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A ILHA MISTERIOSA

A ILHA MISTERIOSA - Rideel · Um fato curioso veio mudar o rumo de suas vidas: havia sido cons truí do um balão para con du zir cinco pessoas para campos de batalha lon gín quos

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A ILHAMISTERIOSA

A ILHAMISTERIOSA

2ª Edição

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PRESIDENTE E EDITOR

DIRETORA EDITORIAL

ASSISTENTE EDITORIAL

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ILUSTRAÇÕES DE CAPA

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EDIÇÃO DE ARTE

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PRODUÇÃO GRÁFICA

IMPRESSÃO

Italo AmadioKatia F. AmadioEdna Emiko NomuraMargareth FioriniSusy Braz ReijadoTiago SliachticasMônica HamadaAna Tereza Pinto de OliveiraHulda MeloDenilson dos SantosHélio RamosLeograf Gráfica e Editora Ltda.

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permissão por escrito do editor.

1 3 5 7 9 8 6 4 20 4 0 9

ISBN: 978-85-339-1168-0

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

FIORINI, MARGARETH

COLEÇÃO JULIO VERNE / JULIO VERNE ; ADAPTAÇÃO MARGARETH FIORINI. – 2. ED. – SÃO

PAULO: RIDEEL, 2009. CONTEÚDO: A ILHA MISTERIOSA – A VOLTA AO MUNDO EM OITENTA DIAS – CAPITÃO HAT-

TERAS – NORTE CONTRA O SUL – OS FILHOS DO CAPITÃO GRANT – TRÊS RUSSOS E TRÊS

INGLESES – UM CAPITÃO DE QUINZE ANOS – VIAGEM AO REDOR DA LUA – VINTE MIL LÉGUAS SUBMARINAS

1. LITERATURA INFANTO-JUVENIL 2. VERNE, JULES, 1828-1905 I. TÍTULO.

09-01444 CDD-028.5

Prefácio

Precursor da ficção-científica, Júlio Verne revela sua importância pela maneira como compreendeu o mundo em que vivia, a ponto de antever várias das descobertas científicas que se concretizariam somente no século XX, como o submarino ou a viagem à lua.

Suas aventuras entretêm adolescentes de todo o mundo há gerações, levando seus leitores à viagens espetaculares.

Seu realismo advém de sua estrutura baseada sobre seu conhecimento científico e sobre sua habilidade em construir personagens singulares.

Ler Júlio Verne é vislumbrar a perplexidade do homem do século XIX diante do mundo que se descor-tinava à sua frente, é viver a emoção das novas desco-bertas na companhia de homens intrépidos numa nova expedição rumo ao desconhecido, é, finalmente, conhe-cer todos os recônditos da Terra.

Esta coleção traz as obras deste notável autor com texto adaptado de forma a agilizar a leitura sem prejudi-car o desenvolvimento de suas narrativas.

Ao rodapé das páginas foi incluído um glossário em que também constam fatos históricos e coordenadas geográficas para facilitar a compreensão dos textos e sua localização espaço-temporal.

Além disso, um Roteiro de Leitura que, preenchido, resultará num pequeno resumo da obra.

Esperamos, desta forma, resgatar a obra deste autor, difundindo-o entre todos os brasileiros.

O EDITOR

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C yrus Smith era oficial do Estado Maior na Guerra da Seces são1. Essa guerra teve lugar nos Estados Unidos da Amé ri ca do

Norte, durante o governo de Abraham Lincoln, pela causa da liber ta ção dos escravos. Além de ofi cial, Cyrus era um enge nhei ro e homem de ciência de pri-meira gran de za. Era um homem de ideias e de ação; assim, seus atos se rea li za vam sem esforço. Tinha um caráter forte e a per sis tên cia dos que con fron tam o azar. Apesar de tudo, fora feito pri sio nei ro na bata lha de Rich mond2.

No mesmo dia, um repórter do New York Herald,Gedeon Spilett, também caíra pri sio nei ro. Spilett era o tipo do repórter cheio de ideias, sol da do, artista, herói da curio si da de e da infor ma ção, que empu nha va um lápis numa mão e uma arma na outra. Cyrus e Spi lett tor na ram-se amigos e, em pouco tempo, só tinhamum obje ti vo em mente: fugir de Richmond para se unirem ao exér ci to do General Grant!

Eles gozavam de certa liber da de, mas a cida de estava toda pro te gi da pelas tropas sulistas, de forma que os pro je tos de fuga pareciam impos sí veis. Naque-les dias, um antigo servo de Cyrus con se gui ra alcan çar

1 Guerra de Secessão:(1861-1865) con fli to armado entre os estados do Sul (Con fe de ra ção) e os do Norte (União) dos EUA, e que resul tou no fim da escra vi dão em todo o ter ri tó rio ame ri ca no.

2 Batalha de Rich mond: uma das ten ta ti vas das tro pas da União de con quis tar a capi tal con fe de ra da. Em abril de 1865, o Gene ral Grant der ru ba a cidade e a incen deia, pondo fim à guer ra civil e dando vitó ria à União.

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a cidade cer ca da, apesar da vigi lân cia. Era Nabu co do-nosor, ape li da do por Nab, um antigo escravo liber ta-do da pro prie da de do enge nhei ro, que lhe vota ra3

ami za de e dedi ca ção eternas. Com prazer, Nab sacri-fi ca ria sua pró pria vida pelo enge nhei ro, se pre ci so fosse.

Um fato curioso veio mudar o rumo de suas vidas: havia sido cons truí do um balão para con du zir cinco pessoas para campos de batalha lon gín quos. Con tu-do, no dia do embarque houve um furacão, que tor-nou impos sí vel a par ti da. E o balão ficou na gran de praça de Richmond, à espera de melhor tempo. Mas este só pio ra va... Foi quando um mari nhei ro cha ma do Pencroff propôs a Cyrus que se uti li zas sem do balão para a fuga.

— Mas não estou só — disse o enge nhei ro. — Tenho Spilett e Nab comi go.

— Ótimo — disse Pencroff. — Meu amigo Har bert Brow e eu somos dois; com vocês três, tota li za mos cinco... O balão foi feito para seis.

A noite veio. Estava escuro e um denso nevoeiro os impedia de enxergar um palmo à frente do nariz. As ruas estavam desertas, pois, com semelhante tempo, ninguém julgava ser necessário vigiar a praça ou o balão. Tudo favorecia a fuga dos prisioneiros, mas uma horrível viagem os esperava, naquelas condições.

Os cinco encon tra ram-se na bar qui nha do balão, em silêncio. No momento de dar ordem para subir, Cyrus viu, sur pre so, seu cão Top pular no balão. Quis mandá-lo descer, mas Pencroff dis sua diu-o4, dizen do

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3 Vo tar: dedi car; con ce der.

4 Dis sua dir: desa con se lhar; des per sua dir.

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que ainda cabia mais um. Assim fugiram de Rich-mond e, só cinco dias depois, o denso nevoeiro dis-sipou-se e eles puderam ver o mar imenso por baixo do balão. Não tinham pontos de refe rên cia, visto que, devido ao furacão, que des truí ra grandes áreas na Amé ri ca, Ásia e Europa, em nove dias do mês de março de 1865, o balão se des lo ca ra muito pelos ven-tos hor rí veis. O balão, na ver da de, parecia um jogue-te5 no meio da tem pes ta de, e eles ficaram o tempo todo sem saber quando era dia ou quando era noite. Agora, que podiam avistar o mar, nem ima gi na vam onde esta vam...

O balão começou a perder altura. Deses pe ra dos, os fugi ti vos come ça ram a jogar fora tudo o que fosse peso, inclu si ve coisas úteis e ali men tos. Mas o gás escoava rapi da men te, o que lhes cau sa va ver da dei ro pânico, ao ver o mar lá embaixo com ondas imen sas e vio len tas. Nenhuma ilha ou con ti nen te. Só o mar — eterno, lím pi do6, azul e infi ni to.

Con for me jogavam peso do balão ao mar, ele subia um pouco, mas logo vol ta va a cair, já que seu pro ble ma era o gás que fugia irre me dia vel men te.

Quando os fugitivos já tinham feito tudo o que era possível para evitar a tragédia e esperavam pela ajuda divina, Top latiu: parecia ver alguma coisa. Era um pedaço de terra! Abençoada terra, ilha ou continente, não importava. Habitada ou não; hospi-taleira ou selvagem. Agora todos se concentravam no desejo de atingir aquele ponto longínquo7 que estava a uma boa hora de viagem. O balão aguen-taria tanto? Pouco depois, o balão corria raso8 junto

A Ilha Misteriosa

5 Jogue te: coisa que é movida sem opor resis tên cia.

6 Lím pi do: níti do; trans pa rente; sere no.

7 Lon gín quo: dis tan te; afas ta do.

8 Corria raso: per cor-ria quase tocan do.

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ao mar. Algumas ondas já os atingiam, quando esta-vam bem próximos à terra. Os passageiros tinham meio corpo imerso na água e eram empurrados por ondas furiosas, quando um golpe de mar impulsio-nou o balão, que subiu inesperadamente e os arre-messou à praia. Spillet, Pencroff, Harbert e Nab, além de Top, conseguiram salvar-se. Cyrus, o líder natural do grupo, não chegou à praia e, quando o cão se apercebeu, voltou ao mar, em busca do dono. Os demais fugitivos fizeram o mesmo, esque-cendo o próprio cansaço.

Foram horas de busca e de deses pe ro, mas nada encon tra ram. Nem o corpo de Cyrus nem suas rou-pas. Porém, Nab não desistiu e con ti nuou a nadar contra a cor ren te, em maré alta. Os outros três regres-saram à praia, exaustos, e, dei ta dos na areia, fica ram con tem plan do a terra em que viveriam por lon gos anos. Harbert e Pencroff encon tra ram mariscos junto aos rochedos e os comeram avi da men te. Esta vam esfo mea dos e os moluscos enga na ram a fome, mas não a sede. Con ti nua ram mata adentro e encon tra ram um rio zi nho, cuja nas cen te era fresca e potá vel.

Estavam alegres, descobrindo novas formas de sobreviver, quando se puseram a procurar abrigo. Encontraram uns rochedos, em forma de grutas, aos quais deram o nome de “chaminés”, e começa-ram a transportar lenha, pelo rio, em uma janga da improvisada.

O jor na lis ta havia saído em busca de Nab e Cyrus. Harbert con fi den cia va a Pencroff que espe ra va rever Cyrus e que ele não era um homem comum para dei-

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xar-se morrer naquelas cir cuns tân cias. O mari nhei ro não tinha a mesma espe ran ça, mas ficou calado para não entris te cer o rapaz.

Além de habi ta ção e água, nossos amigos encon-traram ovos de pombas e os levaram às cha mi nés, jun ta men te com a lenha, que seria o com bus tí vel da nova vida. Na cha mi né, Pencroff quis acender uma larei ra, já que estava esfriando com o chegar da noite, mas não encontrou fós fo ros! E, assim, desistiu de fazer ovos cozidos para o jantar e saiu com Har bert para pegar mariscos nos roche dos.

Encon tra ram Nab e Spilett, que vol ta vam exaus tos das buscas inúteis. Nab tinha os olhos ver me lhos de chorar. Harbert deu a eles um punhado de maris cos, que eles comeram alu ci na da men te. Ficaram caídos na areia, recom pon do a energia e os ânimos. Quan do pare ciam des can sa dos, Harbert con vi dou-os a segui-rem à cha mi né. E, assim, foram dormir a pri mei ra noite de suas novas vidas.

No caminho, Harbert per gun tou a Nab e a Spi lett se não teriam con si go um fós fo ro. Por sorte, Spi lett encontrou um palito no bolso. Era o único! Har bert nem teve coragem de acendê-lo, temendo que brá-lo. Com emoção, Pencroff usou-o, acendendo uma fogueira, que logo aqueceu o ambiente. Nas cin zas quentes, colocou uma dúzia de ovos para arma ze nar ali men tos para o grupo.

Ao jantar, todos deram graças a Deus por esta rem salvos e lamen ta ram a ausência de Cyrus. Ora ram, pro fun da men te, para reen con trar o líder, vivo.

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Nab con ti nua va na areia, vagando como uma alma penada, não obs tan te o frio.

No dia seguinte, os náufragos do ar fizeram o inventário9 do que possuíam: além das roupas do corpo, Spilett conservara o relógio, por esquecimento.Não tinham um utensílio, nem uma arma ou canivete. Lamentavam a perda de Cyrus: ele vivo os tiraria daque-la enrascada! Do nada tiraria tudo o que precisassem...

Era neces sá rio explorar as regiões vizinhas, mas o jor na lis ta achou melhor adiarem a excursão, visto que pre ci sa vam recu pe rar as forças. Nab aderiu com fer-vor10 à ideia, pois não queria aban do nar a costa até encontrar algum sinal de Cyrus.

De certa forma, tinham um abrigo; o fogo estava sendo conservado pela lenha sempre acesa; mariscos e ovos havia em abundância. Portanto, o pior passara...

No dia seguinte, logo ao ama nhe cer, Nab vol tou a nadar no local onde o enge nhei ro desa pa re ce ra. Harbert e Pencroff saíram para mais uma caçada e o jor na lis ta ficou na cha mi né, à espera de Nab, con ser-vando o fogo da larei ra.

Depois de muitas tentativas inúteis, os caçadores conseguiram uma boa dezena de pássaros curucus11.O rapaz lamentava não ter Top por perto para ajudá-los. Desde que se pôs a procurar seu dono, Top não tinha mais voltado. Talvez estivesse morto também.

Harbert e Pencroff vol ta ram ao anoi te cer para as cha mi nés e encon tra ram o jor na lis ta sen ta do na areia, fitando o mar. Ele olhava uma nuvem negra, que indi-cava um ter rí vel ven da val para a noite. Os caça do res

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9 Inven tá rio: rela ção de bens.

10 Com fer vor: com dedi ca ção; com zelo.

11 Curucu: ave tre pa do ra da Amé ri ca do Sul.

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con ver sa vam com ele sobre Cyrus, quando o mari-nheiro disse que acre di ta va na morte do enge nhei ro e que, talvez, uma cor ren te forte tivesse arre mes sa do seu corpo para local dis tan te. Spilett não con cor dou com ele nessas pala vras:

— Acho que o desa pa re ci men to duplo de Cyrus e Top tem um quê inex pli cá vel, com preen de? Res pei-to sua opinião, mas ainda não estou certo...

Pencroff pre pa rou dois tetra zes12 assados num espeto. O gosto era exce len te, pois até tem pe ros ele con se gui ra encontrar na flo res ta!

A ventania era terrível, enquanto os três devoravam o jantar. Estavam preocupados com Nab, que até ali não tinha regressado. Pensaram em ir procurá-lo, mas seria perigoso, já que o nevoeiro os faria perder a dire-ção do abrigo. Com o cair da noite, a tempestade aumentara. Harbert conseguira dormir logo, assim como Pencroff, pois, como marinheiro, estava habitua-do a conviver com violências naturais; só Spilett vira-va-se em sua cama de areia, insone. Estava preocupa-do com a tormenta, com Nab, com a chaminé, que poderia desabar a qualquer momento, soterrando-os. Um barulho chamou sua atenção: acordou Pencroff para que ele ouvisse.

— É o vento — disse o mari nhei ro, vol tan do a dor mir.

— Não, não é o vento — disse Spilett. — É lati do de cão, mesmo...

— Top! — gritou Harbert, que acor da ra naque le momento com o baru lho.

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12 Tetraz: gênero de aves gali ná ceas.

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Os três correram para a porta da cha mi né. O vento forte empur ra va-os para dentro. Para con se gui-rem se manter em pé, eles se segu ra vam nas rochas. No nevoeiro, nada viam: mar, terra, céu — tudo se con fun dia com as tre vas.

Pencroff, sabia men te, entrou na cha mi né e vol tou com uma lenha acesa, como uma tocha. Asso bia ram e cha ma ram o cão zi nho, que entrou pelo corre dor. Harbert brin ca va com Top e admi ra va como ele não estava sujo nem can sa do. Parecia incrível ele ter con-se gui do encontrá-los no meio da tem pes ta de!

— Se Top apareceu, Cyrus também apare ce rá — falou Har bert.

Top, porém, estava agi ta do. Parecia querer con-duzi-los até o enge nhei ro. Os três resol ve ram segui-lo, con fian do em seu ins tin to sábio. Cami nha ram algu-mas horas, em meio às chuvas, e, quando ama nhe cia, Top seguiu o rumo das dunas. Lá, numa espécie de gruta, viram Nab ajoe lha do perto de um corpo iner te. Era Cyrus.

— Vivo?! — per gun tou Pencroff a Nab, que não res pon deu.

Os três come ça ram a tentar salvar Cyrus, com mas sa gens e água. Foi assim que o enge nhei ro deu um sus pi ro e pareceu querer bal bu ciar13 algu ma coisa. O corpo de Cyrus não apre sen ta va um só arra-nhão e as mãos estavam intactas. Era inex pli cá vel!

Nab contou que vira pegadas humanas na areia e as seguira nas dunas, quando viu Top, que o levou para junto do seu amo. Por tan to, Nab já o encon tra ra

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13 Bal bu ciar: arti cu lar imper fei ta men te e com hesi ta ção.

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ali dei ta do e pen sa va que esti ves se morto... Dera ordens a Top para encontrar os outros, con fian do no ins tin to poderoso do cão.

O grupo impro vi sou uma padio la14 e, a cami nho das cha mi nés, Cyrus con ver sou com Spilett. Semi-cons cien te, o enge nhei ro per gun ta va se esta vam numa ilha ou num con ti nen te. Quando melho rou, Spilett quis saber como se sal va ra, mas ele não se lem bra va de nada e logo ador me ceu, debi li ta do.

Como as chaminés ficavam longe e o grupo não podia correr com a padiola, chegaram ao anoitecer. Pencroff, então, ficou desolado com o que o mar fizera nas rochas: tudo estava revolvido e o fogo, apagado!

No dia seguinte, já recu pe ra do, Cyrus riu muito sobre a his tó ria do fós fo ro único e tran qui li zou Pen-croff, dizendo-lhe que obteriam fogo, nova men te. O enge nhei ro estava preo cu pa do em des co brir se esta-vam em uma ilha ou em um con ti nen te e propôs que todos subissem na mon ta nha mais ele va da para des-co bri rem. Aquilo deci di ria o rumo de suas vidas.

Harbert, Nab e Pen croff haviam saído para caçar. Desta vez, porém, com Top à frente, tudo era mais fácil. Aliás, foi ele que acabou caçando um cabié, que, assado, mais parecia um lei tão zi nho!

Quando os caça do res regres sa ram à cha mi né, sur-preen de ram-se vendo fumaça. Pencroff não acre di ta-va que veria fogo nova men te!

Cyrus, então, explicou que, usando os vidros dos relógios (dele e do jornalista), uniu-os com água e greda15, conseguindo que os raios sola res

A Ilha Misteriosa

14 Padio la: maca.15 Greda: varie da de de

argi la.

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provocassem combustão em musgos secos... À noite, comeram o cabié assado, cuja carne era exce-lente, sargaços16 e pinhões. A chaminé estava muito aquecida e gostosa, já que Spilett e Cyrus durante o dia repararam os estragos da chuva.

No dia seguinte, logo cedo, o grupo saiu para subir a mon ta nha. Levavam pro vi sões de cabié para garantir a refeição do dia e con ta vam caçar algu ma coisa no caminho. A subida foi difícil, mas a caça, pro vei to sa. Armaram acam pa men to numa cla rei ra e dor mi ram ali. No dia seguinte, con ti nua ram a esca la-da. No alto, Cyrus exclamou tratar-se de uma ilha, não exis tin do arqui pé la gos ou con ti nen tes pró xi mos. Era uma ilha desa bi ta da do Pací fi co.

A partir daí, eles come ça ram a pro je tar uma nova vida, já que não teriam meios de sair de lá. Cyrus sen-tia-se capaz de arrancar daquela natureza sel va gem tudo o que fosse neces sá rio à sobre vi vên cia dele e de seus com pa nhei ros. E isto todos sentiam: estan do com Cyrus, nada temiam.

A região era vul câ ni ca, afirmou o enge nhei ro. A fauna17 e a flora18 eram ricas, mos tran do bem a exu-be rân cia19 do lugar.

— Eis aqui, amigos — disse Cyrus —, o can ti nho de terra que nos legou a divina pro vi dên cia. Esta mos gratos e a aben çoa mos! Vamos viver aqui por muito tempo, já que um navio não se apro xi ma de ilhas pequenas como esta.

Quando todos reno va ram fé e con fian ça em Cyrus, Pencroff disse:

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16 Sar ga ços: algas de grandes dimen sões.

17 Fauna: con jun to dos animais pró-prios de uma região.

18 Flora: con jun to dos vegetais próprios de uma região.

19 Exu be rân cia: fer ti li da de.

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— Haveremos de transformar esta ilha numa peque-na América. Construiremos cidades, linhas férreas, telé-grafos e um dia vamos oferecê-la à União: será mais uma estrela na bandeira norte-americana! A partir de agora, não somos mais náufragos, mas colonos...

E, animados, como colonos começaram a dar nomes a todos os portos, baías, rios e praias. Batizaram a ilha com o nome de Lincoln, no dia 30 de março de 1865, jamais lhes ocorrendo que o grande presidente norte-americano seria assassinado dali a quinze dias.

Seguindo Top, Nab e Harbert con se gui ram caçar um faisão. O cão, esper ta men te, caçou uns roe do res, dos quais pra ti ca men te engoliu um, voraz men te20.Quando Pencroff lamentou não ter armas de fogo, Cyrus acon se lhou-o a fazer arcos e flechas, com a lâmina que retirou da coleira de Top.

— E nada de des dém21, Pencroff. A huma ni da de ensan guen tou todas as épocas com arcos e flechas. A pól vo ra nasceu ontem...

À noite, após o jantar, o enge nhei ro tirou umas amostras do bolso.

— Vejam o que encontrei: minério de ferro, piri-te22, argila e carvão. Este é o tra ba lho da nature za. Amanhã, falaremos sobre o nosso.

No dia seguinte, Cyrus lide ra va os colonos a come ça rem um grande tra ba lho. O ferro e o aço esta-vam no estado de minério; a olaria, no estado da argi-la; as roupas em estado de matérias têxteis, vege tais; na ver da de, os colonos estavam ini cian do um tra ba-lho de recons tru ção do mundo e Cyrus estava feliz

A Ilha Misteriosa

20 Voraz men te: com avidez; con su mir vio len ta men te.

21 Des dém: despre zo; orgu lho.

22 Piri te: ou piri ta. Sul fe to de ferro que se emprega na fabri ca ção do ácido sul fú ri co.

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em contar com a melhor equipe de homens que poderia reunir: fortes, inte li gen tes e hábeis.

O prin cí pio de tudo era a cons tru ção de um forno, que pudesse trans for mar as subs tân cias natu rais. Fabri ca riam louças, uten sí lios e tijolos. Para cons truir o forno, pre ci sa vam de argila. No lago, Cyrus a tinha encon tra do na vés pe ra, e em abun dân cia. A argi la embe bi da com água e amas sa da pelas mãos era divi-dida em pris mas23 de igual tamanho. Em dois dias de tra ba lho, os colonos já tinham três mil tijo los.

A equipe dedi ca va-se febril men te ao tra ba lho, sem se des cui dar das caças e das pro vi sões. Com o forno, fizeram todo o uten sí lio de que pre ci sa vam, embora as formas fossem bas tan te pri mi ti vas.

Cyrus, um dia, construiu um aparelho rudimentar24

que parecia um sextante25 e um grupo partiu para fazer as medições de latitude26 e longitude27. Planejavam construir uma embarcação se estivessem próximos a alguma ilha ou continente. Porém, calculada a posição, Cyrus verificou que não seria sensato arriscar as vidas de seus homens, já que estavam a muitas milhas de ou-tras terras. E, por maior esforço de memória que fizesse, não conseguia lembrar-se de nenhuma ilha do Pacífico cuja localização fosse a de Lincoln.

O próximo trabalho dos colonos foi de caráter metalúrgico. Deveriam transformar minérios de ferro em aço, utilizando peles de focas como máqui-nas de sopro. Encontradas as jazidas, o minério era riquíssimo. Com o primeiro pedaço de ferro, Cyrus obteve um martelo, que os auxiliou nas tarefas seguintes. O engenheiro aqueceu o minério com

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23 Pris ma: poliedro em que duas faces são polí go nos para le los e côngruos, e as outras são para le lo-gra mos.

24 Rudi men tar: pouco desen vol vi do.

25 Sex tan te: ins tru-mento ótico consti-tuído de dois espe-lhos e uma lune ta astro nô mi ca pre sos a um setor cir cu lar de 60° (1/6 do cír cu lo), des ti na do a medir a altura de um astro acima do hori zon te.

26 Lati tu de: dis tân cia da linha do Equa dor a qualquer ponto da Terra, quer no Hemis fé rio Norte, quer no Hemis fé rio Sul.

27 Lon gi tu de: ângu lo com preen di do entre o meri dia no de um lugar e outro, toma-do con ven cio nal-mente para o ponto de con ta gem (geral-mente adota-se o de Greenwich como pri mei ro meri dia no).

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carvão em pó, transformando-o em aço de segun da qualidade, mas muito importante para a realização de um sem-número de objetos necessários, como machados, plainas, serras, pregos etc.

No início de maio, o grupo resolveu explo rar parte da ilha, visan do mudar-se das cha mi nés, já que o inverno se apro xi ma va e a habi ta ção não ofere cia segu ran ça, pró xi ma à costa.

No per cur so, Top, que ia à frente, ladrava junto ao lago, enfure ci do, e não obe de ceu ao cha ma do do dono, ati ran do-se à água. Todos correram e viram que o cão enfren ta va em luta desigual um dugon go28

enor me. Nab chegou a querer pular no lago para sal-var Top, mas foi impe di do por Cyrus.

Quando todos espe ra vam pelo pior, acon te ceu algo incrível: Top foi lan ça do ao ar por uma força poderosa, mas invi sí vel. Assim, voltou nadando à mar gem e todos puderam acom pa nhar que, abai xo da água, a luta con ti nua va. Talvez um animal mais forte enfren tas se o dugongo. As águas tin gi ram-se de sangue e o corpo do animal morto boiou numa praia-zinha ao sul do lago. Os colonos correram para lá e puderam ver uma ferida no pes co ço dele feita por algum ins tru men to cor tan te.

No dia seguinte, Spilett e Cyrus vol ta ram ao local onde o dugongo fora morto. O inci den te da vés pe ra não lhes saía da cabeça, pois viam naquilo um pro-fundo mis té rio. Não encon tran do res pos tas, o enge-nhei ro pôs-se a inves ti gar sobre o escoa dou ro das águas do lago, pois pla ne ja va baixar o nível da água: uma queda viria a ser muito útil a todos.

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28 Dugon go: mamí fe ro marinho que habita o oceano Pacífico; tipo de peixe-boi.

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Depois de pro du zir gli ce ri na29, através de soda natu ral30, juntou xistos piri to sos31, aque cen do tudo, e obteve sul fa to de ferro, sul fa to de alu mí nio e car vão. Com tudo isso, obje ti va va pro du zir nitro gli ce ri na32, econ se guiu. Essa subs tân cia alta men te explo si va faria voar pelos ares os pene dos33.

Assim, no dia seguinte, os colonos trans for ma-ram-se em mineiros impro vi sa dos e con se gui ram explodir o dique de gra ni to em grande extensão. Por essa fenda, as águas corriam pla nal to abaixo e caíam na praia como cas ca ta.

Pencroff parecia ver um deus em Cyrus e insis tia para que ele pro du zis se armas de fogo, como se fosse pos sí vel! Aliás, Pencroff parecia ter ris ca do a pala vra “impos sí vel” de seu dicio ná rio, na ilha Lin coln.

Ao lado do lago, no pla nal to, os colonos encon-traram uma caverna habi tá vel, mais segura que as cha mi nés. Ela era vasta e nela estava o escoa dou ro que tanto Cyrus pro cu ra ra: havia uma boca de poço, e Top latiu muito ao se apro xi mar dela. Deno mi na-ram a caverna como o “Palácio de Gra ni to” e se mudaram para lá no dia seguinte. As cha mi nés foram trans for ma das em ofi ci nas de obras pesadas. Como o Palácio ficasse num nível superior, Cyrus pro je tou uma escada de corda para acesso do grupo e, quan do esti ves sem dentro do Palácio, a sus pen de riam para evitar entrada de animais ou pira tas.

Harbert não negligenciara34 na caça e continuava encontrando maravilhas, em termos animais e vegetais. Chegara a encontrar plantas medicinais excelentes, assim como chás com propriedades terapêuticas35.

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29 Gli ce ri na: subs tân-cia orgâ ni ca que se une aos ácidos gra-xos para a for ma ção das gor du ras; gli ce rol.

30 Soda natu ral: soda cáus ti ca.

31 Xistos piri to sos:pequenos frag men-tos de rocha con-tendo pirita ou “ouro dos trou xas”.

32 Nitro gli ce ri na: líqui-do oleoso, alta men-te explo si vo, que se obtém pela com bi na ção de gli ce ri na com os ácidos nítrico e sul fú ri co, comu men-te empre ga do na fabri ca ção de dina mi te.

33 Pene do: gran de pedra; roche do.

34 Negli gen ciar: des lei xar; des cui dar.

35 Tera pêu ti cas: medi ci nais; cura ti vas.

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Mobiliaram a casa com objetos necessários, embo-ra rudimentares, como camas, cadeiras, chaminé na cozinha; vedaram com cimento a boca do poço, que dava para o lago, e abasteceram o Palácio de Granito com água potável, vinda do lago. Construíram janelas e portas de madeira.

Quando o inverno chegou, com fortes tempes-tades e vendavais, os colonos agradeceram a Deus pelo trabalho realizado. Fizeram boas provisões de caça e com gordura de focas produziram velas de estearina36. Cyrus planejou caçar carneiros, quan do o tempo estivesse bom, a fim de tecer agasalhos de lã para sua equipe.

Nada lhes fal ta va: tinham abrigo seguro, boa ali-men ta ção e, um dia, Harbert encontrou um grão de trigo em seu bolso. Deveria estar esque ci do lá desde os tempos de Richmond, quando ele dava comida aos pom bos.

Cyrus emo cio nou-se com o fato de poderem vir a fabricar pão através daquele pequeno grão. A par tir daquele dia, Pencroff pro te gia sua “seara”37 de trigo, dia e noite. Num dia muito frio, mas seco, o grupo saiu em nova expe di ção pela ilha. O aspecto do local lem bra va as regiões polares inva di das pelo gelo. Pararam para almoçar carnes frias, acen den do uma fogueira. Ali obser va ram que a terra era estéril e levan ta ram hipó te ses a res pei to da ilha, con cluin do que talvez ela fizesse parte de um con ti nen te sub mer-so do Pací fi co. Cyrus acre di ta va, também, que o Pací-fico se trans for ma ria no futuro num con ti nen te habi-tado e civi li za do por novas gera ções.

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36 Estea ri na: pro du to extraído da gli ce ri-na, com o qual se fazem as velas.

37 Seara: campo de cereais; campo cul ti va do.

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— Mas para que novos con ti nen tes? — per gun tou Har bert.

— Che ga rá o tempo em que a vida humana e vegetal não será mais pos sí vel devido ao intenso res-fria men to da Terra. Assim foi com a Lua, que esfrioue que já não é habi tá vel, apesar de o Sol con ti nuar a mandar o mesmo calor à super fí cie. Foi o fogo inter-no que se apagou, e este é um segredo que só per-tence a Deus — falou Cyrus.

Após o almoço, a expedição prosseguiu. Caça-ram alguns patos e pensaram que poderiam domes-ticar algumas aves, junto ao Palácio de Granito, para que se reproduzissem e ficassem mais próximas dos colonos.

O frio intenso durou até 15 de agosto. Nesse meio tempo, Pencroff e Spilett colo ca ram muitas arma di-lhas no pla nal to, obtendo boas presas, como coe lhos e porcos sel va gens. Durante o tempo em que eram obri ga dos a per ma ne cer dentro do Palácio de Gra ni-to, os cinco homens dedi ca vam-se à ati vi da de de mar ce nei ros, com ple men tan do a mobí lia.

No fim do mês, a neve parou e o tempo come çou a melhorar, ainda que um pouco frio. Assim, os colo-nos come ça ram a voltar a outras ati vi da des, não negli gen cian do as pro vi sões.

Top ficava impaciente quando fechado no abri-go. Cyrus notava que ele latia de modo singular toda vez que se aproximava do poço, por onde as águas do lago iam ao mar. Chegava a querer abri-lo com as patas!

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O início da pri ma ve ra foi muito come mo ra do e os colo nos reto ma ram as ati vi da des. Outro fato estra nho ocorreu na noite de 24 de outubro, quando jan ta vam uma exce len te carne de porco assada. Pencroff xin-gou, quando sentiu um dente que brar-se.

— Os porcos têm pedras? — per gun tou Spi lett, diante do baru lho.

Quando o mari nhei ro tirou o objeto da boca, todos tomaram um susto: era um grão de chum bo!!! Eles estavam há sete meses na Ilha e nunca encon tra-ram sinal humano, mas o chumbo encon tra do num lei tão zi nho de três meses pro va va o con trá rio...

À noite, Cyrus con fi den ciou a Spilett que ten ta va rela cio nar aquele inci den te ao seu sal va men to:

— Nunca haveremos de encontrar expli ca ção para isso...

Cyrus con cor dou com Pencroff quando este pro-pôs cons truí rem um barco, espécie de piro ga38 de casca de árvore. Enquanto o mari nhei ro construía a embar ca ção, Harbert e Spilett par ti ram para a caça.

Em 28 de outubro, voltou a ocorrer um fato estra-nho: Harbert e Nab encon tra ram uma tar ta ru ga enor-me, pesando umas qua tro cen tas libras39. Vira ram-na de bar ri ga para cima para a bus ca rem depois, com mais ajuda. Quando retor na ram com Spilett e Cyrus, a tar ta ru ga havia sumi do...

Cyrus tentou encontrar lógica: talvez a maré tives-se subido e, na água, a tar ta ru ga teria feito o que seria impos sí vel na areia: virar-se sozinha. Mas, no fundo, não se con ven ceu de sua própria expli ca ção.

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38 Piro ga: nome comum àsembar ca ções com pri das, estrei tas e velozes usa das pelos indí ge nas da África e Amé ri ca, algumas das quais são feitas de um só tron co cava do.

39 Libra: medida de massa, igual a 0,4535923 kg, uti li za da no sis te ma inglês de pesos e medi das.

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Em 29 de outubro, a piroga estava pronta. Todos embarcaram e navegaram meia milha40, quan do Harbert avistou alguma coisa na praia. Voltaram imediatamente e encontraram duas barricas e um grande caixote.

Emo cio na do, Cyrus abriu-os, espe ran do encon trar expli ca ção para o grão de chumbo. Encon tra ram navalhas, machados, mar te los, brocas, serras, agu lhas, espin gar das, facas, pól vo ra, talheres, panela; ins tru-mentos como ter mô me tro, barô me tro41, sex tan te, bús so la; máquina de foto gra fias; binó cu lo e até livros, como a Bíblia, atlas, dicio ná rios e cader nos.

— O náu fra go era um homem pre ve ni do — sor-riu Spi lett.

Os colo nos agra de ce ram aos céus aque le acha do. Ao dormir, Harbert pediu a Cyrus que lesse qual quer coisa da Bíblia, quando Pencroff disse que a abris se ao acaso. Sor rin do, Cyrus atendeu o pedido do mari-nheiro e logo uma cruz feita de lápis ver me lho, no ver sí cu lo 8, capí tu lo XII, São Mateus, chamou sua aten ção:

— Aquele que pedir, rece be rá; e aquele que pro-curar, acha rá.

Em 30 de outubro, o grupo saiu nave gan do pela ilha, a fim de encontrar ves tí gios dos náu fra gos, a quem per ten ce riam os cai xo tes e os barris da praia. Mas nada viram que indi cas se pre sen ça humana, ape-sar de a expe di ção ter dura do alguns dias.

— Resta-nos o con so lo de que ninguém dis pu ta rá conosco a posse da ilha — sorriu Spi lett.

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40 Milha: medi da iti ne rá ria ingle sa equi va len te a 1.609 m.

41 Barô me tro: ins tru-mento com o qual se mede a pres são atmos fé ri ca.

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Foi Top quem encontrou os restos do balão que os trou xe ra à ilha. Todos seguiram ao local, onde o cão latia, e ficaram felizes pelo achado: ali teriam teci-do para lenços, lençóis e camisas para muitos anos.

Outro acon te ci men to também ocorrera: a piro ga havia sumido do local onde os colonos a haviamamar ra do. Quando vol ta vam a pé, lamen tan do a perda do barco para a cor ren te za, encon tra ram-no preso, como se esti ves se à espera deles...

Quando che ga ram ao Palácio de Gra ni to, a esca-da não estava no lugar, de forma que eles eram impe-didos de entrar na habi ta ção. Parados e sur pre sos, ficaram con jec tu ran do sobre pos sí veis ocor rên cias.

— Parece que o caçador do grão de chumbo se apossou de nossa casa — brincou Spi lett.

O grupo resol veu entrar por uma nova corda; quando con se gui ram subir, depa ra ram-se com qua tro macacos, que fugiram assus ta dos ao vê-los. Ape nas um restou, e parecia tão ino fen si vo que o grupo resol veu adotá-lo, aten den do aos apelos de Har bert, que acre di ta va na inte li gên cia quase humana do ani-mal. Bati za ram-no de Jup.

E real men te Jup começou a aprender coisas e a ajudar Nab na cozinha. Cyrus começou a cons tru ção de uma ponte sobre o rio Merci e os demais empe-nharam-se na cons tru ção do gali nhei ro e do cur ral. Cyrus pre ten dia isolar o Palácio, trans for man do-o em uma ilha, dentro do próprio ilhéu42, unindo-o ao “con ti nen te” com pon tes móveis que, a exemplo da escada de corda, pudessem ser alçadas e impe dis sem invasões no Palá cio.

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42 Ilhéu: con cer nen te a ilha; ilho ta.

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Usaram dina mi te para isolar o Palácio e abri ram uma vala por onde corria a água do lago. Jup os aju-dava, como um per fei to pedrei ro.

Um dia, dois ona gros43 atra ves sa ram os pon ti-lhões e se apro xi ma ram do Palácio. Cyrus teve a exce len te ideia de os domes ti car para que ser vis sem como burros e puxassem a carroça que cons truí ra.

Na pri mei ra semana de janeiro, con fec cio na ram a roupa branca de que tanto neces si ta vam. Tinham agulhas e linha do cai xo te e tecido do balão. Fize ram também sapatos de pele de foca, largos e fol ga dos.

Cyrus evitava desperdiçar chumbo e mandava que utilizassem grãos miúdos de ferro nas espingardas e, graças à habilidade dos caçadores, os resultados eram bons. O engenheiro queria estocar munição para pre-venir o futuro. Ele poderia fabricar pólvora com salitre, enxofre e carvão, mas preferia substituir o explosivo com substâncias retiradas da celulose e outros vege-tais.

Assim, os colonos resolviam os problemas das armas de fogo, defendendo-se de animais perigo-sos, com inteligência e arte.

O pla nal to, devi da men te iso la do, era cul ti va do pelos colo nos: tinham hortas, cui da vam dos ani mais que haviam domes ti ca do e que se repro du ziam, pes-cavam, obtinham ovos de tar ta ru gas e de pombas, em grandes quan ti da des, trans por ta vam lenha e car vão na carroça. Tudo ia bem com eles, inclu si ve com Jup, que já se vestia com calças curtas e aprendia com extraor di ná ria faci li da de um sem-número de lições.

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43 Ona gros – bur ros sel va gens.

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Che ga va até a servir a mesa, como cria do!

No fim de janeiro, puseram-se a construir o cur ral para os car nei ros que lhes dariam a lã para o inver no. Até bebidas já pre pa ra vam, como chá e cer ve ja, obti-da pela fer men ta ção de raízes. Muitas vezes, con ver-savam sobre os des ti nos da Guerra da Seces são... Como seria bem-vindo um jornal que os pusesse a par dos acon te ci men tos da pátria!

A 24 de março, come mo ra ram o pri mei ro ani ver-sário na ilha. De náu fra gos do ar, trans for ma ram-se em pro mis so res colonos, graças ao tino e à sabe do ria de Cyrus e à força de von ta de de todos.

No final de março, o tempo mudou e começaram as tempestades violentas. O estado de saúde de todos era excelente: a vida ao ar livre, o clima, o trabalho incessante44, tudo concorria para livrá-los das doenças.

Harbert crescia perfeito no físico e no moral. Lia os livros encontrados no caixote e aproveitava as lições de Cyrus. O engenheiro pensava satisfeito que, se morres-se, Harbert poderia substituí-lo na liderança do grupo.

Cyrus construiu um ele va dor, a pedido de Pen-croff, para subs ti tuir a escada de fibra: era um cesto que subia por uma corda, movida por um motor hidráu li co45! Jup e Top foram os pri mei ros a estrear o ele va dor.

O enge nhei ro também fabricou vidro, uti li zan do o antigo forno de tijolo e as maté rias-pri mas abun-dantes: areia, giz46, soda, ácido sul fú ri co! Logo todas as janelas do Palá cio tinham vidraças e os colo nos dis pu nham de copos, taças e frascos. Um dia, encon-

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44 Inces san te: cons tan te; con tí nuo.

45 Motor hidráu li co:aquele que uti li za a água como fonte de ener gia.

46 Giz: Cal cá rio que pode reduzir-se a frag men tos ou a pó e que, em geral, contém síli ca e argi la.

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traram a árvore-do-pão e Nab trans for mou os fru tos em bolos e pudins, mas pão mesmo, só depois da colheita do trigo.

O leite dos animais era abun dan te. Tudo cor ria prós pe ro e de nada se quei xa vam, exceto de sau da de da pátria. Na Páscoa, todos se puseram a orar, em ação de gra ças.

Com o sex tan te, Cyrus fez nova medição, por sugestão de Spi lett.

— Ora, o Sr. Cyrus não se engana — obser vou Pencroff. — Se a ilha não se mexeu desde que che-gamos, há de estar onde ele falou...

E tinha razão. Cyrus se enga na ra apenas por cinco graus... Com o atlas em mãos, o enge nhei ro encon-trou a Ilha Tabor, pró xi ma a eles umas cento e cin-quen ta milhas.

Assim, nossos amigos resol ve ram construir uma embar ca ção mais resis ten te, que os levasse à ilha Tabor, o que, segundo Pencroff, levaria qua ren ta e oito horas de via gem.

Um dia, uma baleia apareceu morta e encalhada, na praia. No arpão que encontraram, estava gravado “Maria Stella — Vineyard”. Pencroff vibrou; conhecia aquele navio e Vineyard era um porto de Nova Iorque!

Esquar te ja ram o pobre animal morto e apro vei ta-ram tudo: o leite, o tou ci nho, com o qual fize ram azeite e gli ce ri na, e com as bar ba ta nas Cyrus fabri cou doze lanças, que ser vi ram para matar raposas, lobos e jagua res.

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O mês de julho, com grande frio, chegou e a cons-trução do barco foi adiada, já que eles foram obriga-dos a permanecer dentro de casa. Aproveitaram o tempo e, com a lã dos carneiros, fizeram tecidos, sem a ajuda das máquinas têxteis, mas com fios enredados em todos os sentidos e prensados a vapor.

A 30 de julho, cap tu ra ram um albatroz, leve men te ferido por Harbert. Ten ta ram a pri mei ra cor res pon-dência: uma notícia curta, pro te gi da, para que quem a encon tras se fizesse com que che gas se ao New York Herald!

Sempre con ver sa vam à noite, e as ideias do enge-nheiro eram muito res pei ta das.

— A água é o com bus tí vel do futuro, amigos. A água com pos ta nos seus ele men tos e decom pos ta pela ele tri ci da de. A água é o carvão do futu ro.

Top con ti nua va a latir quando rodeava a aber tu ra do poço. E Jup acom pa nha va-o, nessas ocasiões, res-mun gan do.

— Silêncio — exclamou o enge nhei ro. — Que bela dupla!... Devem ficar agi ta dos quando pres sen-tem algum animal marinho se apro xi mar...

Quando o frio já partia, os colonos con cluí ram a embar ca ção e a bati za ram com o pre no me de Pen-croff: Bonad ven tu re. Naquele pri mei ro passeio, Har-bert tornou a ver algo na praia. O barco apro xi mou-se e eles puderam exa mi nar o objeto: era uma gar ra-fa, lacrada, com um bilhete dentro. Abriram e leram, pas ma dos: “Náu fra go. Ilha Tabor, 153 long. oeste 37°11” lat. sul”.

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Isto apressou-os e, no dia seguinte, às cinco da manhã, Pencroff, Spilett e Harbert partiam, com pro-visões e armas. Exa ta men te dois dias depois, como Pencroff pre vi ra, che ga ram à Ilha Tabor, que era uma ilhota muito pare ci da à Lincoln. Come ça ram a explo-rar o local, sem nada ou ninguém encon tra rem.

À tarde, Harbert, estu pe fa to47, encontrou uma casa vazia! Pencroff acendeu o fogo, ilu mi nan do a saleta. Todos puderam, então, ver uma cama des fei ta, rou pas úmidas e amare le ci das, cha lei ra, pane las cobertas de fer ru gem, um armário, uma colher e uma Bíblia cor roí da pelo tempo, duas espin gar das, um barril de pól vo ra, outro de chumbo, e muitas balas. Tudo estava coberto de pó.

O grupo dormiu na habi ta ção e pela manhã con-tinuou a explo ra ção. Em uma tábua puderam ler “BR TÂ NA” (Bri tâ nia), mas isso não ajudou em nada. Não havia o menor ves tí gio do náu fra go, que pare cia ter mor ri do.

Quando ouviram gritos de Harbert lá fora, corre-ram para ajudá-lo e se depa ra ram com um ani mal, que parecia um macaco gigante. Mas, quando o exa-mi na ram melhor, viram que era um sel va gem, um homem embru te ci do, com longo cabelo e barba.

— Nossa obri ga ção é levá-lo conosco, seja ele quem for. — disse Spilett. — Talvez pos sa mos tirá-lo do embru te ci men to. A alma não morre...

O selvagem só comia carne crua, que devorava sem qualquer noção de educação. Permaneceu surdo e mudo, enquanto o barco regressava à Ilha Lincoln. A

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47 Estu pe fa to: pas ma-do; atô ni to.

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volta não encontrou tempo bom e, a 18 de outubro, eles quase foram tragados pelo mar, quando foram sal-vos pelo instinto de marinheiro do selvagem.

Só con se gui ram loca li zar a Ilha Lincoln graças à fogueira que o enge nhei ro fizera na praia para orien-tá-los.

Quando che ga ram, Cyrus ficou feliz por terem tra-zido o sel va gem, que tentou fugir, assus ta do. O enge-nhei ro pôs-lhe a mão no ombro e o olhou com infi-nita doçura, o que o fez sos se gar, baixar a cabeça e não resistir mais.

O sel va gem teve os cabelos e a barba cor ta dos pelo enge nhei ro e já acei ta va carne cozida. Cyrus deu-lhe roupas e impôs a si mesmo passar horas em sua com pa nhia, ensi nan do-lhe algumas coisas. Aos poucos, o sel va gem, que já tinha boa apa rên cia, demons tra va prestar atenção no que os colonos fala-vam.

Um dia, Cyrus quis fazer uma expe riên cia e dei-xou o sel va gem, sozinho, na praia. Seu olhar cin ti lou, mas ele não tentou fugir. Quando o levaram à flo res-ta, ele aspirou o ar da mata, pro fun da men te, e sus pi-rou, em seguida. Foi quando uma lágrima des li zou-lhe pelo rosto.

— Ah! — rego zi jou-se Cyrus. — Eis-te outra vez um homem... Cho ras...

Mais tarde, puderam saber que o náu fra go era inglês e que estava havia doze anos vivendo só, como sel va gem. Numa con fis são pouco lógica e sequen cial, contou a todos sobre uma traição come ti da por um

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48 Degre da do: exi la do.

con tra mes tre do “Bri tâ nia” cha ma do Ayrton. Para não ser entregue à Jus ti ça, pediu para ser degreda do48 na Ilha Tabor, onde per ma ne ce ra por doze anos. Era sua própria his tó ria. Ao ter mi nar, ele per gun tou a Cyrus se era livre. E ouviu:

— Sim, você é livre.

Como um louco, ao ouvir isso, ele fugiu, nova-mente. Enquanto o aguar da vam retornar, Cyrus cons-truiu um moinho de vento e os colonos pude ram moer farinha. No dia seguinte, eles já tinham uma broa mag ní fi ca à mesa. É impos sí vel que alguém da civi li za ção com preen da o quanto há de sagrado no simples existir de um pão.

Vol ta ram a ter notícias do sel va gem dias depois,de modo sin gu lar. Harbert estava pes can do, quan do um jaguar se apro xi mou. Diante de seus gritos de socorro, o sel va gem travou luta cor po ral com a fera, usando apenas uma faca. Quando matou o animal, o sel va gem ia fugir, mas Cyrus pediu-lhe que ficas se com eles. Ao que o homem res pon deu:

— Vocês são homens hon ra dos. Eu não.

Os dias pas sa vam. O sel va gem não par ti ci pa va nem dos tra ba lhos nem das refeições e dormia na mata. Em janeiro de 1867, tudo corria com tran qui li-dade. Todos tra ba lha vam, inclu si ve Ayrton, que já cui da va do rebanho, ainda que iso la do dos demais.Foi quando Cyrus teve a ideia de construir um telé-gra fo que esta be le ces se comu ni ca ção entre o cur ral e o Palácio de Gra ni to. Come ça ram a construir fios de ferro de ótima qua li da de; depois desen vol ve ram uma

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pilha rudi men tar, que acom pa nha va o tra ba lho do con jun to por ele tri ci da de. A 6 de janeiro, colo ca ram postes com iso la do res de vidro, receptor e mani pu la-dor, com mos tra dor alfa bé ti co.

Tudo isso movi men ta do pelo poder de um ele-troí mã fazia a cor res pon dên cia entre uma estação e outra. Em 12 de feve rei ro, Cyrus lançou a cor ren te através do fio e per gun tou se estava tudo certo no curral. Ins tan tes depois, Ayrton res pon dia que sim. Assim, a comu ni ca ção ins ta lou-se, per mi tin do que acom pa nhas sem o que ocorria no curral e não dei-xando Ayrton tão iso la do.

Tudo ia bem. A colônia pros pe ra va com tra ba lho árduo e alegre. Em março, com ple ta ram o segun do ani ver sá rio de per ma nên cia na ilha. Mesmo assim, todos sonhavam com o dia de voltar à pátria. Cyrus não se esque ce ra de que, na con fis são de Ayrton, o lorde que o degre da ra à Ilha Tabor fizera a pro mes sa de vir res ga tá-lo um dia. E, com cer te za, um homem de bem mantém e cumpre sua pala vra.

Foi assim que eles resol ve ram ir até a Ilha Tabor deixar alguma ins cri ção sobre suas vidas na Ilha Lin-coln, ins cre ven do a posição geo grá fi ca de onde se encon tra vam. Porém, com o mau tempo, sen tiam-se sem rumo defi ni do e resol ve ram voltar. Quando esta-vam pró xi mos à Ilha Lincoln, mas não a viam, devi do ao denso nevoeiro, Pencroff lamentou a ausência de um farol e com ple tou:

— Dessa vez, não teremos a fogueira do Sr. Cyrus a nos orien tar...

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Cyrus assustou-se ao ouvir a his tó ria do pri mei ro retor no da Ilha Tabor, quando traziam Ayrton, semi-sel va gem, e viram uma fogueira de orien ta ção na praia da Ilha Lincoln, que os salvou de per de rem-se no nevoeiro. Até ali, todos pen sa vam que o autor fosse Cyrus, que havia per ma ne ci do na ilha. E, para espanto geral, não era.

Três dias depois, o Bonad ven tu re vol ta va à Ilha Lincoln, onde era rece bi do por Ayrton e Jup, que pulava na areia, em festa. Cyrus estava muito intri ga-do com tudo. Sempre que neces si ta dos, uma influên-cia estranha agia em favor deles: o sal va men to do próprio Cyrus; Top con se guir encontrar os ami gos nas cha mi nés, debaixo de tem pes ta de, sem nunca ter estado lá; depois a forma como o próprio Top fora salvo na luta contra o dugongo; o grão de chumbo na carne de leitão; o cai xo te e os barris da praia, sem sinais de nau frá gio; a gar ra fa com o bilhete, que não fora escrito por Ayrton; a canoa que sumira e apare-cera presa, por encanto; a tar ta ru ga que se des vi rou e fugiu; agora, a fogueira de orien ta ção! Todos esta-vam surpresos, mas nada podiam pensar a res pei to.

No inverno, Ayrton veio juntar-se aos outros, no Palácio de Gra ni to. Pas sa ram os meses de frio, como nos outros anos, em tra ba lhos no interior da pró pria casa, com reservas de ali men tos.

Quando o tempo melhorou, Harbert saiu com a máquina fotográfica e, depois de bater algumas cha-pas, resolveu revelar o filme, como Cyrus lhe havia ensinado. Na foto, algo chamou sua atenção. Levou-a até Cyrus, que a examinou atentamente, com uma lupa de aumento:

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— Um navio! — mur mu rou, espan ta do.

Fazia dois anos e meio que os náu fra gos do ar haviam sido arre mes sa dos à Ilha Lincoln e esta vam inco mu ni cá veis com o resto do mundo. Ten ta ram cor res pon dên cia por meio de ave, mas não houve res pos tas. E, agora, viam um navio e não sabiam se se dirigia à Ilha Lincoln. Eles não eram mais pobres náu fra gos; eram homens felizes e prós pe ros, que haviam con quis ta do dura men te o que possuíam e sobre vi vi do, sob con di ções tidas como impos sí veis. Cha ma ram Ayrton para vir observar com o binó cu lo e con jec tu ra vam se podiam ser os sal va do res dele, que vol ta vam para res ga tá-lo do exílio, no “Dun can”, o navio do lorde Gle nar van.

— Não — respondeu decidido Ayrton. — O “Dun-can” é um iate a vapor. Aquele não solta fumaça.

Todos aguar da vam a pro xi mi da de do navio, como vi dos. No fundo, não saberiam se era temor ou alegria e se queriam ou não ser salvos. Mesmo assim, deci di ram que fariam uma fogueira à noite na praia para comu ni car ao navio sobre suas vidas. Não pode-riam prever o futuro e não queriam se arre pen der mais tarde por não terem ten ta do sair de lá.

À noite, viram que o navio dirigia-se para a Ilha Lincoln, com muita rapidez, e não podiam ver as cores da ban dei ra. Seriam piratas? Receosos, os colo-nos desis ti ram da fogueira na praia e ficaram fecha-dos no Palá cio.

Ayrton e Pencroff apro xi ma ram-se do navio, a nado, e puderam des co brir que eram peri go sos pira-

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tas assas si nos. Ayrton fora um deles e os conhe cia bem. Foram vistos, mas con se gui ram escapar e infor-mar aos colonos sobre o perigo. Cyrus, então, divi diu a equipe armada, em três pontos estra té gi cos, e ficou aguar dan do até o ama nhe cer.

De fato, pela manhã um bote com piratas apro xi-mou-se da costa para investir sobre os nativos que haviam apare ci do pró xi mos ao navio, à noite, e que eles não con se gui ram cap tu rar. Foram rece bi dos a bala e, assim, as duplas se reve za vam e iam exter mi-nando todos os piratas que se apro xi ma vam, antes que desem bar cas sem. A van ta gem de Cyrus era que o ini mi go des co nhe cia o tamanho de seu exér ci to: seis homens e Deus!

Pelos tiros, os piratas enten de ram que não se tra-tava de nativos e resol ve ram entrar pela foz do rio. Os colonos, ainda dando com ba te, refu gia ram-se no Palácio de Gra ni to; vendo o navio apro xi mar-se, fica-ram assus ta dos, pois não queriam ser des co ber tos. No ins tan te em que a pri mei ra bala atingiu o Palácio, um acon te ci men to estranho ocorreu: uma trom ba d’águaemer giu, engo lin do o navio, numa forte explo são.

Os colonos estavam tão tensos que não sabe riam dizer se a explosão ocorrera dentro do navio ou fora. O que sabiam é que estavam salvos, nova men te, por uma força estranha. A mesma, talvez, que esti ves se agindo a favor deles desde o nau frá gio.

No dia seguinte, apesar de terem visto que seis tri pu lan tes haviam con se gui do fugir e estavam sol tos pela ilha, repre sen tan do perigo a eles, os colo nos foram exa mi nar os restos do navio. Puderam reco lher

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caixas de objetos e um sor ti men to com ple to de pro-dutos manu fa tu ra dos, inclu si ve canhões. Exa mi nan do bem o casco do navio “Speedy”, Cyrus concluiu que ele estava total men te des truí do e não poderia ser mais uti li za do: enormes rombos iam de um lado a outro.

Mais tarde, encon tra ram sinal de um tor pe do. Eis a expli ca ção: o navio fora tom ba do pela enor me tromba d’água. Mas ela fora produzida pelo tor pe do, que o explodiu... Mas quem teria colo ca do o tor pe do ali? Os colonos olharam para Cyrus, curio sos:

— Só sei que eu não fui — res pon deu o enge-nhei ro.

A partir daquele inci den te, estava mais do que claro para os colonos que deviam gra ti dão eterna a um ser mis te rio so, que, como eles, habi ta va aque la ilha.

Con tu do, não poderiam esquecer que seis assas-sinos estavam pela ilha e que pre ci sa vam encon trá-los antes que eles os encon tras sem.

Ayrton per ma ne cia no curral, cui dan do dos ani-mais e dando sinais pelo telé gra fo. Enquanto Cyrus estava arru man do a segu ran ça do Palácio, o grupo resol veu ir ver como estava o barco, depois da che-gada dos piratas. Pencroff des co briu pelo nó que alguém tinha uti li za do o Bonad ven tu re e o teria devol vi do em pés si mas con di ções. Comu ni ca ram a Cyrus, que se propôs a construir um abrigo mais seguro para o barco.

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Naquele dia, enviaram men sa gens para o curral e estra nha ram o silêncio de Ayrton. Como insis tis sem, sem res pos tas, par ti ram para lá, bem armados, exce to Nab. Quando lá che ga ram, viram que o posto do telé-grafo estava ao chão e o fio par ti do por mãos huma-nas. Assim que entraram, Top latiu e uma deto na ção seca atingiu Harbert, que caiu baleado. Como ainda vivia, os colonos o trans por ta ram para dentro. Foi quando Cyrus deparou-se com um dos piratas e, por pouco, não recebeu uma bala. Atra ves sou o cora ção do cri mi no so com um punhal.

O feri men to de Harbert exigia cui da dos, mas não era mortal. Os colonos impro vi sa ram o aten di men to e espe ra ram baixar a febre. Enquanto estavam fecha-dos no curral, ocorreu-lhes que Nab, aflito, sem notí-cias, poderia sair em busca deles e seria assas si na do a caminho, talvez como ocorrera a Ayr ton.

Resol ve ram mandar um bilhete na coleira de Top e o enviaram a Nab. Rece be ram res pos ta, pelo cão, que Nab aguar da ria no Palá cio.

No curral, per ma ne ce ram dez dias até que Har-bert se recu pe ras se. Lá tinham boas con di ções para sobre vi ver, visto que Ayrton vivera lá até ser cap tu ra-do pelos piratas. Agora, Cyrus não tinha outra alter-na ti va, senão a de matar os cinco sobre vi ven tes.

Pen sa va nisto, cons tan te men te. Onde estaria o pro te tor que os havia ampa ra do o tempo todo, desde que che ga ram àquela ilha? Teriam os piratas o assas-si na do, como a Ayrton? Cyrus sentia que os ventos da má sorte che ga vam, mas como homem forte esta va pron to a desa fiá-los.

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Um dia, rece be ram a visita do macaco Jup, que trazia junto ao pes co ço um bilhete de Nab, comu ni-cando-os das devas ta ções que os cri mi no sos fize ram no pla nal to, quei man do plan ta ções, matando os ani-mais domés ti cos e des truin do tudo. Assim, a pedi do do próprio Harbert, eles vol ta ram ao Palácio de Gra-nito, sem maiores inci den tes. Lá, Harbert pio rou muito. Todos os estragos eram pouco diante do medo de per de rem o rapaz, que ficou entre a vida e a morte vários dias. Spilett des co bri ra que se tra ta va de uma infecção e dizia que só um sul fa to de qui ni no iria sal-var o rapaz. E qual não foi a sur pre sa de todos quan-do, na manhã seguin te, depois de Top latir muito, encon tra ram sobre a mesa um vidro, que trazia um rótulo “Sul fa to de Qui ni no”...

Quem teria entrado lá sem ser notado? Não impor-ta va. Cheios de espe ran ça naquele poder invi sí vel, que vol ta va a mani fes tar sua pre sen ça, res ta be le ce-ram o jovem Harbert. O ano de 1868 entra va dando-lhes de pre sen te Harbert, com ple ta men te recu-pe ra do!

No dia 14 de feve rei ro, saíram em missão de caçar os piratas. Pencroff levava um revólver, armado com a mesma bala que atin gi ra Harbert. Haveria de acer-tá-los, com a mesma pon ta ria. Morreriam do pró prio vene no!

Depois de muito pro cu ra rem, foram até o curral e o encon tra ram aceso. Cyrus achava que os cinco esta-vam reu ni dos, quando avistou Ayrton, sozinho. Não podia acre di tar. Vivo? O próprio rapaz não sabia expli car.

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Naquele momento, os latidos de Top os con du zi-ram à margem do rio. E lá, sob o luar, viram os cadá-veres dos cinco piratas que bus ca vam...

No dia seguinte, Ayrton lhes contou o que ocor-rera com ele naqueles cem dias de sepa ra ção. Fora cap tu ra do pelos piratas e levado a uma caverna, onde fora tor tu ra do e amar ra do. Os piratas queriam que ele ade ris se a eles e os aju das se a invadir o Palácio e a matar os colo nos. Como se recu sas se, man ti ve ram-no preso, durante noventa dias, sob a guarda de um deles... Não sabia mais nada, mas sur preen deu-se ao saber da morte dos cinco cri mi no sos. O jus ti cei ro da ilha con ti nua va agindo em sua pro te ção:

— Daria minha vida para pagar-lhe o que tem feito por nós — falou Cyrus.

Os colonos reco me ça ram as ati vi da des e, prin ci-pal men te, dedi ca ram-se a construir um novo barco, já que o anterior os pira tas haviam des truí do contra os roche dos, na expec ta ti va de fugi rem.

Come mo ra vam o ter cei ro ani ver sá rio de per ma-nência na ilha, quando, preo cu pa dos, ouviram baru-lhos de erupção vul câ ni ca. Exa mi na ram tudo, mas nada encon tra ram que com pro vas se suas sus pei tas. O vulcão parecia extin to.

Passaram os meses empenhados na construção de um navio maior que o “Bonadventure”, inclusi ve Ayrton. No inverno, interromperam as atividades e se enfiaram no Palácio de Granito, para se protege-rem do frio.

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Foi em setembro que Cyrus observou o vulcão despertar. O que poderia acontecer à ilha só Deus poderia saber. Mesmo assim, eles voltaram a traba-lhar e sonhavam um dia, com a ajuda do barco, partir para a pátria e um dia regressar à Ilha Lincoln, com esposas e filhos...

Uma noite, os seis estavam reu ni dos no Palá cio de Gra ni to quando o telé gra fo foi acio na do do cur ral. Cyrus foi ler a men sa gem: “Urgente. Corram ao cur-ral.” Obe de ce ram, pron ta men te, enten den do que par-tia do mis te rio so dono da ilha. No curral, havia outro aviso: “Sigam o fio.” Obe de ce ram, nova men te, e foram até os rochedos, acom pa nhan do o fio. Espe ra-ram a maré baixar e uti li za ram um barco, que os levou a um estranho navio sub ma ri no, que flu tua va, muito ilu mi na do. Emo cio na do, Cyrus reco nhe ceu-o: era o Nau ti lus. O sub ma ri no do Capitão Nemo!

Entraram, encan ta dos com o sub ma ri no, quan do Cyrus apre sen tou-se a um homem velho, de bar bas brancas, dei ta do num divã.

— Mandou nos chamar, capitão Nemo? Aqui estamos.

— Não tenho nome, senhor — disse ele, pare-cendo doente.

Cyrus contou-lhes sobre como o conhe ce ra: atra-vés do livro “Vinte Mil Léguas Sub ma ri nas”, escri to pelo Pro fes sor Aronnax, que sobre vi veu a uma fuga do “Nau ti lus”. O Capitão Nemo sorriu, demons tran do alegria por saber que o náu fra go sobre vi ve ra.

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— Vou morrer, mas antes vou contar-lhes minha his tó ria...

Nemo era o prín ci pe indiano Dakkar e rece be ra esme ra da edu ca ção para ser um grande chefe polí ti-co. Mas odiava os opres so res de sua pátria: a Ingla-ter ra! Homem de Esta do e de ciên cia, casou-se e teve dois filhos, mas a feli ci da de domés ti ca não ate nua va sua revolta íntima. Quando houve o levante contra os ingleses, liderou muitas lutas; a vin gan ça caiu sobre sua família, já que não con se guiam cap tu rá-lo. O prín ci pe Dakkar afastou-se com vinte com pa nhei ros e se refugiou no mar, cons truin do o “Nau ti lus”. O tempo passou e, agora, aos ses sen ta anos, o Capi tão Nemo era o último sobre vi ven te do sub ma ri no. Vira a queda do balão e, por soli da rie da de, sal va ra Cyrus Smith. Através do poço, no Palácio de Gra ni to, podia ouvir-lhes as con ver sas contra a escra vi dão nos Esta-dos Unidos; ali esta vam homens honestos e dignos de recon ci lia rem Nemo à huma ni da de. Após seu rela to, os homens ajoe lha ram-se e bei ja ram as mãos do Capi-tão Nemo, em agra de ci men to eter no.

Nemo fez a eles seu último pedido: que no dia seguinte após sua morte, queria ser afun da do com o “Nau ti lus”. Instruiu Cyrus em como fazê-lo e o pre-veniu de retirar o cofre, antes, e voltar com o barco que os trou xe ra.

Nemo quis falar a sós com Cyrus e morreu a uma da manhã do dia seguinte. O enge nhei ro cumpriu nos ter mos exatos a última von ta de de Nemo, que que ria ser afun da do com o “Nau ti lus”, trans for man do-o em túmulo de seu dono.

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49 Espa vo ri dos: assus-tados; ater ra dos.

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Quando voltaram à ilha, estavam prostrados e se sentiam desamparados com a partida do protetor. Puse-ram-se à construção do barco e, assim, viram o ano de 1869 chegar. Em janeiro, perceberam novas erupções no vulcão. Pálido, Cyrus foi examinar os locais onde Nemo o avisara sobre possíveis explosões.

Quando esteve com Ayrton no curral, pôde ver que os animais por instinto estavam inquietos. Libertou todos, que fugiram espavoridos49 para todos os lados. Cyrus voltou ao Palácio e contou aos amigos sobre o grave perigo previsto por Nemo antes de sua morte: um terremoto arrasaria a Ilha Lincoln.

Muitas erupções ocorreram, enquanto os colo nos ten ta vam apressar o tra ba lho de cons tru ção do barco, dia e noite, sem des can so. Inu til men te, porque, na noite de 8 para 9 de março, a ilha explodiu e, em poucos minutos, o oceano Pací fi co cobriu o lugar onde havia exis ti do a prós pe ra colô nia.

O único ponto da ilha que não fora inva di do pelas águas era agora um rochedo iso la do, no meio do mar: o Palácio de Gra ni to! Feliz men te, os seis esta-vam reu ni dos no momento do terre mo to e con se gui-ram se salvar, junto a Top. O pobre Jup morreu por-que estava fora naquele momen to.

Oravam e espe ra vam pela inter ven ção divi na, quando viram Ayrton, quase sem forças, erguer-se e fazer sinais a um navio que se apro xi ma va: era o “Duncan”, coman da do pelo filho do Capitão Grant, Roberto, que vinha res ga tá-los no meio do ocea no!

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Quinze dias depois, che ga ram à pátria, já paci fi-ca da, depois da guerra que fez triunfar a jus ti ça sobre o direi to.

Com boa parte das riquezas do cofre dei xa do por Nemo, nossos amigos com pra ram uma ilha, nos domínios de Java, e lá fun da ram uma colônia, que bati za ram como a anterior: Lincoln. Tudo pros pe rou e per ma ne ce ram juntos até o fim, pelo jura men to que os ligava. Spilett chegou a fundar um jornal exce len te: “New Lin coln Herald”!

Vocês devem estar se per gun tan do: como o filho do Capitão Grant con se guiu loca li zá-los, se eles não haviam ido à Ilha Tabor deixar uma men sa gem sobre a posição geo grá fi ca da Ilha Lincoln? A expli ca ção é simples e foi Cyrus quem a des co briu, após Rober to mostrar o bilhete que encon tra ra: a letra era do Capi-tão Nemo. Ele havia estado na Ilha Tabor e deixara a men sa gem anô ni ma, na cer te za de que os colo nos não con se gui riam voltar lá. Até pouco antes de mor-rer, ele os pro te ge ra...

Vive ram na nova colônia, sem nunca se esque cer da ilha que os abri ga ra na queda do balão e da qual, hoje, só res ta va um rochedo no oceano: o Palácio de Gra ni to. Era como um indi ca ti vo do túmulo daque le que, em vida, fora o Capitão Nemo.

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01. Quem era Cyrus Smith?

02. Cyrus foi preso no mesmo dia que um repórter do New York Herald, Gedeon Spilett. O que pretendiam eles e como conseguiram realizar seu intento?

03. Quem os acompanhou na viagem?

04. O grupo chegou a uma praia deserta, mas Cyrus desapa-recera. Pouco depois seu cão também desapareceu. Como Cyrus foi encontrado?

05. Complete os espaços com palavras do texto: o grupo realizava um trabalho de reconstrução do mundo, porque o ferro e o aço estavam no estado de

; a olaria, no estado de ; as roupas em estado de .

06. Com inteligência e perseverança os fugitivos fabricaram muitas ferramentas, utensílios e armas. Quem era, no entanto, o gênio que tinha ideias para criar todos esses objetos?

07. Coisas estranhas já haviam acontecido: o salvamento de Cyrus, a agitação de Top sempre que se aproximava do poço. Mas depois da chegada da primavera esses aconte-cimentos multiplicaram-se. O que sucedeu?

08. Top encontrou também os restos do balão em que viaja-ram. Poderiam agora confeccionar roupas com o tecido. Domesticaram um macaco, Jup, e dois onagros que os auxiliavam em todas as tarefas. Para onde Pencroff, Spilett e Harbert partiram depois de encontrarem uma garrafa com uma mensagem?

09. O que encontraram na Ilha Tabor?

10. O selvagem era, na realidade, um náufrago inglês, Ayrton, que, para não ser entregue à Justiça, pedira para ser deixa-

Roteiro de Leitura

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do na Ilha Tabor. Ele se juntou ao grupo liderado por Cyrus, mas não vivia no Palácio de Granito. Onde ele cos-tumava ficar?

11. Quando um navio pirata chegou à ilha, o grupo, junta-mente com Ayrton, refugiou-se no Palácio de Granito e um fato estranho ocorreu. O que foi?

12. O que atingira o “Speedy”?

13. Que outro incidente estranho aguçou a curiosidade do grupo e reacendeu suas esperanças?

14. Uma noite o grupo recebeu uma mensagem pelo telé-grafo. O que encontraram?

15. Quem era Nemo?

16. Qual o pedido de Nemo a Cyrus?

17. Um terremoto arrasou a ilha, só sobrando o Palácio de Granito, mas quem os resgatou?

18. Os amigos voltaram aos Estados Unidos e, com parte das riquezas do cofre do Capitão Nemo, compraram uma ilha. Onde ficava e o que fizeram nela?

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N enhuma outra obra literária refletiu com tanta fidelidade a história de sua época como a coletânea dos romances

de Júlio Verne, conhecida como Viagens extraor-dinárias.

Nascido em Nantes, na França, a 8 de feverei ro de 1828, filho de Pedro Verne, cuja família orgulha-va-se de sua tradição na advocacia, e de Sofia Alotte,proveniente de rica família de armadores, Júlio Verne mostrava uma forte inclinação para a literatu-ra desde sua infância.

Talvez devido à sua formação familiar, Verne tenha se inclinado para um novo gênero literário: a ficção-científica, resultado da união de seus conheci-mentos sobre a vida dos homens do mar, daque la época, cheia de aventuras, e sua formação escolar, na faculdade de direito, que o ensinara a raciocinar logicamente, e a aceitar somente os fatos como ver-dadeiros.

Júlio Verne, entre tan to, viveu durante uma época pri vi le gia da. O homem do século XIX con ju ga va har-mo nio sa men te a ciência e a tec no lo gia. Uma mesma geração assistiu ao des co bri men to da ele tri ci da de, do auto mó vel, do avião, do rádio, do sub ma ri no, dos tecidos sin té ti cos, do cine ma...

Verne assistiu a todos estes acontecimentos e antecipou-se a muitos deles. Maravilhava-se, assim

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O Autor

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como seus contemporâneos, com a velocidade que o progresso adquiria. Tudo isto o levou a uma ideia, em que trabalhou com afinco desde seus 24 anos até sua morte em 24 de março de 1905: escrever a nove-la da ciência, estabelecendo uma ponte entre a ciên-cia e a literatura. Para tanto, contava apenas com uma ferramenta: sua imaginação fértil, cujo ponto de partida era o estudo, a observação e a curiosidade.

Nem mesmo seu casa men to com Hono ri na Hebè, o nas ci men to de seu filho Michel, ou suas oca sio nais rusgas com seu pai, o des via ram de seu pro pó si to.

Seu profundo respeito para com a ciência nunca o deixou afastar-se do racionalismo ou realismo. E, mesmo em obras mais fantásticas, como Viagem ao centro da Terra, Da Terra à Lua e outras, sua finalidade era usar a fantasia para ilustrar os conhecimentos de sua época em astronomia, matemática, física, paleontologia, mine-ralogia etc.

Em suma, sua vida resumiu-se a retratar sua época, por isso Verne está pro fun da men te imerso em seu tempo e expressa aspectos impor tan tís si mos desse período. Seus per so na gens, em sua maio ria, não são senão veí cu los de uma ideia ou agentes de uma empresa, quando não meros sím bo los.

A coragem, a tena ci da de, a leal da de, a nobreza de sen ti men tos não isenta de uma certa inge nui da de, tais como as prin ci pais carac te rís ti cas, em ocasiões um tanto este reo ti pa das, do herói ver nia no, que não se define tanto por si mesmo como pelo que faz.

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