A Hybris e o Híbrido Na Crítica Cultural Brasileira

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  • 128 Literatura e Sociedade

    ResumoToda crtica, como interpretao de uma interpretao, exer-ce algum tipo de violncia simblica sobre outros discursos. Comete hybris. Para a tradio dialtica, no h modernidade sem hegemonia, ideia sempre associada noo de soberania. Para a tradio nietzscheana, contudo, a modernidade consiste num jogo hermenutico que autoconstitutivo do sujeito, o que enfatiza aspectos no s nominalistas mas, basicamente, produtores de verdade. Nesse debate, a crtica de Antonio Can-dido ocupa lugar intersticial extremamente especfico.

    A hybris e o hbrido na CrtiCa Cultural brasileira

    Palavras-chaveCrtica marxista; Modernidade; Hibridismo

    KeywordsMarxist criticism; Modernity; Hybridism

    raul antelo

    Universidade Federal de Santa Catarina

    AbstractAny criticism, being an interpretation of an interpretation, exercises some type of symbolic violence over other discourses. It commits hybris. For the dialectical tradition, there is no modernity without hegemony, an idea which always appears associated to the notion of sovereignty. For the Nietzschean tradition, however, modernity consists of a hermeneutic game, that is self-constituting of the sub-ject which accentuates the aspects that are not only nominalist, yet, above all, truth producing. In this debate, Antonio Candidos criti-cism occupies an extremely specific in-between place.

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    I

    Em Elogio do incesto, Srgio Paulo Rouanet argumenta que o Brasil so-freu inmeros avatares polticos e culturais. Passou da Monarquia para a Rep-blica, desta para a ditadura do Estado Novo, dele para a democracia e para uma nova ditadura militar; redemocratizou-se; atravessou fases de trabalho servil e autnomo, economias fundamentalmente agrcolas e uma industrializao que no desdenhou armamentos ou alta tecnologia. S uma coisa no mudou: o na-cionalismo cultural. Esse nacionalismo inerente histria cultural brasileira de exaltao romntica com os fillogos do incio do sculo XIX, cientificista com Silvio Romero, evolucionista com Euclides da Cunha, primitivista ou regionalista com as vanguardas de 1920, autoritria com os tericos do Estado nacional, de-senvolvimentista com os intelectuais do ISEB, armamentista-tecnolgico com os generais de 64. nesse particular momento de sua evoluo histrica que surge Roberto Schwarz e inverte o esquema cannico das ideias estrangeiras agindo no pas. At ento o nacionalismo cultural, de esquerdas ou direitas, idealizava a re-alidade brasileira e desqualificava as ideias europeias. Schwarz argumenta que as ideias so boas s que o pas no presta. Ou seja, continua o desajuste ainda que com sinais invertidos. O desjauste histrico provinha de relaes sociais atrasa-das e instituies modernas. Era no entanto uma contradio, um abuso, uma hybris, enfim, indispensvel para a organizao do Estado e para a autolegitima-o das elites.

    Mesmo que se admita a diagnose de Schwarz, no se pode negar, no entanto, que inexiste, na leitura de Roberto, qualquer mecanismo de mtua transforma-o, aquilo que chamaramos transculturao, entre a ordem social e as ideias fora do lugar. Quer me parecer que essa posio de Schwarz refora a noo unitria

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    de homogenidade do nacionalismo cultural em detrimento de uma outra tradi-o, que a princpio ele diz retomar, e que poderamos exemplificar com a obra de Antonio Candido. Mas para melhor ilustrar esse tpico de uma linhagem h-brida, i.e. no-homognea, torna-se necessrio esmiuar o mtodo crtico deste ltimo autor.

    II

    Antonio Candido consciente de que grande parte das mazelas da moderni-dade deriva do abuso ou hybris da metafsica, alimentada pelo feitio idealista da totalidade. Tratando de encontrar um ponto de articulao entre os dois polos constitutivos da tarefa crtica, o objeto e o sujeito, Candido une ambos os extre-mos atravs de uma purificao catrtica de seus respectivos dis cursos. No bus-ca uma verdade j pronta, a estrutura estruturada, porm, um processo, aquilo que ele chama de estrutura estruturante.

    A peculiar formalidade do seu pensamento crtico, como abstrao dos a prio-ri, torna-se, como sabemos, uni versal e necessria, porm, to somente como for-ma representativa, e no necessariamente como abstrao tica, da a necessidade de sempre reivindicar formas autnticas, ou no reificadas, que no instrumenta-lizem o sujeito que atravs delas se exprime. Toda inteno artstica, ora latente ora presen te, de ativar, no texto literrio, as funes de comunicao ou propa-ganda, apresenta-se, assim, mais cedo ou mais tarde, como uma ameaa unifor-mizadora, retirando do texto artstico sua funo expressiva, o que alis constitui uma adulterao da prpria experincia est tica ou verdade artstica.

    H, no fundo dessas prevenes tericas, certos restos do trauma histrico do totalitarismo, vivido por sua gerao, porm, bom tambm observar que, nas anlises de Antonio Candido, mesmo quando abonadas por uma tradio cultu-ral hegeliano-marxista, a classe social nunca um ncleo material da conscin-cia, ainda que ela permanea como um de seus componentes fun damentais. O crtico assim atua, decerto, por entender que, caso contrrio, se concederia uma certa primazia de objet o sociolgico prpria caracterizao do evento. revelia do materialismo metafsico, Candido tenta romper a superioridade de qualquer um dos dois plos da conscincia, o do psicologis mo e o da totalidade idealista, visando, certamente, permanncia ativa de sua relao contraditria. Entendia, j num dos ensaios de crtica militante, que h, na fico,

    dois ngulos principais que regem a viso do escritor, condicionando a sua arte de escrever: ou investiga a realidade como algo subordinado conscincia, que envolve tudo e fica em primeiro plano, ou pe a conscincia a servio de uma realidade considerada algo existente fora dela. Um ngulo de subjetivismo, outro de objetividade, que se combinam segundo os mais vrios matizes mas no passam essencialmente de dois. Tertius in fictione non datur.1

    1 Candido, Antonio. A compreenso da realidade. Suplemento Literrio de O Estado de S. Paulo, a. 2, n 62, 28 dez. 1957, p. 4. Includo em O observador literrio (So Paulo, Conselho Estadual de Cultura, 1959). Compare-se a dialtica suspensa de Candido com a teoria da fico contemporaneamente

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    Em suas mos, consequentemente, a dialtica, longe de ser dogmtica, torna-se um dispositivo esttico ou hermenutico de interveno social, em tudo alheio concluso cientfico-positiva, como, alis, previra Adorno quando discrimina entre materialismo his trico e materialismo vulgarmente metafsico.

    Para Candido, portanto, como para Adorno, no existe outra forma de acesso crtico s categorias sociais do que decifrar o teor de verdade que as formas de conhecimento encerram per se. difcil, em consequncia, seno impossvel, a seu ver, consolidar um dogma intelectual de carter materialista. Para se manter a fora liberadora da anlise ma terialista, preciso, ao contrrio, reconhecer que, na prpria expresso material do sujeito, se produz uma peculiar abertura estti-ca. Por meio dela, o homem busca a possibilidade de se revoltar contra o deter-minismo da matria, atravs da expresso artstica. Assim, teoria e prxis cedem, mutuamente, em busca dos velhos ideais ilustrados da liberdade ou da utopia. Explica-se melhor, desse modo, o fato de que experincias subjeti vas possam, frequentemente, exprimir a objetividade esttica e social mesmo margem de sua prpria inteno e que escritores tais como Alusio Azevedo ou Murilo Mendes representem, melhor do que os artistas revolucionrios, a objetividade do su-jeito, tornado assim suas obras autenticamente crticas.2 Segue, nesse particular, mais uma vez, a Adorno quando estipula que;

    Las obras de arte representan con tradiccin en su totalidad, el antagonismo en su conjun to [...] quedan articulados par la tcnica: en la composicin inmanente de la obra, permeable a la interpretacin respecto a las tensas relaciones externas. Estas tensiones no son el reflejo de la cosa, sino que la constituyen: en esto consiste nicamente el concepto de forma esttica.3

    As anlises de Candido, tais como as do mestre da Teoria esttica, participam da negatividade, fragmentariedade e aportica que pem em destaque tanto a objetividade do sujeito quanto a subjetividade do objeto. Trata-se, como vemos, de um es foro dialtico complexo, de resistncia dissoluo so ciologista e psi-cologista, do sujeito bem como de sua vivncia, que configura uma metacrtica da prpria razo prtica. Na obra artstica, Candido encontra, desse modo, um duplo valor: de um lado, uma traduo dos antagonismos sociais mas, de outro,

    desenvolvida por Foucault. Em 1963, resenhando as propostas telquelistas nas pginas de Critique, Foucault admitia a herana surrealista do conceito de fico, discriminado, porm, dos domnios do alm ou do mistrio cotidiano para defini-lo como ce trajet de flche qui nous frappe aux yeux et nous offre tout ce qui apparait. Assim, entre os polos irredutveis de fico e linguagem havia, para Foucault, mtuo apoio mas tambm contestao recproca, o que liberava uma distncia que no pertencia, a rigor, nem ao objeto nem ao sujeito e transformava a fico em la nervure verbale de ce qui nexiste pas, tel quil est. Cf. Michel Foucault. Distance, aspect, origine. In: Michel Foucault. Dits et crits. Paris, Gallimard, 1994, vol. I, p. 280.

    2 Sobre Alusio Azevedo, cf. Antonio Candido. De cortio a cortio. In: Antonio Candido. O discurso e a cidade. So Paulo, Duas Cidades, 1993, pp. 123-152; sobre Murilo Mendes, ver a anlise Pastor pianista/pianista pastor. In: Na sala de aula. So Paulo, tica, 1985. Cf. tambm Poesia e fico na autobiografia. In: A educao pela noite. So Paulo, tica, 1987.

    3 Cf. Theodor W. Adorno. Teora Esttica. Editado por Gretel Adorno e Rolf Tiedemann. Traduo de Fernando Riazza. Reviso de Francisco Prez Gutirrez. Madrid, Taurus, 1971, pp. 417-419.

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    a impossibilidade de o indivduo se subtrair ideologia dominante que adminis-tra tais antagonismos. em funo dessa articulao ambivalente que a literatu-ra, em particular, aspira a uma negatividade crtica. Sem ela, a arte estaria fora da histria ainda que ocupasse, de fato, um lugar no sistema dominante, tarefa alis precpua desde os tempos de Formao da literatura brasileira, e que resume di-zendo, maneira de Spitzer, que entre Arcadismo e Romantismo, por exemplo, h uma ruptura esttica evidente, mas h tambm continuidade histrica, pois ambos so momentos solidrios na formao do sistema literrio e no desejo de ver uma produo regular funcionando.4

    Despojada, ento, de suas funes culturais, religiosas ou morais, nela tradi-cionais, a obra artstica deveria, alm do mais, libertar-se, atravs do contraponto esttico da crtica, de outras funes ideolgicas mais sutis, tais como o positivis-mo poltico e mercantil de sua mensagem ou o fetichismo manei rista que subjaz totalidade idealista de seu discurso. Desse modo, o crtico abjura do formalismo para aspirar a uma busca, de resto, nada confortvel, da alteridade comunicativa, atravs de uma pragmtica que, sem garantia de sucesso, permanece ainda irresol-vida.5 Duplo movimento, portanto, da interveno crtica: a fruio conduz est-tica, atravs da crtica, mas esta, em compensao, exige outro tanto das prprias obras analisadas. ento na transgresso praticada pela arte e por sua crtica, pos-terior e solidria, que se revela o contedo de verdade de toda obra j que a arte, em consequncia, seria aquilo que ainda pode vir a ser. No cabe tarefa crtica, ento, se satisfazer com a simples explicao das obras j exis tentes na medida em que obra alguma conseguiu dis solver por completo sua tenso interna e, alm do mais, a prpria histria se ope ideia dessa dissoluo. Nesse sentido, ao se voltar verdade das obras, a crtica postulada por Candido busca incessantemente um para-alm do objeto e de si prpria como interveno hermenutica na vida social.

    Boa parte desse esforo era por ele perseguido atravs de uma descida analtica profunda, tomada de certa tradio estilstico-filolgica. Porm, mais atrado pelas correntes historicistas alems (o j citado Spitzer, Auerbach6) do que pelos catlogos enumerativos formais franceses (Bally), em certa desestabilizao do objeto, colhi-da em crticos como Starobinski, que Candido julga, enfim, encontrar a mediao entre a esfera expressiva e a pragmtica social da obra. Para Candido, o cenrio da reflexo est absolutamente restrito experincia do objeto esttico, porm, enten-de, com Adorno, que o objeto no pode ser conhecido de fora, cabendo teoria a misso de descrev-lo no nvel de abstrao em que se encontrasse no momento7.

    4 Antonio Candido. Iniciao Literatura Brasileira. So Paulo, Humanitas, 1997, p. 35.5 Ver a esse respeito sua avaliao de Srgio Milliet em O ato crtico. In: A educao pela noite, op.

    cit, pp. 122-137.6 Ver, entre outros, Realidade e realismo (via Marcel Proust). In: Recortes. So Paulo, Cia. das

    Letras, 1993, pp. 123-129.7 El concepto de comprensin, diz Adorno, est filos ficamente comprometido desde la escuela de Dilthey

    y a partir de categoras como la de compenetracin (Einfh lung). Estas ideas hay que dejarlas fuera dc la accin y exigir una comprensin de las obras de arte que sea un conocimiento estrictamente determinado por la objetivi dad de las mismas (Cf. Theodor W. Adorno Teora esttica, op. cit., p. 447).

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    Um bom exemplo disso pode ser a leitura que Starobinski nos prope das Cartas persas. conhecida a congenialidade vrias vezes apontada entre a obra de Montesquieu e Macunama de Mrio de Andrade. Embora Candido no te-nha se debruado sobre a rapsdia modernista, mrito monopolizado por sua mulher, Gilda de Mello e Souza, autora de O tupi e o alade, encontramos, no entanto, traos disseminados em sua crtica que revelam um parentesco raigal entre esse modelo de fico e seu prprio mtodo crtico. O maior deles, a meu ver, reside na revoluo sociolgica (Caillois) que consiste em fingir-se estran-geiro em relao cultura que se descreve, isto , omitir a singularidade para apenas reter a inscrio institucional dos indivduos. , por exemplo, o ponto de vista que adota em Literatura e cultura de 1900 a 1945 de Literatura e So-ciedade. Starobinski julga que, sob essa perspectiva, o leitor arrastado a um jogo que o afasta de seu meio atual e o torna indiscretamente presente num espao alheio ou distante. Uma tal distncia se traduz ainda numa segunda se-parao, entre o mbito da reflexo e o dos atos, to grave para ns, acrescenta Starobinski, quanto para Montesquieu e seus contemporneos.8 A observao aplica-se no caso de Andrade ou mesmo no de Candido, cuja fico de gerao poderia ser, justamente, a referida revoluo sociolgica. Os parceiros do rio Bo-nito, Dialtica da malandragem e as Quatro esperas de O discurso e a cidade ilustram perfeio sua peculiar revoluo sociolgica.

    Em sua anlise imanente, o foco prioritrio no se limita nunca a descrever a inte rioridade tcnica do texto, ainda que tambm o faa, mas busca, em com-pensao, dar conta de sua in terioridade afetiva e, para tanto, examina o estado de vio lncia social que, necessariamente, exprime a violncia se mntica dos ele-mentos expressivos utilizados pelo artista.

    Observe-se, porm, que a prpria interveno crtica no desdenha a violn-cia que pressupe extrapolar elementos formais constitutivos da obra em funo de iluminar o movimento mais vasto da histria simblica. Essas violncias cr-ticas justificam-se, a seu ver, na medida em que a literatura adquire contedo de verdade to somente quando se afasta da propaganda e recusa sua condio de produto, isto , na medida em que inova e, ao mesmo tempo, violenta o sistema de sentidos herdados. Distanciado da esttica idealista, um crtico como Candido no pretende, entretanto, afirmar a origem abs trata da arte (que o levaria a postu-lar seu estatuto de mercadoria e, consequentemente, sua morte), contentando-se apenas com iluminar sua experincia. A prtica crtica, em funo desse seu con-tato ntimo com a anlise imanente, ultrapassa assim os domnios desta, j que acrescenta aos contedos das obras, em que essas anlises se detm, uma outra reflexo, mais ambiciosa, que os leva para alm de si prprios, revelando en pas-sant o prprio domnio da verdade. Ou seja que, para Candido, as anlises ima-

    8 Cf. Jean Starobinski. Exlio, stira y tirana: las Cartas persas. In: Remedio en el mal. Crtica y legitimacin del artificio en la era de las luces. Traduo de J.L. Arntegui. Madrid, La Blasa de la Medusa, 2000, pp. 107-138.

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    nentes, mesmo necessrias, atingem apenas um aqum da arte que seu trabalho crtico busca transcender.9

    Esta ideia confirma o forte vnculo entre tica e esttica de suas anlises. Elas, de fato, postulam a existncia de uma obra literria que passaria assim a produ-zir uma srie de efeitos at certo ponto pedaggicos e, certamente, reformadores do social: um efeito potico ou de recusa do mimetismo mecnico; um efeito de obscurecimento ou enigma, sem reconciliao das formas positividade de um dogma; um efeito participativo, de aspirao utpica, mesmo que recusada na determinao expressiva imediata; um efeito anticatrtico, contrrio expiao sublimadora e, finalmente, um efeito de distanciamento do estmulo imediato.10 Associando, portanto, tica e esttica, a verdade do texto , para Candido, a im-possvel reconciliao da experincia com o poder e, consequentemente, com a violncia que sua prpria perseguio desencadeia.11

    Essa maneira de compreender o texto literrio nos fornece, em suma, uma fon-te dialtica de conheci mento que no apenas transmite e transforma a trama de relaes sociais que o sustentam, mas tambm a pers pectiva histrica e mesmo a capacidade expressiva do sujeito. A obra assim, ambivalentemente, recusada em sua reificao mas potencializada em sua experincia. Uma visada crtica como essa aposta, em consequncia, no infinitismo esttico e filosfico, na medida em que en-tre ambos extremos possvel estabelecer uma relao, irresolvida pela ultrapassa-gem (Aufhebung) hegeliana, que deixa para trs toda forma de reconciliao, ainda que ensaiada, porm, pela aber tura nietzscheana ao porvir, que no necessariamen-te reconcilia e que, portanto, carrega as contradies anteriores at o esgotamento.

    Um exemplo distinto a superao da categoria de realidade. No incio dos anos 40, Candido atribui psicanlise e a Nietzsche o enriquecimento do mundo da fic-o at uma dimenso quase infinita, atravs do conceito de super-realismo, com-preendendo por este termo, no s a variao francesa do surrealismo, como todos aqueles processos literrios consistentes em violentar a contingncia fsica e romper o nexo lgico.12 E esclarecia, na ocasio, que usava o termo super-realismo como gnero de interferncias na representao de que o surrealismo seria apenas espcie.

    Trinta anos mais tarde, consequente com aquela definio, proporia a noo de super-regionalismo para dar conta da ruptura narrativa de Guimares Rosa, visto anteriormente pela crtica como trans-regionalista, mas ora resgatado por Candido em funo de potencializar os recursos da fico.13 A genealogia do

    9 Cf. Theodor W. Adorno.Teoria esttica, op. cit., p. 451.10 Cf. Susan Buck Morss. Origen de la dialctica negativa. Mxico, Siglo XXI, 1981. Ricardo Forster.

    W. Benjamin y Theodor Adorno: el ensayo como filosofa. Buenos Aires, Nueva Visin, 1991. Ramn Mandado Gutierrez. Adorno. Madrid, Ed. del Orto, 1994. Rodrigo Duarte. Adornos. Nove ensaios sobre o filsofo frankfurtiano. Belo Horizonte, Ed. da UFMG, 1997.

    11 Veja-se sua anlise de Ricardo II de Shakespeare no curso Etica (1986) para posterior confronto com as ponderaes de Adorno sobre Experimenta crucis em sua Dialtica negativa, op. cit, p. 223.

    12 Antonio Candido. Brigada ligeira. So Paulo, Martins, 1945, p. 11113 Idem, ibidem, Literatura y subdesarrollo. In: Csar Fernandez Moreno (ed.) Amrica Latina en su

    literatura. Mxico, Siglo XXI, 1972, p. 353.

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    conceito nos instala, assim, num ensaio de 1946 em que, pioneiramente, reivin-dicava a cura sui nietzscheana, como propedutica superao das condies individuais, o que equivalia a ultrapassar incessantemente o ser de conjuntu-ra, que somos num dado momento, a fim de buscar estados mais completos de humanizao.14 Apontava para tanto as tarefas que assim se delineavam no sen-tido de uma expanso mais completa das energias de que somos portadores, e nesse sentido elucidativa a preocupao da ascese, de exerccio preparatrio que atravessa, verdade, a obra de Nietzsche mas que, de resto, no custa asso-ciar a certas categorias desenvolvidas posteriormente pelo pensamento ps-es-truturalista, notadamente, o francs.

    Com efeito, o conceito de ascese nos remete diretamente obra ltima de Foucault, assim como o de portador pode, sem violncia, ser assimilado ao de intercesseur de Deleuze.15 Diz o prprio Candido: na vida, s sentimos a reali-dade dos valores a que tendemos, ou que pressentimos, quando nos pomos em contato com certos intermedirios, cuja funo encarn-los, como portadores que so.16

    nesse sentido que caberia dizer que o modernista Antonio Candido nos permite, em ltima anlise, desentranhar de seu mtodo crtico virtualidades ps-modernas.17 Para tanto, porm, torna-se necessrio analisar o percurso de

    14 A propsito de Literatura e subdesenvolvimento, no custa relembrar que o modelo a proposto baseia-se no fato de o Brasil relegar a conscincia amena do atraso quando se esgota uma representao nacional especfica, a de pas novo. A esse respeito, um ensaio pioneiro de Fernand Braudel, publicado na revista do grmio da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de So Paulo, afirmava, taxativamente, que, com a entrada na modernidade inglesa, o Brasil tornou-se um pas-novo, diferena da Arglia (com o qual no s se toca o problema do colonialismo mas tambm o de posies crticas do iluminismo, como a do argelino Derrida e o brasileiro Candido). Para Braudel, em suma, produzir e repartir eram as aes caractersticas dos pases velhos ou novos. Pode-se mesmo dizerconcluiaque, de um lado, se trata de conservar e, de outro, de criar Cf.Conceito de pas novo, Filosofia, Cincias e Letras, a. 1, n. 2, So Paulo, ago. 1936, p. 10. A recomendao de criar , em tudo, coincidente com a noo de despesa que, a partir de Nietzsche, a etnografia francesa estava a elaborar a meados dos anos 30.

    15 Com Foucault, a cumplicidade passa no s pela ascese nietzscheana mas tambm pelo foco no sculo XIX como eixo dos dilemas da Aufklrung. Cf., por ex, o quarto captulo de Surveiller et punir. Naissance de la prison. Paris, Gallimard, 1975. Deleuze, por sua vez, definia os intercessores como a criao mesma: fictifs ou rels, anims ou inanims, il faut fabriquer ses intercesseurs, portadores autofictivos da vida como criao (Cf. Pourparlers 1972-1990. Paris, Minuit, 1990, p. 171)

    16 Antonio Candido. O portador in Brigada ligeira e outros escritos. So Paulo, Editora da Unesp, 1992, p. 205.

    17 A esse respeito, Vattimo argumenta que se a modernidade pode ser definida como a poca da superao ou ultrapassagem da novidade, tornada obsoleta e logo substituda por outra, ainda mais nova, num movimento incessante que, ora desalenta a criatividade, ora a exige e impe como pr-requisito da poca, se for assim, impossvel sair da modernidade pensando em uma sua ultrapassagem. Ao contrrio, recorrer s foras eternizantes implica buscar um caminho diferente. De modo tal, argumenta, que a modernidade poderia ser concebida no apenas pela categoria de superao temporal, sucessiva e linear, mas tambm pela superao crtica. Nesse sentido, a segunda considerao inatual de Nietzsche, refere-se tanto ao relativismo historicista quanto metafsica hegeliana da Histria, que concebe esta disciplina como um progressivo processo de Aufklrung. Eis, provavelmente, a razo pela qual Nietzsche recorre, ainda nessa segunda considerao inatual, arte e ao mito como formas de ultrapassar a modernidade. Cf. Gianni Vattimo - El fin de la modernidad. Nihilismo y hermenutica en la cultura posmoderna. Trad. Alberto Bixio. Barcelona, Gedisa, 1987, pp. 146-147.

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    uma certa tradio nietzscheana que, precisamente, opera em nosso horizonte crtico contemporneo.

    III

    Como sabemos, o conceito de bermensch, os trans-homens de Nietzsche, surge moldado j no a uma simples superao dialtica mas ao exerccio cabal de uma vontade de chance, que no exclui, antes pelo contrrio inclui, a expe-rincia hermenutica. Nesse sentido, toda interpretao, sendo, portanto, inter-pretao de uma interpretao, exerce algum tipo de violncia simblica sobre outros enunciados prvios. Reorganiza, compacta, suprime, oblitera, preenche, falsifica, enfim, imagina fices. Ou, em poucas palavras, comete hybris.

    essa uma definio de modernidade muito precisa e claramente diferencial em relao modernidade da tradio dialtica. Para Marx, com efeito, no h mo-dernidade sem hegemonia, ideia que, alis, em correspondncia profunda, dira-mos quase metafrica, aparece sempre associada ou reconciliada com a noo de soberania. Para Nietzsche, entretanto, a modernidade consiste num jogo herme-nutico, autoconstitutivo do sujeito, que assim acentua os aspectos no s nomina-listas porm, acima de tudo, diferenciais da articulao da verdade. No h, nessa perspectiva, fora sobre fora, dominantes sobre dominados, mas uma experincia despojada e entendida como abismalizao da prpria fora, exausto de um saber conduzido a uma rea de perigo e que a si prprio se v prestes a perecer.

    Nessa linha de anlise, caberia mesmo perguntar-se se a hybris do bermensch no seria, de fato, a pura exploso de uma produtividade imaginria que derra-maria sobre todas as coisas uma infinita criatividade de enigmas, vindo a se confi-gurar como a recuperao de uma humanidade autntica e livre, finalmente, das limitaes da metafsica e da moral.18

    Nessa linha de raciocnio, Jacques Derrida encontrou, em Mallarm, o ponto a partir do qual problematizar materialidade, temporalidade e espacialidade da interpretao. Em Le double sance, por exemplo, nos diz que a questo da ver-dade, no caso de Mallarm, se confunde com a de uma escritura

    qui ne renvoie qu elle-mme nous reporte la fois, indfiniment et systmatiquement, une autre cri-ture. A la fois: cest ce dont il faut rendre compte. Une criture qui ne renvoie qu elle-mme et une cri-Une criture qui ne renvoie qu elle-mme et une cri-ture qui renvoie indfiniment une autre criture, cela peut paratre non-contradictoire() Certes. Mais la difficult tient au rapport entre le medium de lcriture et la dtermination de chaque unit textuelle. Il faut que chaque fois renvoyant un autre texte, un autre systme determin, chaque organisme ne renvoie qu lui-mme comme structure dtermine: la fois ouverte et ferme.19

    Mais adiante, marcando sua diferena com relao leitura do pli mallar-maico, tal como proposta por Jean-Pierre Richard, Derrida destaca que, mesmo

    18 Gianni Vattimo. Ms all del sujeto. Nietzsche, Heidegger y la hermenutica. Trad. J.C. Gentile Vitale. Barcelona, Paids, 1989, p. 38.

    19 Jacques Derrida. La dissmination. Paris, Seuil, 1972, pp. 229-230.

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    quando aceitssemos que o eu se rene com sua imagem no espelho, tema alis recorrente em Mallarm, como atesta o famoso soneto em ptyx, impossvel no reparar que essa operao interpretativa obtura o signo em sua coincidncia con-sigo, toma a abertura como precondio da adequao a si e reduz tudo quanto, na dobra, aponta para a deiscncia, disseminao e deslocamento, a um sentido inequvoco, confirmando desta sorte a leitura clssica de Mallarm que confina e sequestra seu texto numa atmosfera intimista, simbolista e neo-hegeliana.20 Para Derrida, entretanto, o pli mallarmaico um himen, um tecido de traos que mas-cara outro texto mas que, ao mesmo tempo, deixa esse texto, a princpio oculto, emergir quando a dobra justamente se desfaz e desoculta seu prprio carter su-plementar, o de uma ausncia sempre presente.

    A partir dessa teoria do texto potico, normalmente taxada de apoltica, pas-samos a ter, mais recentemente, novas metforas interpretativas da condio me-nor que optam, por exemplo, em Silviano Santiago, pela noo de entre-lugar e, em Homi Bhabha, pela de hibridismo. Tanto a verso ps-estrutural quanto a ps-colonial no escondem sua mtua procedncia gramatolgica, sendo que, alm do mais, em nenhum dos dois casos se poderia falar, a rigor, de falta de orien-tao nas anlises culturais ou ausncia de efeitos polticos nas interpretaes.21

    Nas anlises de Bhabha, mas tambm nas de Silviano (a ttulo de exemplo, suas crticas, como veremos mais adiante, noo de formao, seja nos roman-ces que aparentemente respeitam a Bildung tradicional quanto nas interpretaes de uma identidade brasileira captada em seus momentos formativos e seu pro-cesso evolutivo), o carter hbrido designa sempre uma liminaridade simblica. Afirma dualidade de perspectiva e representao, significando, simultaneamente, materialidade discursiva e vazio da linguagem.

    O hbrido, nesses casos, sinnimo de matria sem identidade e pulso ac-fala. No se confunde, a rigor, com o heterogneo.22 A heterogeneidade cultural premissa transculturadora que opera com a noo de diversidade entre culturas, diversidade essa controlada por limites disciplinares ainda inequvocos.23 O hi-

    20 Idem, ibidem, p. 303.21 Walter Mignolo sugere associar o conceito de ps-modernidade prtica desconstrutiva,

    reservando ambio descolonizadora teoria ps-colonial. Cf. The darker side of Renaissance. Literacy, Territoriality & Colonization. Ann Arbor, Michigan University Press, 1995.

    22 Essa posio, diramos, a deliberadamente assumida por Candido, retomada por Beatriz Sarlo e Carlos Altamirano em Literatura/Sociedad. Buenos Aires, Hachette, 1983, p. 105.

    23 Entendendo a heterogenidade cultural como subproduto de diversas modernizaes operando na ou sobre a Amrica Latina, o socilogo chileno Jos Joaquin Brunner pondera que heterogeneidad cultural significa, en fin, algo bien distinto que culturas diversas (subculturas) de etnias, clases, grupos o regiones, o que mera superposicin de culturas, hayan stas o no encontrado una forma de sintetizarse. Significa, directamente, participacin segmentada y diferencial en un mercado internacional de mensajes que penetra por todos lados y de maneras inesperadas el entramado local de la cultura, llevando a una verdadera implosin de los sentidos consumidos/producidos/reproducidos y a la consiguiente desestructuracin de representaciones colectivas,fallas de identidad, anhelos de identificacin, confusin de horizontes temporales, parlisis de la imaginacin creadora, prdida de utopas, atomizacin de la memoria local, obsolescencia de tradiciones.Cf. Jos Joaquin Brunner. Los debates sobre la modernidad y el futuro de Amrica Latina. Santiago de Chile, Flacso, 1986, pp. 39-40.

  • 138 Literatura e Sociedade

    bridismo cultural, entretanto, trabalha na esteira da noo de diferena. A hetero-geneidade tributria do universalismo comparatista; o hibridismo, no entanto, do culturalismo globalizado.

    Ora, como se apresenta a questo do hibridismo no campo dos estudos latino-americanos?NestorGarcaCanclinivemtentandoresolveraquestodadecisoeda indecibilidade do cultural sob uma perspectiva relativamente pragmtica que, diante da heterogeneidade multitemporal da nao, no hesita em redefini-la, de maneira alis bastante prxima ao neoliberalismo, como uma comunidade inter-pretativa de consumidores.24 Ernesto Laclau, por sua vez, tem interpretado esse carter dplice da representao como o redesenho de um campo de lutas hege-mnicas em torno multiplicidade de decises que, aos olhos de certos analistas, oscilam to somente entre o ironismo particular e o liberalismo pblico. Sob uma perspectiva socialista reconfigurada, Laclau considera que

    La condicin de una buena representacin es, aparentemente, que el representante transmita de forma perfecta o transparente la voluntad de aquellos a quienes representa. Una buena repre sentacin sera aquella en la cual la voluntad se moviera en una sola direccin. Esto presupone, por supuesto, que en el punto en que comienza la relacin de representacin hay una identificacin completa del representado con su voluntad. La transparencia de la relacin de representacin estara amenazada si la voluntad del representante afectara las voluntades de aquellos a quienes se supone debe representar. De todas maneras, lo que este acercam iento al problema deja de lado es la razn por la cual la relacin de repre-sentacin necesita ser establecida en primer lugar. La respuesta es, obviamente, porque los representados estn ausentes del sitio en que la re presentacin tiene lugar, y porque las decisiones que los afectan deben ser tomadas all. Y estas decisiones -como toda decisin- involucran negociaciones cuyos resultados son indeterminados. Pero esto equivale a decir que, si los representados necesitan la representa cin, es porque sus identidades estn incompletas y deben ser suplementadas por el representante. Esto signi-fica que el rol del representante no puede ser neutral, y que l contribuir en algo a las identidades de aquellos a quienes representa. Ergo, la relacin de representacin ser, por razones lgicas esenciales, constitutivamente impura: el movimiento de representado a representante tendr necesariamente que ser suplementado por un movimiento en la direccin contraria. Lo que hace posible una buena repre-sentacin es lo que la hace, al mismo tiempo y por las mismas razones, imposible. El carcter impuro o hbrido de la relacin de representacin es constitutivo.25

    Assim sendo, o hibridismo remete-nos, diretamente, problemtica da deci-so. Desconstruir uma estrutura equivale ento a mostrar sua indecibilidade, a dis-tncia entre a pluralidade de articulaes possveis a partir dela mesma e as arti-culaes que, finalmente, de fato, prevalecem. Diramos, ento, acompanhando o raciocnio, que uma ao qualquer pode ser tomada como deciso cabal na medida em que no esteja pr-determinada por leis estruturais, originais ou naturais, mas, exija, ao mesmo tempo, o desafio de uma experincia de indecibilidade. Seu pr-prio carter estriado e hbrido torna a deciso um momento de peculiar loucura: ela , afinal de contas, o momento de passagem do acfalo ao racional, do humano

    24 Nestor Garcia Canclini. Culturas hbridas. Estrategias para entrar y salir de la modernidad. Mxico, Grijalbo, 1990.

    25 Ernesto Laclau. Desconstruccin, pragmatismo, hegemonia. In: Chantal Mouffe (ed.). Desconstruccin y pragmatismo. Trad. M. Mayer. Buenos Aires, Paids, 1998, pp. 101-102.

  • 139raul antelo A hybris e o hbrido na critica cultural brasileira

    ao divino, com a ressalva de que essa deciso opera sempre conforme a lgica si-mulacral do como se, pressupondo sempre um deslocamento.26

    Laclau apoia-se, para essa leitura, na tica de Spinoza, notadamente na noo de Deus (momento da deciso), quando um ser absolutamente infinito ou uma substncia que consta de infinitos atributos manifesta sua essncia eterna e infini-ta. Ora, a partir dessa interpretao da cultura que se armou o dispositivo mais consistente no sentido de ultrapassar a transculturao modernizadora na Amrica Latina e seu lastro de referencialidade e normatividade. Refiro-me, bvio, fic-o de Borges, em especial sua refutao do tempo em nome da eternidade. Mas poderia igualmente me referir a outros esforos de eternizao: Drummond, Gui-mares Rosa, Clarice Lispector, autores muito prximos sensibilidade de Candi-do. Detenhamo-nos em Borges, dentre os latino-americanos, o primeiro caso de incontestvel influncia original27 sobre a cultura internacional.

    clara j, a estas alturas, a marca de Spinoza em certas fices borgeanas. Em Tln, por exemplo, seus habitantes sabem que o espao no tem existncia real: ele simplesmente perdura no tempo, tal como o rouxinol de Keats ou o tigre de Blake. No raro Borges associa atributos da divindade spinozista a escritores es-pecficos. A ttulo de exemplo, lembremos de H.G. Wells que, imagem da di-vindade, no ama ningum mas tambm no aborrece ningum; ou de Colerid-ge, o primeiro a esboar uma naderia de la personalidad28 que se tornaria matria recorrente em vrias de suas fices (Pierre Menard, autor do Quixote, O Ale-ph, O relatrio de Brodie, A memria de Shakespeare, etc.). A respeito deste escritor, verdadeiro cnone dos cnones, Borges observa que:

    La persona Shakespeare fue una natura naturata, un efecto, pero lo universal, que est potencialmente en lo particular, le fue revelado, no como abstrado de la observacin de una pluralidad de casos sino como la sustancia capaz de infinitas modificaciones de las que su existencia personal era slo una.29

    26 All decision is internally split: as required by a dislocated situation, it is a decision; but it is also this decision, the particular ontic content. This is the distinction between ordering and order, between changing and change, between the ontological and the onticoppositions which are only contingently articulated through the investment of the first of the terms into the second. This investment is the cornerstone of the operation called hegemony, which has within it, as we have seen, an ethical component. The description of the facts of social life and the normative orders on which those facts are based,which is compatible with a hegemonic approach, is different from those approaches which start by identifying the ethical with a hard normative core, and with those which postulate total decisionism. So, the question: If the decision is contingent, what are the grounds for choosing this option rather a the different one?, is not relevant. If decisions are contingent displacements within contextual communitarian orders, they can show their verisimilitude to people living inside those orders, but not to somebody conceived as a pure mind outside any order. This radical contextualization of the normative/ descriptive order has, however, been possible only because of the radical decontextualization introduced by the ethical moment Cf. Ernesto Laclau. Identity and Hegemony: The Role of Universality in the Constitution of Political Logic. In: Judith Butler, et al. Contingency, Hegemony, Universality. Contemporary Dialogues on the Left. London, Verso, 2000, p. 85.

    27 Antonio Candido. Literatura e subdesenvolvimento. In: A educao pela noite. So Paulo, tica, 1987, p. 153.

    28 Jorge Luis Borges. Inquisiciones. Buenos Aires, Proa, 1925.29 Jorge Luis Borges. De alguien a nadie. In: Obras completas. Buenos Aires, Emec, 1974, p. 738.

  • 140 Literatura e Sociedade

    No se trata, como se v, de uma simples reflexo sobre a fama ou o talento individual mas de uma teoria da modernidade perifrica. Mas at que ponto mesmo legtimo usar essa categoria, perifrica, que pressupe sem peias a de he-gemonia?Ela,defato,sai,irreversivelmente,abaladadeumareflexocomoadeBorges, to marcada pela questo da sobredeterminao. Talvez fosse o caso de afirmar que o ur-objeto de Tln se inscreve numa sorte de terceiro espao, o da deciso A partir dele, como lemos em Avatares de la tortuga:

    Nosotros (la indivisa divinidad que opera en nosotros) hemos soado el mundo. Lo hemos soado resistente y firme en el tiempo, pero hemos consentido en su arquitectura tenues y eternos intersticios de sinrazn para saber que es falso.30

    O ur-objeto, marcando sempre o vazio do agora, situa-se no meio do cami-nho.31 Obstrui o fluxo do sentido como uma mquina do mundo e aventa, em ltima anlise, um para-alm da evidncia na terceira margem da via.32 Porm essa recorrncia do terceiro espao no estaria completa se no lembrssemos tambm, a esse respeito, que, atravs de Ren Daumal, leitor de Borges e um dos primeiros a imitar seus simulacros,33 os mesmos atributos da divindade de Spinoza perpassam a tese lacaniana sobre a paranoia bem como as posteriores teorias francesas a respeito da exausto de experincia,34 o que descarta todo debate centrado na tenso centro/periferia. Creio que dessa tradio, to con-solidada em alguns centros latino-americanos logo no incio dos anos 70, retira precisamente Laclau os elementos para uma teoria hbrida da deciso. Argu-Argu-menta, com efeito,

    La condicin para la emergencia del sujeto la decisin es que aqul no puede ser subsumido bajo ningn determinismo estructural, no porque sea una sustancia en s mismo, sino porque la determinacin estructu-ral que es el nico ser que el as llamado sujeto podra tener no ha logrado ser su propio fundamento, y debe ser suplementada por intervenciones contingentes. De este modo, entra en accin una lgica de la suplementariedad que requiere de algo diferente la determinacin estructural para constituirse.

    30 Alberto Moreiras. Tercer espacio: Literatura y duelo en Amrica Latina. Santiago do Chile, LOM Ediciones/Universidad Arcis, 1999.

    31 Carlos Drummond de Andrade. No meio do caminho (de Alguma poesia, 1930). In: Reunio. 19 livros de poesia. 2a. ed. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1985, vol. I, p. 15. Os conceitos de tradio literria de Drummond esto fortemente vinculados aos paradoxos de Chuang-Tzu, lidos nos anos 20 a partir da obra de Oscar Wilde. A respeito dos avatares da tartaruga e sua conexo com as aporias drummondianas, remeto a meu texto, El veneno de la serpiente. Radar libros. Pgina 12, Buenos Aires, 25 abr. 1999. pp. 6-7.

    32 Idem, ibidem. A mquina do mundo (de Claro enigma, 1951). Ibidem, p. 300 e Rosa Joo Guimares. A terceira margem do rio. In: Primeiras estrias. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997.

    33 Raul Antelo. La zoologia imaginaria como deslectura de las radiografas y retratos de la nacin en crisis. In: William Rowe, et al. Jorge Luis Borges. Intervenciones sobre pensamiento y literatura. Buenos Aires, Paids, 2000, pp. 113-8.

    34 A ttulo de lembrete esquemtico, Lexprience intrieure de Bataille, Le pas au-del de Blanchot, La pense du dehors ou Les mots et les choses de Foucault, o ensaio sobre Kafka ou aqueles outros reunidos em Critique et clinique de Deleuze.

  • 141raul antelo A hybris e o hbrido na critica cultural brasileira

    Este suplemento, que es la decisin sensu strictu, tiene un status ontolgico peculiar: no puede ser de por s una sustancia (por ejemplo, una conciencia autocentrada) y, no obstante, tiene que ser en algn sentido auto-determinado, porque no puede apelar como fundamento a nada diferente de su propia singularidad. Yo dira que tenemos aqu algo de la naturaleza de una simulacin. Tomar una decisin es como personificar a Dios. Es como declarar que uno no tiene los medios para ser Dios, y que uno tiene, sin embargo, que proceder como si fuera l. La locura de la decisin es este punto ciego en la estructura, en el cual algo totalmente heterogneo en relacin con ella y, en consecuencia, totalmente inadecuado tiene, no obstante, que suplementarla.35

    Seria necessrio, entretanto, observar que essa deciso, de que vem se falan-do, nada tem de racional ou objetiva; que o sujeito no pr-existe deciso e que, da mesma forma, tambm no existe um objeto a priori a ser decidido. Aceitar essas premissas seria apostar ainda na identificao quando, a rigor, do que se trata, na perspectiva desconstrutiva, acatar o carter indispensvel da identifi-cao (da deciso) sem desmerecer, por outro lado, o processo de desidentifica-o, atravs do qual a prpria deciso se destri a si prpria.36

    A recusa de toda forma de dualismo e de toda mediao no s no retira como at enfatiza a alternativa tica, deslocando-a e resituando-a no limite extre-mo do sujeito, como a sublinhar sua dramaticidade e intensidade. nesse senti-do que a tica torna-se poltica, como imaginao de um mundo que se ope morte.37 Esse caminho hiperpolitizante da desconstruo o de uma poltica da hybris a maneira mais criativa para dissociar poltica de democracia, isto , para pensar a poltica para alm, e no a partir, de uma identificao com a Real-politik.38 Nesse sentido, cabe papel de peculiar destaque literatura. Rebatendo o argumento de que sua hybris se limitasse, de maneira cordata, ao ceticismo de um ironista privado, Derrida separa, por completo, a literatura da vida privada.

    La literatura es una institucin pblica de reciente invencin, con una historia breve, com parativamente, gobernada por todo tipo de conven ciones vinculadas a la evolucin de la ley, lo que permite, en principio, tener algo para decir. Por lo tanto, lo que define a la literatura como tal, dentro de una cierta historia europea, est profundamente conectado con una revolucin en la ley y la poltica: la autorizacin por principio de que algo puede decirse pblicamente. En otras palabras, no soy capaz de separar la invencin de la literatura, la historia de la literatura, de la historia de la democracia. Con el pretexto de la ficcin, la literatura debe ser capaz de decir algo; en otras palabras, es inseparable de los derechos humanos, de la libertad de expresin. [...] Es una gran suerte que est atada a la aventura histrica de la democracia, claramente europea, y a la cual la reflexin poltica y filosfica no puede dejar de prestar atencin y no debe confinar a la literatura al reino de lo domstico o de lo privado.39

    35 Ernesto Laclau. Desconstruccin, pragmatismo, hegemonia, op. cit, p. 113-114. Lacan e Derrida so, para Laclau, os dois momentos privilegiados de expanso das quase-infraestruturas, absolutamente idecidveis. Cf. Identity and Hegemony, op. cit., p. 74.

    36 Jacques Derrida. Notas sobre desconstruccin y pragmatismo. In: Chantal Mouffe (Ed.), op. cit., pp. 163-164.

    37 Cf. Antonio Negri. Spinoza subversivo. Variaciones (in)actuales. Trad. Raul S. Cedillo. Madrid, Akal, 2000, p. 33.

    38 Ver, ainda, Peter Sloterdijk. Eurotaoismus. Zur Kritik der politischen Kinetik. Frankfurt: Suhrkamp Verlag; 1989, e En el mismo barco. Ensayo sobre la hiperpoltica. Trad. Manuel Fontn del Junco, Madrid, Siruela, 1994.

    39 Idem, ibidem, pp. 156-157

  • 142 Literatura e Sociedade

    Examinada a questo do hibridismo de uma leitura desconstrutiva como de-ciso hiperpoltica de neutralizar instituies, retirando-as de um funcionalismo cego, bem como de um fundamentalismo meramente referencial, caberia agora traar, ainda que de modo esquemtico, a trajetria desse debate na crtica cul-tural brasileira.

    IV

    O sistema literrio nacional parece um repositrio de foras em desagrega-o. Eis o diagnstico lapidar com que Roberto Schwarz avalia, em seu ltimo livro, o estado atual da contribuio decisiva de Antonio Candido aos estudos sobre literatura e cultura no Brasil, ao menos, tal como essa contribuio pode ser observada no presente. Descrevendo a situao de pas perifrico em irrestrita mundializao, Schwarz entende que o sistema, desenhado por Candido como efeito de uma peculiar formao histrico-cultural, passa a funcionar agora ou pode vir a funcionar em breve como o real, na medida em que esse um dos espaos onde se torna possvel sentir o que est em vias de decomposio. A su-cinta descrio guarda algo de unheimlich na sua referncia transformao de-sagregadora e abjeta do sistema (uma organizao mas tambm uma hierarquia). Em poucas palavras, o crtico nos diz que a nao (esse Brasil que a gerao an-terior contemplou sob o prisma da formao e hoje se insinua na contundncia da abjeo) a nao, em suma, no passa de ser o Real, aquilo que no pode ser simbolizado, o avesso do desejo ou, em palavras de Lacan, ce qui ne cesse pas de ne pas scrire.40

    Longe, portanto, de continuar fiando a presena em si do observador literrio,41 o real da situao presente (a impossibilidade desse mesmo presente, sua insuportvel presena mas tambm sua censurvel apresentao) introduz uma deformao inequvoca e uma distncia irredutvel em relao prpria imagem. um ponto em que a moldura do presente se inscreve, em superposi-o de filigrana, no interior do prprio contedo material da representao, re-dundando assim numa dissimetria radical entre o olhar e a viso, aquela que tor-na toda comunicao to somente um equvoco bem-sucedido.42 limitado, em consequncia, o argumento de Haroldo de Campos que censura o dbito de Can-dido s funes lingusticas jakobsonianas (mais fidedigno, talvez, seria evocar a triangulao comunicativa de Bhler) porque, para alm da marca funcionalista inequvocamente presente no modelo da formao, ressalta a prpria ideia da co-municao, da existncia de uma comunidade, como algo que, para se implantar,

    40 Jacques Lacan. Sminaire 20 (Paris, Seuil, 1975) e Scilicet 5 (Paris, Seuil, p. 17)41 A condio de observador remete diretamente compensao diante da castrao. Se no

    pudermos ser criadores, diz Antonio Candido no prefcio a seu livro de ensaios de 1959, sejamos ao menos observadores literrios.

    42 o que se pressupe nas pginas iniciais da Formao da literatura brasileira de Antonio Candido: Suponhamos que, para se configurar plenamente como sistema articulado, ela dependa da existncia do tringulo autor-obra-pblico. Cf. Formao da literatura brasileira. So Paulo, Martins, 1964, p.16.

  • 143raul antelo A hybris e o hbrido na critica cultural brasileira

    requer de algo de real. Em outras palavras, para que essa comunidade advenha e a comunicao intersubjetiva funcione, finalmente, a contento, uma resposta do real torna-se imperiosa; porm, no desconhecemos, claro, que inexiste co-municao simblica, i.e. no h comunidade em formao, sem uma correlativa dimenso Unheimliche da prpria experincia. isso, em ltima instncia, que define o real. No ento o observador (a potncia de ver) que contempla a na-o mas ela, a Coisa (a impotncia de ser), a que nos v, como alis a prpria literatura brasileira, em seus pontos altos de modernidade, soube deixar claro.43 Esta concepo do real pode, alis, introduzir elementos que dinamizem o deba-te, por sinal, bastante estereotipado, em relao ideia de formao e seu rendi-mento na tradio crtica que remonta a Antonio Candido.

    Deveramos ento relembrar que existem, ao menos para Freud, dois mo-dos de recusa do real. O primeiro baseado no recalque, sublimao ou, como Mrio de Andrade preferia traduzir o termo freudiano Verdrngung, o seques-tro. H, porm, outro modo, que parte da derivao ou ramificao do recha-o. Aquilo que sequestrado, como sabemos, pode retornar na pr-conscincia de um modo simbolizado; j aquilo que rejeitado pode igualmente retornar, porm, na forma de uma nova realidade delirante. Acompanhando esse racio-cnio, diramos que, no interior da formao, o barroco est, de fato, seques-trado, como quer Haroldo de Campos, com a ressalva, porm, de que ele pode retornar e, de fato, retorna j que Gngora , no dizer de Roberto Schwarz, um pressuposto explcito da Formao, onde forma um contraste definidor com a imagem de tipo neoclssico.44 Tal fato prova que deveramos corrigir a disjun-tiva apresentada por Roberto (os ciclos histricos existem ou no existem) na forma de um trilema histrico: os ciclos histricos existem e no existem porque prprio do evento (e sem dvida o barroco tem esse porte peculiar) exasperar, face ao desafio do presente, a ur-histria e a ps-histria ou, em ou-tras palavras, e para chegarmos, enfim, expresso benjaminiana, antecipada, linhas acima, pelos avatares da tartaruga histrica, cabe, justamente, ao pre-sente definir onde e como os aspectos ur-histricos (a administrao colonial mostrenga, por exemplo) e os ps-histricos (a acefalidade contempornea) divergem e se tensionam mutuamente para assim melhor avaliar o evento e cir-cunscrever-lhe o ncleo.45 Ali reside, a meu ver, o centro do debate sobre um espao terceiro e uma crtica hbrida como herdeiros da negatividade e apor-tica que examinvamos no incio.

    Retomemos, entretanto, as perspectivas traadas por Roberto Schwarz ao identificar a exausto da ideia de formao diante da emergncia do real.

    43 Penso nos aforismos de O discpulo de Emas (1945) de Murilo Mendes que problematizam o carter ativo da leitura e a dimenso original do parasita, bem como as fices de Clarice Lispector, notadamente, Agua viva (1973).

    44 Roberto Schwarz. Sequncias brasileiras. So Paulo, Companhia das Letras, 1999, p. 51.45 Walter Benjamin. Paris capitale du XIX sicle. Le Livre des passages. Paris, Cerf, 1993, p. 494.

  • 144 Literatura e Sociedade

    Uma de que ela (a formao), que tambm um ideal, perdeu o sentido, des qualificada pelo rumo da histria. A nao no vai se formar, as suas partes vo se desligar umas das outras, o setor avanado da socieda de brasileira j se integrou dinmica mais moderna da ordem interna cional e deixar cair o resto. Enfim, vista da nao que no vai se inte grar, o prprio processo formativo ter sido uma miragem que a bem do realismo melhor abandonar. Entre o que prometia e o que cumpriu a distncia grande.

    Outra perspectiva possvel: suponhamos que a economia deixou de empurrar em direo da inte-grao nacional e da formao de um todo relativamente auto-regulado e auto-suficiente (alis, ela est empurrando em direo oposta). Se a presso for esta, a nica instncia que continua dizendo que isso aqui um todo e que preciso lhe dar um futuro a unidade cultural que mal ou bem se formou historicamente, e que na literatura se completou. Nessa linha, a cultura formada, que alcanou uma certa organicidade, funciona como um antdoto para a tendncia dissociadora da economia. Contudo vocs no deixem de notar o idealismo dessa posio defensiva. Toda pessoa com algum tino materialista sabe que a economia est no comando e que o mbito cul tural so-bretudo acompanha. Entretanto, preciso reconhecer que nos sa unidade cultural mais ou menos realizada um elemento de antibar brie, na medida em que diz que aqui se formou um todo, e que esse todo existe e faz parte interior de todos ns que nos ocupamos do assun to, e tambm de muitos outros que no se ocupam dele.

    Outra hiptese ainda: despregado de um projeto econmico nacional, que deixou de existir em sentido forte, o desejo de formao fica esvaziado e sem dinmica prpria. Entretanto, nem por isso ele deixa de existir, sendo um elemento que pode ser utilizado no mercado das diferenas culturais, e at do turismo. A formao nacional pode ter deixado de ser uma perspectiva de reali-zao substantiva, centrada numa certa autonomia poltico-econmica, mas pode no ter deixado de existir como feio histrica e de ser talvez um trunfo comercial em toda linha, no mbito da comercializao internacional da cultura. Enfim, ao desligar-se do processo de auto-realizao so-cial e econmi ca do pas, que inclua tarefas de relevncia mxima para a humanida de, tais como a superao histrica das desigualdades coloniais, a for mao no deixa de ser mercadoria. E ela pode inclusive, no momento presente, estar tendo um grande futuro nesse plano.46

    Enumerados esses cenrios hipotticos, Roberto Schwarz relega, como ve-mos, a ltima instncia o argumento esttico segundo o qual a mbito formativo j no faz sentido j que os modelos literrios vm de toda parte e de todo tempo. Schwarz, entretanto, raciocina que se em lugar das influncias literrias, que de fato esto como que escolha, pensarmos na linguagem que usamos, compro-metida sob pena de pasteurizao com o tecido social da experincia, vere-mos que a mobilidade globalizada do ficcionista pode ser ilusria. A nova ordem mundial produz as suas cises prprias e at segunda ordem qualifica as aspi-raes dos intelectuais.47 Ora, a prpria sensibilidade crtica de Antonio Can-dido, no menos cindida e qualificada do que a nossa, a que problematiza essa observao justa em gnero, porm, no em parte.

    Como se sabe, em sua anlise de O cortio, interessado em isolar o pon-to de vista do brasileiro livre na ordem escravocrata, isto , o foco nacional

    46 Roberto Schwarz. Op. cit., pp. 57-58.47 Idem, ibidem, p. 58.

  • 145raul antelo A hybris e o hbrido na critica cultural brasileira

    e autnomo que estrutura a obra, Candido analisa o sujeito de enunciao de um ditado popular, aparentemente secundrio ou subalterno: para por-tugus, negro e burro, trs ps: po para comer, pano para vestir, pau para trabalhar. O crtico percebe nesse ditado algo da ordem do real, isto , sua gratuidade nula. Construdo moda dos julgamentos peremptrios da poesia de Gregrio de Matos, tais como Neste mundo mais rico o que mais rapa ou De dois ff se compe/esta cidade a meu ver/um furtar, outro foder, que ainda se ouvem na lbia de mulato sabido de Macunama quem, por sua vez, esconjura, em aberta pardia ao 5 epigrama de Gregrio, a muita sava e a pouca sade como males do pas colonial, o axioma tico assenta na srie po-pano-pau, que no revela to somente aspectos da vida social, figuraes j formadas, representaes identitrias ou valores dominantes. Exibe, ain-da, como um autntico himen, a prpria estrutura da srie literria; revela a energia liberada com o intuito de formar, e nos confronta, em ltima anlise, com a relevncia que tem, na potica barroca e em seu retorno modernista, a disseminao paronomsica. Essa escuta feliz de Antonio Candido, a de que a srie paronomsica significa para alm da forma e de que sua verdade reside, em compensao, numa deciso que revela a densidade dessa forma ideolgica, no se justifica em funo de nenhuma teoria formalista alheia prpria sensibilidade do mestre. ele mesmo quem aponta, precisamente, a substituio da metfora pela paronomsia como um dos traos definidores da literatura moderna. Explica:

    Ns tnhamos uma literatura dominada pela imagem, pela analogia tu s bela como a rosa , e agora temos uma literatura dominada cada vez mais pela paronomsia, ou seja, por aquela figura que junta palavras pela sonoridade muito parecida, mas de significado diferente.

    Contra a viso referencial-analgica, pressuposta pela metfora, o crtico ob-serva a dominncia alegrica do simulacro e do ready-made, em que o discurso toma o mundo como arsenal das comparaes [] criando ento um mundo paralelo, um mundo autnomo, que uma espcie de duplicao do mundo natural.48 Pouco antes desta interveno, no captulo sobre Mallarm que redige para o Tableau de la littrature franaise, Derrida chegava a concluso semelhante:

    Aristteles, que en su Potica y en su Retrica inaugur el elogio tradicional de la metfora (en tanto que enuncia y nos da a conocer lo mismo o lo parecido) deca igualmente que no significa nada lo que no signi-fica una sola cosa. El texto de Mallarm no slo infringe esa regla sino que deshace la falsa transgresin, la inversin simtrica, la polisemia que contina sealando hacia la ley.49

    48 Antonio Candido. Interveno no Ciclo de Debates do Teatro Casa Grande. Rio de Janeiro, Inbia, 1976, pp. 184-187.

    49 Cf. Jacques Derrida. Mallarm. In: Cmo no hablar y otros textos. 2a. ed. Barcelona, Proyecto A, 1997, p. 62.

  • 146 Literatura e Sociedade

    Detectando o problema e graas sua acuidade crtica, Candido prope a pa-ronomsia como a desconstruo da transgresso (modernista) apontando em di-reo lei como espao da falta de consenso. Esse vazio legal-formal traduz uma determinao recproca ou sobredeterminao especfica entre o social e o estti-co em que nenhum dos nveis ofusca ou diminui o outro. Antes, pelo contrrio, mutuamente se determinam e reciprocamente se dinamizam. Alis, da noo de paronomsia poderamos derivar, ainda, na esteira de Michel Srres, uma teoria desconstrutiva da autossuficincia na economia do parasita, outra forma de in-verter a materialidade gerativa do Modernismo.

    Pardico, parasita, paronomsico, nada de irrelevante vemos nesse sinto-ma. Afinal de contas, Valry, herdeiro de Mallarm, faria dessa basculao pa-ronomsica a definio mesma do potico, sempre a oscilar entre son e sens. Observe-se, alis, que para formul-la o poeta foi obrigado a lanar mo, prag-maticamente, do mesmo recurso que queria definir, fazendo dessa tautologia terica a reunio ficcional do sujeito do enunciado com o sujeito da enuncia-o, sujeitos que o racionalismo previamente cindira ao separar a folie (o jogo) do sens (o registro srio).

    Porm, nem mesmo a definio de Valry autoriza a desateno a esse modo autnomo, quando no acfalo, de formar enunciados. Ao contrrio, a oscilao entre sens e son repercute, para alm da tenso metfora/metonmia, em outros binmios crticos igualmente esclarecedores: representao/estereoscopia; iden-tidade/devir; formao/disseminao; beginnings (Edward Said)/becomings (An-drew Benjamin).

    Poder-se-ia dizer, em ltima anlise, que enquanto a metfora se alinha do lado dos limites, esses marcos teleolgicos que pautam toda formao, a parono-msia acena, entretanto, com o limiar que, sendo sempre penltimo, no cessa de reabrir a cadeia significante e, assim fazendo, nos persuade que toda comple-tude pertence ordem do imaginrio. Os plos estticos de sujeito e objeto, que, como vimos no incio, ajudavam a manter uma dialtica em suspenso, tradu-zem-se agora em virtualidade ou potencialidade tica: A abstrao e o sentimen-to adquirem vida (la connaissance a trouv son acte, diria Valry) e somos capazes de sentir plenamente, viver os valores.50 Contrariamente ideia tradicional de potencialidade, que se anula na realizao, postula-se aqui um outro conceito de potencialidade que, atravs dos portadores, se conserva a si prprio e se salva, ou poupa, em sua atualizao, em seu presente, son acte. A potencialidade de uma forma sobrevive assim sua prpria atualidade e torna-se, em suma, o lugar de uma geminao ou esvaziamento: uma connaissance (conhecimento) que co-naissance (co-nascimento).51 Paronomsia.

    50 Antonio Candido. O portador, op. cit., p. 205.51 Giorgio Agamben. On potentiality in Potentialities. Collected Essays in Philosophy. Ed. e trad.

    por Daniel Heller-Roazen. Stanford University Press, 1999, pp. 177-184. Analisando o relato de um exilado, Georges Bernanos, Antonio Candido afirma que as relaes entre os homens mudam, com a mudana das suas tcnicas, com o reajustamento de sua atividade econmica. Os valores perdem

  • 147raul antelo A hybris e o hbrido na critica cultural brasileira

    O eixo desse debate, como se v, gira em torno do conceito de formao. Para melhor avali-lo, Roberto Schwarz ensaia uma arqueologia do conceito, relem-brando que, ao ser publicado, o livro de Candido alinhou-se a outras obras que igualmente usavam o conceito de formao.

    No campo progressista, os congneres mais impor tantes e conhecidos eram os livros de Caio Prado Jr., Srgio Buarque de Holanda e Celso Furtado. A comparao entre estas obras ainda est enga-tinhando, espera de trabalhos de sntese. Muito sumariamente quero sugerir alguns contrastes. Para Caio Prado Jr., a formao brasileira se completaria no momento em que fosse superada a nos-sa herana de inorganicidade social o oposto da interligao com objetivos internos trazida da Colnia. Este momento alto estaria, ou esteve, no futuro. Se passarmos a Srgio Buarque de Holan-da, encontraremos algo anlogo. O pas ser moderno e estar formado quando superar a sua he-rana portuguesa, rural e autoritria, quando ento teramos um pas democrtico. Tambm aqui o ponto de chegada est mais adiante, na dependncia das decises do presente. Celso Furtado, por seu turno, dir que a nao no se completa enquanto as alavancas do comando, principalmente as do comando econmico, no passarem para dentro do pas. Ou seja, enquanto as decises bsicas que nos dizem respeito forem tomadas no estrangeiro, a nao continua incompleta. Como para os outros dois, a concluso do processo encontra-se no futuro, que pareceu prximo gerao do autor, e agora parece remoto, como indica o ttulo de um dos ltimos livros dele mesmo: Brasil: a construo interrompida (1992).52

    Ora, a formao de Candido, longe de aderir a um sentido linear e prospec-tivo, ou a uma inscrio inequvoca, como suas congneres, arma-se, retrospec-tivamente, em relao a um pice situado no passado, por volta de 1870 e antes mesmo da abolio da escravido. Tal fato se desdobra como ambiguidade estru-tural do sistema, ou antes, como uma avaliao ambivalente do prprio processo modernizador brasileiro que, ao mesmo tempo, existe e no existe. Tem perfil definido e consistncia fantasmagrica. Acontece que se aceitamos a premissa lacunar de Candido (toda avaliao, alm de fragmentria, radicalmente ambi-valente) somos obrigados a suspender at nova ordem a confiana inabalada na existncia de um campo progressista e torna-se necessrio, portanto, rearmar a genealogia do conceito com olhar mais vasto e abrangente. Afinal, relembremos, no o olhar que constitui o objeto; antes pelo contrrio, a viso que sobrede-termina o sujeito.

    Encontro, entretanto, como antecipei acima, em Silviano Santiago, a matriz dessa genealogia contramodernista que pode nos tirar das iluses de completude. Em Atrao do mundo (polticas de identidade e de globalizao na moderna cultura brasileira), Santiago empreende uma releitura do conceito de formao,

    o seu fundamento concreto, a sua funcionalidade, mas permanecem carregados de contedo afetivo. Entram em choque com a vida, tornam-se sobrevivncias, padecem. A vida os vence e os ultrapassa, no seu crescimento contnuo Cf. Paixo dos valores. Brigada ligeira. So Paulo, Martins, 1946, p. 116. Os valores como sobrevivncias ou vidas pstumas um tema que atravessa a reflexo de Walter Benjamin e Aby Warburg mas que se encontra prefigurado no conceito de escrita memorialista pstuma (Machado de Assis) que, por sua vez, h de ser o tema de vrios tericos da modernidade (Foucault, Blanchot).

    52 Roberto Schwarz. op.cit., pp. 54-55.

  • 148 Literatura e Sociedade

    porm, surpreendentemente, no parte dos ensaios de interpretao nacional que tentam devolver homogeneidade estrutural e equilbrio sistemtico a forma-es nacionais afetadas pela crise do capitalismo. , pelo contrrio, um fragmen-to de Minha formao, um texto por sinal hbrido, memorialstico-especulativo, de Joaquim Nabuco, que traa o cenrio indispensvel para a constelao a que ele se prope: a atitude do crtico como observador de uma representao (a me-tfora teatral logo se impe) e a mediao mundializadora da tcnica, quando aplicada a aes restritas a escala local (o telgrafo para Nabuco, as redes infor-mticas para ns).

    Dessa anlise das constelaes do conceito de formao e de sua prpria es-pectralidade cultural surge ento uma leitura, de fato, esclarecedora que pode no ser materialista, porm, no dualista j que implica uma autntica deciso:

    Os modelos de anlise, inspirados respectivamente pelas dcadas de 20 e de 30, tm em comum uma ntida postura universalista, conclui Santiago, mas se distanciam um do outro no modo como se fundamentam disciplinarmente (cultura versus economia, e vice-versa) e no modo como con-cebem o processo histrico (pluralismo versus sentido nico, e vice-versa). Por essas diferenas que se distinguem tanto no peso dado coisa nacional (e talvez fosse mais oportuno dizer Coisa nacional. R.A), quanto na maneira como avali-la na busca de progresso moral para os brasileiros; se distinguem ainda na concepo do desenvolvimento scio-poltico da humanidade.53

    A leitura de Silviano Santiago alude, no explcito, unilateralidade e estrei-teza de posies racionalistas e universalistas que, em funo de seu carter cita-dino e cosmopolita, reprimem aquilo que remete condio amorfa das pulses humanas; no implcito, entretanto, atravs de seu recurso formao de Nabu-co, autor confessadamente admirado por Fernando Henrique Cardoso, Silviano desvenda que o carter hipermoral desse liberalismo dominante alimenta, para-doxalmente, o irracionalismo simplista, acrtico e regressivo da mundializao irreversvel. Silviano Santiago, entretanto, parece reciclar o prprio conceito de entre-lugar (1971) e posicionar-se entre a esterilidade da crtica e a regresso do nacionalismo, entre a teoria e a fico, em outras palavras, entre Esclarecimento e narrativa.

    No vejo nesse entre, em funo do acima exposto, qualquer resto de pres-cindncia ou abstinncia ticas, de matriz liberal. Prefiro, porm, encar-lo como um terceiro espao, uma dobra muito peculiar que configura um gnero espec-fico da fico terica: o comum de dois.54 Afirmar e negar, apreciar e depreciar

    53 Silviano Santiago. Atrao do mundo Gragoat, n. 1, Niteri, 1996, p. 50. O conceito de mundo (ainda impregnado das conotaes ps-utpicas quando no de biopoltica acfala de Resnais e Borges) aparece em outro ensaio em que Silviano se interroga sobre a consistncia da experincia narrativa e ope o narrador machadiano, contemporneo de Nabuco, com o narrador ps-moderno. (Cf Toda a memria do mundo. Folha de S. Paulo, 13 ago. 1988)

    54 Em Lautre cap, Jacques Derrida insiste nessa posio liminar de uma lei que se desdobra incessantemente. Refutando a perene ambio universalista da cultura francesa, sente-se na obrigao de rappeler ce qui s est promis sous le nom de lEurope, de ridentifier 1Europe, c est un devoir qui dicte aussi d ouvrir lEurope, depuis le cap qui se divise parce quil est aussi un rivage: de 1 ouvrir sur ce qui nest

  • 149raul antelo A hybris e o hbrido na critica cultural brasileira

    configura assim mais uma suspenso do que uma ultrapassagem do modelo for-mativo de tenses estruturais. Essa potencialidade no dualista orienta-se, em suma, tanto em direo a um devir ativo, o da transgresso, das foras reativas, quanto a um devir reativo, o da acefalia, das foras ativas.

    Podemos assim retornar ao diagnstico inicial de Roberto Schwarz, que lamentava ver diminudo o esforo civilizatrio da formao de Antonio Candido, melancolicamente reduzida, no presente, a um repositrio de for-as em desagregao. Ora, a meu ver, nesse entre-lugar de foras enfren-tadas, no terceiro espao de integrao e resistncia, verdadeira paixo de valores, que reside a ambivalncia dinmica, ficcional, da empreitada do h-brido. Assim sendo, em sua crtica ao modelo romanesco da formao, no pode surpreender-nos que Santiago retorne proliferao disseminante de Em liberdade, uma fico contraformativa do moderno. Seu entre-lugar, por-tanto, define-se em funo de uma avaliao dplice, na histria e fora dela, no nome (onomstica) e para alm dele (paronomsica), afirmativa em seu devir-ativo e, ao mesmo tempo, niilista em seu devir-reativo. Digamos, para fechar o crculo aberto com a noo de hmen que esse entre-lugar guarda sintomtica familiaridade com a posio terceira reivindicada, recentemente, por Derrida: a de um marrano, semelhante a Spinoza mas tambm a Marx, a sort of clandestine immigrant, a Hispano-Portuguese disguised as a German Jew who, we will assume, pretended to have converted to Protestanism. E, supremo paradoxo dessa fantasia paronomsica (Marx-marrano-Mal), a condio h-brida do prprio marrano no se esgotaria em si mas se aplicaria inclusive a seus prprios descendentes, os filhos de Marx,55 os quais had forgotten the

    pas, na jamais t et ne sera jamais lEurope. Le mme devoir dicte non seulement dac cueillir ltranger pour lintgrer, mais aussi pour reconnaitre et accepter son altrit. Le mme devoir dicte de critiquer un dogmatisme totaltaire qui, sous pr texte de mettre fin au capital, a dtruit la dmocratie et 1hritage europen, mais, aussi de critiquer une religion du capital qui installe son dogmatisme sous de nou veaux visages que nous devons apprendre identifier. Le mme devoir dicte dassumer lhritage europen d une ide de la dmocratie, mais aussi de reconnatre que celle-ci nest jamais donne; ce nest mme pas une ide rgulatrice au sens kantien, plutt quelque chose qui reste penser et venir: non pas qui arrivera demain, mais qui a la structure de la promesse et donc porte lavenir ici mainte nant. Le mme devoir dicte de respecter la diffrence, lidiome, la minorit, la sin gularit, mais aussi luniversalit du droit formel, le dsir de traduction, laccord et 1univocit, la loi de la majorit, lopposition au racisme, au nationalisme, la xnophobie. Le mme devoir commande de tolrer et de respecter tout ce qui ne se place pas sous 1autorit de la raison.

    Il peut sagir de la foi, des diffrentes formes de foi. Il peut sagir aussi de ques tions ou d affrmations qui, pour penser 1 histoire de la raison, excdent son ordre, sans devenir pour autant irrationnelles, encore moins irrationalistes; elles peu vent mme rester assez fidles 1idal des Lumires, de 1Aufklrung ou de lIllu minismo, tout en reconnaissant ses limites, pour travaller aux Lumires d aujourd hui. Ce mme devoir appelle certes la responsabilit de penser, de parler et dagir conformment un impratif qui parat contradictoire. Para Derrida, em suma, levar srio um conceito tom-lo entre aspas, em sua disseminao paronomsica que se d recorrentemente como le mme devoir. Cf. Lautre cap. Paris, Ed. du Minuit, 1991.

    55 Em Um seminrio de Marx (In: Sequncias brasileiras, op. cit, pp. 86-105), Roberto Schwarz enumera as limitaes do seminrio que reunia gente como ele mesmo, Giannotti, Fernando Henrique e Ruth Cardoso ou F. Weffort: desinteresse pela crtica de Marx ao fetichismo da mercadoria, um certo conformismo nacional que adotava, acriticamente a experincia europeia como modelo mas, ao mesmo

  • 150 Literatura e Sociedade

    fact that they were Marranos, repressed it, denied it, disavowed it. It is well known that this sometimes happens to real Marranos as well, to those who, though they are really, presently, currently, effectively, ontologically Marranos, no longer even know it themselves.56

    tempo, pregava a desvalorizao das contribuies dos frankfurtianos e, last but not least, uma certa indiferena em relao ao valor de conhecimento da arte moderna, includa a brasileira,a cuja viso negativa e problematizadora do mundo atual no se atribua importncia.

    56 Jacques Derrida. Marx and Sons. In: Michael Sprinker (ed.). Ghostly demarcations. A Symposium on Jacques Derridas Specters of Marx. London, Verso, 1999, pp. 261-262.