos-novos (KAYSERLING, 1971: 147-163). 19Segundoaautora,dePortugal,assimcomoofenmenodomarranismo,omitodapurezadesangue transferiu-separaoBrasil,pautadonumaideologiacrist,evalendo-sedosistemasimblicomantidopelo grupo discriminador, esse preconceito assumiu aspectos legais (CARNEIRO, 2005: 47). 34 preconceito,fico,semexplicaesdetalhadassobreemquesebaseava,simplesmente especificando que os cristos-novos ou que os de raa infecta, ou de sangue impuro, no poderiam ocupar tal posio ou entrar em tal ordem religiosa, sem dizer as origens desse preconceito (FLEITER, 2007: 66). Em 1449foraminstitudosna cidade de Toledo os estatutos da limpeza de sangue. CriadosantesmesmodosurgimentodaInquisio,oEstatutodeExcluso,comoera chamado foi tido como um acontecimento de ordem social e urbana que nasceu da vontade deimpedirumamaiorinserodecristos-novosnaburguesia(SOUZA,2008:92). Criava-seassimumambienteanti-judaico,tendoemvistaoafastamentodosjudeus convertidosdasvriasocupaesque,atentofaziampartedocotidianodosmesmos, como por exemplo, a excluso do interior das corporaes de ofcios, da Igreja, das Ordens Militares,impedindooacessoacargosburocrticoseoficiais,edificultandosuaentrada nas universidades: OsEstatutosdePurezadeSangueeramumalegislaodeorigem econmica,pormtambmracista,estabelecendoqueosconversos(chamados cristos-novos emPortugal)noeramiguaisaoscristos-velhosuma vez queo judasmoeratransmitidopelosangue.Essapolticaracistaquantoaos conversos, acusava todos de serem falsos cristos (FERREIRA DA SILVA, 2000). Fato curioso, que, conforme demonstra Delumeau, os prprios judeus convertidos teriam exigido o estabelecimento da Inquisio na Espanha (DELEMEAU, 1989: 292). Os conversos desejavam a denncia e o castigo dos falsos convertidos, de forma a se livrarem dopesoqueasameaasfeitaspelosestatutosdelimpezadesanguerepresentavam.Em Portugal,osestatutospassaramavigorarmaistarde,nosculoXVIe,deacordocom alguns estudos, teriam correspondido a um processo diferente. Ao que parece, as pesquisas emtornodessaquestonoterritriolusosorecentes,eseconcentramnomercado matrimonial onde se fazia sentir as excluses. Havia uma grande preocupao por parte de toda a sociedade portuguesa exceto os escravos de que pudessehaver umamistura de 35 sangue entre os cristos-novos e os cristos-velhos, levando at mesmo ao corte de relaes no grupo de parentesco, caso isso ocorresse20 (OLIVAL, 2004: 153). Se a Igreja acreditava ser aconverso uma soluo para o problema dojudeu,isso no aconteceu. A converso no era uma soluo e, o inimigo que se acreditava ter expulso, reaparecia sob uma outra forma, dissimulada atrs da mscara do convertido: Nahistriacristdoantijudasmoeuropeu,podem-sedistinguirduas faces e tambm duas mentalidades. Em um primeiro momento considerou-se que o batismo apagava no convertido todas as taras do povo deicida. Mais tarde, na prtica,colocou-seemdvidaessavirtudedobatismoeconsiderou-sequeo judeu conservava,mesmotornando-secristo,aheranadospecadosdeIsrael (DELUMEAU, 1989: 303). DopontodevistadeNovinsky,aaodaIgrejaperanteoscristos-novos caracterizaria-se naquilo que ela chamou de mito do judaizante, criado pela Inquisio e cujo significado era a associao ou identificao direta dos cristos-novos com osjudeus (NOVINSKY, 1972: 7).Mesmo no sendo praticante da f judaica, a Inquisio precisava desses indivduos devidoaopesoeconmicoquepossuam,eassimofoinoBrasil21.Oscristos-novos representavam tudo aquilo que viria a sustentar a mquina inquisitorial, ou como ela vem a dizer, os cristos-novos eram nada mais do que a matria prima, que no s lhe fornecia lucro, mas tambm justificava a sua existncia (Idem: 21).Apartirdeento,atondeosbraosdaInquisioconseguiramchegar,o ambiente que antes parecia ser de tolerncia para os neocristos transformou-se em alguns casos,emhostilidade,promovendoumclimadedesconfianaemedo,interferindoassim nasrelaescomoshabitantesdasregiesondevinhamasefixar.Oquemuitasvezes levavacomoapontamalgumasleituras,aumprocessodeexclusodoconvvioque anteriormente haviam conquistado. Sobreaformacomooscristos-novoseramvistospelosjudeus,oucomoeram considerados por essa comunidade, Novinsky, ainda explica que entendendo o processo de 20Em1773,oMarqusdePombaldecretavaofimdetaisestatutosqueseparavaoscristos-novosdos cristos-velhos, desaparecendo, em termos legais, o preconceito contra oscristos-novos, judeus e mourose denominaes como a de cristo-velho (SOUZA, 2008: 93). 21 As visitaes, a colaborao dos bispos e das Ordens regulares (sobretudo a Companhia de Jesus), a Justia Eclesisticaeumarededeagentes,composta,principalmenteporcomissriosefamiliares,foramos principais mecanismos utilizados pelo Santo Ofcio para atingir o Brasil (RODRIGUES, 2007: 25). 36 converso como uma imposio para que continuassem vivos, os neocristos no podiam de acordo com a lei judaica e de acordo com alguns rabis serem considerados traidores do judasmo,afinal,acondioaqueforamexpostosnoocorreuporqueassimadesejaram (Ibid: 11)22. Semdvidaalguma,possvelobservaraambigidadedessepersonagem,o cristo-novo.Contudo,seriainteressanteeatesclarecedorparaquemoestudaconhecer mais sobre o surgimento desse fenmeno, ou seja, o contexto em que estava inserido. 1.2JUDEUSCONVERSOSNOTERRITRIOESPANHOL:PERSEGUIOE DISPORA Durantemuitotempo,desdeotrminodaguerrajudaico-cristdosculoIeda segundadestruiodotemplonoano70daeracrist,aEspanhafoi,paraosjudeusda Pennsula Ibrica, uma espcie de Terra Prometida (VAINFAS; HERMANN, 2005: 17). Defato,aEspanhafoiopasquemelhoracolhidadeuaosjudeus,chegandoacontarno sculoXIII,com300mildelesvivendomisturadosaorestodapopulao,assistindoaos rituaissvezesjudeusassistiamascerimniascrists,eoutraseraoinverso-eat mesmocompartilhandoafemalgumasocasies.Esseambienteondeeracomumver fiis misturados aos infiis se transformou quando: Aascensotardiadeumaburguesiaedeumartesanatocristos,a tomadadeconscinciareligiosaqueacabouporcriaraconquista,as responsabilidades missionrias que a descobertada Amrica deu Espanha, os progressosdoIslotransformaramumaterraacolhedoraemumpasfechado, intransigente, xenfobo (DELUMEAU, 1989: 281). A partir do sculo XIV osjudeus passaramasser perseguidos por ordem daqueles quecompunhamaeliteadministrativadoreino,sendoinstitudasdiversasmedidas contrrias a esse grupo, como foi o caso do surgimento da lei de limpeza de sangue, criada noanode1449,implicandonofimdeumasriededireitosqueatingiamouros,ciganos, 22 Paulo Valadares relata que a respeito das comunidades judaicas estabelecidas noBrasil, os cristos-novos no so sequer reconhecidos ou citados pelas mesmas. O autor ainda revela que desde o perodo colonial, os cristos-novos teriam sido acusados de trair o judasmo e, nos dias de hoje, para muitas dessas comunidades, seria irrelevantefalardeles,poistratam-sedepoucoseaindapodemserumafraude(VALADARES,2007: 75-76). 37 negros,judeuseseusdescendentes23.Ainstituiodetaismedidasacabouforando milharesdejudeusasesubmeteremaumprocessodeconversoaocristianismodetal modo, segundo alguns historiadores, sem precedentes na histria do povo judeu.Pode-se dizer, nas palavras de Vainfas e Hermann, que esse foi o perodo chave na histria dos judeus que viviam em territrio espanhol, para se compreender o surgimento do fenmeno marrano ou converso que, mais tarde, se estenderia a Portugal vindo a se tornar, umadasrazesqueserviadeargumentoparaacriaodamodernaInquisioespanhola (VAINFAS; HERMANN, 2005: 23).Na viso de alguns estudiosos, submeterem-se nova f foi a nica maneira que os judeus, chamados agora deconversos, encontraram de sobreviver e deno verem extintos seusdireitos,fossemelesdecarterpoltico,econmico,socialoureligioso,almdas discriminaes e perseguies a que estavam sujeitos24.TucciCarneiroapontaqueaconversodeixoudeserfavorvelquandoos cristos-velhosperceberamquetalcondiofavoreciaosjudeusateremasmesmas oportunidadesqueoscatlicos.Paraaautora,ofatodealgunsconversosocuparem posies de certo modo importantes, oferecia elementos que segundo ela contribuam para o surgimento de um discurso intolerantelevados ltimas conseqncias (CARNEIRO, 2005: 44). No entanto precisofrisar que a condio de convertido no era tranqila, nemna Espanha e nem em Portugal, onde a converso tratava-se de um ato deliberado do rei para impedirasadadosmesmosdoreino.DeacordocomNovinsky(2007:30),nuncaos judeus se tornaram cristos iguais, ao contrrio, emergiram como novos prias25. Arnold Wiznitzer, j apontava para tal problemtica. Segundo o autor, os cristos-novos sofreram nesse pas o desprezo de seus compatriotas catlicos, os chamados cristos- 23 Souza considera a lei como um racismo institucionalizado que, partindo da Espanha, teve forte repercusso emPortugal,segundoela,essasituaoteriaperduradoatoreinadodeD.JosIeaadministraodo Marques de Pombal, quando desapareceu, em termos legais, o preconceito contra os cristos-novos, judeus e mouros e denominaes como a de cristo-velho (SOUZA, 2008: 93). 24Hregistrosvariadosquedemonstramavoltademuitosconversosaojudasmo.Outrosopraticariam secretamente vivendo autntica ambivalncia religiosa (VAINFAS; HERMANN, 2007: 24).25 Ainda depois de viverem mais quinze sculos na Pennsula Ibrica, os portugueses que tinham antepassados judeus no eram considerados comoespanhis ou portugueses, mas sim comoos danao judaica (Idem: 33). 38 velhos, os quais empregavam termos pejorativos tais como cristos novos,Judeuse Indivduos da Nao26 (WIZNITZER, 1966: 1). NanarraohistricarealizadaporSamuelUsque27,porexemplo,intitulado ConsolaostribulaesdeIsrael,nocaptulo30queremeteoestabelecimentoda InquisioemPortugal,l-seaseguinteinterpretaodomesmoacercadoprocessode converso dos judeus ao cristianismo: Lanar-te- o Senhor em todolos povos de um cabo da terra te o fim da terra. Ali servirs deuses outros que tu nem teus padres no conhecerom e entre estas gentes no achars repouso nem haver onde possas pr a planta do teu p (seguramente)efar-te-oSenhorquecontinuotebataocorao,etragasos olhos sumidos, e tristeza na alma [...] (USQUE, 1989: 219) . DeacordocomYosefHayimYerushalmi,oConsolaopodefazersentidoaoser lido,tantopelosjudeuscomopeloscristos-novos,massegundoele,paraestesltimos, haveria uma identificao instintiva com certos eventos e situaes, especialmente quando assistidos pelos pelas prprias nfases e nuances de Usque28 (YERSHALMI, 1989: 65). A disperso dos judeus convertidos da Espanha vai de fato ocorrer quando um clima de terror e violncia passou a acomet-los na ltima dcada do sculo XV. Sobre as ordens dos reis catlicos Fernando e Isabel, foi publicado um dito que determinava a expulso de todos os judeus que no haviam se submetido converso. Apartirdeento,muitosdosconversos,acabaramserefugiando,conforme apontam os estudos, para o norte da frica, Imprio Otomano e no norte da Europa, porm, grande parte do fluxo migratrio seguiu mesmo para Portugal. 26 Os termos apresentados pelo autor so colocados por ele como pejorativos, quando na realidade tratam-se de outras denominaes para designar os judeus convertidos. 27SamuelUsquefoiumautorjudeuportugus,eescreveuaobraConsolaosTribulaesdeIsrael, publicada em Ferrara, em 1553, onde descreve de modo especfico as tribulaes enfrentadas pelos judeus nos pases europeus, com maior nfase a Portugal, durante o reinado de D. Joo II (1477-1495). 28 As a result, the Consolaam could be read meaningfully by Jews and New Christians alike, but the latter wouldidentifyinstinctivelywithcertaineventsandsituations,especiallywhenaidedbyUsquesown emphases and nuances. Traduo: Emiliana M. Ges Ragusa. 39 1.3 A CHEGADA A PORTUGAL Oreinolusitanoteriaacolhidocercade100.000indivduos,pormeiodeum acordofirmadocomoentoreiD.JooIIque,maistarde,comsuamorte,teria continuidadecomseusobrinhoeherdeirodotrono,D.Manuel.(BOGACIOVAS,2006: 26).As pesquisas voltadas para esse perodo e mais especificamente para a comunidade judaicaportuguesa,queljexistia29,indicamqueachegadadosconversosnoterritrio portugus representou um forte peso econmico face s dificuldades financeiras as quais o reino se encontrava.Admitir a migrao de tais indivduos para seu reino no era um ato de tolerncia ou de generosidade, mas sim, algo que D. Joo II teria feito pensando apenas nos seus prprios interesses.Paraomonarca,osjudeusconvertidosrepresentavamnadamaisdoqueuma formadealavancarasriquezasdotesourodoEstado,desfalcadopeloscustoscomo casamentodeseufilhoe,tambm,comofinanciamentodaguerracontraosinfiisda frica (KAYSERLING, 1971: 96). Apesardetodaaimportnciaquepossuamparaasociedadeportuguesa,os conversosnoestavamlivresdediscriminaes.Noentanto,JosGonalvesSalvador esclarecequediferentementedoqueocorrianopasvizinho,aaversoaoshebreuspor partedaCorteportuguesaerabemmaiscontida(SALVADOR,1976:23).Provadisso, que logo que adentraram em territrio portugus, os judeus, agora convertidos, integraram-se aos empreendimentos martimos, ao comrcio e colonizao das novas terras. Assim como nos reinos espanhis, em Portugal viviam judeus desde os tempos mais remotos, estabelecidos em diversas localidades. Mesmo sendo escassa a documentao que remontaapoca,indciosapontamparaaimportnciaquetaisindivduosrepresentavam paraalgunssetoresdasociedadeportuguesa,comoporexemplo,ocasoDonJahinIbn Jaisch.FundadordeimportantefamliajudaicaemPortugal,favoritodoprimeirorei, 29ValadaresafirmaserdifcilprecisarapocaemqueosjudeusvieramparaaPennsulaIbrica,ocerto segundo ele, que a permanncia de tal grupo se deu por volta de um milnio ou mais, atravessando perodos detolernciaetambmdeintolerncia,desenvolvendonovascaractersticasparaasuaidentidade (VALADARES, 2007: 62-63). 40 ocupavacargosdeconfiana,comoMordomoRealeCavaleiro-mor(KAYSERLING, 1971: 3-4). O mesmo acontecia com muitos judeus que at o reinado de D. Duarte, pelo menos, ocupavamcargospblicos,porseremconsideradoscompetentesnasartesdasfinanas, ainda que contrariasse o clero e todo poder eclesistico que se chocavam com a autoridade concedida aos judeus ao receberem cargos oficiais (Idem: 5 - 6). Aconstantepresenadessespersonagensnasconquistasportuguesastambm chama a ateno. Dentre os muitos exemplos da participao dos judeus em tal empreitada, num estudo realizado por Jos Alberto Rodrigues da Silva Tavim (2004: 149) preocupado emcompreenderasconquistasrealizadasporPortugalnaregiodoMarrocosnosculo XV,encontramosdadosreveladoressobreoquantoeramdiversificadasasatividadesque os judeus que seguiam para essas expedies exerciam e que tambm passavama exercer, caso viessema se estabelecernas regies conquistadas. o caso, por exemplo, do ourives MestreJosAramenaconquistadeCeutaedeTnger;domestreLzaro,cirurgioque tomou parte na conquista de Alccer Ceguer; ou ainda de Abrao Abet, alfaiate de D. Joo III, na expedio contra Arzila (Idem, ibidem). A relevncia da participao dos judeus nesse tipo de empreendimento por parte da CoroaPortuguesacomeavanasprpriasviagens,tendoemvistaavastaexperinciados mesmosnocampodaastronomia,cartografiaedageografia,porexemplo.Tambm,o sucesso dos esforos da expanso portuguesa nas diversas regies por onde passava devia-secapacidadedosjudeusemsecomunicaremvriosidiomas,comunicando-seem latim, portugus, espanhol, hebraico sendo por vezes letrados em algumas delas e, no raronaslnguaslocaispor ondepassavam,numtempoemqueamaioriadaspessoasno dominavam a escrita (ASSIS, 2010: 19): Elesfinanciavamasviagensdeconquistas,contribuindocomo conhecimento tcnico necessrio construo de embarcaes ou utilizao de instrumentosdenavegaomaisapurados.Atuaramcomocartgrafos, negociantes,funcionriosdaburocracia,ajudaramcomcapitalouatcomo religiosos,nasatividadesdecatequesecristnosdomniosportugueses(Idem, ibidem). Outrasatividadesexercidaspelosjudeusetambmpeloscristos-novospareciam ser extremamente importantes e valorizadas, em alguns reinos, como a medicina e aqueles 41 quenecessitavamdacura,comofoiocasodeFranciscoI,quandoadoecidogravemente pediuaoreidaEspanhalheenviasseummdicojudeu.Osjudeusoucristos-novosque exerciam a medicina pareciam imprescindveis para alguns reis, como foi o caso da rainha Cristina da Sucia, Lus XV ou do Prncipe de Conde (OMEGNA, 1969: 57-58).GilbertoFreyreemsuaobraSobradosemucambosfazumrelatobastante interessante sobre a prtica da medicina entre os de origem sefardita, mais especificamente na regio nordeste da colnia na poca do domnio holands. De acordo com ele, os judeus deAmsterdjteriamencontradoaqui,especialmentenaBahia,vriosneocristos exercendo a atividade. Num relato bastante interessante, Freyre afirma: SenaBahiadesenvolveu-seoprimeirocentrodeculturamdicano Brasil, que na cidade de Salvador, j no sculo XVII, encontravam-se sombra dasigrejascheiasdeNossasSenhorasmaternalmentegordasedesantos triunfantes,marranosperitosna cinciadetratardosdoentesequereceitavam carne de porco para que nenhum volutuoso da delao desconfiasse deles (Idem: ibidem). JSalvadoremsuaobraOscristos-novosemMinasGeraisduranteociclodo ouro(1695-1755):relaescomaInglaterrafazmenoquelesquepraticavama medicinacaseiranotratodealgumasdoenascomunsnaregio,zelandopelasadede autoridades,comofoiocasodogovernadorPaisdeSande,gravementedoente,assistido por dois clnicos cristos-novos. Mesmoparecendofcilaadaptaodosrecmchegadosnovaterra,ouqueos benefciostrazidosporelessolucionassemosproblemasdeD.JooII,issonoerao suficienteparaquetivessemumavidaentrelaadacomacomunidadecrist,conforme apontamosanteriormente.Aocontrrio,leiturasmostramqueomododevidadesses indivduosno eramuito diferente daquelevivido pelosjudeus quej se encontravamem Portugal, isto , restrito e limitado, segregados, vivendo no seu prprio grupo. Aomesmotempoemquegozavamdosmesmosdireitosdasmaisaltasclasses, haviaumantidaseparaoentreeleseosdemaishabitantes.Osjudeusportugueses formavam um Estado dentro de outro Estado, isto , tinham sua prpria jurisdio, a qual se distinguia daquela existente em Portugal, mas que era reconhecida pelo Estado conforme explica Kayserling em seu estudo sobre a histria dos judeus em Portugal. 42 Ao propor um estudo sobre a obra de Samuel Usque, Consolao s Tribulaes de Israel, Yerushalmi (1989), relata que: EmboraaexpulsodosJudeusdaEspanhatenhacapturadoa imaginaodaposteridade,elafoiapenasumcomponenterelevantena catstrofe que oprimiu os Judeus na Pennsula Ibrica, ao final do sculo XV. O que se seguiu em Portugal foi igualmente decisivo e, em certos aspectos, ate mais trgico.ApesardediretamenteligadoaosfatosacontecidosnaEspanha,oque sepassouemPortugalnofoiummeroepilogoourepetio.Adespeitode certassimilaridadessuperficiais,odestinodosJudeusemPortugalfoi determinadoporoutrasconsideraes,asquetraiamumadinmica significativamente diferente (YERUSHALMI, 1989: 19)30. Nessesentido,emrelaoaosmilharesdeconversosqueseguiramparaPortugal, grandepartedestesevitavammisturar-seaosdemaishabitantesespecialmenteaos cristos-velhos - e no atrair a ateno da Inquisio ou da prpria populao que, de certa forma, sentia-se ameaada devido a uma srie de fatores, como a concorrncia31: Nummundoruralecomordemhierrquicaconhecida,ovizinhoque chegouumartesoouumcomerciante,comumaaoticadiferentedasua. Para ele que acredita que o trabalho apenas amanhar a terra ou apascentar o gado, o comrcio como se fosse uma explorao ou um roubo. Numa sociedade quase desmonetizada o cristo-novo um assalariado. Ele percebe a velocidade desuaascenosocialeoquecriamaisressentimentos(VALADARES,2007: 71). Omovimentomigratrio-daEspanhaparaPortugalteriaalterado substancialmente a demografia judaico-portuguesa, dobrando a populao judaica local que eraestimadaemtrintamilhabitantes(Idem:65-66).Aentradademilharesdejudeus espanhisemPortugalmudaria,deacordocomosestudosdeVainfaseHermann, completaedrasticamenteasituaodacomunidadesefarditalusitana(VAINFAS; HERMANN, 2005: 28).Umasriedeleisfoicriada,especialmentepelaeliteadministrativadoreino portugus, constituda pela nobreza e pela Igreja, a fim de impedir a escalada desse grupo. 30 Although the expulsion of the Jews from Spain has captured the imagination of posterity, it was but one majorcomponentinthecatastrophe thatoverwhelmedthe JewsoftheIberianPeninsulatowardtheendof thefifteenthcentury.WhatfollowedinPortugalwasequallydecisiveand,incertainrespects,evenmore tragic.ThoughlinkeddirectlytowhathadtranspiredinSpain,thePortuguesedevelopmentwasnomere epilogueorrepetition.Despitecertainsuperficialresemblances,thefateoftheJewsinPortugalwas determined by other considerations which betray a significantly different dynamic. Traduao: Emiliana M. Ges Ragusa. 31Tambm na Espanha,aascensopolticaesocialalcanadapelosconversosfoitidacomoumproblema, pesandobastanteparaquenasltimasdcadasdosculoXV,passassemaserperseguidoseameaados (VAINFAS; HERMANN, 2005: 25). 43 Umexemplodissoseriaexcluiroscristos-novosdasociedadepormeiodaproibioem obterem cargos pblicos (VALADARES, 2007: 77). DeformabastanteexpressivaSaraivafazumadescriosobreosjudeusna sociedadeportuguesa,aoestabelecerumacomparaoentreoquetaisagentes representavam para os portugueses e o papel desempenhado pelas prostitutas. Aqui, o autor concentra-se na prtica da usurafrequentemente realizada pelosneocristos, a qualno seu entender no se tratava de um privilgio, mas sim de uma exonerao das regras a que est sujeito um membro da comunidade, segundo ele:Exerciamumafunosocialqueseconsideravainevitvel,mas degradantenomundo feudal.O favorquepudessemreceberdospoderososno era,portanto,sinaldevaliasocial,masaexpressodoapreocaprichosoe interessadoquesepodeterporumanimaldomstico,um escravo,umamulher comprada,umbobodacorte[...].Oreiprotegiacontraocristooseujudeu. Masosmesmosprncipesqueprotegiamosjudeusdetentoresdodinheiro, encarregavam-nosdefunesodiosas,comoadecobranadeimpostose direitos,colocando-osnumaposioquetemanalogiascomadocarrasco. (SARAIVA, 1994: 32). Certamenteque,comoobservouDelumeau,asinvejaseasqueixaseconmicase financeirascontraosjudeusforamtodascolocadassobacusaesreligiosas,asquais serviam como pretexto para as aes antijudaicas (DELUMEAU, 1989: 279). No s questes relacionadas ao sentimento de concorrncia e de ameaa por conta damesmacolaboravamparaquehouvesseumarejeioaosjudeuscastelhanosque buscaramresguardonopas.OssurtosdedoenacausadospelaPesteNegraemPortugal noanode1477eaintensificaodestesnaltimadcadadosculoXV,contribuiu fortemente para a desestabilizao da situao desses indivduos (SILVA, 2007: 31).Tidoscomobodesexpiatrios,osjudeusacabaramsendoacusadosnosem Portugal,mas em todos os pases da Europa por onde a doena se espalhou de serem os responsveis por espalhar a peste: APesteNegraeclodiuentonumaatmosferajcarregadadeanti-semitismo. De incio suspeitos de querer dizimar os cristos por meio do veneno, emseguidaosjudeusforamrapidamenteacusadosdetersemeadoocontgio por meio desses envenenamentos (DELEMEAU, 1989: 140-141). O terremoto ocorrido em Lisboa no ano de 1531, tambm foi atribudo aos judeus, a iradivinapresenadosneocristoseraajustificativadadapelopovoportugusquepor 44 pouconolevouumgrandemassacre,comoaqueleocorridonoanode1506namesma regio32 (WIZTNIZER, 1966: 2). Atmesmoosafamadosprofissionaisdamedicinaqueserviamareiserainhas comovimosoutrora,noescaparamdaperseguio,aprofissoteriacolaboradopara diabolizar o judeu, conforme nos explica Nelson Omegna em sua obra acerca da presena sefarditanoBrasilcolonial.Segundooautoraperseguioaosjudeusmdicosteria comeadoemCastelaeseespalhadodepoisporoutrasregiesdaEuropa.Omegnanos explicaapartirdasatasdeVisitaoquehaviaumapresenabastanteexpressivadestes profissionaisnaAmricaPortuguesa,especialmentenaregiodeSalvador,Minas,Gois (OMEGNA, 1969: 59 - 63). Aperseguioquelesqueexerciamamedicinaestarialigadaaumaespciede associao dessa prtica magia e cabala, sendo estas ltimas franqueadas ao demnio (Idem: 58). Foientoquenoanode1496asituaodosjudeusseagravou.Agarantiade liberdade e tolerncia anteriormente prometida pelo rei D. Joo II e mantida por D. Manuel, foiabaladaquando,aoescolherparaesposaumaprincesaespanhola,ospaisdamesma, obrigaram-no a expulsar aqueles indivduos, instaurando-se em Portugal um clima de terror emedoprovenientesdasmuitasconversesrealizadasafora,sobasordensmanuelinas, nascendo assim o cristo-novo portugus. Porrepresentaremgrandeimportnciaeconmicaparaoreino,D.Manuel procurava uma forma de impedir a sada dos judeus, e, assim logo tratou de converter toda acomunidadehebraicaqueemPortugalvivia.Umaestratgiapolticamarcadapela misturadeviolnciaeseduonaspalavrasdeSaraiva(1994:35).Assim,D.Manuel teriaevitadoopior,ouseja,aexpulsodosjudeusdePortugale,portanto,afalnciado reino: Os batizados, agora no mais judeus e sim cristos-novos, continuaram expostosmalevolnciapopularquenotardariaaacus-losdacriminosa atitude de voltar, no segredo de seus lares, prtica da religio que, em pblica violncia, foram forados a abandonar (CARVALHO, 1992: 19). 32certoquesobreessaquestodoterremotodeLisboaaatribuiodeculpanoreferia-seapenasaos judeus. Outros estudos mostram que a populao culpava a igreja, os ingleses a licensiosidade lusa (2009) e Voltaire (2004), reclamado, apontando que se tratava de um fenmeno natural. 45 Asleiturassobreoprocessodeconversorealizadonoterritrioespanhol demonstram que, em relao a Portugal, os espanhis teriam sido mais cruis e incisivos na sua misso. Alguns fatores corroboraram para esse entendimento. Dentre eles o desejo dos reiscatlicos, Fernando e Isabel emfazer da Espanhanofinal do sculo XV, uma grande potncia, confiscando os bens de mouros e judeus; o fanatismo e o dio nutridos pela rainha em relao a esse grupo; e a prpriainstalao do Tribunal da Inquisio no ano de 1478, que perseguia duramente o