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A IMAGEM FEMININA NA POLÍTICA NACIONAL: UMA ANÁLISE DA COBERTURA DO JORNAL NACIONAL DA REDE GLOBO NAS CAMPANHAS DE DILMA ROUSSEFF E MARINA SILVA NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2010 Ana Carolina Felipe Contato (UEL) Eixo Temático: 11- Imagem política Resumo Este trabalho se propõe a estudar os elementos presentes na construção das imagens das candidatas à Presidência da República: Marina Silva, do Partido Verde e Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores no noticiário da Rede Globo de Televisão, Jornal Nacional. Tendo em vista o recorrente estereótipo discursivo e imagético feito da figura feminina, far-se-á uma análise de quatro reportagens veiculadas pelo JN, em que este cite as candidatas à presidência, com o objetivo de verificar se há distinção em relação aos outros candidatos, adotando-se um critério sexista. Para o desenvolvimento do estudo serão utilizadas como recorte duas edições do telejornal de setembro de 2010, mês precedente às eleições do 1º turno. Serão avaliadas as aparições diárias das candidatas e os elementos discursivos utilizados pelo telejornal. Palavras- chave: Jornal Nacional, Dilma Rousseff, Marina Silva. Considerações Iniciais Pensar a relação jornalismo e política tem sido a tônica de incontáveis estudos ligados às escolas de comunicação. Entretanto, o silenciamento do papel feminino nesse processo, especialmente no Brasil, mostra um ramo até então pouco explorado. Ainda no Brasil Império, a classe feminina luta pelos espaços públicos e busca assegurar direitos defendidos desde muito antes, na Europa. Em diálogo com a Obra “Elogio da diferença – o feminino emergente”, de Rosiska Darcy de Oliveira, o presente artigo se propõe a verificar de que forma é tratada a mulher, enquanto ser social e político, por meio do telejornal mais antigo ainda em exibição no Brasil: o Jornal Nacional, da Rede Globo. Além do percurso histórico dos movimentos feministas ao redor do planeta, a inserção feminina nos espaços públicos e de que forma estas são vistas pela sociedade brasileira são temas para discussão deste trabalho. Movimento feminista: história e lutas políticas Iniciado na França, na primeira metade do século XIX, o movimento feminista reclamava os direitos políticos e econômicos das mulheres, especialmente as de classe média e operárias. Baseadas na política socialista, as militantes da emancipação feminina defendiam que a classe trabalhadora como um todo deveria lutar por esse direito das mulheres. III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR 180

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A IMAGEM FEMININA NA POLÍTICA NACIONAL: UMA ANÁLISE DA COBERTURA DO JORNAL NACIONAL DA REDE GLOBO NAS CAMPANHAS DE DILMA ROUSSEFF E MARINA SILVA NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2010

Ana Carolina Felipe Contato (UEL) Eixo Temático: 11- Imagem política Resumo Este trabalho se propõe a estudar os elementos presentes na construção das imagens das candidatas à Presidência da República: Marina Silva, do Partido Verde e Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores no noticiário da Rede Globo de Televisão, Jornal Nacional. Tendo em vista o recorrente estereótipo discursivo e imagético feito da figura feminina, far-se-á uma análise de quatro reportagens veiculadas pelo JN, em que este cite as candidatas à presidência, com o objetivo de verificar se há distinção em relação aos outros candidatos, adotando-se um critério sexista. Para o desenvolvimento do estudo serão utilizadas como recorte duas edições do telejornal de setembro de 2010, mês precedente às eleições do 1º turno. Serão avaliadas as aparições diárias das candidatas e os elementos discursivos utilizados pelo telejornal.

Palavras- chave: Jornal Nacional, Dilma Rousseff, Marina Silva.

Considerações Iniciais

Pensar a relação jornalismo e política tem sido a tônica de incontáveis estudos ligados às

escolas de comunicação. Entretanto, o silenciamento do papel feminino nesse processo,

especialmente no Brasil, mostra um ramo até então pouco explorado. Ainda no Brasil

Império, a classe feminina luta pelos espaços públicos e busca assegurar direitos defendidos

desde muito antes, na Europa. Em diálogo com a Obra “Elogio da diferença – o feminino

emergente”, de Rosiska Darcy de Oliveira, o presente artigo se propõe a verificar de que

forma é tratada a mulher, enquanto ser social e político, por meio do telejornal mais antigo

ainda em exibição no Brasil: o Jornal Nacional, da Rede Globo. Além do percurso histórico

dos movimentos feministas ao redor do planeta, a inserção feminina nos espaços públicos e de

que forma estas são vistas pela sociedade brasileira são temas para discussão deste trabalho.

Movimento feminista: história e lutas políticas

Iniciado na França, na primeira metade do século XIX, o movimento feminista reclamava os

direitos políticos e econômicos das mulheres, especialmente as de classe média e operárias.

Baseadas na política socialista, as militantes da emancipação feminina defendiam que a classe

trabalhadora como um todo deveria lutar por esse direito das mulheres.

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É importante lembrar que esta é a época da Revolução Industrial na Europa, e que a entrada

maciça da mulher no mercado de trabalho reforça o ideal de igualdade entre os sexos. As

sociedades industriais avançadas abalam os preceitos de opressão feminina e abrem caminho

para a penetração da mulher no espaço público. Para Rosiska Oliveira, este foi o início da

ruptura de paradigmas entre os gêneros.

“De fato, ao dar origem a uma mão-de-obra feminina, a Revolução Industrial introduz uma primeira ruptura no paradigma da diferenciação de mundos, na medida em que separa a casa do lugar de trabalho e confronta homens e mulheres às mesmas máquinas, ritmos e exigências da produção fabril” (OLIVEIRA, 1993, p. 43)

Concomitantemente aos movimentos europeus, nos Estados Unidos a militante Margaret

Fuller acreditava que somente as próprias mulheres poderiam ser autoras da mudança que

pretendiam ver. Este preceito norteou o movimento feminista até meados do século XX.

Enquanto as ocidentais davam os primeiros passos na busca por direitos civis e políticos, as

mulheres russas lutavam na linha de frente pela Revolução Comunista de 1917.

“Assim, Alexandra Kollontai formou em 1907 um clube de 200 mulheres em São Petersburgo, que exigia a proteção das trabalhadoras contra o trabalho excessivo, antes e depois da maternidade. Os primeiros decretos sociais da Revolução Bolchevique criaram o seguro contra doença, os cuidados gratuitos por 16 semanas antes e depois do nascimento de um filho e a proibição de despedir uma trabalhadora grávida. O domínio do marido foi suprimido no matrimônio e na administração dos bens do casal; o divórcio foi facilitado e o filho ilegítimo passou a ser igual ao filho legítimo”. (MICHEL, 1983, p. 105).

Algum tempo depois, na Alemanha nazista, às mulheres cabia obedecer à política dos três

“K”: Kinder (filhos), Küche (cozinha) e Kirche (igreja). As que ousavam disseminar ideais de

libertação sexual feminina eram consideradas tão impuras quanto judeus, negros e

homossexuais.

Com o fim dos regimes fascistas, o movimento feminista ganhou novo fôlego a partir da

década de 70, quando

“O impulso igualitário, suscitado pelas lutas contra a discriminação racial e o colonialismo, o questionamento do saber estabelecido, da razão científica e da política institucionalizada, a busca de um reencantamento do mundo e da vida em reação contra a uniformização e o gigantismo da sociedade pós-industrial, a emergência da questão ecológica, todas essas aspirações a uma vida outra, a um mundo diferente, ‘aqui e agora’, convergem para abrir uma nova brecha nas fundações da sociedade. Aparecem fissuras e rupturas onde antes só se viam passividade, conformismo e prosperidade material”. (OLIVEIRA, 1993, p. 46)

Neste contexto é que se insere a segunda fase do feminismo; se num primeiro momento as

mulheres querem provar que são iguais aos homens e por isso podem exercer funções

masculinas, na segunda metade do século XX “a contestação visava provar que as mulheres

não são inferiores aos homens mas também não são iguais a eles e que essa diferença, longe

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de representar uma desvantagem, contém um potencial enriquecedor de crítica da cultura”.

(OLIVEIRA, 1993, p.71)

Além de todo o reboliço cultural ocorrendo em diferentes partes do globo, o direito de votar

(recém adquirido) deu às mulheres a abertura necessária para a inserção na vida política. Na

Bélgica, foi criado o Partido Feminista Unificado e no Japão, o Japan’s Women’s Party. Na

França, a associação Choisir de mulheres, apresentou candidatos feministas nas eleições

legislativas de 1978.

Ainda que consideradas historicamente de direita, as mulheres inseridas na política lutavam

para obter direitos até então considerados tabus, mas que sempre foram a tônica do

movimento feminista, entre eles: emancipação política e sexual, controle de natalidade e,

principalmente, direito ao aborto.

Este último, o mais polêmico de todos os temas, causou grande discussão ainda em meados da

década de 60, quando Simone de Beauvoir, militante da causa feminista, declarou que “a

liberação das mulheres começa pelo ventre”. (MICHEL, 1983, p. 118).

Embora países como Inglaterra, França, Itália e Estados Unidos tenham liberado o aborto

entre as décadas de 60 e 70, a mentalidade conservadora continuava sendo maioria e “em

1978 (nos Estados Unidos), mais de 15 clínicas em que se praticava o aborto foram vítimas de

incêndios, de vandalismo ou de estalidos de bombas”. (MICHEL, 1983, p. 120).

Mesmo que tímida e controversa, a entrada da mulher na vida pública, mais especificamente

na política, vem se dando de forma progressiva ao longo da segunda metade do século XX e

início de século XXI.

Na América Latina, María Estela Martínez de Perón foi a primeira mulher a comandar uma

nação, entre os anos de 1974 e 1975, na Argentina. Depois dela, dez mulheres chegaram ao

cargo máximo do executivo.

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Tabela 1

As mulheres presidentes na América Latina

Presidentes País Período

María Estela Martínez de Perón

Argentina 1974-1976

Violeta Chamorro Nicarágua 1990-1997

Janet Jagan Guiana 1997-1999

Mireya Moscoso Panamá 1999-2004

Michelle Bachelet Chile 2006-2010

Cristina Kirchner Argentina 2007-

Laura Chinchilla Costa Rica 2010-

Presidentes interinas País Período

Lidia Gueller Tejada Bolívia 1997

Ertha Pascal-Trouillot Haiti 1991

Rosalia Arteaga Equador 1997 Fonte: http://g1.globo.com/especiais/eleicoes-2010/noticia/2010/11/dilma-sera-11-mulher-presidente-na-america-latina.html

Observa-se que, especialmente a partir da década de 90, as mulheres passam a figurar

constantemente no quadro de presidentes das nações latino-americanas, mas no Brasil, essa

realidade só passa a vigorar a partir do ano de 2010, quando Dilma Rousseff, do PT, é eleita

com 56% dos votos válidos.

Embora as campanhas eleitorais estejam migrando cada vez mais para a internet, a televisão

ainda é o meio de comunicação mais presente nos lares brasileiros e, por conseqüência, o

maior influenciador na hora de eleger candidatos.

Mulheres no poder e a relação com a mídia: um percurso histórico

Dos 58.846 lares brasileiros pesquisados pelo IBGE¹ em 2009, 56.043 possuíam aparelho

televisor, o que representa 95,67%. Já o rádio, em 2008, estava presente em 88,91% das casas

no Brasil. O computador, tido como a maior revolução dos meios de comunicação das últimas

décadas, está presente em 58% dos lares, de acordo com pesquisa divulgada pelo Instituto

Ipsos ², provando que a supremacia ainda é da TV.

Inaugurada oficialmente em 18 de setembro de 1950, a televisão chegou ao Brasil já

intimamente ligada à política, tendo em vista que “o crescimento inicial da televisão, a partir

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de 1950, pode ser atribuído ao favoritismo político, o qual concedia licenças para exploração

de canais sem um plano pré-estabelecido. (MELO, 2010, p. 24).

Para além das negociatas políticas a fim de obter concessões, a televisão representou, e ainda

representa, o principal meio de entretenimento e informação em nosso país. A TV Tupi,

pioneira no Brasil, leva ao ar, também de forma inédita o “Imagens do dia”, primeiro

telejornal transmitido no Brasil, no dia 19 de setembro de 1950.

Depois deste, destacam-se o “Repórter Esso”, paradigma do jornalismo brasileiro durante

todos os anos que sucederam sua primeira exibição em 1952 e o “Jornal de Vanguarda”, da

TV Excelsior, cuja linguagem começa a sair do padrão radiofônico e busca formatos

inovadores para atender à nova mídia.

Embora as TVs da época estivessem empenhadas em construir uma programação jornalística

sólida, a credibilidade dos programas noticiosos só alcançou patamar nacional a partir de 1º

de setembro de 1969, com a primeira edição do Jornal Nacional, da Rede Globo.

Graças ao apoio do governo militar, a Globo pôde implantar o sistema de rede, possibilitando

transmitir o JN simultaneamente para Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba,

Porto Alegre e Brasília. Com a intenção de integrar o território nacional, a ditadura militar

deu total apoio político às organizações Roberto Marinho, para que estas divulgassem em sua

programação a ideologia militar.

Além de qualidade técnica, o JN contava com uma equipe de profissionais de peso, como

Armando Nogueira, nos bastidores, e apresentadores como Cid Moreira, Sérgio Chapelin e

Celso Freitas – todos homens, até a entrada de Lillian Witte Fibe, em 1996.

A cobertura política do Jornal Nacional foi, desde o início, alvo de discussões e debates; além

da confessa relação com o regime militar, o momento de redemocratização também foi

marcado por polêmicas. Em 1989, a edição tendenciosa de um debate entre Fernando Collor

(PRN) e Lula (PT), transmitido pela Rede Globo, pôs e xeque o favoritismo do candidato

petista, o que beneficiou diretamente a posterior vitória de Collor.

Mais tarde, em 1994, o Plano Real foi o maior cabo-eleitoral de Fernando Henrique Cardoso,

que se elegeu com apoio de Roberto Marinho e novamente em 1998 – com a inflação

controlada, o mote era “não se mexe em time que está ganhando”.

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Observa-se que, desde a redemocratização do Brasil (e mesmo antes) não havíamos visto

nenhuma candidata à presidência da república, até o ano de 2006, quando as mulheres

apareceram em dose dupla.

Heloísa Helena, do PSOL e Ana Maria Rangel, do PRP lançaram candidatura e, embora não

tenham ido para o 2º turno, obtiveram respectivamente, 6,85% e 0,13% dos votos válidos.

Com campanha mais expressiva, Heloísa Helena levantava a bandeira do “Socialismo e

liberdade”, causas associadas ao movimento feminista desde seu surgimento, no século XIX.

A diferença de 34,79% dos votos válidos em relação ao segundo colocado no primeiro turno –

Geraldo Alckmin – não diminuiu o vigor das batalhas femininas por posicionamento político

mais assertivo. As lutas iniciadas pela libertação das mulheres e representatividade nos

espaços públicos desembocaram nas candidaturas de Marina Silva do PV e Dilma Rousseff

do PT, em 2010.

Neste ano, o Jornal Nacional decidiu dar visibilidade aos candidatos mais expressivos e

também aos considerados “nanicos”, cujas candidaturas eram independentes ou não eram de

conhecimento popular.

Diariamente, eram apresentadas as agendas dos candidatos – compromissos públicos,

declarações, coletivas de imprensa – tudo aquilo que, para a linha editorial do jornal fosse

considerado importante, era exibido em VTs de aproximadamente 1 minuto.

Dilma e Marina no JN: análise da cobertura

Para o presente trabalho, foram coletadas 17 edições do Jornal Nacional da Rede Globo no

mês de setembro de 2010, período pré-eleições presidenciais. Para análise, foram submetidas

a estudo as edições dos dias 10 e 29; foram separadas apenas as matérias referentes às duas

candidatas.

Dia 10 – Dilma Rousseff

Cabeça (Willian Bonner): A candidata do PT, Dilma Rousseff, falou hoje em Porto Alegre sobre a experiência de ser avó. (grifo meu)

Logo na apresentação da matéria, o apresentador Willian Bonner enfatiza o lado familiar da candidata Dilma Rousseff, e a repórter Patricícia Cavalheiro reforça o posicionamento:

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OFF (Repórter: Patrícia Cavalheiro): um dia depois do nascimento do primeiro neto, Gabriel, a candidata do PT falou com os jornalistas ainda no hospital. Dilma Rousseff disse que vive o momento mais feliz da vida dela, e que as últimas horas foram dedicadas a trocar fraldas junto com a filha. (grifo meu)

Em nenhum momento, há menção sobre seu projeto de governo ou os próximos passos da campanha; exalta-se, contudo, o lado mãe, lado este, que a faz viver “o momento mais feliz da vida dela” – não por estar pleiteando o cargo de presidente do Brasil, mas por suas relações na esfera privada.

O que se nota é um reforço do imaginário coletivo, isto é, da ideologia dominante a respeito do que a mulher representa: uma mãe zelosa, que nunca deixará de atender aos filhos, em detrimento da vida pública. Aqui, deve-se fazer um adendo entendendo que

“Uma ideologia permanece hegemônica enquanto não tem necessidade de ser defendida ou explicada. A eficácia de sua mensagem depende de sua capacidade de produzir um imaginário coletivo, interiorizado por todos e que se identifique com a totalidade do real.” (OLIVEIRA, 1993, p. 72)

Entrevista coletiva no hospital (Dilma): eu troco com mais rapidez que ela. (...) a gente sabe que é duro né? Mãe acha que vai quebrar, né? Vó sabe que não quebra. Sempre me disseram isso, viu? Os avós (...) vários amigos meu avós já disseram isso – que a gente fica meio bobo... Então eu to hoje meio boba.

Nesta entrevista, Dilma explicita seu lado “humano”, muitas vezes questionado ao longo da campanha, por ter fama de intransigente enquanto Ministra Chefe da Casa Civil. Poderíamos interpretar esta sonora como a explicitação de uma fraqueza feminina, mas como nos indica Rosiska de Oliveira, “se as mulheres que estão ocupando os lugares mais diversos no mundo dos homens recusarem o mimetismo e afirmarem o que lhes pertence como maneira de estar no mundo e de perceber as coisas, essa experiência as irá transformando e àqueles que com elas convivem e trabalham”. (O elogio da diferença, p. 73) É com esse propósito que o movimento feminista se coloca em oposição à masculinização da mulher e propõe a aceitação de que existem características psicológicas próprias a este gênero, que as diferem do masculino, mas que, em nenhum momento, o desqualificam.

Passagem (Repórter: Patrícia Cavalheiro): depois de dois dias de pausa na agenda política, a candidata informou que deve deixar Porto Alegre e retomar os compromissos de campanha já neste sábado, depois que Paula, a filha dela, sair do hospital.

Mostrar que a candidata é também mãe e avó, poderia ser interpretado como o reforço do conceito feminino de frágil e relegado aos espaços domésticos. Entretanto, omitir essas informações seria o mesmo que tentar vender uma imagem de austeridade, historicamente ligada ao papel masculino. Exibir uma candidata à presidência da República que se emociona

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com o nascimento do neto não a torna incapaz de assumir o cargo a que se propõe, mas faz emergir características femininas que podem atuar concomitantemente e em harmonia.

“Ao questionar as normas e papéis preestabelecidos, ao penetrar em espaços proibidos, ao produzir um contradiscurso, colocando face a face duas culturas e duas visões de mundo, as mulheres em movimento introduzem a incerteza, a pluralidade e a escolha onde anteriormente só havia certeza, unanimidade e conformidade”. (OLIVEIRA, 1993, p. 72)

Dia 10 – Marina Silva

Cabeça (Fátima Bernardes): marina Silva do PV afirmou que vai reduzir impostos para incentivar o uso de energia renovável por empresas

OFF (Repórter: Paulo Gonçalves): Marina Silva veio a campinas conhecer uma empresa que trabalha com bioenergia. Ao lado da filha, Maiara, que mora na cidade, a candidata conheceu novas tecnologias que transformam palha da cana em óleo combustível. (grifo meu)

A visita de Marina Silva a uma empresa que utiliza bioenergia deveria ser a tônica da reportagem, tendo em vista que a candidata do Partido Verde tinha como plataforma de campanha o desenvolvimento sócio-econômico aliado a políticas de preservação do meio ambiente. Entretanto, o repórter Paulo Golçalves faz questão de frisar que a candidata estava acompanhada da filha e além do texto, há o reforço das imagens, que mostram Marina constantemente ao lado de Maiara.

Neste caso, o Jornal Nacional reforça um dos paradigmas femininos do nazismo: o cuidado aos filhos. Na matéria de Marina, ao contrário da anterior, de Dilma Rousseff, a citação de membros familiares era completamente dispensável, já que o tema central do debate era o uso de combustíveis não-poluentes.

Passagem (Repórter Paulo Gonçalves): a candidata Marina Silva disse que se for eleita, vai adotar políticas públicas de incentivo ao setor de energia renovável. Inclusive, redução de impostos.

Marina (Coletiva): se, as pessoas não exigirem dos dirigentes políticos que façam esse tipo de investimento, os investimentos serão sempre para as atividades predatórias, né, com desperdício de recursos humanos, com desperdício de recursos naturais e recursos financeiros com prejuízos sociais e prejuízos ao meio ambiente.

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OFF (Repórter: Paulo Gonçalves) o último compromisso da candidata foi uma caminhada pelo centro da cidade. Marina cumprimentou eleitores e fez um discurso improvisado com um megafone. (Grifo meu)

Ao ressaltar que o discurso de Marina no centro da cidade de Campinas foi improvisado, o repórter corrobora com a ideia de que à mulher cabem os discursos privados, no seio da família e aos homens, é que se deve confiar o poder de dizer o que convém aos membros sociais:

“Os homens dominam os registros técnicos, políticos e intelectuais e têm o controle da palavra pública. As mulheres só dominam registros referentes a campos socialmente considerados como secundários ou insignificantes. A fala feminina compete ao espaço privado, torna-se titubeante e insegura em situações nas quais a conotação pública é predominante”. (OLIVEIRA, 1993, p. 82).

Dia 29 - Dilma

Cabeça (Apresentador: Marcio Almeida): A candidata à presidência pelo PT, Dilma Rousseff, afirmou hoje, que é contra o aborto.

Logo na apresentação da matéria, Marcio Almeida deixa clara a posição da candidata do Partido dos Trabalhadores em relação ao aborto; enfático, porém, não totalmente confiável – na época precedente às eleições de 2010, circulava na mídia a informação de que Dilma seria a favor do aborto – logo, o uso do termo “afirmou” transferiu a ela a responsabilidade pela declaração, o que, provavelmente, não ocorreria se o posicionamento ante o aborto fosse de um homem. “Alguns itens lexicais significam uma coisa quando aplicados aos homens e outra quando aplicados às mulheres, e essa diferença refere-se aos diferentes papéis desempenhados pelos sexos na sociedade” (OLIVEIRA, 1993, p. 80).

OFF (Repórter:Vladimir Netto): No fim da manhã, a candidata recebeu a visita de mais de 30 líderes religiosos católicos e de igrejas evangélicas. Durante quase 3 horas, eles discutiram assuntos como aborto, drogas e a adoção de políticas sociais voltadas para a família. (grifo meu)

Passagem (Repórter Vladimir Netto): Depois da reunião Dilma saiu da casa acompanhada pelos líderes religiosos e falou sobre aborto.

Novamente reforçando o ideal nazista dos três “K”, o Jornal Nacional repete a informação de que a candidata do PT mantém relações com grupos religiosos e que, sua preocupação enquanto presidente do Brasil seriam questões “familiares”, como as drogas, tendo em vista que toxicômanos geram conflitos primariamente no seio familiar.

Coletiva (Dilma): quando a gente fala em valorização da vida, eu queria deixar claro; eu pessoalmente já disse lá no debate da CNBB que eu

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pessoalmente sou contra o aborto, e acho o aborto uma violência contra a mulher. Não acredito que haja uma mulher que não considere o aborto uma violência contra ela. (Grifo meu)

Selecionar esta passagem da sonora de Dilma Rousseff ameniza sua imagem de “guerrilheira” e “linha-dura”, tão divulgada à época. Mas ao declarar que “não acredita que haja uma mulher que não considere o aborto uma violência contra ela mesma”, a candidata demonstra desconhecimento da causa feminista, pois a liberalização do aborto sempre foi uma das principais bandeiras das militantes das causas da mulher.

Nota-se, ainda em relação à passagem anterior, certa hesitação na fala de Dilma. De acordo com Lakoff “por seu tom mais nervoso e seu fluxo mais irregular, o falar das mulheres se desqualifica face ao discurso masculino, mais forte e afirmativo, construído de maneira a consolidar a posição de força dos homens no espaço público” (OLIVEIRA, 1993, p. 81)

OFF: Dilma disse ainda que as mulheres que recorrem ao aborto em condições precárias, devem ser atendidas, porque correm risco de vida.

A palavra “aborto”, repetida sete vezes ao longo de uma matéria que durou 55 segundos, demonstra o interesse da Rede Globo em divulgar o posicionamento da candidata em relação ao tema. Quando lembramos que o Brasil é um país cuja população majoritariamente se diz católica, posicionar-se tão veementemente contra o aborto fez de Dilma uma candidata com mais chances de vencer entre os eleitores tradicionalista, do ponto de vista político.

Dia 29 - Marina

Cabeça (Apresentadora: Fátima Bernardes) A candidata do PV à presidência, Marina Silva, fez campanha agora à noite no Rio de Janeiro.

OFF (Repórter:Tatiana Nascimento): a candidata do Partido Verde chegou ao Rio no fim da tarde, e foi de carro até o centro, onde fez corpo-a-corpo com eleitores. (grifo meu)

Passagem (Repórter: Tatiana Nascimento) Marina Silva veio reforçar o trabalho dos militantes do partido aqui na Central do Brasil que é ponto de chegada e partida dos trens da cidade. (grifo meu)

Candidata apontada como defensora do meio ambiente, Marina Silva vai até a Central do Brasil de carro. O veículo com o qual a candidata se locomove para chegar aos seus compromissos de campanha com certeza não apresenta nenhuma relevância em outro contexto, com outros candidatos; mas Marina é do Partido Verde, entusiasta das causas ecológicas e chega, a uma estação de trem, de carro. Sem dúvida, ressaltar essa informação aparentemente inocente leva o telespectador a desconfiar do discurso da candidata e coloca, ainda que de forma sutil, sua plataforma de campanha em xeque.

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OFF (Repórter: Tatiana Nascimento) Ela estava acompanhada do candidato a governador do Rio pelo PV, Fernando Gabeira. Marina disse o que pretende fazer na reta final da campanha no primeiro turno das eleições.

Coletiva (Marina): mobilizando a sociedade, debatendo com coerência, o que é melhor para o Brasil na educação, na saúde, na segurança pública, no desenvolvimento econômico e social. É assim que a onda verde não pára de crescer e eu vou me manter em estado permanente de campanha até o momento final. (grifo meu)

A polidez com que Marina usa a língua portuguesa em seus discursos poderia demonstrar

segurança discursiva, mas quando se analisa as subcamadas textuais,

“Comparado com o discurso masculino, o falar das mulheres comporta um uso mais corrente de adjetivos, é mais polido e cortês, privilegia as construções modais que exprimem uma trivialidade de conteúdo assim como uma atitude incerta, hesitante e pouco segura de si. Há, igualmente na fala das mulheres, uma preocupação desmesurada com o purismo e com a hipercorreção gramatical, que pretende compensar um modo de expressão inseguro”. (OLIVEIRA, 1993, p. 80, 81)

Considerações finais

Entender o papel da mulher no âmbito da política requer uma visão de seu papel enquanto ser

social, suas lutas históricas e seus percursos nas esferas privada e pública. Dedicadas durante

cerca de 50 anos a mostrar igualdade em relação aos homens, as mulheres perceberam que

isto seria um equívoco, afinal, para além das diferenças físicas, as particularidades de cada

gênero são constituintes daquilo que somos.

Renovar a política não deve se tratar da representatividade física das mulheres nos cargos

executivos, legislativos e judiciários; deve ser um esforço da sociedade, com todos os seus

membros, a fim de pensar numa realidade outra, em engrenagens inéditas, pois, como bem

define Rosiska de Oliveira,

“o feminismo só teria sentido se levasse para a política não um novo esquadrão de políticos de

saiais, mas questionamentos de fundo, como a exigência de reconhecimento de uma lógica

estrangeira à política, muito mais próxima da ética, talvez a única capaz de renová-la. Ocorreu-

me então que a ideia mesma da democracia seria tanto mais interrogada por questões insólitas,

quanto mais livremente se exprimissem as mulheres”. (OLIVEIRA, 1993, p. 137)

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Chegar à igualdade pela semelhança é, além de equivocado, um conceito ultrapassado, pois,

seres humanos diferentes só podem ser mutuamente respeitados quando tratados de formas

diferentes. Neste sentido, as mulheres do século XXI não querem provar que podem exercer

funções masculinas, mas querem mostrar a si mesmas e aos outros, que ambos os sexos

podem compartilhar de experiências antes concebidas apenas para homens ou para mulheres.

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Notas

1. disponível em:

<http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=PD282&t=domicilios-particulares-

permanentes-por-posse-de-televisao>. Acesso em 24 de março de 2011.

2. disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/mat/2010/11/19/computador-esta-

presente-em-58-dos-lares-brasileiros-aponta-intel-923053699.asp>. Acesso em 24 de março

de 2011.

Referências

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Petrópolis: Editora Vozes, 2007.

COUTINHO, Iluska; PORCELLO, Flávio; VIZEU, Alfredo. 60 anos de Telejornalismo no

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