A Ideia de Justiça Parte II Para Entender Aula Do Odir

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Continuação da ideia de justiça pela filosofia

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O Doutor Anglico baseou-se na tica a Nicmaco para definir a justia como virtude especfica - o hbito pelo qual se fazem coisas justas - e para afirmar ser ela a principal virtude moral, em funo de sua sede estar na faculdade da alma chamada vontade e, portanto, prxima da razo. Alm dos trs fatores constitutivos de toda virtude (o hbito, a ao e o bem), a justia tem, ainda, sua caracterstica especfica: o bem a igualdade para o outro.Como definio de justia, Santo Toms incorporou a de Ulpiano (Jurisconsulto notvel da Sria, durante o baixo Imprio Romano): justia uma vontade constante e perptua de dar a cada um o seu direito. A vontade (como apetite racional) o fundamento principal do ato justo, porque, se houver ignorncia, no existir ato voluntrio.O objeto da justia o direito. O direito apresentado na segunda parte da definio de Ulpiano: o ius suum (seu direito) - j Plato, Aristteles, Ccero e Santo Agostinho haviam mencionado o suum como objeto da justia - acrescentar o ius significou evitar que se considere como justo, o suum de fato (como, por ex., na posse injusta). O suum deve proceder de uma lei, para que no dependa da fora - deve depender da lei natural antes da lei positiva, porque seu critrio a igualdade de proporo que se baseia na lei natural. O ius suum entendido ainda como o devido - o que pratica a justia tem um debitum com o que recebe o ato justo e este recebe o debitum como ius suum- o que devido exatamente o direito do outro. Assim, pode-se dizer que justia a virtude que realiza a igualdade e que virtude s pode existir em funo de outro; portanto, a alteridade elemento sine qua non do conceito de justia: se no existir igualdade entre ius suum e o debitum, no se trata da virtude da justia e sim de outra qualquer.O direito , para Santo Toms, um medium rei, ou seja, um meio real ou objetivo, porque encontra a igualdade ao dar algo ao outro, externamente (as outras virtudes puramente morais consideram a igualdade do ponto de vista das condies subjetivas daquele que executa a ao - o medium racionis). Santo Toms admitiu que se deva dar maior punio ao que injuria o prncipe do que quele que injuria o particular - foi a objetividade na avaliao da igualdade que o levou tal concluso.Embora o direito, objeto da justia, seja, como vimos, objetivo, ele no o mesmo que a lei. A razo humana determina o que o justo, antes que exista a lei - esta regra vem da prudncia (que preexiste na razo e dela faz parte a arte de legislar) e, se for escrita, ser transformada em lei. Quando a lei escrita estiver de acordo com a lei natural, que a lei do ser racional que vem da lex aeterna (vontade de Deus em suas criaturas), ela determinar o que o justo. Justo o que igual ou adequado ao outro. Os elementos essenciais da justia so, ento, o igual e o outro, na forma do ius suum, ou seja, do devido ao outro.Se pretendessemos transportar Santo Toms para nossos dias, poderamos dizer que, para ele, a lei no o direito - a fonte do direito; o direito o justo, isto , a relao entre o debitume o ius suum.Em Santo Toms, como em Agostinho, se vislumbra um conceito de vontade aproximado ao de Kant: uma lei que venha de uma vontade pura ser necessariamente justa, de acordo com a lei natural; a vontade no corrompida tem como objeto o bem e no o mal.Resumindo: de acordo com Santo Toms, a justia uma virtude; seu objeto o direito; o outro define a igualdade, enquanto lhe devido o que lhe adequado; o que lhe adequado determinado pela lei, que , em ltima anlise, a prpria vontade ou razo de Deus; a igualdade, que define a idia de justia, no se realiza totalmente neste mundo.Analisaremos rapidamente outros representantes da escola jusnaturalista clssica:Grotius definiu a igualdade como appetitus societatis- a justia s se efetiva em sociedade - a igualdade perante Deus ou perante a lei no se justifica, porque a igualdade um sentimento comum a todos os membros da sociedade; para ele, direito o que justo e justo o que favorece a sociedade; injusto o que a prejudica.Sua viso de pacto social contrria de Hobbes: Grotius preconiza um Estado liberal, onde o pacto de unio entre os cidados visa a ajuda mtua. Embora Grotius tenha aceitado a idia de Deus como criador da natureza e, portanto, do direito natural, acreditou que este se torne imutvel e, assim, independente da vontade de Deus - uma imposio da razo que mostra se um ato justo ou injusto, conforme esteja de acordo, ou no, com a reta razo natural do homem.Costuma-se considerar Pufendorf precursor de Kant. A regra fundamental do direito natural, disse Pufendorf, esta: todos tm o dever de preservar a comunidade e de servir ao todo social, to bem quanto possvel. Para obedecer a esse imperativo (tu deves), h que se ter em conta trs grupos de deveres:1- para com Deus - sem religiosidade o homem no seria socivel - assim, sua relao com Deus bsica para a sobrevivncia da sociedade; alm disso, o dever do homem para consigo mesmo assenta tanto na religio quanto na vida social.2- para com os outros - 1) no prejudicar o outro;2) considerar o outro como igual em direito; 3) ser til ao outro, tanto quanto possvel.Qualquer vantagem que no venha do princpio bsico do direito natural (conservar a comunidade e servi-la) ser visto como violncia, no-direito, porque o que vale para todos, vale igualmente para cada um - o que cada um pode esperar ou exigir de todos os outros, deve ser permitido a todos exigir de cada um, com fundamento na equidade.O ncleo da justia , para Pufendorf, a igualdade (chamada por ele de equidade); trata-se de uma igualdade de direito que emana do direito natural. Como se pode ver, ele retoma a concepo igualitria do estoicismo.Leibniz tambm apontou os deveres naturais do homem e, retomando os preceitos do direito de Ulpiano, honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere, dividiu a justia em: justia universal, justia comutativa e justia distributiva. O nvel mais alto da justia , para o autor, a justia universal, que inclui a relao do homem com Deus (honeste vivere); isto porque quem vive honestamente cultiva todas as virtudes interiores, o que agrada a Deus. A justia comutativa (alterum non laedere) sintetiza-se no preceito de no se prejudicar os outros e a justia distributiva (suum cuique tribuere) que tem por escopo dar a cada um o que lhe pertence.Thomasius, seguidor de Pufendorf, considerado o primeiro a estabelecer um critrio terico para diferenciar a moral, o direito e a poltica. O direito natural, para ele, se realiza quando o homem alcana a paz (tranquilitas vitae) individual ou social. Sua tica pretende que o homem prolongue e observe a vida atravs de trs regras de ouro fundamentais:1- regra da moral (honestum), sediada no carter, fundamenta a moralidade pessoal e social e objetiva a paz interior (tranquilitatem vitae) para alcanar a felicidade; sua sano vem da conscincia moral individual e, portanto, no-coercitiva.2- regra da poltica, sediada no entendimento, expressa na regra de ouropositiva e fundamenta a convenincia da vida; sua sano externa, porm convencional e sua finalidade a paz externa.3- regra do direito - essa terceira regra de ouro, fundamenta a jurisdicidade e se sedia na vontade; seu objetivo a paz individual externa; a exigncia de um mnimo tico, cuja sano dada pela lei - uma sano externa e coercitiva.Essas trs regras no so compartimentos estanques, mas se comunicam entre si numa relao dialtica que constitui o todo da tica em sentido amplo.Locke considera a igualdade o pressuposto de toda ordem normativa, seja ela de direito natural ou de direito positivo. Para ele o estado natural um estado de liberdade e de igualdade. No Segundo Tratado sobre o Governo ele expe essa idia: Estado tambm de igualdade, em que recproco qualquer poder ou jurisdio, ningum tendo mais do que qualquer outro; nada havendo de mais evidente que criaturas da mesma espcie e da mesma ordem terem que ser tambm iguais umas s outras, sem subordinao ou rejeio.Como a razo natural nos mostra que o homem tem direito auto-preservao, o direito terra (que no dado por Deus, porque Ele deu a terra a todos) um direito primordial e inalienvel daquele que a conseguiu com o trabalho de seu corpo e obra de suas mos, que lhe garantem o direito propriedade. Assim, o direito propriedade no dado pelo Estado, anterior qualquer Constituio e fruto apenas do trabalho.Os homens constituem o Estado e renunciam a ajuizar suas causas , submetendo-se a um governo, para preservar a propriedade. O homem preserva a liberdade natural (submete-se apenas lei da natureza) e a liberdade na sociedade - ele no se submete a nenhum poder legislativo, a no ser quele que se estabeleceu por consenso da comunidade. Se no existir a propriedade, no haver justia como rgo para resolver disputas, nem justia ou injustia nas aes dos homens, porque s injusto o ato que viola a propriedade.Segundo Norberto Bobbio, essa doutrina de Locke se mostra inconsistente quando a comparamos com a de Hobbes, que diz que onde no h leis nem pactos, no h justia.Hobbes tambm assumiu a igualdade fsica e espiritual dos homens, dizendo que as diferenas entre os seres humanos no so de tal monta que possam justificar benesses especiais. Mesmo um homem fraco, segundo ele, pode sujeitar um mais forte, pela fora da imaginao ou pela cooperao de outros e a igualdade de esprito ainda maior. Sustentou que, em estado de natureza, todos so iguais e que a desigualdade surgiu com leis civs. No Leviat, Hobbes disse ser uma lei natural que cada homem reconhea os outros como seres iguais por natureza.Mas, como homo hominis lupus, os homens vivem em constante estado de guerra, uns contra os outros e esse estado de igualdade natural no poderia sustentar a doutrina de Hobbes; ele reconheceu a necessidade de um pacto pelo qual todos abrem mo da liberdade, para viver sob um poder soberano que possibilite a auto-preservao e a busca da felicidade.Pelo pacto, os atos do soberano devem ser automaticamente aceitos por toda a comunidade; no estado de natureza no h justo nem injusto, porque no h lei nem propriedade e cada um pode conservar o que conseguir.Para Hobbes s existe justia quando existir a lei; quando se fala em justia provinda da lei natural, est-se desvirtuando o seu sentido. A justia s existe, quando houver um pacto, a palavra daquele que tem direito de mando sobre os outros, isto , quando existir a lei. A injustia s existe, quando existir o rompimento de um pacto anterior.Esse pacto inclui um poder coercitivo que obriga todos a cumpr-lo; ento sim, pode-se dar a cada um o que seu, porque, com as leis, surgem a propriedade e os outros direitos. Uma vez que o poder tenha sido concedido ao poder soberano, permitindo-lhe exigir obedincia s leis, ser injusto qualquer ato contra o Estado, que poder punir de acordo com suas leis.O Estado soberano de Hobbes torna-se desptico, porque todos renunciam liberdade natural em favor de sua instituio - assim, ele jamais comete injustia e, portanto, impossvel opor-se ele.As idias de Locke e de Hobbes tiveram grande influncia no pensamento poltico de Kant.KantImmanuel Kant (1724-1804) nunca saiu de Knigsberg, onde nasceu; era filho de gente humilde, tmido e franzino; mas sua mente poderosa influenciou todos os filsofos dos sculos XIX e XX; em sua obra mesclaram-se duas correntes provenientes de Descartes: o idealismo e o positivismo e dela decorreram vrios sistemas diferentes, principalmente trs grandes vertentes do sculo XX: o idealismo, o positivismo e o pragmatismo.Sua filosofia chamada de crtica, porque se preocupou, principalmente, em estabelecer o valor da cincia, no sentido moderno e o valor da metafsica, escapando do racionalismo de Leibniz e do fenomenismo de Hume. Sua atitude crtica consiste na no aceitao de qualquer dado inicial, sem que, antes, se coloque o problema da possibilidade desse mesmo dado.O criticismosurgiu: 1- como superao do Dogmatismo, que torna absolutos os postulados (proposies no-evidentes nem demonstrveis, admitidas como princpios, por ex., de um sistema) 2- e do Ceticismo, como negao de qualquer validade objetiva.Kant quis evitar o unilateralismo e devolver ao racional e ao sensvel o seu lugar no conhecimento, para evitar, como se l na Crtica da Razo Pura, o vo das idias no espao vazio do entendimento puro, como aconteceu com Plato; comeou, ento, a crtica da razo pura, isto , o julgamento que a razo faz de si mesma para conhecer suas possibilidades no processo do conhecimento. Fez a chamada revoluo coprnica no conhecimento - antes dele, todos os modernos, tanto empiristas quanto idealistas, explicavam todo nosso conhecimento cientfico pelo objeto exterior, ao redor do qual gravitaria o nosso esprito; Kant se props a explicar as leis da natureza pelas leis a priori da nossa razo - segundo ele, a natureza que gira em torno de nosso esprito.Ele explica, na Crtica da Razo Pura, o que conhecimento a priori: ser possvel um conhecimento independente da experincia e das impresses dos sentidos? Tais conhecimentos so denominados a priori e distintos dos empricos, cuja origem a posteriori, isto , da experincia.Examinando as especulaes de seu tempo, ele afirmou que, no que diz respeito metafsica, cumpre: examinar se ela possvel e de como ser vlida; quanto s cincias, j se sabe que so verdadeiras, porque j foram consagradas pelo xito de seus resultados; resta ver como, de que forma, elas se fazem verdadeiras; isso dever ser feito, atravs do conhecimento das regras do bom funcionamento da nossa razo, quando constri as cincias.Kant pretendeu determinar quais as regras utilizadas nas cincias e aplic-las metafsica para nela ter sucesso; acreditou que ela tenha se tornado falha, devido a um erro fundamental sobre o funcionamento da nossa razo.Para ele, o mago do problema crtico o juzo e seu sistema se baseia na seguinte classificao dos juzos:1- juzo analtico - o predicado repete o contedo formal do sujeito (por ex.: o corpo uma substncia extensa); um juzo repetitivo, estril, no - cientfico, porque nada acrescenta ao sujeito (no conceito decorpo j est includa a extenso). Uma cincia constituda de juzos apenas analticos no seria cincia porque nada de novo traria ao conhecimento.2- juzo sinttico - o predicado diferente do contedo formal do sujeito (por ex. este homem msico ou todo ser inteligvel - ser msico no necessrio ao homem, nem ser inteligvel, ao ser), portanto algo se acrescentou ao sujeito - esses juzos aumentam o conceito, so extensivos e de natureza somatria, sendo necessrios, porm no suficientes para caracterizar a existncia de uma cincia.H dois tipos de juzos sintticos:1- juzos puramente sintticos (sntese posteriori) - um predicado estranho atual atribudo ao sujeito como, esta gua est quente, doem-me os dentes; no so juzos cientficos porque so subjetivos, so simples intuies sensveis e, portanto, no tm a universalidade e a necessidade exigida pela cincia.2- juzos sintticos a priori - a razo atribui um predicado estranho ao sujeito, indo alm da intuio sensvel; tal predicado uma condio pressuposta pela razo, independentemente da experincia, e que acrescentada ao conceito, para que ele possa ser considerado necessrio e universal. Por ex.: todo acontecimento tem uma causa; juzo a priori, porque vale universalmente, de modo necessrio e, portanto, no vem da experincia; juzo sinttico, porque no conceito de acontecimento no est contido o conceito de causa.Donde vm a universalidade e a necessidade? De uma condio a priori, pressuposta pelo esprito e que domina a experincia - assim so os juzos sintticos a priori, porque, sendo sintticos, enriquecem e fazem progredir a cincia e, sendo a priori, so necessrios e universais. Para Kant, a metafsica e as cincia modernas so constitudas de um sistema de juzos sintticos a priori.Perguntou, ento, Kant: como so possveis os juzos sintticos a priori? Para responder, ele examinou nossos conhecimentos quanto ao seu funcionamento e quanto ao valor de suas afirmaes; criou um novo mtodo, a reflexo crtica, que investigou um duplo objeto do juzo sinttico a priori: a) o objeto fenomenal, o fenmeno, que o contedo objetivo do juzo em si mesmo, na nossa mente, distinto da realidade objetiva; b) o objeto real, que ele denominou noumeno, que deve ser examinado pela metafsica.Como vemos, contra o ceticismo, Kant aceitou todo o saber humano como verdadeiro e se props a justificar as cincias e a metafsica qual quis dar uma fundamentao to slida quanto quis dar s cincias. Ele pressups que as coisas em si so incognoscveis, o que o faz, sem dvida, um idealista. Esse idealismo gerou uma dualidade entre o que aparece (fenmeno) e o que (noumeno), fazendo-os corresponder duas partes do saber: o entendimento (der Verstand), que se aplica ao sensvel para constituir a cincia; e a razo (die Vernunft), que pensa (sem contedo) atravs das idias, o noumeno incognoscvel, originando a metafsica. Querendo escapar dualidade, Kant recorreu s leis: pelas leis necessrias do Verstand, a cincia torna-se objetiva e verdadeira; a metafsica dever considerar a Vernunft de outro ngulo, como razo prtica submetida lei moral e, assim, tambm ela alcanar objetividade e verdade. Kant se colocou como o salvador do saber humano, libertando-o do ceticismo de Hume e do racionalismo de Leibniz.Para justificar a cincia, o filsofo alemo de dedicou a refletir sobre:1- O Valor Objetivo da Experincia Sensvel;Essa parte de sua crtica foi denominada Esttica Transcedental, no no sentido de esttica como apreciao da beleza, seno que em seu sentido etimolgico de exame crtico da sensibilidade. Como veremos, Kant criou uma terminologia prpria.Pela anlise crtica, observou que em todos os nossos juzos sintticos a priori existe sempre, retirados os dados de nossa atividade prpria, um dado externo a respeito do qual somos passivos, para o qual temos uma funo passiva de receptividade que ele chamou de sensibilidade; esse dado material e o conheceremos apenas sob o aspecto que Kant chamou de sensao; o ato de conhecimento sensvel chama-se intuio sensvel; mas, para que essa intuio sensvel se produza, requer algo mais: as formas a priori da sensibilidade que so o espao (para os sentidos externos) e o tempo (para os sentidos internos). Ambas so universais e necessrias - necessrias, porque, se forem suprimidas, o ato sensvel tambm desaparece, mas, se se suprimir qualquer ato sensvel, elas permanecem imutveis; universais porque todos os atos de sensibilidade, sem exceo, as requerem. Elas no so contingentes (o que pode ou no existir; no-necessrias) e no pertencem razo - por isso Kant as chamou de duas formas a priori da sensibilidade, desempenhando o papel de determinadoras da forma das sensaes.O ato de intuio tem uma dupla composio, matria e forma: a sensao (matria) unificada pelas formas a priori espao e tempo - assim se forma o fenmeno (esse termo, na concepo kantiana, no se refere ao fato bruto, tal como est na natureza, que tambm se chama fenmeno). Esse fenmeno d um elemento ao juzo, mas no lhe confere valor cientfico, ficando na esfera do juzo sinttico puro. Kant o chama de juzo de percepo; o verdadeiro juzo cientfico, o sinttico a priori, um juzo de apercepo. Disso pode-se deduzir que, segundo Kant, para se chegar verdade um dado sensvel sempre necessrio, embora no seja nunca suficiente.2- O Valor Objetivo dos Universais essa segunda parte de sua Crtica Kant chamou Analtica Transcedental, onde ele trata das leis do funcionamento dos juzos.Depois de estabelecer que, para se ter um juzo verdadeiro, so necessrios o conhecimento sensvel e o entendimento (derVerstand) ou esprito (este ltimo d a universalidade e a necessidade ao dado sensvel, transformando-o num objeto de pensamento), ele se voltou para o problema da unidade sujeito-objeto, que afirmou se processar na conscincia, uma vez que, para que haja conhecimento, preciso que exista antes uma oposio real entre sujeito e objeto - ele chamou essa unidade na conscincia de unidade da apercepo pura e afirmou que ela sinttica, isto , engloba a oposio sujeito-objeto.Mas existe uma segunda condio para que o juzo cientfico (sinttico a priori) seja possvel: uma funo que pode tornar o dado sensvel universal e necessrio atravs de formas a priori do entendimento, que Kant chamou de conceitos ou categorias que correspondem aos vrios tipos de juzos e no so idias inatas. Vamos apresent-las a seguir, embora no tenham sido mantidas pelos discpulos:Tbua Lgica dos Juzos Tbua das Categorias

Geraisa) Unidade

Segundo a quantidade Particularesb) Pluralidade

Singularesc) Totalidade

Afirmativosa) Realidade

Segundo a qualidade Negativosb) Negao

Indeterminadosc) Limitao (quando o predicado negativo)

Categricosa) Substncia

Segundo a relao Hipotticosb) Causalidade

Disjuntivosc) Ao mtua

Problemticosa) Possibilidade - Impossibilidade

Segundo a modalidade Assertricosb) Existncia - No-existncia

Apodticosc) Necessidade - Contingncia

Continuando a examinar a produo dos juzos cientficos, Kant estabeleceu a existncia dos esquemas de imaginao, intermedirios entre o sensvel (por seus dados concretos) e a inteligncia (por sua indeterminao); so tambm doze esquemas que levam cada conceito at o sensvel e que possibilitam que os fenmenos, que so mltiplos e mutveis, se sintetizem em essncias, que sero os objetos da cincia universal e necessria.Todo juzo sinttico a priori , portanto, uma unidade complexa formada por: 1- uma intuio sensvel que a sua matria e j inclui o dado sensvel (ou experimental) passivamente recebido pelo sujeito e a forma a priori sensvel; 2- do conceito ou forma a priori intelectual (categoria); 3- do esquema ou intermedirio de imaginao. Por ex., para que se forme esse juzo sinttico a priori, a elevao dos lquidos no vcuo tem uma causa, o entendimento forma um juzo hipottico: se pusermos a elevao dum lquido, pomos, necessariamente, a sua causa, mostrando que h entre esses dois termos um elo de causa e efeito, que de dependncia no recproca - a elevao do lquido depende do peso da atmosfera e no o inverso. Assim que um estudioso perceba o fato concreto lquido elevando-se no vcuo, a forma a priori causalidade dispara no seu esprito e, pela sucesso temporal (esquema da imaginao da causalidade), tendo em vista o princpio ou lei geral: todas as mudanas ocorrem segundo a lei da ligao entre causa e efeito, formula o princpio cientfico: a elevao do lquido no vcuo causada pelo peso da atmosfera.Kant pode ser dito um positivista intelectual, porque validou a cincia positiva ou experimental, enquanto afirmou que s os juzos sintticos a priori a produzem - a cincia se limita aos dados percebidos pelos sentidos. um idealista transcedental, porque acreditou que a cincia no reflete fielmente a natureza, mas a reveste de formas que pertencem ao nosso entendimento; esse idealismo transcedental, porque essa elaborao feita por leis transcedentais que dominam o trabalho cientfico. Assim, para Kant, a verdade no a conformidade do juzo com a coisa em si, mas a conformidade do juzo com as leis (subjetivas) que regem a elaborao do fenmeno. Seu pensamento estruturou uma cincia: 1- positivista, porque seu objeto circunscrito experincia sensvel; 2- idealista, porque a melhor parte fornecida a priori pelo sujeito; 3- intelectualista, porque os conceitos abstratos (universais e necessrios) representam papel essencial em seu sistema.Depois de fazer a anlise crtica da cincia, enfocando o fenmeno, Kant se voltou para a coisa em si (Ding an sich), o noumeno, o absoluto, o real externo. Ele existe? Podemos conhec-lo? Esses problemas foram abordados na Crtica da Razo Pura, onde Kant afirma a existncia da coisa em si, como verdade; se existe o dado sensvel que relativo, deve existir uma realidade estvel, uma substncia que ser o objeto prprio da inteligncia - um o que aparece, o outro, o que - o conceito absoluto, separado da sua manifestao sensvel.Mas o conhecimento do noumeno nunca ser perfeito, porque, quando fazemos juzos sintticos a priori, no recorremos coisa em si e sim aos fenmenos. A metafsica, que estuda o noumeno, s conclui em hipteses, jamais em teses demonstradas, porque no h um fato de experincia retirado do noumeno, ao contrrio do que ocorre com o fenmeno do qual temos experincia sensvel. Kant chama de iluso transcedental a iluso dos filsofos que acreditam poder explicar as substncias.O acima exposto justifica Kant ter encontrado em nossa inteligncia duas faculdades distintas: der Verstand, o entendimento, que elabora conceitos para explicar cientificamente os fenmenos e die Vernunft, a razo, que pensa o noumeno hipottico, atravs das idias.Segundo Kant, a lei da unidade rege nossa atividade psicolgica; a razo, depois de unificar os mltiplos fenmenos, categorizando-os pelas formas a priori, extrai, pela sntese do juzo cientfico, o conceito, que uma unidade universal. Os objetos, tais como so pensados pela Vernunft, so chamados de idias, por analogia com as Idias Platnicas, que tambm davam unidade e estabilidade ao mundo material, mltiplo e instvel. As Idias puras so hipteses legtimas e necessrias para escapar ao mltiplo instvel e, assim, unificar as cincias. A idia , pois, para Kant, produto da razo, que indaga alm do sensvel e que se manifesta como prtica ou terica. Ela surge da aplicao das categorias aos fenmenos, e desvinculada da sensibilidade; no tem valor objetivo, no constri o conhecimento, apenas o regula.A idia de Deus a idia de um Ser Infinito, nico, Criador de tudo, o Ser Necessrio, com todos os atributos de Deus, se ele existir.A Vernunft que pensa as idias a mesma Razo Prtica que exige o cumprimento do dever. Nesse aspecto, ela entra em contacto com o noumeno, no como uma atividade individual (com valor apenas subjetivo e relativo), mas como uma ao imposta a toda a humanidade de modo universal e necessrio - essa ao existe e o fato moral; dessa maneira Kant conseguiu dar sua metafsica um valor similar ao que havia dado cincia pelo encontro com a experincia.Como a cincia, que tem leis universais e necessrias, tambm a moral tem suas leis e deveres universais e necessrios, aplicveis a toda a humanidade e que a todos obrigam.Alguns metafsicos explicaram o fato moral e suas caractersticas pelo bem obtido (matria); outros, como os epicuristas e Hume e outros empiristas, pelo prazer e pelo interesse; os estoicos, os racionalistas e os escolsticos, pelo bem ltimo, isto , Deus. Kant criticou essas explicaes, considerando-as individualistas e subjetivas (por ex., no h prova cientfica da existncia de Deus) e, portanto, dependentes da sensibilidade e no da razo.Como Scrates, Kant procurou mostrar que o ser dotado de razo no precisa de regras dos filsofos para conhecer a lei moral e segui-la ou no. Scrates pensava ser possvel ensinar a virtude, porque ela est dentro do homem, sendo apenas necessrio faz-lo conhec-la (pela maiutica); tambm Kant, aproximando-se de Scrates, v esse revelar (desvelar) da virtude como o revelar do interior do homem (pela anlise do sujeito transcedental) - o pensar se volta para si mesmo, em vez de se voltar para o mundo - o incio de uma nova forma de filosofar, a revoluo coprnica de Kant. Os elementos principais da sua tica, razo e dever, no esto no ser, mas sim no pensar; no no objeto, mas no sujeito, que passa a ser considerado o sol do pensamento filosfico.Ele procurou encontrar o valor da moral sem apelar para o seu objeto (matria), mas para a forma da lei, que a obrigao pura - o dever cumprido pelo dever. Admitiu, ento, para a Vernunft, a existncia de uma forma .. .