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A HISTÓRIA NO LIVRO DIDÁTICO DE MATEMÁTICA Lidiane Schimitz Lopes 1 Antônio Maurício Medeiros Alves 2 História da Matemática, história da educação matemática e cultura Resumo: Esse trabalho apresenta a análise do livro didático de Matemática volume único de Luiz Roberto Dante quanto à abordagem da História da Matemática em seus capítulos. O texto aborda inicialmente alguns aspectos sobre livros didáticos e História da Matemática, a fim de salientar a importância da fundamentação histórica dos saberes matemáticos em sala de aula, tornando essa ciência mais humana e próxima dos alunos. Através da análise do livro didático utilizado na maior escola pública de Ensino Médio em Bagé-RS, o objetivo dessa pesquisa bibliográfica é verificar como a História da Matemática é abordada ao longo dos capítulos dessa obra. Palavras Chaves: História da Matemática. Livro didático. Matemática. Introdução O presente artigo surgiu do interesse em analisar a forma como a História da Matemática é abordada em livros didáticos, pois conhecer a origem do saber matemático é um recurso para tornar a aprendizagem mais significativa. Entende-se que os saberes matemáticos não surgiram sistematizados, como algoritmos prontos que podem ser aplicados em situações com ou sem significado real, mas são construções humanas originadas da necessidade de resolver uma situação concreta. Assim, acredito que o desenvolvimento desses conhecimentos ao longo do tempo pode facilitar sua compreensão e significação dentro do espaço escolar. Na atualidade há disponível uma vasta literatura mostrando os saberes matemáticos são construções humanas elaboradas ao longo de muito tempo. 1 Licenciada em Matemática pela Universidade Federal do Pampa (2010). Especialista em Estudos Matemáticos Ênfase em Educação Matemática pela Universidade Federal de Pelotas (2012). Acadêmica do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática Mestrado Profissional na Universidade Federal de Pelotas. Universidade Federal de Pelotas. [email protected] 2 Licenciado em Matemática pela Universidade Católica de Pelotas (1996). Especialista em Educação Matemática pela Universidade Católica de Pelotas (1997). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (2005). Doutorando do Curso de Pós-graduação em Educação pela Universidade Federal de Pelotas. Universidade Federal de Pelotas. [email protected]

A História No Livro Didático de Matemática

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A História No Livro Didático de Matemática

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  • A HISTRIA NO LIVRO DIDTICO DE MATEMTICA

    Lidiane Schimitz Lopes1

    Antnio Maurcio Medeiros Alves2

    Histria da Matemtica, histria da educao matemtica e cultura

    Resumo: Esse trabalho apresenta a anlise do livro didtico de Matemtica volume nico de Luiz Roberto Dante quanto abordagem da Histria da Matemtica em seus captulos. O texto aborda inicialmente alguns

    aspectos sobre livros didticos e Histria da Matemtica, a fim de salientar a importncia da fundamentao

    histrica dos saberes matemticos em sala de aula, tornando essa cincia mais humana e prxima dos alunos.

    Atravs da anlise do livro didtico utilizado na maior escola pblica de Ensino Mdio em Bag-RS, o objetivo

    dessa pesquisa bibliogrfica verificar como a Histria da Matemtica abordada ao longo dos captulos dessa

    obra.

    Palavras Chaves: Histria da Matemtica. Livro didtico. Matemtica.

    Introduo

    O presente artigo surgiu do interesse em analisar a forma como a Histria da

    Matemtica abordada em livros didticos, pois conhecer a origem do saber matemtico um

    recurso para tornar a aprendizagem mais significativa.

    Entende-se que os saberes matemticos no surgiram sistematizados, como algoritmos

    prontos que podem ser aplicados em situaes com ou sem significado real, mas so

    construes humanas originadas da necessidade de resolver uma situao concreta. Assim,

    acredito que o desenvolvimento desses conhecimentos ao longo do tempo pode facilitar sua

    compreenso e significao dentro do espao escolar.

    Na atualidade h disponvel uma vasta literatura mostrando os saberes matemticos

    so construes humanas elaboradas ao longo de muito tempo.

    1 Licenciada em Matemtica pela Universidade Federal do Pampa (2010). Especialista em Estudos Matemticos

    nfase em Educao Matemtica pela Universidade Federal de Pelotas (2012). Acadmica do Programa de Ps-graduao em Ensino de Cincias e Matemtica Mestrado Profissional na Universidade Federal de Pelotas. Universidade Federal de Pelotas. [email protected]

    2 Licenciado em Matemtica pela Universidade Catlica de Pelotas (1996). Especialista em Educao

    Matemtica pela Universidade Catlica de Pelotas (1997). Mestre em Educao pela Universidade Federal de

    Pelotas (2005). Doutorando do Curso de Ps-graduao em Educao pela Universidade Federal de Pelotas.

    Universidade Federal de Pelotas. [email protected]

  • Porm, com o passar dos anos e aps algumas transformaes, esses conhecimentos

    ensinados na escola perdem seu contexto e funcionalidade, conforme DAmbrsio (2007,

    p.29), a maior parte dos programas consiste de coisas acabadas, mortas e absolutamente fora

    do contexto moderno. Desta maneira, os alunos pensam que os assuntos tratados em sala de

    aula surgiram de pessoas que, segundo eles, no tinham outra coisa para fazer o que torna

    cada vez mais difcil motivar os alunos para uma cincia cristalizada. No sem razo que a

    histria vem aparecendo como um elemento motivador de grande importncia

    (DAMBRSIO, 2007, p.29).

    Percebe-se assim que a Histria da Matemtica tem contribudo com a superao dessa

    condio, pois se o professor expe as origens de constituio de saberes, o aluno tende a

    perceber a Matemtica como criao humana, uma cincia prxima a ele. Entende, tambm,

    que alguns conhecimentos podem ser aplicados em seu cotidiano, por exemplo, resolvendo

    problemas similares aos de antigamente.

    Como metodologia de ensino, a Histria da Matemtica pode tornar as aulas mais

    dinmicas e interessantes. Ao perceber a fundamentao histrica da Matemtica, o professor

    mostra o porqu de estudar determinados contedos e permite a construo de um olhar

    crtico sobre o assunto em questo, proporcionando reflexes acerca das relaes entre a

    histria e a matemtica.

    Nessa perspectiva, esse estudo documental tem por objetivo analisar a presena da

    Histria da Matemtica no livro didtico Matemtica de Luiz Roberto Dante, volume nico

    publicado em 2009 pela Editora tica. Busca-se entender se o livro didtico em questo d

    apoio para os alunos compreenderem a Matemtica como criao humana, sua evoluo e

    relaes com outros saberes de outras reas de conhecimento.

    O livro didtico

    Definir Livro Didtico aparentemente simples: trata-se dos materiais textuais

    adquiridos, normalmente, no incio do ano letivo e utilizados como no trabalho escolar.

    Muitos desses livros so acompanhados de materiais de apoio como cadernos de atividades,

    CD-Rooms, solucionrios e folhetos destinados aos professores. Nesse aspecto, Batista e

    Galvo (2009, p.43) ressaltam que (...) um fator parece criar uma homogeneidade para os

    textos escolares: trata-se sempre, a um primeiro exame, de material impresso, empregado para

    o desenvolvimento de processos de ensino e de formao.

  • Segundo Ossenbach e Somoza apud Bianchi (2006), h muitas denominaes para os

    livros escolares. No entanto, a mais utilizada atualmente na Educao Bsica, no Brasil,

    livro didtico. Funcionando como verdadeiros manuais, os livros didticos orientam tambm

    o planejamento e a prtica do professor, embora venha se difundido, segundo Batista e Galvo

    (2009):

    Um forte discurso contrrio utilizao de livros didticos, [sendo essa] vista como

    um dos principais fatores responsveis pela desqualificao profissional de

    professores: os livros didticos criaram uma dissociao entre aqueles que executam

    o trabalho pedaggico os docentes e aqueles que os concebem, planejam e estabelecem suas finalidades os autores de livros didticos e as grandes editoras. (p.44)

    Batista e Galvo (2009) classificam a produo didtica brasileira ao longo do tempo

    em quatro categorias:

    i. Os manuais e seus satlites: so obras que funcionam como suporte para o trabalho

    em sala de aula. Em geral destinadas a uma disciplina em um nvel especfico,

    esses materiais se referem a um programa preciso, cuja progresso significa

    vencer todos os contedos necessrios para avanar ao nvel seguinte. Os

    satlites so objetos de apoio que gravitam em volta do livro didtico (manual do

    professor, cadernos de exerccios...). O livro selecionado como objeto de estudo

    da pesquisa pertence a essa categoria.

    ii. As edies clssicas: edies de obras latinas, gregas, estrangeiras ou em lngua

    materna, escolhidas pelos professores de acordo com as aptides de seus alunos e

    seu prprio gosto.

    iii. As obras de referncia: obras que podem ser utilizadas em sala de aula ou em casa

    e no se limitam a uma srie, mas sua utilizao se estende por um ciclo ou grau

    de ensino, como dicionrios e atlas.

    iv. As obras paradidticas: auxiliares facultativos da aprendizagem, cuja funo

    resumir, aprofundar ou intensificar o contedo transmitido pela escola.

    A fim de garantir uma educao de qualidade, o Fundo Nacional de Educao

    (FNDE), segundo o Ministrio da Educao (MEC), financia e executa aes na rea

    educacional. Incluem-se no Programa do Livro de Didtico, mantido pelo FNDE, o Programa

    Nacional do Livro Didtico (PNLD), o Programa Nacional do Livro para o Ensino Mdio

    (PNLEM) e o Programa Nacional do Livro Didtico para a Alfabetizao de Jovens e Adultos

    (PNLA).

  • Conforme Oliveira (2009), em 2004, iniciou-se o Programa Nacional do Livro para o

    Ensino Mdio visando universalizao de livros. Para serem utilizados em 2007, foram

    adquiridos 7,2 milhes de volumes distribudos a 6,9 milhes de educandos. Nos livros

    destinados s disciplinas de Matemtica, Lngua Portuguesa, Biologia, Histria, Geografia,

    Fsica, Qumica, Lngua Espanhola/Lngua Inglesa, Sociologia e Filosofia, para o ano de

    2009, foram investidos cerca de R$ 221 milhes.

    Tanto pelo volume de recursos destinados distribuio de livros didticos quanto

    pela sua relevncia no contexto escolar, justifica-se a elaborao de trabalhos que analisem

    esses materiais.

    A Histria da Matemtica

    Assim como o homem, a Matemtica no se desenvolveu sozinha e isolada ao longo

    do tempo, estando sua constituio intimamente ligada cultura. Mostrar as relaes entre a

    Matemtica e o desenvolvimento social e econmico um caminho para obter-se um pano de

    fundo que facilite a compreenso dos conhecimentos matemticos do passado e do presente.

    Ao conhecer a Histria da Matemtica, o aluno a percebe como criao humana, passvel de

    erros e construda a partir de muitas tentativas em solucionar problemas cotidianos. Nesse

    sentido, Ferreira apud Santos (2009, p. 20) diz que a Histria da Matemtica:

    d a este aluno a noo exata dessa cincia, como uma cincia em construo, com

    erros e acertos e sem verdades universais. Contrariando a ideia positivista de uma

    cincia universal e com verdades absolutas, a Histria da Matemtica tem este

    grande valor de poder tambm contextualizar este saber, mostrar que seus conceitos

    so frutos de uma poca histrica, dentro de um contexto social e poltico.

    Tambm Miguel e Miorim (2004) destacam a importncia da histria da Matemtica

    como um estmulo a no-alienao do seu ensino. Para eles a forma lgica e emplumada

    atravs da qual o contedo matemtico normalmente exposto ao aluno, no reflete o modo

    como esse conhecimento foi historicamente produzido (p.52).

    Um equvoco frequente ocorre ao utilizar-se a Histria da Matemtica apenas como

    ilustrao, presa a fatos isolados, nomes famosos e datas. Neste aspecto, Vianna (1995)

    discorda da didtica de abordar a origem de conhecimentos matemticos como descobertas do

    indivduo A ou B, pois so histrias fantasiosas que acabam salientando que o saber

    matemtico est destinado a poucos escolhidos.

    Como recurso em sala de aula, os Parmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997)

    afirmam que a Histria da Matemtica contribui para a construo de um olhar mais crtico

    aos objetos de conhecimento. Mostrar a Matemtica como criao humana auxilia na

  • desmitificao dessa cincia, desenvolvendo atitudes e valores mais favorveis do aluno

    frente aos saberes matemticos.

    Outro fator positivo acerca da abordagem histrica dos contedos matemticos,

    segundo Silva e Ferreira (2011), permitir ao docente a previso dos possveis erros dos

    alunos. Assim, estratgias e questionamentos podem ser preparados antecipadamente pelo

    professor, promovendo sua postura como mediador entre o saber e o aluno.

    Apesar das vantagens que a Histria da Matemtica como metodologia de ensino traz

    s aulas de Matemtica, deve-se evitar uma viso ingnua acerca de sua aplicao. Nesse

    sentido, Silva e Ferreira (2011) destacam que a Histria da Matemtica sozinha, sem o

    auxlio de outros recursos didticos, no suficiente para resolver todos os problemas

    pedaggicos que permeiam uma sala de aula (p. 1-2).

    Procedimentos metodolgicos

    Por se tratar de um processo investigativo onde o objeto de anlise um livro didtico,

    essa pesquisa classificada, segundo Fiorentini e Lorenzato (2007), como pesquisa

    bibliogrfica. Para esses autores, essa pesquisa:

    aquela que se faz preferencialmente sobre documentao escrita. (...) Esse tipo de

    pesquisa tambm chamado de estudo documental. Os documentos para estudo

    apresentam-se estveis no tempo e ricos como fonte de informao, pois incluem:

    filmes, fotografias, livros, propostas curriculares, provas (testes), cadernos de

    alunos, autobiografias, revistas, jornais, pareceres, programas de TV, listas de

    contedos de ensino, planejamentos, dissertaes ou teses acadmicas, dirios

    pessoais, dirios de classe, entre outros documentos. (p. 102-103)

    Buscando responder s questes sobre a abordagem da Histria da Matemtica em um

    livro didtico optou-se pelo estudo de um livro indicado no PNLEM, utilizado no perodo

    2009-2011, na maior escola estadual de Ensino Mdio no municpio de Bag, Rio Grande do

    Sul: Matemtica Volume nico de Luiz Roberto Dante, 1 edio, So Paulo, Editora

    tica, 2009.

    Definida a metodologia empregada na seleo e anlise das fontes, necessrio

    delinear o tema e o problema da pesquisa, bem como seu objetivo:

    Tema da pesquisa: A presena da Histria da Matemtica no Livro Didtico

    Matemtica de Luiz Roberto Dante.

    Problema de pesquisa: A Histria da Matemtica no livro didtico estudado

    apresenta-se como introduo, fundamentao ou leitura complementar?

  • Objetivo da pesquisa: Analisar a forma de apresentao da Histria da Matemtica

    no Livro Didtico Matemtica de Luiz Roberto Dante.

    Para efeitos de anlise, sero realizadas trs leituras deste material, de acordo com a

    proposta de Silva e Menezes (2001).

    1. Leitura de reconhecimento anlise textual: Com o objetivo de localizar a

    presena da Histria da Matemtica no livro, ser realizada uma leitura de

    reconhecimento. Destacaremos qualquer nota ou texto histrico referente ao

    contedo de cada captulo.

    2. Leitura de reflexo anlise temtica: Para reconhecermos a forma de abordagem

    da Histria da Matemtica nos textos encontrados no material realizaremos uma

    leitura reflexiva guiada pelo problema de pesquisa.

    3. Leitura interpretativa anlise interpretativa: Realizada com a finalidade de

    responder aos questionamentos levantados acerca da Histria da Matemtica

    presente nesse livro didtico. Buscaremos a argumentao histrica apresentada

    pelo autor, bem como a profundidade no tema em cada texto.

    A anlise do material

    O livro Matemtica com 504 pginas traz seus assuntos de maneira que se

    complementam, evidenciando uma qualidade do material. composto por trinta e cinco

    captulos organizados em oito unidades: lgebra I, Geometria Plana, Trigonometria, lgebra

    II, Estatstica e Matemtica Financeira, Geometria Espacial: de posio e mtrica, Geometria

    Analtica e lgebra III. Apresenta ao final do livro as respostas dos exerccios.

    Analisando as diferentes unidades, percebemos que nem todos os captulos reportam

    histria dos contedos, sendo essa citada em algumas situaes. Entretanto, alm de citar a

    Histria da Matemtica em alguns assuntos, o livro traz curiosidades e aplicaes do tema

    abordado em outras reas, uma contextualizao que aproxima a Matemtica do mundo

    real, relacionada ao cotidiano.

    No geral, os textos que apresentam a Histria da Matemtica o fazem ao final do

    captulo, na categoria denominada Leitura(s). Nas trs vezes em que a referncia Histria

    da Matemtica est ao longo do captulo, o texto histrico aparece destacado em caixas

    sombreadas, antes da lista de exerccios. No livro analisado a Histria da Matemtica aparece

    em quinze textos de onze captulos.

    Nos dois textos histricos apresentados na unidade lgebra I, encontramos a relao

    dos logaritmos com a Astronomia e a Navegao no sculo XVII. O outro texto desta mesma

  • unidade ressalta o quanto os logaritmos e a funo logartmica facilitaram a vida de

    matemticos e astrnomos, tanto no sculo XVII quanto atualmente. As notas histricas

    ressalvam tambm que, embora alguns conhecimentos matemticos tenham surgido para

    solucionar um determinado problema, suas contribuies so percebidas nas mais diferentes

    reas.

    Percebemos que, ao fazer referncia tbua de logaritmos como inveno de um

    grupo de estudiosos, o autor apresenta o conhecimento matemtico como descoberta de

    poucos escolhidos. Sabemos que os matemticos valeram-se das construes de estudiosos

    que os precederam. Essa apropriao dos saberes conhecidos no citada nesse texto

    histrico, tornando-o uma ilustrao do contedo estudado.

    Figura 1 Texto histrico da unidade lgebra I

    Fonte: livro analisado (p. 133)

    Na segunda unidade do livro (Geometria Plana) h duas notas histricas. A primeira

    est destacada em uma caixa sombreada, durante o captulo e faz referncia obra Os

    Elementos. Neste texto, o matemtico aparece como organizador dos conhecimentos

    geomtricos construdos at sua poca.

    Figura 2 Texto histrico da unidade Geometria Plana

    Fonte: livro analisado (p. 157)

  • Esse texto deixa transparecer que, ao contrrio das duas notas histricas anteriores,

    Euclides organizou sistematicamente os conhecimentos de Geometria construdos at sua

    poca. Mesmo sendo conhecida como Geometria Euclidiana, essa forma de apresentao da

    Histria da Matemtica deixa claro que os saberes da obra Os Elementos no so suas

    invenes.

    O segundo texto histrico dessa unidade, alocado na categoria Leitura, faz referncia

    linha do tempo da Geometria Euclidiana. A partir dos gregos, passando pelo Renascimento

    at os dias atuais, esse texto mostra os saberes geomtricos como construes de povos

    antigos, aperfeioados por matemticos renomados.

    Essa nota histrica traz a contribuio da geometria na Astronomia, pela curiosidade

    em entender o universo que motivou esses estudos. O texto salienta que os saberes

    geomtricos estudados na escola so os mesmos que serviram de alicerce para os estudiosos

    do passado. Notamos esse texto, apresentado como leitura complementar, como uma fonte

    histrica para ilustrar o assunto abordado.

    Outro ponto positivo apresentado nesta nota a referncia aos contedos escolares

    como base dos estudos de matemticos do passado. Assim, o aluno percebe a presena da

    Matemtica da sala de aula em seu cotidiano.

    Figura 3 Imagens ilustrando o texto histrico da unidade Geometria Plana

    Fonte: livro analisado (p. 163)

    Ao final da unidade trs (Trigonometria), dois textos ilustram o contedo. Fazendo

    referncia origem da Trigonometria, as notas destacam alguns equvocos cometidos na

    Histria, como a traduo da palavra seno do rabe para o latim. Sinus a traduo latina da

    palavra rabe jaib, que significa dobra, bolso ou prega de uma vestimenta. A palavra rabe

    adequada, que deveria ter sido traduzida, seria jiba, que significa corda de um arco.

    Quando apresenta algum equvoco cometido ao longo do tempo, o professor estimula

  • o senso crtico dos alunos mostrando que verdades ditas podem ser questionadas. Essa

    abordagem humaniza a Matemtica, passvel de erros.

    Na categoria Leitura do captulo Determinantes (lgebra II), h um texto histrico

    sob o ttulo Matemticos que contriburam para a teoria dos determinantes. Essa nota busca

    esclarecer os nomes famosos apresentados na unidade: Sarrus, Binet, Jacobi, Laplace e

    Lagrange.

    O objetivo desse texto esclarecer a pessoa por trs do saber matemtico. Porm

    essa postura contribui para a propagao de que a Matemtica uma cincia para poucos

    escolhidos.

    Figura 4 Imagens ilustrando o texto histrico da unidade lgebra II

    Fonte: livro analisado (p. 265)

    Ainda na unidade lgebra II, ao final do captulo Anlise Combinatria, h referncia

    ao Tringulo de Pascal. Segundo essa nota, o tringulo aritmtico foi encontrado em estudos

    datados de pocas anteriores a Cristo. No entanto, o matemtico Blaise Pascal viveu no sculo

    XVII. Assim, o aluno percebe que o nome famoso no contedo estudado o de quem

    sistematizou e formalizou o saber. E vale ressaltar que no fez isso sozinho, mas a partir dos

    conhecimentos construdos at sua poca.

    O ltimo texto encontrado na unidade lgebra II apresenta a relao entre o estudo de

    probabilidades e os jogos de azar, com referncia a outros matemticos que contriburam para

    o desenvolvimento dessa rea. Tal linha do tempo ilustra que o conhecimento matemtico

    nessa rea desenvolveu-se com a contribuio de muitos estudiosos.

    O livro analisado no apresenta menes Histria da Matemtica nos captulos da

    unidade cinco Estatstica e Matemtica Financeira.

    H trs notas histricas na unidade seis (Geometria Espacial). A primeira encontra-se

    ao final do captulo 28 Geometria Espacial de Posio: Uma introduo intuitiva. Esse texto

    apresenta a importncia da obra de Euclides na Geometria. Ao final, o texto faz referncia a

    matemticos que desenvolveram outras teorias, posteriormente conhecidas como geometrias

  • no-euclidianas. Essa nota mostra ao aluno que a Matemtica permanece mutvel passvel de

    outras teorias.

    Figura 5 Texto histrico da unidade Geometria Espacial

    Fonte: livro analisado (p. 359)

    Ainda na unidade seis, ao longo do captulo 29 (Poliedros), h uma nota

    histrica destacada do texto em caixa sombreada esclarecendo quem foi o

    matemtico Bonaventura Francesco Cavalieri e o quanto seu trabalho sofreu

    duras crticas at se tornar a base do clculo integral a partir do sculo XVII.

    Figura 6 Texto histrico da unidade Geometria Espacial

    Fonte: livro analisado (p. 359)

  • Finalizando a unidade seis, o texto Plato e seus poliedros est alocado na categoria

    Leituras do captulo 29. Essa nota histrica conta a associao feita pelo matemtico entre os

    poliedros conhecidos e os elementos que compem o planeta: terra estava associado o cubo;

    ao fogo, o tetraedro; ao ar, o octaedro; e gua, o icosaedro.

    Figura 7 Imagem ilustrando o texto histrico da unidade Geometria Espacial

    Fonte: livro analisado (p. 381)

    Na unidade sete (Geometria Analtica), o texto histrico contextualiza o contedo

    estudado atravs das aplicaes das Leis de Kepler, apresentando, tambm, sua biografia. Um

    dos objetivos dessa nota apresentar a relao entre a Matemtica e as outras cincias. Esse

    texto aparece destacado do contedo abordado no captulo 33 (Geometria analtica: seces

    cnicas) em uma caixa sombreada.

    Na unidade oito (lgebra III) h duas notas histricas: uma referente aos Nmeros

    Complexos e outra referente s Equaes Algbricas. Nesses dois textos percebemos uma

    linha do tempo, demarcada pelos matemticos que contriburam efetivamente para o

    desenvolvimento destes saberes. Nessa forma de apresentao, a Histria da Matemtica

    aparece vinculada a nomes ilustres.

    Resumindo a anlise, as notas histricas que encontramos no texto podem ser

    classificadas da seguinte maneira:

  • Categoria Quantidade Localizao (pgina)

    Introduo

    0 0

    Fundamentao

    0 0

    Leitura Complementar

    (Ao longo do captulo)

    3 157; 371; 426

    Leitura Complementar

    (Ao final do captulo)

    12 133; 163; 201; 265; 298; 314;

    359; 381; 443; 455

    Tabela 1 Resumo sobre a presena da Histria da Matemtica no livro analisado.

    O primeiro fator que percebemos ao analisarmos o livro didtico a presena

    exclusiva de matemticos homens. Nesse ponto levantamos um questionamento: no houve

    estudiosas nessa rea ou elas no puderam registrar suas construes em funo da cultura

    dominante masculina?

    Ao apresentar a Matemtica como construo de homens sem influncias femininas, o

    livro didtico materializa o currculo proposto pela classe dominante de maneira implcita.

    Nesse sentido, Silva (2011) nos diz que o currculo oculto constitudo por todos aqueles

    aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currculo oficial, explcito, contribuem,

    de forma implcita, para aprendizagens sociais relevantes (p. 78). Mostrando a Matemtica

    como cincia masculina, o livro didtico contribui para a fortificao da dicotomia entre os

    sexos, pois mulheres se saem melhor em reas humanas, enquanto que os homens se dedicam

    s reas exatas.

    Algumas consideraes

    Vale ressaltar que no objetivo desse trabalho verificar a validade das menes

    Histria da Matemtica encontradas no livro analisado. Mas sim analisar a forma como o

    material em questo apresenta essas notas histricas.

    Quanto distribuio das notas histricas no livro didtico, percebemos que

    encontram-se sempre destacadas, como leitura complementar, faltando articulao com o

    contedo em pauta. Em nenhum captulo so utilizados como fundamento do contedo ou

    como motivo de se estudar tal saber.

    O fato do livro Matemtica no relacionar o saber matemtico com a histria de sua

    origem, mostra-o como algo morto, pronto e acabado. Aos alunos, resta aprender/decorar o

    que apresentado em sala de aula, pois o que se havia para descobrir, j foi encontrado.

  • Essa ideia de que tudo est pronto e surgiu da maneira que conhecemos, no mnimo,

    reduz e empobrece a Matemtica, pois descarta a sua utilidade no passado e, at mesmo,

    atualmente.

    Conhecer a histria do contedo que se est ensinando tambm uma forma de prever

    erros e entender as dificuldades dos alunos. Por exemplo, se a humanidade levou sculos para

    construir o zero, como os alunos compreendero em uma aula?

    Embora no seja fundamentao do contedo apresentado, as menes a Histria da

    Matemtica encontradas no livro didtico serviram para mostrar que os conhecimentos

    matemticos no foram descobertos ao acaso por uma pessoa iluminada. A Matemtica foi

    construda no decorrer do tempo, entrelaada aos conhecimentos e necessidades da sociedade

    em cada poca.

    Ao percebermos a Matemtica como parte integral de uma herana cultural

    diversificada, entendemos a importncia de um estudo que analise a forma como a Histria da

    Matemtica est presente em livros didticos. Todavia, esse estudo no se encerra em si

    mesmo, propondo maiores discusses e sugestes quanto ao uso da histria dos contedos

    matemticos como metodologia de ensino.

    Enfim, cabe ao professor recorrer Histria da Matemtica em suas aulas da forma

    que julgar mais apropriada.

    Referncias

    BATISTA, Antnio Augusto Gomes; GALVO, Ana Maria de Oliveira. Livros escolares de

    leitura no Brasil elementos para uma histria. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009.

    BIANCHI, Maria Isabel Zanutto. Uma reflexo sobre a presena da Histria da

    Matemtica nos livros didticos. Rio Claro: Universidade Estadual Paulista, 2006.

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