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N.Cham. 261"7 B37li..Po Autor: Beau de Loménie, Emmanuel, Título: A Igreja e o estado : um p19b-l-9.--. r llllil llililffill flil lilll illll llill tllll lllil til llil Ac.365222 AIGREJAEOESTADO A m probl'e.mm perma,nante ron E. BEÀU DE LOMÉNID * Cidailão de una pátria terr€stre, e ao mesmo tempo filho da Igreja: eie a situaçâo do cristão; situação pare- doxal, sem dúvida alguma, da qual Dem sempre tomamos bastante conseiêneia. Sem embargo, sabemos que atual- mente muitos católicos Be encontram afligidos pelo fâto dessa dupla dependência: nossos irmãos da China, por exemplo, como tamMm nossos irmãos da Polônia, onde a Igreja e o Estado se opõem, estão no próprio coraçáo dessa luta. Com efeito, por que teria a cidade terrestre as mesmag leir que a Igreja de Deus, mas também por que as não poderia ter? Por que e como o Cristo e o Mundo se en- eontrariam em todos os ponto8, e por que não? Tem a fgreja o direito, o dever de deixar seus filhos viverem no drama e na pereeguigão? O cristão, justamente pelo fato de ser cristão, estará condenado a aer um apátride, anti- -eocial, ou um adento forçado da Ordem €stabeleeida, desde que esta o favoreça? O próprio Cristo, embora de modo mi§terioso, dêu ÍeÂpogta a êsse problema: "Dai a Cósar o que é de César, e n Deus o que é de I)eus". E é precisamente ne§t& Íronteirr do domÍnlo de Cósar e do Reino de Deus (mas... hnverrl de ínto umt frontoirtr?) que §e trâvaram durante sóeulol or conrblttol. o que ac assinaram og tretado§ entre a lfreJu o or (l/rrnrot. H. Ihou do l.otlónlr, euJo espÍrito original, curioso e indapondonto, 6 lxrnt colthocido por aquôles que se interes- aam noln hlttórln dn 6lxrelt eontemporânea, cionta-nos tôda a hlrtórln tlorrnr rolníjltrx: como o I8Íeja na§eente teve do cooquhtnr tirll lllgrtr ltutn I'lstudo que queria ao mesmo tempo {lôrlr I l)rtrl; et»no, xnindo da clandestinidade, ela quh ll0r tr:ttrvlqo rlo l)rtttx n ffirça de um Cósar que ela metma rttx'lttrln: o l<ltllto tlox Cóxares submetidos a Deus; o ronho do ltdno tlo t)oux de se tornar êle próprio um Córari a rovolitt r tt rtttnrrclpnçlto das cidades temporais; enílrn, tôthr nr vk'lrrltttrk,l que não ce§sarari de §e re' potlr tto lottlo rkr tkrh rrrll rtnox tle histórin do eústianismo' * Ltv*^RlA nDtTonA TI,AMBOYANT 267\:i5l

A Igreja e o Estado

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Page 1: A Igreja e o Estado

N.Cham. 261"7 B37li..Po

Autor: Beau de Loménie, Emmanuel,

Título: A Igreja e o estado : um p19b-l-9.--.

r llllil llililffill flil lilll illll llill tllll lllil til llilAc.365222

AIGREJAEOESTADOA m probl'e.mm perma,nante

ron E. BEÀU DE LOMÉNID

*Cidailão de una pátria terr€stre, e ao mesmo tempo

filho da Igreja: eie a situaçâo do cristão; situação pare-doxal, sem dúvida alguma, da qual Dem sempre tomamosbastante conseiêneia. Sem embargo, sabemos que atual-mente muitos católicos Be encontram afligidos pelo fâtodessa dupla dependência: nossos irmãos da China, porexemplo, como tamMm nossos irmãos da Polônia, onde aIgreja e o Estado se opõem, estão no próprio coraçáodessa luta.

Com efeito, por que teria a cidade terrestre as mesmagleir que a Igreja de Deus, mas também por que as nãopoderia ter? Por que e como o Cristo e o Mundo se en-eontrariam em todos os ponto8, e por que não? Tem afgreja o direito, o dever de deixar seus filhos viverem nodrama e na pereeguigão? O cristão, justamente pelo fatode ser cristão, estará condenado a aer um apátride, anti--eocial, ou um adento forçado da Ordem €stabeleeida, desdeque esta o favoreça?

O próprio Cristo, embora de modo mi§terioso, já dêuÍeÂpogta a êsse problema: "Dai a Cósar o que é de César,e n Deus o que é de I)eus". E é precisamente ne§t&Íronteirr do domÍnlo de Cósar e do Reino de Deus (mas...hnverrl de ínto umt frontoirtr?) que §e trâvaram durantesóeulol or conrblttol. o que ac assinaram og tretado§ entrea lfreJu o or (l/rrnrot.

H. Ihou do l.otlónlr, euJo espÍrito original, curioso e

indapondonto, 6 lxrnt colthocido por aquôles que se interes-aam noln hlttórln dn 6lxrelt eontemporânea, cionta-nos tôdaa hlrtórln tlorrnr rolníjltrx: como o I8Íeja na§eente teve

do cooquhtnr tirll lllgrtr ltutn I'lstudo que queria ao mesmo

tempo {lôrlr I l)rtrl; et»no, xnindo da clandestinidade, elaquh ll0r tr:ttrvlqo rlo l)rtttx n ffirça de um Cósar que ela

metma rttx'lttrln: o l<ltllto tlox Cóxares submetidos a Deus;o ronho do ltdno tlo t)oux de se tornar êle próprio umCórari a rovolitt r tt rtttnrrclpnçlto das cidades temporais;enílrn, tôthr nr vk'lrrltttrk,l que não ce§sarari de §e re'potlr tto lottlo rkr tkrh rrrll rtnox tle histórin do eústianismo'

*

Ltv*^RlA nDtTonA

TI,AMBOYANT267\:i5l

Page 2: A Igreja e o Estado

I'itilo do oúginal francês:

L'ÉGLISE ET L'ÉTAT

JE SAIS JE CROISINCYCLOPÉDrE DU CÂTHOLTQUT aU XXülrr SrÊcrr

LIBRATRIE anruÀur rÂYARD - PARIS

1958

A IGREJAE, O E,STADOUM PROBLEMA PERMANENTE

E. BE,AU DE, LOMÉNIE,

Tradução de

VALERIANO DE OLIVEIRA

TÉl+S jf lr'.t,:r

SEI E CREIENCICLOPÉDIÁ DO CATÓLICO NO

NONA PARTE

PROBLENIAS DO il,ÍUNDO E

oSÉCULO XX

DA IGREJA

Direitos para a língua portuguêsa adqubídos pela

LIVRÀRIÀ EDITÔRA FLÀMBOYÀNTRua Lavradio,222 - São Paulo

que se reserua a propriedade desta ttadução.

FLAMBOYANT

Page 3: A Igreja e o Estado

T:i,fl

flfr',

{PREÂ},IBULO

Por ocasião do décimo congresso internacional de CiênciasIlistóricas que se realizou ern Roma em setembro de 1955, S. S. o

lrapa Pio XIf, recebendo em audiência os congressistas, pronunciott--lhes uma alocução, na qual disse entre outras coisas: "A história-ilrertence ao rol das ciências que têm estreitas relações com a IgrejaCatólica... A Igreja Católica, com efeito, é por si mesma umÍato histórico". )

Examinando, em seguida, os principais problemas da Igreiaque cleviam ocupâr a atenção clos historiadores em nossos clias,êle assinalou conlo "rnerecendo um estudo todo especial" o "dasrelações entre a Igreja e o ltrstado". E acrescentou: "Nos tempos'lpré-cristãos a autorirlarlc púrtrlica, o Itlstaclo, era competente tantoem matéria profana corno no donrÍrrio religioso. A Igreja Católicatem consciência de que o seu tlivino fundaclor the transmitiu o do-rnÍnio da religião, a direção religiosa e rnoral dos homens em tôdaa sua extensão, inclependenterncnte dos poderes do trstado, Descleentão começou uma história clas relações entre a Igreja e o F)staclo". ,

Ilssas poucas fi'ases, que fixam a doutrina cla Igreja sob asua forma atual, definern com precisãro os clados da natureza doproblema.Biblioteca CEDIC_BH

fircEr4,mooação,_( _

Nome:

Reg.: 7095Compra:

Permut.a:

REG I Íj Tl i ü : *,.-;-l-r."*=--i-*-.

DATA -!:-,i--u=-J-J::-i

Page 4: A Igreja e o Estado

CAPÍTULO PRELI}IINAR

NA ÉPOCA PRÉ.CRISTÃA RELIGIÃO A SERVIÇO DA COMUNIDADE

Se hzi nma noção unânirnemente adnitida, é a de que o cris-tianisnto trouxe ao rnundo u[ra no\:a concel)ção da tlivinclatle.

Até então, se considerarrnos as principais religiões tla antigüi-dade, ern particular as cla Grécia e de Rourâ, que, nascidas rro l]iun-do nrecliterrâueo, nos são rniris próritrias e ineihor coriheciclas, ohomem, consciente de sua fragiliilade e teueloso ar)te as Íôrgas danatureza, tendia a considerar essas fôrqas corno divindades. Il-ssasdivinclades, não raro hostis, ciosas do liornem, e aliás rir.ais entresi, precisavarl ser aplacadas por lleio de lrreces e saclifícios, r'itosêsses que neutralizar,anr as hostilidades dêsses deuses e atraÍam alreneyolência dêles sôbre o homeul.

Para se defelder contra a nalevolência er,entuitl dos altos podercs mrs-teliosos, cada naçrio, cldl comuuiditde, proculrtvrl Éitrnhat'o lipoio de dr:tor-minados protetores divinos purticuhtes.

Dai se derivariam cluas conseqiiôtrcirs: cirda lação, cada comunidndc,tendia a ter os seus deuscs 1rróprios; Ê, cnl muitos casos, o culto que seprestaylt I êsscs dcuscs lrrotctoros erà colocado em plano divcrso tlo dt ]eimoral.

 grandt, e muitas r-êzc,s a Írnica ocupirçiio dos sacerdotcs, era proclrrrtrdescobrir o que er& mlis apto a folnccer aos eyentuais pl'otetorcs divinos assatisfações mais suscctíveis de Ihes agradirr.

Se houve aqui e acolá alguruas excrçt)t's, se o povo dc Israel, de nodoparticular, admitia que Deus não se contentara sômente de indicar os ritosdo culto que lhe devia ser prestâdo, ao dar as tábuas da lei a ]\.Ioisíts, mastinha também fixado as regras e os lrrincípios da lei moral cívica e indivitlual,à qual se devia submeter cada um de scus fióis, os israelitas, êIes próprios, Ieonsideravam que essas regras e essàr lci lhes pelnrnntciam uurn yrroprictladeparticular, e que êles formavam uül poyo eleito, escolhido especialmcnte por

Page 5: A Igreja e o Estado

AIGRE.IAEOESTADO

l)r.rrr. l'r.rrs:rvlrn ôlcs que o seu Deus lhes pertencia mais ou mcnos de modo

f)r'lusivo.Âli.rrr rlisso, so os ritos do culto crârn tfetàdos aos sacerdotes, a rnoral

clrr r'rs rrr;ris rlrrs r,ôzos coisa civicà, que devia ser fixada pclos mflgistradoslto nr.snro líl:ulo que as instituiçõcs políticàs da nação.

 lrr,nr rlizcr, fora dos quadros políticos dirigentcs, surgiam aqui e ali,lrrrllir.rrl:rlrrrcnto no mundo helênico, alguns filósofos dc cscol que definiam uma

. rrrr;io rrr:ris llt:r c mais univcrsal da divindade; uma noção, scgundo â qual,

[ ;rs lcis rlo bcnr c do ma] eram fixadas para todos os homcns por umà po-' 1ôrrcirr divirra, benfeitora do gênero humano, e a írnica capaz de ensinar aôslr,o r.lrrrinho da verdadcira felicidadc. Esta noçiio, tâl como foi elaboradalror I'lrrliro qu:rndo sc lpresentava colno diseípulo de Sócrates, devia ser re-lrrrurrilr por rlivcrsos autôres cm Iiomt, no último sóculo que preccdeu â era('r'islil; (.utr'o outros, por Cícero, no diálogo inspirado errr Platão, intitulado:"Ás Ltis",

, I,lrrlr'ctlulto, quando foi expressa pelâ primeirà vez nt Grócia, ela sc ehocour.orrr ir rlt'sconfiança das autoridafles estabelccidas. Se Sócrates foi condena-rLr l lltbcr a cicuta, ó que êle fôra acusado dc não acreditar nos dcuses par-lir.rrlrrlt's dlr nação, desprezztndo assim o cuito oficial que llics cra prestado,lorrurrrr|r-sc flêssc modo 1m anarquista. Platão, seu discípulo, teve dtl deixar;\ ir.rrirs o vivcr ntuito tempo oxilado. Quallto a Cícero, no próprio diálogolnr (lllo ôlc transportava pàra Roma as tcses platônieas, etnbora a situaçãolôssc sob rnuitos pontos de vista bem diferente, e a crença nas velhas len-rlrs rl:rs divindades olímpicas fôsse, nos meios cultos, considerada dcsde hárrruilo com um sorriso de cetieismo, êle se cstirnava obrigado a nruita prudên-r.i;r on frrr:c do culto oficial. Êle sc leubraya de que uma lei antiqiiíssima, atri-lrrrírlir:ro Iici Numa, quc lcmontava às origcns de Roma, deeretava: "Ningutimlrrrlrlr rkruscs próprios, e ninguém âdore eln partieular deuses novos e estra-rrlros, so não são admitidos pelo Estado". II acrcscerrtava em seu próprio no-nr,: "'l'or deuses próprios, novos ou estrânhos, ó confundir as religiões introdu-zirrrlo corirnônias que não são conhecidas ncm reguladas pelos sacerdotes". Er,-rlrlic:rvn que o papcl e as âtribuiÇões dêsses saccrdotes tinhâm sido desdc scmpre"irlrrrrvildas e controladárs pelo puvo e pclo Scrrado." Êle dava a entcrrdcr que:r íôrr;lr c a grandczâ dc Roma vinham dêssc rcspeito pelo contrôlo das âuto-lirl:rrk,s r'ívicas sôbre o culto tradicionll, c pemraneciâm ligadas a ôIe. Con-sirlcr':rrlrr no írbstrâto, a justâposição quc faz Cíccro dcssas úItirnas fórmulas:'rs srr:rs toscs platônicas pode parecer bastantt, contraditóriâ.

nlls isto sc cxplica pela transformação histórica de Roma. De fato, Ro-rrrr, l prirrcipio pequcna comunidade campestre c guerreira, com seus costu-rrrr,s sirnplts e mdes, à qual bastava o culto sumário das fôrças da naturezarrrrrlrrrl:rrlo pclos magistrados, mudou em seguida de est/idio com a sul li-lírri:r sôlrri, Ctrtago e a cxtensão de seu dominio até à África, prirneira etâparll rrrnlr srrscrrnil sôbre tôda a bacia do Mediterrâneo. IIas essas conquis-Irrs lirrlrirrrr llrnbórn pôsto Roma em contâto corn o luxo descnfreado do Orien-lr., r' rkr oul lrL Jr:rrtc, com os requintes de arte e de pcnsamento da Grécia.lissr,s r.orrl:tlos I razi:rnrlhc, entre outras, uma concepçiro muito mtris eleva-rIr, rn:ris lrrlil (! rnris urrivorsal do homern, da diviudade e das Itis rnorâis,r,;ror isso rrrr,srrro rnuito tnais adaptada às responsrrbilidades dc sua novarri I rrlr:rio.

lr) NA ÉPOCA PRÉ-CAISTÃ 11

Entretanto, a tlesproporção entre essas cxigênciâs e os antigos costurnes

Iunha o Estaáo n.m eqoitmrio instível 6os mais pe.igosos, que reperc,tia

i,,.oiooau*ort" no espiriio dos romarros. Então, desorientados, pare-eia-1hes

itrr. trr*o ntanter a coesã,o, um mito ao ulenos devia ser respeitado: o do culto

áiuiaà " nacional prcstâalo aos poderps divinos tradicionais. I'.r ondc se com-

pr.oiao o colnpr;misso que ôles imaginarrrm, eur virtude do qual, o cultoiradicional devia ser mantialo, embortr admitindo no pàrteiro româilo esta op

aqucla aliviilal:rcle estrangcira, à conclição que tal adrnissão fôsse aceita c con-

trotada pelo Estado. Em brove êssc compromisso era fixado cm condições

hábeis c brilhantes, quando o sobrinho iLr .Tírlio Cóstr, Ot:ivio, vitorioso, se

fizera chamar com o título de sumo-pontífice, Êle sc tornarâ, assim, umà

cspócie de personagcm sagraalo, denominado Oésar ÀugustÔ, que scria diYi-

niàa4o depois 6e sua morte (tutlo fôra bcr. combiu:rdo e deterl,irrado cn-

quAnto ê1; ainila vivia) e em cuj:r pusso:l se encontrava doravante cucarll:rdo

á culto nacional, cimcnto da unitlailc rornana. Itrm surna, no 'egi*rt' imp6rial

criado por Otávio, a religião cstàva mâis ![uo nullcà ligada ao Estado, à

pessoa do imperador, e dcpcrrdentc dêle.

\{as a rcligião assim comprccndida tornaYa-sc umâ noçãro l)or drlmxis

particularista. Se os quarlros dirigentcs e as popultçõcs d,,s pro\,íncirs rrrnis

ã, ,rl"rroa afitstatlas aprecilvànr âs vttlltàrticlls dc prrz e dc ordom tlue lhr:s

traziâ o cÍrlto imperial, fundamento da unidade romana, muitos crarn os

alcscontcntes que ConSCrv:rvrtrn ploocul)llçtlos ntoràis e cspirituais dC Caráter

mais indiviilual. Nos paiscs do Oriente sobletudo, nessns vastas regiões on-

clc se tilham ilcscnvolvido sob as cililiznqões ântcriores tantos confusos

misticismos, suhsistiam ou ren:lsciurn ântigos cultos, corrr sua§ cerimônias

às niais das vêzes secrotfls e rnal conhccid;rs de nós, que :r história chrmou"as rcligiõcs de mistórios".

It odavia, cssâs rcligiõcs, rescrvadas gcralmcrrte a estleitas seitàs de

iniciatlos, niio c,idavrrm -âe

ampliar o stu ritio de rçito. Porisso clas nito in-quietavam a âtlministração irnporill. Ácontccia ltlcslno, por vôzcs, que ostâ

acolhessc algumas ile siras divinrLrdcs, à ct»rdiçi-ro, o',trctluto' qne os fióisâceittssem ilo mesrno tcmpo o cu]to oficial, o quc ôItls faziarn de bot nrente

em seu conjunto, felizes r1e se cncontr&rern assim associados à grandcza ro-

manâ.

Page 6: A Igreja e o Estado

OAPÍ'IIiI,O I

DA PREGAÇÃOÀ CONVERSÃO DE

EVANGÉLICACONSTANTINO

O Cnrsto D os Pnrlrnrnos epósroros

"rDE Fi ENSTNAT A ToDos os potos".

A religião cristã, desde o seu comêço, ao contrírrio de tôdas asoutras reiigiões que a tinham precedido, colocava-se essencialmenterro plano do universal.

Não se trata aqui de evocar os ilebates teológicos relativos àrlir.inclade rlo Cristo, mas ünicamente cle considerar, corno historia-tlor, segundo os textos eyangélicos, a concepção que os primeirosrrlistãos faziam do papel de apologistas que lhes cabia.

Um princÍpio domina a ação dos primeiros apóstolos. Elestinham recebido, como o declaravam unânimernente, a missão depregàr e de ensinar ao munclo inteiro a nova fé que o Ct'isto lhesrevelara. Siro Mateus, contando em seu lXvangelho a primeira apa-rição do Cristo aos serls discÍpulos após a ressurreição, escreve:Jesus falou-lhes: ide, pregai a todos os poyos... e ensinai-lhes aobservar turlo o que eu vos tenho ditg".

São nlarcos, cle seu lado, evocando tamliém um dos encontrostlo Cristo ressuscitado com os apóstolos, escreye em têrmos quase

semelhantes: "E rlisse-lhes: ide por toclo o ntundo, pregai o Evan-gelho a tôtla a criatura".

São Paulo, comentando em sna epÍstola aos gálatas o sentidodessas prescrições evangélicas, explica que por elas os homens detôdas as raças e de tôcias as conciições são igualmente qualificatlos,sem distinqão alguma, a participar tla mesrna fé, porquanto, diz

Page 7: A Igreja e o Estado

PREGAOÀO EVANG]'LICA CONVERSÃO DD CONSTANTINO 15

rnanterem a ordem e a pàz entre as populações dÍspares que tinhamt aduinistrar, foram elas mesmas qtle tinham tlado proteção a

Siro Paulo e lhe tinharn forneciclo indiretatnente os meios t1e pros-

seguir na sua pregação.

Rolr,r coNrne OS CRIST,\OS

Entretanto, pouco depois elas muclararn de atitude. O cristia-riisnro, com efeito, coberto no início por e§tâ espécie cle itltliferen-c;a protetora clas autolidades lornanas, e beneficialdo-se das facili-tlucles c]e Circulação e de comunicação inteleCtr.rais estallelecidaS no

conjunto rla bacia do \[editerr'âneo pela unidacle imperial, tinha-seeslralhaclo bern depressa. D espalhara-se tanto mais fticilmenterluanto Rorrlâ, se de urn lado tinhtr trazido a ordein e a paz entreas nações dominadas por elas, de outro lado irnpunha-lhes unt re-gime moral e social extt'eniautente duro. Acrescente-se a isso ocontraste desrnesurado entre o luxo grosseiro e srtntuoso cla oli-garquia dirigente, de cultura muito sumár'ia ern seu conjunto' e âsituação de tantos escravo,s dos grantles cetttro,s, os qtlais et'am tra-taclos setn consicleração alguma pela suâ r'ida ou pela sua tligniclaclecle homens.

Ora, o cristianismo trazia es-selcirrlurente iis massas a revelação

tle sua concepção inteiranlerte [o\.a da igualdarle clos homens clian-

te clêsse novo Deus que se dirigia a todos. De um lado, ela a forrnâcom que Jesr:s falava aos seus discÍpulos na véspera de sua mor-te, qlranrlo, resumindo os seus ensinarnentos, tlizia: "Êste é o meurnanclamento: amai-vos ltlts aos outros colllo eu ros tenho amado"(Jó 15,12). De outro lado, era a sublimidade clo Sermão da Mott-tanha: "I3ern-aventurados vós, que sois pobres, porque o reino de

L)eus é yosso. llem-aventulados t,Ós, que teudes fonle e sêde dejustiça, porque sereis saciados..." Em seguida, as invocações de

I{aria no dia da Ánunciação, tais como no-las transmite São Lucas:

"O Toclo Pocleroso dispelsou os que tinham os corações cheios de

pensameutos orgulhosos; derrubou do trouo o.s poderosos, e elevou

os humilcles, e saciou ile bens os famintos" (Lc. 1,õ1-53). Era, nu-

ma palavra, o conjunto cle consolações, rle esperanças e de digrti-clacte que a pregação evangélica abria aos infelizes e aos oprimidos,vÍtimas das cruelclades da rnáquina social romana.

14 AICREJANONSTADO

êle: "Yós sois todo.s filhos de Deus pela fé em Jesns Cristo". Eacrescenta que aos olhos do Cristo não há mais "judeus, nem gre-gos, neln êSCfâYos-, nem hontens lir.r'es, uem lionrern, nem mulher",porque, "pertencendo ao Cristo, vós sois toclos da descenilência de,\lrlaão, e hercleiros segundo a promessa".

E esta fé, declarava Siro João err seu Ilvangelho, é a verdadq"a r.erclacle comunicacla pela primeila vez lior l)eus à hurnanidaileinteira".

Enr surna, nenhunr dos pritueiros apologistas dissimulaYa queêles tirrham, col)r lrnra tal concepção. suscitaclo em tôriio de si mui-tos escândalos e muitas revoltas.

Os Átos dos Apóstolos coDtâtn entre outros, o fato scguintc: Nos pri-nreiros temlros, os discípulos, que al)cnâs conrcçavtlln à pregar, à conYcItere a batizar, só se tlirigialr aos rnembros da comunidadc judtica da vizinhan'çâ. Ora, eis que urn di:r São l)cdt'o vê chcgat à slra .rasa dois scn'os de umcenturião roruano chatuailo Cortri'lio, o qutrl t'stltvtt a scrviço dat cortc itrilic&em guarnição na cidarlc rikr Ccsuróia. lilcs dirigillnr-sc a I'odro c transmiti-ram-lhe o desejo de seu lnro rlc st:r'irrstnrítlo ltor tilc n«rs t'lsinattttrlrtos doCristo. afim de rccobor o bttisrno. São l'cdro aterdou ao convite; doutri-nou e brtizou Corrólio. It'oi ôstc, not:t o tlxto srgrado, o pritrteit'o pltgàoconvertido (2,1:J). XIas logo qne sc espalhou cssa noticia, os prritneirosfióis ficaram surprccndidos c r'ltrrc:ttlos, e col)sural:1m fortt'ntente São Pedro.Polque lhcs parecia clue u rcvclução dcvia scr rescrvtda aos israclitas, osqu:ris, segundo a concepqão pitrticularista autiga. se cotrsiderirvrlm eomo oúnico povo eleito. IN São I'edro, para se iustifi<:ar', disse-lhe: "Dcus mos-trou-me que a ninguérn der.enros corrsidcrar profano ou imlruro... Quaudofui à ctsa de Corní:lio, apenas disselir algutnits p;rlavrits e cis que o EspíritoSanto desceu sôbre todos os presontes, como sôbre rós no princípio. Elembrci-me então da paluvrr r1o Senhor: Joiio butizou na ágna, tn:rs vóssert'is batiztrtlos no llspír'ito Santo. Í!e, portatlto, Deus lhes concedeu. aDlesma !trl'oço, que a nós, portlu.e ocrediturattu il,o Senh,or Jesus Cristo, com,qtte direito me oporia ett a Deus?"

nlais adiante, os Âtos dos Apóstolos contam aiudit couro Siro Plulo ten-do voltado a Jrmsalí:m depois dc tcr prcgarJo durante muitos :rnos na ÁsianÍenor e na Grócia, e opelado rnuit:rs conversa,es, não sômelte otrtre os judcus,mas tlmbórn entre os pagrios, croellvn numa assenrblóia a sua carreira c prc-grrqõr,s, coxtzlndo em que condiç<)es êle Irr'óprio tinhà sido antcs convertido e

investido na missão de pregar aos pagãos pelo pr'óprio .Tesus Cristo, quandolhe dissc: "l'ai; enrio-te às naçõcs mai,s longíuquas". E errtão, rJiz o ttxto,inflamou-sc a cólera de seus interlocutores por causa dessa afirtnação, e pou-eo faltou pàr'r quo êle fôssc lapiclado.

Ás autoritlatles rouranas, ao que parece, tinham consideradonão senr desdém essas polêmicas entre judeus. Zelosas sobretudo de

Page 8: A Igreja e o Estado

16 A IGPIEJÂ E O FJSTADO

rnstinti'amente, antes que a âalministração tivesse tomado po-sição oficiarmente contra os fiéis da nova doutrina, êstes foramconsiderados aqui e acolá como erernentos de pert.rbação e derevolta coritra a orcrem estabelecitra. D o forarn tanto

-mais de-pressâ quanto, ao menos nos prirneiros tempos, alguns conyerticlosinterpretavam os textos e,r,angélicos como o anúncio próximo doúltirno juÍzo e do fim do munão terrestre; o que os Ievava a urnaatitude de cles,rêzo para com as coisas cla cornunidade. por aí,pelas calúnias, crifamações e interpretações tendenciosamente maié-volas de s.a atitucle, êles tinharr, aoaaitu,lo cóleras que, segundoos reflexos tla época, em que florescia um grande irrespeito pela yida

humana, terminaram logo em perseguições. A primeira e a maisimportante cressas perseg,ições roi ã de Nero, no ano 64, "etan""por sua inaudita selvageria.

Nero procura'a sobretucro na circunstância um derivativo à im-popularidade de que era objeto, tles'iando contra os cristãos, acusa-dos cle conspiração, o descontentamento rlo povo.

De modo geral. as yrcrscguiçõos pertnancceram durante muito temporârâs c ocasio,ais, rsto porqnc, clurantc os dois primeiros sóculos -ãe

oossaera, a armadura imperiar, afora alguns períodos de àistúrbios irte"nãs p.ouo.u-dos pela escolha dêsse ou_ daquere i,rrp"Àdo", pcrmanecera sórida. alóm disso,durante a mrior parte clo segunclo sóculo,'aiguns imperadores, como p. ex.Trajano, Ánto,ino, Ilarco Aurólio, Sótimo Severo, etc., tinham sido homensalimentâdos dos mais erevados princípios da filosofia antiga, cujo 'alor moral,ultrapassando grandc,rentc o do co,junto dos quadros tlirigentes ira socie-dade pagã do tempo, impunha_se eorn nobre frestígio.

Todavia, por intervalos, mesmo os rnais notáveis dêsses im_peradores sentiam a necessidade de proteger o Estacro contra anova religião. Porque esta, progredinclo cada vez mais, punha cliaa dia sempre em maior relêr,o o contraste, entre as conãepções clorespeito da dignidade da pessoa humaria q,e era trazia, e aÀ c"uel-dades da estrutura social roma,a. tr o equilÍbrio da armadura ad-ministratiya parecia ameaçaclo.

Então uma es1Écie de compr.omisso fôra encontrado, um com_promisso que aparece definido de modo bem claro numa carta es-crita pelo Imperador Trajano no ano 112. Nesse carta, o i_porador responde a um pediclo de instruções que rhe cririgira um filó-sofo e alto funcionário, prínio, o Jovem, para saber se êIe cleviaperseguir os cristãos.

nr rRnceçÃo nvaxcÉr,rce À coxvnnsÃo DE coNsrANTrNo 77

"Não ó preciso ir atrás dos cristãos, declarou Trajano. XIasse forem denunciados como tais e a denúncia fôr fundada, devemsor eastigados. Todavia, se algum dêles ncgar pertenccr à seita,e prová-lo sacrificando aos deuses da nação (isto é, se reconhcccrempüblicamente o culto oficial de Roma e clo imperador), êle seráperdoado".

Por outras palavras, tudo o que Trajano exigia era que os.r'islãos aceitassem fazer pitblicanente ato ile civismo, prestandolr()lnenagens às tradicionais fórmulas segunrlo as quais a noção derlivindade perrnanecia suborclinacla ao Estado e aos interêsses par-I i(.ulares .dêste.

Os cristãos, eviclentemente, com rarÍssimas exce14ões, alimen-l:rrlris como eram dos ensinarnentos evangélicos, exaltaclos pelo exem-lrlo cle seus primeiros mártires, e penetrados da convicção das re-('()nrpensas eternas que thes asseguraya o seu sacrifÍcio, ofereciam-sr. espontâneamente aos suplícios. D a multiplicação dessas tor-lrr.i15, i)s quais êles impeliarn cle certo modo as autoritlatles impe-.irtis, entretinha eutre êles urna atniosfera de heroísmo que susci-lirva on.ilas sempre crescentes tle novas conversões, com o que osrlirigentes pagãos ficavam cada r-ez mais desconcertados.

Por essa altura, a partir tlo comêço do século III, por uma es-1ri"r'ie tle conserliiência l(rgica clo brutal clesequilÍbrio social e moralr llr estmtura irnperial, a rnáquina atlministrati\ra ron)ana comeqa-|ir a se tlescornlror, seln mesmo que os cristãos tivessem intervindorrt'sse senticlo. (Porque, al)esar de êies se recusarem a participarrl0 culto oficial, permaneciam politicamente, eln seu conjunto, súr-rlitos leais. i\o que respeitava aos negócios temporais, não sômenteôles inyocavam a famosa resposta c.le Jesus aos fariseus, quandoôstes lhe perguntavam sôbre a atitude a adotar frente ao poilerconstituÍdo: "Dai a César oque é deCésar, eaDeusoqueé rleI )eus", mas São Paulo, precistrntlo ern sua epÍstola aos romanos ost'ntido genuÍno da frase er.angélica, escreyera: ,,Todo o homem es_1t'.ia submisso àrs autoridades colocaclas para nos go\.ernar. por-rlue não há autoridade que não venha de Deus; e as que existem,Jiri'am instituÍilas por êle. Assim, aquêle que resiste à autoridade,lesiste à orclem querida por Deus". E São Peclro acrescenta, em sualrrirneira epístola: "Submetei-vos a tôda a autoritlade humana porlurrior do Senhor, quer seja ao soberano como ao governador, lroissiÍo delegados por êle para castigo clos malfeitores e louvor clos bons.l'orque esta é a vontacle de Deus, que, praticando o bem, façaiscruudecer a ignorância dos insensatos,,),

Page 9: A Igreja e o Estado

AIGRDJAEODSTADO

Passado o período, relativamente curto, en] que se tinham sucediclo os

grand.es impcradores filósofos do tipo de Trajano e dc Marco ,\urólio, a cs-

colha. do soberano, objeto das irrtrigas sempre crescerites de fàcqões instáveis,entrc âs quais as legiõcs e scus chcfes dcscmpelhalam um papel sem cessarclorninante e malsiro, tinha provocado grandes desordcns. Personagens es-

tranhos, militarcs incultos, vindos muit:rs r,êzes dt' longínquas províncias' ertrlelevaclos ao tlono por seus soldados, qtle sc âprovcitavam em scguiila dl si-tuàção pâra extorquircur dêsses sollcranos proveitos dc tôtla a espócie. ÀIilspouco depois os derrubavam ou assassinavarr, para ârrancàrem de um novo so-berano novas Yantâgens.

a conseqüôncia tlêsse est:rilo tle coisas nt-to era[r sômentc as desordcns in-terxils quc sc multiplicavarn e tlaziarn plra o Estatlo embaraqos finartcci ros

cacla vez mais ruinosos. Dcsde hii rnuito tcmpo CessàIâ o csfôrço de exltau-saro que tinha instalado a romanidaile ern tôda I volt;r do }lediterrârrco c

rlesmo cm certas regiões bern mais afâstad.rs. Àgora. gmrrdes brechas eramfcitas aqui e acolá nas suâs froutcirls, na ísia, rra Duropa, c até aos lirni-tes da Gírlia, sob os prirnoiros âtaqucs clos bírrbrrros.

Sem ciúvida, essas incursões elam em geral repelidas ou con-

titlas. No ano 284, ern conseqiiêIlcia cle unla dessas nllmerosas in-surreiqões militares, o poder caÍr'â llâs nlãos de um homelll excepcio-

nal, um sotdado de valor, oriun(lo tla I)ahllicia, filho de uma famÍ-lia sem brilho, chamado Diocleciano' Êste, que pos§uÍa por felizacaso uma vontade e uma energia dinâmicas, e cujo reinado dura-ria pouco mais cle yinte anos, plopusera cleter a crescente decom-posição romana. Só encontroll uDl meio: re]loYar, rejllYenescer oprestÍgio da fitnção imperial, en\-ohrelltlo ile um cerimonial l'eli-gioso mais imponente e mais indiscutitlo que nunca o culto tra-dicionalmente prestado à pessoa do soberano.

ÊIe se yiu de algum motlo impelitlo a exigir (cotn mais intratr-sigência que nenhruu de seus preclecessores) que ninguém no Tm-pério se abstiyesse de particiirar clâs cerimônias oficiais, e a recla-rnar que os cristãos, sem e\cepção, se sublnetessem aos ritos con-

sàgrados.

Ora, êstes, cuia fé não cesselr"a cle crescel em autof iilade e etrl

solidez através das crises el)r qlle se esboroàva dia a dia a arma-dula rornaria e pagã, estavam mais que nunca decididos a trão

aceitar. O Imperaclor reagiu por uma violência mais cruel que

tôdas as que tinham atirgitlo até então, por interYalos, os cristãos.Já não se trata\.4 sÔmente, como no tempo de Trajano, de acusaraquêles cristãos que erâm objeto de uma denúncia nominati\'à e

particular. n'Ôra clecidida uma busca metóilica para descobrir to-clos os que confessaYam o Cristo, afim de sel'em exterminados. De'

ãi$liüTÊür\:*i r t:iLiii0 C.,ii.r.ÂC §i RE§Eti0Ê (;C§IA

oa rnncaqÃo DvaNcÉr,rca À coltvnnsÃo DD coNSTANrrNo

pois das primeiras medialas, aincla fragmentárias, foi publicado um

ãdito "- 28 de fevereiro 6e 301., qrie decreta'a em substância: Tô-

clas as assembléias dos cristãos de\,erão ser extenninadas; as igre-jas serão destruÍdas, os lil'ros santo queimados; os cristãos serãoprivaclos de tôrlas as honras, cle tôdas as ilignidades, e condenados

Áem clistincão cle orclem ou de posição. Oltros eclitos piores aincla

se sucederaln. os suplícios se multiplicaraln em todo o Impériocom todos os requintes de balbárie imagináveis.

Essa carnificina, entretanto, ao envez de conseguir os resul-

taclos esperados, só serviu para exajtar a fé das vÍtimas'Porisso, um problema de alcance fi]osófico Se encontrava indi.

retamente pÔsto: o Estaclo pagão' para salvaguardar a sua autori-

daile, ju]gava-Se Com o direito cle eliminar todos aquêtes cuja fépoalia parecer um elemento tle resistência ao seu clomí[io totlo-ipocleroio. Era iá, de alguma maneira, a atual concepção totali-tãria, segundo a qual o inclivÍcluo não passa de um Simples instru-

mentoa§erviçodoEstatto.ParaosCriStãoS,aoContrário,opro.biema essencial era o cleyer que têm todos os homens de assegurar

a salvação eterna de suas almas inalividuais, fraternalmente unialas

nlrmapr.ofllndaComunhão,clotadastôdasdeumaigualrlignidadeaosolhos de Deus; o que sulfie para cada um, um igual respeito pela

rlignidacle moral cle seus semelhantes; o que supõe também que oEúado, em lugar de se atribuir o clireito tle sacrificar à sua própriaproslleridaale a clignidade dos indivícluos, deYe permanecer um ins-

irumento a serviço rlo bem comum. (Porque, seguntlo a fórmulaempregada pelo papa Pio XI em 1926, num texto relativo a um do's

grandes debates cle nossa época, "a polÍtica é lÔgicamente subor-

dinada à moral").Seiacomofôr,voltandoaDiocleciano,agrandeperseguição

terminara nurn fracasso total. Pouco depois dêsses cruéis editos,

quanclo se poclia talvez acreditar que a resistência dos cristãos es-

àva veociú, em 305, bruscamente, depois de vinte anos de reina-

do, Diocleciano teYe de abdicar, cedendo o po'ter supremo a dois

homens dentre aquêles que êle tinha associado ao seu govêrno nos

anos prececlentes' Galério e Constâncio Cloro.

CoxsreNr:rNo, E o F11\Í oas ronsocurçõns

AquestãotlesaberaquemotivosDioclecianoobeileceraÍoiváriasvê.zes tliscutida. Julgava ê1e a sua obra terminaclâ, ou ao contrário, entrevia

1913

tll

Page 10: A Igreja e o Estado

20 IGREJA I] O DSTADO

a sua derrotâ? O certo ê que, logo após a sua retirada, as rivalidades entreos candidatos ao trorlo recomcçaràrn. Durnrrte nove alros, tràvaram-se en-carniqadas lutas civis suscitadas pelas ambições opostils dos cheft's de lc-giões, como no sóculo precedentc.

Sem dúr'ida, através desta nova crise de ânarquia, a persegui-

ção dos cristãos continuava, sôntente coln menos continuidade e

menos âmplitude. IIas no âno 312, Constantino, filho ile Cons-tâncio Cloro, encontrando-se etn rivalitltrcles cont llln concorrente,Maxêncio, que ocupava Roma, r.eio atacíl-lo com um exército muitoinsignificante. Ocorrera-lhe a idéia, contou êle rlepois. de inr-ocaro socorro do Deus dos cristãos. E tenrlo-o invocado, âpârecetl-lheuma cruz luniinosa no céu, com estas palar,ras em gl'ego: "Comêste sinal yencerírs". Começou a batalha defronte da ponte llilvius.O exército de }Iaxêncio foi derrotarlo, e êle frrónrio afogou-se norio Tibre. Constarrtirro, entretanto, s(r conseguira clomÍnio sôbre.as provÍncias do Ocidente. IDra-lhe lrreciso contâr com outro per-sonâgem, Licínio, corn o qual êle fêz ttlna partilha, e a qllem deusua irmã por espôsa. Logo a seguir, tle acôrdo corn Licínio, êlepublicava um conjunto de textos, que ficaram conhecidos na his-tória sob o norne rle edito de )Iiliro, etn virtude dos quais, entreoutras disposições, era tleclarado que a liberrlacle de religião nãodevia mais ser irnpedida para o futuro, e declaraya lnesmo exllres-samente: "Queremos que toclo aquêle que desejar seguir a religiãocristã possa fazê-Io sem temor algum de ser inquietatlo".

Depois rlisto, muito se tem discutido sôbre a qttestiro cle saberem que medida, tlesrle essa época, Constantino se tillha aliado àcausir cristã. Diversos textos rtêle parecem proYar que, se êletinha já adotaclo a crença nllrn ser sullretno, criador do mundo,êIe estava ainda se esforçanclo antes por encontrar rtma conciliaçãoentre as doutrinas filosóficas gregas e a re)igião cristã, do que poruma conversão prr)priarnente dita. O fato é que êle só se fará ba-tizar na véspera de sua morte, em 337.

De todos os modos, clo ponto de vista que nos ocupa aqui, ttn:aetapa essencial estava cumpricla. Já não se pensaYa, e não se iamais pensar, até certos per'íoclos recentes de nossa história con-ternporânea, nurrt sistenta ern virtuile do qnal os intliríduos são

considerados inteiraniente subordinados ao bern e à prosperidadeclo Estado.

Mas outras graves dificulclacies tle ordem diferente Yão surgir.Se, por um lado, durante um tertU)o assaz longo após o edito de

,l

PREGÁÇÂO nvamcÉr,rca À coxvnnsÃo DE coNSTANrrNo 2l

Ililiio, Constantino hesita ainda em professar-se cristão; e se, porirrltrr,alos, diyersos trtrços de sua vicla prit'ada pareceln ainda tlerrrrr lrourem alinrentado das barbáries de costuuies tlos imperadoresJr;rgiios precetlentes, por outro lario, êle ntanifesta tle ano paraiuro llrn zêlo sempre mais ardente pela religião cristã, apresentan-rlo-so senrpre collo protetor dt'ssa religiã.o. -\o mesmo tentpo queí,lt t'ousolid:rva o sell potler, e qrie, tleltois rla et-icção tle Licíttio, êlerr,r'orrstituía enl sell proveito a nnic.latle total tlo Impéi'io; ao Ineslnol('nrlro que êle crinr.a ern 32;1 ao longo rlo liisforo, tio lugar da anti-g:r e rnoclesta ciclade helênica de llizârrcio, ttma segltnrla capital, àryrrirl impunha o seu próprio nome, chauraritlo-a Constantinopla, nairrltnqiro t1e assegurar o seu domÍnio sôbre as regiões orientais doIrrrpério, êle se aplicar-a também coln não rnellos pontpa a multipli-('ill as manifestações cada vez mais espetacuiares cle ajtttla, de in-l{,r'êsse e de sustentáculo ao cristianismo. Pouco depois de um dra-nlll silngirento, cle que êle era responsável, pois mandara assassiirarsrrir nrulher e seu filho (acusados tle conspiração), êle organizoutorn grandes dispêndios a tÍtulo de expiaçiro, sob a presidência desrrir rnãe, a Imperatriz llelena, uma peregrinação solene a Jerttsa-li,rrr. I)urante esstr peregrinação, urna cornissão de sacerdotes e tleIrlqueólogos, ajuclacla por uln exército de operários, itlentificar.amo ponto exato cla crucifixão. Àssegura-se mesnlo que encontraram,solr lrrn montão tle desentulhos, o madeiro cla verdadeira cruz, cuioslrerlaços dispersos pelos diyersos santuiirios tornavam-se por suaortlem objeto de solene veneração. nlandotr constt'uir igualmenter.rrr Jerusalém, e1n Constantinopla, em Roma e olltros lttgares, rnui-ltrs basílicas, pafa quais não pollpà\rà despesas. Ilinahnente, emll')5, tonrou a iniciativa de coilgocar, sob a sua presidência, umgratrc'le concíIio em Nicéia, perto do mar Negro, ao qual assistiriamlrjspos cristãos vindos de torlos os recantos do Império. Êsse con-r.Ílio era rlestinat.lo a fixar dir-ersos pontos essenciais clo dogmat'orir lelaqão a vririas teses heréticas.

Desta atitude de defensor e ale protetor do cristianismo ado-tacla assirn naquela época pelo Imperador, cuja fé era aintla tãonova e incerta, duas séries de conseqiiências vão resultâr.

Page 11: A Igreja e o Estado

CAP ÍTULO I I

O CRISTIANISMO TORNA-SE RELIGIÃO OFICIALDO IMPÉRIO

Pnrnrnrn.Ls rrEnDSÍ.{s.

Coxsr,t,trrxo, r,rnorDTon D,r onToDoxrÁ.

Pntl,rnrRts DrrrcrIr,D,\DEs

Nas nnr,.tr'õns ENTnD .'r Icnr:.rit rr o poDrrn.

Durante o Iongo período cle semiclande.stiniclaile ao qnal fôracondenado o cristianismo até aqui, só os mais sinceros, os maisdesinteressados, tinham atlerirlo.

Sem dúvida surgiam já divergências na interpretação dos ensi-namentos evangélico-s, dirergências tanto urais complexas quantoàs diversidades de sensibilidade e de temperamento intelectual, quepor tôda a parte sepâram os homens, trjuntavam-se as yelllas des-semelhanças de formação e de cultura entre o Ocidente latino e ascivilizações orientais.

Além disso, houve a cluestão do estabelecimento e da rnanuten-

ção de um vÍnculo regular, sob uma autoriilade tloutrinal reconhe-cida por todos, entre as diversas comunidades que se desenvolviamaqui e acolá, cada uma tlelas sob a direção de um bislro eleito peios

fiéis ou coopttldo por seus pares.

Naturalmente essa questão sltscitoll mni[as clificu][latles, quepermanecem envolridas cte tlensa obscuritlade. Porque, se é adiniti-do pela tradição católica que enr virtuiie da palavla clo Cristo:"Tu és Pedro. e sôbre esta pedrrl edificarei a minhrl fgreja", SãoPeilro fôrt reconheciclo tlestle o prirrcípio como chefe, e sua plee-minência desrle logo arltnitida; ê se a tratliçiro reconhecert bem tie-

o cnrsrrANrsrÍo roRNA-sE nnr,rcrÃo orrcrlL »o rupÉRro

I)ressa ern seus sucessores, os bispos de Rorua clepois dêle, a pree-r»inência sôbre os chefes das outras comunitlacles; se a Igreja, dandorr êsses bispos de Roma o tÍtulo de papa, fixou histôricarnente a sualista reguiar e contÍnua, é tambérn admitido, por outro lado, que artutorirlade dêles deixala, desde o coulêço, largo espago à iniciatir.a,i liberdarle e à jurisdição das igrejas lrarticulares ern todos os do-rrrírrio.s. E, por conseqiiência, nenhurn rneio determinado exi-qtia irin-ri:r irara consoiiclar fàcihuente a uuitlittle cla fé e dos ritos,

r*ão obstante, essas diversas dificultlacles eram dominadas erreutraiizadas peia comum e instintiva uecessidade que tinham as

lrlimeiras comunidades, reservadas i1 gruilos tle escol por causa da

lrt'r'seguição, de se apoialem mrr'tuamente, preseLvando assim a suarrrridade.

Agora que o cristianisrno se r''ia alreltarnente apoiaclo e protegi-rlo pelo Lnperaclor, tentações cle tôt1a a espécie assaltàYà1nl os elertren-los nienos puros, certos espÍr'itos que, por arnbição oll por deseiorle se tourarern benquistos tlos 1:otlerosos, eutreviarn nulnà1 colrer-são um meio de fazer carreira, e até meslno cle fazer fortuna. Por-rlue Constantino rnostrou-se logo gereroso para sustentar as insti-trrições cristãs de tôda a espricie. No ano 321 êle promuigava ttmctlito destinado a encorajar os donativos em fayol das igrejas e doclero. Em sua côrte, corno nos cargos e funções públicas, êle tlar.arrrn lugar de destaque aos fiéis cristãos.

Ertretalto, nos quadros eclesiiisticos dirigentcs, o orgulho tlc alguns crasolicitado pela sedução da vanglória e pelo dcsejo de brilhar, sustentando sô-lrre questões doutrinais dclicadas seus pontos de vista particultrrcs; e as he-resils, ató ali contidas corno quc instintivanrentc, iam rlcsenvoh'er-,se cm to-rlos os sentidos. Se considerarmos âs principais hcrcsias daqueles arlosj aireresia mauiqueísta vinda dos colfins da Pérsia, a hercsia donatista emânâ-rla drr Áf ricrr, :r heresia ariana, dc Álexandrir, verefilos que suas agitrr(nesse dcsenrolar-am ao mesmo tempo sôbre planos bem divcrsos. Ilavia dis-r:ussõos dc trrdem puramente teológica, como no tocante ao sutil problen:arlu interpretlçiro a dar às fórmulls que definirrm a Santíssima Trindlde (temaprincipal da hercsia ariana),

llavia discussõcs de ordem igualntente teológiee, mas mais diretanrenteIigada aos problernas humanos, cujo tema principal, de inspiração maniqueísta,cncontravà tambóm êco entre os douatistas c os lrianos. Êsse teml ehocavt--sc contrâ o essencial dos ensinamentos cvangólicos, aquele em virtude do qualns almas rle todos são iguais diante de Deus, cour um mesmo dever e asmesnlas possibilidades de assegurarem por um livre esfôrço a sua salvação indi-r.idual. Porque as fórmulas maniqucístas, lisonjciras parl o orgulho do eseol,mas desmomlizantes para âs massas, dividiam a humanidade em dois gru-

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24 AIGREJAEOESTADO

pos: uma minoria muito reduzida de puros, os únicos que eram destinados satingir a suprema beatitudc por un1 regime de implacável ascetismo, e asmultidões, para as quais nem as leis, renl n.Iesnlo as regras morais eramexigidas, mas que permancciarn igualmente à margcm das supremas felicidados.

Havia ainda discussões situadas sôbre outro plano, incidindosôbre a questão de saber quais serial] a natureza e o papel dasautoridades chàmadas a dirimirem as rivalialades entre as doutrinas.

O próprio Constantino, antes uresmo de suâ conyer'silo definitir-a,a partir do rno[iento €m que ê]e tornara o parti(lo (Ie sustentar ocristianismo, clecidiu empregar tor'los os sells esforqos no sentiilocle irnpedir a divisão entr"e os ci'istãos. Dêle partiu a inicitrtivade conyocar, em 325, o fanroso CloncÍlio cle Nicéin, ao qual torlos osIradres, torlos os bispos qrialificnrlos deviam comparecer para Íixarem comurn os diversos pontos dn tlontlina. Os priiicipais debatesclêsse concílio ternrinaram lrela conrlenação do ariirriisrno. Iroi du-rante êsse concÍlio qtre Constantirro irloclanrou, segundo ulla fórnlt-Irr que seria nruitas vêzes citarirr llo de(rorrel das iilitcles, que o seupttpel deYia ser o de urn bisTro (lc Íora.

Sua iniciatiya foi acolhiila cotr alegria e leconhecitnento pelo

con.junto clos cristiros, felizes da auiplitude da rnanifestação pel:rqual a fé cristã recebia unla consagração oficial, e ao rDesmo telll-po do resultado imetliato que fixavir a unidade doutlinal.

IIas o processo empregaaio arrastat'a uma duplà tlificuldacle.Sem dúr'ida Constantino contentara-se tle reclar)àr para si mesnloo tÍtuio cle bispo de fola, o que inullicava o I'econhecitnento por êle

tla hierarquia eclesiiistica, isto é, tla autoritlade doutrirtal do papa.

Entretanto, frente ao todo-poderoso Inpeladol, cujo concurso se

manifestara com tanto brilho, o lrap:rtlo arl'iscava-se a aparecer bemlnal armado. De fato, senão explessanteiite de clireito, a iriter-\:e[ção do Lnperador nas questões religiosas de tôda â espécie:

rloutlinais, clisciplinares, etc., a tÍtulo tle protetor, era admitida emcoirilições q11e, na prática, só podian ser nial definirlas, e que de-

r.iam inevitàvelmente depentler tanto das circttnstâncias como cla

pelsonalidade do soberano. À noção dos ilois pocleres - leigo e

eclesizistico - destinados em princípio a se apoiarem mütuamentepara a direção dos homens, nascera, e trazia em gerne conseqüên-cias de alcance infinitamente grave. Esta noção ia provocar noOcider:rte catótico tantos clebates e tantas lutas durante tôda aIdade nlédia.

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o cnrsrraNrst[o roR,NA-sD nnr,rcrÃo oFrcrAr, no rl,rpúnro 25

Logo depois do concÍIio de Nicéia Constantino procurarzl ate-nuar as condenações de que tinham sido oLrjeto algumas doutrinasIrc'réticas, particularmente as doutrinas ar.ianas. Niro há clúviclarlc que êle era bem intencionado ern seu cuidado cle conciliação,illa§ os seus julgamentos se ressentiarn profundame[te do estadorle sens conhecimentos religiosos. Dm conseqüência, subsistiam sern-l)re as tlissenções tlue o concílio tivera por fim eliminar. poucorlepois, no próprio seio das regiões lornanizadas, a subsistência des-sirs dissenções irá tr)t.o\.ocar ulr cisrna entre os cristãos (ou ao me.rros contribuir perigosatnente, ainda que de longe, para a sua pre-paração), o qual iria apt.ofurrdar-se corll o tempo e não seria maissuturado.

A Icno,ra TRANSFoRITÀDI urt Rnr,rcr.io oFlcrÁLD LTcADA e uu rllpÉnro pu ooceoÊxctr

Com efeito, dcpois da morte de Constautirro, c.jr pcr.sontrlidude mnrcan-I0 tinha por momentos lcurrido sob uma Írnica tutoriflade rs cliçersns p:rrtcsrLr rrnpório, a instabilidrrde imperial recorneçou. (Js sober.uos dc passlrgernsuccdiam-se de novo, eleitos e derrubados pelas lcgiõcs, riv:rlizarr6o uDs conlos outros, ou concluindo alitrnças p:lrlt dividirt,rr entrc si as províncias, crrsando grande pàrto de suas fôrçtrs no combate contrrr os bírrbaros. Iistes,lrlrroveitando-se da decadência rorrrana, lanqavlm nas diversas frr.rltciras, poritrtcrvzrlos, incursões cada ve'z rnais anreaçador.rs.

Através tlessas instabilidatles, os r:hefes das seitas heréticasirilroveitavarn-se das circunstâncias para se irnporetri aqui e acolá.()s pagãos, de seu ltrdo, que subsistiaui nuuler.osos e tilthani gran-rle influência, não obstante a situaqão oficialmente dominante dostristãos cria"da por Constantino, conieçavan a tr.açar os seus pla-nos de ofensiva. llntre os anos 361 e 363, o Ituperador Juliano(conhecido na histór'ia por Juliairo, o Apóstata), per.suacliu-se, sobirrfluências diversas, de que a decaclência imper.ial era uma cotise-rltiência da ruína cla antiga religião nacional pela entrada ern cenarlo cristianismo. Juliano era cristão de nascimerito, mas fôra ati-rnentâdo de culturas dÍspares (as dos antigos fitósofos gregos, derrrna parte, e de outra as das religiões orientais). .I-omou porisso arlecisão de reconstituir um paganismo renoyado e tle recomeçar aslrerseguições c'lo século precedente contra os cristãos.

Mas fracassou completamente. l-[orto numa can]panha contraos invasores persas, depois de apenas dois anos cle reinado, só dei-xou após si desolação e ruínas.

Page 13: A Igreja e o Estado

28 AI(;RDJAEOESTAD)

Com seus sucessores a agonia do paganismo se precipitava.No ano 380, menos de 17 anos depois de sua ntorte, Teodósio, queconseguia reunir niais urna vez, pAra um último perÍodo, totlos os

territórios tlo Império sob um Lrnico soberano, promulgava um edi-to ordenando a toalos os seus súrditos que se unissem à fé cristã.O cristianismo, definido segundo as fórmulas do concílio cle Nicéia,tornava-se a religião oficial. Tôda a espécie de medidas discipli-nares foram tomacla na aplicação rlêsse edito. Enquanto que eramperseguitlos os helesiarcas, uma série de textos jurÍdicos fulminavamos pagão.s. À )ei proibia-lhes os sacrificios. Os templos tIêles eramfechados pela polÍcia ou convertidos em igrejas. Elouve até mesmorepressões sangrertas contra os idólatras recalcitrantes.

Era o triunfo definitivo cla religião de Cristo, ao meno.s emprincípio. Torlar-ia, êsse triunfo era conquistado em condiçõescheias de complicações e rle confusões de tôda a espécie.

Tornantlo-se o cristianisrno a religião oficial, urrr rlovo pro-blema snrgia pâr'a os cristÍos: o rlireito da autoriClacle tle imporuma fé. Sem dirvicla não foi êsse o maior problema daquele tempo,pois estava aiucla embrionária a noção de lilierclade de consciência,noção esta totaimente ignorada pela antigtiidatle pagã.

Havia outra questão que ia tornar-se bem depressa embaraço-sa: a das relações entre a autoridade religiosa e a autoridade leiga.

O triunfo do cristianisno só fôra obtido graças à intervençãoda autoridade imperial. Agora, mtrito mais que no tempo clas pri-meiras intervenções de Constantino, a Igreja achava-se colocada soba proteçáo do poder, e dependente dêle.

É rerdade qne as autoritlades religiosas não abdicavâm porisso a sua liberdacle tle expressãro e t'le julgamento. Elas afirma-yam mesmo por intervalos, e llem alto, que se consideravam sups.riores aos soberarros, no que rliz retspeito ri Íé e à disciplina moral.

No ano 390, como Ieodósio mandasse cxterminar sem julgamento algumvírios milhares de pessoas, pnrl rcprinrir unr:r revolta que se tinha decla-rado na cidade cle Tcssaloniea, Santo Àmbrósio, bispo de }Iilão, que, porsuas virtudes como pclo brilho de seu gênio, representâvÍr entÍo a m:ris altafigura do cpiseopado, firlminou-o de rxcomunhão. I\[as assegurou-lhe, aomesmo tempo, que se êle vicsse pedir perdiro seria absolvido e readmitido nafgreja. E, na noite de Natal cle 390, o imperador veio rctratâr-se priblica-mentê na catedral de IVIiIão-

Mas isso não foi mâis que um episóilio excepcional clevido aoraro prestígio de que goza\a Santo Àmbrósio, e à sinceridade re-

o cRrsrrÁÀrlslfo ToRN^{-sD nrr,rcr.io orrcrÁL oo rlrpúnro 27

ligiosa cle Teodósio. Na rnarcha normal cros acontecimeDtos, a rgre-ja yitoriosa ia aparecer cliretamente ligacla ao rmperador, e clepen-dente rlêle.

Ora, logo após à morte de Teodósio, em Bg5,.a clesagregaçiroclo rrnpério conleçou a acele.ar-se. porque, não obstante os esfor-ços do cristianisnro, clesrle que êle fôra oficiatmente reconhecido,para trazer à est"rturrr r'ln ,sociedacle urn fermento Doyo de dignirta_rle moral e intlilirhral, subsistia ainda o sistema social tleplãrár.eltytte tinha e,uvolr.idrt o yraganisrno decarlente.

Estanrlo abandonada ao capricho das Icgiõcs a esco,ra .os sobera,oscnearrcgados dc administramm ns poDulaçõcs àí*paro*, c,tre as-quaii tantosdistÍrrbios tirilam tornarro i,rpossír-r:1 a órirqão e o desenvorvimc.to cre .mcspírito eívieo conrum, ns eirennstâncias rer.i.stitrn-.qo colr ir.lo ào -,r_-

""",i_tor dia a dia mais perigoso.Enqul.to q.c os brirblros drrs fronttiras, a.r't-,girnentados em regirlcs e tor-nrdos senhorcs do exírrcito, instnlavrrm-se nos lrostos rlirigr:ntcs do rmpório,strrrs vitórias atriríam após si outras populrrções ,rlis hurnildes, lrn

-i,irt,o.(lp longe enr nÍrmero scDrprp cresceDte, como os vânilaros, os suevos,'os'burgÍrndos,ústcs, não se contentxndo nrais coi. ofcrec,.r simpresmente os' seü,s íerviçosconro merecn:'t.ios, animlvam-,sc mr\tua'lL.,tê â se transfo.n[]rel]l cn) colt-qnistadores.

o quc. poróm, retardavr e i.rpedia umâ s.br.crsÍo totrrl, era o frrto dealg,ns dôsses mercenririos bárbaros, mais o, menos româDizatros por unrairstalaçiro mais antiga ,o rnipório, tomârem ôlcs próprios a testa ãa resis-Iônt'ia aos ,o'os atlcantes. Nas regiões orientais -do

rrnpól'io rnais rizinhasrLr Constautinopla, a arnradura imperial pcnnanceia sólirla.i{as n p:rrtir rlo conrêço rro sóc,ro \i, nns ,egiões do or_.idcr.rtr:. a,s fron-lr,iras contcqavlm r Ced,.r:ros:rssrltos eada Ycz mais violentos ilas hordnsrlc bírbaros que in,adirr,. der'.astavlr, e às vêzes,,r",,,,no o"iip"rr,".i,,tnr-1 i\':rrrente estâ ou aquch r.egiiro.

a bem dizer, eath urnir dessls ll:rndas sucessir-ls, sent'ro rrouco nLlllgLo-f*rs em seu conírunto, mes,ro onde sc irrstalar.am por irlg.rn tcnrpo, ianr fun-rlir-se.dcntro em pouco, aô mênos em partc, co.r us lrop,laçôr,s eslarrerecirhs errr.anizadrs desde há muitos sóc.los. xrrrs não é tudo. À nrr,adur;r irn-1r.ri.l dcs:rgreglv{r-se dia r dia sob os seus àti-rqucs nils rtrgiões quo elrrs oc.p.-'lrnr de nra.cira nrais o, m,ros estável. os imlrerlr.lorr.s de con.stantinopla,(l('s{'josos de conscrvaro,r sua i,fl.ênci:r, tcntrrrm retomâr ao menos a alrarêrr-.irr do si-storna de distribuiçõcs tlc rutorirrade in.stituído o,rt,rr.,i-pn" ijio"tr,-.i:rrro, proeurando rnanter, âo mes.ro tempo. orr lcôrdo com o*- o"ai1r"rt,,"h:i.b:rros, rrma espricie de viee-inrperrrdores do ocid.rte. Iras tir.er.À'''final_rr('rte que rcn.nciar. No ano 476, odoaero. ,nr dos chcfcs brirbaror, iorao(l('rx,sto o írltinio dêsses sirnulacros dr inrp..r.lrd.rcs do ocitlcntc, Rôrnrilo

^u-gristulo, proclamarr-se rei da rtírria; ô .s autoricrades de constaniinoptairrllitrlram-se sem renqiro alguma.rrntrct:rnto, sob a autoridadr' brirbara, muitos quadro.s rocais pcrnrlno-.i:rrrr, sobretudo os grandes propriotários, os quais, átravós da decomposição<l.s qnadros administrrrtivos impcriais, tinLau nrantido, cie flto, serião rterlillito, elcmcntos clc ordcm c de cultrtra-

Page 14: A Igreja e o Estado

28 AIGREJÁEOESTÀDO

Ora, na maior parte dos paÍses clo Ocidente impregnados da

velha civilização romana, particularmente na Gália, onde os melho-

res elementos eram tle hii rnuito romanizatlos, os quadros dirigentescla societlacle estavam unidos à Igleia cristã c'lesde vírrias gerações.(lozando de grandes prestÍgios, êles tinham ocupaclo, coln o coIISen-

timento e mesmo a pecliilo clas populagões, os principais cargos ecle-

siásticos.Não nos esqueçamos cle que, desde o cotnêço, no terlpo em que

o cristianismo vivia ainda nurna estÉcie tle clantlestilidade, era usoque os sacerclotes e os bispos fô-sseut designados e eleitos pelos

fiéis, em catla cornunidade.

Ilesmo clepois de constantino e cla conversão dos imperadores,

e nresnlo nas regiões or.ientais, ontle a autoridarle dos soberanos se

impunha clolaYante catla vez rnais ilt Igreja, êsse método de eleiqão

não tinha siclo ern princípio abolido. Êle iria lnanter'-se, er-idente-

mente, ern pleno vigor nas regiões ocidentais, cada l'ez uiais despro-

vidas de tôda a administrtrçiro iurpei'ial regular.

Durante o século \:, no momento ern que se desfal'á clefinitiva-mente o Império, os bispos, oriuntlos eni grande parte de famÍIiasnotáveiS, r,ãO OClpar Um lugar Cada l-ez rnais donilalte ern ÍaCe doS

invasores bárltaros, como protetot.es das populações em todos os

domínios. Ilutre os nornes que ficaram céIel,rres na histÓritr da

Gália, citernos Il. ex. São (iertnano, Bispo de Àuxerre, Santo Hilá-rio, Bispo cle Arles, -Santo Euquério, Bispo tle Lião, Siro Sidôuio Apo-Iinário, Bispo rle cler.nront, os quais se inrpõeut coln llrü particularrealce,

E assim, ape,qar tle tôtlas as tler.r.ocndits, à noção de romanidadee a nogão de cr.istantlatle são rnarrtirlas, lriro sÔuente nas regiões

orientais i1o Irnpério, tttâs talttbétti tras t'egiões ocit'lentnis, já ocupa-

tlas em parte Delos liírrbaros. 'I'orlavia, as conclições errr que elas

se mantinham ligaclas umas iis outlits estavam pl'enhes de co[se-qüências que se fazian sentil constantentente, e que virialn a ser

decepcionantes sob tlit,er.sos pontos cle vista para o futuro cla cris-tanclade.

0 ur,-Nno ExrRÀ-BoxraNoFECTTA-sE À rnnceç.lo nvaNcÉr,tce

Para compreender bem êsse ponto é preciso remoDtar ao pas-

sâdo. É preciso vottar à época ern que Constantino, apenas con-

o cnrsrrANrsMo roriNA-sD nurrcrÃo onrcrAr, oo rrupÉnro 29

vertido, se aplicava com luu zêlo ainda bem orientado em assegu-rar a unidade doutrinal da Igreja contra as heresias que nasciamaqui e acolá.

Nessa época, embora o cristianismo se desenvol\.esse sobretudonos limites do Império, diversos pregadores tinham ido clesde ocomêço para além das fronteiras, onde evangelizavam esta ou aque-la população bárbara.

NIas a partir tlo momento eln qtle, por ordem dos soberanos, aortodoxia de r\icéia foi a única admitida no Império, e em queIm1Ério e cristianismo ortodoxo pareciam confundir-se, grande nú-mero de heréticos dos mais miiitantes, principalmente os arianos,que recusavam inclinar-se ante a condenação de suas doutrinas, pro-cllraram refúgio fora das fronteiras.

Dispersaram-se entre as tribos bárbaras que tinham sido játocadas pela propagação cristã, e ali procurayam fazer tliscípulos.Não se sabe ao certo o que êsses catecúmenos, sem nenhurna cul-tura religiosa, compreerrderam c'las dir.ergências teológicas sôbre asquais se tinham rudernente batido os primeiros funrladores de sei-tas. O tlue era mais evidente na mensagem que lhes traziam osnovos missionários, era o râncor e o ódio que alimentavam contraa autoridade imperial por os ter condenailo e expulsado. Por fim,êsses missionários, cortatlos como estavam agora tlo escol intelectuale religioso, para se fazerenl benquistos em seu novo ambiente che-gavam a aclmitir no culto praticado por seus fiéis estranhas con-taminações de antigos ritos iclolátr"icos dêstes. E dêsse modo iaacentuar'-se cacla vez rnais a separaqão entre o cristianismo, talcorno se desenvolr-ia no hnpério, e as heresias, impregnadas cadadia mais tle idolatrias que floresciam em desordens além das fron-teiras.

E então, urn fenômeno inquietante começou a surgir. O cristia-nismo, por sells princípios, tinha-se colocado sôbre o plano douniversal. Os apóstolos tinhant eusinado aos seus primeiros fiéisque o ,Cristo ressuscitado ordenara: ,,Ide, ensinai a tôclas as na-ções... Ide por toclo o mundo; pregai o tr)r,angelho a tôcla a cria-tura". Àgora, senão na doutrina, ao menos nos fatos, êsse cristia-nismo aparecia aos bárbaros conio sendo simplesmente a religiãooficial do fm1Ério, contra o qual estavam em luta. por isso eramleyatlos a combater ao tnesrno tempo a Igreja e a armadura irnpe-rial romana, nuitas vêzes corn fanatisrnos que tomarão carÍrternacionalista e religioso.

Page 15: A Igreja e o Estado

I

t,l

AICTiEJAEOESTÁDO

]IestDo l}as regiões orie[tais, tltle resistiiul co]ll nlais eficàicia

aos assaltos. os ntissiontilios cla Igreia ortodoxrr terão cada vez

menospossibilicladescleirl.adiarSuilpropagaudatloruarrtoridatleecoerê,cia para alé*r das fronteiras iurperiais. Ai.da aí r-ão pro-

liferar as novas heresias, rnais olr ulel}os colttarnittatltrs pela in-

fluência das vellras religiões tlo Oriente, e anirnatlas peia lesistên-

r:ia anti-roütana, coilto o Destoliartisrrio, o rnonofisislro, etc. E

quando, Ilor sua \ez, o ilnpeirio ilo Oriente coiueçàr a errfraquecer'

será jtistanrente ali que se ir'ão tluplicar de fanatislllo os ataque§

r]ospol,osei]astl.ibosrrôtnatle.q,ávitlosileconqiristaedepilhagem.\:irii em prirneiro .tugtlr a ofensiva clos persas, nos começos tlo sé-

culo YII, os quais se larlçArão coln llrüa vitilêlicia riunca vista; rnas

fracassar:ão, ri.pois de ter feito error,res estrtrgos etn totlo o Pró-

xirno-O1ie1te |iza1ti1o. trm seggitla, a partir c'lo atio 622' virír o

assalto clo sulpreeltlente guerreiro-profeta ][aortté, fltndatlor tlo is-

lamismo, assalio êsse que serti ur11il lriistitl'1 tle rtaci<ltlllisrrto e de

fanatismo religioso ulais espatitoso (lne qlralquel outt'o'

Mas,entborallaoliéesetrprinieirosutesstrr''()Iuül"aproveitan-clo-se t]o esgotaI]Iellto pror,octtclo pr:ia grarrtle of errsir-it l]ersa, tiYeS-

sent arrancado em algiunas clezetras rle anos ao Pt'óximo-oriente e

àÁfricagranrlepo.t"du.terr.it(rriostlependetttesdeRizâircio,oIn,ério tlã Orie,te ia refazer-se e 6esentpetthal' li,tla' dtrliuite grln-

t.te tspaço de temllo, unr papel cir-ilizatlor itrtllttt'tnrtte itO tlonrírtio

Àmnora l.estrito oa ,isla ]re,or e cl. I!,rop, ,rit,rrtal. ,\ Ásiir l.n-gíqua, porérn, e tÔc1a a África do Norte està\rillll dt'firriti\.nnteltte ller-iliilo., "

por longos sécu1os. N' IX.r.opa, se a ciírlirr escàpoll aos

-,rç,,irrr",-a, alxis r,na b'et-e irtcitt'siro a I'lsltarth* Íoi d,tnilrnrlapor. êles tltrr.ante ilrrrito teutlto. À expitnsit<t tlo cristiauismo e[con--taayo-an

CletiCla, I'tltluzit[:r ito tlotlrÍrtio estreitO tlo que restaYà dO

irnlÉrio e rle cer.tils rcgiões tlo Ocitlerrte, olltle, antes clas Invirsões

clo século Y, a petretl',,fi,o "o"t""a fôpr niais profupcla,rertte tlurá-

vel. l] se e]a s" e,,.,o'.t,.,.,,it assirtt estagrlár.iir, era porque o cristitL-

nisrrro, torrrado apar.errtt.rnerrte tlesde (]orrstantino a reiigião clo [m-

pério e subrneticlo ao contrÔIe r.lil'oto ttos soberaDos c1êste, pa|ecia

ãstar ligatlo à sorte rle utn llstado lta.tictillrr qrie tantas antigas fra-quezas, hertlacltrs clas cmelclaties corl'uptol.as tlo pagnDisrrio, coirdena-

r.am ii tlecadência.

CAPÍTULO III

O SONHO DA ÁGUIA DE DUAS CABECAS

Nescrl.rsxro Do soNHoDIJ urr Novo rupúnro uNrvnRsArr colr DUAS cÁBucAs

Ern srta doutrinn, entretanto, o cristianismo trão renunciouà noção de universalismo qrie constituÍa a sua originalidade. Opróprio Constantino, ilestle o comêço de sua conversão, tinha reto-mado e de certo modo oficializaclo ern suas pr.irneir.as rleclaraçõespúblicas a expressito de religião "católica", isto é, de religião uni-versal, segundo a etmologià grega, qlte os prirneiros cloutôres ti-nham imaginaclo e empregaclo aqui e acolÍr para clefinir o cr.is-tianismo.

Pouco depois, no momento em ql1e pela ltrirneira \:ez a bar-bárie aparece vitoliosa e ameaça abafar tôda a possibilitlacle cle ir-radiação do cristianismo (coniêço do sriculo Y), Satrto Àgostinho,resistindo ao clesânimo, escreve na Ciclctdc da Deus:

"Enquanto elâ prosseguc cm sua marchl ltstc rnunrlo, " ,J

dade Celeste (isto ír, r Igrcja) convoca scus cidadãos do seio dctôdas ns naqõr's, reírne I sua socicd:lr.lc viageira de tôdas us línguas,senl sc preocull.rr coin dit'ergôncias dc costunrcs, de lcis ou de itrs-1tituiqõcs" (XIX, 17). _ ,)

DaÍ por diante, no decorrer tlas idades, os Itapas e os rnissio-nário jamais se esqueceram de que a sua missão essencial era ade irradiar atrayés do mundo inteiro a verdade universal de queerarn depositários, e de prosseguir nesse esfôrço através de todos ospoyos e de todos os territórios que thes fôssem possÍvel atingir.

IIas se Santo Agostinho, no texto que acabamos de citar, parareconfortar os fiéis que se sentiam desanimar ante a decomposição

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AIGRE.IÀEOESTADO

imperial, parece admitir que a Igreja pocle prosseguir em sua mis-são através dos regimes políticos e sociais mais diversos, sem que

lhe seja necessário que os diferentes povos obedeçam & uma au-\i"ToriAaae polÍtica comum; e se êle declara expressamente: "Apesar

; das diferenqas provenientes cla cliversidaile dos povos, tudo pocleI ser orientado para o mesmo e único fim da paz terrestre, quando

não hour.er nada contrário à doutrina da religião sôbre a adoraçãoclo Deus supremo, único e verdadeiro", otltros, entretanto, guarda-

' rão por muito tempo unla nostalgia do sistema político imperialque vira a primeira expansão clo cristianismo. Êles alimentarãoo sonho de l,er reconstituir-se llnt tlia um noyo império mol:âlmenterenovarlo e 'r'ercladeiramente ttniversal, que seria o sustentáculoda Igreja.

Êles não esclueciatn, conl efeito, que se a Igreia, a partir do

século Y, tinha sofritlo tlttramente os liarnes que a prencliam ao

fmpério decadentc, et tlêsse tttotlo a cornprometiam por lhe darema aparência cle ser solirl:iria tlns fraquezas L'taras dêste e das co-

biças que essas fraqttt'zits e trrt':ts sttstlitavatn, ela .iír se tinha bene-

ficiaclo iargitrnetrte, eIIl stlA prittreirit expallsito, tla rtniilade es-

tabelecifla por Ilonra entre os tliyt'l'stts lxryos tla |ailia tlo l[etliter-râneo, assitn como das facilidacles qtlt' tlnÍ resultavtlm I)Ara a livrecomunicaqão tlos homens e tlas idéias.

]{as não ficar,arn rtisso. Clertalnente (êtes não o esqueciam),a concepção pagã tlo lrocler, apoiadrr sôbre a escravidão, tiuha pro-

duzitlo êsse tluro e tranqiiito destlém da tligniclacle httnlana, contrao qual se tinha levantado o cristo ao ensinar a seus discÍpulos clue

tôclaS as almas eratn igr-rais clitrnte r1e Detls e igtialmente chatttadasà sah,ação. Àlérn disso, havia a clestnoralização social reinanteem todo o tempo nos quadlos tlirigentes, al)esar dos prirneiros pro-gressos do cristi:rnismo, a qttal era rlevitla ii concepção pagã clo

pocler, que leYou o Império à decadência e ti desagregação diante

i-âos invasoles. IIas, por outro lado, à margem tlessas rudezas, ha-

I via pensadores e filósofos, primeiro na Grécia e depois etn Roma,que elaboravam altos siste[ras filosÓficos que já prefiguravarn rlealgum rnodo as doutrinas evangélicns, não só quauto à universal e

igual tligniclacle da alrna humana, rlas taniliém quanto à concepção

, da divindarle e quanto à concellção das relações entre o homern e' Deus. Alétn disso, lnesmo prescinilindo do escol dos filósofos, an-*_tes clo perÍoilo eln que o abuso das r:iqrtezas tinha provocado o de-

senl'olvimento das cormpções tle tôcla a espí5cie, Roma tinha co-

,o o soNuo oe Ácure DE DUAs cABEÇas

nheciclo, como observa Santo Àgostinho na Cidacle d,e Deus, ttm* 1

perÍodo em que Salústio podia escreyer em louvor dos antigos ro- {"r]lanos: "O justo e o honesto eram guiailos tanto pela consciênciacomo pelas leis" (II,18). Por' último, era a unidade estabelecirla em._!toclo o rnunclo romano pela administração imperial que tinha per-rnitido a irradiação dos mais altos sistemas filosóficos, numa at-nrosfera pela qual a propaganda do cristianismo fôra no comêçofrrcilitacla.

E tudo isso era histõricamente vercladeiro e iusto.Todavia, a conclusão resultante dêsse estatlo de coisas, isto

(', a nostalgia do restabelecimento de um novo irnpério, suscitavagraves dificuldacles, que iriam levar a cristandade, apesar cle seusirnensos esforços e dos triunfos rnomentâneos e parciais, a grandesrlc,cepções.

Mesmo ailrnitinclo que êsse novo império sonhailo puclesse se" Irun irnpério r.erdadeiramente universal, êle viria a ser forçosanien- I

1e, tal como era concebiclo de inÍcio pelos tloutôres cristãos, e tal-romo êles iriam definir cacla vez mais claramente a sua fónnu1a,rrtlar,és de tôda a Iclacle Média, um império de dnas cabeças: uma(:ilbega eclesiástica, o Papa, encarregatlo t1a diregão leligiosa elrroral, e uma cabeça laica, encarregada essencialmente de assegu-llrr a ordem material, o Iurperador. Além de que, tanto no planorla prática como no plano da dogmática, essa universalidade eraruna hipótese mais que nunca aleatória, devido às novas barreirasopostas ao desenvoh,imento do cristianismo e da civilização roma-na, nas regiões longÍnquas, pelas invasões bárbaras, e sobretudolxrla aparição clo islamismo.

Mas o ilesempate eritre os dois poileres no meio do mesmo fm-lrtilio não era fácil. Porclue, se a discriminação era já cleiicadat'rn doutrina, cada um dêles, na prática, segunclo o valor urais ournonos dominante das personalidades em causa, era tentaclo de usur- ,.

ltrr o direito do outro.

CouÊço DÁ RUPTuEA

ENTRE AS cRrsraNDADEs oo OnruNrn u po.OcronNrn

A) O cesaropapismo dos intperailores cle BipLncio

O que complicava ainila mais a situagão era a divisão provoca-rlr no mundo romano pelas invasões,, a partir do comêço dr-r sé-lttlo V.

,9

Page 17: A Igreja e o Estado

AIGREJAEOESTADO

',n Bem depressa, antes mesmo clo tlesaparecimento da autoriclade' imperial nas regiões clo ociclente, as autoridades eclesiásticas eram

mais ou menos as únicas a subsistir em face dos bárbaros com um

verdacleiro prestígio. Para defender as populações, elas foram le-vadas a ultrapassar as suas atribuições prÔpriamente religiosas.EIas se sentiam bem fortes, e tanto mais que, não o esqueqamos,

se tinham precisado no tlecorrer dos séculos precedentes a tl'adi-ção em r.irtude da qual o Bispo de Roma, reconhecido como her-deiro{ de S. Peclro, vira aclmitida a sua autoridade moral dominan-te sô6le todos os outros bispos clo munclo cristão; se bem que êle

continuasse, por rnuito tempo ainda, a ser eleito em condições idên-ticas às tlos outros pontÍfices, isto é, ünicamente pelos prelados daprovíncia romârla, com o acôrdo mais ou menos mal regulamentadodo povo da cidade, sem intervenção alguma dos representantes re-ligiosos ou leigos clo conjunto da cristanr.lacle.

Ern conseqiiência, apesar da separação catla vez mais acentua-

da entre as regiões ocir'lentais (abandonadas a si mesmas em face

dos bárbaros) rt as rcgiões orientais, efetiYa e regularmente sub-

metiilas ao Ilttl)enttl<lr tlo Constrtrrtinop)a, o Ilispo tle Rorna, a quem

Seria tlatlo poltlo A lx)ll('g () tt6ttttl tle I'a1ra, pretentlia Ser em OonS-

tantinolll:r, ta1t9 tlttittrt() t'tlt Ilt»ttlI, tr atttoridltle sttprema, ao lne-

. nos no terreno tlrr tlorttrina e ila tlisrriplina religiosa.

Os imperatlores, ao contríirio, erarn tentados a obedecer a um

reflexo inverso. Já Constantino, como o vimos, no mornento ern

que assegura\ia lror sua conyersão o reconhecimento oficial rlo cris-tianismo no Império, fôra levaclo a intervenções em que o IÉso de

sua autoriclade e o brilho tlos serviços que êle prestara à Igrejatlayam-lhe um papel de direção doutrinal, sem que o clero levantasseobjeções. E isso 1rcr cliversas \'êzes, notadamente por ocasião da

convocação do concÍiio de Nicéia. Depois dêle, também Teoilósio

ocupara uma posição de protetor, quiqá com maior relêvo ainda, e

suas intengões, mesmo sob o ponto de yista dogmático, tendo em

vista os serviços prestados por êle à Igreia, transformavam-se em

lei com o edito que ordenava a todos os seus sútlitos professarem

a religião cristã.

Ao depois, quando as relações entre o Oriente e o Ocidente

se tornaram (a partir tlas invasões [to século Y) mais difÍceis, os

imperadores de constantinopla viram-se na contingência de inter-vir para regulamentar as questões doutrinais e disciplinares que o

Papa cle Roma não tinha mais pràticamente possibilidade de re-

qt o soNr{o oa Ácura DE DUAS c^BrÇas

solver. Ilstabeleceu-se então o seguinte uso: a chancelaria impcriailrecligia uma fórmula de fé, a c1ual, aceita por todos, cler.ia pôr fimàs contror'ér'sias. Dnviava em seguida êsse documento a todos os

bispos, pedindo-lhes que o subscre\:essern. Quem recusasse assinar,arriscaria a ser deposto ori exilaclo. 'l'ais foram, D. €x., a ctlcíclicatlo Imperailor BasÍlico em 476, a Hemotiltcn tlo Imperador Zenão em482, o edito tlo fmperarlor .Tustiniano contra os Três ccttrtítttlos em*1

553, e muitos outros.

Ilm breve, o que não passava a princÍpio de um uso inilrosto Jde algum moclo pela necessidacle, tornon-se urn sistema filrisófico.-)Isso foi pelo meado do século \rf, a partir do momento ern qile urngrantle imperador, Justiniano, conferia por algum ternpo ao Im-pério tlo Oriente um brilhante potlerio, conquistando pror.isr)riarnentea África r1o Norte, grande parte da Itírlia e outlas regiões; e em-preendentlo, para a restauração tla ortlem interna, a cornpilnção.jur'ítlica qrle conservou o seu nome.

Justiniano, pois, consciente de seu prestigio, aplicava-se a de-finir clogm:)ticamente os tlireitos que deviam, segrudo êle, sel" re-servatlos ao Imperador nas questões religiosas. LIrn texto sett entreontros, a Noucl,le 71, dirigiclo a lNpifânio, Patriarca tle Constantino-pla, é a êsse respeito caracteristicamente ttma ordern. Êle começafazenclo uma distinção, de aparência muito pmdente, entre os doispoderes, deciarando:

"As maiorcs coisas que Dcus tem eoncedido aos hornens sào \o saccrdócio e o Império; o saeerdócio p&ra o serviço tlas coisas J

divinas, e o Impório para â ordcm dos negócios humanos". _j

Mas acrescenta:

"Os imperarlores vclam com granrlc interêsse pela honestidrrdJtldos clórigos c pelu verdadc dos dogmas. Tudo andará muito bemse forem observados os stntos cânoncs que recebemos dos :rlróstolus,.e que os santos lladres conscryàrânt o explicaram". J

I)ava, assim, a entender, que tocat,a ao fmperador o contrôlerla disciplina do clero, e até mesmo da ortodoxia dogmática. E,com efeito, terminava fixando por sua própria autoridatle uma sé-rie de prescrições que determinavam as conclições da escolha e dasrrgração dos bispos e ale aalmissão aos diversos gralts do clericato.( lonyiclaya formalmente torlos os eclesiásticos a observarem essasprescrições. Previa sanções espirituais, e chegava a anreaçÍrr cotn

ói)

Page 18: A Igreja e o Estado

36 ÂIGRB.TAEODSTADO

a excomunhão os delinqüerrtes. Em suma, cleclarava-se êle qualifi-caclo para velar pela ortodoxia, para agir como superior do cleroem toalos os domÍnios.

Depois tlêle, influenciados por semelhantes textos, seus suces-

sores impunham cada 'i,ez mais o seu domÍnio sôbre o conjunto do

ciero clo Império do Oriente. Entretanto, mesmo no ambiente do

Im1Ério oriental, a ilominação 'dogmática e administrativa dos

imperaclores sôbre o clero não ia desenvoh'er-se sem suscitar porl'êzes graniles resistências. Tal foi, por exemplo' o caso da cisão

elo rnunrlo rcligioso bizantino, no sécrilo VIII sobretudo, quando c1a

famosa polêrnica intitulad:r: a querela clas imagens. Dssa querelagiraya em tôrno cla questão tk: saber se a del'oção que tinha o

povo para com as irnagens rle Deus Pai, do Cristo e clos santos ti-nham algum caráter sttpersticioso. Nessa ocasião, alguns impera-qiores tendo tomaclo o partitlo dos adi'ersÍrrios t.lo culto das imagens(tamhém chamados iconocli'rstas), chociiraiu-se coln unla oposiçilopoclerosa e obstinada.

IIas, finalmente, mediante certo uúmero de concessões aos ad-

versários dos iconoclastas, os imperadores tinliam consolidado sua

autoriclade sôbre o clero, tanto do ponto de vista dogmático comotto ponto r1e vista arlmirristrativo. E a preeminência do Imperadorsôbre o patriarca de Constantinopla, a mais alta autoridade reli-giosa da cristantlade do Oriente, niro foi mais pràticamente dis-

f'cutida. O sisterna assirn estabelecido acabou imponilo-se. Os histo-riaclores deram a êsse sisterna o nome de cesaropapismo, pale in-ílicar que o soberano, tornado ile algum niodo papa e imperador ao

L.mesmo tempo, exercia tle fato os poderes religio'so e laico.No comêço, entretant.o, tttttre os séculos Y e YIII, essa ques-

tão clos podercs itnperiais tiniia ficado inprecisa, nãto obstante es-

ta ou aquela iniciativa dos intlleradores, como p. ex. âs iniciatir''astão importantes de Justiniarto.

O papaclo, em particutar, uão tinha levantado objeções às pri-rneiras usurpações. Aliás êle, e de rnotlo geral toclo o episcopailodo Ocidente, encontraYa-se então em posição de inferioriclaile em

face dos ocupantes bárbaros.

B) A lgreio, e o despertar do Ocídente

Apesar clisso, à medida que o tempo pâssaYa' que a Igreia c1o

Ocidente aurnentâva o seu prestÍgio por sua obra ciYilizadora' e

que o Império do Oriente se revelaya, pelo contrário, definitivamen-

o soNrro oa Áçura DE DUÂs cABEÇas

te incapaz de retomar o contrôle dos territórios por êle perditlos,a situação mudou. Não sômente os papas iam falar com mais 7autoridade aos irnperaclores tle Constantinopla, mas iam torttar tiniciati'r,a cle suscitar a fundação de um novo Império do Ocitlc'nte, oImpério ile Carlos }{agno, do qual esperayam guardar o contrôlgDaÍ surgiram muitas e graves dificuldatles.

De um lado, êsse novo fmpério do Ocic'lente, criação do papado,'iaparecerá doutrinalmente conto um rival, um adversário do Impériocesaropapista tle Bizâtrcio. As relações entre Roma e Constantino-y'pla se agravarão depressa a partir do séctilo IX, e terminarão, noséculo Xtr, numa ruptura, qtte jamais pôde ser daÍ por diante retns'diacta. Haverii dorayante, se nos limitamos a uma análise polÍtica,ruma cristandade do Oriente, dependente de Bizâncio, que se cha-mará Igreja Ortodoxa, e uma cristanilade do Ocit.lente, qLte se re-servará o nome de Igreja Católica.

À obsessão tlo império universal de duas cabeças, destirtado a)assegurar a expansiro da única e verdadeira religião atrar'és dornundo inteiro, terminava assim num resultado exatarnente inver-so clo daquele que os cloutrinadores tinham concebido. No clomÍnioainda restrÍto em que fôra espalhatlo o Evangelho, rluas cristanda--tdes se opunham uma à outra,

De outro laclo, também no seio do novo Irnpério do Ocidente'as rivalidades entre as atrtoridade religiosa e a autoridade laica r'ãoigrialmente reâpârecer, e bem depressa. Sem dúvida, elas não se

irpresentarão nas mesmas conilições. Porqtie êsse Império, criatlo ?rle marreira urn pouco artificial pela vontade dr-rs papas, ern terli-tórios ontle se tinham começaclo a constituir, sob as onclas clas in-vasões sucessivas, comnnidades polÍticas, adntinistrativas e mesmonacionais distiritas, de cuituras sob ntuitos pontos de vista desi-guais, não englobará jamais o conjunto das populações que o cris-tianismo tinha .já tocado no tempo da primeira rotrariiclatle, nemrlresmo durante o grancle reinaclo de Carlos Magno. Os imperado;ires, para se manteretn tro pocler, terão aqui e acolír, mais que os

rle Bizâncio, necessiclade do apoio clas autoriclades religiosas. l\{asêles se vão cansar bem clepressa tlêsse apoio, tanto mais que não se

sentem reconhecidos por êle. Cada vez que êste ou aquêle itnpe-rador, seja eur razão das circunstâncias, seja em razão tle sua 1tró-pria personalidacle marcante, julgar que pode prescindir dêsseapoio, êle o fará. Mas der.ido às suas fraquezas, êle só o conseguiriirnui imperfeitamente. tr)ntretanto, nas regiões independetttes tla

ó,

Page 19: A Igreja e o Estado

AICRDJADOESTADO

àutoridâde imperial, as autoridades laicas constituÍdas, em reper_cussão, procurarão aproveitar-se tlas dificultlades entre o papa eo Imper.aclor para assegurareirl a sua própria autonomia.

()o,reçará então a lo,ga e decepcio.ante ruta, qlre a históriachamorr ''a luta errtre o sacerdócio e o rmpério',. Nesse combate, opap:rdo, rk'pois cle alguns rnornento§ vitoriosos, e ttepois de ter em-llregtrtlo nmitos e infrutuosos esforgos, encoritrar-se-á finalmentenumil situagão niuito difer:ente daquela qlre seus principais tlou_trinaciore-q tinharn imaginado, e cotrr um sisterna de Estados distin_tos cujo dese,volr-imento vai trazer-lhe problemas inteiramenteno\.os.

Àiém disso, atra,'és das fórrnulas ruais ou lne,os efetivamen-te admitidas desde constantino e 'l'eoclósio, segunclo as quais opoder laico iigado à Igreja tinha oferecido a esta o seu concursopara suscitâr, e [)esr]ro ilipor eventual[rente as coriversões, outradificuldatle encontra\.a-se irnplicitamente levantatla. Era aclmis-sÍvel, era aceitável que as corrr.ersões fôssem direta ou indiretamen-te impostas pela autoridade (fôsse eia religiosa, laica, ou as duas con-juntamente), desde que, segunclo a concepqão essencial rlo cristianis-mo' o ensinamento rerigioso tinha por fi,r levar a cada u,,r a pos-sibilidatle cle assegurar rivrernente a própria sah,ação? porque,

. r #o.i pscreria mais tarde o papa Leão Xrrr na encíclica Libertas,\ I "n- lil,e'tlade é o bem emi,e,te do ser hnmano, senhor e responsá-fxel tle serrs atos".

Na ,ealirlade, êsse proble,ra só se apresentarii clararnente aclsesirÍritos ellt 1rerÍrttltts rla hr'strlria bem ltrtiximos de lossos ternposatttais. Isso st:rii tlttittttlo, atruxis tle ]trtas e tliscussões sern núme-ro, tanto no seio da Igre.ia corno fora dela, a evolução dos séculos e

ros pl'ogressos dÍr cir,il iz[ção tiv«-,renr clespertailo os honrens paraI o esfôrç. .o sentitlo tle rla. rr.is 1*e<:isão li natureza, ao

'alor e aoJ al.rrncr tlesta Doção tle liberrltrrlt-' rrror.al inclividual, que a pregação

evrrngé)ica ti.ha trazitlo ou transfonnado. o que não se fará, aliás,I seli nnrito trabalho e grantle confusiro.

}-esses ternpos longÍnquos, em que tantas massas c1e bárbaros,quase {ompletamente incultos, mal concebinm a idéia tle que putlessehaver lilrites no poder dos soberanos, era natural, senão evangéli-co, era nlesllo de algum rnodo inevitiir,el que os chefes r.etigiososfôssern ler-atlos a ignorar niuitos escrúpulos, que só mais tarde dle-viam aparecer essenciais,

38 o soNuo »e ÁcurE DE DUAS cABEÇ^s

Era já grande coisa que êles se interessassem em proclalllilr {)

t'rn manter a própria indlependência espiritual em face tlo lxltlerilrico (e virnos que, no Império do Oriente, tiveram que renutrciar'lrem depressa a essa independência). IÍas se eram lrtais livresrrtrs regiões do Ocidente, ontle os bispos eram pràticarnente os uni-..os a representar uma autoridacle civilizadora, por estarern essas

regiões sem direção governamental em vista da decotnposiqão im-lrerial, essa autoritlade era nraterialmente bem fraca e tlesartttatla,I'trra agir com eficácia, êles iam ser pràticamente obrigados a re-r'orrer à ajutla tlos soberanos locais, das personagens laicas dominan-les, afim de conseguir que êstes impusessem a conversão aos seussÍrditos pela influência de seu prestÍgio, e mesrno por intervençõesIrrutais. É o que acontecerá, entre outros exemplos significatir.os,r'(»n a conversão dos sÍrditos de Clór,is, e, mais tarde, com a conyer-siro dos povos germânicos anexados por Carios Magno.

Por aquêle tempo não hat,ia, pràticamettte, meio de fazer deoutro moclo. Entretanto, se no comêço foi pela intervenção autori-títria clos chefes laicos que os bispos e o clero puderam empreendert obra da conversão ou tla reconversão das regiões bárbaras, foi emseguida pelo esfôrço de persuasão e de educação dos espÍritos quet'ssa obra conseguiu solirlez e duração. À Igreja, afinal de contas,yrermanecerá, quanto ao essencial, fiel à letra e ao espÍrito da pa-lrvra evangélica: "Ide e ensinai a todos os povos". E é por ai,rrntes cle tudo, que se consolidará o seu esfôrço de expansão.

Àpesar de tudo, inilepenclentemente da questão de saber em(tne medida e em que condições seriam reguladas, na estrutura ad-

rlrinistrativa geral da sociedade, as relaqões recÍprocas de preemi-rrência ou de dependência entre o poder laico e o potler religioso,llrn novo e complexo problema era previsto para o futnro.

Em que circunstâncias der.eria a Igreja reclamar a intervenqãorlisciplinar do Flstatlo, para apoiar seu esfÔrço tle coliversão e c'le

rrlucação moral? Em que circunstâncias, enfilt, (e isto ia ser sob

rrruitos pontos de vista o mais clelicado nos lterÍodos mais recentesrla história) poclerá ela fazê-]o? tr)tn que nledida, uleslllo eyentual-rrrente, e afirn de assegurar o apoio do poCler laico, tleverá ela tra-1ur com homens ou grupos de valor moral disctttÍvel, suscetÍveisrle buscarem ünicamente, nurn acôrdo cont ela, o rrreio de neutrttlizarIrs revoltadas provocadas pelos abusos dêles?

39

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40 AICREJ,\EOESTADO

No entanto, atrar'és de tôdas essas complicações, ia ser a Igr.e-ja a animadora do clespertar e clo clesdobrar da civilizaçiro, nnmmundo em que se desmoronava o poderio romano.

Yamos agora seguir, através das iclacles, a evolução e as r.i-cissitudes dessa obra da rgreja, a braços com a dificuldarte de fixaras relações que po[liarn e deviam existir entre ela e os pocleres,embaraçada pela nostalgia que ela guardava clo sistema imperial.

Evidentemente, consideraremos sobretudo os esforgos da Igre_ja do Ocidente, daqnela quq definindo e impondo claramente, alle-sar das crises de tôda a espécie, a preeminência rlo papa, hertleir.ode são Pedro, tem-se aplicado a justificar o nome que receben rleIgreja Católica, isto, Igreja universal.

CÀPÍTULO IV

A IGREJA PROCURA APOIAR-SE NO OCIDENTE

Os srspos »o OcropNrn DM racu oos BÁnnenos.

Se, numa obra como esta, somos obrigaclos a restringir-nosàs linhas mestras, niro é menos essencial considerarmos com algunspormenores a açiro e a influência de algumas das mais altas auto-ridatles ern meio às confusões acabrunhantes cla barbárie invasora.x)ssas autoridades representaram durante mais de três séculos, pe-lo dinamismo de sua fé, a principal e por assim clizer a útnica fôrcaativa na civilizagão do ocidente, que estava abantlonaclo às piores,desordens.

A) Banto Ágostinh,o em face dos tsô,nrJalos.

Nascido de farnílir cristã, na Áfriea do Norte, no ano 354, antes ilasprimeiras derrocadas, êle tinha no comêqo de sua vida vacilado muito tempocntre âs doutrinas opostlts de diversas heresias e restos de influência dastntigas filosofias pagãs. Êlc procurara primciramcnte, não sem graniles rle-cepçõcs, triunfar corno professor de retórica e eseritor, cm Cartago, emlioma, e depois em lÍiliro. Convcrtendo-sc, sob a influêneia de Santo Am-brósio, voltou p:rrà rr África, orrde, em rlzão de seu ptcstígio, foi eleito porseus compatriotrs Bis1ro de Ilipona, (hoje Bona), em 8g6.

Durantc os primeiros arros de sou pontificado, essas províncias dc a1óm--mar cstrvtm sob a autoridade r.le merccnários b:ir:liaros, os quais, no entanto,:ro lucnos em teorir, permaneciam a serviço do Impório. Agostinho nito tevenrais quc uma dupla missão, aliírs imensa: lutar por scus escritos pela de-fosa da ortodoxjr doutrinal coritra âs heresias, e manter por seu prestígio al)rz e â. ortlem em sua diocesc.

Dm scguidl, no ano 410, sobrevcio a invasão c a pilhagem de Roma pelosvisigodos. A ocupação durou pouco tempo. Alarico morreu pouco depois desua vitória, e scu sucessor, desorientado, tratarâ com âs restantes autorida-rlcs imperiais na It:ilia a evacuâgão da cidade, abandonando-Ihes diversos ter-ritórios na Gília.

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42 AIGREJADOESTADO

Mas o acontecimcnto teve enorme lepercllssão em todo o conjunto do

mundo romano, alguns joSrvam a rcsponsabilidadc desszr cathstrofc sôbre o

cristianismo, acusando-o de ter arruinado a velha arüradnr:r ronlaila, e comisso preparado o caminho aos bÍrrbaros. Outros, sem ernitir opinião alguür:r,permâneciâm acabrunhados dc espaDto e dc desânino,

Àgostinho, porém, começarâ a escrever a stla obla: A Cirlatle

cle Deus, cuja influência ia estender-se a lillmel'osos §éculos, e ia

ser das mâis consicleràiveis. Ete se esforçava nessa obra por de-

monstrar, de urna parte, que o cristianisnio llão erâ o responsáYel

pela decadência do Império, mas sim as depraYações nascidas clo

paganismo. tr)xplicava em segnida que só a Igreia, ao contrário,armada das novas concepções Inorais da pregaçãto eYangélicà, era

capaz d,e salYar o mundo da ruína. E por essa' explanação, êle se

reyelava de certo modo o primeiro animador da obrn- cle tlefesa

civilizadora, que tantos pontÍfices, depois tlêle, irão tomar em mãos

em face dos bárbaros, Em sua visãro clas coisas, êle se elel'ará mui-

to acima de todos aquêles que viriam daÍ por diante inspirar-se de

seus exemplos. Porque, como iá o assinalamos' enquanto que amaior parte de seus sucessores ficarão por muito tempo ollsidiadospelo sonho da reconstituição de unl noYo irnp'ério de duas cabeças,

uma eclesiástica, outra laica, Santo Agostinho contentava-se enl

indicar que a Igreia podia pro§§eguir sua obra sern ter tle se pret»

cupar com as aliferenças de costumes, de leis e instituições.

Dnfim, intransigentc em sua convicção, êle contirruarí por vinte anos

ainda, ató à sua ntorte, a reanimRr lr coragt'm de todos aquôles que potliam

repreÁentar aincla elcmcntos de resistência, apcsar d:rs rrovas ortd:rs do liár-haios que rebentavam, c niro obstantc a pilhngem scmeada 1tó os lir,ites de

seu bispaclo fle I{ipona pclos vândrlos tle Genserico, desembarcltdos rra África.Ilntregou sua bela ahna:t ])ttrs:t 23 de aSosto rlo 430, aos 7G anos de idadc,depois rle ter sirlo semprc o lccottfôrto c o apoio de todos em tôrno de si'

sem dúvida êlc nada impcdir'lt por uma :rção irncdiata. Ilipona capitu-Iava alguns mcscs depois clc scu dcslparecincnto; e pouco dcpois os vândalos

..eram senhores de tôda a África ilo Norte, Srlvo por un breye períor]o (quando

I ila contra-ofcnsiva tentada no sóculo scguinto Irelo Imperador do Orientc,i.Justiniano), os traÇos tle Roma iam dcstrparccer dcfinitivantcntc das costasr--meridionais do l\Irtliterrânco. Mais algurn tcmpo e tôda cssl rcgião cstaritLd" rouo cobcrta pclos ctvaleiros ilos primeiros discípulos dc, ]fnomó'

Mas o qlte permanecia era, atraYés de suas obras escritas, eln

breYe espalhatlas por tôda a cri§tandaLle, um exelnplo e um mo-

dêlo para todlos os liispos e pontÍfices que iriam, dellois dêle, apli-car-se ao desenyolvimento da obra civilizadora da Igreja.

A IGNIIJA PROCI]RA APOIAR-SE NO OCIDDNTII

B) Sdo Led.o ent Íace tlos ll,u,nos.

Depois ilo Sânto Ágostinho, a segunda tlts mais altas e ma.is espetaculrt- Yrcs personalidades pt.rntificais de rosistêncitr à bnrbáric foi a do Papa Sãof:cão. Yintc e dois anos crarn pnssados desde à mortc de Àgostinho. Às f

:lsi:",01ft:?u.,*":'"1,:il1:'1,i"1"fli""# ,1Íi:'ii#ffi::,. dos úrtimos imlrr:'

,

Em 431, depois de trlntos invasorcs germânicos, que ainda tinham, t'mtotlo o caso, algurua cultura, devido a sua vizinhançâ com o Impório e àsheresias ariltnls, tpflreccram os mongóis, vindos das profundczas das estepesasiáticas: os hunos de Átila. n'elizmentc, não cram nunterosos. Como tantosoutros, atràvessaram o Ile'no sem rcsistência e entràrâm na Gália; suscitartrnà sua passagcm um imcnso terror por tôda a pârto. IIas poucos meses dc-

1rois, sem terem ousado atactr Lutóci:t, orrde, segundo a lenda, Santa Gcnovevatinha reanimndo a rcsistência dos habitantes já prontos a abandonarcm a ci-dade, forarr dctidos pelo exórcito comandado por um dos últimos grandesgenerais do Impório dccadente, Aírcio- tr'or:rm vencidos nos càmpos catalâni-cos e retroctrleram. No ano seguinte, poróm, Átila, tendo reagrupado e re-forçado suas tropas, rccomcçou a ofcnsiva, desta vcz contra a Itália. Em pou-eas semanas todo o norte da península cstava ocupado. As tropas da re-sistôncia debandaram-se, c já não havia, ao que parece, nada que pudesseb:rrrar-lhe o c:rminho do Roma.

n'oi entiro que o Papa São Leão, ailtc a impotêncit dos quadros admilis-trntivos c militares, tcve uma audlciosa inicitrtiva. Sem soldados, coln unrcortejo composto quase cxclusivamente de sacerdotes e diáconos, êle saiu aoencontro do invasor; encontrou-o às margcns do Mincio. Que se pàssou,i:xatamente? Muitas lendts foram espalhadas daí por diante. Yários cro-rristas contarn que Átiltr, encontrando-se em prescnça do Papa, vira-se amea-{:ddo pela espada de um vulto vcstido de branco, que se postara por dctrástle seu interlocutor. Seia como fôr, o certo é que o Papa obtivera, mcdian-to o pâgamento de uma indenização, que os hunos se retirassem. Átila par-tira com suas bandas ató à planicie do Dlnírbio, onde foi morto alguns mesesrlepois.

I;'ma im:rgem, poróm, de carátlr cminentemente simbólico permaneeia:o prestígio de São Lcão, sem o apoio dc cxórcito tlgum, detivera e :rfastarao pior dos lrerigos aos quais o Ocidonte estêvc exposto; lrois o Impór'io jáni-ro resistitr"

C) Sir,o Rentigio c os francos de Clóuis

À tcrceira grandc figura dôsscs tcmpos críticos foi a de São Remígio,Iiispo de Ileims, que converteu e batizou Clóvis cm 498 ou 49Í).

Agorir, pouco mais de vintc anos dccorridos, o Irnpório do Ocidcnte cs-

l rrvl dofinitivamcntc morto. O últirno Imltelador, Ilôrnulo Augústo, tinlrrtsido doposto e internatlo polo Rei gerln:lno (ldoacro. I)e todos os territóriosrridentais outlora englobados na unidaile romànfl, nada mais rcst:rvtt qlt{]run mosaico de principados bhtbaros, tão instriveis qulto dísparcs. Os osttrr-godos de 'I'eodorico ocupàvam a lt:i1ia. A Áf rictr do Norte cstava dotttittrt-rlrr pclos vândalos. Os visigodos estavam la I,)spnnha c na Àquitânirt grtulos:t.()s burgundios estàyâm instalailos no valc do Ródario, os:rlamaltos ttlt Âl-

43

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44 ÂIGTI,EJADOESTADf)

síciâ e nâ Lorena. Ilnfim, mais parâ o nortc, em X'landrcs e nâs Aralenâs,tinhan-se jí fixado desdo hír algum tempo os fr:rncos. lilstes, no ano 481,quando tinharn escolhido para soberano um chefc ainda jorcm, que passa.-ria à história coln o nomc dc clóvis, nÍo cram ainda os m.is n,merosos,nem os mais poderosos.

Clór,is, ambicioso e enérgico, qnis ittediatameitte esteniler osseus territór'ios. Cour alguurtrs campanhas ocupolt nlais da r]tetadedo norte da Gália. Ern meio à confu-qão geral reinante, êIe âpareciacomo sendo, ito momento, o rnais capaz para restilbelecer uma ordefl]mais ou rnenos clurável. Sem ernbargo, suas possibiiiclades perrna-neciam ainda incertas. Dlas iaiu ser consolidadas por meio de urnaespécie de acôrdo, aiiít"s negociado com rnuita lentidão a princÍpio,entreêleeafgreja.

Terá sido ôle quem deu os primeiros passos? Terão sido osbispos? É difÍcil de detemrinar. l)ois dados, em todo o caso, fo-râm admitidos. No conjunto da GáIia, sob o domÍnio dos dÍspa-res poderes bárbaros, qtie yi\:iam em geral em nteio aos poyos con-quistados sem interêsse elll se fundirem corn êles, a yelha populft-ção galo-romana permatrecia cr.istir, cirtólictr, submetitla à influên-cia de seus bispo"s. Irlnquanto qlte a maior parte rlas tribos bát.ba-ras praticavam o ariAnisnro, os fl.irnt,os de Cló\.is permaneciamainda pagãos e idrilatras.

Clór,is parece ter-se conr-encirlo rlo quc êle triunfaria mais fti-cilmente de seus rivais liírrbaros se êle estabelecesse r.elações maisÍntimas entre os seus guelreiros e a pollulação galo-romana. Etais relações só se podiam realizar por inter.rriéclio tlos bispos. Êstes,de seu lar.lo, cornpreenderarn que tÍrl atitude tta" parte de Clóvis lhesfacilitaria a conyersão tlos francos, aindtr itlólatras, coryersão essaque seriâ ainila mais fírcil que a rlos outl:os bírrbaros, entre os quaisos sacerdotes arianos seDteit\:arn ódios contr.a o catolicismo, dificil-mente reclutÍyeis.

Seja comcl fôr, por uma série de etallâs em qtle a história no-tou a ação metódica e paciente de São Iletr-rÍgio, a negociaçiro foi]er.ada a bonr tênno. Ma ternrina\:a, no ano 493, pelo casalnentode Clóvis conr Clotilrle, filha de uma pr.incesa rle origem burgún-dia; esta, tenc'lo-se enviuyàdo, fôr.a convertitla ao catolicismo e edu-cara sua fiiha nurna grande pieda(le. Urna vez casatla, Clotilde,com a qrlal o clero mantinha relações freqüentes, tinha influen-ciado lentainente o espír.ito de seu espôso, ainila solicitatlo pormuitas vacilações e reticências. Depois, segundo a lencla, duran-

A IGREJA PROCUR,A APOL{R-SE NO OCIDENTE

te a famosa batalha contra os alamanos em l'olbiac, em 496, Clóvis,venclo recuar suâs tropas, pediu o socorro do "Deus de Ciotilile",prometendo conyerter-se caso obtivesse a r.itória. Ii.inalmente, rle-pois de várias negociações, e1'a celebrada na catedrai de Reinrsa cer"imônia, pornposamente prepar.atla e presidida por São Rernígio,clo batismo c1e Clór,is, juntamente corn três mil ile seus guerreiros,e de sua sagração real pela Igreja.

Quaisquer que fôssem as segundas intenções de ambas as partes,.o triunfo era cornpleto. Pirblicarneute apoiado agora pela Igre,ja,Clór,is ia coriquistar noyas vitórias. Qualclo êle rnorteu, ern 511,senhor da naior parte tla antiga Clália, a Igt.eja que, aJgurnas de-zenas de anos antes, parecia pe,rdida e,rn meio ao esboroalnento doImpério do Ocidente em decornposição, reeucontrava o apoio cle rtrr1yasto território. Il pela primeira yez, graçâs a ela, preparaya-se afusão entre as yelhâs populações r"omanizadas e os mais clinârnicosrlos bárbaros, os francos, convertit'los graças às hribeis negociaçõest'le São Remígio. l)aí por diante, no clecurso t'las idades, os historia-dores vilam nisso o vcrtladeiro nascimento c1a Ifrança, da Irrariçtrprimogênita das nações da truropa post-Império Ronlano, rla Ifr.an-ça que, em mernória da con'rersão de Clór,is, del-ia intitular-se a simesma durante séculos "a filha prirnogênita cla lgreja.',

Nescrrrpxro or IrnexÇe

Entretanto, se a fgreja, por intermédio ile São Rernígio, rle-sempenliou na a\.entula de Clór'is um papel detenninante, ela sópôde agir de modo indireto, graças :i influência moral que tinhasôbre Clotilde. 'I'udo dependeu essencialmente da yontacie e dasarmas de Clóvis. Nada Íoi intlicado con exaticlão, por pouco quefôsse, quanto irs relações de direção ou de depentlêucia que pocle-riam existir para o futuro entre as autoridacles religiosas e a so-berania laica.

Além disso, sc C1óvis tinha criado de certo modo um Itrstado que ia du-rar depois dôIc; e se, durante cêrca de 250 anos, seus descendentcs iam su-cccler-se e represcntâr sem soluçiio de continuidade a primcira dinastia dos reisde X'rança, a dinastia merovíngia, no plano da realidade, porém, cssa corrti-nuidade não se manteve scm graves âtritos. Porquc os vários filhos do So-berano extinto dividiram entrc si o poder, por várias vêzes, e chegaram mcs-Ino a se bater e â se Inâssacrar mirtuamente-

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46 À IGRI]ÍA I] O F]STADO

A seguir, os próprios reis, não estando ii altura dc reagir, viram-sc pou-co a pouco dcspojados dc todo o podcr rcal por divcrsos pcrsonagens dc seucírculo, aquêles a quem a história chamou de "prefeitos do palácio".

'l'ôdas cssls desordcns eram acompanhedas dc uma brutalidadc dc cos-tumes e de uma incultura gcral às mlis das vêzcs hmcnthvcl. A declrdên-cia intelcctual c moral, preparadl pelas lrlirneiras invasões do sóculo Y,continuavam e, sob muitos pontos dc vista, parecin agrâytr-sc.

Sem embargo, ao menos em princípio, a unidade franca eramantida no yasto território submetido âo poder tie Clór,is. Iij essaunidade pennanecia urna vitória da Igr:eja Católica sôbre as here-sias e sôbre as diversas forrnas de paganisnio (o da antiga Ilonae o dos idólatras bárbaros).

O clero, com efeito, aplicava-se a conservar, e mesmo a conso-lidar a influência que lhe tinha assegtrrado a conversiro tle Clóvis,emborâ lhe fôsse preciso, prra isso, fechar os oihos a muitos es-cândalos dos costumes retis. Ilispos sentayailr-se, regnlarmente,ao lado de chefes rnilitâres rlos conselhos de go\,êrno. Yários dê-les eram ministros tlirigentes, como p. ex. Santo Elói, colaboradorde Dagoberto, que foi urn clos nais céle.ires. Concílios episcopaiseram realizaclos perit'idicamcnte, sempre con\-ocados em âcôrdo corno poder. Nesses concÍlios eram estudados e fixatlos pontos de dogrnas;e assim era barrado o caminho aos eventuais renascimentos de he-resias,

Á influência do elero, assim mantidtr e cstcndida, tinha como efcito umadupla conseqüência. Parece que a pcnetração religiosa nas massâs, apesarda misória moml dos tempos, torrava-se crda dia mais profunda. Um dostraços mais significativos drssa penetração cra a multiplicaçho dos mostei-ros. Desde os primeiros tempos, com efeito, afora o clero prôpriamentc dito,homens e mulhcrcs aplicavam-se ao desrlrôgo das eontingências da vida desocicdado para vivcrcm na rneditaçiro e no isolamcnto. Com a aproximagüodos tempos bírrbaros, porrln, no Ocidentc sobrctudo, êsses solitários, mongese rcligiosas, já não sc contontav:rrn com sur r.ida dc oração, e aplicavam-seâ mântcr âo mesmo tempo os aslrectos csscnciais da civilização declinante.Aproveitavam-se, pârà isso, do prcstígio e dls imunidtdcs que mcsmo âosolhos dos mais reacionririos lhcs assegurava seu cnliitcr religioso, e trans-formavam os mostciros para onde se tinham retirado em ccDtros dc cultu-ra intclcctual, agrícola c artesanal.

Ora, durante os sóculos VI, VII e YIII, ôsscs mosteiros rnultiplicaram-seconsidcràvelmentc, âgrupando mongcs letrados c dcsbravadorcs cm nírmerosempre crescente, vindos dos mais diversos mcios sociais, c protocando emtôrno de si o nascimento de aglomcrações prósperas sôbre as quais excrciama sua influôncia.

Dis aí a prova mais evidente da ação eÍicaz ila Igrcja cm profundidade.

A IGREJA PROCURÂ APOIAII,.SD NO OCIDDNTD

Àlém disso, pode-sc vcrificar que, fora das rcgiões arrancadas às hcrc-sias arianas ou outrâs pela convcrsão de Clóvis c de scus guerreiros frrn-cos, as adcsõcs ao eristianismo iam estender-se, vindo primeiro os burgundiosdo r.ale do Ródano, e cm scguida os visigodos da Ilspanha; isto, sem falarda nçi.ro mais ou nrorios isohtias de alguns mongcs missionários que foramcvangclizar a Gcrmânia, a fnglaterra c a Irlanda.

PnrrrnrR,rs DrrrrcLrr,DÂDDS D^ rcnDJA oo OcronlrrnCOM BIZÂNCIO

À organizaqão regular das relações entre as autoridaales reli-giosas e o poder laico permanecia, entretanto, atranés de tudo isso,muito imprecisa, entregue ao azü: (fo prestígio mais ou menosconsialeráyel dêste ou daqnele pontífice, cla complacência maior oulnenor dêste ou daquêle sobelano passageiro.

O qtie era mais grave é que a posição da fgreja Católica du-rante tôda â época meroyíItgia, fora das regiões controladâs pelosfrancos, complicaya-se e se tornaya perigosa sob Yários aspectos.

Se o Império do Oriente, iá enfraquecido ilesde o século Vpelas inyasões bárbarâs do Ocittentg tinha conhecialo um perÍodode renascimento durante o reinado de Justiniano no século YI,nem por isso deixaram de se agra\rar as dificuldades doutrinais iáexistentes entre êle e o Papa de Roma. Porque o cesaropapismobizantino tornaya-se cada Yez mâis acentuado, Além disso, os im-peradores de Constantinopla, mal reinstalaclos na Itália do Nor-deste, não estayam em condições de trazer um apoio material efi-caz 'ao Pontífice Romano, constantemente ameaçaclo em sua inde-pendência pelas ondas sucessi\ras de bárbaros, em particular pelos

ostrogodos chefiados por Teodorico.

À situação tornou-sc particularmente difícil no sóculo VII e no comêqodo VIII. Com efeitq após o breve renascimento de Justiniano, a prcgaqâode }Íaomé tinha provocado a espantosa expânsão de conquista e fanatismoentrc os árabcs convcrtidos ao islamismo, Em poucas dezenas de anos êlescobriam não sômcute a Síria, a Palcstina, o Egito, a rlfrica do Nortc, mastrmbóm a Europa, passando pela tr)spanha. Pclo ano 732, os francos daG:ilia, não obstante o cnfraquecimento da dinastia merovíngia, permânc-ciam a única grande fôrça cristã organizada e sólida do Ocidente. Foramôlcs quc, na batalha dc Poiticrs, sob a conduta dc Carlos }Íartel, Prefeito doI'allicio, detiveram as hordas muqulmanas que tinham franqueado os Pirineus,obrigando-as a recuar e tr cvacuar todo o território gaulês. À Espanha, po-róm, ondc, cm pcríodos rccentes, foram convcrtidos com tanto trabalho ao

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ÀIGREJADOESTADO

catolieismo os visigodos arianos vindos no século Yf, estava perdida para acristandade por um período de vários séculos, completamente dominada comoestava pelos árabes.

Pelos fins do século VI instalaram-se ao norte da Itália oslombardos, arianos também, como os visigodos. Entretanto, devidoà influência e ao prestígio dos francos da Gália, já, convertidos,uniram-se em seguida ao catolicismo, tomando-se com isso menosameaçadores. De repente, porém, foram retomados pela ambiçãode conquista, quando, em conseqüência das clificuldades e das ruínasde tôda a espécie causadas aos bizantinos pelas conquistas dosárabes, algumas posições conservadas na Itáiia pelos imperadoresdesde Justiniano tomavarn-se difíceis cie ser defendidas. No co-mêço do século VIII, o soberano vi-sigodo Liutprand, ár,ido de gIó-ria, decidira tornar-se senhor de tôrla a península. Sem dúvida êleafetava grande respeito llelo I'apa. l\{as não iglorava que as rela-ções dêste com Bizâncio tornava.rn-se câda yez, mais clifÍceis. Osimperadores tinham tentado impor o seu contrôle ao PontÍfice deRoma, como o faziam ao Patriarca tle Constantinopla, e-xigindo no-tadamente o direito de ratificar as eleições ltontificais; mas nosúltimos tempos, tendo-se enfraquecido o poderio bizantino, o pa-pado reagiu. E durante as longas discussões cloutrinais suscitadasprincipalmente pela querela das imagens, diversos papas tomaramabertamente posição contra as teses adotadas pelos imperadores.l\[as êstes últimos, apesar dos embaraços cle tôda a espécie, nãoqueriam renunciar à convicção de que era justo e conforme a umsábio equilíbrio que o poder eclesiástico ficasse subordinado aopoder imperial.

Liutprand, penetrado clessa convicção, não dissimulava que seêle contaya defender o Papa, ao se tornar senhor da ItáIia, serianuma atitude de protetor, semeihante àquela que :á, reclamavamos imperadores de Bizâncio. Evidentemente, tal proteção da partede um bárbaro de cultura tã"o sumárria e de costumes tão grosseiros,parecia ainda mais inquietante que da parte dos bizantinos.

o

No ano 754, omesmo tempo dos

PAPADO PEDE O APOIO DOS FEANCOS

cnreçÃo Do DsraDo PoNrrnrcar,

Papa reinante, Estêvão If, para se proteger aolombardos e dos bizantinos, solicitou o apoio dos

A IGREJA PROCURA APOIAR,-SE NO OCIDENTE

francos. Se a dinastia merovíngia, desde há muito tempo decaden-tê, reinava ainda nominalmente, na realidade, porém, o poder itipertencia há mais de cinqüenta anos, na Gália afrancesada, à maisbrilhante das famÍlias de prefeitos do palácio que se tinham poucoa flouco imposto pelo seu prestígio, a família dos Pepinidas. A pri-rneira e mais marcante figura dessa família foi Pepino de Heristal,qne teve por filho Carlos Martel, pai de Pepino, o Breve.

O Papa não ignoraYa qlle os Pepinidas desejayam consolidar olr,oder r}êleS, fazendo-Se reconhecer Como SoberanoS regulareS. Porintermédio de um grande Bispo do momento, São Bonifácio, QUê

aclquirira grande prestÍgio evangelizando a Germânia, Pepino, oBreve, três anos antes, tinha-lhe feito a pergunta seguinte: "Con-vérn chamar rei ao que só possui o tÍtulo real, ott ao que possui narealidade o poder?" O PaBa não se tinha expressamente comprometido de inÍcio. Agora, ante o perigo lombardo sempre crescen-te, êle mudou de atitude. Yeio pessoalmente à Gália e proclamouoficialmente que reconhecia Pepino como rei dos francos. E mes-tltro, em Saint-Denis, inaugUrando um cerimonial que tinha ficadoaté então mal definido (porque a bênção dada desde o batismo deClóvis pelos bispos da Gália a cada no\ro rei permanecia ainda muitoimprecisa), êle declarou no ato da sagração: "anátema a todo o que

não se submeter ao rei e à sua descendência".

Pepino, para manifestar o seu reconhecimento, interveio iun-to dos lombardos. Com o prestÍgio de sua autoridade pessoal, e detorlo o poderio militar dos francos, êle obteve dos lombardos, de-pois de várias negociações, que êles abandonassem ao papado a ple-na posse, na ftália, de um território compreendendo Roma, Pe-rúrgia e diversas outras cidades, formando um verdadeiro Estado,t1o clual êle se comprometia a garantir a independência.

O acontecimentQ era de grancle alcance na história da Igreja.^\té então, se o papado tinha mais ou menos firmado, por etapas, asua autoridade moral sôbre oS bispos das diversas comunidadescristãs; Se aS invasões bárbaras, desprendenclo os paÍses ocidentaistla obediência bizantina, lhe tinham permitido libertar-se da subor-dinação doutrinal clue pretendiam impor-lhe os imperadores; e se,

finalmente, êle pôde ser o animador que coordenava o grande es-fôrço cle cristianização dos bispos, nem por isso êle deixava depermanecer menos fraco, materialmente, e ameaçado de todos os

lados. Essa fraqueza material era muito perigosa, e tanto maisque, não o esqueçamos, apesar da situação dirigente do PontÍfice

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50 ,{ICREJADODSTADO

de Iloma, a eteição trêste era ainda, corno a cle quaiquer o'tro rrispo,deciclicla por influências locais, como as do cúro e cla poputaçãoromana. Ir) arriscaranr é claro, tr ser lranobr.atras Ielas lôrças nraisdiyersas.

Ágora, tornado se,hor de ,,r território ao me,os em pr.in-cípio inrlependente, e apoiaclo pelo soberano do Írnico grande I.)s_tado cristão do Ocitle.te, o Est.do frarlco, o papado r.ia abrir._sediante de si nm novo fitturo no p)ano material.

Mas ao larlo das vantageng t1e prestÍgio que era cornliortará,a fnndaçiro do Estado pontifical irír trazer enr todos os temlros sé-rios inconve,ientes pa.a o papatro. com o correr tras idatles, porénr,êsses inconvenientes mudarão tle aspecto.

Ilizâncio acolheu muito nral êsse crescimento de prestígio quea criação do Fistado lrontifical lltoporcionava à rgreja do (k_.ir.lente.Pepino, por slra vez, qlle devia garatrtir a nova coroa, estavzr asse-diatlo rle preocupações que lhe 'r'inharn de todos os latlos. ll o.slombardos, nn rtália, não ti,harn

'e,unciado às suas anrbiqões.

- -tr'eliznrente para o paprdo, quarrdo nrorria pepino crn T6g, seu filho ehcrdoiro, carlos, aquôle que sc chamarir carlos l\[agno, rerrclavl-sc unrtrpcrsonalidadc dc grandcza invulgar. Bem depressa êle sc impôs em todos osdomínios com um êxito surpreendente. Niio sômcnte eliminava os rivaisque tentayam contestarlhc a suce.qsão nô tronô ainda tr=ro noYo dc seu pai,como tambóm rcpclia, por uma série de campanhas militares, as antoâqàs detodos os inimigos que r prosperidrdc do Estado franco atraía para as fronteir,rs.

se, d, Iado dos árabes dr rNspanh:r, êle sofria algu,ras derrotirs e rnareonseguia proteger a fronteira dos pirinens, o seu triunfo era comlrleto nlsfrontciras orientris, onde, part arónr do Ródrno, forrnigirvarn talt:rs tr.irrosaindir pzrgãs. Êle não sc conterrtavâ de vcncê-los militarÀente, mas instnllvrde rnodo durávt'l suas guarnições nos tcrritórios conquistatios.

E nresnro os co,r-ertia, estenrle,clo a cristandade rrem Jlar'ftlá dos limites que o rornunidatle imperial tinha atingido, até iLlinha de Dlba, Ic vertl.r,le qne empregâva ,ess,ls conver.sõe,q nrét.-dos muitas r'êzes s*rn:irios, ern que a fôr.ça tinha maior paper rluea persuasão, o qne conrprornetia a solidez e a profuDtliclatle ila ohr:n;rnâs em todo o caso er.a jír alguma coisa.

Enfirn, nrr rtáiia, êie não ,se corrtentara cle ban.ar. o c.i-lnri-nho a tôda a tentativa tle no'o ataque dos romtiarcros, trrrrto .asfi'onteiras fi'a,cas co)no no.s,or-o-q Estados pontificais; rnrr.s ilis-tala'a-se nos territórios rtêIes e proclamava-se a si mesrno .ei troslombartlos. Po,co tleBoi.s, no ano g00, como o papa então rei,ante,

A IGREJÀ PROCTTRA APOIAR-SE NO OCIDDNT}]

Leão III, se \ iD-se a braços com llmâ espécie tle revolta da poprrlr-r-

ção romana, que o obrigara a fugir da capital não obstante o alxriodo poderio francq ou talrez por causa dêle, Carlo.-,r }Iagno voltou aRoma e reinstalou o PontÍfice em sua sede.

O per.rro cnrÁ o Novo rupÉRro nc Ocrnnxrn\:T\NTAGENS D PEIiICOS

(l.ltr,os }IecNo pRorDToR DA rcREJÀ

tr)m t'econheciluellto. o Papa tontava urna iniciatir.a ressoante.No dia 25 de rlezerubro, estando Callos llagno assistirrdo à mis-sarle Ntrtal, de .joe.Jhos. nir catedral de Siro Pedro, Leão III impôs-lhena cabeça unra coroa, proclamando-o Imperador rlos romanos, en-quanto a multitlão aclirnrava delirante.

'Iern-se discutido rnuito depois disto sôbre a questtio de saberern que nreditla o acontecinento fôra improvJsado, enl qne meClidaCarlos }Iagno fôr'a consultado ou sondatlo prêviamente. O certoé que, seja por sua pr(rpria iniciativa. se.ia de,pois tlo acôrtlo uraisou lnenos tácito t1e Carlos Magno, era bern o papaclo que tornâvÍrtleliberatlamente a reslionsabilidade oficinl e pública tla decistio.trra êle quern criava, frente ao Império Bizantino, um novo irnpé-rio lival, o Império tlo Ociclente, de,stinado, êle não o clissimulava,a colaborar com êle, e até rnesmo selvir-lhe de trpoio.

,\ operaçiro conlportil\,a ilesde logo urita preciosa e considerii-r.el vantagem, porque Carlos Magno tlispunha de utn plestÍgio e derrma autoridatle imensa. D êIe não cessâr'a tle se rnostrar sincet'a-mente devotado aos interrêsses da cristandatle, cuitladoso de mani-festar seu reconheciutento pelo apoio que o paparlo tlera ao co-mêço de sua dinastia.

Podia-se du'r,itlrrr', eltrr-.tanto, coru relação ao futut'o, 11a olxtr-tunidade dêsse novo InrlÉrio. Ântes cle tudo a sua criaçlro, poriniciativa ila Igre-.ja, sri pot'lia agravar as re)ações já tiro tlifíceiseirtre o papado e os imperadores tlo Oriente. tr depois, êsse novoImpério comp()sto 11e elernentos dÍs1-rarcs, do qual rtrna parte niioera senão mui snperf iciahnente cristã, sri cler.ia suzr existência àpersonalit'lade excepciorral de Crrrlos }Iagno; além tle não englo-bar mais que uma parte da tr)uropa ocirlental (a Itrilin tlo Sul,n Iisiranha e a Inglaterrn the escapavam). I)epois tle Oarlos lla,gno,enquanto qrle a armar-lura imperial levantada por êle se descotrilrrr-nha, as lelações entrL. o papado Iigaclo ao Império e às rt'giõr,s

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Éo AIGNEJADOESTADO

que já não faziarn parte dêste arriscavarn-se a compiicar. euaisseriarn, enÍim, as relações entr.e a autorittade religiosa e o poderIaico?

É yerdade que Carlos }tagno era pessoalmente muito pieiloso;mas não deixava de rnanifestar, segundo os costumes do tempo, mui-to pouco cuidado pela fidelidade conjugal, e empregava fàcilmen-te, sobretudo conl os povos sub.jugados, métodos de justiça e depacificação muito surnários.

Nas instruções por escrito que êle dirigia a seus m,issí donlí-nici para assegrrar o contrôle da orclem nas diversâs regiões deseu Im1Ério, r'eclamava trma exata obseryância das prescriçõesreligiosas (e precisava: São bern conher_.irlas as regras litúrgicas?O povo sabe orar?). lr) o que é rnais intportante: êje se aplicavaa reorganizar l)or tôtllr :r lrlrte o ensir)o, deixado em grande aban-dono durante os perÍorlos precedentes. Iilra sobretuclo com o cleroque êle contava para dirigir as e,scolas, pois queria constituir umensino essencialmente cristão.

Era tão zeloso ern sustentar a Igre.ja, que estabeieceu emÍavor desta um iniposto, a dízima. Essa prática, continuairtlo de-pois dêle por vários séculos, ia assegurar erl grande parte a for-tuna temporal do clero, e leyá-lo de noyo a muitos abusos, os quais,com o correr dos tempos, servirão de l-rretextos para alguns tiosprincil.rais ataques contra a Igreja.

Llas ent nenhuma circuustância, etn nenhum domÍnio, CarlosMagno dissimulava o modo como êle concebia êsse papel de defen-sor da cristandacle, isto é, que êle reserrava a si mesmo o direitode contrôle e de direção, não sômente das pcllitrlaçõc.s, mas tainbémdo clero e dos ntais altos r:hefes dêste. Seus rzissi clonr,inici nã.ocleviam lirnitar-se a informar se o povo sabia. rezar; êle quer.ia cer.-tificar-se tambérn "se os pastôr'es tinham uur cornpor.tameuto tlignorle sua 'rocaçiro". Êle se instituÍa guarcla. e de certo motlo, ntogis[erdo próprio papado. Quantio o I,apa recérn-eleito, Leão ffI, em795, the escrevell anunciando-lhe a sua elevac;ão ao pontificacto, êlerespontleu recornendando ao Pontífice "que leyasse uma vida pura,observasse os santos cânones e goyernasse pieilosamente a Igreja',,E acrescentou:

"Nossa missilo ó dr:fonder a Igreja do Cristo, externâmcnte,contrt ns incursões dos pagt-ros, com o socorro da bond:rdc divina. efortificá-la intemamente pela difusão da fó católiea. E vossa mis-siro ó ajudar-nos ncsse cornbatc, elcyando as mÍios para Deus como1\[oisós".

A IGREJA PROCUBA APOIÀE-SE NO OCIDENTE

.Ele intervinha quase tanto como os imperadores bizantil)osnas questões dogmáticas, colrlo p. ex. na querela das imagens, en-

tre outras. E chegava rrtesino a tomar a si a nomeaçito direta dos

bispos.

Numa palayra, êle estirnava qite ao Papa cabia a oração, e

a ête a proteção e o contrôle da Igreia, tatlto na parte espiritualcolrlo na temporal. O pr«iprio clero o estirnular.er nesse carninho.No comêço de seu reinatio, etln 77õ, ulll sacerilote de nome Cathttulfescreyera-lhe certa vez:

"Lcrnbra-tc con) tcrnor c amor dc Deus, tcu Rci, do qull í's o

rcprcsentanto para guardar e governar os membros de sru Igrcia...O Bispo vem em st'gundo luglr. Êle ó sômcnte o rcprcsentante deCristo" (Ilon. Gcrrn. Ilistoriae Epistolac: IV, páS. 50ij).

Em resumo, êle se considerava autoridade dirigente em suasrelações com a Igreja, e a exercia de fato. O que a criação do lrn-pério trazia não era o que a Igreja tinha dese-iac.lo a lrincÍpio. Sernembargo, esta ganhava muito enl seu conjunto. Não só o cloniíniotla cristandade se achar.a lalgarnentc, r,stentlido pelas conqrristasde Carlos Magrro na Germânia, como tarnbéur a posiçiro moral ematerial do clelo estava reforçacla; a situação clo paparlo no tr)sta-do que lhe fôra reconhecido era tambérn mais sólida.

Infelizmentc, a noção do Impório, tâl como er:r concebida, correspondiamais a uma realidade superficial do quc â um extto conhccirnt'nto dlts pos-sibilidades práticas da ópoca, sendo ôssc Império composto de clcmentos dís-pares,

Embora Carlos nlagno tivcssc prosseguido cm suas conquistas no conti-ncnte, êle niro pôde entrctanto âssegurar âos seus Estados nonhurn irnpulsode expansão comercial nrarítirna, Os muqulnranos pcrmlnccilm selhoresdo Mediterrâneo ocitlentrrl, c suâs frotas dorninavam tôdas as costrs. Nomar do Norte, na Mancha e ató no Atlântico, reinlyam dcsde há algumtempo âs grandes embarcações dos bhrbaros norrnandos.

ÁIóm disso, para conscgrlir uma administração regular, Carlos Mlgnoteve que tornar atitudcs improvisadas. Êle imaginara delegar, em ctda re-giãro, os principais podcrcs â umâ cspócie dc trltos funcionários, em prin-cípio rcvogriveis, mas quc, Ilara o futuro, cstariam cm condições dc se ins-talar de maneira hereditírria, por pouco que a autoridade cerrtral enfraquc-ccsse, São ôsses altos funcionários que iriam formar os primeiros quadrosdo futuro esfacclamento feudal.

Demais, assim como não houve succssiro pâra a coroa franca no tenrl)odos merovíngios, do rnesrno modo não era ainda prcvista para a transmiss:-toda coroa imperial. D o pcrigo era tanto mais grave qualto os torritór'iosc as populações eram mais dísparcs.

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54 AIGREJAEOESTÁDO

Em conseqüência de tudo isto, a noção cle império ia perma_necer, é verdade, ilustrada pelo grande pr.estígio que lhe assegu_rara Carlos Magno, mas o Império em si mesmo só iria ter urnaexistência agitada e desorclenacla. Dis o arnbiente em que se iamsuceder os gra'es atritos entre os pocleres temltorais e a Igreja,q.e' fôra a sua primeira inspirarlora; atritos êsses, em doulrinacolno na priitica, prenhes de perigosas cornplicações para o futuroda cristandade. CAPÍTULO \T

DO IMPÉRIO DO OCIDENTEÀ TEOCRACIA PONTIFICAL

Pnrunrno DESIÍoRroNAMENTo Do rltpÉnro oo Ocr»nxtnNescrlrpxro DA TEocRACra PoNTrFrcÀL.

Quantlo morreu Carlos Magno, em 814, só lhc restava um filho, Luis,conheciclo na história pclos nomes de Luis, o Piedoso, e Luis, o Bonachão.Luis herdara tle tôclas as coroâs sem se chocar com obstáculo algum. XIas,

ao contrário de seu pai, era fraco e influcnciável, corno os seus apclidos o in-dicam. Depressa achou-se em luta com âs ambições dc scus filhos, que recla-lnavam dêle. antecipadamente, a partilha dc seus ilomínios. Daí nasceramuma infinirlade de ittrigas e conspirtções entretneadas de assassínios, que

niro contribuíam naturalmcnte parâ â scgurança da ordem pírblica.

XIorto Luis, em 840, seus três filhos, dcpois de longas ncgociaçõcs emque os bispos se tinham intrometido para tentar pôr fim às dissenqões entreêles, chegaram a um acôrdo em 843, firmando o famoso tr:rtado de Yerdun.Por êsse trâtaalo, um tlêlcs, Carlos (tambóm conhceido por Carlos, o Calvo)recebia os tcrritórios da Gália; outro, Luis, tambéni chamado Luis, o Ger-

mânico, rcccbia as tenas alemãs conquistadas por Carlos l\[agno alónr do

Ródano; o tcrceiro, Lotário, rcccbia, entre as posscssões de scus dois irmÍos,uma longa faixa cle terras que se estendia do mar do Nortc à Itília, e que

recebcu, ern sua memória, o nome de Lotaríngia. Ilerdou alórn disso a

coroa imperial.

O Impório já não passavâ de uma espócie dc ficçiro. Demais, as re-giões germlânicas onde a implantação cristã era mais recentc c ainda mais

superficial, encontravâm-Se isoladas das tcrras gaulcsas de cultura rol]laDo--cristã bem mais antiga e mais sólida. E achavam-se não sômente isoladas, mas

tambóm scparadas pcla faixa Iotaríngia, que devia inevitàvelmente tornar-scuma Íonte de conflitos militares entre os francos da GáIia c os gormrnos.

Êsses eonflitos iam agravar as oposições de cultura e ttazet couseqiiênciasembaraçosas ptra o equilíbrio europeu, e mesmo para a u[idade cristã (conro

o vercmos mais adiante), quando surgir o protestantismo.

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56 ÀIGRX]JAEOESTADo

Bem depressa se fizeram sentir as ilifieuldades do tratado de Yerclun,}\{orrendo Lotário, que foi o primeiro dos filhos de Luis, o Picdoso, À desa-parecer, a Lotaríngia, tão fraca e tão díspare, foi dividida entre seus filhos,Um dê1es, Luis II, a quenl couberam os territórios da ltália, recebeu aomesmo tcmpo a coroa imperial. Esta coroa, poróm, Ievada por utrl príncipede domínio tão restrito, já quase nada representava. E então Luis, o (ier-rlânico, aprovcitanrlo-se do csboroamento da faixa lotaríngia, tentou umaofensiva contra o seu iunão Crrlos, o Calvo, p:rra asscnhoroar-sc em prin-cípio, por urna cxtcnsão de seus territórios, da coroa imperial que pertcnciirpor direito lo scu sobliDho. IIas fracnssou, porque os bispos, cuidadososde fazercm rcspcitar cm nonre da justiea e da honcstidade as cláusulas rlotratado prccedentemente concluído, tomarâm posieão contra êle.

Com isso consolirlou-se, âo nlenos lrtrovisôriatneDte, o llrestÍgioc1a Igreja. Porrlue, al)ro\-eitando-se dfl divisão rlos príncipes caro-lÍngios, nm dos grandes pal)as dr épocrr, Nicolalr I, que reinou. en-tre 858 e 867, instituindo-se árbitro entre os irmãos ri'r,ais, tinhapela primeira \ez pr"oclamâdo al)ertanlente em diyersos atos umatese (que seria sustentada com blilho por. vários de seus ntais céle-bres sucessores no decorrer clos séculos seguintes) segundo a qualo papâdo se julgava qualificaclo par& decidir soberaDamente sôÍrrea aptidão clos prÍncipes para o govêrno. Declarava êle, entre ou-tras coisas:

"Nossa Só, saüta e preeminente, a quem foi co»fiada a rcs-ponsabilidadc c o cuidedo do povo de Deus em tôdas âs pertes domundo, possui o direito dc tudo regular em nome da justiÇa, como socorro diviuo"

fnfeliznrente, essas ileclarações permaneciam em grande partesem efic:icia, porqlle o papado sofria indiretamente a influên<tiado enfraquecimento dos príncipes carolíngios. Àpesar da existên-cia do Dstado pontifical, Roma estava mais ou menos sem meiosde se clefender. Ora, a ItáIia estava justamente ameaçada pela.s

incursões marítimas de rárias tribos normandas ou llirâtâs Druçul-lnaDos.

Noutras circunstâncias, por ocasião de uma r''acância da SéApostrilica, a populaqão lomana, allandonada a si mesma, escolhiaparâ ocupar a cátedra de São Peclro, ao câpricho de tôda a espéciede influências rirais, personagens escolhidos menos por suas vir-tudes que por sllas aliB"nças com âs grandes faniílias locais. Êssespersonagens, que tinham muitas vêzes costumes duvidosos, nãoraro escandalosos, clepois de terem siclo inyestidos às yêzes por

DO IMP]óBIO DO OCIDENTE À TNOCNACTE PONTIF'ICAIT 57

uma reYolta, eram depostos por outrâ, sem coDseguirem jamais es-

tabilizar-se.Àtravés de tôtlas essas perturbações, as relações da Igreja tlo

Ociclente com a Igreja oriental, iá tão agravadas desde a sagrâ-

çiro de Carlos nlagno, tornâvam-se ainda mais crÍticas'

E clcpois, com as divisõcs e as lutas dos carolíngios entrc si' os ataques

e as incursões dos normarrtios multiplicavam-se cnl todo o Ocitlente ellropcu'

Em 911, um de seus chefcs. RoldÍo, obtinha a mão da filha do carolíngio

carlos, o §imples, entiro rei tle llranea, Êste deu à sua filha como dote, sob

,. rcserva t1,: uma SoInenlgetn 4e túuto, a .provincia quc rccebeu ao depois

o nome de Normandia.

Nos tcrritórios gcrmânicos apareeia umlr nov:r tribo mongólictt' os hún-

g."o*, -ãoo

pilhavam e. àevasta'ait' por tôclt â piute' As regiões de a1óm-

-Rridano eratn âs mills dutlmente n&Itrotàdas' Tlrmbóm as dl tna"rgcm

""q"""at, a Alsíreia e a Lorena clc hoje, sem fahr das regiões flamcngas' cram

tarnbóm devastadas por intcrvalos'

tr'inâlmcnte, etn conseqiiência de tantas conf usõres emaran)ratlns duurnte

. "ü;;ã; -;;ürie

do sí:culô rX e a maior parte do sírculo X no desatramcnto

ào pãa"" carolíngio, quL\ golernavà ainda -aqui- c. acolâ', a autoridnde p-assavir

ã; i;to, "-ã"a" "r",

-ris,-pa.a as mãos-cle administladorcs regionais illstala-

à;.1;i; ,ri.t.rr,, instituíào por Carlos l\{agno' Scgundo ôsse sistema' os car-

Àà. iiotr"In-ro tornado muitas vêzes pràticâmente hereditários' Com o con-

seDtimentodaspoputaçocs,r\svê,esmesrnosolicitailopolcstas'ofeuiLrlismor,rãàtr,'u"* o ,pãio de tuáo o que the parecia unr protetor e sc estâbeieciâ

por tôda a parte; cnquanto qlre a coroâ imperial' pelos fins do século IX'ã"r"á" i,i qu-asc uada ""p".r.oitro

destle Luiz II, ccssava de ser reivindicada'

-{. rcno.ra, APEsAri DE TUDo' MANIúM sDU PAPETT crvrlrzaDori DM

MEIO À CONT'USíO RDINANTE.

Ilas ôsse regime feudal nito tinha âs mesmas fciqões em tôda a-parte'

Na Álcrnanha ae -aii"t-eótlano, onclc' antcs át conquista de Crrrlos

Mos;;; "ã"--*"úi; r,r,itiã"*t"iã-"""L"-* unidade cornun' a maior prrte dos

povos fcudalistâs se "ou"ia""outo'

mais ou menos autonômos' No solo da

i'ã11* Clii", oo "oot"í.io, ontle Romt, depois os francos de Clóvis' e em se-

guida os sucessores ao"ã ini'o* dcsde úá muito tcmpo cntretido e respei-

taclo o sentido cla cornunitlatle nacional, que não era atingida pelas mudanças

cla forma governamental, os feudalistas,. xpesar da independência que as

cireunstâncias pu".ci"-"ãorriãu"-lr'"t, "o'Íi"àoorn a consitlerar-se como mais

ou menos dependentes dc um sobcrano comum' mcsmo se êste não exercesse

mais quc urnn autoriilade lturlmente tcóricn'

INmbora o papado estivesse no momento sem grude consideração' a

Igreja, representitla pelos bispos e pelas grandcs ordens monásticas (a dos

benerliti,os de cluny .àrrr,.t"ao, cutiri ern lrleuo tlesenvolvimento) estava sô-

lidamente implantada p""." s"i"a"" e estánder seu papcl civilizador' Ela

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58 A IGREJA I] O ESTADO

prossguia â evangelização das populações germânicas comcçada por ClrlosIIagno; convertia os hírngaros por intermédio dc um de seus reis, Satto Es-tevão, e âvâuçâva para o Norte, penetrândo nas popuiacões eslavas que iamdar nascimento à I'o1ônia e à Boômia. Ela havia conyertido igualmente osnormandos, os poyos que tinham pcnetrado na Itália e aquêles que se tinhamfixado na Normandia francesa, cujo chcfc, Roldão, tcve dc âceitar o ba-tismo para obter cm càsamento a filha de Car)os, o Simplcs.

Duas cnalv»Ds rNrcrATrvÀs Rnr,rcrosAs:

A sacneçÃo DE IIUGo CerntoE O ADVENTO DO I\{PURADON OTÍO.

Nos últimos allos do sécnlo X a Igreja tornava a iniciatiyacle dois grandes atos, cujo alcalr(:e yiria a ser muito desigual.

Na Grilia franca, tle uma parte, onde o illtimo dos descenden-tes diretos de Carlos, o Calvo, acabaya de tnorrer, Aclalberão, Bis-po de Reims, fazia proclamar rei por uma assembléia dos princillaisfeudalistas, em 987, e sagràya com suas próprias mãos Lrm dos gran-des senhores clo momento: O Duque de tr'rança, Hugo Capeto,cuja família desde há mais de um sécnlo se tinha distiriguido noprimeiro plâno dos defensores do paÍs. E assim nasceu â dinastiatlos Capetos que, por rarnos cliretos ou colatêrais, ia dolalante,mau grado algumas crises, reinar sem descortinuidade durante oitoséculos. Com ela ia consolidar-se a consciência llacional francesa,já muito rnais precisa que qualquer outra.

\rinte e cinco anos ântes, em 962, urn príncipe alemão, Otão,fôra chamado à Itália pelo Papa João XII, que se sentia fracoe ameaçado pela populàgão lomana, como tantos outros pontíficesdaquela época. :rsse Otão era filho clo Duque de Saxe, Ilenrique,que se tinha imposto em meio ao clesrnoronarnento geral, e receberade dir.ersos feudalistas, seus pares, o título de Rei de Saxe e detr'rancônia. Otão reinstalou o Papa no trono, e João Xff, ern sinalde reconhecimento, restabeleceu em favor de seu protetor a coroaimperial. Depois do Império carolÍngio, que já não tinha titulardesde há cinqüenta anos, um novo império era cliado em favor dafamÍlia Saxe, a qual, para se pôr em eyillência e rnanifestar o seuacôrdo com o papado, tomava o nome de Santo Império Romano--Germânico. Durante mais de dois séculos o noyo frnpério ia gozarde prestígio, embora a coroa tiyesse passado diversas r'êzes de umadinastia a outra, disputada incessantemente pelos feudalistas.

Do IMPúEIO DO OCIDDNTD À TNOCNECTA PONTIIICAI,

O Impório rssim reconstituído na Alemanha, sem unidade, scm litnites<.lcterminados, e dc tradições crisths :rinda muito superficilis em muitos lugl-res, pelmânecia bem ilusório.

É certo quc durante o sóculo XI, em conseqiiência do duplo advento dos

Càpetos na n'rançn e dos irnltcradores otonialos na Álernanha, a cristandadccolhecia um progressivo rctôrno de prosperidadc. Os prirnciros Capetos só

dislrunharn aindrr de uma autoritlade btrstante limitadtr L' eram obrigados amancjar com muito ttrto e prudôlrcia os ntais considcrhvcis de seus vassalos.Porque, cmbora fôsseur rcconhecidos como os suzerünos de todos os grandesfeudalistas do tcrritório, o scu domínio próprio

- o ducado de F rança -

per-m:rnccia um Iimite muito restrito. Scm embargo, diretn ou indiretantente,êles jri [rssoguràlvrrrl ur»r ordcm nrais est/rvcl, graçls à qual começava a rc-nascer a prosperidade, tito profundamerrte trruiu:Ldl pelo dcsuroronamcntodos últimos carolíngios. Àlórn disso, um grarrde acorltccirncnto sucedia cm1066: Guilhcrme, Duque da Nornrandia, àtraYossàf i1 t l\[anc]ra e conquista-ra n Ingl:rtcrrâ orn poucos mcscs, Orl, o cristi:rnisrno na Inglaterra estaYaainda mui superficillmente radicado. Guilhcrmc criou um reino quc ia to-mar r'àpidamcnte um hrg:lr de dcstaquc na vida da Duropa ocidenttl, e seusguerreiros, instaltrndo-se como scnhorcs e tlazendo alórn disso a sólida for-mação franco-cristã que recebiam desde há 150 anos, cstendiam largamcnteo domínio de influência do papado.

À evoluÇão clo Império alemão, por'érn, era bem rnais confusa.Não há tlúr,ida de que Otão, chamado pela história Otão, o Grande,tinha, em troca do títuio imperial que âgora possuÍa, ajudado opapado â assegurar sua independência em face da populnção romana.Na Alemanha, aléni disso, êle se tinha irnposto com autoridade e

brilho frente à rnaioria ilos grandes feudalistas instalaclos a tÍtulohereclitário na decomposição carolÍngia.

Irlas sua posição era llrlito mais confusa que a dos Capetosna n'rança. Êstes tinham sido eleitos por seus pares, e embora seuclornÍnio próprio fôsse rnuito restrito, sua suzerania era legahnen-te adruiti cla l)or todos ; e isso num território qtte jti possuÍa untsentido preciso e al)tigo de sua comunidade nacional.

0 territór'io :rlemão de trlérn-Róc1ano, ao contrário, do qual os

primeiros núcleos rlata\.âur sÔmente das coritluistas de Carlos lilagno,perlnaneciam eII limites muito menos precisos; tanto mais que,para o leste, em perÍodos rtrais recentes, tirlham-se convertido aspopulações eslayas e hÚingaras que o hxlÉrio ia tentar ariexar â si,mas que permanecialn sem liame de cultura e ale formação comseus Yizinhos imealiatos.

tr depois, Otão, designado como fmperaclor pelo Papa sem o be-neplácito dos feudalistas, continuaya, em direito, disctttido por êstes.

Sua situação era tânto mais falsa quanto entre Qsses feudalistas

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60 ÁIGREJAEOESTÂDO

figuravam não sômente leigos, mas também bispos, os quais se ti_nham aproveitado das desorclens para estenrler largamente os pró-prios dornínios. alguns pretendiam mesmo possuir tais domÍniosa tÍtulos hereditários. Porque nãro era aintla expressamente irter-dito naquele ternpo o casamento rlos clérigos.

Essa herança dos bispos et.a não sômente chocante clo pontode vista religioso, mas muito embaragante para a autoridacle im-perial. Naturalmente, otão e seus sucessores iam pretencler reser-var-se o direito de presidir, êles próprios, à inr.estidura clas cligni-dades episcopais. a questiro tla investiclura clos bispos alemãestornou-se bern dep.essa a mais nieri.drosa entre o papado e osimperadores.

A questão de Rorna, por slta tez, ia" causar também muitasperturbações. Por.que, nio o esrlu{,çflrnos, o Império do Ocidente,desde que fôr'a restabelecirlo lrela prinieira yez ern proyeito deCarlos Magno, fôra apresentado, ao r]ter)os enr priucí1rio, conio de_vendo tornar sob o seu contrôle o con.)unto rin cristantlatle. Emborativesse sido c.iado o Dstaclo po,tifical, tenrlo lloma por centro,Roma permanecia na verclatle a capital ideal de tôcla a cristandadedo ocidente. E aliírs, se o papa ti.ha pedido o socorro r.re otãoe restabelecido o rmpério em favor dêste, é porgue êre não podiamanter-se só por suas próprias fôrças em Roma. Daí, a tentaçãoconstante parâ os imperadores, cacla \,-ez que êles se. sentirern fortesou ambiciosos, de se apoderarem de Roma.

Em resurrio' o rlovo rmpério, ao mesmo tempo sacudiclo inte-riormente e tentado de negaromania, ia tor^.r-se bern tlepressa l)arao papado e para a cristandade inteira uma clupla fonte cle confusões:confusões práticas e confusões doutrinais relativas ao cornércio en-tre o poder laico e o poder religioso.

Após a morte de Otão, o Grande, seus primeiros sucessores,Otão II, Otão III e Hen.ique II, tinham ta,rbém brilhado por aI-gum tempo. Nras ti,ham-se chocado com perturbações interioresincessantes. r{enrique rr morreu em 1024 sem deixar clescendentes.Por um acôrdo entre a fgreja e di'r.ersos feudatistas alemães, queaiiás não foi fácil, a coroa imperial passorl a uma nova dinastia:a tlinastia francônia. como era de esperar, os primeiros príncipesdessa no'r'a dinastia, conrado rr e Henrique rrr, yiram-se enyoll,i-dos em novas agitações.

Por momentos o papado sofria a repercussão inclireta clas de-sordens do Império. (Em 108g, p. êx., por ocasião do advento tle

oo tlrpÉnro Do ocTDDNTE À ruocnacm PoNTrFrcÂL

Henrique IIf, havia etn Roma três candidatos à tiara, que se l'i-valizavam, procurando uns o apoio da população rolnana, e otl-tros o do Imperador), Noutras circunstâncias, a mistura de pres-

tígio e de fraqueza do Império era-lhe vantaiosa. 8m 1059, apro-reitando-se cla rnenolitlade do filho cle Henrique III (HenrirlueI\r), o Papa Nicolnu II, que foi um dos grandes pontífices da épo-ca, tornaYa a iniciativa cle promulgar um decreto, pelo qual a elei-

ção dos papas era substraÍda à influência da população romana e

dos imperatlores, e confiada exclttsivamente a um colégio tle altosprelados, os cardeais. (É o regime que foi mantido desde errtãto).

Entretanto, logo que Henrique IY atirigiu a maioriclade, êle

quis impor cle novo a sua autoridacle. f'ara êle, com efeito, que

queria quebrar as resistências dos feudalistas de tôda a es1Écie, aquestão da investiclura tlos bispos era palpitante.

IIas êle teve c'le enfrentar a rnais brilhante personalidade pon-

tifical da Idade llédia: Gregór'io YII.Gregório YII passou à história como o primeiro a ter procla-

mado e clefencliclo em tôda a sua pureza a doutrina prÔpriamente

meilieyal das relações entre a Igreja e o Estaclo. Nicolau I inrli-cara já algumas fórmulas clessa doutrina na sua doutrina das duas

esparlos, que procurar"ír doravante, pelo espaço de clois séculos, im-pol-se conio url corolário do esfÔrço realizado pela Igreia no res-

tabelecimento clo lrnpério. Mas ela terrninará nurn corntrlleto malô-gro a partir tlo comêço do sécttlo XIY.

Gnncónro t'rrTnonrz.q À TEoCBACTÀ PoNTrllrcÂL

trssa cloritrina das duas espadas tira o seu nome tle uma fór-mula, aliás llrrstante obscura, r1o Dvangelho de São Lttcas. Segun-

ilo ela o Cristo, falanclo aos setls cliscÍpu1os na noite da paixão,

teria feito alusito ao ltso qle êles teriarn de fazet, eventgalnielte'de cluas espadas.

Honorato tl'Autun, teólogo t1o século XII, resuminilo o prin-cÍpio dessa fórrnula, escreYe:

"Para o govêrno ila Igreja, na vida presente, o Senhor indicortserem necessiirias tluas espaclas: o gláclio espiritual de que se deveservir o sacerdote contra os pecadores, e o gláclio material para llsoda realeza contra os cttlpados obstinados".

61

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Do IMPERIO DO OCIDENTE A TEOCRACIA PONTIFICAI,

CeNoss.t

Flenrique fY, se quisesse assegurar sua alrtoridade imperialna Àlemanha, deyia, para quebrar a oposição dos feudalistas lei-gos, ter em mãos os feudalistas eclesiásticos. Era alisolutamentenecessário que a investiclura dêstes ern seus bispados continuasse adepender tlêle. Ora, rnenos que qualquer outro dos seus predecesso-res, Gregório YII não podia aceitar as pretensões de Flenrique IY-Dm 1075 êle putrlicou r:m clecreto interditando tôda a investiduraeclesiástica por parte do Imperador. Henrique IY, em resposta,convocou ern Worms uma espécie de concÍlio tle prelados âlemãe§partidririos seus, que proclamaram a destronizacão do Papa. IÍasGregór'io YII replicou cotn urn novo decreto, que niro só excorDun-gaya o Imperador, rnas declarava ainda:

"Proibo ao rei Ilcnriquc de governar. Desligo todos os cris-tãos do juramcnto de fidelidade para com êle. Proíbo a quem qlrer-que seja de reconhccê-lo como rei".

Nunia palavr:a, pela primeira \ez na história o papa depunhaum soberano, aquêle justamente de cujo Im1Ério o próprio pâpado pre-sidira outrora a criação, e cuja dignidade reconhecera como sllpe-rior a de toclos os outros.

Ora, o prestÍgio de Gregório YII era tal, e por outro lado opoderio re-al do império era tão ilusório, que de um dia para ooutro Henrique r.ira-se abanclonado de todos. Yeio então à ftália,acompanhado cle unra fraca escolta, parâ pedir perclão ao Papa. Nodia 27 de janeiro tle 1077 êle chegava ao castelo de Canossa, nosApeninos, oride lesidia então Gregrlrio YII. Yesticlo de burel, pésnus, êle espera\-a, ajoelhado na neye, que o Papa consentisse ernrecebê-lo, livrá-lo da excomunhão e reconhecê-lo de novo corno Ln-perador.

O caso rle Canos-sa ficou célebre entre todos os acontecirnentosque rnarcararn a luta entre o sacerdócio e o Império na Idade Méclia;foi urn verdadeilo e espetacultrr triunfo do papado ntedieval.

I{as, na realitlade, se foi um triunfo do papaclo, foi um triunfoinstável e ao nresrno tempo carregado de toilos os equír,ocos quecomprornetiarn o Santo Irnpério pelas condições ern que nascera eem qne ora obrigatlo a r.iYer.

6362 AIGREJADOESTADÔ

Iras o que ia represe,tar o elemento mais característico e aomesmo tenrpo mais discutido da doutrilra. sob a fonna medieval éque a santa sé cler-ia tlispor tlessas duas esparlas a um tÍtulo sobe-rano e quase igual.

À fgreja, desde o co,rêgo, iá tintra proclatuado sem tlú.r,ida oseu direito de re.preender, e até meslno cle excluir tla comunidatle,cristir os soberanos .iorairnente curpaclos. por vfirias vêzes, po,tÍ-fices e bispos tirrha, intervi.do ,a tresig,ação e iia entronúaçirodêste o, daq,ele sorrelario. Aléur clisso, ti papado niro tinha jamais,admitido a pretensão rios inperarlor.es do oriente de controlaremas q.estões doutrinais e dis.iprinares da rgreja (o q.e foi, aliás,a razáo de sua ruptura corn llizâncio).

Mas agora Gregório \rrr ia mrito ,rais ronge. Êre não se con-tenta'a de excomungar. Êle procrar,ava o trireito que assiste aopapado de depor os soberanos cutpatlos e cle tlestigar os súilitosdêste dos juramentos cre fidetidade. No texto cre urna cras sentenças,que êle pronuncio. contrÍr Henrique ry, em 10g0, tiecrarou, tririgin-do-se aos bispos:

"n'azei agora, pais e Se nhorcs szrntíssirnos, quc o muriclo in-tciro cornprt'cnda e saiba que, sc \.ós tendos o podcr de ligar cdeslig:rr rro cí:u, tendes tambórn ntl torra o poder de tirar

" ã,.. ucada um scgundo os scus mriritos os impórios. os rcinos, os prinei-pados c tôdas :rs possessões dos homens... Se jnlgniÁ as coislsespirituais, qrie podcr não dcveis ter sôbre as sccula-rcs.!,,

Pouco tempo depois, pelo ,reaclo tlo século \II, o teólogo Joãode Salisbury comentará tlizenclo:

"O príncipc ó, cm surna, o tninistro drr Iglcja.estlr ptrrte das funçr)es s:rgradas que parccr-' indigriasacerdócio".

Êlc cxcrcedas nriros do

O Papa f,ocê,cio fII, escrer.erá por slta \-ez, rro comêço tloséculo XIIT:

"O Sobcnrno l)ontífice ó a cabeça da Igrcja. O rei niro ómlris que n dextrl".

Gregório \rrr não se contentou em afirmar e t'lefi,ir essa au-toridade soberana do papatlo tal como êle a concebia. mas esforcou--se de metê-la pr'àticarnente em aplicação.

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$4 AICIiEJAEOESTADO

I)e fato, foi um triunfo instár,el; porque Henrique IY ia tomarlrtrn tlel»'essa â desforra de sua humilhação. E foi um triunfo car-rt'gatlo de equÍvocos; porque as relações entre a Igreja e o Im1É-lio estavarn por sua própria natureza penetradas de contradições.

À Igreja tinha criado o Império para ter nêle utn apoio. Mas

I)ara que êsse apoio fôsse eficaz, era preciso ql1e o Império fôssepoderoso. Ora, para que o Imperaclor da Aletnanha pudesse con-solidar sua autoridade no meio de seu povo cle cultura aincla tãosumária, povo tão mal unificado, e além disso tão dividitlo poruma multidão cle rivalidades feuclais, era-lhe preciso antes de tudolilrertar-se da dependência ao papado. Polque, nito o esqueçflmos,entre âs principais fôrças feudais contra as qttais êle tinha de setlefender, figuravam as dos bispos, incessanternente tentados debuscarem apoio contra o soberano afim de se consolidarem em seusfeudos. Demais, apesar da inclependência relatiya assegurada aopapado pelo decreto de Nicoiau If, que remetia a eleição do SoberanoPontÍfice a um colégio de Cardeais, nutnerosas influências subsis-tiam na Itália, dividida como estata, para explorar em seu proveitoas rivalidades profanas das ambições dêste ou daquele candidato àtiara. Enfim, pela própria concepção de uuiversalidade que a Igreiareconhecia ao menos em princÍpio no PrÍncipe imperial, os imper"a-dores sentiam-se naturalmente tentados a impor aos outros sobera-nos, por intervalos, uma suzerania que nem a instabilidacle de seu

1rocler, nem a inferioridade de cultura das populações germânicasjustificavam.

Não obstante, durante mais de duzentos anos, até o comêço.do século XIY, o papado, imbuírlo da alta concepção de seu papel'rlue Gregório YII tinha fixado com tanto brilho, ia realizar algnmastlas maiores obras da cristandade por intermédio de alguns gran-tles pontÍfices. Mas iam germinar ao uleslno teuipo algumas dasrrrais graves dificuldades com as quais se choclria a noção de cato-I icidacle.

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1t'

CAPÍTT]LO YI

VICISSITUDESDA TEOCRACI,A, PONTIF'XCAL

O pep,too. aNrnrÁDoa DAs cRUZADAS

Se Henrique IY, logo a seguir i) reparaçiro pública de Canos-sa, se tinha reconciliaclo com o lrapaclo, êle tinha Ao nlesmo tttnpo.corn isso, excitado a revolta t1e algtins grandes feudalistas contrasi. Êstes riam em suâ humilhação unia feliz oportuniilaile Frll'aprocurarem satisfazer sutrs arnbições palticulares. Yários dêles re-cLlsaram reconhecer a autoritlade restauracla de Henrique IY. Í;ste,obrigado a entrar em luta com êles, e persuadido, aliás sem funcla-nlento, ile que Gregório YII, apesar de sua absolvição, permaneciacle acôrdo com êles, recomeçou as hostilidacles contra o Papa e sus-citou um antipapa. Gregório YII excomungou-o de novo em 1080;mas desta r-ez o Pontífice não era o mais forte, e teve que fugirde fioma. Morreu em 1085, inr.icto, mas meio desanimaclo.

Dntretanto, seu sucessor Urbano If, alitnentaclo de suas dou-

trinas, prosseguiu a luta. Eenrique IY, finalmente vencido, mor'-reu em 1106, outra vez abandonado pelos seus e combatido pelopróprio filho.

Urbano II, nesse ínterim, consolidtra o papado com outro acontccimentode alcance infinitamente mais elevado: a primeira cruzada, que ôle pregou e

suscitou no àno de 1095.

Com efeito, enquânto que o Ocidente sc refazia pouco a pouco em meio atôdas as suas provações, o Oriente estâva â braços com uma nova e terrívelâmeàça. Depois dos árabes muçulmanos, acabava de apareccr ,outra tribo,vinda da Ásia, já islamizacla, mas muito mais feroz e brutal: os' turcos seld-

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66 AIGRE.IAEOESTÂDO

jukides. Êstes, tomando no Próxirno-Oriente o lugrr dos árabes, nrostrâvitt)l--.se para coln os cristãos infilritrrmente rrlis inpicdosos. Lançirvnm seus rrt:l-qur:s sôbre territór'ios desde há muito roduzidos, ntls ainda pr'óspolos e sôli-dâmente mantidos pelo Inlpério Bizantino; atrques ôsses, cujos l)rogrcssos solevelavam tão inquiettntes quão rírpidos.

A expediçiro planejada por Ulbano telia dupla finalidade: libertar ern

lrrimeiro lugar os lugares sautos drr profau:tção turca; o, eru segurtdo lugirr,It'r'ar uur socorro inriireto a Bizâncio, prelritriln(lo assirn unrn recolciliitçioeltre as Igrejts Católicas c Ortodoxa, dcsde há tllnto tcmpo pr.àticalneut() so-plradlrs um1l dil outrü, o quc yiria rcsttrbelccer a ririidadr: cristÍi.

A ernpresa podia palecer de umil audácitr sol) mlritos lrot]los devista quirnérica. O Ocirlente càt(ilico eiu seu conjllnto, e1u llrta colno esfacelamento fou(lal, só disDunlia (lc urr)a arrnàdura- bern instrivel.O papado encolltrrlvrl-se lnlruel situaqão nlaterial que palecia l)ernfi'aca, por causa do reclto. Êle não se contentara de rolnller con] oIrnperador, que fôra instituírlo justanrente pala lhe servir de prin-cipal apoio, mas excolrllrngara alérD (lisso por t'àzões rnorais (semollsar ou §ern po(ler despojáJos (le §uas coroas) os reis da flran§a eila Inglatelra, qlle se tinhaln separado unl do outro.

Sern ernbargo, o apêlo de Lrrliano II encontrou um eco irnenso.l)u 1099, depois de uma aventrlla entlecolta(la de pror,ações detôcla a espécie, os cnrzados, levados llelo entusiasmo religioso nãolDenos que l)elo gôsto r1e ayer)tulils, pilser'ârl o pé na Ten'a SaDta;sob o comando de Gotlofredo de Bulhões, sitiaram e tornaram Je-i'llsalérl); e Íundar'àrn o reiDo fraDco ria Paiestina, o quàl, atl'avés deliscos tliversos, devia durar cêrca de tlois sécrilos.

-\pós o longo fluro tias invasões slrcessivas que tinhanr reduzi-do e barbarizado durante nrais (le seis séculos o yasto tloutÍnio tlar'ouallidade, que parecia outlora ligarla r1o (f istizuiisnlo pela conYet'-

são de Constantino, era agola, Dodia-se pensar, o I'efluro que anlln-ciava a reconquista. 0 papado, aDinlador dessa surpleendei)te ope-rr1ção, tinha conquistado, ao que }lar.ece, urua ploemirrente autor.iclÍr-de molal. De ftrto, tliversos pontÍficL's letomar'ão pol: il)ter'\.alos,dur:anter dois séculos as fórmulas cle Gregório YII, com uma seguran-Sa. cada vez lrais [ranifesta.

IIas nem por isso o sisterxa perlxanecell rnenos ernbaraçâdo poruln tecido de ilusões que irrrn er))brulhar llastante âs coisas.

(:7VIOISSITIIDES DA TEOCTiACIA PONTIFICAL

-\s cnt'z.rots Nio coNsE(iLTElr nECoNCrr'rAR As DU^s IGRI'IAS

II,\S IINRIQIIECI'II O ()CIDENTE.

TR.{NSFORIIÂ}{ .\ SIIÂ ESTRLTTIIRA D COIIPT'ICA]I A POLÍTIC'\ DO

PAP:\DO

Àlrr,itrreirirvitóIilltlàcruzlltllt,cotlrltotrliti]:rtlcJt:lrrsali.ltl,plreciitr.t.s.,o,,rri".' llas na verditile crit muito stlpcrfieill'

Lntrs tle turlo, corttrliri:lmelrtc tlo <1ut' tinha espt'rado tir:Irano II'-o alroio

trazido :ros biz:rntinos dc Llonstatrtirroltlrt contt'lr a§ âmcilqils 1u1g1g rfio titrha

;.;;i;; ; a,roximaqiro das duirs Igreirs C:rtólic:t e o'todoxa' Porquc os cn-

vulciros do ocidcnte pilleccl.rm bem grosseiros aos stttis gregos dc l-lizâncio;

obrigados como cstavam ale se âbasteccr no prôprio sítio onde sc cncoutrassor))'

ãi*"r.tirÀ"* r'"|ana.l"o, saques à sua passàgem' n o quc era ainda mris

grare: i'les n,io sn 1,."o"t,1",,:l- de dcvolrnr âos itnrigos lrossuidores os lerri-

tór.ios do Prúxitrro-Ot'iln,"'ur" iirfr". eotrquisluclo' e que haviam pertcneiilo

outrora ro Império do ô"ierte; antes, pelo contrádo, ptoeuravam fundar ai

;,.t";i;;d';L ;;;ii; ; Gistanrlaile do ociilcnte' a sua' seria a donrintdora'

Àlónt ilisso, se tinham triunfado cleprcssa na euforia do scu primeiro cn-

tu*lÃ-, al.. á."ro afinal ile contrts benr pouco nunerosos par:l se instalarcm

tle maneira só'lida' Os turcos iam reagir'

n{as har.ia outrtr eonrltlicação. Unr ilos resultatlos que brrscavam, atrain.

do lrara o Próximo-Ori""l"'u* o"ia"ntais, cra o cle restabelc"."" :o Xl:,q'^t:^t'-t:^"-to:

desde há tanto tempo abantlonado ao Islame' ulna corrente de ncgocraçocs e

dc comí:rcio. tls po.to! ã^ 'I?iir,

particularmente os tle Yeneza e Gênovrr'

"ato-rr,,a,, ooV" oido e tolnavà,)-se il)bita,rente cidades prôsperas q.e -se or-

gr"lr"""- em repí.btieas"'JO"o"'ot, aliás rivais entre si' Seus dirigentes

iam ser lrem tlepressil t,-,tilao" tle intervir lrrs cleições dos 1ta-pas' 'sôbre as

qulis, nrau grldo as ."f",;';; dc Nicolau II' as gianilcs fanríIits da Itália

central tinh:rnt aintlrr ü"i' l"fiiio""i"' Paralelamcntc' o reino cria-do lrelos

norr,ln6os .o sóc.lo prt,ceilentc no sul dtr península, tiverlt taurbriur dêsse

;;;})e;tr* ile rrtiviilrrde 'Àar'íti"a uma prospcridrrle e unra autoridade §cmpre

crescer1tes.

DorrdeII}rritilsirrtrigas,dol]rilladasl]luitaSvêzesporpr.eocrrl]il-ções profallâs qltc llilo eraln ntlttlrahuente feitas para assegurar

à autoriOaAe uloral sobreemiilente pretertditlâ pelos lrontÍÍices'

Por outra parte, a X'ranqa, que tinllâ forneciclo os llrinleiros coDtingeDtcs

rle cruzâdos, t,.rcri"it,ltit'--iitiiir'a'" indilctamente' do renascitn^enlo de pros-

prrirlntle conr|tci:tl t"'ittt' t''iã' '*i"i"n'n"to -rlc rclrqões com o Orientc' Unta

nr;vit bttrgucsi". .,ou,,tt"i"ti' c rrttesanltl' dtsollvolvia-sc' Ii parlt consolidar

sua -cittritr:lio.rrindrr tno i'rr'sint.!r'" 'iut

mcio rlc. rt'gulrtnlent.s fixos' essn bur-

guosia ir silt nrlttllilncllte tcntirdl t'ltt se illroilr 'súLlP o rui' r' qulrl se jul-

gnva ftliz 1,u, "."nnt'',,"'"t*;' uur sustcntriculo no osfi)rljo pàcit'nte quo ôle

rlesc.r,olvi. tl,r"ti,_. rlugã d;i;;i; i;.,, se ]ibcrt:rr t)o.co , 1ro.co tlo co,trôlc

de sous grrtntlts vasstlos'

Page 34: A Igreja e o Estado

68 AIGRE.}ÁEOESTADO

As cruzadas eontribujam_ dôsse modo, sem que ninguótn o pudessc prtver,para ongrandecer a autorid:rde do rei de'I;.rarãonso^ridãva i"n p*rçeo, bem ao "ã,,t"i,"i,.' ilr'; iilil,,il":'#:..:..rll1l;:.,,",.1Í:das fraquczas rio Inrpório ,rroi, .,rrú,,r."ç.ul' ao qou pro.,-r,ito.

'se, cre u,ra pai'te, ciregór'io \-rr tinha '.mirhatio

o trr,,era-dor He,r.ique I\:, .e outro la.o ,s feuclalistrrs oteoraus ap"uvei_ta'am-se das circ',stii.ci.s para ,ra,olrrar seu joso pa;iicurrrr.Durante todo o curso clo sér:uio XII,; rlepois ainclir, êle-s aprrrece_rão rlivicritros ern dois grllpos pri,cipais, os guelfos e os gi,eJi*os,u.s procul':rndo o apoio rlo palado e o.t,os corrtr.il êre. Êres ie-'at'ão

sucessiv.nle.te rto i.oii. o,t rep.esenta.ttls clc- tliver.-qits gr.riir-des famÍIi:rs, entr.e as_ rytrais os pr.íniipes de Saxt,, os prí,cipes tiaBaviera, os Jrr'Íncipt's drr I,'rurlr:ôrin, oa'itutr,rataufe., ter.rlo o pri.r1.i-ro l.g.r, sel. qire .irr,riris iI (.o.oa ,o,ssa fixar_.n .r,,'rr"ni,irrr' oor*a.Acontecizr-rhe-q, arém. tlisso, ern a,,,,. iirt.ig,,-q. rr.scarern o co,c.r,,so rres_ta ou daquera cidtrtre itrri:rrr:r. r, as oisput^s q.e disso r.es.itar.arntomayam por .,o,,lerfo^s ,rla fisio,o.riti rrol-il e hasta^te c*r.iosa.Porque, pero f.to tre sua inte.sir ativiitarle econôuric., ir*scirr ,ittnnio'iu rressas.irrnrres lrrrr:r eslrér.ir- rre 1,r.oretitr.i:rrro. irrrirrritrro urrri-tas r'êzes por crérigos, t.il*rnos e trer,agogos 'oru.tiir.ios, dos rluiriso mais céie.rre foi r\r.na]tlo de ]trescia,"or,., l,urà-,rr;;;; ,ilsécuioXrr, prete,aia partir ern no,e rios 1rrí,cipes erangéricos er, guer.r.acontl.a o luxo do clero romano e tla côr.te poutifical.

Àtrar'és tle tudo isso, o papatlo conhecia no i-lecor.r.er riês-qemesrno sécuro .m 1rer'Íotlo tr* i,quieta.tt i.stahiririrrcle. Não sóos papas .einar-anr cada urn rnnito pouco tetu)o, pois ir.lgu,s tinhaminterêsse e.r escrrhê-Ios be,r ioosôs, mas tirmb(r,r aco.tecia q.e,em face tlêsses papas tle porrca rluração e não rat.o tle pouco ptiso,as facções riiversas cr:r ,\remanlrr. o,i da rtária s.scitaúru antipa-pas' Daí aq,elas c'ises' às vêzes rongas, rras qu.is a mai§ inr,or-tante foi il q.e rebento]r_r]o rnorte tlo"pnpa Horiór.io e,r fiiô,-lr,orr_do, ,o seio tla sacro cortigio ,i'itritro "ii ,roi. gr.u,os i".".,or..rliri-

'eis, fo.am ereitos sirnnrtânenurente aois pontífices: rnocêncio rre ,\tracleto f I. I )rira.te oito anos coDsecutir.os, até a rnorte tleAnacleto, estiverar. êsst',s rlois fapas êm ,rúrt.a porênrica, I)r.oclrrar-do cada um de se. rnr'lo apoios secota""s áir'a"uoa, .rn o apoio tro reinorrnando da rttilin r10 sur, e outro o do rmperartor: ria época.Os imper.adores, por slta \-ez, não tiverani melhor sorte. Du-rante tôda a pri,reira parte cro sér,ro xrr. c,nrlitlatos gi;rro.

"gibelinos tinham-se recipr:ocamente arrancarro a cor.oa atrayés cle

VICISSITUDE§ DÀ TEOCRACIA PONTIT'ICAIJ

uma série de 1utas, durante as quais, todos, cada um de seu lado,ora apelavam para o apoio do Papa, ora ofereciam-Ihe aiuda contraum ou outro clos antipapas. No ano de 7722, em pleno curso dessas

agitações, sobreveio a propósito cla querela das investiduras' sem-pre penclente desde Henrique IY, uma eslÉcie de compromisso: aconcordata cle \Yorms, pela qual o Papa e o Imperador se reconhe-ciam com clireito cle intervir um e outro na designação dos bisllos.1\{as o problema essencial, o de saber qual dos dois, o Papa ou ofmperador, guart.laria a pleeminêttcia, pernranecia tão insolúvel eião carregrttio t'le perigosits quirnel'as colllo clantes.

L) nnsppnrtn DA QrIrrrIrRA rrrPERrÂL:Fnuosnrco Brnse-Ilox,r

as conrlrlcxidiides dcssas iusolítvcis quimeras iarn irromper sob uma for-ma yrarticllarlrente vir.llenta, quanflo, er1 1152, X'rcderico dc Ilohcnstalfen,que rlcvil plssar à história coul o llol])c de tr'rederico Barba-Roxa, obteYe aõorol impcrial, que êL: devia coDsertar por 38 arros' ató a sua mol'te em 1190.

llrcdr:rico Iiarba-Roxa cntrara na vidt colr umll imcttsa atilbiçiro, ins-pirrrtll e justificadrr àlos strus olhos pclo donrirrnrrtc c potleroso gênio de que

era dottrdo. furcdiatrmt-ntc êlc se propuscra libertar a Álcnarrha das desor-dens cntrctidrs rlosilc hlt tanto tcllrlro pcltts rivalidadcs dos grandes fcudrlistas,conro tamJltirl inrlror a êsse's feudalistas a autoridade dc scu titulo de Im-lrcr:ri1or', torrritda cnfint cfic:rz e rcal.

lllrs êle concebia es-râ autorit'lacle segundo a ft'lrrttula ltrtt'a-1te1te teórica herdatla tlos resquÍcios antigos da história rolllanarlo tertrpo dr. Constnntino, Cortto erit interpretatla descle há secu.los,

niro sern equÍvocos, pela Igreja. Logo qtte subitt ao trono, êle noti-ficou o seu atlr-euto ao I'apa cle entilo, trugênio III, cleclarando asua "\'oiltade de restabele(-'er err1 sna fôrça e ern slla irrimeira ex-

celência l graudeza t1o Irnpério llomtltio",

Não se trataYa sÔtrrerite paril êle, por conscguinte, cle se irnporaos prÍticipes aleurires, mas tle esteuder a sua autol'idade sôbre todo

o ocirlente, particularntente e em ptitleiro lugar, sôlite a Itália, pri-meira seile, ao que lhe parecia, das tradições imperiais romanas que

êle se propunha restaurar. Êle queria, em seguida, assegnrar àautoridade irnperial rtrria desforra das humilhações impostas pelo

papado a êste ou àqriele ile setts preclecessores.

]Ias as citlacles italianas reveltlram-se bem depressa hostis'o tiue cornplicttvtr ainrla mais a situagão é que, erx suas rivali«la-

Page 35: A Igreja e o Estado

70 AIGRE.IÀEOIIST.{DO

des, corno já o clis-sernos, eJtr-s tiuhau jri aclquirirlo o hábito de nrit-noblar entre os cirrididatos âo papado, npoiando-se oril nnrlr, orilnoutro.

I)nrrrnte mttitos arros, apesar do brilho tle sua autoritlnde, e deseu ple.stÍgio pesso:rl, Irrerleric:o Bar'[ra-Iioxa titrha ernl»ega(lo grau-de ptrlte tle suits fôrças enr expediçõe.s no território ituliauo, quese reno\-a\-aur freqiieltenrente, I)ara as qrtais t:rnrhérn êle lxtscl-t-apor intervalos o apoio tlo Papa reinante. ou se aplicavit a sriscifar--ihe trni rir-al. Ao mesrno tenrpo Jalrçtrvit corrtrlt esta ou aquela ci-dacle que lhe resi,stia, relresírlias tle uma irrutzrlirlirtle ttrl, que sus-citavaul protestos apuixona.tlos cotrtt'a a "selÍageri& i1leutir".

Entretanto, turlo hem pt»rr'lerado. IJarba-Roxtr, cotll sllRS ill(res-santes carnpanhas, tirrha tlevolvirlo <lrtrante vririas dezenas rle anosà noção do Srrnto-Impériri, destle <l cunêço tão tetirico t às ruais dtrsr'êzes tão fraca na prrltica, unr lrrilhztrrte 1»'estígio.

O clue lhe facilitara o caminho, foi que os Oapetos tle Ir'ranqaencontrtl'rarn-se naquele n)estito ternpo em rlificnlrlarles partr imllorsua autoriclacle aos sens 'r,assalos.

T)epois que (iuilhernle rle r\ornriLntlia se tiuha apoderado tlaTnglaterra, seus sllcessoles zrorltrulayflrrr o dtrplo tÍtrtlo rle ,solieranosinclependentes da Inglaterra e cle vassalos do rei i'la Frirnga pe.lo

seu feudo rle Normanrlia. })m 115-1, por fâltâ t1e herdeiros tliretosde Guilhernre, a coroa da Inglaterra e o ducrtclo de Norrnarrdia pas-sàr'i1ul em liuha colaterai a outro vassalo da l-rança, o (-oncle d'Àn.jou,IIent'ique Plantagenet. Pouco antes, por sell casalnento com Leouorde Àquitânia, êsse Ilenrique tinha .jri errtlado ern posse de vítriosoutros grandes feudos franceses tle Gnierra, ile Alvérnia e da Aqui-tâuia.

Os reis da l'r'alqa, para se libertrrem t'la ascendência de seuvassalo torDado por tlemais potleroso, conser'l'ayatn certamente meiosde direito que iam utilizar oportunamente, ernbora atrar'és t1e pe-

nosos confiitos, nlomerrtânearnente, êles pareciam enfraquecidos,e viam-se obrigaclos a agir com niuitâ circunspecgão enr ftrce deBarba-Rora. l) quantlo êste, ern 1189, decidira tonrat zr frente daterceira ctuzatla (durarite a" rlual êle tlevia uon'er :rcidentado), orei de l.lalça l'ilipe Àugusto, corno aliás tarnbéln o rei tla higla-telra, llicat'do Coração-r1e-Leão, tinha rrceitado figurar a .seu laclode certo urodo em rlepenc'lência.

7l1'ICISSITUDES DA TEOCR.\CIÁ PONTII'ICAI,

-L)EPors DA lÍoRro or Bann'r-Iloxl:

Novo cnexoe usrônqo DÀ TECCnACIA PoNTrErcÀL

INocoNcro rrt

Entretanto, lllna Íez lr?lis' i1 autoritlatle imperial que Frec'lerico

irratliara, pe",,-,a,r"ci,i'íi***-'"; seu prestigiu pessoal' r'ogo após

o sel1 desaparecittetito, larn r-ecorlcSl' . "* r'onÍusões e tlesortletrs'

frutos tlo sistema. I';;;t'-ú"-oiua"-i'i'io' aDesar tle serts esforços'

êle niro tinha corrse'gi'iilo in'put-se de "'au"i"a mais ou menos tltt-

rírvel ao pnpado. 'r'íÀt":;"' cotn -efelto'

enrbora pel'màllecesse agi-

tac.la e por rnornentoa i,,i.oqn"cirla atrar,és tlas intr:igas italialas'

r'nti.*a'a a ser. ll0 a"rLi,r"tá da crista,tlaile, t'le r1.e ern era à stl-

I»'elnit expressiro, o a;*uaotn tle totlo o esfôrqo civilizaclor'

Niro só a Igrcja forltcit't rtos sobcrlnos- alguus tle seus I'rincil):1is minis-

ilos (rl,s qn:tis o *"t"'i'r-ti*"i"foi t"lr''z st'x"t' tig'itio de Srtint-f)erris' nri-

rristro ilos reis de x'r'tnq'i.Ili'i'ií " i'* Ylr' e r'iscnte tlo reino dur'àntt' à

scguntln emzatla "o *o"oin'iiii't-t*t' t'; clir consert'at'a t ditcgiLo do enstno

*oÉ tô,ln" as fotmts, "-[i']"'ià-";'" "o 'i"oro xrr".'illrt'i.t:';1['].:'.'J,!,1'JiJ':11;

?_"rrriii,""," a prrtir do nro.rrrto '.1. qre ."i ,].i;;á:: ;,,r;*il"".i Áortêto dr:

lhi: * ;:'lk',",',;.,i'"ui,, l;1":",11:"1L.' *T,:' H$;' """o

-*"n'üi''''l'r :r ror-

ltri' ltssot»bro*'","'t"u"""iiattatt-'""'"'i*tigrs ae i'''ttt'ênti" iriternrcionrl' das

:,,;,,i. ,; ;i;i;i .:'l,it:::;,lJi iiill,;t::.,1:'J'l:*:;,,11"';:",1;,'lll;l,l;.; ,,1::'

rltt'tlu. elltbutlt sll.l''tl:lnílo-sP irU rrr!(!r "" ' "-..--.. .,,'.r..^ ^o nr,,is r:tri;tdôs us-:i;i,;;r;'i;';

'"..i "ntt"iãao

-tl" tôtt'.t ^s

pârtos §ôlrre os ',,itts 'irrr,orsuntos. l'icou p:rrticuf"'t"""t" cólebre lror ter^ lançltdo em l140' ern \rezela}"

de ar'ôrtl. "u,, o I'"1"'i "'ii'*u'i"'^iir"

" "paro qn" dcterminou a segundrr

cruzadit.Àltrrrn rlisso, lror sens missiorúr.ios, r rgreja Ie\-i1rir 11 culturir e tr civili-

zr(:ilo às .ogii" * l'ng';llut;:';;; i:i;"'i"t "''''o'i*t'' rlotttitt:türt rtitrtLt 1r'h lr:tr-

lril'i,'. I)lil collvorllil its ltil'r'* oslilv:ls qllo n"t'i'*tt'n ls pl:ruicit's (lil frttllr:l

Polônia e o qu:rtlrilírt;; 'á';'ittit;;;i noa".,itr' t'nin' r"tttt 'iún'

tlo* territórios

tu:lis ott ,rr.r,n" tl"1'""á"i"""" tr""i"'nririo aielnão' itttt co-nqar x constituir-se

!to'rrs Estrtd'rs. 1"" "l''ii""r"'1" "

"i"'ii" " 6if íril t.rrl'rrlllo drts

'o,ulrtq'i.s os-

Ir:urholas prrâ se ,rn",:a'ir"rrr" à,t lfor"iii"lf iro Írrrtbc, que recurt\'it pouco rr J)Úu-

'" "à';1,,"":'à'.,*lJ";liH:l;';ia-em t"llolotl selrtidos css. obra trro conrplex*'

alguns :rnos tlcrrois dl 'rio'rtt-'a" gt"b"-noxa (om 1193) ora elevldo &o trouo

rrontificrrl um rror,eur ,,l}iri":"r:.í.'rrrà"Á""i, iii, "orrr'

,, i..at- clc aporrrs iiri

,,,o". I rtrt:rrlu ,1" u"'''"'ll"'-'ualirlrtrl" '""t""n'1" J f'olt'otlttntonte' lrellêtril'l('

tlrr grittrtl'z:t ü"s tltrt'"it '0tI"-:;' irnluttltrllt :'r- [grejrr' ftroeí'ucio ] II ir retttrtr

duriurl(' lli :rnos. (' lil rtplií'ilr-se.c.olrt,tllllx "t"iit'q'io lr.lCltle x filzor triuttfrrr

,"' i1iliu,1",ll"'r'ir"rJ,"'i""ll,i,luJl'll-'I,rurlos rlesisuios. . Al,oiou tfic:rzrrr{'n-

te a leDta .ecooq"i"tl t""t"ilj;;;'"il' 'iin"'"tl"ao-[l do tlominio árabe; susttiltotr

Page 36: A Igreja e o Estado

72 AIGBEJÁEODSTADO\iICISSITIIDES DA TEOCR,ACIA PONTIFICAIJ

Infelizmente, dominaclo pelo cuidado de levar a born têr.rrroos grandes desígnios religiosos que êle se tinha proposto atirrgir,êle uão ia tornar na der.icla conta as necessidades e as dificultlatlesirneiliatas rlêste ou claquele soberano na administração de seus tr)s-tados. Àlérii disso, ia deixar'-se ntaobrar pelos soberanos, quando umou outro, sob os golpes de algum embar.aço aflitivo, desejo.so de obtero coDculso pontifical coutra seus adversários, rlultiplicava as pro-messas de clevotantento e oferecia-se a reconhecer a suzerania doPapa. n{as muclava[] eln seguida de atiturle, o que suscitar.a a có-lera do PontÍfice e desconcertava os seus planos. Donde muitascontradiqões de coniportarrrento que, não obstante momentos cle gran-de' prestigio, provocarão muitas decepqões.

Á) A clnarta crusarla

o assu,to que p.evalece.u sôbre tantos out.os, sob muitos rron-tos de vista, foi o da cruzada clo Oriente.

Logo quc Inocêncio III subiu ào trono, no momcnto cnl que se pro-puscra pcdir o colrcurso dos sobcranos plra orgarrizar. a expeilição que reto-maria .Tolusalóm, em l3izâncio, cnfraquccida c rrgitlrh por reyoltas iritr-'stiuas.o soberlno então reinàxte, aleixo Ângelo, aeabavr cle scr dr:rrub:rdo 1ror. urnareYoluqão ; porque o po'l'o ihe ccrsuràvà os privilógios aduaneir.os e comerci:risquc êIe tinha conccdido aos vêretos. Êle prorneteu entiro ao rrapa trabalharpela rounii-ro das rgrejas e pôr têmro ao cisma s. fôssc r.cstabolccido no troüo.Os vênetos, I)or sua t,ez, cujas frot:rs erar, rrecessiir.itrs parà o tr:rnsportc doscnrzados, descjavanr tambónr, I)ara r ltrescr.vaqilo de scus lrrir.ilógios, quo aexpedição comeqàsse passando por L-'onstantinoyrla. onde sustentâri;

" .ó.to,r-rrrção de aleixo Ângelo, Itrrarn jh dois desígnios cntre os q,ais rnocêncio seachava prensado.

Outra dificuldade: o rei de n'rançr. tr'ilipe Augusto, estava naquclc tcrn-po prcocupado sobretudo corn I defesa dc su:r lutoridado contrr as usurplçüesde seus r.assalos inglêses, os Plantagenet, torn:rdos por demais podolosos,

Âlgumas circunstâncias lhe eram favorár,eis, Após a norte do scgundoPlaltagenet, Ilicardo Coraqi:ro-cIe-Lcão, â cororl inglôsa aclbava de passlrr aum dos irmãros do defunto,.foiro, coirhocido na história pelo nonre dc JoÍio-sour--Terra. nlas os direitos dêste cr.arrr postos enl dÍrvidt. Êle só so fizer.:r rcco-nhecer assassinando um dos seus sobrinhos e pedindo o apoio de um dospríncipcs r:ntão protenalentes ao trono inrperial, cujos títulos crarn igualmerr-te contostndos, Otão de Brunsr.ick. Alí:m disso, o cr.inrc pelo qual êlc corr-seguila o trono exeitou contra a sulr pcssoa muitos de scus vassa]os lu In-glatcrra.

X.ilipc Augusto, aproveitarrdo-sc disso, fizera, na qualidacle de suzorrrrro,pronunciar a confiscação dos bens do culpado por uma côrte feudal. ltrntrouent campanha para obtcr a execução d:r sentença e, I)àrar conquistrLr rrrn :rliir-

o clero nascrnte da Erhoresie:';;";;,r";;."-'topa oriontel' o ontrrcendeu a re;rrossio do uma nor.:.1niqrrnísmo;"";'';;*";;,.1;'"":;'TJiiil';'TX"Í],,"tt" aoui'ií.i-,i.i]i,i#'Ío,,,"-luxrros:r. do eond" à*-'rolo"". ;; ;;;;;",:'";;"ifl;;.I tôrno clu côrro. r.ur,'io

*--._lira com-o a âmeaqa rnuquhnana oeo "".*,nrciras eruzadrs. ôlo se n.or,,,* ,o."i,.l,,."]i,,, ô§:lv', :lposür do êrito tlrrs lrri-

f;'{i,;J;HJ';:":""i:1,"'o.' rus;'.n"-'i;,;;j1".''il,i:1"i'..'í-ll';""'l',1,,:'lT1,i';l:r* r\.a, a rcooncitincio O:,:_ r,i:l,,il,*i:: d^o priêlrc. .tlor ôssê .o.o",.ã.,0r,,. ,ir,,..

""n"I*:o J;iil.,"H: .,;:ifilffi,.".,y,"1.iX.,1 iii,,",,íii,n?,l?essid,d, ,ru

Oril, o que yai cotnplicar as coisas, é que êle não se contertalilde ter em elc,vada estilra, " qu" *u ;irsto, u papel civilizador (largreja; êre pe,nanecia i,rlrriÍtil ;;; 'l..iu,,rtu.

herclatlas rie serispledecessores, da doutr.ina oos itoi. *ráãi^, se.gundo a qual a di-regão do m.,clo rlevia compo.tar ,,, iribio equilÍbr:io .os dois pode-re§ por urn acôr,o e,t'e i,r rrrrrr"ir,rài'.uzerano cl, co,j,nto trosfi,"":,.:f a:r?rrlXo:,,:,,r"rano

tto irnperador. apesar. ttas trecepçõesti.u,ãü.ãã;i;ffi #,,"1,,:: j.",,*,::1.,jl#?;il.1]l''r'i*r;i:i1*celto dia a urn clos candiclatos uo t"àro irnperiat, o futur.o Otão IV:..Caríssimo filho, eis-nos unidos rrnresma a,n:r. o".,n' ,-, r,âa",ri, ""}.iil]rr",rlffirir;"ll.1;,:r",:" i,:i::auas espadas quc os ni-róstolos ,,".t;;;i1,,," ,iilt ,*9lo .']"'J':ii": r ..

í:l1;tlt;, nis aqui d;,i"';.;;",i;;:"'il',i sllluj,." d.". :lllfi;.Í,;

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IIas não llarat_a nisso;.^tleclarar_a rc,peticlas \,êzes que tocios osir"llliii;,ruai,sryrrer.

que fôsse,r, rhe rt-eriaur obr:rtiência e,i t.rlo.,,O Soberano pontjfice é a cabcça da Igreja. O rei niio óntais que a tlcxtra, o ir"açu .."rrfrr];..

E ainda:,,Ilep,.cscntirnte

dlquell. a quern ljertcpcc a terr:r e trt.o o tluc;'ff':lÍi;;": :",n,,"à;iÍ" '' riil'ii",lJo papa t"i" à p"à","a. a.,-

Porque, afirurava outra yez eur 1208, dirigindo-se ao rei (ten'rança, fiilipe Augusto:

,*..,i #"i"Í" t:Js,1\1l 11o -P"' tr co-herdeiro tlo cristo. 11 ôle

rmagrnâr algo de ,roi. .t]rtlrJ.lttiros tào crtensos, que não *. poaà

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Page 37: A Igreja e o Estado

71 AIGREJAEOESTADO 75

Ê:;j#.,""a" a candidatura âo trono imperiul de um riv:rl dc Otão, X.itipe de

Inocêncio III quc, _para as nccessidades tle suu cruzacla, dcsejava a pnzentre os soheranos do Ocidentc, lcvanto._se càntra F,ilipe Augusto. E pediuaos bispos dc Fr.anqa o seu concurso contrl o_ roi, obscryanilo quc o seu po-der' virrdo "não dos ho-mels- n-ras de Deus", êre tinhrr o direito de ir'por atodos o seu arbítrio- Àr:rs x'ilipc .".priiàuo q,,o "r, rnatória feudlr êre não

lt""ll"J;1lt- :rlgunra :r .cccbcr tl:r sa.t:r só . D os bispos

-ào-'t',."rç" o

Nessa altura tiriha-se pôsto a cnminho a c..zrLcirr do oriente r)repâI.àdâpor_ In_ocô,cio ,,I, a qual ia ter,inar nir,r- ost.arho escândalo. por insti-gàção do I'apa, dc urna r)[rte, e dos yô,etos de outra, fôrn tomada a resoluç:1ode começar a exlrcr:liçiro por uma pnss:tgotn por C,Istantinopla, ondc restaurà-.iam Âleixo Ângrio no tr.no. n't,s. ôs'tt', ti1,*as .eintogr:rtlo ,o ,oder pcroscruzados, tentando colllrlarr as ,cgucirqõr.s 1,ara restlbcrercr a união religiosacoln os c:rtólicos, viu-se_tr. novo tl.r.rú:rdo lrcro po'o fa.rtizado pclo clero or-todoxo' os c.rz:raos, des.ortc:r.os, .o ,i"1u'i ü,"r,rn .m. soruçiro. rnvadirame saqucârâm coust:rntinopltr, r: ,,roclam:r.irnl um tlos .surs rrrrf,a.",.ào" dã ô.;ente,Balduíno dc l'r:r.trres. rnstar,rr,rnr, ;i.ir";i;;:'pri,cipacros francos nnma pflrtedos territórios cltropcus do Ijizâncio.,. llas os ortodoxos, f.gi.,o .a cidadt, conquistada, rofugiara.r_se crn Ni_

9Í1o:. "1 Ásitr Monor, o,do formar.am ur* ".ri,i

-àirr.ti".'"il;á"i;;;,.;r,, ",r"fidelidade à fi: o.tocroxa e- der:irliram prossegui,. a rut.. contra os iuvasorcs Ia-tinos e catóricos; menos de sessenta rnn" 'á"1,oi,

o*prt.,,.r*,r,r-.o* -ã"*cãn.,"r-,-

tinopla.

r,ocêucio rrr restaberecera provisôriame,te o catoricismo noRósforo; mas a fossa cayada entre as tluas Igrejas era mais pro-f.nda q*e nunca. tr)nquanto isso, os tur.cos apro'eita'am_se da.slutas entre os cristãos partr consoridar por etapas o seu p,ogr.esso.

B) Bou,t;incs cottsolicltt, e, a,u.tori(la(le eutopéia rlorei de França, e ntanifesta a imT,totr:nte fra-queaa clo Impé.rio.

Enquanto se descnvolvitrm as dosconcert:rrrtos rnetamorfoses da clrzada,a Iuta extre x'ilipe augusto c J.iro-senr-'rerra co.ti.,ar-1. Re'orando-sc ni-lipe aug,sto ,rais forte, .roiro-se,r-.r.err:,, " "o,i- "ti"à.,

'ôt"â"à"" üLrn..ur"tproeura.arn o apoio do papa, faz.ndo prom(,ss:ls tlc deyotamento e fidcticlade.João-sem-ll-crra chegou a ofcrecor n riocêncio a srzcrania de seu rei,o daInglaterm. Inocôncio fII vacilou, toeado por essas nrtrnifestaqões que lison_jeavarn sua política, tnas cm breve dcscobriu o seu c:lr:iter intcresseiro.

-- Ncssc ínterirn, ern 1214, l.ilipc Augusto conquista* urna grande vitóriasôbre as tropas corigatras do Jrão e de 'ótao,

n- ritó"in ac nourlrros,,"luc teveuma enorrne rcpereussão. (Otão, embora scnhor da coroa irnperiaí desde1209, afrontaya-se com grur.es tlissidêrr"i". rr,i-Àl.,,nanha).Ilnqulnto que o prestígio dos C:rpetos se orlcontravrr consitleràvclnrc,tea,Drentàdo, João era obrigatlo :r trbandonar definiti'ameni. ã"--'oJ""ipri. a.

YICISSITUDES DÀ TI]OCRACIA I'ONTI!'ICAL

seus fcudos dc X'r:rnqa; e no ano scguinte, para puui-lo de sua dellote, e

tarnbóm prra conderllrr a suzerlnin que êlc tinlta reeon]recido ao Pilllit, os llo-tír'r'eis da Inglaterra obrigar.:rm-lhc :r assinar tr Cat'ta llagna qtre, lirnitandoo scu poder, ia scr o longírrquo comêqo do parlumerrtarismo inglês.

(l) A ct"ttaocla cr.tntra os albigenses

Por outrrL parto, à cruztdt contra os llbigenses tinlta ltroporcionatlo tr

Iuocêncio III rnaior satisfàção. Quando êle resolveu provoc:i-1rr, etr 1203,tr'ilipc Àugusto, ocupado crl sul luta contra Joiro-sern-'1'crra, e pouco ixteres-sado cm torurr partido abertarnente uum:r questão que tlividit os seus vAsstt-los, dcixou o Pap:r agir livrcnrentr. O I'lpa colfiou o comando da expedi-çiro lr urn cav:rlciro dc Il'rànça, Simlio de llontfort. Os cornbatcs forau ter-rivehncntc sàngrentos o cruóis; l)orqLre, aL',m das posiçõos prôpri:rmcnte dou-trinais dos hcróticos, tinham surgido outras quL,stõos complexas. §ob o pre-texto alc rofonna, o quc queliurn alguns era alroderar-se dos bens da Igreja,cnquitnto que outros, sob a ctpa de pureza, esconcliam rrma recusrt sistemá-tica de tôda a hierarquia social.

À vitórir cntóliea foi contpleta. A unidrlde religiosa foi esttibelecidtr plrao mrior bem dt n'r:rnça. lfas cla dcixar.a :rpós si rtruitas ruínns. ll tlcpois,para ac:tbar tlo cxtirptr a hercsitr, Inocêncio III imagilara criar os tribunaisda Inquisição, quc subsistiram dcpois da questiro tlbigr'nse. As sevclidadesdêsses tribunais deviam ser daí lror tliitnte oltjeto de tiut:ls protostnçõos.

No conjunto, atr:t\'és r.la iliensidatle dos esforços feitos por Ino-cêncio III, os resultados erâtll bem diferentes do qtle êle havia pre-yisto. Êle se tinha obstinado a pôr em priitica a velha fórtnulasegunalo â qual o equilÍbrio do rnundo seria âssegllrado por um sis-tema em que dominaria o hupéI'io controlac.lo pelo papado. E eraa Ilrançà rlos Capetos que se impunha colno o poder alirigeDte, eu-quanto que o Intpério, que IIão tiYera iamais nem unidâcle, nemcoerência, deixaYa manifesta niais uma Yez a sua impotência. nletinha planejàLlo reconduzir à uniilatle catótica a Igreia dissidenterle llizâncio pela cruzada contra o Orieute, da qual fôra o inicia-dor. NIas sua cruzàtlà, embora tenha provisÔr'iarnente restabele-crirlo as lrosições francas e católicas no l{editerl'âneo oriental, eln-bora teriha enfraqueciclo os cisltlírticos, só tinha, por outro latlo,exasperado as sllas paixões autipapistas e entretido em todo oPróxirno-Oriente distfirbios tlos quiris se iriant os turcos beneficiar.

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Page 38: A Igreja e o Estado

L.'1APÍTUI,C} YII

QUEDA DA TEOCRACIA

Sio Lrirs:,\ lrlN,ttqt:rl (,,\pETt,\NA tn Iln.rNçrÀ r,'Runru DÂ ('RtsrÂNDADE OcrDE^\T^r,

Natlrr estavir peltiitlo no entar)to l)àra itr cr.istaldade; benr aocoltr'írl.io. Inocêrrcio IrI, gra,qrls tro 1».r,stÍgio tlue Jhe tinhurn as-segurado suas grandr)s iniciativas, () rnilu grado o fr.acasso de al-gul]s de seus p]anos, tilha sustentatio e errrinrado a obr.a de cri-.r-tiaDiztrção nos terrenos tia H-.rlranha e' dos nol'os ril-(tàr(los tio lror-cleste eulopeu, a Irolônia e a Roêmia. Aléni rli-q-so, eurbor.it l.ilipeÀrigusto tivesse feito oposição n lrrocêrrcio e estirnatlo ryrre o l):rlrir-do elrava pretendenrlo irrter.vir cntr.e êle e seils \-assillos, ne.in l)or.isso êle se proclamit\:n t'reníJs pr.ofrrDtlame,te cntólico e submisso àIgreja rio plano espiritual.

De fato, a I,'r'a,çtr q.e êle deixttr-rr enl s.il ,rorte, e't 122ii, iarevelar-se coln utrr brilho excepcional a aniurar]ora tte tôcla a clis-tandade, dulante rlezenas cle arros. I )eixris rlo breve r.einatlo deLuis \IIII, ocupzlyil o trono, eirtre 1226 e J270, o gra,de Siro Ltiis.

Ifanrbórn êlo, couro o st,u piri, nlio pclsir cnr :rlrrlicur l sua intlcpenriê1ci:rpolítica, rcnl ellt lclaqito ilo Sol)r'r'irno Pontíficc, lcllr rrnl r.t,luqiro uos se,us r';rs-salos, aos sc.s sriditos e aos ]lstatlos estrlrrrgt:i.os. ]fus rrirrguônr po,.sa erncombatêlo. com efcito, cnqull,to que . rr,pório irtrâ\'cssir .,vus crises t. sedesr,oron. dc tal modo qur', duru,tc rnais tl. vinte anos, cntre 12b0 c 12TJ(período conhecido na histórir pelo rror,rc do Gr:rricic rnton,cgno), r coror irn-peri:rl já não ó *tribuítlrr a ,enr.,, prírrci1rc, ôlo, são Luis, goza dc um talcrédito quc seu irmão c:rrros tl'Ân jou ó eJcorrrir.ro. corll o

""ô.ao ao pal,rdo,para oeupnr o trono dc Nr'rpoles e da sie íli:r ( lrrtigo rciuo normando dartália, momerrttlnearncnto sern titrrlar). pouco tcmlro tleDois, ul, dos ,.ctos

QUEDA DA TEOCEACIA

de Carlos d'Anjou obtcr:i em idênticas condições â coroa da Hungria, tambórnele vacante pela morte do Írltirno desccndente da dinastia reinante.

Por várirs vêzes êle foi escolhido por diversos soberanos como árbitrocutre êles para rogular sutts querelas. Por cuidado de conciliaçÍo pacíficn,êle cheg:r r)esrno a restituir livremcnte à coroa inglêsa :rlguns de seus utigosfeudos de n'rança; com à coudiqão, porórn, dc um reconhecimento formal devassalagcm parâ com a coroa de F rança.

Êlc rrão negligcncir tllmpouco r obra d:r propaganda eristã n:rs regiõeslongírrquas. IIas emplecnde succssivaruente, plrrà ]cvrtr socorlo aos principe-dos fruncos clo Prórimo-Oriurtt-,, duus cr'rzadus, que :rli:is st,riio ns Írltimas.

C'ouro, lrclo nreio do sr':culo, sc descrrvolvesse nas t'cgiões excêntricls donortleste euro-asiítico :l osllàntosil a\'(,Irtul'it dos tíIrtrros de Gcrrgis-Cir, osquais, ombora tivessern sirlplcsrncnte roçrdo pt-'los limitos tlt Durop:r prôpri:t-mentc dita, ilm no errtanto unificar por longos âI1os os vastos territórios <1:t

llantlchriria, da (lhina c dl atual 1lírssirr nunr:r- espírcie de imenso itnpório,qne os missionários de Bizâncio, sem anexii-los, tinhtm mltis ou menos civili-zatlo desde o sóculo IX, ao convcrtô-los à rcligião ortodoxa; e conro a fomra-ção ilêsse impí:rio tlirtaro abrisse uma via terrcstre l)ara as riquezas dn China,caminho êsse dcprcssa utilizado por divcrsos corlcrciirrrtcs, Siro Luis aprovt'i-tou dcss.r lir p:rra cnvirtr divcrsos rnissionírios aos sobcrnnos t:irtaros. (Umdêsses missiorrhrios, o rrronge (hiilhennc dc Iiubrock, deixou uura ràn'irg;-roimpressionrntcrricnto pitorcsca de surs tirrgcns, sob a forria de um relatórioao Roi). Irorirrn êles que, pel:r lrrinrt,irr vcz, fizerlrn conheccr a cxistôncir docatolicismo romlno ató aos limitcs das costas do Paeífico.

Entretanto, ape-{ilr de selr plestígio dominante, Siro Luis nãopretendeu em rnonrelto algunl de seu reilado i[rpor ao I'apa suaalltolidade nâs quesfões doutrinais e discipliilares, como tinlia fleitoalrtes dêiL, Carlos )[rLgiro.

Ifrn resumo, sem que o prol)lema das relações ('le depenclênciaentre o l)oder laico e o papaalo fôsse expressanlente clefiuido t'[u-l',rnte a slla vida, serr que êle tivtsse stlscita(lo debates, Siro Luisimpusera uma espécie de motlus yirendi qrle piirecia enl coriliçõesde assegurar, por fiieio Lla ci'istandàde, um dtrriive] acôr'do.

I.)ntretanto, a Itersonitlidade de Siro Lttis erà (le ttllta nilttlrezaexcel)cioDal. I)e-pois de sua lnorte, \'iirias dif ictrlrlacles iatD tias-cer entre a coroâ tle l'rança, que llermanecia preerui[ellte, e o pa-pâ1rlo.

A r,r:re. ENTRD A TELIcRÁcrÁ PoNTrFrcÁL

E A ITONARQI]IA C,\PETIÀNA:

Iloxrrícro vrrr E FrLrPE, o BEr,o

Se é certo qtle São Luis tinha um cuidado escrupuloso damoderação e da eqüidacle, seu irmão Carlos d'Anjou, pelo contrário,

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7!)78 A ICRD.IÁ F] {) EST.IDÍ)

conlo também o filho tlêste, tinharu mostrado menos sabedoria.Querendo estender o seu dornÍriio na Itália, êIes se i:hocararn nãosr)niente cont a iritação das ciclarles italianas, mas tarnbém comunr tlos prÍncipes espanhóis qne dominavarn a penÍnsula pouco apour:o libertacla dos rnuçuJmanos, o Rei cle Arzrgão. Êste, tenclocolstituÍdo uma frotA, buscava pontos de apoio ncl Mediterrâneoe suscitara contra os Anj«-ru urira leyolta eDtre os siciliauos. osÀnjou, retornando a polÍtica cle pressiro sôbre o papar.lo que osimpeltrdores alernães tinham tantas vêzes ensaiatlo, r,ec)amaram eobtiverarn a exconrunhito rlo Rei t1e At.agiro. Irouco clepois, em 12g4,vacanclo a santa sé, êles conseguiHrrn (:or1r lrrDa nor-a pressão impora eleição rle unr r.elho nronge rle 80 anos, celestino y, e obtiverarn {lueêle yiesse instalilr-se sob n pr.oteçÍo clêIes em Nápoles.

lIas Jogo enr segrrirla, trter.r'or.izatlo pelos protestos suscitadospela sua fraqueza, Celestino \r abtlicr-ru. Os carcleais elegeram emseu lugar o menrb'.o do sacro colégio que tinha trabalhaclo cornmais ardor na cantpanha tle protestos, unl prelado rontano, que to-rlaYa o norne de Ronifácio VIII.

Os ,\rrjou não ousaram reagir. Bonifiicio YIII, animaclo comstta vitória, retomava a si as antigas fórmulas tle Gregório vII ede Inocêncio III segundo as quais o Papa tlevia ser o soberano dossoberanos. ll êle as retomava atacant.lo não só os Anjou, mas tam-bérir o Rei de n'rança, l'ilipe, o Belo, neto de São Luis, cujo pres-tígio era então sobt'eerninente.

IIas êle começava a hrta por uma questão de valor rnuito con-testár'el em cloutrina.

tr)nquanto que a França, desde Bouvines, impunha-se com bri-)hantisuro, a monarquin inglêsa, tle seu lado, tinha-se pouco a poucolevantado clas hriurilhações sofridas por João-seni-'I'erra. E elanã.o se resieina\:a ri pertla dos feudos que cletivera na Ilrança, nemà sua posição de vassaltrgern. Àproveitando-se dos distúrhios queacabàvaln de surgir em I'lanth'es, onrle, corno na Itzilia. se clesen-volviatn as ciclacles comerciantes que buscavarn alternativarnente oapoio do Rei suzerano da X'rança e da fnglaterra, o Rei EduardoI da Inglaterrâ resolveu intervir rnilitarmente. E teve inÍcio umaguerra que aneaçava tomar proporções. Para obter uma parte closreclrrsos financeiros necesstirios à rnarrutenção dos arrnamentos in-dispensáveis, I,'ilipe, o Relo havia ordenado e feito aprovar pelossÍnodos episcopais franceses urn imposto sôhre o rendiruento tloclero. Bonifácio \IIII promulgou então, imediatamente, uma bula

QI-ED.\ DA TEOCRÁCIA

interdizendo aos prÍncipes exigir, e aos clérigos pagar, solr 1N'ttttde excomunhão, qrialquer imposto sem autorização prévia tlrt SitttlrtSé. Dada a importância clos trens de que dispunha o clero fratrcôs,do qual êle só potlia dispor de maneira durável enquanto o solrt't'lt-no mantivesse a ordern pública, a tese não tleixava de suscitar cott-testações. l'ilipe, o Belo replicou com tluas orclenações, das quttisuma proibia exportar dinheiro ou objetos pt'eciosos para fora (loReino sem permissão do Rei, o que secava a fonte de rendas tle SiroPedro; e outra intertlizia a toclos os estrangciros habitar na Françasem autorização real, o que visar-a os legados e os cobratlores pon-tificais. Inütilmente ltonifricio \IIII respondeu corn urna nova bulade censttril, o clero francês, reunido ern Reims, escreveu ao Papaperlindolhe que retirasse a bula. Bonifácio YIII não insistiu.

],Ias uma campanha de textos e brochuras, dirÍamos hoje umacampanha ile imprensa, foi aberta na Irrança pelos leigos, muitosdos quais, juristas ou conselheiros oficiais do Rei, explicavam quea Igreja só tinha clireito cle julgar no que diz respeito aos fins so-brenaturais do homen. Pedro Dubois, unr dos polemistas, numlivro intitulado: "I)isputa entre urn clérigo e urr soldado", chegoua sustentar expressamento que a Igreja devia ser controlada peloEstado.

O Papa replicou com cliversas interl.enções. Entre outras, êlepretenileu criar, sent consultar o Rei, utn novo bispado à frentedo qual pôs uln sacerdote, Bet"nartlo Saisset, rlo qual eram bemconhecidos os sentimentos antifranceses. I'retendeu também inter-vir no conflito entre o Rei e seus vassalos de Iflandres. E declara-va a lfilipe, o Belo, na bula Ausculta f ilií:. "Aquêles que te persuadem,que não há ninguénr superior a ti e que não tleves subn)issão aochefe srrpremo da Igreja, enganam-te".

Ifilipe, corroborailo pelos seus legistas, convocoll em 7302,

pela primeira yez, uma assetnbléia tle representantes de tôdas as

classes da Nação, inclusir,e o clel'o, a qual proclatnou a indepen-dência real. (Ifoi esta a prineira assembléia do que se chamariadaÍ por diante os Estaclos Gerais).

Bonifácio YIII promulgou então ulna noYa bula, a blola Atmtt»Sanctam,, em que dizia, evocantlo nos mesmos têrmos empregatlospelos seus predecessores a velha teoria dos dois gládios: "É precisoqrie êsses dois gládios se justaponham, e que a autoridacle ten)F)ritlesteja subrnetida ao poder espiritual... É preciso, com efeito, qtto rtIgreja única só tenha um corpo e uma cabeça, e não duas calrt'çits,

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80 AIGBEJAEOEST.{DO

corno nrn monstro". F), tlesafiando Filipe, o Belo, êle convocou emRonra um concílio para julgar o Capeto e "ponderar a reforma doReino".

A sitnação era muito graye; tànto ruais que, em sua luta con-tra o rei r1a Inglatema, aliado às milÍcias de certas ciclades fiarnen-gas, Filipe soÍria naquele rnontento uma der.rota na batalha deCourtrai.

Il'ilipe, ante o perigo, t'espondeu pol uut rlu1'llo golpe de fôrça.Convocou de novo os seus Estados Gerais e explicou-lhes quc, Bo-nifácio YIII, nomeárdo etu contlições irregulares r-lepois tla abdica-ção de Celestirio \-. era urn falso Papa. Enviou à ItáIia nm deseus conseiheiro,s, (,luilhenne de Nogirret, o qual, no tlia 7 de se-tenrbro tle 1303, à frentt'de 600 cirvaleilos e 1.500 solclatlos de in-fantaria, Da lrequ(,utl cirlrrrle rle Aurrgni ontie o Papa se tinha refu-giaclo, intima't:a-o a convocar urn t,oncÍlio no qual êle ser.ia julgado.Bonif'ricio VIII, srrstentatlo por algnns fiéis, recusou e coltseguiufugir. llas rnorreu pela enroçiro lo niês seguiute, no ditr 11 tle ou-ttibro de 1303.

(l prr,,roo err ayrxrrlo, soB a pnorrr.'ill FRANCEsÀ

Após o breve pontificado de um relho carcleai, I3enlo XI, quese apressara em leYantar a excornunhão de n'ilipe, o Belo, o con-clave, agora clominado pela tr'rauça, elegia urn prelatlo francês,Clernente Y. Êste deixou a Itália e veio habitar em À\'inhão, naX'rança, onde êle e seus suceissores iam resiclir cloravante por llnssessenta anos.

DUI'ante todo êsse periorlo o paparlo ia encontrar-se práticamen-te subordinado à X'ranga. Às fóruinlas segundo as quais os papastinham pretenclitlo agir como sobt'rauos clos soberanos estavaulmortas.

IIas o papado tirava de surr nova posição dirersas \-antagens,que aliás não eram tôtlas bem Jegítimas. Durante os períodos pre-cedentes, quanclo residia em Roma. êIe se encontrava incessantemen-te importunado de uma parte pelàs intrigas dos canclidatos ao fm-1Ério, e de outra por influências italianas rliversas que pretendiamimpor-se-lhe.

Êle clspunha agora de nma situação material mais estável emâis segura. Ânirnaclo por essa segurança material, êle se apti-

QIIEDA DA TEOCNACIA

ca\.a a coDsolidar sua posição financeila. E organizou ltor ttteitrde irnpostos diversos sôbre os bens t'la Igreja e sôbre a colaçiro rlosglancles cargos eclesiásticos, llnta fortttna que êle jamais tinha co-nheciclo até então.

llas coru isso êle se expllnhà a provocar nlrtitas reações.C)ra, ao ntesn)o tenpo, a partir da uretatle r.lo século XIY, a

Flitnça, que se tornara o seu pritlCipal apoio, encolltrava-se, elllrazão do prestígio qlle ela conqllistftr&, pel'segllii]a pelo citinte cle

nruitos.

A ct-r:nne Dos Clnl'r ANos, exrnlQuECENDo ,l ffnrxq.r,E coxr ELA o PÀPAI)o on AvrNrrÃo,

pnoy{)oA o cRANDD crs}rA Do Ocrnnlrr.

Filipc. o Belo, moi'rtu t'm 1314. Os três filhos rluc lhe sucederam' rive-r:rm Cada um nruitO pouCO tcDrp(), c nenhtrru dôlt's dcixou desCCndente t'nriO.llorrendo o írltimo. Carlos IY, srtrgiü pcla prirneira \,cz â qucstÍio de saher

Íl qupm tocaria a coron. os Estailos Ger:ris. clcclarlndo que unta nrulhcl j:t-

mais reina"a na X.*nq., aproyayam ô adyento rlo primo 4e Carlos IV. F'ilipede valois. NIas o rci rll1 Itrglnterra, Eduardo III. ncto de tr'ili1re, o Belo.

altgou os srus direitos flo troDo. II obteve o apoio de vÍrrios pr'íncipcs ale-

mãeS ,t Scnhot.eS flzrnlCngos qite olltavaur COtll l1l:llls olhOS o prcstígio tlA n'rrtn-

eit. fl'ma nova gucrra frarrco-hritânica rebentur-a, quc il .sor a ( lucrra dos"Cnn,

.lnn", e tra qnltl it n'rltrtçn ia softcr lrmt longa sór'ic de rc\.escs. I-inal-l1lante, sulr unidarle lllcional parccerá prêstes à clesagt'egar-se qr.rando, porslllrollla p1ov1ção acresceltaclt a tôtlas as demais, utl flt'st'1s t'eis, Oarlos \-I,enlouquecer-se-ri.

O papado de -A.viuhlto, ligaclo ri França, e aliris cotnprometitlopor. tliversos abusos financeiros aos qltais êle -qe rleixitva arrastar"yet,á em breve levantar-se cootra êIe toclos os sobel'alros qtte inve-javarn a França e procllravanl tirar proveito dos males desta.

I'ln 1378, morreudo o Pupa (lreg«irio XI, rlois p:tpas eram c'lei-

t()s ao mesmo tempo - tilbano YI e Clenrelite YII - lll]1 apoiaclo

Iela França, outl'o pela Inglaterrâ e pela maioria tlos prÍttcipesa)eprães; c1os quais ltln se fixaya em Roma e o outro perrnalecia ent

,\vinhão. Era o comêço tla crise qtle a história chattrou de "o Grancle

Cisma do Ocidente".Decerto, não era a primeira Yez que ilois papas se acha\-am

eleitos, um contra o otitro. l{as, autes, êsse acontecimento rluaseque só fôra cleterminatlo llelo iÔgo r1e facções riviris bastante estrei-tirs - cardeâis e outras persoDalithtles italillnâs, Agortr rr qtlestão

ton)ava uu ci-ttiiter c.[e alcrtuce uiais elevatlo. ,\trás c]as rivalitlailes

,ql

{

Page 41: A Igreja e o Estado

8382 QI]EDÁ D..\ TEOCRÂCI.{.{IGREJAEOIISTAD{)

dos papas, iaur as rivalir'lacles nacionais. E de flrto, à rnargem dasclisputrrs suscitadas pelas polêrnicas que dividiarn os dois pontífices,grr-rndes urovirrientos esboçavatl-se, nos quais já se manifestayamas paixões complexas qlle, no século XVI. prot'ocarão a grande fe-bre do protestautisruo, Na Inglrrtel'la as campanhas contra ospnpas flanceses tle Avinlrão elaur diligirlas por um doutor da Uni-versidtrcle de OxÍorcl, \\:iclef. Pirrtindo dos abusos tla côr.te rornàna,\\riclef esboçala teses seguurio as quais detia ser eliminado o l)oalerde um papado dorniriarrte e universal, e fornentada a criaçiro r1e

iglejas naciorrrris, strbot'tlinatltrs ao potler rlos soberanos.Pouco depois, na Boêruia, outlo eclesiástico, João }Inss, retoniâ-

va ltais ou ruenos as ll)esnlàs teses, con segunclas iltenções itlênti-cas e ào DlesrDo ternpo urn lrouco difelentes. Porque o que o preo-cupal\:a sobretudo, ela o tlesejo de utilizrlr as divisões 1rontificaisuo combate às pre,tensões de alguns priricipes alemãres de procura-r"em inrpor o sert tlomÍriio sôbt'e as populações receutelDente cristia-rizatlas tla Europtr oriental (prÍrrcipes êsses iurbuÍtlos da irleoiogiailrperial, não obstante sens reDetidos fracrrssos).

Sern tIúr-ida. os zrltos rltri'ttli:os czrtólicos tentaram desviar osdesastles que se prelalalaru. Enqunuto l.)rossegnia a guerra fran-co-Lrlitâuica, r'eunia-se eru Pisa, eru 1409, run concílio lrara tentarrestabelecer a uuid:rtle do papatlo, obtentlo a alirlictrção dos tloispapas livais de Rorna e de ,\vinhão etn ftrvor cle urn novo porrtíficeque conviria a todos. llas, eleito Alesantlre Y pelo colcílio, osoutros dois rião se abdicru'àD. O qne acotrteceu é verern reinar ngo-t'a três papas ao lrresrno terDpo, ao elr\:ez de dois.

()s ccurciliares, entretalto, niro clesilitiniarittn. Fltn 1-l l 1 cou-vocarar[ ern Constança, na SuÍça, ttrtr novo concÍlio. Aproreitun-tlo-se da lassitude geral, chegou a obter nnr cluplo resultarlo. apó.strês anos cle deliberações: Eni printeiro lugar, tenclo conseguitlo aabtlicação drrs dois papâs e a tlepo-siçiro do telceiro, o concÍlio lire-sidia uru conclar-e regular qne elegia no ilia 6 rle novernhro de1417 urn novo Papa, enfiru furjco, ]Iartinho Y. Ern segunrlo lugar,errtrri solenenierlte conclenarlas as rloutrintrs de \Yiclef e tle JoãoHuss. Éste últinto, qne viera a C'olstança munirlo de um sâlro-cou-tiuto para defender a sna causi,l, foi prêso, afesar da garantia quelhe fôra llrometida, ulas qtle alguns punhant ern dÍtvida a slta regu-laridade, e entregue à fogueira.

A unidade e a paz estavaln, ao nlellos aparentemente, restabe-lecidas na Igreja.

Lloze aitos tlepois, a nliracnlosa intêr'Yenção de Joatta d"\rc

e a sagrlrqiro solene tle Car']os Yll ern Reirns preparalalll o soergtti-

rnento ntilitar. da l't'aliç:1, o restal)elecirnento tlefinitivo cla unitlade

nacional.

-\ crrnnr oos Ct';-rt -\Ncrs

cÂfrsr rNDrRllt'r m nuiN'r ou l}rziNcro

IIas a internrinl'rvcl guelr:r que tiDIta lsgotrtdo os tlois prirrcipais Dsta-

t]ostlof)eidcntt,Cristãoclrrovocltltlilo]Ilosnrl)tc])rl)ooGt'ltttdcCisnrado;;;;,"à;, ã;it;t.; apírs si l,ttior'd"" tlrrsordtrrs' Níio só os tcrlitórios dc\'âstà-

tl.s pr.lcrs (ogllrilt(,s ""t,,.,'"n.

num cstlt.lo tlc nrisíllirr tnlterial qutl ilt prolttn-

girr-selrruitoteml)o,mltstambí'm:rcristandadr'oci('lentài'enqlr:tltoora:tb-I.r"riià,t fu, ,r,,rs

^tlissc,çàcs' nilo tirrlrtt ,oios dr: ,r'ossegui, scus osf.rqos dos

sriculos pltcederrtes rlo lado do Olierrte'

Ort, os turcos tillirnt conseguido lovls vitór'ils colltril o lmptirio Biz:rn-

tino a partir do motrrcnto t'lu qllo rr !'rltuql, à grl))dt) fortreettlora-. tlt cru-

z:rdos, fôr;r i[teirlrr]]elltr: absorvidtt por sells cotnltlttrls colltrà os inglêses. ]linstala,.arn-se rll IIuropa, (ilos Bakirs). a cidrtde dc Bizâncio tentotr du-

Ilrrtc irlgurtras tlezcnas tle 'lnos lofrc:tt os |)losrcssos do irtr''ltsor por- nrt'io

it,, ,raso"i,,qoas. Illn chcgou nrosuro a rrpclrrr l)rlril o DtrlIrrio, r'sboçrrrrdo um

,leirrí.,io il,,ncgocii)çõcs pirr,. a rrconcili:tçl-to, iÍt trtnttts vôzts fr:tt';tsslldir. {lir§

duns Igrcjlts.\Íltsoprtptttlcr,alrr.lçoscolrl:tsdtlsortlr'rls<lrr('isttl:t.t'st:tvitlnltis(lllcnllll-

r:l impossibilitur'lo dc agir eficitztttctltt''

I)e toilo o nru1}do ciltólico, só tls 1t:tísr's tlt:lis tlitclrtttlIlt1t'iltttcrtt"ittlos 1tt'lo

nr,,r,,.., À,;u. a I,otôni,i a t lI.ngriti, tittltirltr ittt.t'r'irtt1r. Iittt tlrs gt rttttlos

1cróis hír,gr.r'u, a' r'pà"r, iuío t-iort,i,, de . llu.i:rt1', ir1.;rrrq.rr :rlgur..s lrri-

llrantt,s vití,.ias oo "or,ãi,r'

ào "ócuto

XV. Á ltt,tttçlt, :t1tt'sltt tlo -tlrdo' t r('s''iil

srr))l)ro, Iiizârrcio, "ara,,r,ii

,1,'torlns os lrrdos' iir Irío tinlrrr }or orttlt' sc cotrrttui-

.,,.''"n,r, o ocidoute. só Ihe restlvam os de.sfihdt'ircls. rnts tarnbrim serl§ ltr-

r.rrlore s est.r.:1, u"rrp.,iu" pelos inimigos. Ii]m l4i|9, aproveitatrc'lo'sc do ros-

i"t.t,,.irr.rtu rla .,itlrr6c lr,ntific:rl, -o

Inrperrrd.t Liznntino ç11611616 então

*'inrtttte. .Ioio VII t. ',l"in i,"*t""tn',rte à Iir'rli;r ofct'eccr a reeonciliaqão drrs

rlu:rs lgrcjirs, Dlolrolttlo ltcoit'tr lrntecipirtlittuclrte tôdas ls condições tlos eató-

licos.

0 pitlttrdo. por'útn. altcnrts rcstlrbelccido' csta\'[ impotente para ajudrilo

oficrznrcnte. De volt:r .'ilàr,.t""ti"uplrr, foi coilrlcnailo pclos faníticos dc seu

<'loltt. 0s qü,ris. 1lerct"ad,'t- tlo óttio -cltlixldo p('lo pltsstlgcil'o ltnpório. latiDo'

r|spondiam à tôdrr i1 of,íaçe,' ' "I'r'cf"rir'íauros' st: fôsse lrreciso' I'el' lr'inlr em

ilrir"i""ilrl"pf " o tur.ba[ie- dos turcos tlo que I r,. itrlr dos htilros l"

Durarrto a)guns anos aintla os tulcos tinham hesitado' Em 1453' poróm'

,, :or*irr-*"iteo"Mrorr"r(' II <lecidiu efetnar o âtlquc' RcuItiu. uma. trol)l con-

sir]cr:ive]elsslltouacitlldc.À11ósalgrrtrl:rsSêlllilllilsdcresistênciaosmuroscotlelatrt. O IDll.rcrarior foi trlorio sôbre :ts mur:rlhas' Os turcos' cntra»do

lrrilr brecha. fizcraur ."rr-i,,,t""'"i'n e urnir pillagern t:rl conlo â.história ja-

lrrrris conheceu sctnclhantes' Nos ltros stguinte"' *1'"stu tlrr rcsistôncin dos

i

Page 42: A Igreja e o Estado

84 AIGRI'JAEOESTADO

LúIgaros c dos lrolotroscs, ajtrdttdos los Birlcíis o nos flilncos clos Crrpltns poralgttrts chcfcs loc:ris qut' sc t sfrtrr;irriun 1)or rl.trgrul)[1. ts lrgpulaqõcs foppittlaspollr religiiro ortodoxtr. r invasÍo turcrr lrrogretli:r, col,riiirt,_r

"trs tsalr:.rs, a

Grr'rcia, uma l)lrlte d:r rrungrirr e :ls costirs tkr .\driritico. por nrlis de doissócnlos êles ianr oculr:rr totlo o Sudr;tst(, curopou. n iLssilr, nr-ro só tlesalrareciao írltirDo vestígio do Intltírrio flolrruro. nr:rs ttuuhónr o dolrinio r'la cristirltladeencontrava-se de ,epente e por um longo pcríodo, rcduzitio. Dntrc o r,streitoocitlcnte católico e o imenso contincntc .uro-irsiático Io\-&l.tfl\.1-se un]:r bor-reill qu;rse tho intrrrnspolíçcl como ir cor.tinn tle felto rlc ho.ie.

Os turcos, entrct:lnto, niro elirrinlri'inr inteiranrerte a cristandtrdt orto-doxa sôbre a qu:rl ôlc sc irnpltrntar':r.Desdonhirntlo adrninistr:rr ôlos rnesrnos us pol,ulrrqõcs \"crrcidrrs e convcr-

têJrrs à sua fír, ôlcs deix:rr.lrm-lhos uriris ou rrr"r,u.. 1,o" tôdir a plrrte no oricnteeurol)cu o livrc r,'xcrcír:io do pró1rri, culto polo elt'r'o ortodoxo. A ],artir. dosóculo XYrl' r'sf riando o imp.iso tlor,i.:rdoi dos turcos, e flo nlosn)o t.,lI)o,mais ltarit o Norte nas rcgiõos llrssils, onfrirquecondo-sr os tár.tll.os. dcixantloÍ)ropãtri1r-sc ttttt ltlnltscitttcrito das Irolmlirqões que Iiizâncio tirrha prais 01 nte-nos corrvcrtido Io tempo rlc sun glirrrdr'zl. no\.os Estados viro lcnascr r aliuren-tados de tradições cristãs. IIls rssn trtrrlieiro r:r.i-stlL scl.ri r,ssonciirir»r,nte atrndir;iro ortodoxt àntil)ili)isrr, slgrrrrtlo a qrial o lroricr religi6so yrglrnalcciasubur,liuurlo :ro 1rorl,.r I:rico.

'l urridiLtie cristã pel'mant'ct,r'ri desfeila. As opnsições naciorraisque se enyereliararrl tão j)roflilrdarlrerrte rros perÍo(los c()lrtelril,orâ-n€-'os (la 'r'itlzt clir Dlu'opa. crlcortnlr'--qe-iro lgrirrarlas pelas oposiçõesreligiosas; e tanto milis qlle, ellrbot.a o clero ortodo\o tivr.sse po_ditkr subsistir e malter-se nas legiões (la Europa oriertal, {lilr.arr-te tanto terllro submetidas aos turcos, regiões es-rirs ttabalhaclaspela influência de algumas tr:rdigõt's intelectuais, o clero, Ilrôfria-mellte, perrnanecia serll meios de \-err-hldeira crlltur.a, (:or.taLlo, llelaocupâção, ile todos os contactos c(»n os gr.illr(le-r Dro]'irllertos irrtelec-turris que iam zrnirnar o Ocidenle.

CAPÍ'IL]I,() \'II

FLORESCII,IENTO DOS PARTICULARISMOSPOLÍTICO - RELIGIOSOS

A qunoe DE Rrz-iNcro col{TnIBUr PAIta PREPÁR,\R A RDNÂscIrNÇa

CO}I SEUS TBIUNFOS E SEI]S DISTÚNI}IOS REI,ICIOSOS.

0 prrpiitlo sàtía tlo Grancle Cisrua rnuito dilninuído. f,Ias a uni-ciatle ltontifical estava restabelecida. A Europa ocidental, alérntlisso, conhecia url brilhante renascimento de prosirerida(le; tantoque a crise não tinha tocaclo neDl a Itália, lleDl a Iispanha, pernli-tinrlo-lhes assirn pi'osseguir colir grande êrito sua libertação dos

árabes.

Desde que a torn:rtla tle const:rntinoDlu pclos turcos fcchou a vi:r de

acesso tjs càr[\'iluAs estlbeleciillts atrar'ós tla -ir.sia pelos tártaros, os lllilli-nheiros italinnos e cspanhiris puscrtnr-se :i pllcur:r de outros cantinltos p:rra

atingir.rni ls riquoztrs do Extreuto Oriontc. l'r'oltuseraril-sc antcs dr-' tudo con-

tornàr a África. !I'cntarrm cnr st-.guidir girnhlrr as Cost:rs da China di reta-

ntente pclo Ociricntt'. I,or.r1uc, cmbolrr igrrorasscrn a r:xistência dn Àmóricà,êlcs slrbjrrnr qne x terra tleyiil sct l't,tilontll. IIur ltrcvt:, SeguidoS ltelos mlri-nheiros da Inglaterra o da tr'r'tnça, descobri:un o Not'o }Íundo. D abririrmtlêsse rnOflo ao Ocidonte ctlropcu o Campg de exploraçiro do ilpcnsos territórioSaintla vilgem, tlonde os nâ\'êgtlntes iam trazer suntuosas liquezas, e ondc aIgrcja ia ter vastas populaqões a convcrter e n civiiizar.

Por outro lado, a qucda ile Bizâncio tinha proporcionado ao Ocidenteuma yantagcm irnpr.evista, Àpós a dcrrocada, muitos eruditos bizantinos que

tinh:rrn coúer,.r,atlo e cntretiilo eiosamcnte os tesouros da literatura greCo-Ia-

tina a1rtiga, dos quais grl]nde parte pclllruneciit ignolrrda de nos-qos clérigos,viernrn rcfugiar-se no ocid0rrtc, sobrctudo trr Itálit, onde tinham ligações em

Gônor.a e crtr Yenczl. Ii tr.ouxerarD consigo sous rnanuseritos e scus rnótodoS

de tr:rbelho.() cstudo das letras antigr'ts leurscilt com gr':rndc zêlo c cntusia§mo ; e a

invcnção da inrprensa trazia-lhe facilidadcs ató ontão desconhecidas.

*.$

Page 43: A Igreja e o Estado

FT,ORESCII(ENTO DOS PARTICT]LAR,ÍSI{OS POI'ÍTICO-RELIGIOSOS t1786 AIGREJAEOESTADO

Dm breye surgia o que se chamou o humanisrno da Reuascença, cujos pri-meiros mcstrts, Erasmo entre outros, sc I)ropunhilnr esttbcleccr os prilcípiosde urna espócie de sabedori:r universal, feitr de urna sintese das liçõcs da fi-losofia antign e tlos clsilitmentos tlo cristirrnismo, oxlrltrrutlo em todos os tlo-mínios o respeito da pessoa humanl.

Já o grtnde flort'seinreuto rlo sí'cuio Xf II tilLrt, sob mnitos pontos dovista, preparado o caminho. O rerrascirncnto do helonisno, pnrticultrmrentedo platouismo, e o deserivolvi»rento dos ostudos do dilcito roulilno suscit:rdospclo contrrcto com os iritelectnais bizarrtinos, tlt,sonrpenhnvam agora urn papclessencial.

 nor.r tcrrdência era airtda facilitadlr pclns cordições ern que se tinlraevoluido â ostrutur& tlos }lstudos dn })ulopl ocirloritrrl. A noqão de impó-rio estava mais dosconsidr-,rada qut'rmnclt. Sôbre suas ruírr:ts drslrrvolvirrr»-se, com cxtensões infinitirurente dtsiguais e constituições beur diversas, ltsrepÍrblicas courerciantes e nrirrítiurts nilscidar da imensr extensão dirs rclaqõesinterrracionais provocldas pells cmzltJns e pelas gmrdes vilgens de desco-bertrr. Isso, niro sôrlentc na f trili:r. como trnrbónr na rogião tle Flandres eda Renârril. Atrayós clos drarnas da Gut'rrr dos Ccm Auos, a X'ralçn e Ifnglatcrrt sentitrrn quD se corrsolid:rvit nls pror':rções ir su:r eonsciêncirr nil-ciorral; e tambóln a I,)spnrrha, agor:r inteinmontc iibelt:rd:r dos :irabts e embrer-e excessiviturr,nte tn|iquoci(lir l)ot suas expr:dições rnarítimrts prra nlónrdo AtIârrtico, afirnrtrva lr sull I)orsollulitlldt' 1t:rrticuLtr.

l)rprculoeors rni\zrD^s rELA ITDNASCENÇÀ Ao p,tpADo

I'arecia aberto o caminho a uma nola concellçiro: a concepçãohuuanista de uma civilização rlrliversal e ao mesmo ternpo indivi-dualista. Segundo ela, a sabedori& greco-latina teria prepàrirdo oterreno à revelagão cristã par:a a constituição de urDa vasta co-munidade de Dstaclos tliversos, indeirendentes e ao ntesnto tempou[idos n:1 ulesurzr cultura, so]-) urlla irutoriddcle moral e esl]iritualcornum, que seria a do papaclo.

Infelizmente o papado, que Í:àzia desde hir muito terDpo ulnàiiléia diferente de sua ruissão (tlestle a éporirl enl que êle r-eclanravapara si â autoridade ternporal, espirituài, e o direito de t-lepor ossoberanos), estaya tarrto menos ârIla(lo para se adalltal eficazrner]-te, qunto a sua posição era rnais falsa pelos firls da Cluerra dosCem Anos.

A) Conrêço (l0.golícanisnto.

Quando o papado, vencido etn conseqüência da lutir entre I'io-nifírcio YIII e Fililre, o Belo, se tinha lefugiado eDl r\vinhão, issofoi, fora da Frânça, ocasiÍo l)ara dirersos moviinentos alltipàpis-tas, e, por contaminaçiro, antifranceses, IIIn 1417, na fase mais

rrÍtica tlo desmoronalllerlto francês, quanclo o concílio de Constatrça

Irc&l'ava pol restabelecer a llniilâde tlo papado em proveito de ntn

llovo eleito, I{artinho Y, que se tinha reinstalado em Ronla' a ope-

,riçao torron ur]l caràiter hostil à Fr.a,ça, aliris sern más intenções do

I'ontífice. Isso el'tt irrevitável. (Não tleixa de ser significativo o

ter o Bispo Cauchon, ligatlo à catisa inglêsa que presidiu o processo

tleJoarrad,Àr'c,recebiilosuanlitri}rle}{artinhoY).Natur.trltnerr-te, (larlos YII, logo qlle foi reinsta]ado SÔlitltlllente no trono e 1i-

vre das graYes provações que o tirham atingido, ton:ou proYidên-

cias CoDtra o e\'errtrr:rl l.etôrno de sernellrantes notneações. }xrrr 1.138'

(:ol]loCoDcItrSo(tedi§ersosl)re]atlosedoutôresfl.anceses,êleptr.Lrlicou, sern l)edir o acÔrdo tle Roma, a "Sanção I'ragrnática de

Bourges,,, peia qual cleviam ser irnlrealialas para o futulo as inter-

i*ç0"". áa Snnta Sé .as uolneações dos bispos, i,terve.ções es'sas

qlle se tinharn esterralido bastante ilesde o tempo de ,\l-inhão. Itrra'

alérn disso, reconhecirlo ào clero frzll)cês o itireito cle fixrrr êle tlró-

prioorD0lrtantedestraColltril]uiçãopal.aaSdeSI)eSaSd21Cl.istan-dade. Enfim, erârn estritarnellte tirnitatlas as condições elrr qlre

os clérigos, perseguiclos em itlstiça, I)odialD alrelal llara os tril)u-

nais eclesiiisticos, segtu)(lo o uso que se espa]hârlr largaruente tros

séculos precedentes.

Esszrs tlisposições, qlle foram consideradas ao depois como e\-

prirnint.lo a preteisão Oà Igreia de Frànça cle se achtinistrar, a si-

iro..rou, sob ; único contrôle clo Rei, e que, pori§so' são admiticlas

como o comêço clas cloutrinas galicanas, foram naturalmente mnito

mal acolhidas pelo Paptr então reinaDte, Eugênio IY' Mas êste

estaYaemlutttcou}asdificulcladescleurnno\.oconcílio'oconcÍliotlel]asiléia.tantomaisembaraçallteplrâêleqrralrtoasdolrtrinasantipapisttrs nascidas no tenlpo de Avinhão (as tloutrinas inglêsas

rleWiclef,àsdoutrinasde.IcrãoflussnaRoêrliia,euaÀlernanlra)continuaYam&eIercerASuairrflrrêrrcia.Paralelanrerrteà'.San-çãro Pragruática", reiviltdicações senielhtlntes às de Clarios YII sur-

giarr,. ,ra Inglaterra e na ÁlelnanhãI'

B) O Papa enr rneio ds rcDlltas italianas

f{ais ainda. }cm Rotna, para onde vell[1lân)1 os papas Yiio achar-

-se enyolYitlos nas rivalitlatles tlos Estados e das ciditdes parâ res-

tabelecerem sua posição e para salYarem a possessão de seus Es-

tactosPontificais,estaclosêSseSque'Contlibuindoparaimpeilira

Page 44: A Igreja e o Estado

88 ÁIGRE.IAEOESTADC

uriificação itariana, tinharn já ta.tas vêzes siclo causa c1e embara-ços para o papado. Essas ,ivariclacres l-ão cornplicar-se ainda rnais,quarido â ri-rarç:a, cle novo em preria prosper.iclade gracâs a car.IosYrr e depois a Luis Xr, fôr chanada peros Estairos itarianos, eur,oue dos direitos que e'Ia tinha rtos anjo., a intervir. em suas rrue-t'elas, co,r segundas i,tenções cliversas, clas quais a mais justifica-da ela a preocupação cle consolitlar a sua frontei.a cle. saÀóia pelaocupação rlo l{ilanês.

o papado, atrar'és clessas rluestões itarialas q,e tarito rhe 1,.eo-curayarll' enconaraFse-ri catla vez rnais compi'onretido; e tarlto r,raisque, ,.ritas 1'êzes, o cÍ.culo rnais achegacro aos po,tÍÍices se r-er.:ierrvoh'ido nos pio.es escânclair_rs, nasciclã clas loucas suntriositladestla época' alérn rlisso, com i,tenções cre ruais erevado arcance, q.ealiiis não e.a. s('|mp.e corlpreentiidas, arg.rs tros g"onJ.r-1,r1,"atlo c.,rêço rr. sécrlo x\-r - Júrtio rr e r,eão x errtre o.tr.^c,s .-aplicrr,tlo-se a .ee,glre. a cligriidacle cla sa,ta sé e ao ,les,o telll_po a ,rajestade cia Ig.eja universal por totlos os requi'tes da arte,.,tito em gra,de esplericlor., errrp*ee,,iliarn os ir,e,soÀ tr.abalhos ryrrede fato assegurara,r para §erDll.e o brilhantis[l, e o .e,asci,er-to cle sua capital, r'resde hri tarto tempo arr.uinada peros desastrestlos teuipos bárbaros. n{as isso exigia despesas enortnes.rhritas vêzes, sua intervenção fora tla rtriria só apar.c.cia perascoletas q.e êles ma,dar-tr,r fazer. afim de obter os s.úsÍrlios ,i.u._sários à ma,utenção ae 51111 Ccrrte e tre su.s construções; e iniagi-

'Ararll alr.re,tar êsses re,trinientos I)o1. nreio rlas I'ri.rgêi-rcias.

C) Nascinrcnto rlo protcstatttisnrcOontpleridatle rla crise luterana

trl todos ôsses desconterrtamentos corrfusos, às urais das vôzes ,rar intor-prctados, acabaram por pro'ocar a c.ise mais gravc, o cisnr, .r"r* 1-àior,to "m.is complexo que a rgreja corrrcceu desde o s.-cu conrêço, aquôrc que lliiro, onoure de Reforma e ao mcsmo tcntpo de protestlntismo.

Não pretendemos retomar_ aqui, rrcpois de tantos outros, â história .econjunto do protestantismo. Limitar-,os-erros-a argurrs t"oe^ ào,rrinàit". ucaràcter.ístieos para o nosso âssunto.

1.e) x'oi na Àlemanha, nessa alemanha diridida, intelect.almente emâtrâso, e confusamentc ir.itada por se rer desdenrrada pelos povos à"- "ritr.unais brilhante, que nasceu o protestântismo.

- 2.0) Éle nasceu por causa dos descontentâmentos provoeados pelos mó-jg9": gy" o papado empregava para obter rccursos finãnceiros, q,rãoãã, oo,1517, Irartinho Lutcro tinha denu,ciado püblúmente os abusos pro'ocados

FI,ORDSCIIIENTO DOS PÁRTICTiLARISIIOS POI,ITICO.RELICIOSOS 89

pela venda de Indu'lgências. A questiro desenvoh.cu-se ràpidamentc, e comtal anplitude que sôbrc cla se discutiu por muito tempo.

É certo quc antes de ter sua atençiro voltada perà os abusos das Indulgên-cits, a alma atormentada de Lutero estava pr.oocupada com utn problemade alcance mais elevado, o das condiqões dc snlr':rção individual dc cada um.Como podia o homem, corrompido pclo pecirdo original, csp{rri1r conseguir osmóritos que o arrancarirrn à corrupqão do lrccado? Que ornçõcs, quc boasobr:rs poderiam ter urn valor calt:tz de enchcr o abismo cntre esst corrupçnohumana e a perfeição divina? L'omo poderá cadt urn certificar-se de tcr acl-quirido a remissão?

Para uma alrnâ escnrpulosa, pei.turbada pol senrelhante angÍtstia, o es-petiiculo oferecido pela côrte pontifictl da Renascetçl. onde ns mais altas au-toridades religiosas davam às lcis nromis ulnrl grrndc elasticicladc, não srafcito para tr'àzer â paz.

,\liris a côrte romana, dcsdenhosa das simplicidndes gerrnârricas. acolheraas primeiras protcstações dc Lutero cour ullzl irrcflc.r:io mistulrrda de des-prêzo quc bem deprcssa cxasDerou êste írltinro.

Seja cono fôr, as revoltas de Lutrro cstilyllur rlarc:ldits instintivlrnentede uma inrp:rciência alentÍi, ferida pelo tlcsprôzo

- pensa\'à êle - de quc seus

conciiladãos eran objeto da plrte dos outros povos, Nrrnr texto curioso queêle publieou desde o início clc suas cunrpanhits, quan('lo ls rolações cutrc êlee a Igrejt não est{tvilm aiuda eortadrts

- toxto quc êle irrtitulon tle rnarrcir.a

caracteristiea: "Apêlo à nobreza cristri dl nrção rlcmã,,, -

queixantlo-sede ver, cscreyia cxpressamente, "os alr:urãcs mcnosprczados pclos outros poyospor causa de sua rusticidade e glutonlria", ôle ajuntar.a: ,,lrcnso que hojea alemauha dá muito mais ao Papa do que dava olrtrora aos s{lls irnlri'rit-dores. II isto sem provcito algurn, scrn quo gunhemos ortrl coisà a liro serzombarias c insultos".

E êsse modo de interpretàr as revoltas que lhc inspiravam os mótotlossemifinancciros, semi-religiosos da colcta pontifical dls inclulgênci:r-s. 111111-11r"irnediatamentt' a simpatia de muitos príncipts akrnrhcs. achavam nisto uru:rsatisftrção do arnor-próprio, alim de clescobrircm, llnn)a r.uptum corn Ilorn:r,um prctcxto para se apossarotn dos bens da Igreja, prctexto tanto nrnis se-dutor quanto eram nnitas vêzes bast;rnte pohros.

Lutcro, de seu lado, niro tinha trlvez suspeitado cxprcssanlente dos ciril-culos daquclcs que lhe ofcrccianr apoio. A questiro importantc para suaalma iuquieta e absoluta parece tor sido, ântes de tudo, cncontr.ar unt argu-mento próprio para dernonstrar de rnaneira clara c irrefutrivel, o êrro doutrinalpemicioso das exeessir-as facilidrtdes de entradrr no cóu que parccia Dropor amoral pontifical por mcio das inrlulgências.

I{as o caráter por demais intercsseilo manifesto iguahncnte pclas cam-panhas daqucles que o sustenta\.aln, contribuírarn para indispor contra êle aatitude da Igreja. Revoltado pelas condenaçõos quc o fulminaran, êlc dei-xou-se possuir de um tal ódio contla o papado que, pal'a justificar-se, êle sepôs a procurâr os argumentos mais divcrsos, dos quris alguns o lcr,avam ateses de aparência verdrrdeiramente paradoxal. Niro só êle começava a pôrem dúvida âgora os sacramentos drr Igrejii, lrarticularmente o da penitência,mâs seus at:rques contrâ as concepções morais que tinham provocado o abusodas indulgêneias levavam-no a discutir a eficácia das orações, e até mesmo

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90 AIGRDJAEONSTADO

das boas obras. Dada a corrupção ala nâtureza humana, só a graça, afirmavaêle, que Deus pode dispensar a quem e quanclo êle quer, está et àondições deevitar a condenação de alguns.

Daí ê1e se deixava ârrastar a conf.sões bastante incertas. ora pareciaadrnitir que essâ graça salvadora dependia exclusivamente ilc Deus,

-e que,portanto, a. sorte de cada um era fixada ünieamente pela vontarle divina.Donde alguns de seus diseípuros c êmulos, sobretudo catvino, iam ehegar auma doutrina de predestinagão que negavâ expressâmente qualquer parte delivre arbítrio humano na eonsecução de nosso destino eternã.

Ora. assustario lslyez pelas eonellsões clesanimaitoras a que arriseavaeh-egar, parceia querer explicar que aquêres cuja fé fôsse bastantô firme e pu-rificada parâ ter o sentimento de uma eomunieação crireta eom Deus, podiamobter a certeza de pertencer ao nÍrmero tlos eleitos.

.Disso res.ltayâ que âo menos um eseor de puros estaria em direito de seconsirlerar seguro dn próprin srlvnção.

coNseetiÊxcrAs rNrELECrrÍArs E por,Írrces Drr REvoLUÇÃo LTTTERANA

À) O cesarotrtapisuto protestante

Na prática, as interpretações resultantes da argumentação cleLutero eram bem complexas. Grancle número daqueles que se es_candalizalam, e eom justa razão, dos abusos e relaxamento de cos-tumes aos quais a Rerigião catóIica da Renascenea parecia entãoconduzir, eram seduzidos pelas fórmulas de doutrinàs que tinham ocuidado c'le uma rigidez moral mais austera. n'oi essa, sem dúvida,uma das razões pelas qnais bem depressa, não só na Alemanha, mastambém em muitos outros países, o movimento se propagou. E foitambém, de modo partic.lar, o motivo pelo qual êle teve o melhoreco na X'rança, sob a aqão de Calvino.

Mas também outros, me.nos escrup,losos, foram logo sed,zidospelas facilidades que as noyas fórmulas podiam oferecer.o direito oferecitlo â todos de determinar por sua própria con-

ta e sentimento se êres estavam em eontacto direto com Deus, podiaser uma tentação para Só aceitarem das leis morais o que bem agra_dasse a cadâ um.

É verdade que nem Lutero, nem Calvino, nem os principaisdiscÍpulos dêstes, tinham temperarnentos flexÍveis e conciliadores.Revoltados contra as faciliclades de costume aos quais parecia le.var o catolicismo romano da época, êles não queriam deixar livrecurso às fantasias rle seus tiiscÍpuios. Ora, para apoiar a rigidezmoral que tinham a peito, era-lhes necessário, em lugar da autori_

T.I,ORESCIME i:TO IX]S PARTÍCI]LARIS I{OS POr,Ír rCO-EELIGIOSOS 91

dade pontifical que rejeitaram, o apoio cla autoridade laica, se estaaceitasse a doutrina tlêIes. Bent cerlo, clepois ile seu apêlo à no-breza da nação alernã, Lutero escrer-ia:

"Não podemos recus:tr ao príncipe o título cle saeerclote e debispo, ncrn o pri'ilógi. dc corrsider.r o sclr cargo co,ro ,ml fun-çtlo ospir.itual, cristlt e írtil à comunidaclc inteira',,

Parti,clo t.laÍ, itr ern b.eve concruir qlre o pr.í.cipe não rleviater sônrerite o direito rle gerir os bens eclesizisticos, lromear os pàl.s-tôres e velar: pela disciplina, rrras tamiiém o tlireito de fixar a re-ligião de se. Dstado, obriga.tlo se.s sr.'rclitos, sob pena de expursão,a seguir a religião adotada por êle. flm tlcs primeir.os cliscÍpulosde Lutero, Capiton, e,scr.ever':i ex1».es,sarriente:

"O Príncipe_ó um pastor, uur pai, o chcfe visí.r,el da IEçrrjasôbrc a tcrr:r- O Cristo dcu aos príncilrcs picdosos o clom de go-vernlr, co.fcrindo-lhes a prudência pira go'erllarern lriedosr,rente.Iiis porquc êle quis que càldi u,i fôsse chefe dc cad. u.ra tlr s.trsIgrejtrs no mnndo".

E o princÍpio será pouco rlepois resurnitlo na clivisa seguinte,destinada a tornar'-se berir tlept,essa sirubólica : utjus regio httjttsrelígío.

Não há dúr,ida de que semeihante interpr.etação oferecia aosprincipes a quern era dirigida tentações trem profanas. EIa lhespermitia secularizar e confiscar em proveito pr.ó1rr.io os bens daIgreja, o que logo rlespertou o interêsse dos pr.íncipes alemães.Alérn clisso, em vár'ios outros países onde a refor.rrra se impunha

- e que eram muitas vêzes aquêles onde permaneciam reflexos rlerarlcores antipapistas do ternpo do papatlo de Ayinhão - era r-istacou boris olhos a facilirlatle que a rrpturil- conl ir Igrejzr. pocliafornecer iis rnais livres fautasias conjugais do sober.ano. Tal será,por exeniplo, o câso particultrr rla Inglaterra, oncle, àntes mesrnodo cuidtrclo de lançar nrão dtrs riquezas eclesiásticas, o que nãoserti aliás negligenciatlo, a passagem r'i Reforma ser:i provocailaantes de tudo pelo desejo de dir-orciar clo Itei Hertrique YIII, puradesposar Àna Boleyn.

De rnaneira geral, as conseqüêncitrs da rer.oluçiro protestanteassim começada, arrastar.a desordens cheias tle complexas confusões.

O direito atribuído aos soberanos de acutnular ern seus Es-tados a direção temporal e eslriritual, e rnesmo tle impor cada um

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92 AIGREJAEOESTADO

enr seu estado uma lei religiosa particular à qual seus súditos cle-veriam subureter-se sob pena de expulsão, não só restabelecia umcesaropapismo ainda rnais absoluto que o de Bizâncio, mas ia mui-to urais longe. Ela fragrnentava a frinuula cesaropapista nuluantttlticlão de religiões distintas que podiarn ern princÍpio torriàr.-seirrrurrerár'eis, iír que a l)iiropa, cie fato, tai como tirrha sit.lo consti-tuÍdrr através do feudalisrlo tla relade l{éttia, esta\-a cornposta clecomunidades poiíticas infinitamente nunlerosas e cliversas. À no-ção rle unidade cle civilização, cle cultula, cle verclade e cie lei moral,congregando entle si todos os hornens, selr clistinção de for:mzrs degovêrno, esta noçiro que descle o conrêço tlo cristianismo represerl-tava a rnais essencial das iioções trazidas pelo ensinamento evangé-lico, estava profundauielte'conrprotletida. É certo que a nova fót.ruula rrão será interpretada em tôda a par.te da [resr]]a maneit.a,até suas conseqiiências lógicas tllais extre[ias. porque, às ruaisdas vêzes, apesar tla r.uptura coni ltoma, subsistir.á o sentimentode dependência para corr) ullla comunidade cristã. ]Ias é borunão se esquecer rle que na origem clos t.eflexos que tiuharn a prin-cÍpio anirnado a propaganda luteralla, ao nrenos na Alemanha, fi-gurava em primeira linha os r.essentimentos de um povo que sofriapor se ver desprezado pelos outros por causa de sua cuitura infe-rior. E conro reação, êsse povo ia fechar-se nunr particularismonão sôrnente cultural, mas tambéru de algum modo étrrico. Or.eioque se pode dizer sern exagêro que as fórmulas do protestantismosão a origem longínqua das teses cio nacionalisrno racial que sur-girír bern rlepois ntr ruunclo, pelos fins clo século XIX e courêço clo XX.

ff) O assitu, clrunruclo Liberalisrtr,o ptotest.üntc

A aparição do protestantisuro estrr ligada à origeru lougiriquade equÍr,ocos beür complexos, fontes de alguns rlos rnais vioientosdebates de nossos ternpos conternporâneos, no plalo clo que se cha-rnaria ao depois o liberaiismo.

Atlmite-se em rnuitos paÍses. rlesrle hii muito tempo, que os pro-testantes foram os defensores da liberdade contra os católicos,considerados como os tletentores do autoritarisrno.

De fato, desde o comêço o primeiro reÍlexo cle Luter.o, comode seus êrnulos, foi o cle reclamar a liberdade cle se desprentler rlaobediência ris regras estabeleciilas pela Igreja, de certo modo ernnome da iluminação particular que lhes assegura\-a a sua fé. Mas

FLORDSCII,IEI{TO DOS PARTICLTL.{BISMOS POLI TIC0-R}]LI(I I()s()S Í)3

logo depois exigiarn urna obetliêrtcia aintla rnais intransigertte rI

luova lei instituída por êles, e chegavam lnesmo - corno jír o li-nlos - a reconhecer nos soberanos ligados a êles uma autoriclirtleleligiosa absoluta.

trl couro era cle esperal', aqui e acolá, após os primeiros re\-olta-dos que tiriham Iançado as prirneiras teses da Ileforma eln nometla inspiração rlivina de que se declaravam animados, outros, imi-tanclo-lhes o exemplo, apareceram inlocanclo a sua iluminação par-ticular e pretenclendo impor por sua \-ez teses tliferentes. E as-sim, em cliversos paÍses, primeiro na Inglaterra e em seguida na,\mérica do Norte, r'erificava-se urna dispersiro do espÍr.ito pr.o.testante entre seitas rivais, reclamanclo cada uma tle per si o di-reito à inclependência de suas fónnulas.

,\lém tlisso, cle modo rnais generalizaclo, todos os protestalrtestlas diversas seitas reclaniarão, com respeito aos católicos a pró-liria liberclatle religiosa nos paÍses onde permaneceretn a rninoria.

l)ntretanto, onde quer qrle urtra ou olltra tlessas seitas se im-pu-qer como domina.dora, ela rnanterá em próprio proveito, sem ârnenor consirleraçi:ro pela libertlatle cias outlas religiõr:s, as fórmulasruais autoritÍrrias. Àtti perÍorlos ltistóricos bem recentes, a seitatlolrinante continua.r'ír a proclarnar o direito e o dever do Soberanode agir como chefe tle sua Igreja, e a serviço desta.

Outro ilogismo de alcance betn tttais grave tt:rnos visto ern Lu-tero, e mais claramente ainda em Calvino, descle o conlêço: o es-sencial rlas plimeiras fórmulas doutrinais elaboradâs para con-denar o recnrso i'rs intlulgências ternlinara pela proclamação date-<e da predestinação, que negava ao homem totlo o livre arbÍtriona tletermirração de seu destino eterno. Curioso parâdoxo I Se

bern que reclamando a liberclade cle contbater os ensinamentos tlaf gre.jrr Católica, os protestantes leclamar.arn, tle fato, a libercla-de de negar a existência cla liberc'lade humana.

Ilm compensaçiro, a rlespeito tlas conlenções geralmente admi-tirias, segundo as quais seria o protestantismos que representariaa clefesa da liberdade em face clo catolicismo, foi na realidaile aIgreja que, desde o principio e contirruamente c1aÍ por diante, pro-clamou a sua crença no livre arlrÍtrio face ris teses protestantes dapreclestinação.

Eru 1524, a seguir ris prirneirns ofensivas de Lutero, o grandeclérigo Erasmo, hurnirnista, que, embora conr-encido também da

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94 ÀIGBEJAEOF]ST.\DO

necessidade que tilllltl a Igl'ej.r rle refonriar algrriiras tle suas posi-ções, pernranecia fieiltente ligatlo ri ortoiloxia católica, putrlica-yâ1 utrr trtrtarlo intitu]utlo: "l)iiilogo sôlrr.e o liyr.e ar.[rÍtrio", em quetorrrava- atrertaurente losi(Íio coittr.â a tloutrina tla prerlestitração,Pouco cle-pois, ern razão tlos progressos rla her.esirl, collyoca\:à o I)a-l)ado o grande concílio rle Tlerito, orrde serinur fixail:rs, ju,stifictrtla.se precisatlas as fórntulas doglráticas cla Igr.eja. Nurnn de suasprirneirirs sessões, eur 1547, foi publicatlo uur artigo r1ur. afir.ruava"a liherdatle rtortrl do honlent", e concluÍa: ,,o livr.e arbítrio lãofoi neni clestnrÍtlu, rrern :rtingido pelir rlegrirdtrçiro dà culpa original".

,\ co-trna-nnnrnu.l crrór-rt..r :

J)r:spuRreR E DlFrjs.\ p.1 5or,'io r-Nr\'t Rs-\Llsr;\ Do lro\{EÀ.I FACUjl()s t,,\ttTI(.IrÍ,^RISnÍos pR0TIrsT,\NTES.

O esfôrço de renovaçiro câtólicrr qut, surgiu bclr deplcs-sir, it partir tlonlolnento ern que o prrigo l)rotostal)te colneqava a tolnar.r,ulto, csfôrco êsseclltrrrtrtlo pela lrist<irirr tlc "<:ontla-Iicfornur", irr rcvellrr-so inrcn.-o, g so} rnpi-tos poltos dc vista, gr:mdioso.

Iuiciado pe lo nicio dcr sóculo XYI, ôle iir estcndrr-sl crtr totlrs os scut[-dos, plra teminar, na scgundr partc do sircu)o XYII, pt'lo dcslbroclrar natr't'tnçrr da gr':rndr: gerar;ão, 11;t qnal Bo"-sn.t "ser.ilr tro lrlano rtligioso ll l)r.rso-nalidade mais sírlida c dorninante. Corn I)esc:trtt,s, êle sc pro|urrhir a pôr aserviqt-r da lcligião crrtólior, isto ri, unir,crsal, uurn Rirzão univcrs;rl.

I)nquanto que o Palra PrLuio llI rcurria e ur .15-15 la cid:rde do llrcntoa priureinr se.ssãt» do concílio, aliris .suspctrdido c r.r,r-,onrr,r;:rdo lrol r';irilrs r'êzt,s(concíIio êssc que iriu levar a born têr.ruo atrós lS &nos a imensa obra dafixaçho ilos dognrirs, rr,rrovrrr,.i-ro dos ostudos tr.,ológicos o restalnrx(jÍo da dis-ciplina, em rcspostit:los:ttilqlrcs protost:lntcs c lcvando crrr cout:r as slilscriticas rnais pcrtincrrtts), urn esfôrço prrrrrlclo lru cntpr.ccndido dcsdc o r,o-rttêço prtra fourecer ir IgrcjrL, ctn vilLs tle r.rtnovirqiro, novos quadros de r.cligiosos.À açho nrissionriria dêsscs religiosos lccolquistarilt o ttrrreno perdiclo c cs-t€nderia o dornínio du cri"'taltlade rtri os imcrr.-os tcrrit(iri{rs dos continont{,D-longínquos, r'ocr.nterncnto e-rplorados 1n1os gllndes viajantcs u:rrítinros.

Como resultados dêsse esfôrço ternos, primeilrtnente, u fund,.rçiio drt Ordtrnnissionírria c ào ntosmo tcrnpo doconte dos,Jtsuítas, por Santo Jnírcio deLoiola. L'ni scguida, alónr de criaqão de ulgrrntrs olrturs n{)yls Orden,s, arcforma dlts antigas ()rdens e a organizacão tlos st'minririos parir â forrulqiod0s sa611'1ll61ps seculiltt,s.

Àtrilr,ós dôssc granrle movirnento surgitr, lror irrtcrr:r'los, algunras grandesfiguras alimeutada.s de cxrltaqão c-spilitual, colro unrà Sauta ,l'crcsa rle Ávilu,urn São Joiro da Cruz, na Espanha, e ao depois unr §ão tr'rancisco de Sales, uaX't'ança, Êstes pcrrlaneccrilm sinbôlicanrcntc as nrais roprr-sentativas,

Fr,oRESCrrrDNTo Dos pARTrcrIr,ÁRrsr'Íos por,íTrco-Rnlrcrosos Í)5

Entretanto, a.s condições polÍticâ-s atrayés clas quais ia desen-rolar-se a contra-Reforma contribuir'ão para falsear de algum mo-do os clados aparentes.

IIers uu rNFELrz DESrTRT.\R DA eurlrrnA rMpERrAr-:

C,rnr,os Qurxro

No início do sécrtlo \VI, arites (le surgit'ent as agitações suscita-das por l-utero, hout,e unt aconteciureltto afinal rle coutas feliz paraa lgreja. Hetonranclo Irrancisco I as exlrecliç(les de seus lll'edeces-sores para consolidar pela ocupâção da Ittilia do Norte as fi'onteirasmeridionais da n'rança, Ilensou êle em pedir o apoio do papado, em-bora êste, el)yohrido em intrigas colll os J)rincipa(los italianos e em-baraçado corn suas operâções de luxo e suntuosiclade, pudesse pa-recer bem corDploDetido se aceitasse.

Em 1516, logo a seguir à sua vitórià de }larignan, êle concluíacom Leão X uttta concor.data qlle refbrltara a]gtlna§- tla's tli.spo-siqões da "Sanção Pragrnátictr" de Carlos YII, sattção essa que ha-via descontentado profunclarnente o papil(io.

A "Sanção I'ragmática" tirrha pretendido rlegar ao Papa tôtlaa intervenção nas norneações tlos bispos. À concortlata de 151.6,

ernbora recor)hecendo ao Ilei o tlireito de os l)on)ear pnra os bene-fÍcios superiores, prtnha a essas nolneações ulgrtrltas cot)dições deidade e de contl»etência, e lIl'eci,sa\.a qtre só o PàI)a teria o direitocla inrestidura cariônica, I!ra I'ecouhecido ao clero o direito cle

organizar' âsserrtl)léias reglllal'e-( tr)arà sllrl a(lll]il)istrlrção interrta,e o yoto dos inilrostos aos qllais estaYa sujeito. ItlrarD t'estal)elecidaspor partes as .jririsdições eclesiiisticân- sul)I'iltiitlas por Carlos YII,assirn colno o contrôle papal das anatas, isto é, dos impostos deYidosri Igrejrr pelas bulas de inr.estitlula dos prelados e outros dignatiirioseclesiíisticos. O rrcôrclo assirn c'stabeleci(lo, âo nleslno tentlto queafirmava a autoriiirlde do soberrlno lroirtÍfice, reconhecia ao Rei aqualidâde tle protetor e inspetol tla Igt'eja de tr'ratlqo. I1) tlêsse n'rodo,assegllrando a autolidade rnor.al do sol)el'ano sôbl'e o clero, a con-coldatâ ia contribuil graDdelnente porlco ternpo tlepois parâ afastara rlronârquia francesa clas tentações protestantes e rnanter a Ifrançana catolicidade.

llas, por outra pàrte, o \:elho mito sempre renascente do Im-pério, que o pâpado tânto contribuíra para criâr, suscitavâ umilnoYa e perigosa quirnera.

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;r96 AIGNDJADOEST.{DO

No eomêqo do sírculo a coroa eletit'a imperirl cncontrava-st, detida pornlaximili:ruo de Elabsbourg. Elrr continuava tão teórica cotno senlpre ofôrir desde há vários sóculos. Nas ao mesnlo teDll)o, por divcrsos crlsall)el)tos,l\{aximiliano tinha prcparado metôdicamente parâ a sua família, âté cDtãorelutivamcntc apagadl, um:r posição considerível ua Europa. r\l(.m de seusbcns hert-ditririos na Áustria, êlc obteve por scu cas&meDto com a filha deCrrlos, o 'Ierncrltrio, a posse t'los Países-IJ:rixos c do F rilnco Condado. Etendo o sou filho drsposrdo a filha clos sobcrirtos espalhóis, a coroll dr IIs-panha corn todos os tcrritórios da Amôrica, e tôdrrs as pretensões sôbre estaou rLquela regiãtt dêle di,pcndcntc na Itrilia, tlevia pass:rr ao seu neto Carlos,couhccido na lristórit pelo uorne de Clrrlos Quinto.

Quando mouia lI:rxirnililno em 1519, no molnento enl que comrçayamas ngitações luter:rnrs, o jovcm L-:rrlos Quinto. conl :1 iclade de 19 anos e jíRei cla trlslranha desde hri trôs anos, erl o Sobolnno mais poderoso da Europa.IJmu :rmbiçí-ro ilrensa lhc viera. Apoiado pelo pôso de todos os scus bcnsêlc obtclia rr surr eleiçito l)tr'â a corolr irnperirrl, c tlarrsformari;r o Inpório noque ê1o jln.riris tirrha sido, mas que por principio devia scr, isto ó, de algurnmodo o lJstado senhor de todos os outros. I! er» seguida, alimrntado deurna ardpDtc fé eatóliea J)or sn:t cduclgão cspauholtt, êle cmpregatia scu inren-.so poder em defeniler por tôda a parte a Igr.cja ameaçada por novâs heresias.Itr pôs-se imcdiatamente & êxecutrr a sua dupla missão. Prosseguiu-a semdesfirlecinrento durante trinta e einco anos. Legou-a em seguida ao seu filhotr'ili1re II quc, ató 159S, ap'licou-se a continua-la com uma convicção e umacorrstâucin idênticas às cle seu nai.

]Ias essa lireterlsão de rlornilaçiro universal, justificada irnica-mente pelo azulr' de alguns casamerltos que tinham reunido proyisÔ-rianlente nlrmzr mes[]a rnão povos dirersos, não se tinha chocadosôrlente com âs resistências religiosàs dos protestantes alemães,mas tambérn cot}r âs revoltas da Ifrarrça, então ainala plenarnerltecatólica. Esta foi logo :rtacada lror Carlos Quinto, tomando pretex-to das questões italianas, e vill-se arneaçacla cle cornpleto e\tennÍ-nio quan(lo, após a batalha cle Pavia ern que X'rancisco I foi ven-cido e prêso, Cârlos Quinto quis inrpor urn tratado que seria umdesuternbramento total r1o paÍs.

n'r'ancisco I, então, nessa situação crítica, apelou para ostulcos r]ruçuhnarios e entrou ern elltendinlentos com os protestantesalemães, do que ia resultar conseqiiências tanto mais embaraçosasquâllto, por aí, o protestântismo achará nreios cle se alastrar nallrança, onde procurará captar o fayor r1e diversos grandes se-nholes (iesejosos de se aproyeitareln tlos tlistúrrbios pilra se liber-tar cla autoridade real.

f)essirs aliillrças :\s quais os leis de França se viam conrlênados,Carlos Qnintc-r, e dellois Ii'ilipe II, iam tirar argltmentos próprios parajustificar a sua pletel)são de se apreselttarerD conlo defensores da

;lF'I,ONESCIMENTO DOS P,\RTICULARISI{OS POLíIICO-NDT,I(I I0SOS lt7

Igreja. Ao mesrno tempo, êles mostravam por tôda a parte nos s('llsllstados um zêlo iltransigente no combâte à heresia, com & a.iu(llltlos tribunais da Inquisição (ou do Santo OfÍcio). Êsses tribnnais,estabeleci(los pela primeira vez por Inocêncio III no tempo da cnr-za(la contra os albigenses, e renoyaalos recenternente pelo IrapaPaulo III, er21m ilirigidos por êles com 1l1nu se-,reridade sirnplesrnen-te terríyel. Sem dúvida, ao menos em grande parte, o zê1o leligiosoer.a nêles profundamente sincero (todo o seu comportanlento o prova).Entretanto, essa defesa religiosa, em condições que tahrez êlesprriprios não discernissem claranrente, mas que saitàya aos olhos{.ie seus coDtempor'âneos mais bem informados, ser'\,ia. cle iDstrunren-to e de capa às suas ambições polÍticas. Urn embaixador reneziano,falarclo da olganização da Inquisição Da Dspanha, escreyia:

"O rcrdrdeiro mestre dô Santo Ofício ó o Rci. Êle nonrciapessoalmcute os irrquisitlorcs.. . Inquisiqão c conselho real audamscmpre juntos, c sc auxiliam corrstarrtcmcnte".

E o Papa Xisto Quinto, nas instruções qtle êlc tiirigia ao seu

legarlo ern Fr'ànç& em 1589, escreviü:

"O Rei da Dspnnha, cIIl sua qualitlade tlr Soberano tcrnporal,csforça-sc antes tle tudo por salvaguartlar e auInentilr os seus Es-tados. E por i-sso êle qucria pôr à tcsta da Ii'rtnça pcssoas doscu gor.êrno. . . A consertar:íío cla rel.i7ião crt'tóIica, que é o íírnprinr:ipal tlo I'apa, não é m.oís (lue un prelcnto pal"a o Stta, f,Ia-iestatle. Porque o seu, fint, prínci1tttl é a segurançu c o rrc»rit;rcntode .setts Estados."

IIas, para o público ertl selt conjunto, a Igreià perlttaiteciasolialírria dos métodos sdb todos os porltos cle vista iliberais e auto-ritririos rlos soberanos da trlspa[ha. Se bent qlle, como jri o viruos,face i)s fórntrlas prote.stantes fôsse a Igreja que eylirimisse ernitorrtrina as noções mais cl.aras do livre arhÍtrio e rla liberdatleintlividual, os métodos tla inquisiçãro espanhola, explora(los llelainstintiva ar-idez cle dominação rle certos eclesiásticos, serviramdaÍ por cliailte de argumento aos adrelrsírrios do catolicismo parao afrese[tarern como o pior inimigo cle tôclas as formas de iibertltile.

Por agorâ, unra das conseqüências mais gra\ies no terreno rlapr:itica ia ser I de proçoccr a entreter Da larança dura»te a seguD-cla parte do século X\-f, a terrÍvel e sangrenta crise das guel'rasrle Reiigião.

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98

As cuoRnas on nnr,rcrÃo NA l.naNÇa

Ilmbora a famíIia real e a grarrde maioria da popuiação francesa tives-sem permanecido fióis à rgreja Catótica, as alianças^ "^;;;;;i;;-;;"i. o*o-testantcs alemães, contra a Dspanha, tinham contriluiao para a-p..r].""oaoda religião leformaila.

.tr{ais de um grande senrror, sob a eapa de sentimento patriótieo anti_cs-panhol' b.scava mais ou menos conscienteÀcnte n.ma adcsiro ao protcstantis-mo' armas para atrair a si e às suas ambições o refrexo o.cioori á"',.^n pr"-tc da opinião pírbrica contrâ a autoridatrc-rear. etgo". irtnr"rir.i.,"il.rr.o"-siona.os pclo rcssu,gir dâ questiio a,," "o"Jà-,:o.s tra,icionais traziras yrcracrítica pr.testaDte dos tcxtos ,sagrarl"", "r,ürü- tambóm a inquictantcs rc_visõcs, depois de um Rabclais, aJ uÀ lrã"iiis* e dc vÍrrios outros.No eomêqo, entrctânto,.alguns. católicos, cuidadosos de mantcrem & cor]1_plcta unidade nrcion:rr. ti,haÀ.ri-""inãá"'u'i.r""urro <Ie quo o protesta,-tismo pudosse scr elinrinlrlo- pola pnrsu,rs,.io...or..

"" fôssc preeiso. pela Íôrçe.E estavam mesmo conycDcirros ac ;i.;-i;;'";'indispensáver. porquc, decra-râYaentIcoutrosaos}DstadosGerais.de15Clo,ochanceterãoÊã.i,itir,loucura csperar prz. ,'eDouso e amiraae

-ent ã"'p"raoo, que professam rcligiõcsdiferentes. {go h:i opinião que pcnetre o coúção rros homns tânto corno aopinião de religião, nem que tanto os separe uns dos outros.

Mas com o eorrcr do tcmpo, viu-se que as oposiqões irritadas cre ambas asparte's pelas viorências sangrentas tornàvam-se' por demais prof,ndls 1r,rtrserem eliminadas' A sit,ação compricou-se uirã" -oi. quando, após o ,trvcn-to de =renrique rrr, que' não .tintra mrros, ioi- ã_t.ooo hcrdado por rlenriqucde .Navarro, um .dos prineipais a""t

"--ãJ õ"oiao. que se tinham unido aoprotcstântismo' Âcabou-se iinalmente po" ráÃiu" que, pâra e'itar a dma-gregaÇão do Rcino, era nccessário "r"ort"u" .Á compromisso.

Po,rq.e,_ se uma parte .os Grandcs tinham-se unido ao protestantismopara defender suas anrbições contra a autorúde do Rei catóIico, outros,âgora, que ser iam tornàr com os G,ise os chcfes do movimento "or-tro"iÀ

oohistória pelo nome de r,iga, ""lraoo- ""*ieã"J" consori,ar suas posições par-ticulares, irritando coDtra o herdeiro p""ar"tl"o protestante o sentimcnto ca_tólico das massas.

E1n 1598, depois do longrs ncgoeiações, foi assinado o Erlito cle Na,tespor rrenriquc de Navarro, reconhccido como Rei ". rrÉo-n-".;;"ià;

",assassínio- dc rrenrique rrr. Êsse comprornisso marca uma dâta essc,cialna história tla evolução tlas relações cutri a ig"":a o o Estado.

ÂIGRDJAEOESTADO

O norro no NawrnsPnrlrnrn.t rlrsreuR,tçÍo or,rcrArr nt ror,nnÂwcrÁ REr,rGrosA

Sem dúr,ida, para fazer aceitar o seu advento, foi preciso rlueHenrique rv ah.i,rasse prirneiramente o protestantismo e se con-vertesse ao catolicismo, reconhecido por êre como a religião tie

F r.oRESCrl\rENTo Dos panTrcur,anrsltos por,Írrco-RrrLrcrosos Í)!t

grande maioria francesa. É certo tambérn qlle, no preâmliuio ilaata, êIe tinha proclamado tlue a unidacle c1a fé permanecia o bemsnpremo, e, nllm discurso dirigido ao Parlamc,uto cle paris algunsdias depois de registraclo o eclito, êle rleclarar.a:

"Não se faça rnais distinção cntrc católir:os e hugucnotcs; rnrs ó precisoque todos sejam bons f,rnceses, e que os cutól.icos cotlüertaru os lttLgricnotespel,o eremplo de ttna boa uitla" ; o quc tleixava entrcvcr a sua cspernrrça cleyer uür dia restabelccida a unidado leligiosa.

rrnfirn, a rcligiÍo rcformada cstava Iongc de scr arrmitida no mcsrno pódc iguakiade com a. religião c:rtólicr. Tôdas as ct,rimonias alo culto Jrrotes-tunte cstavam irrtcrditas ern Pirris c ulm raio dc cinco lógurs:ro rcdor"nas cid:rdcs elriscopais, las rcsidêncins rcais e no exórcito. E só crttrn âuto-rizadas cm du:rs loc.lidrrtrcs por um.r espócie de cont*to, ern J. bOo c.rstelose nas cidadcs ocupadas pclos protcsttntcs cru 31 dc agôsto rie 1bg7.

Em cornpensação, llnla libe«Iacle rle consciência sern Iirnitede tempo, corn tlireitos civis completos e o acesso a tot'los os car-gos erart assegurados a todos os Íiéis rla religiiro refornacla.

IXm suma, tratar-a-se de unt acôr.do conro jamais houyer.a se-melhante na história- rla cristandatle. rrrrrluarrto cllle na Hspanha,na rnglatera e nos diye.sos principarlos alernires, os governos im-lNrnliam aos seus sÍrditos nrna le_.i, a Ir.rau!,a o.i1 a pliureira a re_conhecer a Iiberdade religiosa. Irl er.arn os cnt(rlicos, que consti-tuÍam a maioria no paÍs, que aceitar.am êsse acôrtro pai.a a.s"g,r-rar a unidatle nacional.

-rnfelizmentc, porór., nem dc uma parte, ncrrr ilc outra, fôra acoito o Edito

de Nantcs sem segundas irtenqõcs.Àpcnas assinada a trtl, foi ,ecessírrio conceder aos protcstantes algumtrs,

vâDt.rgers eomplcmcrrt:rrcs, dr: rnodo particular :rlg.ns lugarc,s assirn ehríados'de seg.ranga", o,cle, prinr.iranrrnte por um pcríodo próvisório de oito anos,êics estariam cm suâ terrl, protegidos pclo llci.

os católicos qucix:rnm-so de sornelha,te s favorcs. snccrdotos c rnon-ges co,tinuavam a excitrrr de tal modo as irnlraciências e as irritações quc em1610, um cxaltado, rllrvlilLLc, rssassinou rrenriquc rv. D cmbora,- por rcrçirLtsinstintiv:r, a crnoçi-ro suscitrrdt por'êsse crirne senisse ri causa do aptziguamcnto,âo mcnos por algurn tcrrlxr, ircitando os protest:rntcs à prudência plra evitrrr.represrilias, n:rda estava ainda rcgulndo.

. n'ora da Franqr ponstr.a-se mt'nos airrda nurn acôrdo entre os dois cultos:a rainhr rsabcl, dr rnglatcrra, tomando umr atit,dc apaixo,rdanr.ntc rrnti-católica, preparav:r a organizaçiro do culto particul:rr à Grã Bretanha, quc iase. ' rgrcja anglicana. Na E,spanrra, dcpois ilc I'ilipc rr, x'ilipc irr con-tinu.va a manter conl o mcsrlo zêlo i,tra,sigontc de soirs p"cdocesiores a obr:rda rnquisiçiro cm todos os scus donrínios da rluropl c do Noyo trlundo. lrasêlc sc chocrva às vêzes, nos Paíscs-IJaixos c,r p:rrticurar, corn resistências

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100 AIGBEJAEODSTADf)

que iam terminar por umâ rupturâ entre âs províncias do sul (o territórioda

- futura Bólsica), quc permancciam catóiicas, c as pro.víncias do Nortc,

onde se formava a rep(rblica da rrolanda, que se ia tornar u.ra das cidade-las do calvinismo. a Âlemanha, riruito mais ainrla, permanecia agitada pelasdivisões religiosas numa crise de lutas intestinas mais soh,agcl,

"qoo ," qoua tinham rcvolucionado tantas vôzr:s desclc há sócuios, e q*e sc ia prolongarpor tôda a primeira parte do sóculo XyII: a Guerrir tlos'I'rinta Anãs.

A <;uonna Dos rErNTÁ ANosltonnÍv.ur, cÊrsr Dos pÀIi.TrcL-L'.tltrstros ar_uLrirs

Era semprc, bcm cntendido, a q.irnr'tricrr qucstão do f ,ipório q,e scrviade pretexto. Sem drivida, i:i triro Lavi:r desdc â mctàde do sí:culo XVI oacúmulo de duas coroas numâ mcsma cabeqr, que havia suscitado a louca me-galomrrrria dc carlos Quinto. olrrlos Quinto, tbclicando, ccelera ao seu fithol'i1ipe II as possessõcs dcpcndclttos da Jlspaulilr, c transllitira ao sou ipliroI'ernando r scus bens hercditririos da nlcrlrarrlrrr,:rss.gurando a ôste a coroaimperial clctiva. Mas tanto ,:r Itrsp:rrrLa co,lo rl, Âlcmanha, erârn scurpreos rJabsbo,rg que continurvrm a ,cinlr, collr süas arnbiqões de podcr e zêlode dcfcsa crtólica. Ii,q.rnto que nâ llspanha lr-ilipc rr, e tlcpáis sc, filhoI'ilipe rrr, prosscguiam o scu imcnso e cm pilrto dcccpcionanio csfôrço, osIlabsbourg da Alemanha tinham sortc aincla mais instável. À,Ias, em

-161g,

a totalidrdc das possessões alemãs dos Elabsbourg, por momentos partilhadasentre vários herriciros, vieram :r cair .iuntamonte com â coroà impcrial cmpodcr de tr'c*a,do II, filho dc X'ernando I, o quai, retoma,tlo a si todos os'selhos sonhos dos scus, quis consoliilar dc rnancira hercditr'ria o rmpório emsua famílir c ro mesmo tonrpo ir,por o triunfo clo catolicismo cm

-toilos os

países *lcmães.

Isso lrro'r-oeou contra ôlo uma imcnsr i.rr.o1t.a, cln quc as trirdiçõcs par-ticularistts, o reflcxo arrtilatino o o rcfloxo tlrr liostÍlidadc ao universelismoda Igre'ja, se uniam para suscitar tcrrívcis agitrrções. I\{lls X.crnando obs-tinava-sc corn meios podcr'sos, sr-rstcutndo ci, brer-c pclos rrabsbo.rg da Es-panha, enquanto quc à gravidrldo do perigo c a sclvageria dos eombntos pro-vocryam e estintulavarn por tôdlr a lârtr,, trtosrno fora cl:r Álemauha, a so-lidarieclade protestântc.

Na If rança, de modo particrilar, ncssr tr'rarrqa dc Luis XIII, governadadesde 1624 por Richelieu, a nrinoria protest.ititc (corn seus qundros de grandesscnhores, cujas ambições irnpacierrtes dc autoridldc real encontravàm uln ecoindircto n:rs ambições igualmente deccpcionadas dos grandes persotragcns ca-tólicos que tinha outrora arrimado a Ligrr) tinha recomcçado suas agitrçücs,las quais se misturavam confusarneute preocupações políticas c re)igiosrrs.I,ogo após a morte de Ifenriquc IY, correu pclos mcios ar.istocráticos unta pil-lavra que foi muitas vêzes citada polos historiadores: ,,Passou o tcmpo dosreis; é chegado agora o dos Grandes e dos príncipcs. O ressurgir rla agita-Eão dos príncipcs protostlntes da alemanha contra o rmpcrador fornccilm aessas cobiças a aparência de possibilidadc de triunfo. Os protcstautts fran-cescs, apoiados pelos da Inglatcrra, comccàralrt um luta contra o Rei.

FIOEFJSCI\ÍENTO DOS P.{IiTICI]LARISI{OS POLíTICO-RELI(;IOS{)S lOI

Richclieu reagiu cm face dôles eom umâ mescla de energia c dc modc-ração. Sitiando c rdeuzirido erl 1628 â uma capitultrçÍo incondiciortiLi opôrto dc La Rochelle, de que tinham feito sul principal cidailela, blt-rqlLeandoDo ano scguintc urna tle su:rs principais fôrças armadas ilàs C'c\'orlts, colnân-dada pclo Duque de Rohan, êle thcs tinha imposto urn acôrdo, o irrdulto deAlais, pclo qual todos os priviiógios políticos a ôles concedirios pclo Ildito deNrlntes (lugarcs de segurtrnga, proteção rcal, ctc.) erarn suprimitlos, masno qual eram reafirrnarlas a libcldrrdc do culto c a igualdade civil comple-ta com os católicos.

Êlo reagilr ào rnesrno tcnllo corn uula scvcridadc impicdosa contlr torhsas outras agitaçõcs dos grlndrs senhores, scm poupilr-lhes a corrdeuação àmorte, qucr fôssem católicos. qu{,r fôsscm protestarrtes. nlas por: meio desubsídios, e em seguitla por intervençiics arrnadirs, êle sustentava os prírripesprotestantcs alcrnãcs contra os llabsbourg. I)epois de sua rnortc e da deLuis XIII, durarrte a mt-.noritlitde dc Luis XIV, scu discípulo e succssor,N.lazarino, aplicou-sc a se;;uir unrl polític:r scmelhante, tanto no lrlalo cx-tcrior como no interior.

Ilazarino prcsidiu aos tratâdos dc Ycstfrilirt de 16'i3, pclos rlriais aIrrança, servindo de algum lnodo dc Írrbitro entle os :rlem.ircs, sctttltrc divi-didos c no momcrrto esgotrrdos pehs terrívois c longas lutas, assegulava sobo ponto de vista político c rcligioso unl novo ctluilíbrio curopcu.

A tentativa do reorganização iurporial imagintlcla por lt'ernando II cs-

tava eliminada. Os Hnbsboulg conservàvarn grant'le patto de suas posscssõcs,

mâs estavam afastados das florttt'ir:rs franccslts; a itrtlcpcrtrlência tlos principa-dos zrlernircs era m:rntida relativamcnte uns pilrlL colil os outros. (-]ilda umdos numerosos príncipes cató1icos, Iuter;lnos ou ctlvirristts, tinha o direito deimpor crn scu estado a sua próprit rcligião. À{rs, se corn isso t clivisho dacristanclade, a consolichçho política clo crs:rroplpismo protcstànto podit pare-cer em princípio corrsagrirdas, clc fnto, porírm, a influêneia prcpondcrrtnte quej1 ter a rnonarrluin frattccsa sôble tôda :r zorra ocirlcntal dos paísrs gern:râiri-cos pclo afastamcnto dos Ilabsbourg podia servir indilctamt'ntc à causacató1ica.

No plano intcrior, pon1m, as conseqiiôncits t:ritnt màis complexls.

-{ IfnaÇ,r caróLrca Dos IJoL-ni}oNs Ix)rrrNA À Erltsopr\, rrAS soFRE E}rSLÍA ITSTI"TITT]RA INTERIOR,

SUí'I,\L E REI,ICÍOSA.

Às colsr,reüiiNcras Do Dnsnei-irr,íBnro pnovocADo pnr,^s crIrrRRAS DU

R]]I,IGIíO.

Após a norte de Ilichelieu, durante a mcnoridade de f,uis XIY, os

Grandcs tinham recomcçado sulLs :rgitações, quc termilar:rrrr pela crisc tlirX'ronda. NÍazarino, c em seguida Luis XIV, tinham rcagido tito hent que,ató o fim do reinado, não hourc mlris nenhnmt revoltt abcrta contrl a au-toridade real.

I\{as a cstrutura política do país csttl\,â cm tais condições dc dcsequilí-brio que iria, rro sóculo scguintc, tràzer a ruína prre a rnonlrquil e o irrfor-túnio para a Igrcja.

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t02 AIGRDJADOESTADO

os Est:rdos Ger:ris, re,nitros por intcrvalos trcscrc x'ilipc, o Ilclo, nÍo ti-.relam jamais organização bem cocrente.Bcm dcpressa o Tcrcciro Ilstado, em cujo qutdro cntrtvam tôdas asmass:rs .grícolas c rrtesrr.:ris, cra mon.polizado po10s homcns de justiça dosparlamcntos quc, som se prendercn a ncnhume profissão produtía, iorma-vaDl umü. classe à parte, rnuito rn:lis cuidrdosa de rivalizar com a n'brezne o clero ,a dircção ,orítica d, país q.e de defe,dcr os i,tcrê,sscr 1rop,.t,a"a*.))aí por diante,.s rivrrridldcs ontro as três orde,s lrrivilegintlas -clcro, nobrezr e lrrrlamcrrtlr.s dc justiqa

- apateciirrrr às niassas -tão inefi

cazes c tão vãs quc, qu;rrrdo o govêrno rctl ccssou do convocar os Est:ltlos apartir do 1614, em rrunrcnto:rlgum o ])o|o so srrrtiu ]cs:rrlo o, p"rrruo amprot0star.(J mais graÍe cra q,o, não rcurrid*s, as trôs or.dcns privilcgiadas subsis-tilrn corD suas riv:rlidirdcs nulnl situ:rçiro r.ctrírrrocrr nrais ]als:r !o" ,ror-r,,r,.Os Grandes da nolrtttzrt, Jx)r suil frrltlt dc Ictrkllrile, inrn scr mantid6s por

Luis XlY fora niro só dos :rssurrtos Íjo\,orniullclrtnis, como tambórn dos loclis.l\ras seus títulos c s.:r ortlrrn, scnrl)r'c crn rrparôneia rr pr.irneira, Ihes eramdeixados, corn funqõcs militrrrcs c sinecuras do cór.te que os consêrvavnm lon-ge de suas terr:rs, onde tcriar, lrodido dcsempenhar um ptrlrel econômico esocial muito útiI. além disso, suscitavam muitos eiÍrmcs, particl,lannonteentro os funcionírios da justiça quc, embora contr.olados tambóm êlcs, exer-ciam cm seus parlarnentos urn palrel indirot:rmente político, ,rru, ,rrr,i ,lafi-nido; e essa imprecisío os irritaya.

Quanto Íto clero, suà l,osigão ert sob yririos pontos de vistaequÍvoca. No princípio, qnando era o itnico a fomentar a cul-tura, êle tinha desenlpenhado um papel rlir.igente ntais olt [lerrosincontestár,el na forrnação tlo paÍs. tr{trs depois êle se t,ira emparte suplantado pelos leigos, quando a ntotrarquia cr.iar.a. seuscorpos de legistas e tinharn sobrevindo, tro ternpo ile n'ili1te, oRe)o, os couflitos entt.e o trono e o papado. O tlesenvol.r,inientodo protestarrtisnio fôrtr-lhei ern se.gui(Iir urlrA arlleaça ainrla mais gra-\-e; Se be,ru qtre o I'eflexo ailtil)r.otestitr)te (l,rs rnassas, Sustentadol)ela nronarquii.r e alilis irrrironrlo-seJhe, per'rlalrecesse um apoiopara o clero.

A concordata de 1516, concluÍdil pot. Irr.ancisco I, tinha-lhe sidoelllbaraçosa e útil ao rneslilo te'rnpo. r}nhorrr fôsse previsto rressaconcortlata que â non)e:rçãO para os altos lxistos eclesiiisticos perten-cia ao rei, o clero guardar.a, por rneio cle trssembtéias regulares, ocorrtrôle de suár admiiiistrâgão interna e financeir.a. ,Êle adquiriaassl'llr nrra fortuna tr]róliria (aliás repartitla coln lnuita desigualda-de entre altos prc,lados pri\-ilegiados e vigrir.ios (le paróquiàs muitas§êzes pautrÉrrirnos). ,\)ém rlisso, parár a ollra de defesa .intil)rotes-tante, a mo'narqlria confia\.alhe mais qne nurica a clireção dos e_s-tabe.lecimeritos de ensino, particulârmente aquêles que a nova ordem

rrrlRESCrIÍDNTo Dos pAnTrcur,aRrslros por,Ítrco-Rnr,rcrosos 10:i

dos Jesuítas criava em grande número. Triclo isso, embora aumen-tilsse os sells meios de influência, não tleixava de provocar muitosciirrne"s.

Itrm resumo, o clero estava mais betn grganizado que as ou-tras ordens e ligado à monarquia, que ercontrava nêle urn apoiolDais seguro. Mas estaYa Ao rnesmo teDpo ameaçado, inquieto,preocupado em se defender e em consolidâr sua posição pelos meiosde que dispunha, sem que os leflexos do espÍrito de corporaqão lhepermitissem sempl'e medir as incidências gerais de suas iniciativas.

I)ontle se originavam três questões que tinham repercussõeslonginquas e grayes.

A) A questd,o do jansenismo

O jansenismo, quânto ao princípio, é uma doutrina mais ou menos âpà-rentada às tcscs protestantes relativas à pretlestinação c à graça. Espa-lhou-se na X'rança pcla metâde do sócu'lo XYII, crrr círculos ali/rs bem redu-zidos, e seus partidários não tilham a intcnçiro dc romper com :r fgrcja.

O que jamais foi pôsto em valor, a meu vor, siro as prcocuprções político--sociais que estiveram em eausà i esta ó a I)ute, âo quc rnc lrarece dominante,das rivalidades das ordens privilegiadas.

Os jcsuítas, cuidadosos de assegurarcm sua influência não só no scuinterêsse, rnas tambóm no da mouarquia, aplicavam-se ântes de tudo à tcr cmrnãos em scus colégios os jovens pertencentes à nobreza da côrte e da cspada,que permânccia socialmente a primeira classe. A essa juvcntutle de vida bri-lhante e fírtil êles procuravâm apresentar uma religião quc rrã.<.r lr âssustâssepor sua cxcessiva austeridade. Desenvoh,iam para êsse fim teses bem cômodas,segundo as quais aquêle quc tiver pccado sem tcr recobido de Deus uma grâç:rsuficiente para rcsistir à tentaÇão lão será culpado. Pascal irá escarneccr-secoDr tântâ graça dessas tescs cm stsas Prouincioles.

Os magistrados, mais austeros por profissão, e pouco cuidadosos depouparem as comodidadcs da aristoeracia dr côrte, dc quc estàvam mais oumenos intejosos, apiicavam-se ao contrlirio a sustcntar que, ajudado ouniro pela gmça, um pecador erâ um pccrdor, digno cm todo o caso dc purrição.A doutrina da predestinação, segundo a qual Dcus salva a qucm quer edeixa perder a quem lhe apraz, fornecia-lhes urna justificaçiro pura suas sc-veridades.

Niro resta dúvida de que atravós das discussões entaboladas sôbrc êsseâssurto, houve no cornôço debatcs tanto mais sinceros quiuto o cscol daque-les tempos tomava em seu conjunto bem a sório as questõcs religiosas. Ilntre-tànto, dêssc ponto dc vista, a controvórsitr dcveria ter cessado a partir domomento em que o Papa, inspirando-se das dcfinições do conr:ílio de 'I'rentosôbre o livre arbítrio, precisou desde 1653 :r doutrina católica rclativa ri graçaBem depressa, alguns magistrados quc animavam o movimento entràram cnrrelagões com vários dos antigos agitadores da F ronda, o quc ó uma provacvidente das segundes intcnçõcs políticas rnais ou menos instintivas que esta-

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104 AIGREJAEOEST.,I'DO FI,OET'SCIIIENTO DOS PÀRTICULAII,ISXIOS POI,ÍTIOO.REITICIOSOS ]05

sôbre cada uma em particular, era incontestâda, nem por isso oconcílio c'[e Constança, aprovatlo pela própria Santa Sé, deixou dc,admitir (levanclo em conta os tempos críticos em que vários papasse opunharn uns aos outros) que "o jrilgamento do Papa niro erairreformável; a menos que o consentimento rla Igreja (isto é, deum concílio geral) interYiesse."

Por outras palavras, a teoria teocrática da Idade Méclia, ex-posta por Gregório 1-II, Inocêncio III e Bonifácio YIII, era pelaprimeira yez oficial e pirblicamente rejeitada por iniciativa daIgreja de Frarrça. -{lérn disso, ela feita uma tlistinção entre aautoridzrde espilitual clo Papa, que era püblicailente reconhecida"e a sua infalibilidade, que era" contestada, e, ao menos para umeventual retôrno dos tempos clifÍceis, subordinada a de um concÍ-1io geral.

Tais afirmagões tinharn logo suscitaclo discussões complexâs.rt Sauta Sé recusou flyaliar essas afirmaçõcs, mas sern as condenarexpressanrente. Il toinou, durante r,írrios anos, o expediente de re-cusar a investidura aos eclesiírsticos, nomeados bispos pelo Rei,que tiressein aderirlo explessamente seja :is teses relativas ii ques-tiro tla regalia, seja ii ileclaração doutrinal de 1682. Em 1693, fi-nalmente, chegaram anrbas as partes a um acôrdo. O Papa rei-nante, Inocêncio XII, aduritiu a extensão cla regalia ternporal atorlo o Ileino. Lriis \IY, de seu lado, prometeu que a declaraçãode 1ti82 não seria mais ensinada nos seminários, como êle tinhadecidirtro prirneiraurente. 'Iodavia, êle jamais pensou em renegá-laexpressamente.

Independentell(,nte rlo c.qtreito assunto da regalia, que era deimpoltância bem secunclÍrria e só tiriha servido tle pretexto, fical'ade tur.iri isso uru (leiiate -qern solução precisa e próprio às interpre-tações confusas.

Às mais das r-êze-q. r-ir"arn ou quiseram ver ern tudo isso o efei-to da orgulhosa e autoritár'ia ambição de Luis XI\r, o qurtl, parater rn:ris seguramclrte em miros o seu clero, como tinha tôdas as.classes socitris, queria limitar o mais possÍr.el a autorirlacle cloPapa sôbre a Igleja tle lirança, cobrindo-a conl a capa clas fór-mulas galicanas.

IIas, olhando t1e pelto, vê-se que se trata beni do contr':irio.A iniciativa r-iera tlo clero, o qual, para con-colidar sua posição jádonrinante no Reino, imaginara uma solução qlte, aparentementeIisonjeira para o amor-próprio do Reis, envenenava as relações

vam em jôgo. Daí, as primeiras sanções dadas por Luís XIv; daí tarnbúnras âgitações ineessartes que se iam prolongar para alóm do rcinrdo de LuisXrY, durante a maior parte do sóculo XYrrr. os incidentcs mais c.rr:lcterís-ticos dessas agitrções dcram-se ern 1713, quando o papa clemcnto Xr, tondocondenado uma vez mais pela brla unigenitus âs teses janscnistas, as mrrisaltas pcrsonagens do parlamento do Paris proc,ra.ilm por toalos os mcio-s i.r-lrcdir o registro da bula.

B) Os debates clo galicanisnto

À seguncla questão foi a assim chamacla ,,Regalia,, que. l)oruma incidência inclireta, repunha em causa toilo o probleuia t1ogalicanismo. rtrm virtude de urna clas cláusulas da concorclata c1e1516, fôra reconhecido ao Itei, drir.ante a yacância de um bislradopela morte do titular, e até a nomeação clo sucessor, o clireito rlereceber as rendas do bispado e de nornear diretamente os vigáriose arciprestes para as funções eclesiásticas dependentes dêste bis-pâdo. É o que se chaniou a regalia ternporal e a regalia espiri-tuai. Mas na prática o tiireito tle regaiia niro fôra ap)icado a a1_guns br'spatlos do }{idi, aos quais, por razões de circunsrâilüias,eram reconhecitlos privilégios par.ticulare.s.

Ir)m 1673, Luis XIY quis pôr têrmo a essa exceçãro, que .jrinão tinha razão de ser em vista da unificação geral do R.eino.l)ois bispos, os de Pamiers e tle Àlet, protestaram e apelatam pa-ra o Papa. O Papa deu-lhes razão, mAS o Rei, e com êIe o conjun-to rlos bispos levantaram-se contra a inter.vençi,r.o pontifical. Aglti-'r.arrtio-se a cliscussão, chegararn ambas as partes a leyantar. a ques-tão mnito mais extensa cle saber quais as diretrizes que deyiftlnorientar as "litrerclades da Igreja galicana", destie ]iá tanto terulro(desiie (jarlos \rII) tão rnal tlefinidas.

A petlitio dos bislros, Luis XI\r couvocorl em 1682 uma assenl-bléia do ciero para r.litr pi'ocisiro à cloutr.ina galicana. Essa assertr-bléia redigitl ltma rleclaraçiro - a declaragão dos quatro artigos -assirn concebitla quanto ao essetrcial: 1.') Se o Papa "recebe'u deI)cus o porler sôbre as coisas espirituais", ête não o recebeu sôlrreas telnlrorais. Porque "o própr.io Jesus Cr.isto nos eusinoü qirc (r

seu rcin.o nã.ct c dêstc nt.tutrlo, e que <1 ytraciso tlar a Ces.ar o cluc: ritla César e a Dcrts o r1u,e é de Deus"; 2.n) no próprio interêsse tlaSanta Sé, r:onr.inha respeitar os usos particulares estabeleciclos iltrdecorrer dos séculos cotn o consentimento tlo papatlo, erj ca(lilpaís, para a atlnrinistr.aqão das questões religiosas; B.o) e soilre-ttrdo, se a autorirlade espir.itual do Papa sôLrre tôtlrrs as igre.iits e

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106 AIGRIIJAEODSTÁ,DO

'entre êste e a santa sé, aumentando ao mesmo tempo à inrlepen-rlência dos bispos fra,ceses em face clo papa. De sãrte que LuisXr\r, de urna piedatle ariás p.of,rdar,ente si.cera, iír privado tlemuitos apoios pelos rancores inrpacientes crrr .obr.eza e rlos parra-mentares, e porisso mesmo obrigado a tratar corri rnuito tãto omundo eclesiiistico c,ja fitlelitratie rhe parecia rnais segura (por-q.e êste último estal'a rigzrtlo à coroa por unr interêsse comu,r dedefesa contra o reflexo dissir-lente rios protestarrtes), ia ser de fatoainda mais unido ao seu clero por sua cornum oposiqiro a Roma.

Há um texto rle Boss,et rnuito caracterÍstico a êsse respeito.Bossuet, a pedido de seus confrades, aceitara o sennão rle aberturacla Assembléia de 1682. suas i,tenções pessoais (êre .ão as dis-sinrula'r'a), erarn bern coriciliatloras. Ixntretanto, ern seu sermãoêle pronunciou ern dado motnento as frâses seguiutes:

"Jnmais sc falou tanto das libcrdatlcs dn fgrcja, e jamais foipôsto urais sólido fundamcrrto quc o tlessns irnortais palavrtrs deCarlos YII: "Atsi,m, com,o é tleuer tkts prelados an.,tnciãr li,'rernen-te a aertlatle r1u,e aprenderant tle Jesus Oristo, assi.,t, é deter doPrincipe recebê-ra tla bôca tlêres e erear,trí-ra coní efir:úr:ia". Irsta^osacostumados a ver Dossos rcis profunclarnente ciistaros agir ncsseespírito. Destle qu.e se puseraln sob a direçd.o rle Sdo Reinígio, ja_m,ais tleiroram, d,e ouair seus bispos ortodoll,os,,.

Era difícil falar de maneira mais polida ao Rei, que os bis_lros contavaur yer submetido a seus pontos tle r-ista e a sen con-trôle, senão expressamente à sua autor.idacle,.

tr êle conseguiu impor-se de taj fortna que pouco tlepois, em1695, Luis XIY publicaya um edito em qne tleclar.:rva:

"Qucr.cmos que os rrccbispos, bispos e outros cclesitisticos se-jam honrados collo ll primcirlt dlLs ortlcns de riosso Iieino,,.

Infelizmente, prisioneiro de seus pontos cle yista particularese incapaz de medir tôr'las as conseqiiências gerais de suas ini-ciativas, o clero ia abusar às vêzes impruderrternente clessa influên-cia. Êle provocava, de rnodo particular, a terceira e a mais infe-liz das gnrndes questões religiosas do Reilo: a r.er.ocaqão tloEdito de Nantes.

C) Reuocaçd,o d,o Ettito d,e Nantcs

É certo, j:i o vimos, que Richelieu tinha suprimido os privilé_gios polÍticos dos protestantes pelo indulto de Alais, após a toma_

Fr,onEscrMENTo Dos pARTrcrILARrsrros por,irrco-Rlrr,rcrosos 107

rlu de La Itochelle; mas êle lhes havia prometido o respeito da li-lu'rdarle se seu culto e de torlos os direitos civis. Luis XIY, por seulrrrro, logo aptis ri Ii'ronda, ern 16õ2, pubiica\.a uma declaração, di-zentlo: "Qtteremos que os reformados sejam rnanticlos e guarila-rlos no pleno e inteiro gôzo do Ddito tle Nantes".

À Igreja guartlava, sem dúr,ida, o direito de tt'abalhar pela<ront'ersão dos reformatlos. ltl não se lhe podin censurar de ter fal-trLtlo a êsse dever. llas, ern brer-c,, irnpelida pela su& autoridadertrescente, eia não parou nisso. Da persuasão passou a diversas1»'essões, prornessas cle far.ores para os convertidos, troças paraos outros, e, pal'a ternrinar, a olteração clenotninada "les d,ragonna-r/cs", pela qual os soldaclos enviados etn guarnições às cidades tlepopulações protestantes erarn autorizados a entlegar-se a diversosexcessos para an'arrcar abjurações. Os resultaclos forarn tão efi-cazes e as abjurações tão numerosas, que enr 1685, numa assem-bléia geral do clero, o Arcebispo tle Paris declarava que, dado isto,o Eclito de Nantes jri não tinha raziro cle ser. Àlguns meses clepois,tto dia 17 de outubro, Luis XIY rnal infonnarlo, e persuaclido deque já não havia por assim dizer rnais protestantes no Reino, assi.nou o ato que revocaya o Edito tle Nantes e interdizia a prática dareligião refonnada.

Na realidadc, poróm, os protestàntes permaneciam infinitamcnte maisnumerosos que êIe perls&va. Enquanto que rnuitos, deixando o Roino, bus-cavam refírgio nos 1taíses protcstnntes quc viarn com maus olhos o esplcndorda monarquia francesa, outros, aqui e acolá, notadrmente nas Cevenas, obsti-navflm-se a prosseguir clandcstinamente na prática de seu culto, apes:rr dosrigort's dc tôda a espócic que os âmeaçavaü).

A irnprudência do c)ero, cegado peios privilégios que êle tinhaconquistatlo no I')starIo, ployoca\:a assirn o grande distúrbio car-legatlo de equívocos qlre agora, através do século XYIII, ia pre-parar a ruÍua da rnonarqriia francesa e ao rtesmo ternpo o desen-volvirnento tle algurnas das confusõe.s inte-lectuais que pesaram daÍpor diante sôbre todo o pensamento contemporâneo.

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C.\PÍ 1'ULO IX

NASCIMENTO DO I-AICISMG POLÍTICO

Acrr:.tçõns nElrcros^s E onrcENS D^ nEtor,r.rÇÍo or 17gg

- Os protestâIitcs, maltratrdos eomo cram, lcvlrrtavtlr_sc agorâ corno de-fensores da libcrtladc do consciôn.ir e de tôrras rs formas a" iit,o"aa1tn, atiasmal definidas, e i.surgiam-sc co,t.a u arbitre'icdatlc rcrr a" .rÀu--1r"rt* "contl'a a intolerânci:r católicit dt_ outrl.

Quanto aos princípios, essâ s.à posição justificava-sc brstrntc mal. [,or-que .o protestantismo, desde o cotnêço, impunha suils tescs cor1l llüra intmnsi-gência às mais das vêzes absoruta pãr tôd. a partc ontle êie dominava. -.\lómdisso, fôra ôle quern proclamara o sisterna peio qual o sobcrano tinhr o cli-reito de impor cm scu território a religião à" .o" cscolha.

. Por agora, entretanto, âs aparêncies esta\,:lnl a seu fa'or. O lrrott-.,stan-tistno tornava ..os olltos tlos fralcoscs a aparênci:r, histr)r'icrrrncptt: falJa.4r,seresscncialr,c,tc o dcfonsor da libcrdatrc, e:rtó.rcs,ro du tlqr,ocr.lrcia; apar.ôr-cia que daí por diante, atí: períodos Lonr r.cccnti,s, lrrrrvorl:rrri rnlitos c gr:anrlesdebates. Porque cla impldirri q,e os polítir:os sc dêe,r corrtir de qo"-r, jur-tâmente a pàrtc rninoritária, catóricr ou rrrotostilnto, q.., irs *ais tras vêzcs,menos por doutrina qrie pol oposiqiio, ndota cnr facc- da nrrioi.ir tlorrrilrrutea atitude libcr:rl, ou tnt:srno dentocrítiir:r.

seja como fôr, 1lo. agol'a, as reroltas dos pi.otestantes fran-cese§ contra o tratarllento (le (luL. er.arn vítiruas tonla\.2r1r1 lrDi ris-pecto de defesa da liber.tlat'le (1).

E os equÍvocos seryiilni l)ar,r ellcol)r'ir as calr|anha-s mai-q com-Illexas, sc)m qtle muitos sequer. o silspeitassetli lto corllêqo.

(1) Á manobra lhes erl aiiás fncilitatla pero frrto tle cruo. ncssc rn(_rsulomomento, cm diversos países protcstlr.tcs, nottrdrrnlcllto na I.gllLte.ra, e enrbreve na amórica do No'tc, ruultilrlicer-nm-sc as seitas ilissidentes em r.cvr.rl-ta contra a Igreja protfst&nte oficialncntc estabcleci<ia, e, poi. conscguinte,tembém elas tenttdas dc explot'ar a p:rlavra liberdntle.

NAscTMENTo Do rrArcrslro porríTrco 109

Alguns protcstantes exilados, dos países ondc se tinham refugiado, dirigilnr,pol umâ impreusa que sc infiltrava clandcstinamente na X.rança, ataques detôda a espécie contra Luis XIV e a rnonarquia francesa. Compraziam-sc tam-bóm em dcnunciar a intolerância do catolicisrno, e aquilo que, por sua ins-piração, Voltaire iria chamar "as superstiçõcs góticls do catolicisrno',. Dai,foram lcvados a dcspcrtar â corrente de increclulidade quc, como já o vimos,fôra esboçacla dcsde o sóculo XYI |r rnlrgerr das campanhas humanistas, riornomento da Bcnascença, c que fôrr cntiio cotnbatida pclo csfôrço intclectualda contla-rcforma católica.

Âs crmpanLts protestantcs serão, cur grandc parte, a fonte do movimen-to de filosofirr anti-religiosa sistcmatizldl peltr oscola rlos enciclopcclistr.rs.(Não nos esqueqamos dc quc I3aylc, autor do tlicionário, primciro e longín-quo modêIo da Dnciclopódia de Didcrot, crit uur ilrotcstante francôs cxilado,filho de pastor).

Por outra p:rrte, sem lieme doutrinal, mas por uma tcntàqão rnuito nt-tural, as carnllanhas protestântes eontr.à o absolutismo autoritário da no-narquia e do clero iam encontrar ccô nos qurrilros tla nobreza, impacicntc ilese r,er liyre do quostões, e âo mcsmo tcmpo cntr.c os parlarnentarcs de tradi-ção jansenista, imbuídos dc vclhos ralicorcs contrit o plp:rdo que, apoirrdopelos Jesuítas, condenara suas fórmnlas leligicsrs.

l)isso resriltavam três conseqüêrcias.

À prirneira foi embrulhar dellloràyelrnente a noção do gali-canismo. O clelo procurara sobretudo Assegllrar, por um aci'ésci-mo rle inclependência, a sua âutolidade Do paÍs e seus meios de.âção sôbre o Itei. Os parlanientares, ao contr'ário, rnais lógicos, in-terpretavam o gaiicanismo como um sistema pelo qual o rela\amen-to dos liames eiltre o clero francês e o Papa devia ter como resul-ttrclo uma subortlinaçiro lnais estf ittl clo clero ii autoridade governa-mental do paÍs.

E o crnprêgo da mesma palavra p&r.r teses tÍo opostàs eutre si só potliatrazcr grrves colfusões. Msto niro só na l'rrnça, como taurbóm fora dan'ranqa, notadlmente na Áustria, onde, sob a influência de Josó II, se de-scnvoh,erá pclos fins do sírculo XVIII uma corrente p:rralcla ao galicanismofrancês: o josefismo.

Á segunda conseqiiôncia foi suscitar intermirr:iveis dctratcs rbstratos elntôrno da noçÍo de libcrdade. IJsta noção que, plra os protestântcs, já csta-va carrcgada de tentos equívocos de sde o comôqo, complicava-sc ainda m:li.spelos fins do sóculo XYIII, quando as colônias inglêsas da Àmór.ica do Nortcso tinham rer-oltado contra â rnctrópole. A causa principal dessa rcvolta erade ordem econôrnica. rlratrva-sc csscneialmente de um protcsto contra âstutelas aduaucilas irnpostts pela Inglaterra. Mns os insurrcctos, cntle osquais sc achav:rm numerosos Íiéis de divcrses scitas protestantcs, pâra eno-brecer sua câusa e conquistar apoio, procuravam cncobrir suas reivindica-

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110 AIGREJAEOF]STADf)

ções sob â câpâ dc liberalismo idcológico, cntão muito cm rnoda, mas maldefinido.

Á terceira conscqüôncin foi compromctcr cour uma multidão dtl mal--cntendidos t atmosfera ntr qual ia rebt'nt:rr rr Ilcvoluç;-ro X'ra»cesa de 17s9.Já desde hâ muito tempo â mudança dc mótodos de produr.:r-ro c rs dificul-dades financeiras do Estado quc riisso rtsultavanr, agravlrtlas aindl lrelos cgoís-mos rivais das ordens privilegiadrs, nrostravArn dc rnaupira clura a treccssida-de de refolmas profundas nc. estmtura da sociedade.

1\Ías quando Luis XYL patil prep{uilr essas rt'forlris, collr'ocolt os Ilsta-dos Gcrais, quc não tinham sido conyocirriios desdc 1614 e cuja cstrntul'à ârr-tiquadrr já uão rcspondia :)s neccssidadcs da ripoca, tudo se tchirv:r enr grundc,confusão corn os equír'ocos nirscidos d:rs fóIInulas idoológicas do nrornento.

,\ nrrvttr,urllo DE 89:lluprtrn.,r D() IrsriDo i,'R.\NCÊs corÍ A I(inrrJÂ

A) Ás elciçõt:s lto, ett)LosÍct'(L de c.quíroco

No comôqo, apcsar das segunrlas irrtcnçõcs intr.t'csseirls dc cada uma dasgranrlcs corporagõos, e âtrayí,'s tlos equívocos idcoligicos, notavc-se uma grÍrn-de boa vontâde pàr{r as reform:rs ncccssárius, que crth um interpretavrt àsua mitneirrr, mas de cuja ntcessidatlc todos cstur.lrln convencidos.

Ninguém pensava enr alruinar o conjunto 11â estruturrl nacio-nal. Ninguénr procuravur a qued& da mo[arquiit, nem rnesmo daIgreja. Até entre os "filósofos", que se tinharn mostrâdo desde omeio do século os nrais ardentes em denunciar o que êles charna-vam "as super-qtigões" e a "grosseria gi)tica" entrertidas pelo clero,manifestavâ-se urrr grar)de respeito l)elos I)rincípios cristãos, emparte por pm(lência, rnas em parte tanlbént por convicção. A En-ciclolÉdia Diilerot rlizia entre outlirs coisas no artigo "Duropa":

"Pouco inryrortilvtr (luc a Ii)uroyrir fôssc a mcnor dls qturtroptrtcs tlo munrlo... pois quo cl:r ó a rnais considerÍrvcl de tôdaspclo conhccirnunto tlrts rrrtcs, d:rs ciências, dos ofícios, c, o r1u,e éntuis itttytot't«nle, ltelo cri.stiurtísnLo, cuju tnorrtl beni:Jicu só tenrLeao bem da sociedade."

Iam sobrcvir lcsultados que niro erilr)l r)orr prcvistos, ncm de-scjados. Enquanto que as trôs grandes ordels do antigo rcgime sedevoravlm mütuamt'nte, a rnou:rrquiit era dermbada, a Igreja pcr-scguida; e sôbre as ruínas ia impor-sc pclos fltos, scnão por direito,a domirtação políticâ e ccolômica r.le urrir cspócic tle clrsse socirlrn:rl dcfinida, que se chunrou tlaí por dirnte :r novr burguesia, cujasposiÇõcs scraro tânto mais f:rlsas e instírvois qu:rnto repousarão sôbreo equívoco das condições de rcprcscntação do Tercciro Dstado.

NÂSCIMENTO DO LÁICISIÍO POI,ITICO

Dm princípio o Terceiro Estado era tôda a imcnsa massa, burgucs:r cpolrulrrr, com o artcsitnato. os opcrários, os câ.nrIloneses, quc cotnítçilvtll)l lrocupar na. vida econômica tantos lugares.

IIas nt realidade. por desorgnnização, por incrperiência política (c alírnrdisso porque em suils lutas contra a autoridadc real, os funcionários de jus-tiça dos prrlanrr-rntos, para conquistar rpoio, afetrvam dcfender a libcrdrdcpopulat), o conjunto do Tcrceiro Dstndo tleixol o cuidatlo de represeutá-1ona Àssemblêia quase quc cxclusivamente aos magistrados, ligados a aigunsfinanr.istrrs.

Êsses funcionlLrios de justiça c dc finanças eDcontnràm-se logo cm fal-sa posição. Porquc seus intcrêsscs partieulares e sua formaqão nÍo corrcs-lron<iilrn absolutrrnentc eos da massa de seus clcitores, Êles se inrpuser.arncm primeilo plano, procurando rlissimular o mal-ontendido com hábcis tcr-rninologias idcológicas. l\{as provocaram corn isso muitos distúrbios. }lmbrcve, com o risco tlo sercm cnvolvidos pelas revolt:rs naseidas tlêsscs dis-tírrbios, e parà salyarern e consolidarem apcsar de tndo as vantagens jírrrilquiridas, êlcs sc comproneteraro, e cômprome tcrÍo o pnís, com os sctlsdcbates ideológicos mais ou mcnos voluntàriamcnte mel postos, Êsses deba-tcs er'àm suscitados a título de derivativos rras confusõos quc, a scguir, atóos lrossôs tempos, nito eessrritm de conrpliear os rnlis essrnciais problctrasdoutriruis, atravós de uma instabilidnde governamental inccssante.

B) A constitniçã.o cit;í|, do clero

O problenia religioso ia ser o prirDeiro a entrar em causa, portodo um conjunto de razões em que as preocupasões financeiras seeDcontral:ârr) D)isturàdas às paixões her-dailas das ]utas protestantes,jansenistas e galicanas.

Desde à r'eunião dos Dstaclos Gerais (sobretudo quanalo, algunsmeses depois, os eleitos atribuíram-se o nome de Assembléia Na-cionâl Constituinte), como uma das questões mais ul.gentes fôsse aquestão financeira, alguns sllgeriram que o Estado retomasse osbens do clero, sob A reserya de se encarregar. dos gastos do cutto,da manutenção de seus ministros e das despesas de caritlade e ileensino qlle até então estâva. it cargo d& Igreja.

Observavam, com efeito, não sem aparência de razões, que oclero, tanto secular como reg(rlar, tinhl pouco a pouco âdqlliriilo aposse de tantos bens no decorrer das idades, qlle chegayam a tr)os-suir a terqa parte (h superfÍcie do solo nâcional. Àlérn clisso, porllma conseqiiênciár indileta da concorc,lata tIe 1516, que deixavaao Rei a âtribuigão dos altos postos religiosos assim como os lle-nefícios irierentes aos nlesmos, acontecia que, ser)do mititos dêsses21ltos postos ?rtribuí(los por favor, a maior parte dos bens cl:r Igrt'jaachava-se pouco a polrco concentrada de rnaneira abusiva ras mãoscle alguruas celrtenas de altos prela(:ios e outros eclesiásticos privile-

ilt

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772 AIGREJAEODSTADO

giados. E muitas vêzes êstes não exerciarn ministério algnrlr, en-quanto que a maioria dos curas paroquiais, rechuirlos ao que sechamavtt a "porção côngrua", só recebiam mÍnimas contribuições.

Itlram necessárias algumas refot'rnas. IIas bem depressa sur_giu a questão da rer-isão da concordata, e tlespertaram-se logo tôclasas confusas paixões anti-r'omanas clo protestantis[ros, do jansenis-mo e do galicaDismo parlamenta,es. l'oi e.tão proposto um siste-ma em virtude do qual, sern se ater a lariçar. rnãos clos bens claIgreja, e para âssegurar uma

'erdadeira s.borilinação do cleroii comunidade nacional, os eclesiásticos de tôda a classe seriarn

eleitos pelos cidadãos tla circrirrscrição inter.essacla, eul lugar de§erem nomeados pelo rteri ou por seus superiores. Nenhrim dêles tle-veria peclir a investidura eslriritual clo papa; os noyos bispos, sa-grados após a sua eleição por um Bispo já em fu,ção, cle'eriaursômente, por cortesia, inforrnar o papa.

Isso seria, afirmavam, um verdadeiro retôrno às fórmulas dargreja primitiva, em que sacerclotes e bispos eram dislg.aclos pelacomunidade dos fiéis.

Na realidade, porém, tratava-se bem cie outr.a coisa, pois quejá não eram só os fiéis, mas o conjunto dos eleitores, crentes ou não,clue seriam chamados a yotar. Àli:is, descle há muito ternpo, desdeque a preeminência do papado se tinha finnaclo e definicto, a inyes-ticlura dos bispos pelo Papa tinha-se toruado um artigo essencialda disciplina católica.

Entretanto, a maioria dos membros tla Assembléia, muitos closquais, cegados pelas fór.mulas rio galicanismo parlarnentar, não seacrerlitavam sincer.atnente her'éticos, tinha votac,lo em julho de g0o decreto que a seguir foi clesig'atlo pelo nor,e cle constituiçãoCivil do Clero, e que pretendia irnpor o noyo sistema. No dia 21de novembro seguinte votar.am outro clecreto imponclo a todos oseclesiásticos um juramento de fidelidatte para com a constituicãocivil.

Grande número de bispos protestaram imecliatamente. Àtgunsmeses depois o Papa reinante, Pio \rI, que havia convocaclo no in-tervalo um conselho de cardeais para estudar o assunto e eyitartôda a medida precipitatla, publicata o br.eve eu,oct Alirlttctntunt de10 de março de 1791, no qual pergrtritava aos bispos franceses seêles não pensavam em algum c1e meio tle conciliaçiro e conclenayaao mesmo tempo, formalmente, a constituição civil clo clero.

NASCTIÍDNT0 Do r,arcrsrÍo por,Ítrco I l:r

0 texto é longo e de uma importância tal que ultrapassa ucrise particular do monrento. Com efeito, não sômente pio yI de-nunciava como inaceitár.el a forma de eleição dos bispos e sacer-tlotes prevista pela assembléia, pela simples e essencial razão cleque o decreto, dizia êle, "excluindo o clero rlas eleições, entre.ga-l'&-as a departamentos nos quais se encontravam jucleus, heregese heterocioxos de tôda a espécie", mas também fazia alusão a urntlocumento que iria trazer ao problema religioso, até os temposaiuais (e creio mesmo que cle modo particular nos tempos atuais),os rnais gral'es equÍr-ocos. Trata-se cla Declaração clos Direitosdo r{ornem. a assembléia implovisara êsse clocumento descle oyerão de 89, ao que parece um pouco apressadamente, no momentoein que ela procuraya defiuir os princÍpios suscetÍr,eis tle inspiraro conjunto de suas reformas. n-azendo alusiro à Declaração tlosDireitos do Homem, Pio \rI esboçava uma rlefinição cla oposição1trofunila existerrte entre o que se podia charnar a concepçiro octo-gésima nona e a concepção cristã da liberclade.

Aqui, confesso qlte hesito em ayançar com muita segurança.Com efeito, a maior parte dos docurnentos pontificais pubti-

car1os desile a Revoluçiro a respeito do probiema da liberdade, fo,ram obras de circunstâncias, obrigados a diversas pt.utlências eredigidos em épocas em que não aparecia ainda em tôcta a suac:Tarezl o conjunto tlas interpretações que podiarn ser r_ladas àsfórrnulas de 89, e que os reclatores da l)eclaração clos Direitos doIlomem não tinham pret isto.

Quanto ao essencial, a questão parece-me apresentar-se rlanlAheira seguinte:

À doutrina da Igreja Católica não pocle ser concebitla sem umplofundo respeito pela liberdade rnot.al do inclivÍduo, pois que se-gundo a fórniula definicla pelo concÍlio cle Trento ptrr.a responclerits teses protestantes relatitas à preclestinação, corno jri o vimos,a igreja afirmava o livre arbÍtr.io do homeur e ensinava que êsselivre arbítrio "não fôra nem destruído, nem apagado pela corrupçãoda Íalta original",

Idas para justificar êsse respeito pela liberclacte e fixar osseus limites, ela parte tle uma defiriição precisa da natureza hu-mana, composta de um corpo perecír,el e de uma alma irnortal.l'rata-se para cada um de assegur.ar a salvaçiro dessa alma, eruconmnhão com todos, e r,espeitando as nogões rlo bem e do rnal es-tabelecidas por Deus.

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114 AIGREJAEOESTÀDO

À Declaração dos Direitos r1o llomem, ao contrÍrrio, purrhacomo princÍpio, como verclade indiscutír,el, que os homens "rrascelnlir.res e corn direitos idênticos". Mas seus rerlatores, clesejosos deencontrarem urn comprornisso entre as tendências diversas rluedir.'idiam então a opinião pública, guarclavam-se de definir a na-tureza dêsse homem de que afirrnaram a liberdade, como tambérnde precisar se pâra êles êIe era matéria ou espÍrito. Liniitavarn-seao aspecto social das relações humanas, donde tiravarn as duasconclusões seguintes: 1.ç (artigo I\r da Dectaração): ,,A liberdacleconsiste em fazer tudo o que não prejudica â outrem,,;2., (artigo\'); "A lei só tem o direito de proibir as ações nocivas à socie-dade".

Illa aclmitia implicitarnente, por conseguinte, que â litrendaclede cada um é subordinada tis necessidacles da sociedade. E comonão definia a natureza do hornem, eia não podia definir nenhunrlimite preciso os direitos da sociedade ÍL respeito dêste, o que abriaconseqüentemente caminho a conclusões bem dir,elsas das primei-ras intenções de seus redatores, mas assirn mesmo Iôgicameutetiradas de suas fórmulas. Segunclo essas conclusões, bern ao rle-pois, alguns doutrinarlores materialistas negat,am ao hornem tôtlaa espiritualidade, e entregavam-se eu1 nome da Declaração rte 89aos piores e aos nrais inumanos excessos de ditadura estatolitrica,que terminavam pela ruína de tôda a liberdade intlividual.

É nisto qne se o1rõern a doutrina católica e a Declaração dosDireitos do Homem. Porque, para a Igreja, o papel essencial rlohomem deventlo ser o de trabalhar pela sua salvação eterna, res-peitando a lei moral fixada lror l)eus, urua sociedade sã a seus olhosnão potle ser orltra que aquela que respeita essa lei moral e queestabelece um estatuto socitrl próprio para preseryar em totlos osseus mernbros a clignidade nroral, sem a qual nenhum lir,re arl_rítrio.nenhttm esfôrço para o liem e para a salvação sito possíveis.

Yeremos mais adiante quantos equÍr,ocos a insuficiente trriir-lise cle semelhantes distinções devia trazer para o futuro. Pclrenquanto, como ninguém tinha ainda previsto as consertiiênciasestatolátricas que podiam decorrer tlos têr'mos cla Declaração dosDireitos do }Iornem, a crÍtica esboçada por Pio Yf permanecia sohcertos aspectos incompleta. Em todo o caso, Pio YI insistia comc\areza sôbre a oposição que já se manifestava entre o quê êle

NÁSCITÍDNTO DO I,AICISMO POI,ITICO 115

r.lrirrrr:tvt1 a "libertlatle fleSenfreada" prgclanlada peios COnstitttitttes(, il concepção cristã ilo que êle iutitulava:

"Os limitcs postos por Dcus it liberdtrde hltmilnll". Polqtle,oscrcvir êlc explcssirtrente: "ainrll quc Deus torrht tloixtrdo ao li-vre arbítrio do homeur o podcr de sc determinlr pelo bonr ou pelomll, l1tós a frrlt:r originll, êle os cercou dc preccitos r: urittrtl:lmen-tos quc o lrttdcnr sitlvirt' so ôle quiser curnpri-los".

,\ bem dizer, Itito fôra essa cliscussão tloutritial que clesperta-nr rriaior inter'êsse uaquele rnomento. I{as sobretudo a condena-<;io formulada coÍrtt'a a constituição civil, contla os métotlos queir ,\ssemhléia pretendirt itupor para o recrutamento do clero.

Seja como fôr, as relações foram iinediatamente cortadastntr.e a assembléia e a santa sé. À assernbléia recusou inclinar-se.l'io YI replicott, no tlia 1õ de abril de 91, pelo breve Charítas, cle'

<.liu'ando tlesta vez que lr constituição civil tlo clero era "sacrÍIe-grr, cismática, destmitlora dos direitos do prirnado de nossa Sé etlos da fgreja", e punhzr todos os eclesiásticos na obrigaqão de re-(.lrsârem o juramento cÍr'ico que a Àssembléia pretendia exigirrlêles.

À maioria tlos eclesiásticos obetleceram. Luis XYI, terttan-rlo encontrar urna soluçiro, solidarizou-se com êles. Ante essa opo-siçiro, o,s refomradores que não tittham tirlo em sua rnaioria in-tenções expressamente airticristãs, nern antirnonarquistas, passavarn

à repúrblica e à irreligião sistemática, uns por convicção, outroslior oportunismo, para salYarem suas posições pessoais. A revo-Iução, cornplicada assim pela guerra re.ligiosa, viu-se ltergtllhadanaquelas tlesordens qtte culminararn primeiramente no 'Iet'rot', et ru seguit'la nas confusas instaliilidades do Diretório.

A 18 or nnurríRro (1) ronurNe A nnvor,rlÇÍo No nqtrÍvoco

corn o tempo, poróIr, OS tspcrtos da lovzr burguesia lrascente puseraur-

-sc â procurâr um compromisso c um ajustc. tlcndo tirado, dcsdc o r:omô-

ço, cnormcs vantâgcils lressotris do suas posições rra Àssembl(riit constituinte,õles busc,rvanl âgora consoli4í-lls por todos os rncios; mas seltindo-se illrtcà-

çados, uniam-se entre si pcla contunidadc de seus novos interêsscs, levrrrlospor tuclo o quc tinham vistn lr um oportunisnto cada vez mais cótieo.

( 1 ) Brumírrio : segundo urês do calcndílrio da Revolução X'r:rncesa ( dt23 dc outubro a 21 de lovcrnbro). N. 'I.

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116 AICBEJÂDOESTADO

osse compromisso parecia tanto mais ncccssário quânto. se de um lacloa revolução tinha trazido ccrto número de reformes vantajosas às massaseamponesâs e artesanais, de outro lado as misérias, ao cabo de dez anosde guerras e distúrbios diversos, pareciam muito mais consideráveis. peloque muitos dcsejavam, por contràste c sem clesprazcr, um rctôrno à antigamonarquia e à religião de outrora.

nras o retôrno da monarquia implicaria também o retôrno dos quaclrosda nobreza, o quo seria, por conscguiutc, um inevitávcl e inquietante

-rctôrno

de equipcs concorrontes parâ os mais bern eolocados do moÀento,Encontraram afinal um cxpedicnte, Fizeram apêlo ao prcstígio mili-tar do jovem gereral Bonaparte, e instalarrrm-no no podcr. co* o títolo deprimeiro cônsul pelo golpe tlc Estaclo sàbiamente prepararlo no dia 1g clc

Brumário.

A operação tinlia um duplo gatilho. Scm quadros próprios, e devendo oseu poder aos ]romens então colocados, Bon:rparte foi obrigar.lo a conscrvá-losem suas posiqõcs privilogiadas. Ilut cornprnsação, para satisfazer a opiniãopúbiica, ia dcixar muito c:rmpo às libcrdadcs ropublicanas.

A questão, após um comêço apalentemente fácil, não correu como dese-javam os esDertos.

Bonaparte, sem dúvida, tomando as medidas enórgieas para o restabeleci-mento da ordem, consolidou tambóm nos postos dirigentes do novo rcgimeaquêles de quem ôle precisava, assim como scus clicntcs. Mas bcm ilepressaêle se convcnccu de quc utna condição essencial ao mcnos lhe era indispensá-vcl, se êlc se quisesse consolidar no podcr e trazcr um são apaziguamento: a rc-conciliação religiosa. Não só nâs lnassâs, com efeito, muitos sentiam umanostalgia confusa dos antigos hábitos religiosos, mas tarnbóm em certos mciosintelectuais surgia uma reaqão paralela e mais raciocinada, da qual o Gênioilo Cristianismo dc Chateaubriand ia fornccer erl breve a mâis brilhante ex-pr.essão.

Refletindo nas causas da grande decadência, êsses intelectuaisjulgavarri descobrir que o pr,incipal dos ntales yinha dos ataquescontra a religião; porque o estudo da er.olução cle nossa históriaIhes revelava ter sido a Igre.ia quem ilo decorrer dos séculos cria-ra de algum modo Ír nossa ci\rilizaçiro. Chateautirianil ia escreverexpressamente na introduçiro do Gênio tlo Ot ístianisnto.. ,,O rnun-clo moderno tut.lo lhe ileve (à lgreja), rlesde a agricultura até àsciências âbstratas, clesde os hospÍcios para os infelizes até os tem-plos construÍclos por lfiguel Ângelo e decoraclos por Rafael,,.

A coNconoare on Boxer,,rnrr

Bonaparte compreenaleu que the erâ necessiirio achar llm acôr-do corn a Igreja, isto é, com o papado. Logo que subiu ao poderprocurou entrar em negociações com Rorna. Mas chocou-se imedia-

NASCTMENTo Do rrArcrsMo Por,ÍTroo 117

tumente com muitâs resistências. Os homens bem colocados, compro.rnetidos por seu passado anticlerical, e com êles os eclesiásticos(lue tinham aderido à constituição civil do clero, temiam as repre-siilias. Os católicos mais convictos mostravam-se muito exigentes.0 próprio Bonaparte, corn seu temper.amerito autor.itário, alirnenta-do das teses espalhailas Delo antigo galicanismo trtarlamentar, temiarrs influências romarnas.

As negociações foram longas e difÍceis.Concluiu-se finalmente ull1 âcôl.{,lo: a Concordata assinacla no

dia 15 de julho de 1801. Á tiisposição esserrcial da constituiçãoci\.il coDtra a qrlal Pio \-I protestat.a yiolentamente, aquela quelilava ao Papa tôda a parte na investidura dos bispos, foi aholi-tla. Para o futuro os bispos continriariam a scr nomeaclos pelogo\'êrno, mas só poderiam ser sagr.ados depois de terem rccebido r1oI'apa a investidura canônica. À Igreja petdir" clefir.ritiyamente osseus bens, yendidos durante a Revolução. Os eclesiásticos rece-biarn sôrnente, ern ccmpensagão, unla contl.ibuiçiio do INstatlo que lhesassegura'ira o meio de r.ida, mas que os punha sob a plena dc,l)en-rlência do gor-êrno. Corn efeito, os atos dos bispos e dos yigáriosnomeados por êles podiam ser denunciados ao conselho do Irstado,em caso de abusos, o qual podia suspender suas contribuições atítulo de sançiro.

Além disso, nenhum ato ('la Santa Sé poilia ser publicarlo naI'rança sem a arltorização rlo golêr.no. Só o clero secular era re-conhecido. As Ordens monásticas, embora não fôssem expr.essa-rnente interditas, eraill ignoradas. Enfim, por uma espécie detroça um pouco ingênua corn a Santa Sé, os quatro artigos da cle-claraçãro de 1682 sôbre âs liberdades cla lgreja galicana que o pa-pado jamais tinlia aceito, deveriam ser ensinados ern torlos os se-minários.

Dm suma, por todo rtnr conjiuto de disposições, ern particularaquelas que priva\:arn o clero de sua inrlepenclência financeir.it, aIgreja de ffrança, embora ligada de novo a Roma por um liartreespiritual reconheciclo, dependiâ t1o Estarlo cle uraneira mriito rnaisestrita que pela concor.data de frrancisco I.

Entretanto, a vidâ religiosa recomeçara. Mas bem clepressàsobrevieram as dificulclacles. Uma das que deviam suscitar l)arafuturo as mais apaixonadas complicações foi a questão do ensino.As Or(lens religiosas não estavam ainda restabelecitlas, e os esta-belecirnentos escolares pelos quais elas mantinham sob o antigo

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118 AIGEEJAEOESTADO

regime a formação da juventude, desapareciam. O clero secular,único reconhecido, ia dispor sôrnente de alguns pequenos serniná-rios, destinados em princÍpio ünicamente r:r formação dos futurossacerdotes. E pouco clepois da assinatura da Concordata, Bonapar-tc, empreentlia a organizaçáo da univelsidade, cujos colégios, liceuse faculdades, compostos de quadros inteirarnerite leigos, iam tomarem breve o monopóIio do ensino secuntlário e superior. E as pes.soas influentes, das quais muitos tinhani aceitaclo a contragosto itConcordata, iam procurar introduzir nos quatlros professorais rnui-tos clos seus homens, ainda alimentados rio anticlericalismo rero-luciontirio.

f) colrpnoursso DD BnulrÁnro PltovocA DD\Í DEPRDssA rIMÀ nTIPTURA

nxrtn N.tpor,uIo r o Pepe»o

E outras complicaçõcs tinham surgido. Bonaparte não se contentârade negociar com a Igrejtr. No mesmo espirito dc conciliação, ôlc procuraraaliar r si, dando-lhes lugares em scus quadros administr:rtivos, alguns dosnrernbros ih antiga nobteza que tinham voltado da einigração logo quo a or-dem intcrior fôra restabelccida.

Ora, isso não agradou aos conjurados de Bluur:irio, quc o tinham cha-mado no podcr justamente para se camuflarcm. E êstes conscrvàvâm nu-merosos meios dc ação.

Itrmbola Napoleão tivesse rcstabelecido a ordcm interler, êle permaneciaprisionciro da política cxtcrior revolucionár'irt, eln virtude da qual os repu-trlicanos, llara consolidarem suas posições por uma lrropaganda fora das fron-tciras, c para triunfarcrn das tentativas arrnldas dos emigrados, cneetavamuma sória de Iutas c conquistas que suscitaram logo contra ôles as prilci-pais potências, de modo particular a Inglaterra.

Por mais que tivesse rnudado o regime a Ingiaterra não sc rcsignavacom lr nova hcgcrnonia curopóia franccsa, scmpre rnlrcada aos o]hos dos

sobcranos com o sinal revolucionÍrlio.tr)la suscitava contrâ a F rtlriça irnperial uua sórie dc coalizões que âr-

rastâvam Napoleão a umâ uova sóric de gucrras.O assnnto cujas conscqüências irltn scr as mais catastróficas foi o Bloqucio

Continental, destinado ern princípio a impeJir a Inglaterra à ruína, fechancloao scu cornórcio todos os portos da IDuropa.

Na It:ilia, o Papa recusou fechar selrs portos Íros inglêscs. Nirpoleãoocupou cntão os Estados Pontificais. D:rí surgiram irritaçõcs quc, ajuntarr-do-se às difieuldadcs já suscitadas pcl:r aplicação da Concordâta, levarrmNapolcão a tleportar o Pa.pa Pio VII para Savona. Êste rcagiu, recusan-do a investidura pontifical aos bispos rromearlos pelo Impcrador. O cismareaparccia no momento cm que Napolcãro, acabrunhado por seus dcsmedi-dos esforços, tbdicava em Fontaineblcau em abril de 1814, após a caurpanhacontra r RÍrssia que o Ievara a succssivas derrotas.

CAP ÍTUI,O X

AS CONFUSÕES MODERNAS

A cenra on 1814

E OS DQUÍYOCOS POI,ÍTICOS D RDI,IGIOSOS DO I,IBERALISMO

CONTENÍPORiNEO

(J que ileterminou o dcsabamento final foi a atitude clos homens que,

rr 1S 6ó B,umário, impelidos pelas primeiras derrotas, p:rrt salvtrem suas

lxrsiqõcs pcssoais ameaçaclas, tinham levario Napoleão ao poiler pcnsrnilo

irrricrmcnte em proteger por sutis cxpcdientcs os scus privilógios particularcs'À1rírs tliversas sonilagcns, convenccram-sc de quc a ítnic:r soluqão razoírvcl,

sriscctível rle ser aceita pelos vcnceilorcs, seria a volta dos Bourbons quc êles

I irrharn afastado quinze ânos ante§. ID tomaram êles mesmos a iniciativarkr inevitávcl, para prepârârem o terreno a seu favor.

Dofato,noscuprópriointercêsseêIesmanobraramperfcit:rmenteâr,oisa. Em rccompensa do zêIo quc êlcs mostrararn na restauraçiro, o noYo

r..i, Luis XVIII, ãonscrvou-lhes sãus lugares, se,s títulos e scus divcrsos pri-r,ilirgios. Conscguirem alóm disso quc o noYo regime adotirssc uma cons-

titúção (a Caria) dcstinacla ern princípio a conciliar o respeito da a,tori-rl:rde real corn âs assim chamadas liberdacles dcmocráticas, nascidas cla revo-

lução. llvIas na realidarle tocla a influência parlamentlr era reservadt ltoress-a carta a umà minoria de privilcgiados, isto ó, à Dovrr bnrgucsia; em

r'rltima an:ilise, a êIcs PróPrios.

Êlcs tinham manobratlo não sômente bem, mas admiràvclmentc bom'

seus açambarcarncntos suscitaram logo tantas rcr.oltas, quc o regilne pericli-

tâvâ, e Napoleão tentou a louca aventura que tcrminou, eln julhos dc 1315'

em \Yaterloo, Por uma nova invasão.

O resultailo ficara prenhe dc ilcsordens' Porquo se Luis XVIII' resta-

belcciilo clepois rle Waterloo, quis restaurar a Carta aceita por êIc no ano

precedente, uruittrs pessoâs clc toclos os mcios, tlue tinham sido levatlas pouco

i por"o a um zê1o -urolarquista sincero, responsabilizlYarn âgorâ a C:rrta pcl:r

avàntura tle \\ratcrloo, manifesta*tlo-se desgostosas colll os dcsastres ,rovo-caaos p*lrr"itamcnte pela Repírblicâ e em seguida pelo Impórit-r' Sem-drivida

havia àlguns que procuravam tlistinguir o princípio da carta das aplicações

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120 AIGBEJAEOESTÁDO

que dcla deveriam ser feitas, dos quais Chateaubriand se constituía o por-ta-voz cour grande ampiidão de vistas.

Muitos, muitíssimos outros não viam tão longe. É o próprio princípiodas noyas instituições, dc forma mais ou mcnos inspirada diret,amentc pclaRevolução, e eom êle a pllavra libcralismo, que lhes parcciam eriminosos ecatastróficos.

Ora, naturahnente, encontraralr-se entre êsses intransigentesgrallde DÍrmelo cle eclesiásticos que tinharn sob tantos porltos deyista sofrido os equír,ocos liberais da Revolução e do Império.tr se de um lado â moliarquia restâurâda, por oportunismo, julgoudever ceder a tantas exigências dos explorailores das antigas equi-pes, de outro lado ela nrostraya granale desejo cle clàr satisfaeõesao clero.

Corn a intenção de agraclar a êste, mas sern se comprometermuito, ela imaginar,a diversos compromissos. Ela mantinha aConcordata nâpoleôllica, rnas estendendo o mâis possÍvel as facilidrr-des decorrentes clos textos em favor dos eclesiásticos. E encoraja-va sobretudo a reconstituição das Ordens monásticâs ignoraciaspela Concordata. No terreno escolâr, ela mantiDha a uniYersidadeimperial, com seus quadros onde figurayam desde o pr.incÍpio tân-tos anticlericais sistemáticos. N{as introduzia diversos eclesiásticosna nniversidade, se.ja nas cacleiras de ensino, seja nos postos dedireção administrativa.

Disso nasceram berll clepressa irritantes polêmicas. Porquea âtitude sistemàticamente antiliberal do clero fornecia aos yelhosexploradores, comprometidos por seus açambarcamentos e suas car.-tadas interesseiras, a ocasião de yoltarem à ]uta como defensoresda liberdade; e, para atraírem a si ao lnenos alguns dos católicos,êles expiorararn as lembranças deixaclas pelos debates nascidos noséculo precedente da questão tão mal esclarecida das "liberdtrdesgalicanas".

Chatcaubriand, com urna Iucidez então raríssima, multiplicou durnnteanos as advertências. Em 1820, estando como embaixador do Eei em Iloma,

- corlta êle cm suas mcmórias -

êle tlisse ao Papl cntão reinirute, Leão XII,durantc urna audiência que llie fôra concedi«la a propósito de uma difieulda-de levantada pela questão escolar: "Penso quc a origem do mal estí numequívoco do clero. E»r lugar de apoinr âs novas instituições, ou âo ttcDôsdc ealar e nada dizer sôbre elas, êle tcm proferido palavras de censura, epara dizer tudo, em pastornis c nos sermões. A impicdade tomou essas pa-Iavras c transformou-as cnr armas. E proclamou que o catolicismo ê incom-

AS CONFUSOES MODDENÁ§ 727

pntível com as liberdades do povo, que havia guerra de morte entre a Carttc os sacerdotes."

Á darmos cródito a Chateaubriand, o Papa rcspondera-lhe: "Entro enrsuas idóias. Jesus Cristo não se pronunciou sôbrc as formas do govôrno."Dai a Cósar o que ó de Cósar" quer simplesmcnte dizcr: obedecci às au-toridades estabelecidas".

Mas tudo em Yão.

Ás im1'rrut'lências do qne os anticlericais chanrayam então o"partido clerical" tinharn desempenhaclo granile papel nas causasque hayiaru conlprometido a monarquia, proyocado â revohtçtro rle1830 e repôsto em cena os \relhos espertathões, com tôdas as mentiro-s21s hipocrisias de suâs fórmulas liberais. Ào novo feudalismocomerciante, que, apesâr de tantos abalos, desde então jamaiscessou de ocupar unra situaçiro malsã e dominante, a monârqrliaburguesa e censitária de Luis Filipe reservaya todos os postos po-lÍticos dirigentes, e em breye tôdas as grandes fortunas. pelo sis-terna das concessões industriais e financeiras às quais o desenvol-vimento do maquinismo âbria facilidades sempre crescentes.

À nnvor,uçÃo on 1830nEJErra os cÁTóLrc0§ NA oPo§rçÃo

A revolução de 1830, nas condições em que ela se produziu,trouxel'a a rnuitos intelectuais da nova gernçáo urirâ terríyel de-sordelD.

Apesar clas incourpreensões opostâs por muita gente, a sÍnte'se de monarquia e de catolicismo renovado pelas liberdades pú-blicas pregada por urn Chateanbriand sob a Restauração, tinhasuscitado a adesão entusiasta clos mais brilhantes porta-\'ozes dasjovens equipes românticas, conto rle tlm Yitor Elngo, um Lamar-tine, e mesrno um Nlichelet.

Os reveses e as incotupreeltsões que tinham presidido ao de-

sabâmento de Carlos X parecia-lhes deixar pouca probabilitladecle uma nova restalrraçaro. trstava morta a fé monárqttica t1êies.

Nlas nenhurn dentre êtes pensava em unir-se à polÍtica do noYoregime, el]l qlre os açarnbarcamentos egoístas tlas equipes rei-nantes renegâvallr de rnaleira por demais eYidente as promessas deliberalismo que tinhâm seryido de pretexto para o derrubamentodos Bourbons.

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722 AIGRDJADOESTADOAS CONX'USODS MODDRNAS

nrin()l'ia, foram levados a in\:ocar as fórmulas dos tiberais para rei-lirrrlicarem sua liberdade religiosa. l-oi esta a primeira aplicação(l('ss:ls confusões na Europa contemporânea, clljo princÍpio - já o1 i111ç5 - data da apariçãro do protestantisrno. A sua origem nol('r'r'eno polÍtico deve-se ao fato de que a niinoria cte tôda a religiãor', k:r.ada pelas circunstâncias a reclarnar a libertlade contra arrr:rioria; enquauto que esta, pâr'a conseryar slta posição dominan-lr', é sempre tentatla de tomar urna atitucte antiliberal, sej& quallill' a sua religiãro.

No monielto, o ernaranhamento dos problemas arrastavà osIrornens .do I'At"cnir ir exageros bastante confusos. Em todo o caso,su[s campanhas eram penetradas de generosidacle e de nobreza,Irrfelizrnente, naquele lnesmo tempo o papado era também ferido1x'los ataques qlre choviam sôbre o clero francês em nome do libe-nrlismo rer.olucionár'io. f)e sorte que só a palavra liberalismo apa-rccia-lhe como rlrn veriladeiro espantalho. Lamennais foi conde-rrado pela encÍclica llirq,t;i .L-os, sem que talvez tivessem sido fei-lirs as necessírrias distinções. Nessa encíclica o Irapa declaravalros -qolleranos que "o lneio tnais seguro tle corrsolidar o seu tronoora o alroio clo altar", e palecia retorn:tr. as teses mais irifelizes dorrrrtigo ultra-r'ealisnio autoritár'io.

Lamennais, cleixando de fazer tarnbérn as indispensáveis dis-tirrqões, r'evoltou-se e rompeu com a Igrejn. Seguiu-o uma parterla cot't:ente de que êle fôra o animarlor, e cuja primeira inspiraçãotinha sido tt'adicionalista e católica. Àgora, porém, essa correrrtedesviar.a-se para aquêle misticismo carregaclo de equÍvocos, cnjosdoutrinários, pelas ploximidades de 1848, iam confundir as duasnoções de evangelho e rle revolução liberal; misticismo êsse, cujoslirincÍpios são sob tantos aspectos opostos entre si, como nos esfor-(amos por demonstrar linhas atrás.

-tlguns, é rerdade, como por exenlplo Lacordaire, Ozanam etantos outros, rnostraram-se rnais moderados. Após a morte deCarlos X no exÍIio, a partir clo rnoniento em que o jovem conde deChatnbord, tarnbérn cuitladoso de renovações, se irnpuriha como pre-tendente, êles prepararâm o despertar de um catolicismo social or-todoxo, que encontrava eco até nos meios fiéis aos Bourbons.

E de tal rnoclo, que quando rebentou por tôda a parte a revo-lução tle 18,48 contra os abusos das equipes goyernamentais, pondotêrmo ao regirne de Luis n'ilipe, a Igreja conhecia um surpreenden-te renôvo de prestígio.

1 (r.)

Muitos, em sua incerteza, se uniam à religião cristã, que lhesaparecia como sendo desde o princÍpio a pri,cipal das fôrças sus-cetíyeis de asseg.rar a ordem e ao mesmo tempo o p.og.e..ã sociar.

o Padre cle Lamennais, que já se tinha irnposto com br.ilhan-tis,ro antes de 1830, tornava-se o animador da iror-a fórmula, f.n-dando o jornal l,A,t;enir, q.e conhece. urn grancle prestígio tiuran_te algum tempo. N{esmo antes da crise, numa carta a um amigo,êle escrevia a 27 d,e abrit de 1gB0:

"Para conseguirmos um Estado est:ivel, í:-los pleeiso um prin_cípio dc ordem e dc fixiclez que nos falta totalrn-cnte hoje. Êsseprincípio é a _religiito. Devemos, pois, tcnclcl a unir a religião e aliberdade". trl- êle clesenvolvia .o jo*al l,Arteni, .,r, drfio'terra.Primeiro êIc deplo.ava que . monarq.ia ,Ío tivcsse sabi'do torrara frclte do ,rogrosso porítico e sociar: "se o pode"

"oai tioes.cquerido, cscrcvia êrc cm g dc novcmbro de 1g80, êre subsistiÁ arnaa.E a I'rança corrti.urrir avl,ç.ntlo, scnão sem agitaçõos, âo menos sernabalos doniasiados lrara o scu futuro dcstinoi. INm seguida, poisque a rnonarquia falhara, êlc dcclartva contàI. agorà sômonte cor,a religião catóIea parâ asscgurar os calrinrror an" u,rrurrt e, o- ,o-r,e da defcsa de urna ordem social sndia, pel:r pr:rrtica rtc'tôáas as.iustas liberdarrcs: riberdatle de ensi,o, riberdatre- tto i,,prcnsa c ii-berdade elcitoral.

A liberdade de ensino, entre outras, era tornarla a peito porêle e por seus amigos. porque (e isso era uru cros traços q,e rnaisos revolta'sam no no'r,o regi'ie) aquêles que estavam no poder,para ocultar ou excusar §eus agambarcamer)tos, pr.ocuraYam r.eto-mar a si, a título de derivati'o ou cle pretexto corn etiq,eta liberal,as carnpanhas anticlericais que lhes tinharn tão beru sel\ itlo nosanos p.ecedentes. E o anticlericalisrno, ou como se tlizia então,o voltairismo' imp,nha-se novarnente ua ,nivelsiclade oficiar, daqual êles guarda'arn o co,trôle. E iniprrnhar,-se de tal motlo,que os católicos do rarenir, na posição tle infer.ioriclarre em quese encontravam, não tinham outro recurso que o tle reclamar paraa rgreja o direito de ter suas escolas pr.i.r'atlas ao laclo dos esiabe_Iecimentos da universiclade oÍicial.

Mas intervirrha outro po*to de r.ista. rrrn eco àrs agitaçõesfrancesas de 1830, surgirarn clistúrbios em diversos paÍses. prirnei-ro nos PaÍses-Baixos, ontle os bergas, eD1 sua ,iaioria católicos,encontravarn-se pelos tratados de 1g15 submeticlos aos holandesesprotestantes; depois na Porônia, também cla catórica, corocada sobo domÍnio dos ortodoxos russos em 1g15, oncre os catóricos, sendo a

Page 62: A Igreja e o Estado

124 AIGNEJÁEOESTADO

Os acolrtscrrfpNros posrDRroRES e 1848

E os Noyos IIÁL-DNTENDTDo§ Do LrBnri^Lrsx,ro caróLrco

IIas havia dois rnales. Em rneio à colfusão clas fórnruias, alevolnção rle 1848 fôra acornpanhada de desordens sangrentas queâssustavam e desconcertavam as massas. Os niais espertos daburguesia cle Luis Filipe aproveitararn-se da situaçiro pâr'a e-\e-cutâr um& síbia rnanobra. Rerrunciaram ao seu anticlericalismoe oferecelatr à Igreja o apoio rle suas sólidas influências.

Começaranr propondo a organização cte um ensino religiosopzrra conseguir, cliziarn êles, o apoio tle um "gentialme espiritual"contra as revoltas 1rri1xrlares. A, )ci ltallour de 18õ0 ia lestabelecer,ao lado dos estabelecinrcntos leigos tlo Dstarlo, os estabelecimentos Ii-vres c1o ensino prirnÍrrio e secrrnrlirio cr-rnfiaclos ao clero secular eregulâr, entre outros aos Je,suÍta,q.

Ao mesmo ternpo, iniaginando ulll novo expediente para reto-mar o poder perdir'lo, ocultando-se sempre, na meclida do possÍr,el,sob a máscala de fidelidade a 89, elegerarn f,uis Napoleão, sobrinhode Napoleão I, pâra a presiclência da repirl.rlica.

Entretanto, sobrevielaru as complicações. Itrm parte por am-bição, em parte por temor de se ver courprometiclo aos olhos dasmassas se êIe se ligasse por demais à burguesia rle Luis Filipe,Luis Napoleão libertou-se, restabelecendo ern seu proveito um irn-1Ério de forma muito autoritária.

Embora deixantlo aos grantles personagens â quem êle tantodevia suas fortunas e seus meios de exlilorur negócios infinita-mente rendosos, êle afastava do gor.êrno os prirrcipzris clentre êIes.No comêço de scu leinado êle multiplicou os far,oles ao clelo, ins-talou carrleâis tio Senaclo e celcou os bispos em suas dioceses demuita honra, facilitando-lhes por êsse aumento tle prestÍgio o exer-cÍcio de seu mini-stério. I,)ncorajava, lnesriro nos estabelecimentoscla universiclade laica, âs troças contra os professôres suscetÍveisde serern acusados de anticlericalismo ou de irlcredulidade.

l\{uitos católicos manifestaram-lhe por isso utn grancle reco-nhecimento. O jomalista \reuillot escreviâ em 18ã{:

É no sacrtlócio que sc eneontrarn os nrais antigos e os maisdccitlidos arnigos do Imperatlor. E o sacertlote que menos o amatlcstjrria silceramente que êIc igualasse Car'los l[agno ou São Luis."

S CONTUSõNS NÍODDRNISt25

Os resultailos não tardaram a lllostral'-se decepcionântes' No

tempo tle f,uis Irilipe, revoltatlos "oT o- anticlericalisrno interesstl-

do da burguesia t"i'lu"t", rnuitos intelectuais cui'ladosos de re-

;;r;;. sociais tinham aiimentaclo muita simpatia par& com o

catolicisrno. Nras aso;;, ,r* "ouna

gerações, sobretu'lo entre os uni-

i*.titá"ioa, submetitlos a tantas confusões' desenvolvia-se- um an-

ticlericalisruo ,'"u.ioniitiã e apaixonaclo que toma\'â -a forma de

urn sistema filó-qofico doutrinalmente materialista' Charnavatn a

êsse sistemrr cle "cientismo", e por êle acusavam a Igrejâ de entre-

ter as lnassas no obscurantismo para melhor eutregírJas ao poder'

Os grandes blrrgue-ses cle Luis Ifilipe' que comeqalrnp n Sêr

chamaclos de "à .oãiláoti" orleanista"' obedeciam- I u* 'l-'o'*odiferente. ttes nno ,t-n.ciaran à alitr.ça que tinrurni- concluÍclo

com a Igreja no terl'ol' clas revoltas operilrias cle 1848' IIas' afas-

taclos clo poiler pt'lo r"ià':io, êles queria,r agora ganhar âs botrs

graças rlos intelectutri-q clrie tinharn pa§sa'lo à oposição afirn de con-

seguit'etl-t algulta cfientela' E encontrat'am ulna saÍcla uo que êles

charrratarno,.catolic.is*o.tit,",nl',.Retotrrrnclonrrmespíritoin-teilautente Aite.e,,te gl.ni"t oot eqrtÍvocos cla palavra liberalismo'

algumas das fór'mulas"tIJ Lamennais' colit a ve-lha seguncla inten-

çío tle cobrir cotn n't tO'-ttlus de 1789 seus açambÍtrcamentos eco-

rÔmicos, êles procuravarn explicar quc se tr&tava de encoutrar llma

reconciliaçiro ertre a Revoittçãto e rr Igrejr '"].180i: ""1-1: """

Irorta-Yozes da ilnp':e'sa' o ãrÍtico Saint-nlarc Girarclin' recebentlo

,n Àcaclemia frarrcesa o filho cre .nr a,tigo rninistro cle L,is I'ilipe,

'\ll,rerto de Broglie, áec1a'ava: "Í; possÍvel esta obra ile reconcilia-

qiro entre a Revolução e a lgreia? Sinl"'

Ii evitlentemente, pelas razões qtle enunciamos' êles escancla-

lizxYam muitos católicos'

Outro embaraço' Napoleão III começaYa tanrbéul . a inquie-

lÍu'-se com o. ."niá"' pr:or-ocailas por suas complacências com o

catolicismo autoritário' Êle pensava manifestar sua fideliclade ao

;rassatlo reYolucionà;iã o" tt* própria fan:rÍlia' orquestrando uma

1rolítica internacioiai"aà ril'"'taçeo oos poYos' como por exemplo

lr alernanha e a rtírria. Mas pregar à i[r]ependência e a .nifica-

çiro rla Itália equivalia a chocar-se com o obstáculo dos Esttrtlos

I 'ontif icais. Ire tuto, *

Osses nstaaos Pontificais tiveram 'j:i l rtlr

diversas vozes a»orrlcimentos Do rlecurso dos tempos, qttalttl0 os

rnaisambiciososimperatloresrol1rano-germânicostinhartrlrrr'tr'ttrli-

Page 63: A Igreja e o Estado

726AIGREJÂDODSTÁDO

ilo rlominar Ronia, e qriando, niais recenteniente, Napoleão I obri-gara rrio yrr a entlar' ,lo .iÁtÀ",u'ao ntoqueio continentar.Se,r e,rbargo, Irio_ fx, e,taà- ,ã,*nt", ir,itatlo pelo re.ascerdo antictericaiisrno repteto cte toãos ;. "i,.,,1;"ir#i,,1^,*r: _":ria,renr,rcio"--I-'!o",,',tia rre r,,ii"p"rãoi,'lyi";T: ffi::::,,,X1-:.

rJr";seus olhos a conser.vaeão r]a ..i,;;;;l;'te.rnpor.at.Ao rnes,io tempo que ere p.ote.ia'a co,tra o erl'e.ntuar aban-do,o de seus tlireitos sôlrre ;"il;;;;;s êie publicâr:a em 1864 aencÍclica gu,dn,ta Cu.ro, ltara-"""0à",i]'.rlos erros r.er-oruciÀnírrios .sorr ; ;;il;":,jLffilin:dirlos uascicros

Iln- seguida, como os católicos lihrsan tro despã'ta"'' ui, a ror r, u]"" u. ;"il;"Ji::":".i-"i:il::ãiil J.i,l-cAnas, e,s 211iss21ram trazer em si o alrtipapismo àn

.àãiliurrça,Civil do Ciero de 1790, êle r"o*""rà"",tr reptica o concÍlio tlo.l-ati_cano, mau grado inrinreros prdtest;.; ;;;maioria aos uisl,os tro 11r,rd'o ;il;;;. ''r§:._":n] o acôr'rlo da grande

'a oriciarmen te' À',, .1

8?0 a ;,r;iil;;"o""Ti,,iiil,T'i";"n'?,#f i,lil_libitidade essa qre ainaa ,o .0."iã' .iiii'I3o.ss,et, fara^ao à., ,n*.da assenibléia tlo riero fi.ancês, ,rao oaÁitio sem reser'as.Nesta altura Napoleão ffi, qu"*i"rrta"a oottar_-ce pâra os ca_tólicos liberais, e até mesm, 'oà"" àl antictericais de princípio,por estar em dificulttacles com'À .uiãi,tla--questão .o-urro,'_p.".uro. sarrrar " _""",: rTlilili:".r* H:ffl.lpolÍtica intelnacionar, :e quÀ ;;-;";J*uira senão compticar ascoisas. E come4o, a " inràú ;;;,r*il contr.a a prússia. Emseis se,1Dil111s chegar.a. a Sedan; _i"-l"r""tanc,lo-se contra êle tô_das as oJrosições ieurrida.s

";;;'; ."i,'."'*,,,,.. e a t.r.arr(a foi irrr.a-dida. Enquanto isso Bisruar.f., opioru"itanrlose da vitória, pro-;3113,'i""rXt*"0" arenrã no ,,i;";";;;'u,r im1Ér.io sob a cheria

Do ponto de .r,isl.astava sé"ir,s ; .;1,,§. i§.[i,:1.,H:i, a crise tte 1870-71 ar-

_ CoxsneriôNcras nDr,rcroslsfxrpnxacroxArs DA cuERR,r on 1g70

a)rejeita os

A fundação do nor-otestante desper.tala soh

O Impéri.o rJc llistnarckcatól,icos alcntd,cs ua oposição

f_llpé"r: alerniio rlirigitlo tetil prússil nro_rrova forrrrfl rnrrilirs rias ilrilant;. ;"ffi-

127

sõr,s que o rnuntlo cristão conhecera outrora no ternpo clo Santo Im-;rí'r'io Romano Gennânico da Idade À{édia. A Igreja, já o vimos,rlrrtndo proyocolt a fundação rlo Santo Império, julgava que êsseIrrrlÉrio aliraçtrria o conjunto dos países cristãos da Europa sob arrrrtoridade untinimemente reconhecida cle urn soberano, que seria, lr.aço secular tlo papado. ola, êle jamais teve estabiliclade; .iamaisrrlrraçou outras legiões qrle as alemãs cle cultura retarclada, ernba-rirçadas em face rlas outras nações por uma espécie cle complexo tleirrferioridat.le; e mesmo nessas regiões êle não conservava às maisrlrs vêzes senão um rnero tÍtulo, atrás clo qual prosseguiam as riva-lirlades constartes cle principados dÍspares.

F)m grande parte, foi êsse comprexo cle infer.ioridade aremãorr causa da revolução luterana.

n-oi êle q.e provocou, no momento da guerra de libertaçãocontra Napoleão, os apelos de rrichte contra o catolicismo dos ,,paÍ-ses de origem neoratina". E agora, é êre que se rnanifesta de no-yo no orgulhoso triunfo dos prussianos, e.vaidecitlos por sua yi-tória.

r\ão só os p..ssianos iam impor desmedidamente sua superio-ridade à Europa com reflexos de clesforra que era já um esbôço cloque seria ao depois o racismo de Hitler, mas também no próprioseio da Àlemanha êres falavam como senhores às popuraçães dalle.ânia ocidental que tinha,r permanecido catóIicas pã" .i u 1.,.o-ximidade da infr,ência francesa. Estas jamais iam aceitar cor*,sincera leaidarle a união irnposta pelos luteranos da prússia; e ali--rne,tando sentimentos cle amargor contra êres, ia,r conservar a im-pressão de pe,rnariecerem cidadãos de segunda zo,a no impérioprotestante.

f)isso origi,a.alr-se tluas .eações sucessivas, cujo mecanismo,ao que me par{e, iarnais foi analisaclo e clefiniclo como seriâpreciso.

A pr:i,rei.a foi o tongo debate re-rigioso conhecido na históriapelo nomc rle r{ulturlianrpf, nos anos imediatamente posteriores a1871.

Logo após a frurtlação clo Império, os católicos alemães ti-nham-se agntpatlo num partitlo polÍtico que chamavam o partitlodo clentro, corn a intenção abertamente rnanifesta cle defenderem aliberdade de seu cnlto em face clo luteranismo dorni,ante. cho-caranl-se coin tôcla a sorte de dificuidades opostas pelas leis cle.

as c,oNrusõns IÍoDERNAS

Page 64: A Igreja e o Estado

u8 AICREJAEOESTADO

Bismarck entre 1873 e 1875, as quais pretencliam estabelecer umcontrôle estatal sôbre a fortuna dos eclesiásticos, autorisar um yetogoyernamental à norneaçiro tlos bispos que lhe desagradassem, fis-q.alizar e limitar a atiyidade das congregaçõe,s, etc.

A questão de princípio que estava eln causz-r, isto é, o saberquais seriam os direitos de contrôle do govêrno sôbre o clero,questão que já surgira em outras épocas lnesrno nos países clemaioria católica (entre outl'as, por ocasião clos cleliates acêrca daConcordtrta francesa de 1801) complicava-se aqui. Porrlue no Im-pério, cle maioria protestante, o soberano, ao ütesmo tempo quepretentlia controlar os católicos, era o chefe leconheciclo cla Igr.ejaluterana, seguntlo a velha tradição herdada clo cornêço cla Reforma.

E o que acabava cle embaralhar os rlaclos era que, atrás dodebâte dontrinal, mais ou menos dissirnuhrlo por toclos, intervinhao reflexo de revolta clos quadros catóIicos nrinoritzirios, afastadosda clireção polÍtica e das vantagens do poder pela rnaioria pr-otes-tante prussiana.

À segunda reação manifestou-se ao clepoi-r, após a queda tlofrnpér'io de Bismarck em 1918, corn a zrprrrigão do que se chamariaentão a "boa Àlemanha democrática". L:i ainda, em conrlições que.se prestaram a equÍr,ocos particularmente desastlo,sos, os reflexosda rninoria politicamente contrariada e ávida tle se aproveitar das.circunstâncias para se instalar nos postos governarnentais, ern-bmlharam as questões doutrinais. Nern os polÍticos franceses,nem mesmo, creio eu, as autoridacles pontific:ris se aperceberarnentão de que não erarn suas concepções tlo catolicisnlo, mas anteso seu reflexo de rniuoritários por tatrto tenrpo troçados e agolafelizes com â possibilitlatle tle tilarem uura clesforra polÍtica doIntpério r.encitlo, que irrcitava os católicos alemães a se tot'rlarem.os anirnadores tlir Itepriblicn Democrática de 'lVeirnar, clispostos a.colaborarem com os ocidentais yencedores rnedirrnte a instalacãoc1êles própr:ios no poder'.

B) Na lttíl,i{t,: a tomatla clc Ronra c s«âs consccliiêttcicts

Se Napoleão fII, no úrltiuo perÍodo rle seu leinar.lo, acreditouoportuno fazer alguns âyanços aos anticlericais, nem por isso êledeixou de procrirar manobrar também a Igreja. Nesse intuito,manteve uma guarnição francesa em Rorna para proteger os Es-tados Pontificais contra as pretensões clo novo reino da Itália, clo

129as coNrtlsilus \ÍoDDBNAS

rlrralêleajudaraafundação,equepreterrcliaestabelecersuaca-lrital la cidade eterna'

I)esde o comêço da guerua franco-gerntâniczr a guarDição fran-

sesa cle Boma fôra chãmarla. I,ogo 4epois, aproveitando-se 4as

tk,,t.rotzrs francesâs, o exército do reino italiano forçon e ocullotl

rrcitlacle.PioI\protestotr,masrráoter'eotltrorneiocleresistêtr-<.iasenãoerrcerrar'-seno\:aticano,onclesetlt'cl:lravapriSiOneir()'rlilrterdizeraosCatólicositaliartosrltralquerparticilraçãrorrari-rlu política tlo lleitro'

llas umrnoclus viventli foi encontrat.lo' Pela lei âssilD cllanlir-

rla tlas Garantias, cle 13 de uiaio de 1871' o gor'êrno I'eai-italitrtto

tleirar'aaoPapa,prisioneir'or,olrrrttário,tôclasasfacitidadespara(ontiriuar a atlministrâr a cristantlatle (e aiDdà com o gÔzo rle

seiis patecios, da liberilacle cle sua correspondência postal e tele-

g.,lti.o,semfalardalivrenonteaçãotlosllispt-lsitalianos).1\t,".-rla cle seus Estatlos nada ia tirai i:t §atrtzr sé cle seu prestigio e

rle sua autoritlac.le moral. Ao contrário, slltt posição de vÍtima rles-

lxrjada pela fôrça ia suscitar ern favor tle Pio IX uma imensa euto-

leí ir" lrieoade e c1e clevotamenio n:rs rnultiriões r:atólicas tlo rnun-

do inteiro.EmtotloocAso,opapaclopc,rrrralreciaetirt]ireitoàrnercê[Ia

nroDarquia italiana ipoia u lei ús Garantias fôrir promulgaclzr seur

tterrhurn acôrdo .o,, u Santa Sé). Dlri se or.iginariam l<rttgas Srrsr:eti-

bilidades entre â monarquia italiana e o \raticano' cujas conseqüên-

cias indiretas iam orl",itu" a lrclÍtica dos catóticos italianos nrais

rnilitantes pâra uüla hostilitlade latente contra a realeza'

C) Na lt'rança: A Tcrceir« Reptiblic«' e o tleritatirosttticlericctl:

Àpós o clesastre de Sedan, quantlo um levartamcnto. parisicnse ilonii-

nou nunr dia o Imptirio" ;;ã;' onio tq'ip". tle intelectuais conr tendências

.sociais ( lcvado, o or,'""i"iàÁa- Áos"loao de- cientisrno rnatorialistrr e de cou-

vicrlões republicitnas pafo--"iã'i"ofismo interessado do eornêqo do rr:ginre)

imrrot'isou ,n, so','ê,no,"; ;;;i;i';;;;" a l)cfcsr ^:rciortal' Êste sovêrno ti-

,ht por fi,ali4ade otlcil i p'tà'tsegui. n lu.ttr ern nome dos princípios de l3Í)'

.ià". ,i.rni* tr tr'rltnçt permzrneciit a seus olhos o porttl-voz'

Sem experiêlcia govcrnâmctrtal - e sem quadros' acabalanr lteltr dt'rro-

carlt tla calritulaçiro a?" ptrtit- e pela assinetur'r dc um annisticio no qu:rl

I:iismarck exigia, ptrrlr ncgociar a pàz' a convocação de ulna' Assemlil{lil ttrr-

;í;;;i il";-;nte -eleita

q-ue fizesse no país.um regit,e ,cgulirr'

Nessa Asscmbl,li,.,*cilp.o"retitlos Dúos hmont:iveis rcsultados cla gestito

tlo govêrno provisór.io, o.-i"ii"Ufi"o"os ió coDstituíiln uInA fraca urinori:r. I)r:

Page 65: A Igreja e o Estado

130 AIGRFJJAEOESTADO

partidários do fnrpúrioJronIens quc Irutlesscnrà Repúbliea.

.-!ecaído. nern se falava. A voz tlas rnassâs procurârrarcpresentar ao mesmo tempo a oposiçao-o" f.r"i*"i, "

Dêsses homens-muitos se apresentayam como fiéis decrâra(l,sdo co,de de chamborg,. , or"i^'ãô"i-- o" ter sustentado argurnasdas fórmulas rlo cato]ici.r". .oáiuf"""la, nascente, durante a suajuvenrude sdb Luis nirpe_, ;;-;;;ãr;ànt"o o. abusos cra burguesiacensitírria' tinha entretiao auranià" o i-p""io a sua propaga,dirdo exíIio austrÍaco aonde se tinha retrado.E reentrayamorreanista, õ ;;;rfr r,,süH

,,?;.":f.á.i:"i"u,n,1:r,f"r#.,:,Í;oposição ao Imnér.io solr a ;;il;';;toticisnro Iibcrat. Tarnrrémêles, desta vez, acentuauu_ .*t"uã'rlpuil,canos do govêrno pro-,-isório não suas r-erhas i.trts;-.J"orucionárias, nias arguns tr.a_ços monarquistas de suas evot"uçõÀ ri,oiliu."s no sécuio..rr"rl"u;iijnnto, rrarecia ,t p"in Ài,.J"l,i.to qnu- u"ã.Iàírrroiu ro-de cle Charnborcl

)ar nor.lnalmente por uma restauração clo L_on-

Mas logo que passolt a primeira emoção cla rlerrota, os maisespertos do muudo orieanistd upui"ur,"iu--se de q,e as icléias ctriConde de Chamboro. a""tsÀia;lr,rc"r! os pr.ivitégios clas posi-ções econômicas e ti"a"cei.as* *rJ'à]r'Ãtirrham aclquirido e conso-Iidado atra,r,és de regim;5 .r.;À;ir;;^, descte o comfoo tro século.AIém disso' o contre ae crramntrã-r-,ririi*sto"a 'ivo i,terêsse pelasfórmuras do.tri,ais e^,nciatras ,.oa orràa

.precede,tes por ljio rx,em partic,rar peras contrenaqõe.s 1rn.,r",ri.iuous por êste contr.n osequÍr,ocos clas teses Oo catoiicismJ- ú;;D .justamente. êtes tinham " ,;;;; seu liberatismo; porqueêste, ligatio eril sllas rOr.rnrrtas à ;"ilii; n",o*U"rn,o nona, per.mitia_-lhes enge,'osas ,ranor)i'As elrl r"." "a-r- repubricanos do,trinários.alg,,s dêles i.iagina.n,r e,tão onrt"o u*puoie,te, q.e rlo,ri,:r-rii dura,te rn,itos an,s tôtla ,, rrrstã"ia

"porÍtica da França. t)Iesnão ignoravam que os repubric*,os de doutrina, rnesmo aos orhosde grande parte da"s rnassas popnrares comprorneticlos pelas reinl,.a,-Cas recentes dos fracassos tIã gor-t:rni p"oyisO"io, sentiam_ss frircos.Él.s ,ão ignora'am tampo.co1',r; ;;';. ingenuidacles cle inteiec-tuais alimentaclos r:orr. os princÍpios cla franco_rnaçonaria, quasenada ao corrente dos lxoblelro. eãorrômlãos, êsses doutrinários per_rnaneciam convencitlos tle.que

" rgi=:", pà"a assegurâr o seu poder,estaya Dgada por princÍpi; ,". õ;;";áí'.ort"o o poyq e de que

AS CONTI]SODS I\IODERNÂS

o unticlericaiismo era a primeira condição tle tôcla a polÍtica de-rrrocrática, Pelo menos assirn o levavam a crer, até certo ponto, asrtntlições desastrosas em que o clero se tinha aliado a NapoleãoI I I no comêço do Império.

Em conseqüência, elaliorararn o programa seguinte: prot,isôrinmente, ao menos até a morte ou a retiratla tlo Concle tle Cham-lrord, aliar-se-iam à República, a urna república que romperia, sc.rriro com a fgreja, ao lnenos com o clericalismo antiliberal tle pioI X e do Conde de Chambortl. Ern troca, os tioutrinários cteixariamrros grandes espertos aliarlos os lugares dirigentes, e rerneteriam1»rra depois as reformas econômicas e sociais.

Tarnbém os democratas aceitâram, a título provisório. tr'oil)ossas contlições que foi l.otacla a constituição republicana tle 1825,rlepois de longas tergiversações (porque, no fim cle contas, nern rlerrura parte, nem de outra, ousavam confessalr expressamente as se-gundas intenções do contrato).

O regime assim elaborado no clolo começou a fitncionar noequÍvoco. No comêço, os r:epublicanos tle doutrina que tolnavamilgora a etiqueta de ratlicais pa-ra se por.ern ern er.iclêrrcin, tinham<retlitlo a rnaior parte dos postos goyernamentais aos grandes alia-rlos do mundo orleanista, reservando-se sr)mente algumas satisfa-ções (a)iírs discretas a princípio) no terrelo religioso, sobretudo noterreno do ensino religioso. Sem que a oltinião púrblica se aperce-hesse expressanleltte, a questão religiosa tomayâ assim, irnetlitrta-rnente, urna feiqão de derivativo pela qual tantos dados iam serfalseados.

Ilem depressa, prensados por sua clientela eieitoral que seimpacientava por não compreender a situação, os radicais se tinhamtornatlo nrais e-xigentes, prirneiro quanto aos postos, e em seguida.quanto :is reformas ecorrômicas e sociais. Ir'oram-lhes ceditlos cer-to número de postos. llas para refrear as refor.nras sociais, foipreciso, ern cotnpensação, acentuar o anticlericalismo. Daí as rne-didas tornaclas por Jrilio Ife,rry em 1880 contra as congr.egações re,ligiosas, particularmente contra os JesuÍtas,

I)aí tanibérl, pollco depois, a abertura de campanlras para ainterdição total do ensino livre, para a organizagão do ensino pri-mário leigo cat.la vez nais abertarnente anticler.ical, enquauto quese preparavam outras carnpanhas para otrter a abolição cla Con-cordata.

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132 A IGREJÂ F] O DSTÀDT)

?urlo isso suscitou gra,tle pert,rbação. Tanto que, atrar,ésdas agitações tro regi,re aindtr tào instár,er, os senhore.'s án. g"on_des emprêsas i,dustriais e fi,anceiras cujos interêsses 'ão ti-uharn sido aintla atingidos, mtls que se sentiau arneâçaclo-s, agianlno terreno econô,ico com gra,rle incerteza, p.o'ocando crises rro^-r1e se originAvilrll re'ortas cortra os honrens do gor.êrno. D istoaté uos nieios ainda numerosos dos pobr.es de fonnação catórica,enqttar.lrados pelos notávei-s 4" trarlição uronarquista que tinharnpe.rna,ecirlo rnais o, ürenos fiéis às fórm,ras a" ,rà,ra.,1ni.rrrosocial do Conde rle Chamborri, ape,sar rlos frar:assos rle 25.,lntão os g.andes esl)e.tos, para sar'arern s,as posições ame.-

çadas, e jri a,'astados ao derir.atir.o rIa questão rerisiosal p,,.uor,r--se a alrliCa. errtre o crericaris,o e ., artitrrericaris,)o u,la no\-atátir:a tle et1.ilÍririos .rte.nados, atit,cle em qae se iarrr rna,terpor muitos :rnos, nté perÍotlos bern rer:entes.'{ntes tle tucl0, lrara ,errtralizar as revortas arrti-repubricanasqtte lhes pareciarn as ruais ameaç.tlor.as rl, t,orne,to, Otes iruqa"an,.rn l)rogra,ra de irpr.xi,raçir. rla rgr.eja, cêrca rro ilno de'rgg0,com a condiçiro cle qrre esta co,virlas-qe cre seu ,atro os fiéi_s rt sealiarern ao regiue.:\ operação achou-se facilitada, llot.qlle o papado, achando-seem t'lific.ldade cor. a Ale,r.,ha inrper.ial e com , rtrilia, ti,rra err_tão ,eces-sidatre tla Ir.ança. o rrrrpa r,eiro xlrr, eleito em 1g7g alxisa morte rle Pio IX, publico, e,r 1gg5 a e,,cÍclica iuuttortale.r'ci. urrrdos te\tos rlontr.inais rnais carac.terístir:os rla éporra.Rep.cliando antes tre tat.ro as a^tigas Íõ,,,ras teocriiticas,prtitica*rente aba,rronad.s rlesde há rn,ito temr)o pera rgrejtr ,aforma ern que foram concebidas nos t.Dll)os rnetrievais por Gregó-t'io vrr, rnocê,cio rlr e rroriifricio yrII (luas (lue os a,ticr.r.icaisteimavam em e\'ocar), Lerro Xrrr fazia a ttistinçãã e,tr.e a socierradeciyil e a sociedatle religiosa, encarr.egadas unl:t rla ordern temporal,e a otrtra da or.de,r es1úritual, as q,ais, escr.e'iii: ,,síÍ,o sobaianas,c-ada tt'nt'a ejtu salt, gênero". Reton-rantlo e,r seguida as f<i,nuras tluejír vimos citadas por chatez*rbria^tl, a., col)tàr. sua palest.a corrr'eão XI I, êle rernb.a\-a que a rgreja não se op.,ha a nenh,rna for-ma de gor'êrno, e não r.ecusar-a de fonna algtuna que ,,o por.o telhaâ sra pa.te mais ou ll)enos g.a,rre no gor.êr'rro". r, terÀina\:a ce_lebranrlo a toler.ância, porque, escr.eria êle, ,,é co,stume cta Igrejavelar para que ninguém se.ia for"çaclo a abraçar a fé católico-"urr_tra a sua vontade,,.

ÂS CONFI]SOES ÀÍODERNAS

Itlrn 1892 êle prrblicaya a encÍclica assirn chaurarla c'ler t)rião,na qual êle llrecisava, aIiás às insttincias de tlir,er-sas personali-dades flancesas, que, se cada um tinha o direito cle corrserrar suilspreferências particulares, ne[l por isso a república tleixar,tr de serurna fornra de govêrno tão legÍtima como qualquer outra; e couvi-rlava os fiéis a se nnirem no terreno legal. em vista do bern comutr,renunciantlo a llnra oposição que se tiuha toruut'lo inÍrtil.

Os resuitados forarn no entanto bastante iltts<irios. I'orquese de um lado, gracas às uniões assiut obtitlas, os grautles espertosobtinhaur durante alguns anos a rnaioria de votos nas C)âutaras, oque lhes perrnitia conservareJn -ceus postos, r'etardarttlo as refor-mas econôrnico-sociais qlre os inquietavanr, de outro lado êsse le-sultado snscitava tôrla a espécie c1e revoltas e confusões. Itrnquantoqne muitos radicais se obstinavam eu1 seu velho anticlericalistno,acusanrlo a Igteja de hipocrisia, tliversos eclesitisticos (aquê)esque serão ao depois chamaclos os "patlres democratas") comentavarna união à Repúblicrr, retotnando a si as confusões entre cristiarris-rno e princÍpios de 1789, e ler,ando-as até zro extremo. Aliás essasconfusões, numa intenção diferente, já tinham aptrrecido colr) o ca-tolir:ismo liberal dos grantles pel'sonagens orleanistas tlo tempo tloimpério.

Alén disso, as rnassas cle pobres de founação tradicionalista,que tinham aderido corn coufiauça às ftlrnrulas cle catolicisulo so-cial do Concle de Chanrbord logo agis 1871, e que tinham pouco a

tr)ouco lenunciado, depois da nrorte dêste, a esperar algo de runarestauração nronárqnica torDixlâ ilusória, foram tarnbém elzrs con-fusamente levoltadas pelas ruanobras interesseiras dos grandesinterêsses que se aclivinharaur ocultos sob a calia dn uniiro. Seutpor isso renunciareur às suas conr.ições religiosas, elas se apegà-ran) â um anti-r'epublicanismo ditatorial rnal definiclo, tlo qual onacionalisrno de L)eroulêde e tle llaurício Ilarrês ltelo auo tle 1900,

através das agitações provocarlas pelo caso Dreyfus, era a fónnu]amais espetacular e qlre se exasperav& cada vez nrtris rontt'a o regirn«r.Porque, atrar,és dessas crises irrtestinas, a I'rança se reerguia corndificuldacle de sua derrota de 1871, sob a ponto de vista interna-cional, e parecia catla vez rnais arnerrçada pela Aletnanha itnperialestimulada pelo seu novo poder e sempre desequilibrada pelos ve-lhos complexos de iuferioridarle tle que não conseguia libeltar-se.

Ilssa febre de nacrionalisrno anti-republicano snrgia tão arneir-çarlora pâr'a os reprtblicanos dernocratas cle doutrina e ao mesnro

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L34 AIGREJADOESTADO

tempo para os represe,tantes t10s grandes i,terêsses econômicos,que UDS e outros, I)ara reenco,trareü. Um comurD telreno de uniãocontra o pe.igo, recoure{aram de comum acôrdo â bâte*o ã.iu ooderivativo anticlerical.Aos mais intransigentes, o anticlericalisrno escolar cle 1gg0não bastava' Irareceuclo-lhes que o cre"o mostra'a demâsia.a inclul-gência para com os ,aci,nalis-tas, êsse

"tu.u qo", em gran.e pa,te,não tinha ace'itaclo .u1jgti"9!"ias o.-nqiiivocos cla uniirq êtes rea_vi'tlranr entre 1g02 e 1g05 tooas as reãns ao anti,apismo clireta-

ffi;l".rttiil::" trirs f(rrrnutas ""uoii,.iora.in. 0,,-con.tiiiiiçao

 r,ur ou srr,,rRaçÃo na lcnu.r.t u oo l.lsranoot,: I nt.: Duztr.\lIlto on -lgOJ

com o 'i.istÉrio cornbes de lg02 abria-se ,' pra,o regislati-'vo a campanrra q.e- ia terminar pera rr:pudiação tla concorclata epela lei de Separaçâo eutr.e o fs,ij; e o ostacto.Essa q,estiro cra separ:ação apre.sentou-se cle rnaneira com_plexa. Desile que a rrrança,- .o* 'o -Terceira República, se yiraàs- mais- das r-êzes go'ernaira rror' ânticler.icais, o sistema estarlere-citlo pela Concorciata torrio._sà ur, ,*"r,ln,l"iro absulclo, pois queerarD os niinistr.os ininigos oficiais .a Igr.eja que e,st:rvaln e,caFregados tre cresig,a. os ecresiásticos que-,reriitur chaniacl0s ao epis-copado e a,resertatlos ao r)apr) parrr l=ceberenr crêle a inr-estitrura.Irais de ,,r cttóiico, e tros r.ais eriiine,tes, dese,javam por issoa .rpt.ra. o prirnei.o .eito. t,o r.stituto católico áu prrii, -ur.r-

senho' d'H,Ist, e,t.e o.tros, escre\-ia em 1gg5: ,,ctrrni,hamos para

â".r:l1r1rrrl-il,rara n ruptura da Concolclata, e não renho a corasenl

'['ários DOríticos antic]ericais, por.é,, cajo sectar.i,smo era rn€rs-clado ile mocleração, nÍo igrrorancto os nieios cle pressão que a Con_cordata lhes ttar-a sôbre o crer6, s te,rencro o dôsco,heciiio, rresita-ram por. muito tempo a fazer qnalqrier rnutlauça,l\ras forarn finalme,te ultrapassaaos peros extremistas. paraêstes, com efeito, dentre ou quoia Comtres, antigo sertinarista, foio rnais caracterÍsticq iít não se tr.ata'a sôme.te A, o"irt*àiá aaconcorrlata -- rnal conseguiarn dissiruulír-ro - rlas <la c.iação deum clero cisrr:írtico na Franqa, cortado rta santa sé. pa.a co,se_

AS CONFTISí]OS XIODDRNÁS 135

grri-)o, contayânl com os grupos leigos das associações culturais iurt-*irurrlos por êles pala administrarern os llens das clioceses e tlas1r;urirluias, e que seriam independenters de tôrla a influência ortotlox.t,

(Juaudo foi votada em 1905 a lei da Separação após debates:rlurixonados, apesar tla ardente olrosição de cliversos pàrlamentaresr';rttilicos, ocasião em que o govêrno decidia romper tôdas as rela-r;õt,s diplom;iticas com o Virticrno, a Santa Sé ficou particularnrentelr'r'<rltarda com a qnestão tlas eultuais.

() Papa I'io X, então reinttlte, indicou na encÍciica Veltementer,\'o.,i tle rnodo claro a su& llosição. 0 regime legal que fixaya asrclaç'ões entre a Igrejtr e o Ilstatlo tinha-se tonrado betn tliferen-lc tle um liaís a outro Dos ternl)os modernos. Seni falar dos IlstadosorrrlL. a religiiro protestante ertr oficializatla, e oude o catolicistntr(,r'ir upcnas toleraclo, a religião católica ela reconhecitla c<irno re-ligiào rio Iistatlo etn alguns raros paÍses, corno por exemplo nalispanha e em Portugal. Em outros paÍses, cor]]o rla Bélgica e na.iustt'irr entre outros, os direitos e a indelrentlência rio clero erarngitlarrtidos por tlisposições constitricionais, sent concordata llrô-1»'iaruente dita. (Na llélgica, o Dstaclo contribuía pat'a â manu-Icrrção dos eclesiírsticos sern iutervir nas llornenções dêstes. llrrnr-lrótrr ua Áustria, embora o clero possuÍsse Lrens consiclerár,eis, êlelccebia uma rernurleração do Estado). r\.lénr disso, existia enr di-\'(,r'sos trstarlos unra separação que a Igreja julgava aceitár,el.

lleuios pol exentplo, após o Íim do século XYIII, o taso dosl')strrtlos Linidos da .\rnérica, onrle, pâra se nrarrte'r a unitlade tra-tiorral entre totlos, foi atlotarlo o princípio c'le urna completa liber'-rlutle leligiosa. Isto se tleu lo rironlerrto da guerra tltr irrdependên-ciir, quanclo a poprtl:rqiro se achava tlir.irlicla entre numerosas seitasprotestante;s e uma rrrinoria tle crrtólir:os. Ternos etn seguida, por|azões sernelhaDtes, o caso de cliversos crrntões suÍços; e depois,lror ntotivos lrm llouc'o t.liferentes, o do Rrasil em 1891, orrde selr'atar,a não cle uDr cornprorriisso entre prottstantes e cat(rlicos rnasrrrtre católicos e agnósticos.

l.[as se a Igreja adnlitia eru certos casos i1 separitção, ertl lie"cessírrio tlue isso se fize,sse seur hostilitlade.

Ile fato, embora o papatlo tivesse abaniionado a concepção t1o

lontrôle potÍtico tlo Estatlo Irela Igre.ja; e,mtrora êle tiyesse tlecla-r':rdo, notadamente na encÍclica Inuu,ortale Dei, d.e Leiro XIff, que:r sociedacle cir.il e a sociedade religiosa eram "cadi1 um& soberanas('rn seu gênero", isso não queria dizer rlue elas se cleviaur ignorar'

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136 ÁIGREJAEODSTÁDO

rllütuarrente e rnexos ai'cra entrar enr choque, rlado o nú,ie.o tlequestões em q.e interl'érn na vida porÍtica o pouto de vista ,1or.l.Irl,r todo o caso, _tlec,ara'a

pio X, ,,já que o Ilstado francês,rornpendo os liarnes. .a Concordata, separaya_se .a fgr.eja, êle de_vel'a, como conseqüência natural, cleixar a esta sua indàpe1rtêuciae perrnitir-lhe goza. ern paz r,ro direito corrum na ]ibertlade qut_- êrepretendia conceder-Ihe.,,

ora, iustarnente pero sistema das cultuais que ileixa'a a rt,i-gos, sem ne,huma gar.antia de ortodoxia ou de fé, a adrninistragãotlas circunscrições eclesiiisticas, a i,dependência rnor.ar tlo r:re.oart'iscava ser indiretarnente abafada,O prote"sto de Irio X não foi ern vão. A reação tla opinião cir_tólica foi tão viva q.e cle,re,ce.u, eJevado arguns ,reses tleloisà Presidê,ria tlo cro,serho, se 'iu oúrigaclo a .m cornpromis.sr,r. otexto da lei da Separação não seria rno,tlificaclo; rnas, ao meuos AtÍtulo pro,isório, as c.rt.ais não seriam constituÍclas. D e,rbor.ao Estado retomasse a posse dos bispaclos, já que os bens tla fgrrr.iaelrcontrayarn-se sênr estatuto legal, e de diversos outr.os inúreisreligiosos, dos quais, finda a concordata, a rgreja só ti,ha o rls.-f.rto; ernbora fôssenr s.p.i,ritlas as rernu[erações atrib,Ícras pr,r.conco.data aos ecresiásticos, o cle.o conser\.-ar"ia, ao lDenos pol, eri-tltiartto, a tlisposiçiro das ig.ejas e dos presbitérios e a liberd*rl. «lecelebrar o culto.

- - Iissa cornbinação hÍb.itra tro,xera urna espécie de tranqii,i-tlade; tanto rnais que o clero, reiluzitro agora a vir-er t.la caridatletlos fiéis, não rtrt.o llalcinrorri«rsa, aceitava sua no\.a sorter cotu llulilcorajosa 1.raciência.

noutra parte, à agr.vação drr sit,açiro intcr.laci.nar, plrticularrutr.t.nas. relações franco-germânicas, tinha obrig"ado os govornos a atenuâr(.lll -co,anticlericalismo nos ânos que se seg,iram, afün tlc ,r,oparar. o q* 'ri,'

"f,"-rrr:rria Cnr brer.c rr ttnido sa!radU a,,"g,.,".r,,. ------

CoNsnqriÊNcrAs RELrGrosÀs DA crrDnRÂ »r lg,l,t

Q,ando voltou enfir, a -paz, depois tlos quatro anos de combates terri-relmente sangrrDtos que tinrria.r sacuaiao- íu:ise* tôda a Europa, no'os dis-tírrbios religiosos surgiram por tôda o po"i", .g"ovarlos ainda polas consc-qiiôncias lonsínquas dos antigos "rnr ""i"íàijã*.

"

AS {]ONI'IISODS MODDRNAS

,\ ) Not;os tler"itatiros t'cligiosos de alxis-guert'a na Franço,

A F ranqa saiu vitoriosll, nras sob muitos porrtos de vista esgotad:r.lfirrdts as hostilidades, o scntimento dominante nos meios mais diversos, par-lir:ularrnente em grarde nírmcro de antigos combatentcs, foi o de uma revoltarorrfusa contra os goyornantes de antos da guerra, que tirrhanr tão mal prepa-r':rr'lo o país l)art âs pro\'àções. Alguns ertm mais atingidos pelo sentimcntodr, impaciência eontrà o soctarisrno d:rs Iutas anticlericais quc tinham entre-li(lo tântas inúteis divisõcs. De modo geral, a indignação estourôu contraos folneeetlores de arrnas e outros "chatins", como cntão se dizia, os quaisl inharn feito fortunas :rbusivrrs e nnitas vêzes imcnsirs a custa da tnisórillgclrl.

Ora, os principais dêsses cxllloradores pertenciam :)s altas camadas bu-locr'áticas, desde há muitns geraçõcs arrastadas às manobras dos derivativoslxrrhmcntarcs.

Para salvar suas posir;ties, dcsta vcz mnis sàriamente ameaçadas do que;rtrtos, ôles usaràm dc lun novo o s:ibio cxpedientc, baseado, scgundo o scu:rntigo hribito, no drrir,rtivo roligioso. 'f'ratav:r-se sômonte de aplicar deIroyo as manobr':rs dc lrntos da guent,

Com o eonserrtimolrto dc muitos ântigos ltrrrlanientares rrrtlicais, tambírm:uneaçados agorà pol' sua participação no govêrno que prcsidira tão mâilossos I)repàrativos trilitalcs, tomartln t iniciativa de urna nova formnqrioolcitoral denominada Bloco Naeional Rcpublicano. Ilsta, sob a capa darurrião sngrudl, oferccia à Igrcjl o seguinte acôrdo:

A lei de St'paração tle 190ã não seria expressarnente ab-rogada.Iüu compensação, :rs relaqões diplomáticas corn o \raticano seriatnrestabelecirlas. Os religiosos, entre outros os tlocetrtes, que ti-rrhanr siclo expulsos e dos quais rnuitos tinham \.oltado para conr-llater no exército, seriarn reabilitados no direito tle se reinstalare[Irrit Ifrança e de aí abrirem suas escolas. Nluitas outras facilidatlesseriam concetliclas :ro clero. Ir)nt troca, pol'ém, ficava subententli-tlo que êste usaritr de sua influênc:ia sôbre os fiéis para fazê-losvotar no llloco Nacional, evitando com isso as represálias dos in-lrirarlores do rnesrno Iiloco rro caso er]l que seus interêsses e pror.eitosfôssem atingiclos.

A operação foi alifis facilitacla pelo fato c'[e qne o antic]ericalis-nlo, no moDlento, tomar-a nma feir,'ão particularmente aterrâdora,por uma conseqüência indireta da revolução que rebentou na Rús-sia em 1917, em plena grande-grlelra. Porque o llovo regime co-runurista que co[leça\:a a impor'-se, aparecia alimentado das fórmu-las urais extremistas tle unra rDaterialismo cientista. Iisse rnate-rialismo cientista, surginclo primeiramente com preocupações maisfilosóficas tlue políticas entl"e certos intelectuais da metade do sé-

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138 AIGRDJADOESTADOÀS CONT'TISõTJS MODERNAS

À clerrota proyocara o desabamento do Império prussiano e;rrotestante. A minoria dos católicos, que o fmpério tratara cornot'itladãos de segunda zona, via-se ler.ada pela fôrça das circunstân-cias a oferecer-se como equipe tle substituição para negociar comos \.encedores, Mas, senr'lo por demais recluzitlos para assegurarenlJror si sós a maioria eleitoral, tiveram que se aliar aos socialistasrle }Iarx, em cujas fileiras ha'r,ia numerosos israelitas. Éstes, re-legaclos também na oposição imperial, tinharn desforras a tomar.

Ineyitàr,elrnente o acôrdo se fêz em fórrnulas hÍbridas. Porolrosiqão z:rs fórinulas do regime extinto, adotorr-se o regime rlerno-crírtico. Católicos e socizrlistas fizerarn-se rnritnas concessões. Oscatólicos obtiverarn para suas escolas, suas obras e sltas congregâ-ções r:eligiosas, vantagens que o Impér'io lhes havia sc,rnJlre re-ursaclo, CorrcluÍram cliversas concorrlatas particulares com o Yati-cano, entre outras umà para a Ba'r-iera em 1924 e ulna para a Prús-sia em 1928.

I)m cornpensação, os socialistas obtir.erarrr para algumas fórtntt-las teóricas de grancle interêsse parà os seus cloutrilírrios, facili-datles pouco inclicaclas par:r ajudar ao soerguirnento tle um paÍs ar-ruinado, tr não tartlou Íl surgir nrna irtrensa d(,sordem, seguidâ deirrúrrneras confusões.

Dssas confusões illanifestaram-se arrtes de tudo entre os Yen-cetlores, particularmente na If rança. A chegatla ao pocler tlêssescrrt(rlicos que se tleclarar,am democratas e que, alirulos aos socialis-tas tle }larx, pareciarn obter o apoio da Strnta Sé, conferia grantleprestígio às teses de dernocracia cristã. Essas teses, tiradas drr

catolicismo liberal, Ilretentliam que Irvangelho e princÍpios cte 1789

tinharl urna nlesnla inspiração. Os nacionalistas de tradição, aocontrtilio, irnbuÍclos tle uma desconfiança sisternática contra a Ale-uranha., só yiarn nessils fónnuias democráticas - uo\ras equipes rla"I3oa Àlemanha" - unia hipocrisia tlestinada a engarlá-los pararnelhor preparar uma r-ingança.

Nem de rrnra parte, nem de outra, se apercebiâm de que setrataya de urna manobra sincera dos minoritírrios, enibora prenht:de mal-entenclidos, felizes de se apro\:eitarem das circtrnstâttciaspàra tirar uma desforra, [1as por. demais fracos e instár,eis paraelncararem de frente a impmdência dos equÍr,ocos sôbre os quaisrepousaya o seu acôrdo. DaÍ se originaram na n'rança inúrneraspolêmicas sern fundarnento entre clemocratas-cristãos e nacionaiis-

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culo XrX, foi em seguida sisternatizado e Ilouco a pouco introcr.-zido nas escolas socialistas.a bem dizer, se êsse materiarisrno socialista se impôs cle rnanei-ra t irnlenta na Rússia, foi talvez em grancle parte ern razíao d,oisolarnento em que viviam as regiões mosco'itas corn respeito aocatolicismo. com efeito, não só as populaçõers tro imenso territó-t'io russo, parciarrnente tocacras pelo trabarho apostórico tlo crero

bizantino a partir do sécuio rX, ti.ham siclo recobertas e cortadasdo ocidente pela invasão tárta,a drlrante urria longa série de gera-ções, a partir do século XIII, nias tambérn, quarr,Io tinham clepoisdisso reentrâdo em contacto corn a cristancrade, fizerarn-no de no'crsob a forma tlo culto ortodoxo alir,entado r1o cesaropapisrno bizan-tino, em que a autoritlatle r.eligiosa se confurrtlia .ori. à autoridadc.irnpelial. De sorte' que o tlesal)alrento clo rnipér.io tenclia a ar.ras_tar consigo, mais que r_.tn qrralquer outrn par.te, a ruína cle tôtla aarmadula religiosa, ao que parece tiro estreitarnente solitlírria cornos quadros clo regime.

De totlos os moclos, r-oltanclo à It ranqer tle após-guer.a, é i,-contestár'el que os espertos âninrarlores ckl llloco i\aciorral tinharncornpletado seus acordos com a rgre,ja por uma pr.opaganda deterror sàbiarrierite ortluestratla contra o perigo clo coliunisrno rlrs-so, perigo que se manifestara realrnente ameaçatlor. o l]Ioco Na-cional triunfou largamente nas eleições tle noveurbro cle 1919. r,ogoem seguida cu,rpriu as prorlessas feitas ao clcro. I,Ias por urn in-cidente infeliz, que (lscapou às previsõe,s tlos eclc,siásticos mat habi-tuados ilLs astúrcils dos htibeis polÍticos, a recoriciliaçãro rerligiosirar"r'astava consigo o trirrrrl'o c'leitor.ui rlos exllor.aclore,s de g,,oÀ.n

"a salvaç!io rlc srurs r.irluczirs.r,felizmerte,,os iu)os segrrirrles,. contraste entre as vauta-gens desrnesurac'las corrservllrlits à nritroria tios exploraclor.es e as

rnisérias cla tiquitlação tlas «les|t'sus <le guer.r.a qrle pesa\:a sôbre asmas§as' com suas desvalot'iza(ões rnoDetárias e crises inclustr.iais,suscitava indignações que provocarârn um rlespertar de auticlerica-lismo a partir das ereições segri,tes enr 1g24. DaÍ por triante, conrurna virulência mais orl ,.nos acerrtuada, êsse nnticrericaris,ro iaser"r'ir indi.etamente plrr'a o êxito tia lrropagancla cornu,ista,

B) Êritos c tlecepçõcs tlos católicos alernã,es

Na Alemanha a questão se apresentala cle moclo diferelte, rnasnão menos ilusória.

§â

§

Y

Page 70: A Igreja e o Estado

140 AICRDJÀDODSTADO

tas, que proyocàyâDl clesastlosus violências da Ação l'rancesa con-tra o papado, cousidelado corno cúmplice das "rnentiras" aleruãs.

Na Aler»anha, porém, os reflexos elam outros. Os tluadrosDlotestantes conlrreenderarr que se tratava de unta desforra contraêles, erguida sôbre o falso fuurlarnento de uma aliança entre catri-licos e rnarxistas, aproveittrrrdo-se êstes da rlerrota do país. IIi-tier então, exaltantlo o orgulho uacional feritlo, acusilvâ enl seuTlcin Kantytl o que êle chamava tle "Sistenra" sem frariqueza tloscatólicos, r1ue, "pala obter lugares" faziarn - dizirr êle - "aliatr-qa corn os rnalxistas inimigos de tôtla a religião".

Sua tr»'opagantla teve glantles êxitos. f)epois qtte êle subiu aopoder em 1933, êsses resultatlos levaram-no a despertar urn autica-tolicismo apaixorrado, explorartclo os velhos reflexos sempre latetr-tes dêsse conrplexo cle inferioriclade ern face clos Itrtinos que, já noternpo de Lutero, inspirara e prellal'a as teses rircistas. Agorâ.apesâr dos esforços de co»ciliação tlo paparlo, esstls teses iârn terrririuar pol lrma perseguiçiro sistemática dos catrilicos, sob o clisfar-ce clessa "estatolatriâ" clesdenhosa d:r pessoa hutnana que seriarlenunciada pelo Papa I'io XI. Nessa estatolatria, cujos princípiosse iclentificarn aos do nraterialismo corntrnista, potle-se yer uma e.s-

pécie de corolÍrrio (já o r.imos conro) das Íiórmulas da Declaraçãodos Ilireitos do Hornern, ao qual os corrstituirrtes tle 1789 pt'epaut-ralll, selll o (luerer neln o prever, os cattrinho-q.

(l) Os eqtrit:tx'rts italíanrts

Na Itrili:r, os rrral-entetrrlirlos t't'itnt ainda otltros, rnas -sob di-velsos pontos tkl vista <ottt1»rráveis. Após a gtlerra, o papa<lo ti-nha pela prÍnreirtr lez iruturizad<l os católicos a entrarent zrberta-mente n& r'idt prhlúir:a l»ilr'ír rr,iutlar ao soerguirnento do ptÍs.IIas, rrâturaJrnente, alirnerrtadrls conto estavaur instintivartrelrte deulra trnrlição de não-confonrrisrno enr face cla monarquia, que porsua ruptura com a Santa Sé e-rtr 187í) os conclenara a ttrna lottgtroposição, êsses católicors agnrpados l1o Partido Poltular tle L).

Sturzo foraur tentados de se aliar:eur aos socialistas, aliirs não seurniuitas hesitações, pois rrs uris(rrias oliuntlas da gueua abriarn aêstes rrolos caminhos.

llas as oposições doutrinais, impetlindo entre os dois gruposunr trcô«lo coerente, deranr rnargell) à entracla ent cer)a do fascis-

141as coNrusõns MoDDTiNAS

ruo arrtiplrlitlilentar tle \Iussolini, apoiatlo mais ott Inenos de boa-

rneute lrela monarquiir'llussolini,setntlúr'itla,comlrreentleuimediatanlenteqllene§-

ta ltália de tão profuncltr tradiçito católica, o apoio, oll âo lllênos

r neutraliclatle da fgt";o, eralie indispensriYel' Ern 1929' tlepois

iie tongas negociaçõãs, " assinon corl a Santa Sé os acordos tlo

Latr'ão, destinados a pôr têrllo ao de-bate nascitlo da ocupação tle

lloma, aptrrellterDente insolúr'el tlestle hri tanto tt'tnpo' 0 lrapaclo'

",, ao-p"rr.ação tlo abanclotro de seus antigos l)statlos' desta vez

oficialmer.rte aceito, r.ecebia a livre soberania da minÍlsctlla Llitlarltr

tb Yzrticano. Alénl clisso, o catolicismo era reconhecitlo couto a

retigiiro do Dstrrilo itrrlia»o, e o etisiuo religioso tler:iirrirtlo obrigzr-

t(irio t)as escolas.

llas eru lrrevt o ftrscistno rnussolít'rico, arrastitclo cAtla Yez rnais

pârilaSfórrnrrlasestatoititricas,eclorrtritlrartetnalconticlopelosaltigos vencedores tla guerra! elll particular pela Hl'allçll, tão

alhú às .r'er.da[leiras cornplicações tl,. sitlaçiro trlt'1iit, f,i levatlo

i}l]I}]aaliançacatlareztnaisíntintaColDohitlerisriro.DaÍresrtl.tararn prirneiramente tlificultlatles irritarltes entre êle e a Tgreja,

e ern sãguicla os t'lesastres dit segttntla gtlerrâ munrlial'

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CONCLTlSÃO

REFLEXÕES FINAIS

Hoje, ern prese-nça rlo nltrido novo e mais do que nunca abala-rlo que nos rleu a Írltiura €irrerril, rr situzlçiio da Igrejt e rio papadoeln face dos Estados encoDtra-se sob diversos pontos cle vista di-ferente do que foi ern oiltros tenrpos; os problernas mais nrgentes.jri não são inteil'amente os mesrros.

a-errniuando o presente estudo, eu quer.ia tentar resumir os en-sinamentos que nos fornece a análise histórica.

^A. Igreja, desr,le a sua entrada rla cenà r.lo mundo, apâreceururunitla de unia noçiro es,sencial, então inteiramente nova. Elzrtlazia ttma verclade religio-ra, urna lei rnoral tle cartiter urriversal,que convinhà a todos os homens de tôdas as nações. Para espa-lhnr essa verdarle, essa lei de r-alor universal, ela rlevia couser\-ar--se intlependente de todo o Irstado particular; devia conservar orlireito, em face c.lo porler tenrporrrl eln tôda a courunidade lacionzrl,a urrla indelreudência rlue lhe pennitisse exercer livlentente o seurninistério. lÍas a determinirqão tlas concljções ern que eia rleveriaerercer essa indepenr.lência nito deixava de suscitar diÍiculdadesinfinitamente complexas. Para se irnpor, a noya lei moral foidesde Iogo obrigada a le'r,ar em conta as condições de existência etle vida da socieclacle em cujo meio ela aparecerât.

Prriticamente, essa sociedâde era a do Impér'io Romano, Quan-r1o, a pirrtir do século IV, a Igre.fa corneçou a estender-se, ela obti-r-era pela conversão tle Constantino o apoio do pocler tenrporal doIrnperatlor. Mas o Imperar,lol conr.ertido foi imediatamente tenta-do (para assegurâr uma oldem mais completa) cle monopolizar ocontrôle do poder religioso, confundinclo-o com seus poderes tempo-

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144 AICRDJANODSTADO

t'l_rs; tarto ntais que nl fgre.ia, aintla nascente, a hierarquirr ecle-siristica nirn e,star-a aintla s<)lidantente organizatla.Ilssa dificutdar'le iria para o futnr.o pesar grandelnente sôl).eo probleura das re)ações e,t.e a rgr.eja e o lr)staclo. II era se cour_plicava ainda rnais pero Í'ato ae qú a rgre;a, ligada a. rrnper.acror.,e por isso rlieslno ligatla ao r,rlÉr'io, o, mai,s er*tanrente ti ronra_nidade, âcha'a-se em conclições que iriarn rlaÍ por dirr,te conlpr.o-üreter e preiudica. a suà exllilrrsito atrrrr-és tlo rrrurido.Aqui, para evitar equÍ'r'ocos, llrecisamos escrarecer a q.estão.ti certo q,e havia já .nra sorte ttã pr.i,cÍpio de uni'ersalidade ,zrscondições q,e presidirarn à forrnaçrão do r,rpér.io eni .rorta on rraciado À{editerrârreo. engrobando cliúrsos Do'os, 1,.irrcí,io êsse tlue

tr)reparara o caminho à ,oção uniYer-salista da rerigião cr.istã. Na.ealitlade, porérn, a ronianicracre ,a,ca abrirçara -rnais qtte u,raf.aca por'ção das ter.as habitaclas. rvais aÍ.cra: ,o mornento e,rq*e o rm1Ério ac'lotara oficiar,re,te o cristianisino, ête estaiá-ji, ur,,,ias tle decaclência, e lresrno de rlesagregação. Nos territórios queêles perclerarn, barbáries cliversas iari tiesenr.ol\.er_se.Jr ce,to que a rgleja, armada cle sua noção uniyersalista tralei rnoral, toma.a então a i,iciativir rio restalielecirue^to tla ortle,re da civilizagiro ,,s regiões barbarizar'ras. É cer.to tarnbérn queela fôra a animatlora aqui e acolá cle ,o'os Estaclo,s, nos ter.ritóri.,sdo ocidente pe.cridos pera autoriciatie i,rper.iar. E por ,reio dêssesEstados, cujo rlesenvolvirnento ela inspiiara e sustentâra dur.anteséculos, el. fôra a vercladeira criatlorâ da cirilização Oo OciOenteeuropeu que, nos séculos xyrl, xvrrr e XIX, se iinpolá com umaconfiança seg.ra da superioritlirde tle seu uni'ersal r-alor.Ix,treta,to, rigatla destre o se, co,rêço ao pocrer romano cle-

cadente, a Igreja, tlurante nnrito tenipo, e rualt grado o esfôrço in_cansável tle seus rnissio,ários, .ão pôrle ser vista de for.a serãoprêsa a essa .omanidade, consirler.ac.ra ini,riga rlor uruitos. É êssecaráter de aparência exclusivamente ro.rana clo cristia,isl,' 0r-todoxo do comêço, creio eu, que susciton ern grancle pârtê a 1.61191-ta ,ruçuL,ana rle outrora, cuja exlransão, a llarti. iro sécuro yrr,se estendeu tão depressa sôbre m.itas partes do rnunrro, e sôbre aqual o materialismo soviético cre hoje procura estender sua i,-fluência.

- além clisso' em .seu primeiro esfôr'ço civirizatror crns ternposda decadência, a rgreja, sem outros ureios de ação a não ser aou ro_

RDIILDXOIIS IINÂIS l.l5

loritlade moral, teve que se prestar a rnuitos cornpronrissos corn osrlrr'Í-r's hírrbaros. De fato, nos novos estados nascente,s, as relaçõesr rrlr'e il autoriclatle teutporal e a autoi'iclade r.eligiosâ fortrrn sunra-rrrt'rrte rnal rlefinidas e precisadas,

,\ Igrejrr então, em seu embaraço, alimentada cla nostalgiarkr sisterla imperial romano que lhe servira até certo ponto de apoiorro conrêço, pensou ern tlespertrrr a fómlila il'rperial, uma fónnula itn-lrerial r1e certo modo lenovada. Esta fónnula consistiria num im-1rério universal cle duas cabeças, uma eclesiristir:a e outra leigir,sentlo esta Ítltima subortliurda à primeira, segundo doutrinavarnos principais lÍderes da época nretliet'âI, e que a história chamoutle sistetna de império teocr'ático.

llas. por duas ordens de razões, êsse sistema sri lhe trouxe-nr tlisstrbores. O novo império, o império do Ocidente, formac.lolrelo que restava tlo trrnpério Romano tornado Império Bizantino, epelos noyos trlstados clo Ocidente, entre os qnais a)guns já possuíamumà petsonalidade marcaute (a It'rança r.le Clór,is e dos merovíngiosr,le tnoclo palticular), não pntleranr iurlror'-se de maneit'a sólida nemthu"íivel. Os imperadores que tentavam por intern llos consoliclaro sr:n porler foram obrigados a entrar ern luta contra os soberarros'r,izinhos e ao rnesmo tempo contra o papado. Êste últinio, quasenurlca se vira em condições de desernpeuhar o papel «Ie árlritro suze-rilno (lue a fórmula teocrática fazia snpor. Ào contrário, vendo-seobrigatlo a procurar apoio ora de trm lado, ora de outro, e servin-tlo r'le pretexto a rnuitas intligas, êle cornprometia a sua autorida-de e suscitava rivalidacles entre diversos países. No século XYIfirralnrtnte, corn a aparição do cisrua protestante, a própria con-cepqiio rla unidade da civilização cristir, e ainda rnais a concepçirocle intlependência moral da autoridade re,ligiosa em face tlo poderlaico, ericontravam-se ameaçadas nesses paÍses.

Niro há dÍrviria de que no plano dontlinal a Igreja reagiaern seguida, qtrando tlo Coricílio de 'Irento. Além clisso ela retoma-ra pri\ticamente enl mãos a influêucia sôbre certos prilcipados so-beranos. Entretanto, durante os séculos XVII e XYIII, essa in-fluêncitL era urantida irs mais das vêzes à custa de compromissospek.rs quais os cleros dos diversos países, para coriseguir o apoiodo poder laico, pareciarn mostrar por êstes ou aquêles abttsos daautoridade polÍtica ou social uma certa inclulgência, fonte de gra-ves mal-entenclidos de ordem intelectual. A Igreja viu-se entãoacusada por alguns de ter nm gôsto de dominação incompatível

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146 AICREJAEOESTADO

corll o respeito clos clireitos das massas e corn o cuidarlo tle pro-gresso.

I)aÍ nascerarn, & partir da Revolução fi'ancesa de 1789, iu-teuuinár'eis alel)ates sem fundamento que subr-erteram totlo o sis-tertta das antigas monàrquias, provocando ern seguida, até o-s nossosclias, tantas cle,sortlens niateriais e ao Dresmo tempo tantas confit-sões douti'inais. Perrso principalurente nas confusões le\:aDtadâs pe-los equÍr,ocos eirtle a concepção cristã e a concepção octogésimilnona tla liberdade.

A Santa Sé, dulrrnte êsses últirnos periorlos, executou diversasreforrnas doutrinais de grancle alcance, tlos quais a mais caracte-r'Ística, do ponto de vista qlte l1os ocupà aqui, foi a expres,qa petaerrcÍclica Inr.nortalc l)ai. L)e fnto, o Papa Leão XIII, rel)udianrloe\pressamente nesse clocunrento âs antigas frirmulas teocráticasrnedieYais, pr.o(:uraYa clistirtguir e tlefinir 0s dotnínios distiDtostla socieclade cilil e r'la socieclatle' religiosa, eliminando assirn trstrcusações contr'â o ussiur càarnailo apetite de tlominação tla Igreja.

Ir'inàlnrente, o rlesaparecimento de quase tôdas as monatqniasrJa r.elha Ituroprr supliurin as rir-alidades de influênciâ entre ossoberarros e () Irapa, Itepetidas vêzes, no decorrel das idades, es-sas rivaliclatles tinharn complicarlo as relações entre a Santa Sé eos llstaclos; basta lernblar, entl'e outros, os particuiarisnros t1t:que as teses galitarrrrs foranr hír beur pouco teinpo a urais caracte-rística expressaro.

Atrar'és das agitagões uorais e intelectuais rle tôda a es-pécie que ahaltrrarn errr nossos tempos civilizações de fin'tnaçãocristã antiga, a Igreja Católica, com & sua forte trrniadura tlogmá-tica, viu cl'escer sua illfluência coni relaçíto à dos cultos cisrnáti-cos on heréticos tlue tinham sulgido no antigo donrÍnio cla primeirarornânirlâtle, isto é, r'ra época do cisma bizantirro e ern .qe.guitla tles-tle a dissiclência plotestante cio século XYI.

O Papa, ern serr pequeno Estaclo da Cidatle do Vaticano (tlecerto nlodo iileal e teririco), dispõe de um prestÍgio que jamais llreconferira â posse clos territórios ltontifictris.

IXntretanto, ao qlle me palece, é a questâ.o tla arrtinomiaprofunda ou do acôrdo possíyel entre as fórrnulas clo liberalisnrooctogésirno nono e as da concepção clistã. da lilterdade que, noDlàlio doutrinal, pelnranece senl ter sido claramente elucidatla parao grande público. It âinila essa questão que entretém, nos tempos

nrirr,nxõus ntNrrrs 717

rrtuais, confu-cões talvez, as mais perigosas' sob cujo clisfarr:e o

rrraterialismo soviético procula suscitar colrtra o rnundo dtr velha

r.ir-ilização ocidentâl, cótno lma espécie de contra-Igreja, târltos

1nr"o, qiru o quadro exclusivailrente romano cla Igreia no seu comêeo

iirantii'àra à margem tla cristantlade'

Níro é irrpossÍr.r,l, no dizer tle alguns, que a Igre.ia, pal'ft pro-

i(,gcrr suas posições contla os gl'aves perigos que a alnetlçaYâlll'

t.irtra siOo levtrtla às vêzes a cortrp'omissos tle circunstância, pt'lo

irrterês-qe de Yantagens irnediatas'

Sertr mestlo remontar its irnllnttlências clo ciero no fim rlo século

X\rIII, quailrlo, paI'a -salt'al' seus pri\.ikigios lrarticulilres' collulro-

rrr.tiar, ia ,r,o,ro.q,ria tão ,r'ofttlitlatnente cristã' pelISo aqrli nos

iliill-ertendirlos nascidos par& a lgrc.ia de l'r'aDça do âcôrd0 eleito-

r.irlcomo}j]ocoNaciolralrle1919.l,ellso,rlre]horaintla,Iioset]ui\:ocos do acôl'do conclttitlo coln a "Boa Àlenranha democrática" da

.Iirlpúblicade\\reitrrar,semcuiilai]ollastantellreeisotlasposi(õesrlori.trinais, equÍYocos que Yimos reiuarecer Ilil uoYa Àlemanha tle-

lnocríttica de Atlenauer.Penso sol,rretudo nos eqllívocos que, sob a ca!à ile progressis-

lrr0, procul.âliun urx acôr.rto otl utna conciliação corn ils teses tlou-

1r'itralnlente coirtlenár-eis tlo comunismo'

Page 74: A Igreja e o Estado

BIBI-,IOGITAFIA SI]1\[ÁIIIA

II. :\nqurlr.rünn: Sairl Gt'é7ob'e l'1l, Vrin, óditcur.

r\. Dl,rifrDoun: Rapytorts entre l'Dglisc et l'lltat cn Trunce, de 1i89 à

ltl?0.

- L'Ilfllise cath,oliq,ue et l'Dtat sou,s ltr,'i'roisiàtne Républirlue,;\lctn. í.ditcur.

I)xcvcr,rquos PoN'urtcar,Es: Editions dc la Bonnc I'rossc.

A. X'lrcnn rr Y. Nlenrrx: IIistoire de I'I)gl.ise, Ii]oull ct Gay, ótlitcur.

I'tnnnr rr r,a Gttncn: Ilistoire relí1tieu,se de la llóuolu,tion tr.runçaíse,Plon, óditeur.

Josrlrr Lucr-nn : L'Dglise et la fiouaerainetó ie Z'.ÉJÍaÍ, I'lamnrlriort,írtliteur.

Á. Lucrrernr,: : In,nctcent 111, Ilachtrtto, óditcur.

J. Rrvn)nr: L'Eulise et I'Et<tt au tenps rle Pltilíppe-le-Bcl, Oliampion,órliteu r'.

DrNtrr--Ilols: Ilistoire de I'Dglise tlu Cltrist, Fir),xrd, óditcur.

L. S'ruRzo:. L'Dltlise et I'Etal,.

Jur,ns Znr.r-tn ; Ilistoire tle l'Allem,a11ne, Pcllin, írditcur.

- Diclionn,aire de I'hóolooie Catholiqu,e, Lr>to,.rzt,y et An[', órlitr-'ur.

Page 75: A Igreja e o Estado

ÍNDICE

Preâmbulo

Calrítulo lrrelirninnr. Na tlpocct TrrLl-cristíi. A ltr:ligião a ser-,"*Íço da «»ttntítl.atlc:

Calrítulo I - Datantino.

prc:gctçiio crangrjlíco à. conaersd,o de Cons-

O Cristo c os I'rimeiros Âpóstolos: "Ide e cnsinai a todos os1iovos", pá9. 13

- Roma contra os cristãos, pág. 15

- Llons-

tantino e o fim d:rs perseguiçõcs, prig. 10.

OapÍtulo II - O cristianisnto tor"na-se rcligião oficial tl-o Int-pório

Primeiras hcrcsias. Constantino, protetor da ortodoxit.Primeiras dificuldadcs nas rclaçõcs entre a Igreja e o podcr,phg. 12 - A Igrcja transformada em religião oficial e Iigadaa um Lnpório em decadência, pâe, 2í - O rnundo extra-rorna-no fecha-so à pregação evangélica, phg. 28.

CirpÍtrilo III -

O sonlto da agnia dc dltas cabeças. 3tNascimento do sonho dc urn novo impório universal com duascabeças, páS. 31.

- Comôço drt ruptura cntre âs cristandadesdo Oriente e do Ocidcntc, pás. ll:1.

Capítnlo IY - A lgraja procurü apoiar-se no Ocid,ente. . . .. 41

Os bispos do Oeidcnte em facc dos bárbaros, phg. 41. - Nas-cimento da X'rança, pág. 45.

- Primcir:rs dificuldadcs dzrfgreja do Ocidente corn Bizâncio, pitç. 47.

- O papado pcile

o apoio dos francos. Criaqiro do Estado Pontific:rl, pág. r18.

- O papado cria o novo impório do Ocidente. Vantagcns ePerigos. Carlos Magno protctor da lgreja, pág. 51.

13

22

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159 AIGRDJAEODSTÁDO

CzrpÍtulo Y - Do Intpério tlo Ocid,ett.tc ir, I,coct.ctcia pontÍ.fícal.Primciro desurorontntento do Inrpório do Ocidentc. Naseintcu-to da Teocracin pontifieal, pág. 55. -- A Tgrcja, apcsar dctudo, mantórn scu papcl civilizrdor eur mcio à confusão, pág.57.

- Duns grandcs iniciativts rtligiosas: A sagraçeJ rleIfugo Capeto e o advcnto do Impclador Otao, páS. bS.

-Grcgório YII teoriza a teocr.acia pontifical, prig. 61. - Cirnos-

sr., prig. 6ll.

Crrpítnlo YI - 'l'icissítutlcs (7a T(ocracio DolttíÍical 6i

O paprrdo, animador das cruzatlls, páS. 6õ. __ Ás cruztdrrs,scm rcconciliiLr as rluas Igrej:rs, cnrirlucceru o Ociderrte, tr.arrs-forrnarn a sua cstrutur:r c colrplicam a política do payrado,pág. 67. - O dcspertar da quinrcr:r imperial: !.roderico13arbr-Iloxa, píg. 60. - L)epois da morte tlc Rarba-Roxa:Novo grandc esfôrqo tla 'Ieocracia pontifical. fnoeêncio III,ytâg.77.

Capítulo YII - Qrtcda d.a I'cocrsrict.São Luis: A rnonitrquia crrpetirrna de tr'rançn à frentc da cris-tandade ocitlcntal, plig. 7íi. - Luta cntrc a 'Ieocmcia ponti-fical c :r urolrlrquiiL clrpt,tirrna: BouifÍcio VIII e X'ilipc, oBeio, prig. 77, - O papàl(lo cm Aviultão sob a protcção fral-ccsa, 1rjrg. 80. - À guerra dos Cem Ànos, cnflaquocendo an'rlnr;rr c cour ellr o paprrilo de Avinhio, l)rovocil o CirnldcCisma do Ocidente, pág. 81. - ,\ guerra dos Cern Arros, causrirditetlr da ruíla dc I-iizâncio, prig. 8i3.

CirpÍtulo YIII -1'oli {J i

()s()s.l,'ltn'r:scitttrrLto dos partiutlcü'istrlos politico-

Rnrrr,nxt'íus nrlrers

Clrrpítulo IX -

Nasci'mcnto (l,o laicísnlo polítíco. l0li

As ngitagCrcs religiosas c as oligens ila Ruoluqiio de 1789, pág.608. - Â Rcvolugão dc 89: Iluptura do Estndo francês coma fgleja, pirg. 110.

- Á 18 dc Brum:irio termina a Ru'oluqão

no equívoeo, pág. 115. - Â Coneordata de Bonlp:trtc, phg,116. - O compromisso de Rrumário pl'ovoctr bem depressa umtruptura. entrc Nai)olcão e o prpado, ptis. 11.S.

( rnlrÍtrrlo X -

ás cottÍttsõ('s ttto(lerilQs. 11Í)

A e:rrta tlc 1814 e os equívocos políticos e religiosos do liberl-lismo corrtemporâneo, p:ig. 119. - Á Rcvolução dc 1830 rejeitrros ciltólicos ul olrosir;Íio, ptig.121,

- Os ncontecil»entos pos-

teriorcs e os iloros mal-cntcndidos do iibelalismo católico, pág.124.

- Conscqüências rtligiosas intcrnlcionais da guerra do

1870, pág. l:{i. -- À loi tlo scpàraqÍo da Igreja e do llstatloilc g de dezeurbro ile 1Í)05, pirg. 13'1. - Âs conscqüências reli-giosts d:r gtrr-'rra tlo 1914, pírg. JBG.

Corrclusão - Rr:flcrões Íiilais. 143

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,\ querlrr rür I'iizâucitr corrtribuiu pâr[l l]rcparrr & ItenâsceltEit,com seus triulrfos o scrrs distúrbios rr'ligioso.-, p.írg,.S5.

- As

dificuldados d:r Iicn:rscurr;ir pltra o papado, p:ig. S6. - Cou-seqüências intt'lcctuais o polítictrs da Revolução luterana, prig,90,

- À coltra-lloforma católica: despcrtar c clcfcsa da no-ção universalista do Itornorn far:c ros particularismos protcs-trrntes, pág. 94.

- Mnis um irrfcliz despcrt:rr cla quinrerrimperitl: Carlos Quinto, 1»ig. 9l->. -. As guerras tle religiãona n'rança, prig. 98. - O Edito dc Nantes: Primeira instau-rrrqão ofieial dn toler.ância religiosr-r, p:ig. gS.

- A gucrra rlosTrinta Ànos: Terr'ír,el crise dos partieularismos alemães, píg.100.

- À X'rança católica dos Bourbons tlomina a Europa,mls sofre cln sua (.str.uturir interior, social e leligiosa, âs coll-sr:qüêneias do descquilíbrio provocado pelas guenas tle Rcli-gião, pág. 101.