A ILUSÃO DA VIDA - Animação

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    A ILUSO DA VIDA:

    ESTUDOS SOBRE A EVOLUO DO CINEMA DE ANIMAO

    Ana Carolina Kley Vita1

    Em 1937, o Walt Disney Studio lana o primeiro longa-metragem animado

    baseado em um conto de fadas dos Irmos Grimm. Branca de Neve e os Sete

    Anes surpreendeu o pblico que no acreditava ser possvel um desenho animado

    de 83 minutos contar uma histria envolvente que pudesse ser comparada aos

    filmes live-action (filmados com pessoas e cenrios reais). O longa animado no s

    rendeu lgrimas e risos do pblico, como tambm foi premiado com um Oscar

    especial da Academia de Artes e Cincias Cinematogrficas de Hollywood. Trs

    anos depois o estdio lana continuadamente seus filmes animados em folha de

    acetato que marcaram poca, alguns deles so: Pinquio (1940), Dumbo (1941),

    Bambi (1942), Cinderela (1950) e A Bela Adormecida (1959). Em 1991 estria A

    Bela e a Fera, primeiro filme de animao a ser indicado ao Oscar de melhor filme,

    que apresentou cenas produzidas com a ajuda de computadores, como a dana de

    Bela e Fera no salo de baile. Em 1995, os estdios Disney, em parceria com a

    produtora de animao digital Pixar, apresentam Toy Story, considerado o primeiro

    longa-metragem totalmente produzido por computao grfica. A partir de ento, a

    Resumo: Este trabalho prope um primeiro olhar sobre a evoluo das tcnicas utilizadas no cinema de animao. Sero explorados os artifcios de linguagem atribudos a essa arte, como cor, forma, enquadramentos, fotografia, bem como os aspectos subjetivos, como enredo e personagens, alm dos processos de produo em suas diferentes fases. Na primeira parte tratamos da histria da animao, dos primrdios at hoje. Em seguida, abordamos a linguagem e os atributos da animao bidimensional e da animao tridimensional. E, como corpus da pesquisa, analisamos a cena do salo de baile de A Bela e a Fera, que utiliza concomitantemente as tcnicas 2D e 3D. Palavras-chaves: Animao, Cinema, Arte, Imagem, Computao grfica. 1 Introduo

    1 Acadmica de Comunicao Social, habilitao em Publicidade e Propaganda, da Faculdade Metropolitana IESB, Londrina, PR. E-mail: [email protected]

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    maioria dos filmes de animao utiliza as tcnicas de trs dimenses. Alguns

    exemplos so: Vida de Inseto (1998), Toy Story 2 (1999), Monstros S/A (2000),

    Procurando Nemo (2003), O galinho Chicken Little (2005) e A Famlia do Futuro

    (2007).

    Neste estudo vamos analisar a evoluo dos filmes de animao, em especial

    as tcnicas 2D: desenho em folhas de acetato e 3D: gerado por computador. A

    primeira, que agora considerada clssica, apresenta em seu produto final, a arte, a

    expresso e o toque do animador. A segunda ainda no conseguiu uma forma de

    aproximao com a arte e passou a ser considerada apenas uma ferramenta. Aqui

    apontamos para uma alternativa muito uti lizada pelos estdios Disney nos anos 90:

    a juno do 2D com o 3D para um aprimoramento do visual e um complemento

    daquilo que no poderia ser produzido mo. Como exemplo de sucesso, faremos

    uma anlise da cena do salo de baile do filme A Bela e a Fera.

    2 Animao das Origens aos Dias Atuais

    Podemos dizer que a histria da animao comeou em dezembro de 1895,

    quando os irmos Lumire apresentaram fotografias animadas com o seu

    cinematgrafo, que servia tanto para projetar quanto para filmar. A primeira exibio

    foi de filmes curtos, como A chegada de um trem estao e A sada dos operrios

    de uma fbrica. 2

    Em 1906, James Stuart Blackton, artista plstico e i lustrador, realizou o

    primeiro desenho animado, Humurous Phases of Funny Faces. um filme de curta

    durao, que apresentava diversos efeitos experimentais. No entanto, ele no era

    totalmente animado, pois a mo de Blackton aparecia em alguns momentos. Nesse

    filme, o que impressionou foi a utilizao de letras formando o ttulo sozinhas

    Mas a partir da inveno dos irmos Lumire que hoje o cinema

    existe e pde se desenvolver em uma forma de arte e expresso.

    3

    Dois anos depois, o caricaturista francs Emile Cohl lana Fantasmagorie

    (1908), considerado o primeiro curta-metragem produzido inteiramente em

    .

    2 LUCENA JR., Alberto. Arte da animao. Tcnica e esttica atravs da histria. So Paulo (SP), Editora Senac So Paulo, 2005, p. 40 3 Ibid., p. 42

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    animao, demonstrando uma melhora significante nas tcnicas at ento utilizadas.

    Emile Cohl mostrava personagens ativos e com movimentos mais convincentes.

    No h como falar da histria da animao sem mencionar Winsor McCay,

    um artista de Nova York que fazia ilustraes e tiras para jornal at descobrir na arte

    da animao uma maneira de dar vida s suas histrias. Seu primeiro filme foi Little

    Nemo em 1911, e ao todo foram 10 curtas at 1921. McCay ficou conhecido por

    colocar humor em seus desenhos. Em um deles, chamado Gertie (1914), ele d vida

    a um dinossauro com humor e personalidade, com a principal finalidade de entreter

    o pblico. Esse filme, se exibido hoje ainda receberia as mesmas risadas que h

    dcadas, quando estreou. Outro de seus filmes Sinking of the Lusitnia (1918),

    cujo contedo e estilo foi diferente de tudo o que j havia sido produzido at o

    momento, pois foi feito como um documento sobre o ataque a civis pela Alemanha, e

    tinha a inteno de despertar emoes e usar animao como forma de expor o que

    estava acontecendo na guerra naquele momento. Winsor McCay considerado um

    dos melhores animadores da histria4

    Os animadores conseguiram, ento, reavivar a animao aos olhos do

    pblico. nesse momento que surgem os estdios de animao para suprir a

    necessidade de produzir mais filmes, de maneira rpida e barata. Grande parte dos

    artistas convidados a trabalhar nestes estdios, comandados por autodidatas,

    tinham formao artstica em escolas de belas-artes, com slida base em desenho e

    .

    At esse momento, incio da dcada de 1910, os artistas estavam mais

    preocupados em dar movimento aos seus personagens e nas tcnicas que poderiam

    utilizar para esse fim, quando, j em 1914, o mercado era considerado saturado, as

    novidades haviam esgotado e o pblico pedia algo novo. Foi o que impulsionou os

    artistas a buscar novos recursos expressivos atravs da prpria arte, pois:

    No se tratava de desvincular a arte da animao da tcnica que lhe permitia existir (algo impossvel), mas submet-la a determinaes artsticas afinal, parte da riqueza artstica est justamente na habilidade da explorao tcnica. Para a emergncia da animao como arte, tornava-se imperativo o deslocamento da tcnica de animao do centro de ateno do espectador. (LUCENA, 2005, p. 49).

    4 BECKERMAN, Howard. Animation The whole story. New York (NY), Allworth Press, 2003. p. 19

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    pintura. Foi assim que, entre 1910 e 1940, houve um notvel desenvolvimento

    tcnico e artstico da animao5

    Das novas ferramentas que surgiam, a maior delas apareceu em 1914, criada

    pelo animador norte-americano Earl Hurd: o desenho sobre folhas de celulide, ou

    clulas, chamadas no Brasil de acetato e nos Estados Unidos de cells. Essa

    inveno proporcionou maior liberdade artstica. Alm disso, as figuras e os

    personagens ganharam independncia dos cenrios, que agora poderiam ser

    fotografias, pinturas ou de qualquer outra natureza. O uso do acetato foi

    institucionalizado como padro na indstria e deu animao o verdadeiro status de

    criao artstica

    .

    6

    Em 1915 inventada a tcnica da rotoscpia pelos irmos Max e Dave

    Fleischer, criadores de personagens antolgicos como Koko, Popeye e Betty Boop.

    A rotoscpia uma seqncia de imagens reais pr-filmadas que era projetada

    frame a frame (como um projetor de slides) numa chapa de vidro, permitindo que se

    decalcasse para o papel ou acetato a parte da imagem que se desejasse.

    .

    7

    Em meio a essa discusso surgiu um personagem que se tornou to popular

    quanto Chaplin: o Gato Felix, aclamado entre 1919 e 1930 no mundo todo,

    ultrapassando as barreiras de classe social e idade. Felix, uma criao de Pat

    Sullivan e Otto Messmer, podia pensar e resolver problemas. Podia transformar seu

    rabo em lupas, lunetas e at pontos de interrogao. Suas histrias traziam

    seqncias de gags inteligentes e espirituosas. Durante a dcada de 20, Felix serviu

    Com

    essa tcnica surgiram vrios filmes que misturavam desenho animado com live-

    action, ou transformavam pessoas reais em animao, para que os personagens

    no perdessem o ritmo e a sensao de realidade. E foi assim que comeou a

    discusso sobre a representao da natureza. No se abdicaria totalmente da

    referncia do mundo fsico, mas o importante era que o artista colocasse a sua viso

    ao representar a natureza, para que seu objeto ganhasse o status de objeto artstico.

    A simples reproduo total tornaria o objeto inexpressivo. Por isso, foram os filmes

    tcnico-cientficos que fizerem uso das tcnicas realistas da rotoscpia.

    5 LUCENA JR., Alberto. Arte da animao: Tcnica e esttica atravs da histria. So Pau lo (SP), Editora Senac So Paulo, 2005, p. 61 6 Ibid., p. 66-67 7 Ibid., p. 69.

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    de inspirao para outros estdios, inclusive Disney, na srie Alice in Cartooland; no

    personagem Oswald, o coelho, primeiro astro animal do estdio, e tambm Mickey

    Mouse, com suas formas arredondadas e preenchimento preto.

    Em 1924, Max Fleischer produz a srie Song Cartunes. O primeiro ttulo foi

    My Old Kentucky Home e foi o primeiro a utilizar um sistema de som inventado por

    Lee De Forest chamado Phonofilm. Entretanto, essa produo provou que ainda

    havia um longo caminho para que desenhos animados pudessem ter som

    sincronizado. Foi na estria do personagem mais famoso de Disney, o Mickey

    Mouse, no curta metragem Steamboat Willie (1928), que msica e efeitos de som

    foram sincronizados de acordo com as aes do personagem, colocando Mickey,

    assim como Chaplin e Felix, no hall da fama.

    A dcada de 30 foi chamada de a renascena dos estdios de animao,

    com muitos deles saindo de Nova York para se juntar aos grandes estdios em

    Hollywood. Apesar disso, em 1932 o estdio criador do Gato Felix fechou suas

    portas aps a morte de um de seus principais criadores, Pat Sullivan. Mas foi nesse

    mesmo perodo que Max Fleischer apresentou a primeira personagem de desenho

    feminina: Betty Boop, um cone at hoje. Contudo, a dcada pertenceu aos estdios

    Disney, que introduziu seus novos personagens: o Pato Donald, Pluto e Pateta.

    Segundo Howard Beckerman (2003; 36, traduo nossa): Era difcil que algum

    estdio conseguisse um trabalho como o de Disney devido ao seu cuidado

    meticuloso com as histrias, efeitos sonoros, msica e cor.

    Tambm em 1932 a empresa Technicolor anunciou uma grande evoluo no

    sistema de colorir filmes. At ento houve algumas tentativas de colocar cor em

    animao. Winsor McCay coloriu mo seu filme Little Nemo, uma prtica que

    comeou em 1890. Outro processo chamado kinemacolor, introduzido por Charles

    Urban, foi muito popular, mas durou pouco. Em 1920 J.R. Bray utilizou um processo

    de frmulas qumicas criado pela empresa Brewster Color no seu filme The Debut of

    Thomas Cat. Esse tipo de processo criava arranhes nos filmes, e o mesmo

    acontecia com os primeiros desenvolvidos pela Technicolor. Foi em 1932 que

    Disney apresentou o primeiro fi lme uti lizando a nova tcnica de trs cores da

    Technico lor. Esse filme, parte da famosa srie Silly Symphonies, foi intitulado

    Flowers and Trees e recebeu o primeiro Oscar de melhor desenho animado. Foi

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    ento que Disney fechou um contrato exclusivo com a Technicolor para o uso dessa

    tecnologia. 8

    Com esse filme, Disney e seus artistas se tornaram a referncia em

    animao, alm de estabelecerem um paradigma. Disney estudou em escola de

    arte, por isso entendia bem os conceitos, mas percebeu que no desenhava to

    bem quanto seus animadores e preferiu assumir a direo e o controle de todo o

    processo de produo. Com seus trabalhos, ele queria atingir a iluso da vida, ou

    seja, os personagens deveriam ter sentimentos, parecer que pensam, respiram e

    estar inseridos em uma histria que envolva a audincia

    Nos anos 30 tambm comeam a aparecer animadores que destacam o uso

    expressivo das tcnicas pouco utilizadas. Mary Ellen Bute utilizou diversos recursos,

    desde animao com recortes at a animao de objetos com a tcnica

    tridimensional de pixillation. Outro animador de destaque foi o norte-americano

    Douglas Crockwell, que utilizava camadas de vidro mveis, onde pintava com tintas

    plsticas imagens que se completavam.

    At os anos 1940, a animao era considerada sinnimo de desenho

    animado, mas logo provou-se o contrrio. Os animadores souberam demonstrar que

    o que faziam era uma forma de arte atravs do movimento, e mesmo cada frame

    poderia ser considerado uma obra de arte. Alm disso, perceberam outro potencial

    que poderia ser explorado atravs da animao: o de contar histrias e emocionar o

    pblico. Esse pensamento foi estimulado, principalmente, pelo primeiro longa-

    metragem animado: Branca de Neve e os Sete Anes, em 1937, que desmistificou a

    idia de que animao deveria ser essencialmente engraada, com uma seqncia

    de gags. Os crticos e o pblico no acreditavam que um filme de 83 minutos todo

    em animao pudesse entreter, e principalmente, emocionar, mas foi exatamente o

    que fez Branca de Neve e os Sete Anes.

    9. Em entrevista Walt Disney

    declarou: Estou interessado em divertir as pessoas, em dar prazer, particularmente

    faz-las sorrir, ao invs de estar preocupado em expressar-me atravs de obscuras

    impresses criativas. 10

    8 BECKERMAN, Howard. Animation The whole story. New York (NY), A llworth Press, 2003. p. 37. 9 THOMAS, Frank e JOHNSTON, Ollie. The Illusion of Life: Disney Animat ion. New York: Abbeville Press, 1981. p. 25. 10 Ibid., cit., p. 23

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    Sobre a ascenso dos estdios Disney, Alberto Lucena Junior 11

    Ele, como defensor da animao como arte, encorajava sua equipe a serem o

    mais espontneos que pudessem. Era um exerccio para a criatividade e estilo livre

    dos artistas. Charles Solomon, em seu livro The History of Animation

    afirma que foi

    devido percepo que Walt tinha sobre o potencial e o sentido da mdia, ou seja,

    ele soube explorar a animao de modo comercial, viabilizando produtos que se

    destinam ao consumo de massa. Disney tinha sensibilidade artstica e via o cinema

    como uma forma de arte, e soube aliar isso noo de entretenimento,

    estabelecendo, assim, os conceitos fundamentais da arte da animao.

    Nos estdios, Disney acompanhava de perto todo processo de animao e o

    trabalho de cada um dos animadores. Eram feitas reunies para que todos vissem

    como ficaria cada cena atravs dos story-boards e pencil-tests (um teste lpis dos

    movimentos, um certo esboo da cena final). Essas cenas eram discutidas,

    reformuladas ou banidas dos filmes, caso Disney no achasse que seria relevante.

    12 conta que

    Walt Disney costumava olhar os lixos do estdio durante a noite para encontrar

    desenhos que os artistas desprezaram. Ento, ele os pregava em um quadro para

    que todos vissem, como punio pelo desperdcio do que era um bom material. O

    objetivo era que os animadores no perdessem a espontaneidade dos esboos, pois

    eles se preocupavam muito com o acabamento das figuras e com os detalhes.

    Ento, Disney contratou para cada animador um assistente, que tinha a funo de

    finalizar os desenhos e limp-los para serem transferidos para o acetato. A nova

    categoria de profissionais ficou conhecida como clean-up men13

    No nenhum exagero afirmar que o sculo XX no teria as feies culturais que o caracterizaram sem a influncia do imaginrio do mundo da fantasia criado a partir dos desenhos animados de Walt Disney. E esse sucesso se deve, inicialmente, ao enfrentamento dos problemas ento existentes para a formulao de uma linguagem que verdadeiramente dotasse a animao de caractersticas artsticas prprias a correta

    .

    A fase de ouro da animao foi entre 1928 e 1940, principalmente devido s

    conquistas de Disney. Sobre isso, pode-se dizer que:

    11 LUCENA JR., Alberto. Arte da animao: Tcnica e esttica atravs da histria. So Pau lo (SP): Ed itora Senac So Paulo, 2005, p. 97 12 SOLOMON, Charles. Enchanted Drawings: The History of Animat ion. New York: Random House Value Publishing, 1994, cit. p.56 13 THOMAS, Frank e JOHNSTON, Ollie. The Illusion of Li fe: Disney Animation. New York: Abbeville Press, 1981. p. 39.

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    equao envolvendo imagem desenhada e seu movimento no espao/tempo. A mais pura conquista da arte sobre a tecnologia que lhe permitia existir. Em outras palavras, ao sujeito que possua o lpis (a tecnologia) foi oferecido um alfabeto (a arte), para que ele pudesse expressar-se. (LUCENA, 2005, p. 97)

    Walt Disney viveu at 1966, quando, segundo o artigo Walt Disney, Sua Vida

    e Seu Legado14

    No campo artstico surge a United Productions of America - UPA, fundada por

    animadores que saram dos estdios Disney insatisfeitos com a forma de trabalho e

    com a linguagem utilizada nos filmes. Eles achavam que animao no deveria

    tentar imitar a vida e buscaram um estilo livre, simples e focado no design,

    , seu estdio j havia produzido 21 longas-metragens de animao,

    493 curtas, 47 fi lmes live-action, sete episdios de A Vida Como Ela , 330 horas

    do Mickey Mouse Club e 360 outros programas de televiso. Vamos continuar

    analisando a obra dos estdios de Walt Disney ao longo deste artigo com uma

    anlise do filme A Bela e a Fera. Portanto, neste momento daremos continuao ao

    estudo sobre a histria e a evoluo da animao.

    No final de 1941 os Estados Unidos entraram em guerra e os prximos quatro

    anos mudaram a maneira de fazer animao, alm do seu uso e estilo. At os heris

    do desenho animado estavam defendendo seu pas: Popeye serviu marinha, Pato

    Donald serviu ao exrcito e o Super Homem combateu os inimigos de guerra.

    Imediatamente aps o ataque a Pearl Harbor os oficiais da marinha americana

    ocuparam os estdios Disney. Os animadores que continuaram ali serviram s

    necessidades da marinha, produzindo inmeros curtas para o governo. Eram vdeos

    de treinamento, de navegao e identificao de aeronaves. Cada equipe das foras

    armadas trabalhava em conjunto com um estdio de animao.

    O ano de 1941 tambm foi o ano em que um cartoon da Warner Bros. Studio

    teve sua ascenso: Pernalonga, que em 1945 j era o personagem mais famoso,

    ultrapassando o Pato Donald. Com Pernalonga, surgiu uma srie de personagens

    com cara de anti-heris, totalmente aloprados, desengonados e cmicos, de que

    todos se recordam, alguns deles so: Patolino, Frajola, Piu-Piu, Papa-Lguas,

    Coiote, Pepe Lepew, Taz, Tom e Jerry, etc.

    14 ______. Walt Disney: Sua v ida e seu legado. Disponvel em: . Acesso em: 30 set. 2007.

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    completamente diferente de tudo o que havia sido feito por outros estdios. O

    objetivo era explorar formas grficas e colocar suas opinies de carter social e

    poltico, assim como os pintores modernos. Alguns de seus filmes no possuam

    cenrio de fundo e a maioria tinha como presena forte a msica, principalmente o

    jazz. Nos anos 50 a UPA fez muito sucesso, ganhando o primeiro Oscar em 1951

    com o filme Gerald McBoing-Boing, histria de um menino que ao abrir a boca s

    produzia sons estranhos, como o de buzinas.

    No h um estilo nico que podemos encontrar nos trabalhos da UPA, j que

    os artistas tinham a liberdade de dar o visual que quisessem a cada histria no-

    convencional de seus filmes. Havia apenas duas proibies desde o incio: nada de

    animais que falam e cenas de violncia. Portanto, o humor estava presente na

    maioria dos trabalhos, como na famosa srie Mr. Magoo, sobre um senhor idoso,

    extremamente atrapalhado e com boa parte de sua viso comprometida. Alguns dos

    mais relevantes trabalhos da UPA foram: Gerald Mc Boing Boing, Mr. Magoo, The

    Tell-Tale Heart, Root Toot Toot, The Unicorn in the Garden e Miserable Pack of

    Wolves.

    A dcada de 50 ficou marcada pela queda dos longas-metragens de

    animao e a ascenso dos desenhos animados para a televiso. E ningum fez

    isso melhor que o estdio Hanna-Barbera com The Ruff & Reddy Show (1957), The

    Huckleberry Hound Show (1958) e no incio dos anos 60: Z Colmia e sua turma,

    Manda-Chuva, Os Flintstones, Os Jetsons e muitos outros.

    O desenvolvimento das linguagens e implementao da informao no

    computador aconteceu nos anos 50. Mas os cientistas e engenheiros ainda

    desconheciam o potencial que a computao poderia ter no meio artstico. J os

    artistas estavam interessados no avano tecnolgico e o que aquilo poderia trazer

    em termos de novas configuraes visuais e automatizao do movimento. O

    problema era que se os animadores ou artistas se dedicassem a aprimorar as

    tecnologias digitais, mudariam completamente o foco e deixariam sua arte15

    Foi somente na dcada de 60 que surgiram computadores digitais que

    permitiam o uso da produo artstica, ainda que precria. Essa foi a poca em que

    .

    15 LUCENA JR., Alberto. Arte da animao: Tcnica e esttica atravs da histria. So Pau lo (SP), Editora Senac So Paulo, 2005, p.198

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    os artistas comearam a questionar a tecnologia como forma de fazer arte. Alguns

    viam como algo muito impessoal, portanto, o oposto dela, que deveria ser a

    expresso do prprio artista. Em Arte da Animao 16

    Os avanos na computao grfica contaram com a introduo de tcnicas

    de modelagem, iluminao, textura e pintura digital. No campo da animao se torna

    recorrente o uso do 2D e do 3D, este com grandes limitaes. Os objetos possuam

    uma aparncia de plstico reluzente e no correspondiam vontade dos artistas de

    recriar a realidade. Segundo Alberto Lucena Junior

    , Alberto Lucena Junior afirma

    que para que houvesse arte, a tecnologia tinha de tornar-se bastante flexvel e ser

    absorvida como algo natural, como acontece com o lpis, invisvel ao artista e ao

    observador.

    A dcada de 60 foi, ento, marcada por questionamentos, apontamentos e o

    mapeamento daquilo que, nos anos 70, teria que ser estudado e aprimorado para

    que a animao computadorizada pudesse chegar perto de receber o status de arte.

    Talvez seja essa a razo pela qual a animao independente cresceu de forma

    relevante na dcada de 70.

    17

    Foi nos anos 1980 que a Pixar Animation Studios comeou seus trabalhos,

    inicialmente como uma diviso da Lucasfilm, que lanou em 1984 o filme The

    Adventures of Andre & Wally B. Em 1986 Steve Jobs (co-fundador da Apple Inc.)

    comprou o estdio e no mesmo ano lanou Luxo Jr., tendo uma lmpada como

    personagem principal que se tornou parte da vinheta de apresentao da Pixar.

    a animao produzida pelos

    mtodos tradicionais, na dcada de 1970, em termos de expresso artstica

    continuava inalcanvel ao mais sofisticado e caro aparato computadorizado

    existente.

    Na dcada seguinte houve uma expanso dos longas-metragens e animao

    para televiso. O uso da tcnica de desenho em clulas dominava, e a arte do stop-

    motion era mais utilizada. Tambm houve um aumento no uso de computadores, j

    que em 1980 a IBM lanou os PCs (personal computers), e logo a seguir a Apple

    Computer lanou o Macintosh, fato que beneficiou, principalmente, as empresas

    pequenas e os indivduos.

    16 Ibid., p. 246 17 Ibid., p. 321

  • 11

    Luxo Jr., assim como todas as produes do estdio, uma animao 3D e foi um

    dos primeiros indcios de que era possvel passar sentimento e construir um

    personagem marcante atravs da computao grfica. O principal nome da Pixar

    John Lasseter (Vice-presidente Executivo do Departamento de Criao) que

    anteriormente era um dos animadores da Disney e transformou-se no mais bem-

    sucedido artista a explorar os recursos oferecidos pela computao grfica, citou

    Alberto Lucena Junior18

    Esta foi a dcada em que os artistas conseguiram a to desejada reproduo

    da realidade e a descrio das coisas e fenmenos da natureza. Tambm foi a

    dcada de estria de Os Simpsons (1989) que hoje a srie de maior durao do

    .

    E foi na dcada de 1980 que o estdio Disney voltou a produzir os clssicos

    longas-metragens, como: O co e a raposa (1981), O Caldeiro Mgico (1985), A

    Pequena Sereia (1989) e Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurus (1990).

    Em 1982, Disney lana Tron, filme do gnero fico cientfica, que foi o

    primeiro a utilizar grandes seqncias totalmente produzidas com a computao

    grfica e tambm representou a primeira grande demonstrao da arte atravs

    dessa tcnica. Tron, apesar da alta qualidade visual, no fez o sucesso esperado

    por possuir uma trama confusa e personagens sem apelo.

    Em 1988, Disney estria um dos grandes sucessos do cinema: Uma cilada

    para Roger Rabbit, produzido pela Disney em colaborao com o diretor Steven

    Spielberg. Esse longa-metragem contava com a perfeita sincronia entre

    personagens reais e animados.

    Os anos 80 ficaram marcados pela transposio da tecnologia de

    computao grfica das mos dos cientistas para as dos artistas. Foi desenvolvido

    um sistema de pintura digital chamado Paint e usado no filme Jornada nas estrelas

    II: a ira de Khan, colocando a Lucasfilm como um dos estdios precursores da

    tecnologia de processamento digital de imagem. O sucesso desse trabalho fez com

    que a Disney assinasse um contrato com a Pixar para implementar o Computer

    Animation Production System (Caps), um sistema de pintura digital feito sob medida

    para o processo de animao 2D.

    18 Ibid. p. 433

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    gnero; da popularizao do Anime (gnero de animao japons) e o comeo da

    animao para adultos.

    J os anos 90, com a animao mais popular que nunca, foi a dcada de

    estria do canal Cartoon Network (1992), inicialmente para crianas, at que, em

    1994, comea a exibir o Adult Swim, uma faixa de desenhos de contedo adulto. Na

    mesma linha, a MTV exibe Beavis and Butt-Head (1993) e South Park (1997). No

    Brasil comeam as transmisses da Nickelodeon, mais um canal de animao

    infantil e sitcoms americanos. Entre os maiores sucessos da Nickelodeon esto: Bob

    Esponja, Ren & Stimpy, Rugrats, Doug, Yu-Gi-Oh!, Hey Arnold! e Os Padrinhos

    Mgicos. A computao grfica foi inserida nos filmes da Disney, os primeiros foram

    Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurus (1990), A Bela e a Fera (1991) e Aladdin

    (1992). Em 1995 a Pixar e a Disney lanaram o primeiro longa-metragem

    inteiramente produzido com a ajuda da computao grfica e o uso do 3D: Toy

    Story. O filme foi um sucesso mundial e foi apenas o primeiro de um novo legado de

    filmes gerados por computador. Em 1998 foi a vez de Vida de Inseto, seguido de

    Toy Story 2 (1999), Monstros S/A (2001), o mais lucrativo at hoje: Procurando

    Nemo (2003), Os Incrveis (2003), Carros (2006), ano em que a Disney comprou a

    Pixar, e Ratatouille (2007). Outros estdios tambm comearam suas produes 3D,

    os principais foram a Dream Works Animation, com os filmes: Formiguinhaz (1998),

    Shrek (2001), Shrek 2 (2004), Madagascar (2005), Os Sem Floresta (2006), Por

    gua Abaixo (2006) e Shrek Terceiro (2007); e da Blue Sky, estdio pertencente a

    20th Century Fox: A Era do Gelo (2002), Robs (2005) e A Era do Gelo 2 (2006).

    No final do sculo XX e no incio do sculo XXI no houve muitas invenes,

    mudanas ou revolues. Foram perodos da afirmao da animao

    computadorizada, provando que ela poderia ser um produto artstico e comercial.

    Tambm foi quando os estdios resolveram se modernizar e se renderam ao

    computador, abrindo mo das tcnicas tradicionais. Em 2005 a Disney anunciou a

    deciso de no produzir mais filmes de animao 2D, desenhados mo, se

    concentrando na animao computadorizada em 3D. Na promoo de Os Simpsons:

    O Filme (2007), foi ressaltado o fato do filme ter sido produzido da maneira

    tradicional, em 2D, isso porque essa animao em particular marcada e tem seu

  • 13

    sucesso pela irreverncia e pela quebra de padres. Hoje, faz parte dos padres os

    longas-metragens animados serem totalmente computadorizados e em 3D.

    3 A arte e a linguagem 2D

    A animao pode ser dividida de vrias maneiras, por suas tcnicas,

    perodos, estdios, etc. Quanto s modalidades, estas tambm podem ser divididas

    de vrias maneiras, uma delas em animao clssica e cartoon. Cu DElia nos d

    a definio de cada uma:

    Dentro das diferentes modalidades de animao, uma outra forma de diviso se faz: quando o movimento busca uma expresso natural, querendo tornar crvel a relao personagem-tempo-espao, falando de animao clssica; ela possibilita a identificao do espectador com o filme nos nveis emocional e narrativo. Quando as leis naturais so ignoradas e prevalecem o exagero e o delrio, estamos falando de animao cartoon. Tudo possvel. (DELIA, in Lies com cinema, 1996, p. 168)

    Para o desenvolvimento deste estudo importante darmos as definies de

    seus principais temas:

    Cinema de animao Processo cinematogrfico que consiste basicamente na filmagem quadro-a-quadro de imagens estticas que parecem mover-se apenas no momento da projeo. 2D Captao de imagens em duas dimenses, ou desenhadas no prprio computador, de forma plana e programadas para gerar movimento. (GLOSSRIO, Lies com cinema, 1996, p. 209-223)

    A animao em duas dimenses pode ser criada a partir de vrias tcnicas:

    animao com areia, com recortes, direto na pelcula, entre outras. Mas aqui

    estudaremos a tcnica mais famosa e mais utilizada pelos estdios: o desenho na

    folha de acetato, ou clula. Onde cada movimento desenhado mo por

    animadores. Esses desenhos posteriormente so passados para o acetato e

    pintados por uma outra equipe. Ento, essas folhas so fotografadas uma a uma

    sobre um cenrio, dando vida aos personagens. Essa tcnica permite que os

    fundos, ou cenrios sejam feitos separadamente, podendo ser fotos, pinturas,

    desenhos, ou de qualquer origem. Geralmente so feitos fundos largos que se

    movem conforme a ao para que no seja preciso produzi-los em grande

    quantidade. Essa tcnica pede um processo completamente artesanal, o que torna o

  • 14

    trabalho do artista um trabalho de expresso individual, como se pintasse um

    quadro. Isso d a dimenso da animao como arte.

    Quando assistimos uma animao vemos uma seqncia de movimentos,

    gerados por uma seqncia de imagens. Essas, quando isoladas da srie,

    representam o mesmo que uma fotografia, tem qualidades artsticas isoladas de um

    momento. John Halas e Roger Manvell abordam esse tema e nos fornecem as

    definies para esse pensamento:

    A fotografia apenas um lembrete til daquilo que se movimenta pictorialmente no filme uma cena momentaneamente suspensa. Na animao, cada desenho sucessivo parte de uma seqncia pictrica, um movimento que tem um comeo e um fim e que elemento essencial da sua forma artstica. (HALAS e MANVELL, 1979, cit., p. 26)

    O propsito da animao entreter uma audincia que espera por

    personagens marcantes, sejam eles cmicos ou intensos, e histrias que fogem da

    realidade do dia-a-dia. Personagens animados so capazes de fazer coisas que

    nenhum ser humano faria. Eles so imortais, e resolvem seus problemas em

    segundos, so um escape para as pessoas que os assistem. As animaes em 2D

    sempre seguiram essa linha, criando mundos maravilhosos, histrias inesquecveis

    e contos de fadas que estimulam a imaginao de qualquer faixa etria.

    Esses filmes carregam uma sensao nostlgica, de uma poca que j se foi,

    de um passado gostoso de ser lembrado, que remete infncia da maioria das

    pessoas. Mesmo assim, so atemporais. Diferente dos longas-metragens antigos,

    com pessoas reais, em que se nota imediatamente que so de um perodo distante,

    com colorao precria, linguagem antiquada e imagem ruim. A animao no

    possui nenhuma dessas caractersticas, pois dificilmente se nota a poca em que foi

    produzido. Portanto, se torna difcil acreditar, principalmente para uma criana, que

    Branca de neve e os sete anes estreou em 1937, dois anos antes de E o vento

    levou.

    Qualquer personagem, objeto e cenrio em duas dimenses se constitui de

    comprimento e largura. O que lhes falta a profundidade, mas mesmo sem ela,

    alguns artifcios, como luz, sombra e cantos arredondados, conseguem disfarar o

    aspecto achatado do 2D. Mesmo assim, o olho humano j est condicionado pela

  • 15

    forma das coisas. Sabemos como uma cadeira mesmo que o design mude muito,

    e entendemos como funciona e qual a profundidade das mos. Independente da

    forma de representao, buscamos uma referncia do que real e levamos para o

    imaginrio. Assim, o fato de um ambiente estar em 2D no afeta a iluso de que

    poderia existir realmente.

    O que diferencia, e muito, o mundo bidimensional do real que, no primeiro,

    tudo possvel. No existe nenhum limite para a imaginao. Animais podem falar,

    cantar, vestir roupas e construir uma casa. A terra pode ser amarela e o sol azul.

    Flores crescem num piscar de olhos e personagens podem ser assoprados at

    virarem um balo, depois estourados sem que nada permanente lhes acontea. So

    essas particularidades que tornam a animao to interessante e fascinante. Para

    DElia:

    O cinema de animao integra elementos de todas as outras formas de expresso. plstico, musical, narrativo, cinematogrfico e coreogrfico. Empresta das outras artes seus cdigos e elementos. Mas tem tambm seu repertrio particular, onde se destacam: o timing; a dinmica do movimento e o acting. (DELIA, in Lies com cinema, 1996, p. 163)

    O timing se refere ao nmero de imagens que devem ser fotografadas para

    cada segundo de animao. Tambm o que determina a velocidade da ao, a

    qualidade plstica, e responsvel pelo ritmo e pela mtrica, fazendo com que possua

    uma relao direta com a msica. A dinmica do movimento est relacionada aos

    aspectos que caracterizam a ao, DElia19

    Sim, os personagens animados possuem sentimentos e passam por seus

    prprios conflitos. E esses so sentimentos e conflitos que todos os homens sabem

    cita alguns: o referencial (o que est

    movendo em relao a que), a linha de ao (linha que descreve um movimento),

    eixo (linha que sustenta o corpo em movimento), squash (deformao de um corpo

    em movimento que se achata), stretch (deformao de um corpo em movimento que

    se alonga), ciclo (repetio de uma ao), posicionamento (disposio das formas

    para que comuniquem o que se pretende), entre outros. E o acting fazer com que

    a animao, seja de elementos ou personagens, parea crvel, demonstrando

    emoes e personalidade, ter o que o autor chama de dimenso psquica.

    19 DELIA, Cu. Animao, tcnica e expresso. In: BRUZZO, Cristina. Coletnea lies com o cinema: animao. So Paulo: FDE, 1996, p. 164-167

  • 16

    o que so, ou at j viveram. o papel do animador, e o que eles fazem de melhor,

    dar vida a um personagem que, mesmo que no seja real, possa demonstrar seus

    sentimentos, emocionar uma platia, faz-la rir e chorar. Eles conseguem fazer com

    que acreditemos em um mundo na tica de um cachorro, como acontece em A

    Dama e o Vagabundo, ou por exemplo, como na histria de Lilo, personagem do

    filme Lilo & Stitch, que perde seus pais e a irm mais velha assume toda a

    responsabilidade de cri-la. Ao sentir-se sozinha Lilo arruma um amigo de

    estimao, um ser de outro planeta, que faz com que ela se sinta amada e pronta

    para viver grandes aventuras. Mesmo que ns, humanos de carne e osso, no

    possamos adotar um extraterrestre como nosso companheiro, podemos identificar

    um amigo que possa ter passado por uma situao semelhante. como nas novelas

    e na famosa expresso: Isso s acontece em novela. Claro, uma obra de fico

    tem a liberdade de criar situaes que podem ser um tanto exageradas, mas que de

    uma forma ou de outra se adaptam s nossas vidas. O mesmo acontece com o

    cinema de animao. por isso que acreditamos tanto naquelas histrias, entramos

    na narrativas e s vezes, desejamos que fosse real. Histrias contadas h milnios e

    passadas de gerao em gerao fizeram com que os homens sonhassem em se

    tornar super-heris, adquirindo poder e notoriedade, e as mulheres em receber o

    prncipe encantado, a viso da perfeio em cima de um cavalo branco.

    No programa Disneyland Show with Walt Disney apresentado no DVD da

    coleo Walt Disney Treasures: Behind the Scenes at Walt Disney Studios, Disney

    diz que seus animadores tm como objetivo mostrar nos filmes, o que ele chama de

    plausible impossible, ou seja, tirar algo que vai contra as leis da natureza (algo

    impossvel) e fazer com que se parea racional ou aceitvel (algo possvel). Walt

    Disney diz que essa uma referncia encontrada h muito tempo na arte egpcia,

    nos drages chineses, na mitologia grega, etc. Ele tambm acrescenta que outro

    fator importante presente na animao para que possamos nos identificar com ela e

    para torn-la possvel a reproduo das sensaes, como quando um elevador

    sobre, desce, ou pra. Exemplos assim so facilmente encontrados em Alice no

    Pas das Maravilhas.

    Acreditar na histria de um fi lme de animao diferente de acreditar em um

    filme com pessoas e cenrios reais. A animao faz com que o espectador acredite

  • 17

    em um mundo que no existe, ou seja, faz com que acredite na imaginao. a

    realidade da fantasia, da mgica e dos sonhos. So histrias que conseguem nos

    envolver tanto, a ponto de esquecermos o que est por trs.

    Ficamos to encantados com a trama, a cor, a luz, os personagens, o movimento, que relutamos em acreditar como foram produzidos. A tecnologia que est por trs passa a no ter a menor importncia. Vale a emoo, o significado, a experincia da fantasia.(LUCENA, 2005, p. 119)

    Toda essa relao que temos com a animao se deve, principalmente, ao

    trabalho do animador. esse profissional quem imprime os sentimentos no

    personagem. Algo que se assemelha muito ao trabalho de um ator. Alm deles,

    existem pessoas especializadas em criar os cenrios. Todos so verdadeiros

    artistas, e o trabalho que fazem inteiramente artesanal, onde cada frame

    produzido por centenas de pessoas. Assistir a uma animao como ver milhares

    de quadros pintados a vrias mos, que colocados em seqncia produzem o

    movimento. a verdadeira demonstrao de que a arte pode ser destinada s

    massas, e emocionar da mesma maneira. S depende do olhar de cada um.

    Segundo Glen Keane, um dos principais animadores da Disney: Animao no so

    desenhos que se movem. So desenhos que movem as pessoas. 20

    Ser tridimensional possuir altura, largura e profundidade. O mundo em que

    vivemos tridimensional. Uma escultura tridimensional. Uma pintura no ,

    mesmo que consiga nos iludir com truques de luz, sombra e perspectiva. O que

    vemos na televiso, no cinema, ou no computador sempre bidimensional, ou at

    que inventem uma nova tecnologia. Mesmo a animao 3D e os filmes com pessoas

    esto achatados em uma tela, como no papel, so fotografias, que juntas formam o

    movimento. A diferena que podem ser rotacionados, e so facilmente

    reconhecidos pela referncia que temos do dia-a-dia. A animao em trs

    dimenses, gerada por computao grfica, uma inovao recente, que se

    4 O Hiperrealismo e a Linguagem 3D

    20 KEANE, Glen. (2005). Pocahontas: 10th Anniversary Edition 2-Disc Set [Filme-vdeo]. E. Goldberg e M. Gabriel, dir. Burbank, CA: Walt Disney Studios. DVD Duplo/NTSC, 84 min. color. son. (traduo nossa)

  • 18

    desenvolve ano aps ano, sempre na tentativa de copiar o que real. Fazer com

    que o espectador no consiga distinguir o que gerado por computador e o que

    do mundo fsico, ttil. E no caso da insero em um filme 2D, fazer com que no

    seja facilmente reconhecido. Para Ian J. Cooney:

    Se algum disser que viu o filme pronto e percebeu que aquele objeto em 3D, eu no terei feito um bom trabalho. O melhor elogio quando ningum descobre e acham que foi animao t radicional. Meu trabalho colocar a computao grfica misturada com o resto do filme. 21

    Com a chegada do computador, muitos animadores tiveram que largar seus

    lpis e pincis para trabalhar atravs de uma plataforma digital. Isso exigiu

    treinamentos extensos e uma grande dedicao para que um artista pudesse fazer a

    transio de uma tcnica para outra. Segundo artigo da Animation World Magazine

    intitulado From Pencils to Pixels: Making the Transaction (Dos lpis aos pixels:

    Fazendo a transio) do autor Greg Singer: muitos relutaram, muitos apostaram na

    nova tecnologia e muitos ainda sonham com a volta do clssico. A maioria acredita

    que, um dia, a arte do 2D ir voltar. O autor afirma que sempre existir o desafio das

    mudanas tecnolgicas, afinal, um lpis nmero 2 sempre foi um lpis nmero 2, j

    os softwares mudam constantemente. E relata um fato interessante contado pelo

    seu entrevistado Frank Gladstone, do estdio DreamWorks. Profissionais que

    trabalhavam em algumas reas da animao 2D, ao migrarem para o 3D esto

    mudando de rea. Pintores de cenrios se encaixaram muito bem trabalhando com

    iluminao. Pessoas que faziam os efeitos 2D, ou seja, desenhavam chamas de

    importante, tambm, que possamos conceituar os principais termos deste

    estudo, para um melhor entendimento da essncia do tema:

    Computao grfica: Refere-se genericamente ao processo de gerao digital de imagens na tela do computador para animao ou demais usos, em oposio aos processos antigos que implicavam o uso de diversos suportes para desenho. 3D: Sntese de imagens em trs dimenses atravs de modelos matemticos tridimensionais com a memria do computador, e depois animadas. (GLOSSRIO. Lies com cinema, 1996, p. 209-223)

    21 CONNEY, Ian J. (2001). The Emperors New Groove: The Ultimate Groove, 2-Disc Collectors Ed ition. Supplemental Features [Filme-vdeo]. M. Dindal, d ir. Burbank, CA: Walt Disney Studios. DVD Duplo/NTSC, 85 min. colo r. son. (traduo nossa)

  • 19

    fogo, ou gotas de chuva, agora esto criando histrias, pois os efeitos em 3D

    demandam um vasto conhecimento de programao.

    A computao grfica trouxe diversos benefcios para a animao. Coisas

    que no poderiam ser animadas mo, ou que dariam um trabalho imenso, so

    facilmente transportadas para o computador. Ao perceber este artifcio, os estdios

    Walt Disney comearam a colocar elementos 3D no meio de seus longas-

    metragens. Comearam com objetos em Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurus,

    e A Pequena Sereia, fizeram cenrios inteiros, como em Bela e a Fera, e at

    personagens, como em Aladdin. Nesse ltimo caso, a caverna das maravilhas e o

    tapete receberam um tratamento computadorizado. O movimento do tapete era

    desenhado mo e depois levado para o computador para que colocassem sua

    estampa de acordo com cada frame. Ele considerado um personagem por possuir

    emoes e por ser parte fundamental da trama, mas ele no tem um rosto, ou nada

    de humano. Pois justamente essa a maior dificuldade da animao em 3D. Figuras

    humanas no so fceis de reproduzir nesse ambiente. Elas ficam sem

    expressividade ou personalidade, o contrrio do que acontece na produo

    tradicional, onde o trao particular do artista imprime total expresso. Alm disso, as

    figuras humanas no so perfeitas. A imperfeio o que as torna nicas. E ser

    imperfeito na computao grfica feio, contra as regras. Foge do objetivo. Por

    outro lado, personagens muito caricaturais, como os Looney Tunes, por exemplo,

    tambm no seriam viveis em 3D. Eles possuem nuances muito grandes, seus

    corpos precisam se mexer muito e de diferentes maneiras. Ou seja, eles so muito

    loucos ainda para a computao grfica. O que funciona o meio termo, como

    declara John Lasseter, produtor executivo de Os Incrveis:

    Todos na Pixar sabem que quanto mais prximo da realidade voc tem de fazer algo, mais fcil falhar: mas o segredo usado por Brad (Brad Bird, diretor do filme) com 'Os Incrveis' foi produzir alguma coisa que o pblico sabe que no existe, alguma coisa to estilizada que eles estejam prontos a acreditar nela se tudo funcionar de maneira impercept vel. Com a tecnologia pioneira da Pixar, estvamos prontos para conseguir isso. Nosso objetivo em 'Os Incrveis ' era criar seres humanos bem estilizados que nunca pudessem se passar por seres humanos reais, mas com cabelo, pele e roupas to verossmeis que suas reaes tivessem um impacto mais forte e mais dramtico. 22

    22 ARKOFF, Vicki. Como funciona o filme Os Incrveis. Disponvel em: . Acesso em 04 nov. 07

  • 20

    Assim como as animaes tradicionais, em 2D, possuem um certo padro em

    suas histrias, mostrando contos de fada e fbulas, com personagens principais

    femininos, os 3D tambm trazem uma semelhana. O que se v nos principais

    filmes at hoje (so eles: Toy Story, Monstros S/A, Procurando Nemo, Os Incrveis,

    Vida de Inseto, Shrek, Carros e A Famlia do Futuro) so personagens-chave e

    temas masculinos, so super-heris, extraterrestres, insetos, monstros ou seres

    estranhos. So criaturas com estruturas rgidas, sem plos ou partes moles com

    movimentos duros, onde basta manipular as articulaes. Enfim, uma tcnica que

    busca chegar o mais perto do real com histrias e personagens o mais longe

    possvel da realidade. Isso indica que o 3D ainda no est pronto para atingir seu

    objetivo e est em fase de evoluo. Uma viso mais otimista diz que:

    A evoluo da animao computadorizada mudou a cara dos longas -metragens para sempre. Efeitos visuais gerados por computador so to bons que os espectadores acham difcil distinguir quando a realidade sai de cena e a interpretao digital da realidade (ou melhor, a fantasia) comea. Atravs da animao computadorizada, os cineastas conseguem nos levar para mundos que s existem na imaginao e nos assustam com aliens que a gente deseja que os exploradores do espao (astronautas) nunca encontrem. (STREET, 1998, p. 14. traduo nossa)

    Trabalhar com computadores sem dvida facilitou o processo de produo

    dos estdios. Mas o que se deve lembrar que as mquinas so apenas mais uma

    ferramenta, que deve ser manipulada por seres humanos. Esses, por sua vez,

    devem perder a i luso de que apenas saber como utilizar um so ftware de maneira

    tcnica no lhes trar um bom resultado para o trabalho final. Os profissionais que

    iniciaram nos anos 80 cometeram esse erro, e sem qualquer embasamento artstico

    produziram animaes de qualidade duvidosa, sem qualquer apelo 23. Foi o caso do

    filme Tron (Walt Disney, 1982), j mencionado anteriormente, que faz parte do

    primeiro momento de esforos cientficos para a animao computadorizada como

    forma de arte, reconhecido pelo autor Alberto Lucena Jr. 24

    23 LUCENA JR., Alberto. Arte da animao: Tcnica e esttica atravs da histria. So Pau lo (SP), Editora Senac So Paulo, 2005, p.137 24 Ibid., p.159

    como o investimento em

    pesquisa e adaptao dos recursos grficos digitais bsicos (modelagens,

    mapeamentos, iluminao, tcnicas de render, modelos de cor, sistemas de

  • 21

    animao, etc). O segundo momento dedicado ao aprimoramento, com o

    lanamento de programas comerciais de animao 3D, como o Wavefront (1984),

    que geraram filmes como Cassiopeia (1996), longa-metragem brasileiro em 3D

    totalmente gerado por computador. Mas nessa poca os profissionais ainda no

    haviam conseguido demonstrar como essa nova tcnica seria representada

    artisticamente. No que hoje o problema tenha sido solucionado. Mas muita coisa

    mudou e o aprimoramento ntido na maioria dos trabalhos e assim continuar

    conforme a tcnica evoluir.

    Para entendermos qual a diferena entre pretenso artstica e preciso

    tcnica, reproduziremos aqui uma figura produzida em 1983 pela Lucasfilm. Ela

    representa uma paisagem da Califrnia, com o ttulo The Road to Point Reyes e foi,

    na poca, considerada a maior faanha tecnolgica jamais empreendida pela

    computao grfica. Essa imagem est

    presente no livro Arte da Animao: Tcnica e Esttica atravs da histria,

    acompanhada dos seguintes questionamentos do autor:

  • 22

    Vamos observar a imagem da figura acima. Qual a sensao que ela causa? Por acaso essa imagem sugere alguma inteno art stica? Em princpio, no, nenhuma. Ela foi mesmo produzida justamente para parecer o que : uma representao qualquer de uma paisagem qualquer. Simplesmente parecer um registro fotogrfico sem nenhuma pretenso art stica apesar do cuidado evidente na composio, com seu equilbrio plstico/semntico. Fora esse pormenor esttico, temos uma imagem completamente banal. Vista, porm, pelo lado tcnico, essa figura passa longe da banalidade. (LUCENA, 2005, p. 405)

    A computao grfica, quando utilizada para propsitos artsticos, recebeu

    uma definio trazida por Issac V. Kerlow e Judson Rosebush: Computao grfica

    a arte e a cincia em que o computador incorporado no processo de criao e

    apresentao visual. 25

    25 KERLOW, Issac V. e ROSEBUSH, Judson, Computer Graphics for Designers and Artists, Nova York: Van Nostrand Reinhold, 1994

    Mais uma indicao de que o computador apenas mais

    uma ferramenta: ele no pensa, no tem sentimento e no trabalha sozinho. Tudo

    depende de quem o manipula. E este, se no for o prprio artista, deve ser um

    tcnico com condies de transportar o trabalho artstico para uma plataforma

    digital. Pois, se um artista quisesse se dedicar ao aprimoramento das tcnicas

    digitais acabaria tendo que deixar de fazer sua arte para se aprofundar em

    pesquisas. E ainda assim, sentiria a limitao criativa imposta por recursos que

    ainda esto por ser desenvolvidos. Portanto, mesmo os filmes 3D comeam no

    papel, da mesma maneira que faziam com os clssicos. O desenvolvimento dos

    personagens, esboos dos cenrios, story-boards e testes ainda so um trabalho

    artesanal. Quanto aos personagens, por exemplo, so feitos vrios desenhos no

    papel at que o definitivo seja escolhido, em seguida produzido um modelo de

    argila, como uma escultura, que digitalizada em 3D com um scanner e, enfim

    trabalhado no computador. O verdadeiro trabalho de arte acontece fora da mquina.

    Para Alberto Lucena:

    A arte um exerccio contnuo de superao dos limites impostos pela tcnica por mais desenvolvidos que pudessem parecer, os processos tcnicos sempre estiveram aqum das necessidades expressivas da arte. Simplesmente porque esta, como a mente humana, insacivel. Jamais se satisfaz. Seu prazer est em alcanar o impossvel. (LUCENA, 2005, p. 143)

    Figura 1. The Road to Point Eyes, Lucasfilm (1983)

  • 23

    Uma das grandes diferenas entre uma produo atravs das tcnicas

    tradicionais e as tecnolgicas que na primeira o trabalho do artista/animador est

    impresso do comeo ao fim. E para a arte o que mais importa a viso do artista e a

    impresso do observador, a fim de gerar uma cultura visual. o toque particular,

    somente possvel, no caso da animao, no espao bidimensional. Isso por que no

    exige, necessariamente, uma imagem hiper-realista, tornando o trabalho do artista

    mais flexvel, oferecendo total liberdade de expresso e gerando uma relao de

    intimidade com o espectador. J esse mesmo trabalho, quando passado para o

    computador, se torna um processo mecnico e sem identidade. Onde se nota mais o

    trabalho do conjunto hardware/so ftware do que a expressividade de um lpis e um

    pincel.

    Contudo, uma caracterstica se sobressai com o surgimento das tcnicas

    proporcionadas pelo computador: a interao em tempo real, com suas

    possibilidades exploradas muito bem nos jogos eletrnicos. Alm dessa interao

    homem/mquina, podemos verificar uma possibilidade maior de uma interao

    personagem/produto. J que os cenrios e personagens dos filmes e jogos so mais

    realistas do que em ambientes 2D, a opo do product placement (insero de um

    produto, marca ou publicidade dentro de contedos de entretenimento ou fico,

    como se fizessem parte daquilo) se tornou mais vivel e mais crvel. No filme Shrek

    2, por exemplo, podemos ver vrias lojas de grifes famosas nas ruas da cidade de

    To To Distante, inclusive uma cafeteria da rede Starbucks que s notamos ao

    prestar muita ateno. Diferente do que aconteceria se vssemos a Cinderela limpar

    a casa com um produto BomBril, causando total estranhamento.

    Os recursos digitais so um grande avano e preenchem as lacunas do que

    antes no era possvel fazer com a animao tradicional, como no caso do tapete no

    filme Aladdin. O importante que sejam uti lizados para somar, nunca eliminar as

    outras abordagens. Cada uma tem suas vantagens, suas caractersticas positivas e

    negativas e o momento certo para que seja introduzida. O que temos hoje ainda

    mais uma alternativa para viabilizar grandes histrias, o que mais importante do

    que a tcnica utilizada.

  • 24

    4 Juntando as diferenas: uma anlise de A Bela e a Fera

    Figura 2. Psteres de promoo de Beauty and the Beast (1991).

    O longa metragem A Bela e a Fera (Beauty and the Beast) foi lanado em

    1991, como o trigsimo animado da Walt Disney Pictures. A direo de dois

    estreantes: Kirk Wise e Gary Trousdale. A trilha sonora foi composta pelo renomado

    Alan Menken. Linda Woolverton, Roger Allers e Kelly Asbury foram os responsveis

    pelo roteiro, adaptado de um conto de fadas homnimo dos Irmos Grimm,

    publicado em 1812.

    A Bela e a Fera o filme mais premiado da Disney. Foi a primeira animao a

    receber uma indicao ao Oscar de Melhor Filme, vencendo os prmios de Melhor

    Trilha Sonora e Melhor Cano Original (Beauty and the Beast), alm de receber as

    indicaes para Melhor Som e Melhor Cano Original para Be Our Guest e Belle.

    Ganhou mais 3 prmios das 4 indicaes que recebeu para o Globo de Ouro. Dois

    Prmios Grammy e 2 indicaes para o BAFTA (British Academy of Film and

    Television Arts).

    A histria do filme se passa em uma pequena aldeia francesa, no final do

    sculo XVIII. Nela vive Bela, uma jovem que foge da rotina de sua vida e dos

    galanteios de Gaston, um bonito que arranca suspiros de todas as garotas menos

    daquela que deseja. Um dia, o inventor Maurice, pai de Bela, sai para vender uma

    de suas engenhocas e acaba encontrando o castelo de uma fera assustadora, e

  • 25

    feito prisioneiro. Para salv-lo, Bela se oferece para assumir o lugar do pai, e a Fera

    aceita. Com o passar do tempo, a prisioneira, com a ajuda dos empregados

    encantados do castelo (o bule de ch Madame Samovar, o candelabro Lumiere e o

    relgio Horloge, entre outros) passa a ver que por trs da aparncia assustadora da

    Fera se esconde o corao e a alma de um prncipe humano. A paixo dos dois,

    ento, quebra um feitio jogado sobre a Fera e todos os habitantes do castelo, que

    voltam vida como seres humanos. Mas essa no foi a primeira verso criada pelo

    Walt Disney Studios. Em 1930 e 1950 o projeto foi iniciado, mas ainda considerado

    um desafio muito grande. At que no final da dcada de 1980 o projeto foi retomado,

    com uma verso mais parecida com o conto original e consistia em sucessivas

    cenas da Bela e da Fera na mesa de jantar. O enredo era muito montono para ser

    animado, por isso foi reinventado com a adio dos objetos no castelo. Eles deram

    uma amarrao cmica para a histria. Segundo Don Hahn: Dizem que o segredo

    da animao da Disney histria e histria, mas eu acho que personagem e

    personagem. Por que voc quer criar personagens que sejam cativantes e cuja

    histria voc queira acompanhar. HAHN, Don (2002). A Bela e a Fera: Edio

    Especial Limitada, Disco 2 [Filme-vdeo]. K. Wise e G. Trousdale, dir. Burbank, CA:

    Walt Disney Studios. DVD Duplo/NTSC, 180 min. color. son.

    Figura 3. Momento do incio da msica A Bela e a Fera

    A principal seqncia do filme o momento em que Bela e Fera, aps o

    jantar, vo ao salo de baile do castelo e danam ao som de A Bela e a Fera,

    msica tema do filme cantada pela personagem Madame Samovar, o bule de ch.

  • 26

    De acordo com o produtor Don Hahn, em depoimento para o contedo extra do DVD

    A Bela e a Fera, o momento do baile exigiu um esforo maior pois era o pice da

    fantasia:

    Decidimos investir tudo o que tnhamos na seqncia do salo de baile, porque era como se fosse o pice do romance, o pice da fantasia, e sentimos que podamos transportar a platia para o outro ponto de vista fazendo o salo girar e ser aquele incrvel cenrio dimensional. HAHN, Don (2002). A Bela e a Fera: Edio Especial Limitada, Disco 2 [Filme-vdeo]. K. Wise e G. Trousdale, dir. Burbank, CA: Walt Disney Studios. DVD Duplo/NTSC, 180 min. color. son.

    Essa seqncia de 2 minutos e 33 segundos comea quando a Bela e a Fera

    saem de seus quartos, cada um de um lado oposto, e andam at se encontrarem no

    meio. Madame Samovar comea a cantar e os dois descem uma escada. Neste

    momento acontece um corte na cena para o casal na sala de jantar, tomando sopa.

    Bela levanta de sua cadeira, vai at a outra ponta da mesa e convida Fera para

    danar. Ento, eles entram no salo de baile. Esse o momento mais importante,

    pois quando acontece a transio do ambiente bidimensional para o

    tridimensional. o desenho em 2D quem conduz o olhar para o 3D, e este, por sua

    vez, traz a sensao de que estamos entrando no salo junto com os personagens.

    Essa transio foi fundamental para que o espectador percebesse a diferena de

    ambientes, o que poderia causar estranhamento ou surpresa. Na maioria dos casos,

    a segunda hiptese. Mas embora o computador permita a sensao de estarmos no

    filme, os desenhos continuaram a ser feitos com a tcnica tradicional do desenho

    animado, imagem por imagem, envolvendo uma equipe de mais de 500 artistas e

    226 mil folhas de acetato pintadas manualmente 26

    26 BRUZZO, Cristina. As histria infantis de Disney. In: BRUZZO, Cristina. Coletnea lies com o cinema: animao. So Paulo: FDE, 1996, p. 190

    .

  • 27

    Figura 4. Bela e a Fera entrando no salo de baile. Momento da transio para

    o 3D. A escolha de fazer esse cenrio em 3D gerou uma srie de efeitos visuais e

    de linguagem que se agregaram cena, tornando-a mais espetacular e mais ntima.

    Efeitos de luz e movimentos de cmera foram os principais fatores positivos trazidos

    pela nova tcnica, pois possibilitaram novos meios de mostrar uma cena, como

    conta Ed Ghertner27

    27 GHERTNER, Ed (2002). A Bela e a Fera: Edio Especial Limitada, Disco 2 [Filme-vdeo]. K. Wise e G. Trousdale, dir. Burbank, CA: Walt Disney Studios. DVD Duplo/NTSC, 180 min. color. son.

    , diretor de arte do filme: Com o advento da cmera

    computadorizada tivemos mais chances de nos mover pelo espao em outros nveis.

    E tambm neste ponto estvamos entrando na computao grfica. A cmera

    computadorizada consegue acompanhar o movimento dos personagens, ou seja, ela

    dana junto com eles, e ns, observadores, sentimos que tambm estamos ali.

  • 28

    Figura 5. Cmera digital no momento em que mostra a grandiosidade do salo.

    Em um certo momento a cmera desvia dos personagens para mostrar o teto

    do salo onde existe um lindo e enorme lustre e uma pintura clssica de anjos no

    cu. Em seguida desce devagar enquanto Bela e a Fera esto girando pelo salo.

    Esse considerado o momento mais impressionante. Demonstra toda a

    versa tilidade da cmera computadorizada, que de certo modo tenta imitar a cmera

    real. O mesmo movimento utilizado nesse longa-metragem animado poderia ser

    reproduzido em um filme live-action, mas necessitaria de muito espao para

    instalao de uma grua e do melhor equipamento disponvel.

    Figura 6. Teto do salo de baile com pintura de anjos.

  • 29

    A cena no to espetacular somente por possuir um cenrio tridimensional.

    A riqueza de detalhes faz com que cada vez que assistida se perceba uma coisa

    nova. Um aspecto interessante de ser notado a utilizao de formas arredondadas

    em todo o salo. Elas proporcionam uma melhor acstica, fazendo com que o som

    tome conta do ambiente, alm de serem uma representao do crculo, a forma

    perfeita. Os antigos gregos usavam formas redondas pois acreditavam que eram

    obras dos Deuses, assim como o sol e os planetas, por isso, sua arquitetura era

    sustentada por colunas redondas, tambm presentes no salo de A Bela e a Fera. A

    circularidade do cenrio tambm facilitou os movimentos giratrios da cmera. Outra

    forma de representao do sagrado, na cena, so os anjos pintados no teto, assim

    como na Capela Sistina, pintada por Michelangelo entre 1508 e 1512.

    O Anjo uma criatura celestial - que, na generalidade, a maioria dos crentes das religies fundadas na revelao bblica acredita ser superior aos homens - que serve como ajudante ou mensageiro de Deus. Na iconografia comum, os anjos geralmente tm asas brancas de pssaro e uma aurola. So donos de uma beleza delicada e de um forte brilho, por serem constitudos de energia, e por vezes so representados como uma criana, por terem inocncia e virtude. Possuem influncia sobre todo o plano orgnico e elemental, sendo assim, eles tm como uma de suas misses, ajudar a humanidade em seu processo de evoluo. (CASTRO, Rafael L. Crtica: Anjos da Vida, Asas que no encharcam. Disponvel em: . Acesso em: 17 nov. 2007)

    Alm de sagrado, os anjos so representaes de ancestralidade, assim

    como as estrelas que vemos pelo vidro do salo. Desde que o mundo mundo as

    estrelas esto l. E como j foi mostrado em outro filme da Disney, O Rei Leo, elas

    so consideradas uma janela para o passado. H quem acredite que nossos

    ancestrais esto l. Estrelas tambm trazem um toque de magia e encantamento,

    principalmente a estrela cadente, que aparece no filme no momento em que a

    msica acaba e o casal se senta na varanda.

    Todos esses detalhes fazem referncia a histria de A Bela e a Fera, e a letra

    da msica desta cena. Isto no pode ser to facilmente percebido na verso

    brasileira, que por questes de ritmo e harmonia, na troca da lngua no pde

    receber a traduo literal do ingls, a verso original. As estrofes: Tale as old as

    time/Song as old as rhyme/Beauty and the beast (Conto to antigo quanto o

    tempo/Msica to antiga quanto a rima/Bela e a Fera) e na traduo em espanhol:

  • 30

    Fabulo ancestral/Msica inmortal/Bella y Bestia son (Fbula ancestral/Msica

    imortal/Bela e a Fera so) resume e explica as referncias sagradas e ancestrais.

    Quer dizer que a histria vivida pelo casal protagonista do filme, ou seja, a unio das

    diferenas e algum que consegue enxergar alm das aparncias, algo que

    sempre existiu, uma histria que sempre foi contada e a verdade do ditado: Amor

    no v cara, v corao. E de acordo com o diretor do filme, Kirk Wise, no h nada

    melhor do que a msica para nos dizer isso: As msicas contam muita histria em

    um pequeno espao de tempo. Em muito o filme deve s msicas o seu sucesso

    estrondoso. Mas no s em A Bela e a Fera, a grande maioria dos filmes da Disney

    possuem canes memorveis que so parte fundamental da trama e s vezes

    contam melhor a histria do que os dilogos dos personagens. o que diz John

    Canemaker, historiador de animao, em depoimento para o contedo extra do DVD

    de A Bela e a Fera:

    Ningum melhor do que a Disney para usar a msica. Em Branca de Neve e os Sete Anes, por exemplo, ela aquece a trama e no apenas isso, ela tambm ajuda a entender os personagens, a expresso dos sentimentos muitas vezes feita at ravs da msica. CANEMAKER, John (2002). A Bela e a Fera: Edio Especial Limitada, Disco 2 [Filme-vdeo]. K. Wise e G. Trousdale, dir. Burbank, CA: Walt Disney Studios. DVD Duplo/NTSC, 180 min. color. son.

    Alm da cena do salo de baile, outros objetos tridimensionais podem ser

    encontrados em A Bela e a Fera, como por exemplo, as escadas do castelo da Fera

    e os talheres danando em volta do lustre durante a msica Be our guest (

    vontade) em um jantar preparado pelos objetos da casa para Bela. At o filme ser

    lanado, a Disney ainda no se arriscaria a produzir seus personagens em 3D e

    nem era essa a inteno. A nova tcnica ainda estava em experimentao e

    desenvolvimento, mas eles j sabiam, por experincias em fi lmes anteriores, que

    certos objetos que seriam muito complicados para serem desenhados quadro-a-

    quadro agora teriam a ajuda da computao grfica. Isso, alm de facilitar o trabalho

    da equipe, os deixaria com um visual agradvel na tela, a ponto de se misturarem

    com o resto do filme em 2D. Na cena do salo de baile, onde so somente colunas,

    uma porta, paredes, um lustre e um tapete, a tcnica tridimensional conseguiu

    reproduzir um ambiente muito perto daquilo que temos como referncia da

    realidade. Nesse caso o 3D foi introduzido no momento exato para causar um

  • 31

    impacto no espectador e cumpriu seu objetivo, levando as pessoas para dentro do

    salo. Se esse ambiente fosse bidimensional como o resto do filme, seria mais uma

    cena comum. No haveria o mesmo encantamento. E ainda, a utilizao de duas

    tcnicas diferentes (chamado de sistema hbrido) tem muita compatibilidade com a

    histria do filme, que so dois personagens de dois mundos diferentes que se

    encontram, e alm deles, todos os outros possuem duas personalidades. John

    Canemaker ressalta: Acho que os personagens principais de A Bela e a Fera so

    muito interessantes por que so multidimensionais e no uma coisa s. Eles so

    muitas coisas. So personagens multifacetados. (CANEMAKER, John (2002). A

    Bela e a Fera: Edio Especial Limitada, Disco 2 [Filme-vdeo]. K. Wise e G.

    Trousdale, dir. Burbank, CA: Walt Disney Studios. DVD Duplo/NTSC, 180 min. color.

    son.)

    5 O Clssico e o Moderno: Consideraes Finais

    A Coca-Cola era apenas a Coca-Cola at que o lanamento da New Coke

    fez com que a anterior se tornasse a Clssica. O mesmo aconteceu com a

    animao em 2D, feita mo, com o advento da computao grfica. Foi quando

    todos os envolvidos com o processo comearam a refletir sobre o que seria o futuro

    e o que aconteceria com o passado. E o mesmo acontece com tudo aquilo que

    passa por uma evoluo, uma mudana muito grande, que exige adaptao, e

    talvez, uma renncia daquilo que j era conhecido. Outro exemplo aconteceu com o

    relgio, que era somente um relgio at que a uma mudana tecnolgica fez com

    que considerssemos o tempo como analgico ou digital. Mas s pensarmos em

    como os relgios digitais fizeram com que reparssemos nas propriedades do

    analgico. Os digitais podem ser mais precisos e mais fceis de ler, mas os

    analgicos nos do uma viso mais grfica do tempo. Uma forma de ver a meia

    hora, por exemplo, que parece mais real.

    O importante que a nova tcnica no substitua a outra. E sim, que sejam

    utilizadas da melhor forma possvel, explorando ao mximo o potencial de cada uma

    no momento mais adequado. O que temos como consideraes finais deste primeiro

    estudo sobre as duas tcnicas mais utilizadas na animao, o ponto alto e o ponto

  • 32

    fraco de cada uma delas, sendo assim, tambm a circunstncias em que devem ser

    aplicadas de acordo com o objetivo do trabalho.

    A figura digital, por exemplo, como j foi mostrada anteriormente na

    reproduo da Lucasfilm intitulada The Road to Point Eyes, se esfora para ser

    perfeita, ou seja, idntica ao que real, e em certos casos consegue. Mas a

    reproduo exata s ser perfeita do ponto de vista tecnolgico, em termos de arte,

    no significada nada, pois no h a impresso do artista.

    Ainda assim, o cinema de animao tridimensional demonstra uma evoluo

    contnua, principalmente na tentativa de proporcionar maior liberdade e expresso

    artstica. E j comea a mostrar sinais de que pode sustentar uma histria com

    personagens intensos, como em Ratatouille, lanamento da Disney e da Pixar em

    2007. Mesmo assim, houve uma preparao para que esse filme no fosse

    considerado to duro quanto os outros em 3D e para que o espectador enxergasse

    o que pode ser a arte quando produzida no computador. Foi buscando esse

    resultado que as principais imagens de divulgao de Ratatouille antes do seu

    lanamento foram conceituais, ou seja, desenhos feitos mo antes de comear a

    produo, que servem como referncia para o que ser feito no computador. E com

    o lanamento do DVD Ratatuouille, veio a maior das surpresas: o primeiro curta

    animado em 2D da Pixar, um dos estdios precursores da tcnica 3D e um dos

    maiores defensores. O curta se chama Seu amigo o rato e sua arte muito

    conceitual, lembrando o trabalho da UPA United Productions of Amrica. Para

    Tom Sito:

    A antiga, grande renascena do 2D agora histria, mas o futuro ainda no previsvel. Pode ser que ainda faam longas-metragens e sries de televiso com sucesso, mas sero produzidas como uma escolha ecltica. Ser como produzir um filme em preto e branco. 28

    28 SITO, Tom. The Late, Great, 2D Animat ion Renaissance Part 2. Animation World Magazine, maro 2006. Disponvel em: . Acesso em: 2 nov. 2007. (Traduo nossa).

  • 33

    Figura 7. Arte conceitual de Ratatouille.

    Uma outra surpresa foi o anncio de que a Disney voltaria a produzir

    animao tradicional lanando seus novos projetos: Encantada (2007) e A Princesa e o Sapo (previsto para 2009). Esse anncio veio seguido de uma declarao de Kevin Lima, diretor de Encantada sobre a volta do 2D:

    Por que abandonar uma forma de arte? Todos ns crescemos com animao clssica Disney. Mesmo que voc a tenha superado, ainda est dentro de voc. V-la ir embora doloroso. Mas t-la de volta como um velho amigo vindo sentar no sof prximo de voc.29

    A animao tradicional j nos trouxe histrias marcantes e est associada

    melhor poca de nossas vidas: a infncia. uma arte que no deve ser perdida.

    como a pintura clssica, que mesmo com as instalaes modernas, performances

    artsticas, vdeo-arte e pinturas modernas, nunca vai deixar de ser produzida,

    apreciada e estudada, bem como seus autores. E alm da arte, as histrias

    apresentam algo de poderoso, que se transforma em parte da sociedade, se torna

    senso-comum e consagra cones da cultura. Dois timos exemplos esto em Branca

    de Neve e os Sete Anes. A ma envenenada preparada pela bruxa para Branca

    de Neve sempre a primeira lembrana quando algum menciona a fruta. Embora

    exista, em uma outra histria tambm conhecida de todos, uma ma to, ou mais

    O 2D tem uma certa liberdade que difcil de reproduzir no computador. a

    liberdade artstica, e tambm a de criar uma total fantasia. E o mais importante, faz

    com o que o pblico acredite nela. Pois se o desenho animado, por sua essncia,

    tem como objetivo criar um mundo mgico, fantasioso, no h razo para tornar

    esse mundo uma cpia real, que o objetivo do 3D.

    29 WLOSZCZYNA, Susan. Disney's enchanting return to 2-D animation USA Today, out. 2007. Disponvel em: < http://www.usatoday.com>. Acesso em: 18 nov. 2007. (Traduo nossa)

  • 34

    poderosa quanto: aquela de Ado e Eva. O outro cone o ano, que possui

    presena marcante no filme e hoje pode ser visto em grande parte dos jardins de

    casas.

    Mais um fator que faz com que os fi lmes de animao tradicional sejam to

    importantes a sua atemporalidade, sejam eles longas-metragens, curtas-

    metragens ou sries de televiso. No importa quando foram produzidos, suas

    histrias no perdem fora, no parecem antigas como nas novelas, por exemplo,

    que algumas so classificadas como de poca, no existe animao de poca. A

    prpria aparncia no denota se um lanamento aconteceu h 50 anos, diferente

    dos filmes com pessoas do mesmo perodo. Isso faz com que as crianas deste

    sculo assistam Alice no Pas das Maravilhas (1951), ou qualquer outro filme

    clssico da Disney, sem nenhum fator que as faa acreditar que aquela mensagem

    j no serve mais para ela, ou que seja apenas um retrato do passado. O mesmo

    provvel que no acontea com as animaes em 3D quando a tecnologia estiver

    to avanada que consiga uma reproduo perfeita do real. Tudo o que foi feito

    anteriormente mostrar a falta de recursos, da tecnologia que ainda estava

    evoluindo, e pode parecer mal produzido e desinteressante aos olhos do espectador.

    Segundo Stephen Barnes:

    Eu vejo o 2D no como um estilo que est morrendo, mas que est passando por um perodo de inatividade. Pode ser que exista um perodo de quietude enquanto todos esto indo para o GC(Computer Generated)-3D, mas depois, pode haver um perodo em que o mercado v explorar novamente todas as possibilidades. Nesse momento o 2D no vai ser s papel e lpis. Eu acredito que nos prximos anos, faro todos os tipos de interferncias e o 2D pode ser salvo pela prpria tecnologia CG, a mesma que a est substituindo agora. 30

    O 2D no vai morrer, e o 3D veio para ficar. Mas s voltaremos a ver a mgica

    dos desenhos animados, dos contos de fada, dos grandes clssicos, se a arte do 2D

    renascer nas mos daqueles que esto trocando o lpis pela caneta digital. A maior

    reclamao dos profissionais que trabalham com o 3D em relao ao 2D a

    multido de pessoas que precisam trabalhar simultaneamente para que um filme

    seja concludo. No entanto, o computador j pode auxiliar em algumas partes do

    processo, principalmente ao colorir os personagens, que consiste em um processo

    30 BARNES, Stephen. Make it Real Part 3: 2D, Anyone? Animation World Magazine, abril 2005. Disponvel em: . Acesso em: 02 nov. 2007. (Traduo nossa)

  • 35

    repetitivo, que nada influencia na prpria arte. E tambm, em ocasies em que o

    trabalho manual seria um esforo muito grande e no teria um bom resultado. O

    computador est pronto para suprir essas deficincias, como no caso do tapete

    mgico de Aladdin. Ou para causar uma impresso positiva e colocar o espectador

    dentro da cena, como o cenrio do salo de baile de A Bela e a Fera. Ou ainda, em

    momentos que exigem muita agilidade e movimentos de cmera radicais, como em

    Tarzan, na cena em que o protagonista est deslizando sobre as rvores, como se

    estivesse em uma pista de skate. A estrutura dos galhos foi feita em 3D, e a pintura

    desse cenrio foi digital, mas muito semelhante aos traos de um pincel. Nesta

    cena, perceber o uso do computador quase impossvel, principalmente para o

    pblico leigo.

    Figura 8. Pintura digital em Tarzan.

    A possibilidade de produzir animao por computador trouxe muitas vantagens.

    Mas, apesar da empolgao com a novidade, no deve substituir as tcnicas

    anteriores e sim agregar conhecimento. Quando presente em momentos

    estratgicos, consegue acrescentar ao filme e histria sem substituir o trabalho

    artstico, a expresso e o toque pessoal dos animadores. Frank Gladstone, diretor

    de desenvolvimento artstico da DreamWorks, acredita que, mesmo trabalhando

    com as tcnicas de 3D, sua equipe no deve esquecer o lado artstico da animao.

    Ele afirma: As pessoas querem sempre ver algo novo. Mas os visuais e os truques

    que conseguimos fazer tm que servir histria, no transformar a histria. E essa

    sempre a coisa mais importante.31

    31 GLADSTONE, Frank. From Pixels to Pencils: Making the Transition. Animation World Magazine, maio 2004. Disponvel em: . Acesso em: 18 nov. 2007. (Traduo nossa)

  • 36

    Os filmes de animao 3D impressionam muito, mas em geral, pela tcnica,

    quando, na verdade, a emoo da histria deveria se sobrepor. E por isso, deveriam

    ser uti lizados somente como um complemento tcnico, como aconteceu em

    Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurus, A Pequena Sereia, A Bela e a Fera,

    Aladdin, entre outros. A imagem gerada por computador, quando usada como um

    completo da arte, levando-a at onde ela no consegue chegar, cumpre melhor seu

    objetivo e assim consegue emocionar o espectador, como no caso do salo de baile

    em A Bela e a Fera. Os contos de fada em geral so muito difceis de serem

    produzidos integralmente em 3D, pois alm da grande dificuldade que essa tcnica

    tem de representar a figura humana, essas histrias exigem leveza, riqueza de

    detalhes e traos sutis. Entretanto, a tcnica mais adequada para filmes em que os

    personagens principais so insetos, extraterrestres, monstros e robs. Alm de

    serem a escolha mais adequada para filmes cuja histria no exige grande emoo,

    se dirigindo para as tramas cmicas, que o caso da trilogia de Shrek, Deu a Louca

    na Chapeuzinho (2005) e Deu a Louca na Cinderela (2007), que so justamente

    pardias dos contos de fada.

  • 37

    6 REFERNCIAS

    6.1 Bibliogrficas BECKERMAN, Howard. Animation The whole story. New York (NY): Allworth Press, 2003. GRAA, Maria Estela. Entre o olhar e o gesto. Elementos de uma potica da imagem animada. So Paulo (SP): Editora Senac, 2006. LUCENA JR., Alberto. Arte da animao. Tcnica e esttica atravs da histria. So Paulo (SP): Editora Senac So Paulo, 2005. STREET, Rita. Computer animation. A whole new world. Gloucester (MA): Rockport Publishers, 1998. MALTIN, Leonard. The Disney films. New York (NY): Disney Editions, 1984. CANEMAKER, John. Walt Disneys Nine Old Men & The art of animation. New York (NY): Disney Editions, 2001. WEISHAR, Peter. CGI: The art of 3D Computer-Generated Image. New York (NY), Harry N. Abrams, Inc., 2004. WEISHAR, Peter. Blue Sky. The art of computer animation. New York (NY): Harry N. Abrams, Inc., 2002. CONTRERA, M.S. O mito na mdia. So Paulo (SP): Annablume, 1996. COUTINHO, Laura Maria. O estdio de televiso e a educao da memria. Braslia (DF): Editora Plano, 2003. HALAS, John & MANVELL, Roger. A tcnica da animao cinematogrfica. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1979. DELIA, Cu. Animao, tcnica e expresso. In: BRUZZO, Cristina. Coletnea lies com o cinema: animao. So Paulo: FDE, 1996. BRUZZO, Cristina. As histria infantis de Disney. In: BRUZZO, Cristina. Coletnea lies com o cinema: animao. So Paulo: FDE, 1996. KERLOW, Issac V. e ROSEBUSH, Judson, Computer Graphics for Designers and Artists. Nova York: Van Nostrand Reinhold, 1994. SOLOMON, Charles. Enchanted Drawings: The History of Animation. New York: Random House Value Publishing, 1994.

    The Road to Point Reyes, Lucasfilm (1983)

  • 38

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    6.3 Filmogrficas A Bela Adormecida Sleeping Beauty 1959 - Walt Disney Pictures A Bela e a Fera Beauty and the Beast - 1991 - Walt Disney Pictures A Dama e o Vagabudo Lady and The Tramp 1955 - Walt Disney Pictures A Famlia do Futuro Meet the Robinsons - 2007 - Walt Disney Pictures A Nova Onda do Imperador The Emperors New Groove - 2000 - Walt Disney Pictures A Pequena Sereia The Little Mermaid 1989 - Walt Disney Pictures A Princesa e o Sapo The Princess and The Frog previso para 2009 Walt Disney Pictures Aladdin Aladdin - 1992 - Walt Disney Pictures Alice no Pas das Maravilhas Alice in Wonderland 1951 - Walt Disney Pictures Bambi Bambi 1942 - Walt Disney Pictures Beavis and Butt-Head Beavis and Butt-Head 1993 Music Television (MTV) Animation Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurus The Rescuers Down Under 1990 - Walt Disney Pictures Branca de Neve e os Sete Anes Snow White and the Seven Dwarfs - 1937 - Walt Disney Pictures Carros Cars 2006 - Walt Disney Pictures & Pixar Animation Studios Cassiopia 1996 NDR Filmes Produes Ltda. Cinderela Cinderela 1950 - Walt Disney Pictures Deu a Louca na Chapeuzinho Hoodwincked - 2005 Blue Yonder Films Deu a Louca na Cinderela - Happily N'Ever After 2007 - BAF Berlin Animation Film Disney Treasures: Behind the Scenes at Walt Disney Studios - 2002 - Walt Disney Productions Dumbo Dumbo 1941 - Walt Disney Pictures E o Vento Levou Gone With the Wind 1935 Selznick International Pictures Encantada Enchanted 2007 - Walt Disney Pictures Era do Gelo Ice Age 2002 Blue Sky Era do Gelo 2 Ice Age 2-The Meltdown 2006 Blue Sky Fantasmagorie 1908 Emile Cohl Flowers and Trees Silly Symphonies 1932 Walt Disney Pictures Formiguinhaz Ants 1998 Dream Works Animation Gerald McBoing-Boing - 1951 United Productions of America (UPA) Gertie 1914 Winsor McCay Humurous Phases of Funny Faces 1906 James Stuart Blackton Lilo & Stitch Lilo & Stitch 2002 - Walt Disney Pictures Little Nemo 1911 Winsor McCay Luxo Jr. 1986 Pixar Animation Studios Madagascar Madagascar 2005 - Dream Works Animation Manda-Chuva Top Cat 1961 - Hanna-Barbera Miserable Pack of Wolves 1956 - United Productions of America (UPA) Monstros S/A Monsters Inc. 2000 - Walt Disney Pictures & Pixar Animation Studios Mr. Magoo - 1953 - United Productions of America (UPA) Mulan Mulan - 1998 - Walt Disney Pictures

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    My Old Kentucky Home Song Cartunes 1924 Max Fleischer O Caldeiro Mgico The Black Cauldron 1985 - Walt Disney Pictures O Co e a Raposa The Fox and The Hound -1981 - Walt Disney Pictures O Galinho Chicken Little Chicken Little 2005 - Walt Disney Pictures O Rei Leo The Lion King 1994 - Walt Disney Pictures Os Flintstones The Flinstones 1960 - Hanna-Barbera Os Incrveis The Incredibles 2003 - Walt Disney Pictures & Pixar Animation Studios Os Jetsons The Jetsons -1962 - Hanna-Barbera Os Sem Floresta Over the Hedge - 2006 - Dream Works Animation Os Simpsons O Filme Simpsons - The Movie 2007 20th Century Fox Os Simpsons The Simpsons 1989 Fox Network Pinquio Pinocchio 1940 - Walt Disney Pictures Pocahontas Pocahontas - 1995 - Walt Disney Pictures Por gua Abaixo Flushed Away - 2006 - Dream Works Animation Procurando Nemo Finding Nemo 2003 - Walt Disney Pictures & Pixar Animation Studios Ratatouille Ratatouille 2007 - Walt Disney Pictures & Pixar Animation Studios Robs Robots 2005 Blue Sky Root Toot Toot - 1952 - United Productions of America (UPA) Shrek Shrek 2001 - Dream Works Animation Shrek 2 Shrek 2 2004 - Dream Works Animation Shrek Terceiro Shrek The Third 2007 - Dream Works Animation Sinking of the Lusitania 1918 Winsor McCay South Park South Park 1997 Comedy Central Steamboat Willie 1928 - Walt Disney Pictures Tarzan Tazan - 1999 - Walt Disney Pictures The Adventures of Andr & Wally B. 1984 Pixar Animation Studios The Debut of Thomas Cat 1920 J.R. Bray The Huckelberry Hound Show 1958 Hanna-Barbera The Ruff & Reddy Show 1957 Hanna-Barbera The Tell-Tale Heart 1953 - UPA The Unicorn in the Garden - 1953 - United Productions of America (UPA) Toy Story Toy Story 1995 - Walt Disney Pictures & Pixar Animation Studios Toy Story 2 Toy Story 2 1999 - Walt Disney Pictures & Pixar Animation Studios Tron Tron -1982 - Walt Disney Pictures Uma Cilada para Roger Rabbit Who Framed Roger Rabbit? 1988 Walt Disney Feature Animation Vida de Inseto Bugs Life 1998 - Walt Disney Pictures & Pixar Animation Studios Z Colmia e sua Turma Yogi Bear 1973 Hanna-Barbera