145
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTÓRIA ERIVONALDO NUNES DE OLIVEIRA A Imigração Nordestina na Imprensa Manauara (1877-1917) Orientadora: Prof.ª Drª Maria Luiza Ugarte Pinheiro MANAUS 2010

A Imigração Nordestina na Imprensa Manauara (1877-1917) Nunes de... · que ali estive à procura dos nordestinos nas páginas dos jornais do final do século XIX e ... dos discursos

Embed Size (px)

Citation preview

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

MESTRADO EM HISTÓRIA

ERIVONALDO NUNES DE OLIVEIRA

A Imigração Nordestina na Imprensa Manauara

(1877-1917)

Orientadora: Prof.ª Drª Maria Luiza Ugarte Pinheiro

MANAUS 2010

2

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

MESTRADO EM HISTÓRIA

ERIVONALDO NUNES DE OLIVEIRA

A IMIGRAÇÃO NORDESTINA NA IMPRENSA MANAUARA (1877-1917)

Orientadora: Prof.ª Drª Maria Luiza Ugarte Pinheiro

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas, sob a orientação da Profª Drª Maria Luiza Ugarte Pinheiro como requisito para obtenção do título de Mestre em História.

MANAUS 2010

3

TERMO DE APROVAÇÃO

Banca Examinadora:

Profª Drª Maria Luiza Ugarte Pinheiro (UFAM – Presidente)

Profª Drª Maria Isabel de Medeiros Valle (UFAM – Membro)

Prof. Dr. Hideraldo Lima da Costa (UFAM – Membro)

4

FICHA CATALOGRÁFICA

Oliveira, Erivonaldo Nunes de

A Imigração Nordestina na Imprensa Manauara (1877-1917) / Erivonaldo

Nunes Oliveira. Manaus: [s.n.], 2010, 147p., ilustrado.

Orientador: Maria Luiza Ugarte Pinheiro

Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do

Amazonas, Instituto de Ciências Humanas e Letras, Programa de

Pós-Graduação em História.

1. História Social; 2. História e Migração; 3. História e Imprensa;

4. História da Imprensa;

5. Amazonas – Sociedade e Cultura;

6. Amazonas – Política e Governo;

7. Amazonas – História – 1877-1917.

I. Pinheiro, Maria Luiza Ugarte

II. Universidade Federal do Amazonas

III. Título.

5

DEDICATÓRIA

Ao meu pai, Francisco Roberto Filho, um tributo menor diante de tudo que me

deu: valor à decência, aos estudos e à palavra confiada. A este homem simples e

sonhador do sertão do Piauí, digno sem sombra de dúvida da expressão de Euclides da

Cunha: “o sertanejo é um forte”, dedico este trabalho com amor e muito carinho.

À memória da minha mãe ANTÔNIA NUNES DE OLIVEIRA que se aqui estivesse

com certeza seria a mais orgulhosa, a mais nervosa e a mais feliz pelo resultado deste

trabalho.

À Francisca Alves Filha, minha segunda mãe que de algum modo sempre me

revelou o seu carinho.

À Olívia Moreira, minha esposa pela força, pelo companheirismo e pela crença

desde o início de que eu poderia dar conta desta pesquisa.

À Erismar Nunes de Oliveira, sempre irmã-amiga e companheira de todos às

horas da minha vida.

Ao Rodrigo Nunes de Oliveira e Antônia Raissa Nunes de Oliveira, filhos

queridos e simplesmente norteadores da minha vida.

À Isabelly Nunes de Oliveira Souza, pequena BELA e princesa-sobrinha que

chegou a meio a esta construção sem entender porque o tio estava sempre a escrever.

À Neide irmã querida que do seu modo sempre me revelou o seu afeto.

À Neudinha sempre e emotiva irmã com muito amor.

À Nete amada e sempre irmã que nunca me escondeu o seu amor.

À Lucilene Roberta sempre amada e solícita irmã de todas às horas.

Ao mais moço e dileto irmão, Edilson Roberto com muito carinho.

6

AGRADECIMENTOS

Eis que chegou o momento de seguir o exemplo de todos aqueles que um dia

passaram pela experiência de um mestrado: o de registrar o reconhecimento, pois

ninguém consegue chegar ao final de uma pesquisa acadêmica unicamente à custa dos

seus próprios esforços. Como sabemos toda atividade desta natureza, não é resultado

apenas do talento individual, mas sim de outras pessoas que vai se conhecendo

durante a sua realização.

Nesse sentido, quero registrar aqui meus agradecimentos à Secretaria Municipal

de Educação – SEMED/Manaus por me ter proporcionado através do Programa

QUALIFICA a minha liberação para que eu pudesse realizar as pesquisas que ora

apresento. À Escola Estadual de Tempo Integral Senador Petrônio Portella na pessoa

da gestora a professora Hellen Cristina Maciel da Silva. Os meus eternos

agradecimentos a esta diretora ocorrem em virtude do gesto propositivo por ter

construído um horário que me permitiu atuar em sala de aula no ano de 2009. Esse

arranjo não prejudicou o andamento dos conteúdos das turmas dos terceiros anos do

Ensino Médio com quais na época eu trabalhava e muito ajudou finalizar a construção

deste estudo.

Quero também agradecer a minha orientadora Maria Luiza Ugarte Pinheiro pela

amenidade com que me orientou nos caminhos desta pesquisa; como encaminhou a

forma de lidar com os riscos das armadilhas das fontes jornalísticas; como trabalhar o

alicerce no sentido da edificação de uma dissertação, já que no início do processo da

construção deste estudo, a noção que eu tinha de texto dissertativo era incipiente o

que por vezes contribuiu para que eu confundisse texto argumentativo com resenha

bibliográfica. Ao professor-amigo Luis Balkar Sá Peixoto Pinheiro pela solidariedade

que me prestou quando num momento de crise quase abandonei o mestrado. Ele me

fez repensar a idéia de abandono das pesquisas naquele momento, argumentando que

aquele ato só traria prejuízos para a minha carreira acadêmica, o que de fato o tempo

depois se encarregou de me mostrar que ele tinha razão. Ao professor Auxiliomar Silva

Ugarte pelas contribuições na época em que participou da minha banca de

7

Qualificação. Naquele momento significativo da construção deste estudo o mesmo não

só colaborou com suas pertinentes observações acerca do tema da migração interna,

como também contribuiu para com a produção do primeiro capítulo, no sentido das

correções das normas culta da Língua Portuguesa. Ao professor Hideraldo Lima da

Costa também agradeço pelas valiosas observações quando participou da banca de

Qualificação, bem como por suas reflexões sobre o século XIX, o que contribuiu

decerto para com essa investigação acerca da imigração nordestina para a região.

Mas os meus agradecimentos não se restringem apenas aos professores do

Programa de Pós-Graduação em. Quero agradecer também outras contribuições que

foram imprescindíveis: à Marlúcia Bentes Costa do Instituto Geográfico e Histórico do

Amazonas, por sua presteza em colaborar com estas pesquisas durante o período em

que ali estive à procura dos nordestinos nas páginas dos jornais do final do século XIX e

início do século XX. À Alba Barbosa Pessoa, pelo companheirismo e a solidariedade nos

momentos difíceis desta empreitada. Pelos favores prestados de registrar sempre que

possível alguma informação vista dos “meus nordestinos” nos arquivos da cidade. À

Adriana Brito Barata, meus agradecimentos pelo companheirismo ao se preocupar

com o andamento das minhas pesquisas, dispondo-se sempre a me fornecer dados

sobre os imigrantes nordestinos que encontrava quando folheávamos a documentação

no IGHA. À Benta Litaiff Praia pela divisão das angústias em relação às pesquisas e pela

constante torcida para que eu conseguisse chegar ao final desta empreitada.

8

RESUMO

A migração interna no Brasil continua ainda a ser um tema pouco explorado pela

historiografia brasileira, apesar do surgimento nas últimas décadas de vários cursos de

pós-graduação trabalhando com esta temática. A historiografia que se dedicou a tratar

de questões relativas à Amazônia, do período entre o final do século XIX e o início do

século XX, atribuiu pouco destaque à questão da imigração nordestina para a região.

No Amazonas a situação não tem sido muito diferente. Mesmo a historiografia ligada

às pesquisas da História Social, consciente que é da existência de um grande fluxo

demográfico de nordestinos para o Amazonas, não tem produzido trabalhos com a

preocupação de dar uma maior visibilidade ao tema. Ainda é atual a fala de Maria

Luiza Ugarte Pinheiro quando afirma que desses imigrantes “pouco se falou até agora”.

Neste sentido, esta dissertação tem a preocupação de revisitar o século XIX a partir do

estudo do processo imigratório de nordestinos para o Amazonas, nela procuramos

verificar a partir de pesquisas com os jornais como os imigrantes que desembarcavam

em Manaus, na virada do século XIX para o século XX, mais especificamente entre os

anos de 1877 a 1917, construíram suas histórias de vida aqui.

Palavras-Chave: Migração; Cearenses; Amazonas; Imprensa; Séculos XIX-XX; História

Social

9

ABSTRACT

The internal migration in Brazil is still a theme little explored by the

Brazilian historiography, in spite of the appearance of several courses of post-

graduation addressing this subject in the last decades. The historiography addressing

issues related to the Amazon region over the periods in late 19th century and in the

early 20th century gave little emphasis to the question of northeastern immigration.

This situation in Amazonas state has not been much different. Even the historiography

related to researches of social history, which is aware of the huge demographic flow of

northeastern people to Amazonas State, has not produced works aiming at giving

more visibility to the theme. It is still update the statement of Maria Luiza Ugarte

Pinheiro when she says that concerning these immigrants “it has been said almost

nothing”. In this sense, this dissertation focus on revisiting the 19th century based on

the study of immigration process of northeastern people to Amazonas State.

Therefore, this work is intended to verify through newspapers researches how

immigrants, who arrived in Manaus by boat, at the turn of the 19th century to the turn

of the 20th century, more especifically between the years of 1877 and 1917,

constructed their life stories here.

Key words: Immigration; Northeastern People; Amazonas State; Press; 19th and 20th

centuries; Social History

10

SUMÁRIO

Agradecimentos

Resumo

Abstract

05 07 08

Considerações Iniciais

Capítulo I Migração Nordestina Para o Amazonas: uma proposta de trabalho 1. Migração Interna: um tema pouco estudado pela Historiografia Brasileira 2. A Historiografia e o Tema da Imigração Nordestina para a Amazônia 3. A Contribuição das Pesquisas Locais para a Discussão do Tema da

Imigração para o Amazonas

19

25

56

Capítulo II O imigrante Nordestino da Imprensa Manauara 1. O Jornal do Commercio e a Imigração Nordestina para o Amazonas 2. As Múltiplas imagens dos imigrantes nordestinos no Jornal do Commercio

72 73

83

Capítulo III A Patria Nordestina 1. Patria: considerações gerais sobre o diário 2. A Imigração nordestina para o Amazonas através das páginas do jornal Patria 3. O Jornal Pátria: O Ceará mais perto do Amazonas

112

113 117

126

Considerações Finais

140

Fontes

143

Referências Bibliográficas 145

11

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

12

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nosso objeto de estudo é a imigração nordestina para a Amazônia a partir da

perspectiva da imprensa manauara, no final do século XIX e a primeira metade do

século XX. Embora os historiadores tenham afirmado que esse período tenha sido o

mais estudado, devido à importância que se tem atribuído à economia da borracha1

mesmo assim optamos por revisitá-lo.

Mas, antes de prosseguirmos com as considerações iniciais sobre este estudo,

acreditamos que vale a pena tratarmos ligeiramente sobre como se deu o início do

interesse pelo tema. Nesse sentido, talvez seja válido informar ao leitor que a ideia de

trabalharmos esta temática tem um registro de nascimento: 1996 quando períodos da

graduação, ainda sem entender muito bem o que era uma pesquisa acadêmica,

desenvolvemos um estudo de final de curso sobre a colonização do Amazonas através

dos discursos dos Presidentes da Província. Neste estudo fomos motivados, em parte

pelo interesse pessoal de investigar o processo histórico que envolveu a vinda de

nordestinos para o Amazonas, porque a exemplo dos muitos que vieram para a região

em circunstâncias e época diferentes, por volta do ano de 1984, também fizemos o

mesmo.

O segundo elemento que nos motivou a investigar o tema foi a afirmação de

Antônio Loureiro, em a “Síntese da História do Amazonas” no sentido de que o “Barão

de Maracaju, para minorar os sofrimentos dos retirantes [nordestinos] criou as

Colônias de Maracaju e Santa Isabel”.2 Tal afirmação nos levou a estudar a vinda dos

imigrantes nordestinos para o Amazonas, porque, afinal de contas, o autor estava

afirmando que a elite local, preocupada com os sofrimentos dos nordestinos, teria

criado as duas colônias com a finalidade de “minorar os sofrimentos” dos imigrantes

cearenses que chegavam à região, a partir de 1877, logo após uma grande seca. Esta

idéia disseminada por Antônio Loureiro foi determinante, naquele momento, para que

procurássemos investigar melhor o tema. Com isto passamos a nos interessar em

1 LACERDA, Franciane Gama. Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916).

Universidade de São Paulo. Tese de Doutorado em História, São Paulo. 2006, p. 15. 22

LOUREIRO, Antônio José Santos. Síntese da História do Amazonas. Manaus, Imprensa Oficial, 1978, p. 213.

13

pesquisar o nível de comprometimento político da afirmação do autor para com um

tipo de produção de conhecimento histórico ligado a uma tradição historiográfica

conservadora local, que resiste aos avanços das pesquisas históricas mais recentes da

História Social.

Mas, o nosso interesse de fato em trabalhar o processo imigratório de

nordestinos para o Amazonas, começou a tomar corpo no ano de 2007, no decorrer do

primeiro semestre do curso de mestrado, quando em contato com as primeiras

discussões, em sala de aula, durante o desenvolvimento da disciplina “História,

Trabalho e Movimentos Sociais na Amazônia”, ministrada pelo Prof. Dr. Luís Balkar Sá

Peixoto Pinheiro, discutiam-se as características dos movimentos sociais ocorridos na

Amazônia desde o século XIX. Durante o percurso dessa disciplina, a discussão ocorria

em torno da produção de um balanço das investigações acadêmicas que trataram das

temáticas da insurgência popular. Nesse sentido, as discussões giraram tanto em torno

das rebeliões de escravos, quanto nos movimentos de operários e de trabalhadores

urbanos ocorridos na região, desde o século XIX. Foi no contexto dessas discussões,

que entramos em contato com a tese de doutorado de Jonas Marçal de Queiroz,

intitulada “Artífices do Próspero Mundo Novo: colonos, migrantes e imigrantes em São

Paulo e no Pará (1868-1889)”.3 Esta obra nos influenciou para que começássemos a

investigar o quanto antes o nosso tema. Isto ocorreu em decorrência de duas

observações feitas pelo autor quando de sua preocupação em trabalhar o processo de

reorganização do mercado de trabalho durante as últimas décadas da escravidão, em

São Paulo e no Pará:4 a primeira diz respeito à idéia de que a maior parte dos autores

que se dedicou ao estudo do tema da imigração de trabalhadores livres, nos últimos

períodos da escravidão concentrou suas reflexões nas estruturas econômicas

imigratórias para as províncias cafeeiras, da região Sudeste, principalmente do Rio de

Janeiro e de São Paulo. A segunda está relacionada, não só, às poucas pesquisas

referentes aos fluxos demográficos, como também, às políticas imigratórias na região,

3 QUEIROZ, Jonas Marçal de. Artífices do Próspero Mundo Novo: colonos, migrantes e imigrantes em São

Paulo e no Pará (1868-1889). Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 2005. 4 Idem. Resumo.

14

apesar do aumento significativo da produção historiográfica brasileira nas últimas

décadas.5

Ainda no primeiro semestre de 2007, outra influência determinante no nosso

itinerário rumo a nossa investigação: as discussões em sala de aula, durante as

atividades acadêmicas da disciplina “Trabalho e Cidade”, ministrada pela Profª Dr.ª

Maria Luiza Ugarte Pinheiro. Ao abordar a cidade como objeto de pesquisa

historiográfica e enfatizar o seu entendimento como campo de tensões sociais em que

o viver urbano se expressava a partir da multiplicidade de experiências e aportes

culturais de diversos atores, esta disciplina nos proporcionaram o contato com dois

trabalhos que bastante que nos influenciaram no desenvolvimento deste estudo: o de

Francisca Deusa Sena da Costa: “Quando o Viver Ameaça a Ordem Urbana: Manaus –

1900-1915”6 e “A Cidade Sobre os Ombros: Trabalho e Conflito no Porto de Manaus –

1899-1915”7 de Maria Luiza Ugarte Pinheiro.

A influência do texto de Francisca Deusa Sena da Costa adveio de dois aspectos:

o primeiro diz respeito à ideia de que o processo de expulsão do trabalhador e do

pobre urbano, e neste contexto o imigrante nordestino, do centro da cidade, na época

das reformas urbanas, na virada do século XIX para o século XX, “não foi linear e

direto”. Neste sentido, afirma a autora:

[...] verificou-se que na fase das principais reformas, entre as décadas de 1890 e 1910, a segregação, se apresenta como tendência crescente, mas não se deve, por isso, maximizá-la em termos absolutos. O processo de expulsão do trabalhador e do pobre urbano do centro da cidade não foi linear e direto. É certo que o projeto urbano que impôs as feições de capital da borracha não elencou como prioridade das reformas a população trabalhadora imigrante e/ou a nativa, que passou a conviver na cidade como mão-de-obra voltada para a infra-estrutura dos serviços de comercialização da goma elástica, além da prestação de serviços urbanos – luz elétrica, água encanada, coleta de lixo, serviços de esgotos, serviço de bondes, etc –, suporte necessário para o aumento populacional que a cidade apresentou. 8

5 Idem, p. 18.

6 COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando o Viver Ameaça a Ordem Urbana: Manaus – 1900-1915. In:

FENELON, Déa (Org.). Cidades. São Paulo: Olho D’Água, 1999. 7 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros: Trabalho e Conflito no Porto de Manaus:

1899-1925. Manaus: Edua , /Governo do Estado do Amazonas, 2003. 8 COSTA, Francisca Deusa Sena da. Op. Cit., p. 86.

15

O segundo aspecto está ligado à questão da omissão da historiografia regional

com relação a não inclusão dos grupos sociais mais pobres na memória histórica da

cidade. Neste sentido, afirma a autora:

Quanto à inserção das classes populares no processo histórico da cidade [de Manaus], essa historiografia é omissa. É que, apesar de conviverem num mesmo espaço, trazê-las para a memória [da cidade] quebra a imagem de Manaus como cidade única e coloca em cena a existência de uma outra cidade: problemática, conflitiva e tensa em oposição àquela cujas obras desses historiadores ajudaram a construir, trazendo à luz apenas o lado idílico de uma decantada civilização.9

Em relação ao texto de Maria Luiza Ugarte Pinheiro um dado nos foi bastante

inspirador: a questão do silêncio da historiografia local para com o problema da

exclusão urbana no contexto da produção historiográfica regional. Nesse sentido, a

autora tratando sobre os estivadores de Manaus, no período do boom da borracha na

cidade, afirma que dos imigrantes nordestinos quase nada se comentou até agora.

Sobre essa questão, acrescenta a pesquisadora:

[Os] migrantes [nordestinos] forneceram uma parcela importante dos estivadores da cidade, que com tantos outros participaram desta “aventura do capital” na selva amazônica, materializada principalmente pelo trabalho de suas mãos calejadas e de seus ombros esfolados. Deles pouco se falou até agora, constituindo esse silêncio uma das maiores dívidas dos historiadores da Amazônia na luta contra a mitificação do passado de sua região. Mesmo uma historiografia acadêmica mais compromissada com uma abordagem renovadora do fazer História, não tem produzido trabalhos onde se dê visibilidade à exclusão urbana durante o “período da borracha”. No máximo, o que se tem feito é ver a exclusão como tendo existido unicamente no âmbito do seringal, daí repetirem as críticas à exploração desumana do seringueiro, como de resto já havia sido denunciado por Euclides da Cunha em “Á margem da história”. Dos excluídos de Manaus, há apenas referências por demais genéricas e pouco convincentes.10

Se o contato com as disciplinas acima foram determinantes para que fluísse o

nosso interesse pelo tema da imigração nordestina para a região, outro bastante

significativo foi a disciplina: “Seminário de Pesquisa II”, ministrada pelos Profºs. Drºs.

Luís Balkar Sá Peixoto e Maria Luiza Ugarte Pinheiro, no segundo semestre de 2007.

Durante o período em que ocorreu o desenvolvimento dessa disciplina, entramos em

9 Idem, p. 88.

10 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Op. Cit., p. 54.

16

contato com a tese de doutorado de Franciane Gama Lacerda, intitulada: “Migrantes

cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916)”11. O contato com essa obra foi

decisivo para que consolidássemos a ideia. Esse interesse ocorreu principalmente em

decorrência de três aspectos trabalhados pela autora. O primeiro diz respeito à

ausência dos imigrantes nordestinos nos trabalhos dos historiadores. Ao tratar sobre a

historiografia que se ocupou com o estudo da economia da Amazônia, Franciane Gama

Lacerda afirma que na verdade os imigrantes nordestinos até aparecem nas pesquisas

históricas, mas, apenas no contexto da economia da borracha.12 O segundo aspecto

está relacionado às observações da autora quanto ao estágio das pesquisas sobre a

experiência imigratória de nordestinos para a Amazônia. Nesse sentido, afirma a

pesquisadora:

[...] a experiência da migração na Amazônia, na virada do século XIX para o [século] XX, é praticamente nula. É que [...] [os historiadores] prioriza[ram] a história de centros urbanos, como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife [e] Porto Alegre. Aliado a esse fato, verifica-se igualmente que, quando se fala em migração nesse período, a ênfase maior, é dada às migrações externas, deixando-se quase de lado o desenvolvimento das migrações internas, notadamente [as] de cearenses para a Amazônia, em fins do século XIX.13

O terceiro aspecto diz respeito à postura contrária da autora à ideia da

vinculação direta entre seca e imigração.14 Franciane Gama Lacerda afirma:

Resumir o processo de migração [de nordestinos] para o norte tão somente no drama da seca é tornar essa questão muito elementar, não necessitando até de maiores interpretações. Buscar entender a migração em seus vários significados é sem dúvida investigar as ações de variados sujeitos sociais envolvidos nesse processo.15

11

LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit. 12

Idem, p. 16. 13

Ibdem, p. 21. 14

Cabe ainda acrescentar à lista as sugestivas pesquisas de GUILLEN, Isabel Cristina Martins. Errantes da Selva: Historias da Migração Nordestina para a Amazônia. Recife: Editora universitária da UFPE, 2006 e GUILLEN, Isabel Cristina Martins. Seca e migração no Nordeste: reflexão sobre o processo de banalização de sua dimensão histórica. Disponível no site: http://www.fundaj.gov.br/tpd/111.html. Acessado em 14.11.2008, pp.1-2.; 15

LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., p. 147.

17

Sobre o desenvolvimento da nossa pesquisa queremos fazer uma observação:

como não encontramos dados suficientes que nos permitissem trabalhar a temática

como desejávamos inicialmente, ou seja, dando vozes aos próprios imigrantes que

aportavam em Manaus no período, tivemos que adaptar o nosso interesse à realidade

das fontes existentes nos arquivos da cidade. Dessa forma estruturamos o nosso

estudo da seguinte forma: o primeiro capítulo, intitulado: “Imigração Nordestina para

o Amazonas: uma proposta de trabalho” se apresenta dividido em três itens. No

primeiro, procuramos discutir a questão da pouca exploração por parte da

historiografia brasileira sobre o tema da migração interna. Neste sentido fomos buscar

em trabalhos mais recentes de pesquisadores nacionais que trabalham com as

questões da Amazônia, argumentos que dão conta da idéia de que as pesquisas sobre

a imigração nordestina para esta região têm sido praticamente nulas. No segundo item

buscamos discutir, brevemente, as contribuições de alguns autores que pensaram o

problema do fluxo imigratório para a Amazônia, principalmente de trabalhadores

nordestinos, entre o final do século XIX e o início do século XX. Além disso,

trabalhamos algumas informações básicas acerca do lugar para onde os nordestinos

estavam emigrando naquele momento. Já no terceiro e último item buscamos discutir

algumas contribuições de pesquisadores locais para com o tema da imigração

nordestina para o Amazonas.

No segundo capítulo: “O Imigrante Nordestino na Imprensa Manauara”,

procuramos discutir semelhanças e diferenças em relação à temática da migração

nordestina, existentes entre os jornais que circularam em Manaus e em outros centros

urbanos do País. Ademais também buscamos estabelecer uma discussão acerca das

múltiplas imagens dos imigrantes na imprensa local.

Quanto ao terceiro capítulo: A Patria Nordestina procuramos discutir o tema a

partir do jornal Patria, um diário da Colônia cearense no Amazonas. A discussão

ocorreu em três tópicos. No primeiro, procuramos tratar, exclusivamente, do próprio

jornal, no período que este circulou em Manaus; onde funcionou na cidade; quem

foram os seus colaboradores; sobre quais os grupos sociais entre os próprios

nordestinos na cidade que gravitavam em torno do jornal e sobre a linha editorial do

mesmo. No segundo, a ideia foi discutirmos por meio das páginas deste jornal alguns

18

aspectos da imigração nordestina para o Amazonas e identificar os tipos de notícias

que este trazia do Ceará para os imigrantes que viviam na região. Já no terceiro,

trabalhamos a ideia de que o Patria aproximava culturalmente, através dos seus

textos, o Ceará do Amazonas.

19

CAPÍTULO I

MIGRAÇÃO NORDESTINA PARA O AMAZONAS: UMA PROPOSTA DE TRABALHO

20

CAPÍTULO I

MIGRAÇÃO NORDESTINA PARA O AMAZONAS: UMA PROPOSTA DE TRABALHO

1. Migração interna: um tema pouco estudado pela historiografia brasileira

Um estudo acerca do processo migratório de nordestinos para o Amazonas,

entre o final do século XIX e o início do século XX, exige necessariamente algumas

considerações acerca do tema da migração interna. Embora o objetivo central deste

estudo não seja aprofundar as questões relativas às problemáticas da migração

interna, parece-nos razoável reservarmos neste espaço um lugar para algumas

reflexões acerca do tema.

Maria Silvia C. Beozzo Bassanezi em artigo sobre o processo migratório para a

Província de São Paulo e para a Amazônia, na virada do século XIX para o século XX,

afirma que a “mobilidade espacial de indivíduos e famílias têm sido muito comum ao

longo de nossa história”. Para a autora, apesar disso,

a migração interna continua um tema muito pouco explorado pela historiografia brasileira. Embora, vários estudiosos tenham se manifestado[s] a favor de maiores investimentos em pesquisas sobre a imigração interna em épocas anteriores ao século XX, tais estudos [...] não têm sido feitos.16

A afirmação de Beozzo acerca do pouco desenvolvimento das pesquisas sobre a

migração interna, principalmente, para o período anterior ao século XX e a crítica de

Isabel Cristina Martins Guillen sobre a ausência do migrante nordestino na

historiografia, levou-nos a pensar nos estudos sobre a temática da migração interna, e

conseqüentemente, na experiência da imigração de trabalhadores nordestinos para o

Amazonas, entre os anos de 1877 a 1917.

Tratando sobre esta questão, ou seja, em relação à ausência do migrante

nordestino na historiografia, Isabel Cristina Martins Guillen afirma que, apesar dos

16

BASSANAZI, Maria Silvia C. Beozzo. Migrantes no Brasil da segunda metade do século XIX. Disponível em http:// www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2... p. 1. (Acessado em 04.11.2008).

21

movimentos migratórios da população brasileira remontar o período colonial, não

entende por que o tema da migração interna, pouco interesse tem despertado aos

historiadores.17

Mas, antes de discutirmos algumas questões relacionadas a esta temática

gostaríamos de fazer uma observação acerca da ideia desenvolvida por Isabel Cristina

Martins Guillen a respeito da ausência do migrante nordestino na produção

historiográfica. Apesar de considerarmos uma idéia muito forte, tendo em vista que

um expressivo número de trabalhos existentes sobre a economia da borracha na

Amazônia deu conta da presença de trabalhadores nordestinos na região, mesmo

assim a consideramos muito válida, porque ela traz no seu bojo um elemento a mais

para a discussão do tema: a questão da “invisibilidade histórica” dos imigrantes

nordestinos no contexto da produção acadêmica.18

Neste sentido, Franciane Gama Lacerda afirma que em verdade os imigrantes

nordestinos até aparecem, nas pesquisas históricas, mas, apenas no contexto da

economia da borracha.19

Voltemos ao tema da migração interna. A crítica de Maria Sílvia Beozzo,

referente ao pouco desenvolvimento das pesquisas relacionadas aos movimentos

migratórios internos, para os períodos anteriores ao século XX, nos remete ao

depoimento de Franciane Gama Lacerda, acerca do estágio dos estudos sobre a

experiência imigratória de nordestinos à Amazônia, no período aqui estudado. Neste

sentido afirma a autora:

a experiência da migração na Amazônia, na virada do século XIX para o XX, é praticamente nula. É que [...] [os historiadores] prioriza[ram] a história de centros urbanos, como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife [e] Porto Alegre. Aliado a esse fato, verifica-se igualmente que, quando se fala em migração nesse período, a ênfase maior, é dada às migrações externas, deixando-se quase de lado o desenvolvimento das migrações internas, notadamente [as] de cearenses para a Amazônia, em fins do século XIX. 20

17

GUILLEN, Isabel Cristina Martins. Op. Cit., pp. 171-173. 18

Idem, pp. 171-174. 19

LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., p. 16. 20

Idem, p. 21.

22

Jonas Marçal de Queiroz em “Artífices do Próspero Mundo Novo: colonos,

migrantes e imigrantes em São Paulo e no Pará (1868-1889)”, a exemplo do que fez

Franciane Gama Lacerda em relação à concentração de pesquisas dos historiadores

nas experiências migratórias para as regiões Sul e Sudeste, afirma que a maior parte

dos pesquisadores que se dedicou ao estudo do tema das últimas décadas da

escravidão, concentrou suas análises nas estruturas econômicas ou nas experiências

migratórias das províncias cafeeiras, principalmente do Rio de Janeiro e de São

Paulo.21 Além disso, acrescenta Marçal: apesar do aumento significativo da produção

historiográfica brasileira nas últimas décadas, são ainda escassos tanto os estudos

sobre os movimentos migratórios quanto às políticas imigratórias na região 22

Sobre estas posições de Jonas Marçal cabe uma observação: apesar das

críticas às prioridades dos pesquisadores para com as análises do processo migratório

para as regiões Sul e Sudeste, no período estudado, ele próprio não deixou de

concentrar boa parte de seus estudos na análise das experiências migratórias à

província de São Paulo.23

Ainda em relação a esta questão, ou seja, ao interesse concentrado dos

pesquisadores nas análises das estruturas econômicas ou nas experiências das

províncias cafeeiras das regiões Sul e Sudeste, Peter Eisenberg, no final da década de

1980, identificou no campo da pesquisa histórica, um problema que pensamos ter

relação direta com a problemática: uma importante lacuna na historiografia relativa ao

século XIX: o trabalhador livre nacional. Este autor, ao identificar o desinteresse da

historiografia pelo trabalhador livre nacional, sugeriu a necessidade de pesquisas para

regiões em que a escravidão não exerceu um papel preponderante no contexto da

economia nacional. Neste sentido, o autor trabalha com a perspectiva de que a

realização de estudos para as áreas cuja economia era dominada pelas lavouras de

exportação poderá contribuir para tirar do esquecimento o trabalhador livre

nacional.24

21

QUEIROZ, Jonas Marçal de. Op. Cit., p. 18. 22

Idem. 23

Ibdem. Cf. Capítulo IV : Estranhos no Novo Mundo. pp. 173-220. 24

EISENBERG, Peter. O Homem Esquecido: o trabalhador livre nacional no século XIX. Sugestões para uma pesquisa. In: Homens Esquecidos. Escravos e Trabalhadores Livres no Brasil. Séculos XVIII e XIX. Campinas (SP): Editora da UNICAMP, 1989. Apud. QUEIROZ, Jonas Marçal. Op. Cit., pp. 30-31

23

Mas, tirar do anonimato o trabalhador livre nacional parece não ter sido,

mesmo o interesse da historiografia nas últimas décadas. Maria Lúcia Lamounier,

tratando acerca da utilização da mão-de-obra de trabalhadores brasileiros livres nas

fazendas de café e na construção de ferrovias em São Paulo, entre 1850 a 1890, afirma

que, apesar de freqüentemente mencionado na historiografia como elemento

importante na composição da população, o trabalhador brasileiro livre e pobre tem

sido objeto de poucos estudos.25 A autora, que privilegiou em suas análises as

atividades dos trabalhadores brasileiros em duas frentes interligadas da economia

agroexportadora de São Paulo, no período acima indicado, ou seja, as atividades

ligadas às múltiplas tarefas exigidas pelas fazendas de café e nas obras de construção

de ferrovias, afirma que a historiografia, além de não buscar estudar os trabalhadores

livres brasileiros faz uso de conceitos como marginalidade e desclassificados para

procurar mostrar a ausência e a recusa destes ao trabalho, como também para

mostrar que esses trabalhadores se posicionavam passivamente diante da ordem que

não os incorporavam. 26

O problema dos estudos que utilizam os conceitos como marginalidade e

desclassificados em relação aos trabalhadores livres nacionais, segundo, Maria Lúcia

Lamounier, é que tais estudos falham em não reconhecer as circunstâncias

econômicas e sociais em que eles estavam imersos.27 Para S. Amaral a ocasionalidade

do emprego era a principal causa da instabilidade e da irregularidade da força de

trabalho.28 Numa sociedade onde predominava uma economia agrária, como era o

caso da brasileira, segundo Lamounier, era normal não haver emprego disponível ao

longo do ano para toda a população.29 Portanto, podemos afirmar, seguindo as

orientações de Maria Lúcia Lamounier, que os conceitos marginalidade e

desclassificados utilizados por um determinado segmento da historiografia, não

25

LAMOUNIER, Maria Lúcia. Agricultura e Mercado de Trabalho: Trabalhadores Brasileiros Livres nas Fazendas de Café e na Construção de Ferrovias em São Paulo, 1850-1890”. Est. Econ., São Paulo, v. 37, n.2, p.353-372, abril-junho 2007. Disponível site: http: //www.scielo.br/scielo.php?script=sci=pdf&pid. Acessado em 28.02.2009, p. 354. 26

Idem, pp. 354-368. 27

Idem. 28

Amaral, S. The rise of capitalism on the Pampas. The estancias of Buenos Aires, 1785-1870. Cambridge: University Press, 1998. Apud. LAMOUNIER, Maria Lúcia. Op. Cit., p. 355. 29

LAMOUNIER, Maria Lúcia. Op. Cit., p. 355.

24

justificam o desinteresse dos pesquisadores para com a investigação da temática que

envolve os trabalhadores livres nacionais.

Uma crítica semelhante à de Lamounier no sentido de denunciar o desinteresse

da historiografia pelo processo histórico em torno do trabalhador livre nacional, é a

crítica desenvolvida por Beatriz Gallotti Mamigonian. A autora ao discutir a experiência

de trabalho de africanos livres e outros grupos de trabalhadores, no contexto das

mudanças nas relações de trabalho, do século XIX, afirma que na sociedade brasileira

no período de transição para o trabalho livre,

[os] Imigrantes europeus compunham o grupo mais visível. Índios [...] [e] pobres em geral (negros, brancos, mestiços) e africanos livres também eram trabalhadores livres; sua[s] experiência[s] recebera[m] entretanto menos atenção na historiografia do que a dos imigrantes europeus.30

É interessante percebermos, a miopia ou o desinteresse da historiografia em

relação a este tema. Ao questionar a não presença dos trabalhadores livres nos

trabalhos dos historiadores que abordam o período de transição para o trabalho livre,

Beatriz Gallotti argumenta ainda, com o intuito de ressaltar o seu posicionamento

quanto à questão em destaque, que se deve notar que a mão-de-obra predominante

nesta transição não era a estrangeira, mas sim a nacional. Segundo a autora:

Esta conclusão dificilmente é apresentada na historiografia tradicional, que ignora o papel dos negros livres, índios, brancos pobres e mestiços no contingente da mão-de-obra brasileira. A pesquisa sobre escravidão e relações senhor-escravo com ênfase na economia de exportação eclipsou a investigação de outras relações de trabalho que eram contemporâneas e que envolveram uma população numericamente importante mas de composição variada, em atividades não relacionadas diretamente com a economia de exportação. É evidente que a historiografia até agora desprezou as relações de trabalho compulsório e a mão-de-obra nacional e se concentrou na experiência dos trabalhadores europeus.31

30

MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti. Revisitando o problema da ‘transição para o trabalho livre’ no Brasil: a experiência de trabalho dos africanos livres”. Disponível no site: http: //www.labhstc.ufs.br/VI%20jornada%20trabalho/JHT_BeatrizMamigonian.rtf. Acessado em 28.02.2009, p. 2. 31

Idem.

25

Portanto, como podemos notar a ausência dos trabalhadores livres nacionais

nos trabalhos dos pesquisadores, não é resultado da falta de indícios da presença deles

como mão-de-obra no mercado de trabalho brasileiro durante o século XIX. Mesmo as

pesquisas voltadas para as experiências da economia cafeeira paulista, algumas delas

interessadas em seguir as orientações propostas por Peter Eisenberg, como as dos

autores acima discutidas, reconhecem que o campo da pesquisa histórica envolvendo

os trabalhadores livres nacionais é bastante fértil. Exemplo típico de pesquisa que

poderíamos acrescentar no nosso trabalho, além das que já mencionamos

anteriormente, é a pesquisa de Rosana Carvalho Messias, sobre a formação do

mercado de trabalho livre nos municípios de Araraquara e de São Carlos, regiões da

Província de São Paulo.32

Ao tratar da utilização da mão-de-obra de trabalhadores livres nacionais, em

atividades ligadas às tarefas da cafeicultura, cultura de alimentos, produção de açúcar

e aguardente, criação de gado e outras profissões, em Araraquara e São Carlos, entre

os anos de 1830 e 1888, Rosana Carvalho Messias, afirma que

A disponibilidade desta mão-de-obra livre, tradicionalmente ligada à economia de consumo, tornou desnecessária a importação de braços europeus para a região, conforme avançava a desagregação do escravismo e ganhava força a política imigrantista do novo oeste paulista.33

32

MESSIAS, Rosana Carvalho. O cultivo do café nas bocas do sertão: mercado interno e mão-de-obra no período de transição – 1830-1888. São Paulo: Ed. UNESP, 2003. In: História, São Paulo, 23(1-2):2004, pp. 261-267. Apud. MOURA, Denise A. Soares de. Resenha/Review. Disponível no site: http://www.Scielo.br/Scielo.php?pid. Acessado em 28.02.2009. 33

Idem, p 264.

26

2. A historiografia e o tema da imigração nordestina para a Amazônia

Nessa discussão acerca da ausência dos trabalhadores livres nacionais nos

trabalhos dos historiadores, atentemos para um dado interessante: apesar do estágio

atual das pesquisas, dando conta da presença desses trabalhadores no contexto da

produção econômica nacional, não ser animador, como temos visto até aqui, alguns

trabalhos, no passado, abriram espaços no campo da pesquisa histórica, para que o

historiador encontrasse em suas andanças pelos arquivos, os trabalhadores livres

brasileiros, especialmente o migrante nordestino.

José Veríssimo, um importante intelectual paraense, em artigo publicado no

Jornal do Brasil, em 1892, dá conta da existência de uma grande emigração de

cearenses para a Amazônia. Neste artigo, o autor sinaliza com a idéia, ainda no final do

século XIX, de que o historiador se quisesse, poderia investigar as experiências sociais

dos trabalhadores nordestinos na Amazônia, já que os jornais do país inteiro

noticiavam com freqüência a chegada destes trabalhadores à região. O autor

preocupado com a prosperidade e o progresso da Amazônia, no contexto do advento

da República, no final do século XIX, pregava a idéia de que o desenvolvimento

completo da Amazônia ocorreria necessariamente, quando uma população mais

numerosa viesse aproveitar as suas riquezas naturais. Ele acreditava que o

povoamento e a da utilização da mão-de-obra do migrante cearense e de seus

descendentes, na Amazônia, era uma necessidade urgente na região.

Sobre esses migrantes nordestinos que chegavam à Amazônia, no “momento

histórico de reorganização da pátria”,34 uma contribuição interessante que há de se

ressaltar é a de Lobato Filho sobre a economia da borracha na Amazônia. Embora a

preocupação dele seja discutir os problemas decorrentes da crise da borracha no que

se refere à economia e não a questão do homem,35 essa obra é importante porque o

34

VERÍSSIMO, José. A Amazônia (aspectos econômicos) [1892]. In: VERÍSSIMO, José. Estudos Amazônicos. Belém: Universidade Federal do Pará, 1970. Apud, LACERDA, Franciane Gama. Op., cit., pp. 38-39. 35

LOBATO FILHO (General). A Borracha da Amazônia: sugestões para a solução prática de seus problemas. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1951. Apud. LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit. pp. 43-45.

27

autor não deixa de se referir à presença dos imigrantes nordestinos na extração da

borracha na região.

Lobato Filho, ao tratar do migrante nordestino na Amazônia, (este

necessariamente entendido apenas como seringueiro), estabelece uma discussão

étnica, à medida que faz comparações entre o migrante cearense e o trabalhador livre

da região inserido no trabalho de extração da borracha. O mesmo, ao procurar

caracterizar o migrante cearense, afirma que este trabalhador gosta de conversar e

procura fazer relações, enquanto que o outro é “um arredio de qualquer convivência

*...+ quase um proscrito”.36 Para Lobato Filho, o nordestino é destemido e mantém

boas relações com a sociedade.37 Já o amazônico, por possuir características indígenas,

com toda a sua alma de desconfiança, “está metido dentro da carcaça do seringueiro

natural da Amazônia”.38

Nessa mesma linha de raciocínio, Arthur Cezar Ferreira Reis, em “O Seringal e o

Seringueiro”, afirma que apesar da origem comum, os trabalhadores livres da região e

os seringueiros nordestinos envolvidos na extração da goma elástica se diferenciam

nas atitudes, nos hábitos, e no comportamento. Sobre os primeiros escreve Arthur

Reis:

Os caboclos amazônicos, afeiçoados à terra, vivem placidamente, sem revelar ambições. Senhores, como ninguém, de quanto o meio possui de característico ou não, mantêm-se de acordo com o próprio meio. São (sic) uma produto típico das fôrças telúricas. [...] Frugalíssimos, contentam-se com o pouco que obtêm [...] Sentem-se felizes com o que possuem.39

Estes trabalhadores são, acrescenta o autor, brandos, meio ausentes e falam

escassamente. Entretanto, quando se aborrecem ou se sentem vítimas de exploração e

ou do desprezo, preferem se retirar aos gestos da exaltação.40 É interessante que Reis,

em sua análise, ao mesmo tempo em que é capaz de reconhecer a autonomia política

do trabalhador da região, ao caracterizar a sua atitude de revolta quando se sentem

vítimas de exploração, retira dele a condição de sujeito, concedendo-lhe apenas o

36

Idem, p. 44. 37

Idem. 38

Ibdem. 39

REIS, Arthur Cézar Ferreira. O Seringal e o Seringueiro. 1953. Rio de Janeiro. Ministério da Agricultura – Serviço de Informação Agrícola. p. 118. 40

Idem.

28

direito de se conformar e ou de ficar restrito aos gestos, como sinais de aborrecimento

e/ou de descontentamento. Para esse pesquisador, a estes trabalhadores não restam

outra opção senão a de se resignar, porque esta é a condição que a natureza lhes

impusera, ou seja, a incapacidade política de mudar a condição de explorados.

Diferentemente dos caboclos amazônicos, os imigrantes nordestinos, afirma

Arthur Cezar Ferreis Reis,

Não se submetem, sem um protesto, às exigências de quem os queira dominar. [São] trabalhadores sem desfalecimentos, possuem uma rara aptidão para enfrentar a vida. São enérgicos, cheios de vontade, ambiciosos [e] marcados pelo espírito da aventura.41

Outras características dos trabalhadores nordestinos são identificadas no

trabalho de Arthur Cézar Ferreira Reis. Para o autor, enquanto os trabalhadores da

região se caracterizam pela forma como falam, com brandura e escassamente, os

nordestinos se manifestam pela inquietação, turbulência e “um sentimento de altivez

que toca as raias da desordem”. Para ele, estes trabalhadores, em especial os

cearenses, diferenciam-se pela capacidade de trabalho, pela resistência física e pelo

sentimento de honra e da dignidade. 42

Além das investigações de Lobato Filho e Arthur Cezar Ferreira Reis, que

trabalham no sentido de fazer comparações entre o amazônico e os migrantes

nordestinos, Ernani Silva Bruno, em “História do Brasil – Geral e Regional, 1.

Amazônia”, também trabalha na mesma perspectiva. Sobre os nordestinos o autor

afirma que estes empurrados de suas terras pelas secas e atraídos para a Amazônia

pela borracha, vivem na região presos à solidão da floresta, longe da família,

trabalhando em condições de quase cativeiro. O trabalho de Silva Bruno, com

orientação metodológica semelhante à dos dois autores anteriormente citados, foi

inspirado no texto de Alfredo Ladislau, “Terra imatura”, produzido e publicado em

Belém do Pará, na década de 1920.43

41

Idem, p. 119. 42

Idem. 43

BRUNO, Ernani Silva. História do Brasil: Geral e Regional, 1. Amazônia. São Paulo: Cultrix, 1966. Apud. LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., pp. 31-32.

29

O texto de Ernani Silva Bruno, a exemplo do de Arthur Cezar Ferreira Reis e

Lobato Filho, cria um perfil dos nordestinos e do nativo da região. Arthur Reis identifica

o homem da região como desambicioso e indolente. Estas qualidades, segundo o

autor, seriam em decorrência, de sua adaptação às condições naturais e sociais dos

vales amazônicos.44 Para Lobato Filho, a preocupação dos nordestinos na região era a

lida com “as árvores gigantescas da selva” com o objetivo de levar adiante o seu

roçado.45

Desenvolvendo uma linha de investigação similar, Alcino Teixeira de Mello, no

seu “Nordestinos na Amazônia”, trabalha com a mesma perspectiva dos autores acima

mencionados: a de mostrar a imagem do migrante nordestino como forte e valente em

meio à produção da borracha. Embora o centro das análises do seu texto não tenha

sido o extrativismo da borracha ou a urbanização, mas de fato os nordestinos, aqueles

com os quais o próprio autor entrou em contato na Hospedaria de Migrantes de

Manaus, durante o ano de 1945, os chamados “soldados da borracha”, Alcino Teixeira

de Mello não deixa de se referir, em sua obra, à experiência anterior da imigração de

nordestinos para a Amazônia, em finais do século XIX, fazendo alusões aos

antepassados, destes que exploraram a borracha em épocas de seu apogeu.

O autor que pretendia tornar público para o país o drama doloroso daqueles

imigrantes sofridos que se desenrolava dia-a-dia no silêncio das florestas, contribuiu

para sedimentar na historiografia, uma imagem recorrente do imigrante nordestino na

Amazônia: a imagem da luta constante entre o homem e a natureza.46

As idéias acima discutidas, principalmente, aquela que procura materializar a

imagem de luta constante entre o homem e a natureza encontra eco no trabalho de

Leandro Tocantins. Ao tratar da importância da economia da borracha para a região

amazônica, o autor entende o seringueiro como um homem subordinado à floresta. Na

análise sobre a região, a obra de Tocantins se destaca à medida que acrescenta à

leitura da realidade amazônica um componente a mais, a reação. Ou seja, o autor

afirma que existe entre o homem e a natureza, um “inter-relacionar-se com as plantas

44

REIS, Arthur Cézar Ferreira. Op. Cit., Apud. LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., p. 32. 45

LOBATO FILHO (General). Op. Cit., Apud. LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., 44. 46

MELLO, Alcino Teixeira de. Nordestinos na Amazônia. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Imigração e Colonização/Departamento de Estudos e Planejamento, 1956. Apud. LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., pp. 48-49.

30

e animais, para conseguir o equilíbrio biótico [...] vencendo o meio ambiente e dele

extraindo o fator econômico que o prendeu à terra”.47

Sobre este texto cabe uma observação: apesar do autor avançar na leitura da

realidade amazônica, no tocante à relação homem/natureza, ele não consegue enfocar

outro aspecto deste trabalhador inserido no contexto da extração da borracha, senão

o da condição de um verdadeiro escravo. Aliás, o autor ao procurar descrever o

seringal, descreve-o como uma casa-grande (o barracão) e uma senzala (toda a selva).

Deste espaço, segundo Tocantins, abriu-se caminho para implantar-se uma nova

escravidão.48Outro dado interessante no trabalho de Tocantins, além dos já

mencionados, há de se pôr em relevo a idéia de que a borracha provocou em seu

habitat uma verdadeira revolução social.49 Isto sugere uma reprodução ou recriação do

tipo de organização patriarcal existente no Nordeste com suas relações de

mandonismo e obediência.50 Essa reprodução ou recriação da organização patriarcal

nordestina na região amazônica se justifica, segundo o autor, por certa identidade

nordestina e da própria natureza do trabalho de exploração econômica.51

Um texto interessante da década de 1970, apesar das críticas aos esquemas pré-

estabelecidos que explicam as relações sociais através de fórmulas e cálculos, é o

trabalho do economista Roberto Araújo de Oliveira Santos, “História econômica da

Amazônia (1800-1920)” que se tornou um referencial importante para o estudo da

economia da região amazônica. Embora o interesse do autor seja discutir os

movimentos da economia amazônica do século XIX, para trazer novas luzes à história

econômica da região52 a contribuição da sua obra para a temática da migração interna

é inquestionável.

É importante que se ressalte que esta obra é relevante para o estudo sobre o

processo migratório de nordestinos para o Amazonas, porque a mesma trabalha com

informações acerca da forte presença de trabalhadores nordestinos na região. O braço

47

TOCANTINS, Leandro. Amazônia. Natureza, homem e tempo: uma planificação ecológica [1960]. 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. Apud. LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., p. 52. 48

Idem. 49

Idem, p. 53. 50

Idem. 51

Ibdem, pp. 52-53. 52

SANTOS, Roberto Araújo de Oliveira. História econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1980, pp. 3-5.

31

externo de sustentação da atividade extrativa e agrícola na Amazônia foi por

excelência o do nordestino, afirma o autor, em um determinado momento do texto.

Em outra parte, tratando da “Superação da escassez de mão-de-obra”, na região, face

à demanda crescente de borracha no mundo, o autor assegura que “O

estrangulamento da produção teria sido fatal, não fora o subsídio imigratório

proveniente *...+ sobretudo da região nordestina do país”.53

Se o texto do economista Roberto Santos é muito representativo para o estudo

da temática da migração interna, porque possibilita a visualização dos migrantes

nordestinos no contexto da produção econômica da borracha, igualmente se pode

afirmar acerca do trabalho de Barbara Weinstein, “A Borracha na Amazônia: expansão

e decadência (1850-1920)”. Esta obra, a exemplo da de Roberto Santos, discute a

economia da região, mas dentro de outra perspectiva a de “explicar por que a

expansão da borracha não fez surgir uma transformação fundamental da sociedade

amazônica”.54 Outra perspectiva levantada nesta obra é a da riqueza promovida pelo

negócio da borracha na Amazônia que se mostrou efêmera e superficial. Ao contrário

da economia cafeeira de São Paulo, que representou o caso mais extraordinário em

toda a América Latina, de um desenvolvimento prolongado gerado por exportação,55 a

economia advinda da expansão da borracha amazônica não promoveu uma

transformação na estrutura da sociedade amazônica.

Todavia a representatividade da obra de Weinstein para o nosso estudo está no

fato de que ela permite uma visualização da presença dos nordestinos no contexto da

produção econômica da Amazônia. A autora ao tratar sobre a forma como os

seringueiros têm sido apresentados nos trabalhos dos historiadores, afirma que

quando escreveu o seu livro, na década de 1980, os historiadores em geral

consideravam os seringueiros – pelo menos dos anos do boom econômico da borracha

– como uma massa desumanizada, passiva, escravizada por dívidas e condições

subumanas de trabalho.56

53

Idem, pp. 87-97. 54

WEINSTEIN, Barbara. A Borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: Hucitec/Edusp, 1993, p. 300. 55

Idem, pp. 15-16. 56

Idem, p. 10.

32

Em meio a essa crítica aos trabalhos dos historiadores a respeito à imagem

construída dos seringueiros, Weinstein ao mesmo tempo em que não nega a violência

e a exploração que caracterizaram a existência dos seringueiros na Amazônia, propõe

uma imagem diferenciada dos trabalhadores da seringa, ou seja, uma imagem onde

eles se apresentam como produtores e não como simples trabalhadores lutando para

manter certa autonomia e auto-suficiência.57

Mas, uma discussão acerca dos trabalhos que abriram espaços no campo da

pesquisa histórica sobre o trabalhador livre nacional, não pode prescindir as reflexões

de Euclides da Cunha.

Nesse sentido, a importância de Euclides está em torno do debate acerca da

ideia da mestiçagem na sociedade brasileira, do qual o autor participou ativamente no

início do século XX, e não apenas na contribuição relativa às informações sobre as

principais secas que assolaram o sertão nordestino durante o século XIX. Sobre esse

debate, um aspecto do pensamento de Euclides da Cunha nos interessa diretamente: a

ideia da construção de um projeto para a nação que englobasse os elementos da

realidade nacional.58

Nesse sentido, ao tratar da questão do progresso da ausência de um projeto de

civilização, o autor afirma que o país somente civilizar-se-ia através de um projeto de

integração nacional em que estivessem incluídos todos os brasileiros. Para ele civilizar

o País significava a criação de condições econômicas, políticas e sociais para o

rompimento da exclusão da maioria da população.59 A ideia de Euclides da Cunha, ao

propor a construção de um projeto de integração nacional em que estivessem

incluídos todos os brasileiros, era baseada na crença de que o projeto de nação

colocado em prática pelos setores preponderantes da sociedade brasileira, do final do

século XIX e do início do século XX, impunha formas de mudanças sociais que

desconsideravam as especificidades brasileiras. Descrente deste tipo de projeto

autoritário, o autor afirmava que uma sociedade que pretendesse imitar as instituições

e os modos de ser e de agir dos europeus não criaria jamais um autêntico projeto

57

Idem. 58

BORGES, Juliano Luis. Raça e evolução social em ‘Os Sertões’ de Euclides da Cunha. Disponível no site: http://www.espacoacademico.com.br/058/58borges.htm, p. 3. Acessado em 28.03.2009. 59

REZENDE, Maria José de. Os Sertões e os (des)caminhos da mudança social no Brasil. São Paulo: Tempo Social (Revista de Sociologia da USP). Apud. BORGES, Juliano Luis. Op. Cit., p. 3.

33

civilizador. Portanto, é baseado nessa concepção de integração nacional que Euclides

da Cunha propõe a construção de um projeto de civilização para o País. Este deveria

contar com os elementos da realidade nacional, ou seja: “o jagunço destemido, o

tabaréu ingênuo, o caipira simplório, o sertanejo das caatingas nordestinas e do chão

úmido da Amazônia.”60

É nesse contexto de preocupações em relação à questão da construção de um

projeto de civilização para o País que o autor de “Os Sertões”, a exemplo dos autores

anteriormente trabalhados, tratou acerca da imagem do trabalhador nordestino.

Sobre este, Euclides da Cunha afirma: “o sertanejo é antes de tudo, um forte”. E

acrescenta: o mestiço do interior do Nordeste brasileiro “Não tem o raquitismo

exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral”.61

Mas, é em “Judas-Asvero”, do próprio Euclides da Cunha, que vamos encontrar o

trabalhador nordestino, como seringueiro na Amazônia. Esta obra, de visão trágica

sobre a vida dos nordestinos na Amazônia, não deixa de ser um bom exemplo de

trabalho em que estes sempre são pensados como vítimas da natureza e dos donos

dos seringais – aliás, diga-se de passagem, que esta ideia se encontra muito bem

cristalizada na historiografia que trata da imigração de nordestinos para a Amazônia. 62

Neste trabalho, Euclides da Cunha descreve a vida dos trabalhadores nordestinos na

floresta, como que submersa “na mesmice torturante daquela existência imóvel, feita

de idênticos dias de penúrias,” como “uma interminável sexta-feira da Paixão.” 63

Outro autor bastante significativo no sentido do fornecimento de indicativos

para os historiadores, acerca da presença dos trabalhadores livres nacionais,

necessariamente, os nordestinos, no contexto da produção econômica no país, é Caio

Prado Júnior, com sua obra clássica “História Econômica do Brasil”. Neste trabalho, em

um item intitulado “Expansão e Crise da Produção Agrária”, o autor, além de trabalhar

sobre a produção agrária desenvolvida nas diferentes regiões do país e enfatizar o

caráter exportador de matérias primas do Brasil, no cenário internacional, aborda

60

Idem, p. 2. 61

GALVÃO, Walnice Nogueira. Op. Cit., p. 105. 62

LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., 4-28. 63

CUNHA, Euclides. Judas-Asvero. In: Amazônia: Um paraíso perdido. Manaus: Editora Valer/Governo do Estado do Amazonas/Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2003. pp. 117-118.

34

também a economia da borracha amazônica do final do século XIX e início do século

XX.

É nesse contexto de análise de Caio Prado Júnior sobre a produção agrária

brasileira, que vamos encontrar alusões do autor a uma forte corrente migratória de

trabalhadores nordestinos para o Amazonas.

Nesse sentido, Caio Prado Júnior, ao analisar a produção econômica da borracha

amazônica, na primeira metade do século XIX, ocasião em que se registrou um

primeiro embarque de 31 toneladas, para atingir em 1880 cerca de 7.000, afirma que a

produção econômica da borracha, a partir de então, cresceu porque contara com uma

larga disponibilidade de mão-de-obra proveniente do interior nordestino para a

Amazônia em conseqüência da grande seca que durou de 1877 a 1880.64

É na perspectiva em torno da ideia do aumento da produção da borracha nos

anos de 1880 e da grande disponibilidade de mão-de-obra proveniente do Nordeste,

que Caio Prado Júnior deixa suas impressões acerca dos imigrantes nordestinos na

Amazônia. Neste sentido o autor afirma que os trabalhadores nordestinos viviam

imersos “nas asperezas da selva e na dura tarefa de colher a goma” para os

proprietários dos seringais. Segundo Caio Prado, enquanto os

[...] comerciantes e toda esta turbamalta marginal e parasitária [...] usufruíam [dos] prazeres fáceis das cidades [e viviam] o deslumbramento da riqueza e da prosperidade [dos] anos de febre da borracha amazônica, [os trabalhadores nordestinos viviam] dispersos e isolados [no meio da grande floresta sofrendo as] agrura[s] do meio natural.65

Versão semelhante à de Caio Prado Júnior, encontraremos também na obra

“Formação econômica do Brasil”, do economista Celso Furtado. Este autor,

preocupado em trabalhar o problema da mão-de-obra na Amazônia, nos fins do século

XIX e começo do século XX, logo após a rápida expansão da borracha amazônica no

mercado mundial, afirma que “a população destacada” da região Nordeste para a

região amazônica não seria inferior a meio milhão de pessoas.66

64

PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1998, pp. 225-236. 65

Idem, p. 240. 66

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional. S/d, 21ª Ed.; pp. 130-131.

35

Segundo Celso Furtado, essa população miserável de trabalhadores nordestinos,

ao contrário do imigrante europeu – este exigente e ajudado por seu governo,

dispondo sempre de terra para plantar o essencial ao alimento de sua família, o que o

defendia contra a especulação dos comerciantes na parte mais importante de seus

gastos – vivia uma situação bem diversa: começava sempre a trabalhar endividada e,

via de regra, era obrigada a reembolsar os gastos com a totalidade ou parte da viagem.

Para Celso Furtado, as grandes distâncias entre o local de trabalho na extração da

borracha na floresta e as cabanas rudimentares onde habitavam, mais a precariedade

da situação financeira a que estavam submetidos, faziam com que os imigrantes

nordestinos fossem reduzidos a um regime de servidão67 na Amazônia.

Portanto, se no passado alguns trabalhos abriram espaços no campo da pesquisa

histórica, para que os historiadores encontrassem em suas andanças pelos arquivos, os

trabalhadores livres nacionais, especialmente o imigrante nordestino, acreditamos,

conforme dissemos anteriormente, que a não presença dos trabalhadores livres

nacionais nos trabalhos dos historiadores não se justifica, já que os jornais do país

inteiro noticiavam, com freqüência em suas colunas, entre o final do século XIX e início

do século XX, a chegada destes trabalhadores na região.

Acreditamos que se as obras até aqui trabalhadas possuem uma

representatividade significante, no sentido do fornecimento de indicativos aos

historiadores contemporâneos, acerca da presença dos trabalhadores livres brasileiros,

no contexto da produção econômica nacional, as obras dos historiadores cearenses

Raimundo Girão e Rodolfo Teófilo, a exemplo das outras anteriormente mencionadas,

também têm suas importâncias no contexto da produção historiográfica. Embora,

Raimundo Girão com sua “História econômica do Ceará” e Rodolfo Teófilo, com seu “A

Sêca de 1919”, sejam considerados exemplos de historiadores tradicionais no trato

com as questões da seca e da emigração, estes autores possuem um significado

relevante para o que aqui queremos. Os mesmos sinalizam, ainda no final da primeira

metade do século passado, período da publicação das suas obras, a ideia de um grande

movimento emigratório, “tipicamente de expulsão” de cearenses para a Amazônia.

Sobre este movimento migratório para a Amazônia, Raimundo Girão afirma, que

67

Idem, pp. 133-134.

36

A emigração cearense foi a grande determinante da exploração da borracha, que marcou o apogeu do Amazonas e do Pará. Somadas as parcelas de emigrantes saídos [do Ceará, entre os anos de] 1877 e 1943, o que [abandonou] a terra natal [subiu para] 609.324. [Destes números], O índice de fixação do homem do Ceará na Amazônia é, pois, de 37%.68

Um dado interessante no livro “A Sêca de 1919”, de Rodolfo Teófilo, chama a

nossa atenção: a afirmação do autor de que já não era a seca que expatriava os

nordestinos, numa alusão ao movimento emigratório do final do século XIX e começo

do século XX, mas, sim, “a ambição de riqueza que os fazia sair em busca do El-

Dourado”. Segundo o autor, um dos motivos que desencadeou a saída de um grande

contingente de trabalhadores do Ceará para a Amazônia, foi a inveja daqueles que

ficavam, em relação àqueles que voltavam da Amazônia “ostentando dinheiro no trajo

e nas jóias que traziam expostas”. Isto decerto contribuiu segundo Rodolfo Teófilo,

para a tomada de decisão daqueles que queriam embarcar69 em direção às “ilusões do

ouro amazônico”.70

Esta posição de Teófilo chama a nossa atenção, porque a mesma sinaliza, ainda

no início do século passado, a idéia do quanto é complexa a temática da migração

interna. Isto nos remete, novamente, às reflexões de Isabel Cristina Martins Guillen,71

só que desta vez acerca dos limites da historiografia sobre o tema da seca e da

migração de nordestinos para a Amazônia. Neste sentido, a autora afirma que o

problema da historiografia, na sua vasta produção discursiva, é que ela, ao fazer a

vinculação direta entre seca e a migração, retira do imigrante a sua condição de

sujeito. É como se migrar também não fosse uma escolha e o imigrante não tivesse

vontade própria. Guillen, ao analisar o problema da migração afirma, que

Migrar pode ser entendido como estratégia, não só para minimizar as penúrias do cotidiano, mas também para buscar um lugar social onde se possa driblar a exclusão pretendida pelas elites brasileiras através de seus projetos modernizantes.72

68

GIRÃO, Raimundo. História econômica do Ceará. Fortaleza: Ed.do Instituto do Ceará, pp. 392-394. 69

TEÓFILO, Rodolfo. A Sêca de 1919. Apud. GIRÃO, Raimundo. Op. Cit., pp. 392-394. 70

Raimundo. Op. Cit., p. 392. 71

GUILLEN, Isabel Cristina Martins. Seca e migração no Nordeste: reflexões sobre o processo de banalização de sua dimensão histórica. Disponível no site: http://www.fundaj.gov.br/tpd/111.html. Acessado em 14.11.2008. 72

Idem, pp. 1-2.

37

Para a autora, a postura metodológica de determinados estudos sobre a

migração de nordestinos para a Amazônia, de vincular diretamente seca a migração,

empobrece a análise do processo migratório. Neste sentido, seguindo o raciocínio de

Guillen, mesmo considerando que a borracha amazônica tenha proporcionado a

transformação do chamado “centrifugismo emigratório, tipicamente de expulsão”

numa “emigração de atração”73, não podemos deixar de considerar a ideia de que a

decisão do migrante nordestino de se deslocar para a Amazônia, não esteve ligada

apenas à decisão dos poderes públicos,74 com suas políticas de socorro aos retirantes

em períodos de secas.

Nesse debate em torno da complexidade do tema da migração interna, outra

reflexão importante que vai ao encontro ao nosso interesse, ou seja, o de trabalhar

com a ideia de que os nordestinos que migraram para o Amazonas, a partir de 1877,

não migraram unicamente por causa das secas, é a reflexão de Maria Aparecida de

Moraes Silva e Marilda Aparecida Menezes, constante no artigo intitulado “Migrações

rurais no Brasil: velhas e novas questões”.75

Mas, antes de trabalharmos o texto dessas autoras queremos fazer um registro.

Ao sinalizarmos com a perspectiva de discussão acerca de uma idéia subjacente na

historiografia sobre a imigração nordestina para a Amazônia: (a ideia de que a

imigração de nordestinos para a região, a partir de 1877, ocorreu, principalmente, por

causa das secas,) não significa necessariamente que estamos vislumbrando, nessa

discussão, a possibilidade de negar uma explicação corrente nos trabalhos sobre o

tema, que afirma que uns dos motivos da imigração de nordestinos para a Amazônia

foram às secas. Este não é o nosso objetivo.

Em verdade, o interesse aqui é sinalizarmos a ideia da necessidade de se estudar

melhor o processo imigratório de nordestinos para a Amazônia, com o objetivo de se

evitar a explicação simplória, de que estes migraram para a região tão somente por

causa das secas. Para ilustrar esta nossa inquietação a respeito desta questão implícita

presente nos trabalhos de História sobre o tema, cabe uma observação: é verdade que

73

GIRÃO, Raimundo. Op. Cit., p. 392. 74

LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., p. 4 75

SILVA, Maria Aparecida de Moraes e MENEZES, Marilda Aparecida. Migrações rurais no Brasil: velhas e novas questões. Disponível no site: http://www.nead.org.br/memoriacamponesa/arquivo... Acessado em 26.11.2008.

38

não encontramos na bibliografia sobre o tema uma afirmação direta afirmando que os

nordestinos emigraram para a região, unicamente por causa das secas. Entretanto,

comumente encontramos na historiografia tradicional informações sobre a vinda de

imigrantes cearenses para a Amazônia que relacionam diretamente seca à migração,

como é o caso, por exemplo, de Arthur Cezar Ferreira Reis em “História do Amazonas”.

Ao discutir a respeito do povoamento da Província do Amazonas, logo após a sua

instalação em 1852, Reis afirma que o crescimento da população da região ocorreu

com gentes de todo Nordeste e do Pará e que daí por diante não cessou mais. E

acrescenta:

O desbravamento [da região] se operava com rapidez, obra de energia do nacional a se revelar com qualidade de homem forte. A grande ocupação seria, contudo, iniciada e quase toda ela realizada pelo nordestino, pelo cearense principalmente, quando em 1877 o sertão do Nordeste sofreu a visita da seca que o assolou barbaramente. Enxotado pela violência do meio, o que lhe tirou os recursos de vida, vitimando os rebanhos, queimando as culturas agrícolas, esgotando os mananciais d’água, o nordestino teve de procurar noutras terras, abandonando o berço onde deixava miséria. A Amazônia, para onde já se encaminhava, lhe era campo vasto à atividade. Dos 4.610 cearenses, que nesse ano deixavam Fortaleza procurando o vale tentador, muitos centos rumaram para o Amazonas. Nos anos seguintes “perdidas as esperanças do inverno”, em verdadeiras ondas, novos milhares se lançaram à Província. Em março de 1879, segundo cálculos oficiais, já se tinham entrado em Manaus mais de seis mil cearenses. [...] Em 1888 e 1889 nova seca violenta empurrou maiores contingentes de nordestinos, de cearenses. Cerca de dez mil indivíduos. As estatísticas não são seguras nem abundantes. Homens, mulheres, crianças, velhos abatidos pelos sofrimentos, roídos de desespero, sentindo os rigores de um clima diverso e de um meio geográfico que desconheciam e lhes causava espanto.76

Dito isto acima, voltemos ao texto de Maria Aparecida de Moraes Silva e

Marilda Aparecida Menezes. Nesse texto, as autoras, após reconhecerem as

contribuições da produção acadêmica sobre o tema da migração interna, do período

das primeiras décadas do século XX,77 que fazem uma “interpretação macroestrutural”

das questões relacionadas às migrações no Brasil, destacam que:

76

REIS, Arthur Cezar Ferreira. História do Amazonas. 2ª edição. Belo Horizonte: Itatiaia;Manaus: Superintendência Cultural do Amazonas, 1989, pp. 217-221. 77

SILVA, Maria Aparecida de Moraes e MENEZES, Marilda Aparecida. Op. Cit., p.1

39

A explicação das desigualdades regionais é relevante para entender as migrações de significativos grupos sociais da Região Nordeste à Região Sudeste do Brasil. No entanto, acreditamos que há uma lacuna a essa visão, ao não incorporar o significado das migrações para os próprios agentes envolvidos nesse processo social.78

É interessante para a nossa discussão a inquietação dessas pesquisadoras, uma

vez que esta nos permite pensar a experiência dos migrantes nordestinos no

Amazonas a partir da perspectiva de sujeitos do processo migratório e não apenas

“como vítimas de uma sociedade injusta ou de um ambiente hostil, na produção e

transformação da sociedade em que viviam.”79

Exemplo do que representa a migração para os próprios migrantes, o que

decerto contribui para que levemos em consideração a firmação de Isabel Cristina

Martins Guillen de que a imigração de trabalhadores nordestinos para a Amazônia não

ocorreu somente em períodos de seca e o questionamento acerca da primazia e o

alcance do argumento que associa necessariamente80 seca à migração, pode ser

extraído do relato de Alfredo Lustosa Cabral sobre a chegada de seu irmão ao interior

da Paraíba e a decisão dele e mais alguns companheiros irem também à Amazônia.

Vejamos o relato:

Em março de 1897, chegou a Patos meu irmão Silvino Lustosa Cabral vindo das plagas amazônicas onde passara cinco anos. Grande foi o contentamento da família ao abraçá-lo. Perdido por aquele mundo, sem se ter qualquer notícia, deixava crer que já tivesse ele desaparecido da face da terra. Trouxe no bolso uns gordos cobres que arranjara por lá com ingentes sacrifícios. [...]. Levava o tempo contando as peripécias, os sofrimentos, os gozos e novidades por que passara naquela região. O pessoal, boquiaberto, ouvia estarrecido o desenrolar das narrativas. [...]. Os dias iam-se passando céleres, e eu, a cada momento, ouvia aquelas histórias bonitas, às vezes fantásticas, que ele contava, bem como, da facilidade de se enriquecer em pouco tempo. Fiquei logo desejando conhecer tudo aquilo – passeios, viagens de canoa, aves canoras como o irapuru, pássaro quase encantado, caçadas, índios e a bicharada.81

78

Idem, pp.2-3. 79

GUILLEN, Isabel Cristina Martins. Op.Cit., p. 175. 80

Idem. 81

CABRAL, Alfredo Lustosa. Dez anos no Amazonas (1897-1907). 2ª ed., Brasília: Senado Federal, 1984(1949). Apud. WOLFF, Cristina Scheibe. Mulheres da Floresta: uma história: Alto Juruá, Acre (1890-1945). São Paulo: 1999, pp. 49-50.

40

Outro texto bastante sugestivo para o debate em torno do tema da migração

interna, no sentido de contribuir para que o historiador contemporâneo repense a sua

postura teórico-metodológica é a tese de doutorado de Paulo Fontes, intitulada:

“Comunidade operária, migração nordestina e lutas sociais: São Miguel Paulista (1945-

1966)”.

Neste texto, o autor, ao analisar as migrações nordestinas para São Paulo, na

década de 1950, afirma que não há dúvidas da importância do quadro sócio-

econômico como pano de fundo para a análise do processo migratório de nordestinos

para São Paulo. Porém, segundo o autor, a supervalorização de fatores econômicos, na

análise da questão da migração, acaba por menosprezar o papel dos próprios

migrantes enquanto agentes envolvidos no processo.82

Segundo, Paulo Fontes, um problema comum, facilmente encontrado em muitos

estudos sobre o tema da migração interna, que tem contribuído para retirar do

migrante a condição de sujeito nos processos migratórios, é a forma como os

migrantes nordestinos têm aparecido nas pesquisas sobre o tema. Neste sentido,

afirma o autor:

Os migrantes [nordestinos] são vistos apenas como cifras, como força de trabalho que se transfere passivamente das regiões menos para as mais desenvolvidas. Os migrantes rurais nordestinos não foram apenas reflexos de forças econômicas determinadas externamente, embora estivessem imersos nelas. Eles também foram agentes do seu próprio movimento e dessa forma, através de estratégias diversas, contribuíram na moldagem do processo migratório.83

As reflexões de Isabel Cristina Martins Guillen, quanto à questão da vinculação

direta entre seca e migração e a crítica à “interpretação macroestrutural” da produção

acadêmica de Maria Aparecida de Moraes e de Marilda Aparecida Menezes assim

como a opinião de Paulo Fontes sobre a forma como os migrantes nordestinos têm

aparecido em muitos estudos sobre a migração interna, servem-nos como suporte

tanto para evitar a explicação simplória de que os nordestinos vieram para a região,

principalmente, por causa das secas, como também para promover reflexões sobre a

82

FONTES, Paulo. Comunidade operária, migração nordestina e lutas sociais: São Miguel Paulista (1945-1966). Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2002. Apud. SILVA, Maria Aparecida de Moraes e MENEZES, Marilda Aparecida. Op. Cit., p. 5. 83

FONTES, Paulo. Op. Cit., Apud. SILVA, Maria Aparecida de Moraes e MENEZES, Marilda Aparecida. Op. Cit., p. 5.

41

necessidade de se estudar melhor o processo imigratório de nordestinos para o

Amazonas.

Desta forma, tomando por base a complexidade do tema da migração interna,

parece-nos sensata a recomendação de Maria Aparecida de Moraes e Maria Aparecida

de Menezes de que o pesquisador deve ter uma postura teórico-metodológica capaz

de compreender a migração como um processo social.84 Segundo as pesquisadoras,

em vez dos historiadores da migração adotar os modelos de deslocamentos de

população, devem analisar a migração como um acontecimento histórico, que atinge

os que partem e os que ficam “constituído por elementos objetivos, estruturais,

culturais e subjetivos, vis-à-vis as organizações sociais de classe, gênero e

raça/etnia”.85

Subjacente a essas recomendações dessas autoras, encontra-se a idéia de que a

migração, enquanto processo, é uma via de mão dupla, ou seja, de que ela responde

tanto às necessidades materiais de sobrevivência quanto às de manter vivas no

imigrante as ilusões (de melhoria, de ascensão social, de projetos de vida).86

Um trabalho não menos importante que nos subsidia nessa reflexão, e que

muito tem a contribuir para com as pesquisas históricas em torno da imigração de

nordestinos para a Amazônia, é o de Samuel Benchimol, intitulado: “Romanceiro da

batalha da borracha”.

Ao tratar sobre o problema da imigração nordestina na Amazônia, no contexto

publicitário da famosa Batalha da Borracha, no final da primeira metade do século XX,

o autor afirma que quem quiser compreender a história da Amazônia da metade do

século XIX para cá, necessariamente terá que entender e estudar o cearense imigrante.

Neste trabalho, o pesquisador nos oferece através do seu “ensaio

antropogeográfico”, além dos testemunhos da mentalidade do imigrante,87 uma

oportunidade de trabalharmos com a ideia de que os imigrantes nordestinos vieram

para a Amazônia, não necessariamente por causa da seca. Benchimol, ao comentar

84

SILVA, Aparecida de Moraes e MENEZES, Marilda Aparecida. Op. Cit., p. 4. 85

Idem. 86

Idem, p. 5. 87

BENCHIMOL, Samuel. Romanceiro da batalha da borracha. Manaus: Imprensa Oficial, 1992, pp. 7-11.

42

sobre as entrevistas que fez com os imigrantes que desembarcaram no porto de

Manaus, entre junho de 1942 e março de 1943, afirma que sua pesquisa abrangeu

mais de vinte levas diferentes de imigrantes, desde as primeiras, que vinham acossadas pela seca, obrigadas pela necessidade, a estas últimas, com um espírito quase totalmente diferente, influenciadas pela seringa, exclusivamente, pois o “sertão está já chovido”.88

Em relação à ideia de que a imigração de nordestinos para o Amazonas não

ocorreu somente em períodos de seca, pode ser identificada na pesquisa de

Benchimol, em dois momentos. Primeiro, quando o autor reproduz a resposta dada

por um imigrante entrevistado em que relata ter vindo ao Amazonas, embora o sertão

já tivesse chovido. O segundo momento, diz respeito à abordagem do próprio autor

em torno da informação acerca da primeira leva de 53 imigrantes nordestinos para o

Purus, conduzidos por João Gabriel de Carvalho e Melo, no ano de 1869, ano em que

não se fala em seca89 no Ceará.

O texto de Samuel Benchimol, sem sombra de dúvida, é uma fonte de pesquisa

importante, para o estudo do tema, por não trabalhar com a perspectiva de que a seca

é a única responsável pela saída do homem nordestino em busca de melhores

condições de vida. Outro trabalho rico no campo da produção historiográfica que

contribui decerto para o debate em torno do tema é o texto de Frederico de Castro

Neves, intitulado: “A multidão e a História: saques e outras ações no Ceará”. O autor

trabalha com uma abordagem teórico-metodológica voltada para a chamada história

social sobre o problema da seca no Ceará. Além disso, investiga os muitos

desdobramentos da seca no Ceará como a fome, as doenças, a saída dos migrantes

cearenses do sertão para as zonas litorâneas, de maneira especial, para Fortaleza,

destaca a vinda de trabalhadores nordestinos para a Amazônia.90

88

BENCHIMOL, Samuel. Op. Cit., p. 12. 89

Idem, p. 55. 90

NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a história: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de Janeiro: Relume Dumará. Fortaleza, CE: Secretaria de Cultura e Desporto, 2000.

43

Nesse sentido, ao analisar a “grande seca” de 1877 ou “seca-tipo”, conforme

expressão de Rodolpho Theophilo,91 Frederico de Castro Neves afirma que a seca de

1877 “trouxe para dentro de Fortaleza a presença impactante de multidões de

retirantes esfaimados e andrajosos a implorar por ajuda, ‘contaminando’ a cidade com

a sua miséria explícita”.92 Segundo José Aurélio Saraiva Câmara, a seca do ano de 1877

assumiu, para as autoradades de Fortaleza, não apenas o aspecto de flagelo público,

mas também de estranha e dolorosa novidade. Para o autor,

a geração que tinha, então, o comando da vida pública nacional, na administração, no Parlamento, no comércio, na indústria, no ensino, a sêca tal como se apresentava [em 1877], era um fato nôvo.93

Para este pesquisador, a seca de 1877 passou a ser uma novidade para a geração

que passou a ter, em 1889, o comando da vida pública nacional, porque, em verdade

até o ano de 1877, não se sabia, no Ceará, o que era uma seca.94 Sobre essa seca, uma

contribuição importante no sentido da análise dos muitos discursos sobre as secas no

Nordeste, é o trabalho de Durval Muniz de Albuquerque Júnior, intitulado: “Nos

destinos de fronteira: História, espaços e identidade regional”. Nesse trabalho, Durval

Albuquerque, tratando dos muitos discursos sobre a seca de 1877, afirma que

Enquanto [...] [essa] seca foi problema para o mundo dos despossuídos, ela era uma senhora desconhecida, não merecia mais que breves notas em pé de páginas de jornais, mas, quando chega ao mundo dos proprietários, ela não é só percebida, como é transformada no ‘cavalo de batalha’ de uma elite necessitada de argumentos fortes, para continuar exigindo o seu quinhão, na partilha dos benefícios econômicos e dos postos políticos em nível nacional.95

É nesse contexto que Frederico de Castro Neves ao tratar da questão da

imigração de nordestinos para a Amazônia, analisa os muitos desdobramentos da seca

91

THEOPHILO, Rodolpho. História da Secca no Ceará (1877-1880). Rio de Janeiro: Imprensa Inglesa, 1922. Apud. NEVES, Frederico de Castro. Op. Cit., p. 25. 92

NEVES, Frederico de Castro. Op. Cit, p. 25. 93

CÂMARA, José Aurélio Saraiva. Fatos e Documentos do Ceará Provincial. Fortaleza: Imprensa Universitária, 1970. Apud. NEVES, Frederico de Castro. Op. Cit., p. 27. 94

Idem. 95

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Nos destinos de fronteira: História, espaços e identidade regional. Recife: Bagaço, 2008, p. 245.

44

no Ceará.96 A exemplo disso, ele analisa a implantação de políticas de controle, por

parte das autoridades fortalezenses, como a construção de “abarracamentos” e

“Campo*s+ de Concentração”97, visando evitar o contato da população citadina com a

“multidão de miseráveis” em Fortaleza. Nesse sentido, o autor afirma que a emigração

para a Amazônia, entre o final do século XIX e início do XX, era outra forma de política

de controle desenvolvida pelas elites cearenses que tinha o objetivo de evitar o

contato da população citadina com os retirantes,98 na capital cearense. O autor afirma

ainda que

tudo parece fazer crer que a política de migração para o Norte foi uma estratégia governamental para desafogar os equipamentos urbanos da enorme pressão exercida pelos milhares de retirantes sem teto, sem alimento, sem saúde.99

Recentemente surgiu, no cenário da produção historiográfica, um texto

inegavelmente importante para a discussão da imigração de nordestinos para a

Amazônia: “Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916)”, de

Franciane Gama Lacerda. O trabalho dessa pesquisadora busca contar um pouco da

experiência social dos migrantes cearenses em terras paraenses100e contribui

certamente, para tirar do anonimato o imigrante cearense. Ao se debruçar na

experiência social desses trabalhadores que vieram para a Amazônia, especialmente

para o Pará, a autora registra que se essa experiência antes de ser social, ela é

individual.101. A preocupação da pesquisadora em considerar, na sua análise, o caráter

individual da experiência social dos migrantes, procurou evitar a postura teórico-

metodológica da historiografia tradicional da não homogeneização das “múltiplas

vivências” de “homens, mulheres e crianças”, contribuindo assim para que os

imigrantes nordestinos em geral não sejam chamados de cearenses ou simplesmente

de flagelados.102

96

LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., p. 60. 97

NEVES, Frederico de Castro. Op. Cit., p. 32. 98

Idem, p. 33. 99

Idem. 100

LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., p. 2. 101

Idem, p. 2. 102

Idem.

45

Mas, a contribuição dessa autora, na discussão da temática não ficou restrita

apenas à questão da consideração do caráter individual e da experiência social dos

imigrantes cearenses no processo migratório para o Pará. A partir de uma

documentação tradicional, clássica sem grandes inovações ou descobertas, a autora

tirou do imigrante cearense a exclusiva imagem solidificada de homens miseráveis e

famintos.103 Isso confirma que Gama Lacerda trabalhou com a perspectiva de que

havia imigrantes nordestinos saindo de seu lugar de origem levados por outros

motivos que não a seca.

Outras informações que ratificam essa realidade são os dados transcritos e

divulgados pela “Folha do Norte” do jornal “A República do Ceará” a respeito do

número de pessoas que migraram do porto de Fortaleza entre janeiro e junho de 1900,

que de certo modo evidencia uma vinda para a Amazônia desvinculada da seca.104

Segundo o jornal “A República do Ceará”, o ano de 1899, ano em que ocorreu o maior

inverno daquele século, emigraram para a região amazônica 17.045 pessoas, enquanto

que no primeiro semestre do ano seguinte, ou seja, 1900, ano de muita seca,

embarcaram para a região, cerca de 15.482 pessoas. Portanto, isso esclarece que o

período de seca não é o único responsável pelo êxodo do nordestino.

Baseados nestes dados consideramos oportuno através do texto abaixo,

ratificarmos a nossa posição sobre acerca da imigração de nordestinos para a

Amazônia. Neste sentido declara a historiadora Franciane Gama Lacerda:

Resumir o processo de migração [de nordestinos] para o norte tão somente no drama da seca é tornar essa questão muito elementar, não necessitando até de maiores interpretações. Buscar entender a migração em seus vários significados é sem dúvida investigar as ações de variados sujeitos sociais envolvidos nesse processo.105

Feitas essas ratificações acerca de nossa posição em favor da ideia de que o

pesquisador não deve reduzir o processo de migração de trabalhadores nordestinos

para a Amazônia tão somente ao drama da seca, acreditamos ser oportuno abrir um

espaço para pensarmos, embora, de forma tangencial, alguns aspectos do processo

103

Idem, p. 6. 104

LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., p. 147. 105

LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., p. 147.

46

histórico do Amazonas e conseqüentemente da cidade de Manaus. A ideia não é

buscar as origens da cidade. Não temos essa pretensão, até porque temos consciência

dos riscos que os historiadores correm no campo da pesquisa histórica, quando são

tentados a supervalorizar aquilo que Marc Bloch chamou de “ídolo da tribo dos

historiadores”, ou seja, “a obsessão” pelas “origens”.106

Como dissemos a intenção aqui não é buscar a cidade “‘tal qual ela foi’”, mas,

sim, trabalhar algumas informações básicas acerca da sua memória histórica, com o

objetivo de pensar alguns “elementos que nos ajudem a compreender o ethos onde os

vários agentes sociais em luta deram vazão às suas diferentes experiências,”107 para

que o leitor possa ter uma breve percepção acerca do lugar para onde os nordestinos

emigraram, entre os anos de 1877 e 1917. Nesse sentido, alguns aspectos da evolução

histórica da região se fazem necessários: a configuração territorial da Província do

Amazonas, (posteriormente, Estado do Amazonas, logo após o advento da República,)

correspondia até o surgimento do Código de Processo Criminal do Império de 1832 à

capitania de São José do Rio Negro, então, criada durante a administração do Marquês

de Pombal em 1755. Isto equivale dizer, que até o aparecimento dessa legislação em

1832, o Amazonas pertencia à jurisdição da Província do Pará – antigo Estado do Grão-

Pará e Rio Negro, este extinto a partir de 1823, logo após a anexação do seu território

pelas tropas de D. Pedro I, ao Estado Nacional Brasileiro – com o estatuto jurídico de

Comarca do Alto Amazonas.

Sobre esta Comarca temos a informação de que ela era composta de 04 termos:

Manaus, Tefé, Luséia e Mariuá. Segundo Lourenço da Silva Araújo, a Comarca do Alto

Amazonas por volta de 1850 possuía as seguintes unidades administrativas: 01 cidade,

03 vilas, 22 freguesias e 28 povoações.108 Em relação ao termo de Manaus, segundo

dados de pesquisas locais, o mesmo era constituído das freguesias: Saracá (Silves),

Itacoatiara (Serpa), Jahú (Airão), Amatari, e as povoações de Cumaru, Jatapu e

106

BLOCH, Marc. Introdução à História. 4ª ed. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d., Apud. SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Os Fios de Ariadne: Tipologia de Fortunas e Hierarquias Sociais em Manaus: 1840-1880. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 1997, p. 46. 107

COSTA, Hideraldo Lima da. Tensões sócio-culturais na Manaus de meados do século IX: Discursos dos viajantes. In: Amazônia em Cadernos, nº 4, out., 1998. Manaus: EDUA, v.4. p.34. 108

ARAÚJO E AMAZONAS, Lourenço da Silva. Mappa Estatistico da Comarca do Alto Amazonas em 1840, Apud. SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Op. Cit., p. 17.

47

Uatumã.109 Sobre a população da Comarca, ainda segundo Lourenço da Silva Araújo a

mesma possuía por volta de 1840: 18.576 almas, distribuídas em 1.870 fogos,

representando cerca de 54% da população total da região, ou seja, da Comarca do

Alto Amazonas.110Tratando sobre a extensão do território do termo de Manaus,

Patrícia Maria Melo Sampaio afirma que no século XIX, logo após o estabelecimento da

Província do Amazonas, em 1852, a área territorial do termo de Manaus sofreu

alterações em função da divisão do seu território que reduziu suas proporções

originais. Sobre essa divisão, Patrícia Sampaio acrescenta:

Em 1852, Saracá é elevada à categoria de Vila de Silves, desmembrando-se de Manaus e tornando-se sede de um novo termo. Em 1857, Itacoatiara e Borba são elevadas à categoria de vilas e sedes municipais, com nova separação do território de Manaus. (...) Entre 1874 e 1875 é a vez da elevação de Codajás à categoria de vila, anexando parte da área original de Manaus e, em 1894, Manacapuru passa também a ser sede municipal. Esse é o último desmembramento ocorrido no século XIX.111

Além dos dados acima fornecidos por Lourenço da Silva Araújo, sobre a

distribuição da população da Comarca do Alto Amazonas para o ano de 1840, outras

informações disponíveis sobre a população da região dão conta de que a Comarca

possuía neste período uma população rarefeita, distribuída em modestas vilas

habitadas necessariamente por índios destribalizados, com um pequeno número de

moradores brancos, sobrevivendo, basicamente, dos resultados de uma agricultura

voltada para a subsistência.112

Afora essas informações sabemos que a agricultura de subsistência praticada

pela população local, constituída principalmente por índios destribalizados produzia:

tabaco, café, cacau e outros produtos naturais da região; que essa produção

econômica era comercializada com a praça do Pará e os seus habitantes além de

trabalharem nas produções das feitorias de fabricação de manteiga – que servia de

alimento e óleo para iluminação – ocupavam-se também de suas roças de mandioca,

feijão e milho. As tarefas dos habitantes da Comarca não ficavam restritas apenas a

109

SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Op. Cit., p. 18. 110

ARAÚJO E AMAZONAS, Lourenço da Silva.. Apud. SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Op. Cit., p. 18. 111

SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Op. Cit., pp. 18-19. 112

Idem, p. 1.

48

essas atividades, já que extraiam da floresta o cravo, a salsaparrilha, o cacau silvestre,

o óleo de copaíba, entre outros produtos e, além disso, criavam galinhas, às vezes um

pequeno rebanho de gado, alguns porcos, e ademais em quase todas as casas existia

um pequeno ‘curral’ de tartarugas.113

Sobre a Vila da Barra – capital da Comarca que recebeu o estatuto jurídico de

cidade, poucos anos antes da criação da Província do Amazonas, em 24 de outubro de

1848114, com o nome de cidade da Barra do Rio Negro – as pesquisas locais baseadas

nos relatos do início do século XIX, apresentam-na

como um pequeno núcleo urbano, localizado ao redor de uma fortaleza em ruínas. Seus habitantes, majoritariamente índios e mestiços (como de resto toda a Comarca), vivem de uma agricultura de subsistência modesta e da colheita e comercialização de produtos da floresta. A maior parte de seus habitantes vive em pequenas chácaras e sítios nos arredores e só eventualmente vêm à vila.115

E sobre a arquitetura, a constituição da população e a ocupação dos moradores

da cidade da Barra do Rio Negro, o que dizem os relatos do século XIX? Sobre essas

questões, em 1850, Lourenço da Silva Araújo, assim descreveu:

As casas [da cidade da Barra do Rio Negro] são cobertas de telha, e poucas de sólida fundação (...). Possue mais hum quartel em uma bela praça, hum armazem da arrecadação da fazenda nacional, huma olaria... Seus habitantes provem de Banibas, Barés e Passes (...) são em numero de 900 brancos, e 2.500 mamelucos, 4.080 indigenas, 640 mestiços e 380 escravos; tudo em 900 fogos assaz dispersos. (...) Dão-se a empregos eclesiasticos, civis e militares e mui assiduamente ao comercio quanto escassamente a agricultura, que não excede de algum algodão e café, além de substâncias alimentares.116

A leitura dos fragmentos das impressões de Lourenço da Silva Araújo sobre a

cidade Barra do Rio Negro, no período da criação da Província do Amazonas, em 1850,

trouxe-nos à memória um texto interessante, intitulado: “Tensões sócio-culturais na

113

Idem, pp. 1-2. 114

ARAÚJO E AMAZONAS, Lourenço da Silva. Dicionário topográfico, histórico, descritivo da Comarca do Alto Amazonas. Apud. PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Op. Cit., p. 33. 115

SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Op. Cit., p. 2. 116

ARAÚJO E AMAZONAS, Lourenço da Silva. Op. Cit., Apud. SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Op. Cit., p. 2.

49

Manaus de meados do século XIX – Discursos dos viajantes”, produzido no final da

década de 1990 por Hideraldo Lima da Costa. Mas, antes de tratarmos deste,

queremos de antemão nos antecipar a uma questão: este texto, uma reflexão sobre os

discursos dos viajantes que passaram pela região amazônica, no século XIX, alguns

deles inclusive pela área que mais tarde receberia o nome de Manaus, será importante

para a nossa discussão. Ele nos ajudará construir a partir da perspectiva histórica que

os viajantes construíram com os seus relatos sobre a cidade de Manaus117 no século

XIX, uma percepção ao leitor do lugar para onde os trabalhadores nordestinos

emigrariam, na segunda metade do século XIX. Sobre esses viajantes afirma Hideraldo

Lima da Costa:

a região amazônica foi visitada por inúmeros cientistas estrangeiros, mais conhecidos como naturalistas. A cidade da Barra do Rio Negro, depois Manaus, capital da maior província do Império Brasileiro, hospedou alguns desses ilustres homens que, no afã de estudar a fauna e a flora da região, acabaram também por emitir opiniões sobre uma série de acontecimentos do cotidiano, passando pelo político, econômico, social e cultural dos habitantes da cidade.118

Dentre esses cientistas estrangeiros, comumente conhecidos como naturalistas,

segundo Hideraldo Lima da Costa, que visitaram a região, num período posterior às

“explosões de violência popular” em decorrência da chamada Cabanagem, estão:

Henry Walter Bates, Robert Avé-Lallemant, Alfred Russel Wallace e o casal Louis e

Elizabeth Agassiz.

É interessante observar, através da leitura do texto de Hideraldo da Costa, dois

aspectos em torno das impressões desses naturalistas acerca da cidade e da região.

Primeiro: as recorrentes reclamações quanto às questões das dificuldades físicas e de

abastecimento que a cidade apresentava. Segundo Hideraldo Costa, a cidade discutida

e avaliada pelos naturalistas possuía vários defeitos que chegavam até desautorizá-los

a chamarem-na de cidade, pois para vir a ser uma cidade conforme suas concepções,

em Manaus praticamente tudo faltava. O segundo aspecto diz respeito às propostas de

transformação da realidade da sociedade local. Segundo o autor, sem ressalva, todos

117

COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., pp. 32-38. 118

Idem, p. 33.

50

os viajantes, explícita ou implicitamente, defenderam em seus discursos o

desenvolvimento de relações de trabalho do tipo livre ou capitalista para a região.119

Quanto ao primeiro ponto, ou melhor, quanto às várias dificuldades de

abastecimento e ou físicas que a cidade apresentava, vejamos o que dizem os relatos

abaixo dos naturalistas acima mencionados.

[A] Barra foi em outros tempos um aprazível lugar, mas atualmente se acha em situação terrivelmente precária, sofrendo de uma escassez crônica de todos os gêneros de primeira necessidade, (...) e atualmente as terras das redondezas não produzem nem mesmo uma quantidade de farinha de mandioca suficiente para o seu próprio consumo (...) Aves, ovos, peixe fresco, tartarugas, legumes e frutas eram caros e escassos em 1859 (...) Na verdade, as terras dos arredores não produzem nada (...).120

(...) mas quanto a um maior movimento, uma produção mais abundante,

volume de exportação. Manaus antes retrogradou do que progrediu. enquanto a importação certamente aumenta à custa da população. E embora dantes se tenham feitas belas fortunas em Manaus, parece que hoje o enriquecer lá não está absolutamente na ordem do dia: nota-se, antes a decadência dos abastados.121

Manaus está na verdade lindamente situada. As ruas da cidade, se é que se pode falar de ruas ou duma cidade, consistem em meros lanços, términos, esquinas e interrupções. Sobe-se desce-se. Quase por toda parte, o largo tranqüilo e escuro rio abaixo, ou segue-se por caminho, descendo para atravessar, por uma modesta ponte de madeira, um igarapé tão escuro quanto o próprio Rio Negro.122

A cidade da Barra do Rio Negro está situada na margem oriental do Rio Negro (...) Assenta-se em terreno irregular. a uma altitude média de uns trinta pés acima do nível do rio. Atravessam-na dois córregos tão insignificantes que até parecem valos. Na época das chuvas, porém, as águas sobem consideravelmente nos seus leitos. Para atravessá-los, foram construídas duas pontes de madeira sobre cada um. As ruas são dispostas de maneira regular, mas não tem qualquer tipo de calçamento. Ademais, são esburacadas e cheias de altos e baixos, tornando bem desagradável o ato de caminhar-se por elas à noite.123

119

COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., pp. 33-45. 120

BATES, Henry Walter. Um naturalista no rio Amazonas. Belo Horizonte/Itatiaia, São Paulo/Edusp, 1979. Apud. COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., p. 36. 121

AVÉ-LALLEMANT, Robert. No Rio Amazonas. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1979. Apud. COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., p. 37. 122

Idem, p. 41. 123

WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelos Rio Amazonas e Negro. Belo Horizonte/Itatiaia. São Paulo/Edusp, 1980. Apud. COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., p. 41.

51

Que poderei dizer da cidade de Manaus? É um pequeno aglomerado de casas, metade das quais parece prestes a cair em ruínas, e não se pode deixar de sorrir ao ver os castelos oscilantes decorados com o nome de edifícios públicos: Tesouraria, Câmara Legislativa, Correios, Alfândega, Presidência.124

Analisando os fragmentos das impressões desses naturalistas, a partir das pistas

oferecidas pelas análises de Hideraldo Lima da Costa, dos cinco textos relacionados

acima, com exceção do primeiro e do segundo, os demais têm um ponto em comum:

as inúmeras reclamações relacionadas às dificuldades físicas que a cidade apresentava.

Observemos que embora no segundo texto, conforme acabamos de ver acima, Robert

Avé-Lallemant trate da “decadência dos abastados” de Manaus, no terceiro, o

naturalista reclama das ruas da cidade. Neste sentido, afirma o viajante: “As ruas da

cidade, se é que se pode falar de rua ou duma cidade, consistem em meros lanços,

términos, esquinas e interrupções”.125

Quanto ao relato de Alfred Russel Wallace não foi muito diferente dos de Robert

Avé-Lallament, quanto ao tom das reclamações sobre as ruas da cidade. No seu texto o

naturalista afirma que falta “calçamento” nas ruas da cidade e que elas, além disso, as

mesmas são “esburacadas”. Isto, segundo, o autor, tornava “bem desagradável o ato

de caminhar-se por elas à noite”.126

E quanto às impressões dos Agassiz? Estes, além de tecerem comentários

negativos acerca da cidade, ao afirmar que Manaus não passava de “um pequeno

aglomerado de casas”, onde a “metade das quais” estava “prestes a cair em ruínas”,

fez comentários irônicos em relação à arquitetura da cidade quando disse que não

podia “deixar de sorrir ao ver os castelos oscilantes decorados com o nome de edifícios

públicos: Tesouraria, Câmara Legislativa, Correios, Alfândegas, Presidência.”127

Quanto a Henry Walter Bates. Em relação à questão da população, este

naturalista, afirma que deveria haver uma maneira de se formar uma classe

trabalhadora,128 mas não qualquer classe,129 “para que essa soberba região possa ter o

124

AGASSIZ, Louis e Elizabeth. Viagem ao Brasil: 1865-1866. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:Edusp, 1975. Apud. COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., p. 40. 125

AVE-LALLEMANT, Robert. Op. cit., Apud. COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., pp.37- 41. 126

WALLACE, Alfred Russel. Op. Cit., Apud. COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., p. 41. 127

AGASSIZ, Louis e Elizabeth. Op. Cit., Apud. COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., p. 40. 128

BATES, Henry Walter. Op. Cit., Apud. COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., p. 44. 129

COSTA, Hideraldo Lima. Op. Cit., p. 44.

52

promissor futuro” e a “sua numerosa população civilizada e feliz”.130 Neste sentido ele

elabora a sua proposta para a região: que a mesma vivenciasse a experiência que seu

mundo de origem havia iniciado ainda no século anterior, ou seja, a experiência do

processo da revolução industrial, da segunda metade do século XVIII.131

Proposta semelhante à de Bates podemos encontrar em Robert Avé-Lallemant.

Este naturalista afirma que Manaus só poderia se restabelecer do retrocesso a que

estava submetida se abolisse a escravidão e estabelecesse para a localidade uma

relação de trabalho do tipo livre e voluntário. Esta relação de trabalho a ser

estabelecido para a cidade, segundo o autor, seria diferente daquela da época colonial,

na qual “o poder da tirania” de “‘El Rei’ de Portugal” mantinha “os índios sob o jugo da

escravidão”.132 Vejamos o que diz Avé-Lallemant no texto abaixo:

Tudo isto está certo e é verdade, e contudo não era bom que assim fosse. Era o poder da tirania, os satélites de “El Rei” de Portugal que manejavam o chicote do domínio pela violência mantinham os índios sob o jugo da escravidão. Posto de lado esse chicote, abolido o jugo da escravidão, devia certamente haver uma pausa, sobrevir um retrocesso, e, deste, Manaus só se pode restabelecer lentamente, fortificando-se pelo trabalho livre e voluntário.133

E quanto a Alfred Russel Wallace? Analisando o texto desse viajante, à luz das

análises oferecidas por Hideraldo Lima da Costa, uma questão nos chamou atenção em

relação ao tipo de problema que se exige de sociedades tradicionais como as da região

amazônica, para que elas atinjam o estatuto de sociedade industrial desenvolvida.

Segundo Edward Palmer Thompson, a condição imposta a estas sociedades a fim de

que possam viver a transição para uma sociedade industrial desenvolvida diz respeito a

“uma severa reestruturação dos hábitos de trabalho – novas disciplinas, novos

incentivos e uma nova natureza humana *...+”.134

130

BATES, Henry Walter. Op. Cit., Apud. COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., p. 44. 131

COSTA, Hideraldo Lima. Op. Cit., p. 44. 132

AVÉ-LALLEMANT, Robert. Op. Cit., Apud. COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., p. 45. 133

Idem. 134

THOMPSON, Edward Palmer. O tempo, a disciplina do trabalho e o capitalismo industrial. In: Trabalho, Educação e Prática Social. Rio Grande do Sul, Artes Médicas, 1993. Apud. COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., p. 44.I

53

As observações de Wallace no que se refere às relações de trabalho

desenvolvidas pelos habitantes da região parecem tocar a questão acima levantada

por Thompson. Sobre a questão do t2abalho Wallace ao se referir ao modo como este

era desenvolvido135 pelos moradores do lugar reclama que as atividades eram

executadas sempre com muita lentidão e sem a menor racionalização. Aliás, sobre esta

questão o naturalista argumenta que os habitantes ao realizarem suas tarefas perdiam

mais tempo do que era preciso. Segundo ele, “ao invés de se ocupar cada pessoa num

determinado tipo de atividade, depois trocando o produto de seu trabalho específico

pelos artigos que lhe fazem falta”, eles preferem não se preocupar com essas

questões. Para Hideraldo Lima da Costa, o que mais incomodava os viajantes, além da

questão da ausência da “menor racionalização das tarefas”,136 é que “tudo que era

adquirido pelos habitantes da localidade nada era através do ‘vil metal’”. Ao

necessitarem de uma canoa, estes se dirigiam à floresta, derrubavam uma árvore e

construíam-na.137

Além disso, Alfred Russel Wallace comenta:

As pessoas daqui trabalham durante quase todo o tempo, entretanto, nada têm. As mulheres estão sempre escavando mandioca e inhames, ou então arrancando ervas daninhas ou cuidando das plantações, ou fazendo vasilhas de barro, ou lavando e remedando as poucas roupas. Os homens não deixam por menos quando não estão roçando a floresta, estão derrubando uma canoa, ou remos, ou tábuas. Suas precárias casas estão sempre pedindo um conserto. Há sempre necessidade de buscar folhas de palmeira para uma necessidade ou outra, e elas só se encontram a grandes distancias. Este precisa de um cesto, aquele um arco, o outro de flechas. Essas coisas tomam-lhe todo o tempo, impedindo-os de produzir outros bens essenciais à sua existência.138

Sobre o casal Agassiz, Hideraldo Lima da Costa afirma que a elaboração do

discurso acerca do futuro da região foi pauta obrigatória nos relatos dos viajantes.

Sobre este futuro o autor assegura que um flagrante sobre este assunto pode ser

135

COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., pp. 38-39. 136

WALLACE, Alfred Russel. Op. cit., Apud. COSTA, Hideraldo Lima. Op. Cit., p. 39. 137

COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., p. 39. 138

WALLACE, Alfred Russel. Op. Cit., Apud. COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., pp. 38-39.

54

percebido por ocasião de um passeio de barco em que se encontraram o presidente da

Província, o deputado Tavares Bastos e o casal Agassiz:139

Enquanto descíamos o canal, pitoresco resumo das maravilhas duma região em que todos éramos mais ou menos estranhos, pois o Dr. Epaminondas e Tavares Bastos achavam-se também pela primeira vez nesta província, a conversação recaiu naturalmente sobre o Vale do Amazonas, sua configuração e estrutura, sua origem, seus recursos, numa palavra, sobre seu passado e o seu futuro, ambos escuros e motivo de admiração e conjecturas. (...) Deve o legislador encarar esta região como um mar ou como um continente? Que interesse deve prevalecer, o da navegação ou o da agricultura? São estas regiões essencialmente terrestres ou aquáticas? (...) Enquanto se discutiam todas essas questões, e se anteviam os tempos em que sobre as margens do Amazonas, florescerá uma população mais ativa e vigorosa do que aquela que até agora aí tem vivido – em que todas as nações do globo terão sua parte nessas riquezas – em que os dois continentes gêmeos andarão de mãos dadas o americano do norte ajudando o do sul a desenvolver seus recursos (...).140

Mas, se os Agassiz falam com entusiasmo sobre as riquezas da região, conforme

o texto acima, o mesmo não ocorre quando se referem aos habitantes do lugar.

Vejamos o que dizem sobre isso:

E os hábitos dos índios são tão poucos regulares, tão pouca importância dão ao dinheiro, tendo meios para viver quase sem fazer nada, que quando se consegue contratar um deles é mais que provável que desapareça no dia seguinte. Um homem dessa raça é muito mais sensível ao bom trato, à oferta de um bom copo de cachaça que ao ordenado que se lhe ofereça e que aos seus olhos não tem valor algum.141

Ao trazer para esta reflexão a contribuição de Hideraldo Lima da Costa, acerca

das impressões dos naturalistas que visitaram a cidade e a região, no século XIX,

procurando discutir os aspectos implícitos e explícitos nos discursos dos viajantes,

visamos a atender a um interesse básico: o de proporcionar uma breve percepção ao

leitor, acerca do lugar para onde os trabalhadores nordestinos emigraram, entre os

anos de 1877 e 1917.

139

COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., 42. 140

AGASSIZ, Louis e Elizabeth. Op. Cit., Apud. COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., p. 42. 141

Idem, p. 46.

55

Sobre a opção aqui pelo uso da perspectiva histórica que os viajantes

construíram cabe uma observação: embora, tenhamos consciência de que as opiniões

dos naturalistas não foram ingênuas e ou neutros sobre a região optamos por seus

relatos porque eles emitiram “opiniões sobre uma série de acontecimentos do

cotidiano, passando pelo político, econômico, social e cultural dos habitantes da

cidade.”142

Mas, a Manaus de 1877, data que marca o início do nosso recorte cronológico e

da “grande seca” ou “seca-tipo”, como preferia Rodolfo Teófilo, seu grande cronista143,

já não era mais a cidade observada por Bates, em 1850, por Avé-Lallemant, em 1859, e

pelo casal Agassiz em 1866144 e outros naturalistas.

Segundo Maria Luiza Ugarte Pinheiro, o progresso começou a mostrar-se em

Manaus na última década do século XIX. Neste período “O móvel impulsionador” no

sentido da “arrancada” para o desenvolvimento da cidade foi a crescente aceitação da

borracha amazônica no mercado mundial. A economia proveniente da produção da

borracha proporcionou a renovação dos prédios públicos, as construções

monumentais com os aterros e desaterros e a abertura de ruas e avenidas. Este

progresso, segundo, Luiza Ugarte Pinheiro foi acompanhado

em alguns casos (...) de tecnologias urbanas modernas como o sistema de bondes, a iluminação elétrica, a comunicação telefônica, sistema de galerias para drenagem de águas e esgotos, além da abertura de espaços destinados ao lazer refinado, hipódromo, teatro, clubes etc.145

Mas, como dissemos há pouco, a Manaus da segunda metade do século XIX, já

não era mais aquela observada pelos naturalistas. Neste período, a cidade viveu

momentos de grandes transformações econômicas que chegaram a encantar os seus

historiadores. Estes a descreviam sempre com adjetivos que a associavam às imagens

onde ela buscava espelhar-se:146 “Paris dos trópicos”, “metrópole das selvas” e

142

COSTA, Hideraldo Lima da. Op. Cit., pp. 34-38. 143

NEVES, Frederico de Castro. Op. Cit., p. 25. 144

DIAS, Edinea Mascarenhas. A Ilusão do Fausto: Manaus 1890-1920. Manaus: Editora Valer, 1999, p. 29. 145

PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Op. Cit., p. 37. 146

Idem, 47.

56

“Cincinnati brasileira”147. Segundo, Lopes Gonçalves, nesta época, Manaus estava

“destinada *...+ a ser o empório de todo vale amazônico”,148 entretanto, como disse

Maria Luiza Ugarte Pinheiro, a “Cincinnati amazonense” pagou um preço alto pelo

progresso: o preço que esteve marcado nas lutas e nos rostos dos excluídos. Segundo a

historiadora, somente uma pesquisa sobre os excluídos da cidade permitirá revelar

para este momento uma Manaus diferenciada, não tão bela ou culta, mas também

tensa, pobre e conflituosa, possibilitando identificar os limites de uma pretensa

identidade que se pensava ter construído.149

147

GONÇALVES, Lopes. O Amazonas: esboço histórico, chorográfico e estatístico até o ano de 1903. PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Op. Cit., p. 47. 148

Idem. 149

PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Op. Cit., p.47.

57

3. A contribuição das pesquisas locais para a discussão do tema da imigração nordestina para o Amazonas.

Após essa discussão em torno do processo histórico que envolveu a região e a

cidade de Manaus, entre o início da segunda metade do século XIX e as últimas

décadas no mesmo século, queremos discutir, a partir de agora, a contribuição dos

pesquisadores locais para com a discussão do tema da vinda de imigrantes nordestinos

para o Amazonas.

Se no passado algumas pesquisas abriram espaços no campo da investigação

histórica, para que o historiador interessado pelo estudo do tema da migração interna

encontrasse nos arquivos os trabalhadores livres nacionais, alguns trabalhos de

pesquisadores locais sinalizaram a ideia de que há indícios nos arquivos da cidade, da

existência de uma forte presença de trabalhadores nordestinos na capital ou chegando

nela, vindos de outras partes do país, principalmente, do Nordeste. Nesse sentido uma

das contribuições interessantes é o trabalho de Maria Luiza Ugarte Pinheiro, intitulado:

“A Cidade Sobre os Ombros: Trabalho e Conflito no Porto de Manaus (1899-1925)”.

Nesta obra, embora o objetivo principal não seja, necessariamente, o imigrante

nordestino, mas, sim os estivadores de Manaus, no período do boom da borracha

durante a virada do século XIX para o século XX, mesmo assim, a autora não deixa de

se referir aos migrantes nordestinos ao afirmar que estes “forneceram uma parcela

importante dos estivadores da cidade”. Segundo, Maria Luiza Ugarte, apesar desses

migrantes, que com tantos outros trabalhadores

participaram da “‘aventura do capital’ na selva amazônica”,[com] mãos calejadas [e] ombros esfolados, deles pouco se falou até agora, constituindo esse silêncio uma das maiores dívidas dos historiadores da Amazônia na luta contra a mitificação do passado de sua região.150

Para Maria Luiza, “Mesmo uma historiografia acadêmica mais compromissada

com uma abordagem renovadora do fazer História, não tem produzido trabalhos onde

150

Ibdem.

58

se dê visibilidade à exclusão urbana”151 e, conseqüentemente, ao imigrante

nordestino.

Outro aspecto levantado pela autora que decerto contribui para com as

pesquisas acerca do assunto, no contexto do processo da história local, diz respeito à

análise do discurso dos grandes jornais diários e da pequena imprensa de Manaus, do

período histórico aqui em questão. Neste sentido, a historiadora afirma que a

imprensa manauara atribuía grande importância a temas como o da prostituição,

veiculando colunas inteiras especialmente dedicadas às “‘notícias das zonas’”. É

interessante perceber, segundo a pesquisadora, que os discursos jornalísticos

identificavam os locais da cidade, como bares, botequins e quiosques, espaços de

lazer, freqüentados pelas classes populares, como os locais da cidade onde a prática da

prostituição ocorria com freqüência, como a “‘zona estragada’” da cidade. Nesta

mesma linha de raciocínio, a autora afirma:

Muito embora existissem grandes cabarés, como o Hotel Cassina, que os “gentis cavalheiros” da elite baré podiam freqüentar sem maiores transtornos, a pressão moralizante recaia quase que exclusivamente aos bordeis populares e à figura do imigrante nordestino.152

Um texto relevante que há de se registrar, para uma reflexão acerca da

imigração nordestina para o Amazonas, é o de Francisca Deusa Sena da Costa:

“Quando viver ameaça a ordem urbana: Trabalhadores urbanos em Manaus – 1900-

1915”. Neste texto, a autora ao tratar das reformas urbanas ocorridas na cidade entre

as décadas de 1890 e 1910 e da não “inserção das classes populares na memória

histórica”153 da cidade, corrobora os argumentos de Maria Luiza Ugarte Pinheiro,

quanto à questão da postura teórica do historiador diante do “patrimônio

arquitetônico” da cidade. Sobre esta questão, a última afirma: “O patrimônio

arquitetônico, se não indagado para além da mera edificação, diz pouco ao historiador

contemporâneo, [este] muito mais interessado em perceber o quanto de vida e de

151

Ibdem. 152

Ibdem. 153

COSTA, Francisca Deusa Sena da. Op. Cit., pp. 86-88.

59

cultura nele existe.”154 Neste sentido, ao “trazer para a arena da história”155 da região

as experiências e os modos de viver das classes populares e neste contexto o imigrante

nordestino, Francisca Deusa Sena da Costa contribui necessariamente, tanto para com

a inserção da figura deste na memória histórica de Manaus, quanto para o debate em

torno da migração nordestina para a região.

Sobre a questão, da inclusão das classes populares na memória histórica da

cidade, a referida autora acrescenta que não há interesse da historiografia tradicional

local na ruptura da imagem de Manaus como cidade única.156 Segundo ela, inserir as

classes populares na memória histórica da cidade significaria colocar em cena a

existência de outra cidade: uma cidade problemática, conflitiva e tensa em oposição

àquela cujas obras os historiadores ajudaram a construir apresentando apenas o seu

lado romanesco.157

É interessante que destaquemos, ainda, sobre esta questão, um aspecto

levantado por Francisca Deusa: o das reformas urbanas que as elites locais e seus

interlocutores na historiografia tanto se encantaram. Sobre estas a autora afirma que

as mesmas não conseguiram promover de imediato a expulsão do trabalhador e

conseqüentemente, do imigrante nordestino, para as áreas mais distantes da cidade.

Sobre este processo, acrescenta a historiadora:

O processo de expulsão do trabalhador e do pobre urbano do centro da cidade não foi linear e direto. [...] o projeto urbano que impôs as feições de capital da borracha não elencou como prioridade das reformas a população trabalhadora imigrante e/ ou nativa, que passou a conviver como mão-de-obra voltada para a infra-estrutura dos serviços de comercialização da goma elástica, além da prestação de serviços urbanos – luz elétrica, água encanada, coleta de lixo, serviços de esgotos, serviço de bondes etc. –, suporte necessário para o aumento populacional que a cidade apresentou.158

O texto de Francisca Sena da Costa contribui decerto para com as pesquisas

acerca da imigração nordestina para o Amazonas. Um exemplo a mais dessa

154

PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Op. Cit., p. 47. 155

COSTA, Francisca Deusa Sena da. Op. Cit., p. 88. 156

Idem. 157

Ibdem. 158

COSTA, Francisca Deusa Sena da. Op. Cit., pp. 86-87.

60

contribuição pode ser constatado no registro que a autora faz em torno do aumento

do povoamento dos bairros de Manaus e da precariedade das moradias dos

trabalhadores, muitos deles imigrantes nordestinos. Sobre essa questão, a autora

afirma:

[Os] bairros [de Manaus] povoaram-se em função das constantes levas de imigrantes [nordestinos] que ou não tinham recursos para se manter em cortiços e estâncias centrais ou não conseguiam mais vagas nesses espaços e eram obrigados a ir para os subúrbios viver em casebres com paredes de papelão ou nos chamados hotéis de terceira ordem, que podem ser qualificados como cortiços.159

Além, dessas contribuições outra há de ser registrada: a do fornecimento de

pistas para que o historiador interessado pelo tema da imigração nordestina, possa

encontrar sinais acerca da existência de fontes que dão conta da presença do

imigrante nordestino na cidade. Exemplo disso, além dos já trabalhados aqui pode ser

extraído da análise que a autora faz em torno do relatório que o dr. José Francisco de

Araújo Lima apresentou à Intendência Municipal de Manaus160 e uma matéria

veiculada pelo Jornal Comércio do Amazonas161 sobre a Colônia Oliveira Machado.

Sobre o relatório do dr. José Francisco de Araújo Lima, a autora tratando da crise

que a cidade viveu por volta de 1915, afirma que esta ocorreu em decorrência dos

problemas causados pela Primeira Guerra Mundial e pela epidemia palúdica que

terminou por revelar uma cidade depauperada e doente. Esta crise, segundo, Francisca

Deusa fez com que as autoridades locais considerassem a Colônia Oliveira Machado,

(que por ironia do destino outrora havia sido pensada como fonte de abastecimento

para Manaus,162) como uma “verdadeira metrópole da fome e da indigência”.163

159

Idem, p. 90. 160

Relatório da Assistência Médica Municipal aos habitantes dos bairros de Constantinópolis e Colônia Oliveira Machado (dr. José Francisco de Araújo Lima), anexo ao relatório apresentado à Intendência Municipal de Manaus pelo Superintendente Dorval Pires Porto na sessão ordinária de 11/2/1915. Apud. COSTA, Francisca Deusa Sena da. Op. Cit., pp. 116-117. 161

Jornal Commércio do Amazonas. 05.10.1899, nº 39. Apud. COSTA, Francisca Deusa Sena da. Op. Cit., p. 116. 162

COSTA, Francisca Deusa Sena da. Op. Cit., p. 116. 163

Apud. COSTA, Francisca Deusa Sena da. Op. Cit., 117.

61

Vejamos o que nos diz o relatório do dr. Araújo Lima, acerca da Colônia Oliveira

Machado: como uma “verdadeira metrópole da fome e da indigência”.164

Mais afastada da cidade do que os demais subúrbios, quase sem população tributária da metrópole manauense, a Colônia Oliveira Machado, sacrificada na mais rude e ingrata topografia, conta como maioria de sua população, indigentes e enfermos [...] Oferece assim a chamada colônia, se é verdade que só assim se a possa chamar por ser uma colônia de enfermos miseráveis e em cujo seio se cultiva uma raça de inferiores e incapazes, apresenta essa malfadada colônia o quadro da verdadeira metrópole da fome e da indigência mórbida, alquebrantada, esquálida e decadente. A Colônia Oliveira Machado consagra uma fisionomia singular no quadro suburbano de Manaus: significa a inércia mórbida e miserável. Não medra ali a mais insignificante cultura, como não vinga a mais modesta criação de galináceos.165

É interessante percebermos que, apesar do dr. José Francisco de Araújo Lima

qualificar a população da Colônia Oliveira Machado de “indigentes”, “miseráveis”,

“inferiores”, “alquebrantada”, “esquálida” e “decadente”, os seus moradores não

eram passivos. Conforme argumenta Francisca Deusa Sena Costa, nos jornais diários

que circulavam na cidade, é possível se perceber as diversas reclamações daquela

população quanto à ausência dos serviços públicos. Um exemplo disso foi a instalação

de um posto de saúde que resultou do poder de pressão das reclamações dos

moradores da Colônia.166 Nesse sentido, o Jornal Comércio do Amazonas publicou, no

dia 05 de outubro de 1899, a seguinte notícia:

Os moradores [da Colônia Oliveira Machado] reclamam e pedem agora, simples e modestamente, que os poderes respectivos providenciem a fim de ser derruída uma represa feita pela companhia de bondes, e que corta a passagem das águas. O resultado é haver ali uma poça estagnada, lodosa, cheia de miasmas – um excelente local para as febres desenvolverem-se. Moradores há que já abandonaram aquele lugar, por falta d’água e por não poderem suportar semelhante situação.167

164

Relatório da Assistência Médica Municipal aos habitantes dos bairros de Constantinópolis e Colônia Oliveira Machado (dr. José Francisco de Araújo Lima). Apud. COSTA, Francisca Deusa Sena da. Op. Cit., p. 117. 165

Idem, pp. 116-117. 166

COSTA, Francisca Deusa Sena da. Op. Cit., p. 117. 167

Jornal Commércio do Amazonas. 05/10/1899, nº 39. Apud. COSTA, Francisca Deusa Sena da. Op. Cit., p. 116.

62

Se o texto de Francisca Deusa Sena da Costa possui uma representatividade

significante para as pesquisas acerca da imigração nordestina para o Amazonas, o

texto de Paulo Marreiro dos Santos Júnior, intitulado: “Pobreza e prostituição na Belle

Époque manauara: 1890-1917” contribui para desconstruir, no campo da pesquisa da

História Social, as descrições que fazem parte da memória dos citadinos manauara

quando o tema é a prostituição da Belle Époque.168 Segundo o autor, a idéia da sua

pesquisa não é negar a existência de personagens históricos como é o caso do perfil

das mulheres retratado por certos segmentos da historiografia, mas, sim, ir mais além

daquilo que os trabalhos de História mais tradicionais têm tentado impor à memória

da cidade: a história do glamour da prostituição da cidade. Segundo Marreiro, desde

os primeiros momentos de suas pesquisas os jornais de circulação da época lhe

permitiram perceber outros perfis de mulheres, outros segmentos da prostituição, que

nada lembravam o perfil historicamente consolidado da prostituta local.169

Portanto, para Paulo Marreiro, os jornais de circulação da época sinalizavam não

somente a existência de outros perfis de mulheres, como outros segmentos da

prostituição, que nada lembravam o perfil historicamente consolidado da meretriz

local. Cabe às pesquisas locais, segundo o autor, “iluminar o outro extremo da

prostituição abastada”, ou seja, a prostituição que ocorria “fora dos bordéis de luxo,

dos clientes endinheirados, dos refinamentos a la cultura européia.”170 Dessa forma

para o pesquisador,

Torna-se imperativo retratar parte do cotidiano de mulheres nacionais e estrangeiras que eram sinalizadas como do ‘Baixo Meretrício’, depreciadas por epítetos como ‘marafonas, mariposas, patuscas, regateiras, decantadas’, e muitos outros, meretrizes que não ganhavam o suficiente para seu sustento, obrigando-se ao furto de alimentos; eram as que estavam mais à mercê da violência masculina, desprotegidas nas esquinas, ruas, praças, botequins e bilhares que atendiam os segmentos populares, muitas das vezes noticiadas pela imprensa local quando eram despejadas por seus inquilinos, algumas retratadas pelo redator como desiludidas com a cidade, voltando para sua

168

JÚNIOR, Paulo Marreiro dos Santos. Pobreza e prostituição na Belle Époque manauara: 1890-1917. In: Revista de História Regional 10(2):87-108, Inverno, 2005. Disponível no site: http://www.uespg.br/rhr/v10n1/05marreiro10(2).pdf. Acessado em 25.10.2008, p. 107. 169

Idem, pp. 88-107. 170

Idem, pp. 89-90.

63

terra natal ou seguindo caminho para outras paragens, às vezes para a morte, através do suicídio.171

É no contexto dessa preocupação em investigar o extremo da prostituição

abastada que ocorria na cidade, que Marreiro dos Santos Júnior traz à memória da

história da região, a presença da figura das mulheres pobres que saíam das cidades

pequenas do interior do Estado do Amazonas, do Nordeste e de outras partes do país

em busca de melhores condições de vida em Manaus. Essas mulheres, segundo o

autor, geralmente abandonavam a segurança do lar e a vida serena das pequenas

cidades, porque “foram motivadas por circunstâncias diversas: adversidades, fantasias,

rebeldias”; “todas buscavam uma vida melhor na capital da borracha.”172 Portanto, é

neste contexto que Paulo Marreiro, comenta a situação das mulheres nordestinas.

Neste sentido, afirma o autor: do Nordeste, muitas mulheres fugiam das secas,

cicatrizadas pelo sertão, com aparências cansadas e “rudes”, com a intenção de “fazer

fortuna” em Manaus.173

Outra contribuição do pesquisador para com a discussão do tema da imigração

nordestina para o Amazonas, no período aqui em questão, diz respeito à difusão e ao

debate das ideias de eugenia social, da segunda metade do século XIX, existente no

interior dos discursos jornalísticos na imprensa manauara, a exemplo do que ocorria

na imprensa de outras capitais do país.

Neste período, segundo Paulo Marreiro dos Santos Júnior,

A cidade [de Manaus] crescera [...] embalada pelo dinheiro do extrativismo da borracha, tornando-se um ponto obrigatório das trocas comerciais entre os centros dinâmicos do sistema econômico mundial e uma Amazônia pouco explorada e desconhecida que se abria assim, como uma nova fronteira para o capital. [...] Para seus dirigentes, mais que mero entreposto comercial, a cidade [de Manaus] assumia [à época] a importante função de ser uma ilha de civilidade, urbanidade e modernidade, singularizada num mar em que imperavam a selva, [a] natureza bruta, e [o] primitivismo.174

171

Idem. 172

Idem, p. 91. 173

Idem. 174

JÚNIOR, Paulo Marreiro dos Santos. Os rostos do perigo: a imprensa e a ciência criminal estereotipando culturas na Manaus da Belle Époque. Trabalho apresentado ao Seminário Temático 15 à comissão organizadora do XIX Encontro de História da ANPUH São Paulo, agosto de 2008. Disponível no site:

64

Neste contexto de crescimento da cidade, como era de se esperar a dinâmica

cultural avançava juntamente com o desenvolvimento econômico, incorporando

hábitos europeizados. Segundo Paulo Marreiro, a imprensa manauara florescia –

alcançando patamares nunca antes imaginados no interior de uma sociedade ainda

extremamente marcada pela oralidade e pela incorporação tardia da língua

portuguesa. 175 Para o autor é vital compreender e analisar como o debate racial da

época ganhou vazão na imprensa amazonense.176 Segundo ele, essa discussão que

ocorreu na imprensa manauara incorporou as teses acerca da eugenia social. Esta

enquanto concepção teórica de época identificou as “desqualificações étnico-culturais

de populares, por excelência dos ‘males’ advindos de uma pretensa ‘impureza

racial’”.177

Portanto, a análise das fontes jornalísticas na imprensa manauara, como

produtora e reprodutora de discursos eugênicos, influenciaram e foram influenciadas

pelo cotidiano policial da cidade. Marreiro afirma que um conjunto de imagens passou

a ser construídas a respeito dos segmentos étnicos específicos, como: os índios, os

caboclos e os migrantes nordestinos. Estes grupos, segundo o autor foram preteridos

em detrimento do imigrante europeu, principalmente, os portugueses. Isso porque

aqueles seriam selvagens, primitivos, rudes e preguiçosos.178 Para as autoridades da

época que pensavam no futuro da região, o imigrante europeu era desejável, já que

“esta raça preenche todas as condições para viver, crescer e progredir no meio

amazonense.”179

Por falar em discursos eugênicos e preferências das elites locais pela mão-de-

obra de trabalhadores portugueses, um trabalho recente que contribui para as

pesquisas acerca da imigração nordestina para o Amazonas é o trabalho de Alexandre

Nogueira Avelino, intitulado: “O Patronato Amazonense e o Mundo do Trabalho: A

www.anpuhsp.org.br/downloads/CD%20XIX/PDF/Autores/%20e%Artigos/Paulo%20Marreiro%20dos%20Santospdf. Acessado em 02.05.2009. p. 2. 175

PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: letramento e periodismo no Amazonas, 1880-1920. Tese de Doutorado em História. São Paulo; PUC, 2001. Apud. JÚNIOR, Paulo Marreiro dos Santos. Op. Cit., pp. 2-3. 176

Idem, p. 4. 177

Idem. 178

Idem. 179

VILLEROY, A. X. Como se deve povoar o solo amazônico. Apud. PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Op. Cit., p. 89.

65

Revista da Associação Comercial e as Representações Acerca do Trabalho no Amazonas

(1908-1919)”.

Neste texto, Alexandre Nogueira Avelino, ao tratar do debate ocorrido na

Associação Comercial do Amazonas, afirma que mesmo antes do Congresso de 1910, –

Congresso Comercial, Industrial e Agrícola, ocorrido em Manaus, entre os dias 22 e 27

de fevereiro de 1910 – já vinha ocorrendo discussões pelo patronato amazonense não

somente em torno da questão de qual seria o melhor tipo de trabalhador a ser

importado para a região, como também qual o elemento de diferenciação entre o

trabalhador local e o trabalhador considerado ideal para elevar a qualidade da

produção regional e da sua população.180 Referente a isso o autor afirma:

A certeza de que os trabalhadores [locais] não passavam de uma classe inferior, composta de homens rústicos e ignorantes, incapazes de expressar sentimentos sofisticados, de gostos duvidosos e principalmente incapazes de [se] adequar[em] às inovações tecnológicas e as normas de comportamento socialmente impostas como necessárias à inserção de Manaus no mundo modernista e capitalizado do século XX, suscitou no patronato [amazonense] a necessidade de importar trabalhadores que melhor respondessem aos seus anseios de melhoramento da base produtiva e da raça do homem amazônico.181

O interesse em trazer trabalhadores para a região que melhor respondessem

aos interesses das elites locais, visava basicamente atender a dois problemas na

economia da borracha: a modernização da produção nos seringais e a diminuição dos

custos com os salários pagos pelo dono do seringal. Para esse pesquisador, quando as

elites dirigentes passaram a cogitar a ideia da importação de trabalhadores, pensaram

tanto no uso do trabalho indígena, como resposta à necessidade de se ter na linha de

produção trabalhadores que fossem mais rentáveis, quanto na do imigração

nordestina, sulista e ou européia. Sobre os trabalhadores europeus, o patronato

amazonense cogitou a ideia da importação de alemães, espanhóis e húngaros;

entretanto, segundo Alexandre Nogueira, aquele operário perfeito de preferência dos

empresários que substituiria “o lugar dos considerados inferiores, o português era

apontado [...] como o mais desejável para a nossa economia.” Isto tinha uma

180

Idem. 181

Idem, pp.78- 81.

66

explicação: a identificação cultural: língua, religião, tradição e os laços históricos entre

os dois países.182É neste contexto que o autor afirma:

Acerca da vinda do imigrante nordestino para o Amazonas, havia duas visões diferentes que concorriam na Associação Comercial: uma que exaltava a vinda de cearenses para o Amazonas, uma vez que eles eram considerados um povo trabalhador nato e acostumado a poucos ganhos, além dos hábitos simples, e outra interpretação que os via como um bando de famintos, que não se fixam em nenhum lugar, estando sempre à espera da seca diminuir para voltarem pra casa junto com seus rendimentos.183

Um exemplo típico desta última interpretação pode ser extraído, segundo,

Alexandre Nogueira, da opinião de Benjamim de Araújo Lima. Este, ao discutir com

seus pares a respeito do tipo de trabalhador ideal que deveria ser importado para o

Amazonas, assegura que “é importante nunca esquecer que todo o interior tem sido

povoado exclusivamente por bandos de famintos que, fragellados pella seca

abandonam os Estados situados na costa septentrional do Brasil”. Na opinião dele, o

cearense que vinha para o Amazonas não passava de um ser “desfibrado” e

“inferior”.184 Entretanto, paradoxalmente, o patronato comercial via a imigração

nordestina como a mais segura em termos de fixação da mão de obra, por considerar

os trabalhadores europeus muito instáveis, sujeitos mais facilmente ao retorno para

sua terra de origem após adquirir algum lucro nos seringais.185 Isso é o que podemos

perceber no depoimento abaixo de Ludwig Schwennhagen:

os cearenses são os bandeirantes do[s] nossos tempos... o sertanejo nortista é trabalhador... o seu trabalho é mais productivo do que o do colono estrangeiro... este, logo que consegue uma pequena fortuna volta ao seu país de origem levando consigo a família e os lucros, tal facto não succediria com a colonização nacional [...].186

182

Idem, pp.81-85. 183

Idem, p. 88. 184

LIMA, Benjamim de Araújo. In: MIRANDA (org). Anais do Congresso Comercial, Industrial e Agrícola (22-27/02/1910). Manaus: Reimpressão Fac-similar, 1911. Apud. AVELINO, Alexandre Nogueira. Op. Cit., p. 88. 185

AVELINO, Alexandre Nogueira. Op. Cit., p. 88. 186

Ludwig Schwennhagem. Revista da Associação Comercial do Amazonas, 10/09/1910. Apud. AVELINO, Alexandre Nogueira. Op. Cit. pp. 89-90.

67

Outro texto também recente que vem contribuir para com as discussões com a

temática da imigração nordestina para o Amazonas, é o texto de Leno José Barata

Souza: “Vivência Popular na Imprensa Amazonense: Manaus da Borracha (1908-

1917)”. Neste, o autor, ao tratar do período da última década do século XIX e primeira

do seguinte, período em que a cidade foi palco de uma série de transformações

estruturais e culturais patrocinadas pelos lucros da exportação do látex, afirma que

buscou se aproximar de uma cidade vivenciada, sobretudo pelos grupos sociais

entendidos como populares, grupos sociais estes que a historiografia tradicional

preteriu. Segundo Barata, os historiadores locais preferiram tratar da “cidade faustica”

em detrimento das “contradições sociais e culturais que cotidianamente reanimavam

outros diferentes viveres urbanos.”187

É neste contexto de revisitação ao século XIX que o autor acima se refere à

imigração nordestina para o Amazonas. Assim tratando sobre as colunas que fizeram

com que o Jornal do Comércio tivesse características de jornal popular, ele afirma que

“A própria nota Mala do Ceará” propiciou uma maior propagação do Jornal do

Comércio entre os cearenses da cidade, mesmo porque havia no lugar um grande

número de pessoas vindas do Ceará.188

Mas, a contribuição do texto de Leno José Barata que mais chama a atenção,

para a discussão acerca do tema, é o aspecto que diz respeito ao destaque que a

historiografia tem dado apenas à figura de um tipo de imigrante nordestino que vem

para o Amazonas. Neste sentido, afirma o autor:

Tornou-se costumeiro entender os imigrantes nordestinos como uma massa homogênea em que sobressaía apenas a figura do sertanejo flagelado das grandes secas que sazonalmente assolavam a sua região e, portanto, miseráveis forasteiros que aportavam nas principais cidades nortistas: Manaus e Belém.189

Tratando especificamente dessa massa supostamente homogênea dos

imigrantes nordestinos, o historiador em questão afirma que a maioria dos imigrantes 187

SOUZA, Leno Barata. Vivência Popular na Imprensa Amazonense: Manaus da Borracha (1908-1917). Dissertação de Mestrado em História. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005. Resumo. 188

Idem, pp.137-138. 189

Idem, p. 138.

68

que chegavam à cidade, era constituída de pessoas sem recursos que buscavam

resolver seus problemas de sobrevivências mais imediatos. Não se pode esquecer

segundo Leno Barata, que entre esses imigrantes, alguns deles traziam algum tipo de

recursos e geralmente investiam em pequenos negócios. Havia ainda outros que

aportavam na cidade e que possuíam algum tipo de saber profissional o que lhes

possibilitavam se fixar na capital e levar uma vida menos sofrida que seus patrícios

menos privilegiados.190

O texto de Leno Barata ao ressaltar a existência de pesquisas mais recentes que

vêm combatendo as “perspectivas unidimensionais”, dos trabalhos que apresentam

uma visão homogênea dos imigrantes nordestinos, além de desconstruir essa visão

identifica no cotidiano da cidade não só os sertanejos flagelados, como também

aqueles que viviam em melhores condições.191 Isso corrobora a nossa posição em favor

da idéia de que a imigração não está associada exclusivamente às secas.

A exemplo do que foi discutido acima, Edinea Mascarenhas Dias, em “A Ilusão do

Fausto – Manaus 1890-1920”, ao comentar a postura dos historiadores da cidade,

afirma:

Ao contrário do que relata a historiografia ufanista do apogeu da borracha, houve em Manaus uma concentração muito grande de trabalhadores mal, pagos, explorados nos mais diferentes tipos de serviços, que sofreram com o aumento do custo de vida provocado pelos altos preços dos produtos importados e pela carência dos gêneros de primeira necessidade, o que contribuía para as péssimas condições de vida destes trabalhadores.192

A propósito do ponto de vista da história social, Edinea Mascarenhas Dias traz à

memória da história da região, contrariando os ditames da historiografia tradicional, a

presença da figura “incômoda” do imigrante nordestino. Ao tratar dos “preconceitos

contra os nacionais” que permeavam os discursos de muitos homens públicos da

região da época, a autora afirma que no período das transformações dos espaços

urbanos de Manaus, na virada do século XIX para o século XX,

Os temas tidos como ameaçadores da nova ordem só começam a aparecer a nível urbano no momento em que a cidade passa a ser invadida por uma intensa corrente imigratória; o aparecimento de alguns tipos de doenças

190

Idem. 191

Ibdem. 192

DIAS, Edinea Mascarenhas. Op. cit., p. 158.

69

que não eram comuns na cidade passa a ser explicado também pela presença dos imigrantes [nordestinos]. É muito comum, nesta época, atribuir aos cearenses a responsabilidade pela transmissão de doenças epidêmicas, como também de outros males. O Ceará foi um dos estados que mais concorreu para o aumento da população do Amazonas. A chegada dos cearenses na região é anterior ao projeto de transformação do espaço público. As colônias e núcleos agrícolas colocam-se como alternativas para os nordestinos: Colônia Maracaju, Santa Isabel, núcleo de Moura, Carvoeiro, Thomas, Silves e Manaus, receberam contingentes significativos de cearenses. Enquanto esperavam o deslocamento para o interior, muitos deles trabalhavam nos serviços de melhoramentos de praças e ruas.193

Mas, a contribuição para que o historiador contemporâneo encontre nos arquivos

da cidade indícios quanto à presença do trabalhador livre nacional, no caso aqui, o

imigrante nordestino, não se restringe apenas aos textos até aqui discutidos. Ainda há

outra pesquisa neste campo importante que não poderíamos deixar de mencionar: é o

texto de Hermenegildo Lopes de Campos: “Climatologia Médica do Estado do

Amazonas”. Neste o autor afirma que “Não só os estrangeiros, como brasileiros de

outros Estados, concorrem muito para a mescla da população e para os

cruzamentos”.194 Sobre a porcentagem da presença dos cearenses no Estado, o autor,

afirma:

Dos oriundos de outros Estados, a maior colonia é a dos cearenses, havendo perto de 45% de mulheres, não só na capital como no interior. Seguem-se em ordem decrescente os norte-rio-grandenses, parahybanos, maranhenses, paraenses, etc.195

A propósito dos números da população da cidade de Manaus e seus

arredores, como Colônia Oliveira Machado, Educandos, Vila Municipal, Preguiça,

Mocó, Flores, Cachoeira Grande, Cachoeira, estrada do telégrafo e São

Raimundo, nos primeiros anos do século XX, Hermenegildo Campos afirma que

não podia compreender como a população em 1903 foi avaliada em apenas

50.000 pessoas se muitas têm sido as imigrações nordestinas nos três últimos

193

Idem. 194

CAMPOS, Hermenegildo Lopes de. Climatologia Médica do Estado do Amazonas. Manaus: Associação Comercial do Amazonas/Fundo Editorial, 1988, p. 25. 195

Idem, pp. 25-26.

70

anos.196 O autor assegura que na primeira década do século XX, a cidade

continuava a aumentar, por isso defende para o ano de 1908, uma justificada

população de 60.000 habitantes. Destes quanto à nacionalidade existia na capital

perto de 10.000 estrangeiros para 50.000 brasileiros. E acrescenta:

Dos 50 mil brazileiros talvez 50% sejam naturaes de outros Estados, [...]. O Ceará é o [Estado] que mais concorre para o augmento da população. No recenceamento deficiente de 1900, contaram-se na cidade 6.690 [cearenses]; desde esse tempo tem chegado muitos, e actualmente devem habitar na cidade [de Manaus] de 9 a 10 mil [cearenses]. A população dos bairros da Colonia Oliveira Machado, dos Educandos, de S. Raymundo, Mocó, Gyráo, Flores, estrada do telegrapho, é quase exclusivamente composta de [imigrantes] cearenses.197

Apesar do estágio atual das pesquisas não ser animador devido o pouco

interesse dos historiadores pelo tema da migração interna, nas últimas décadas, alguns

pesquisadores locais ligados à história social têm fornecido em seus trabalhos indícios

de um forte contingente de imigrantes nordestinos na região. Nesse sentido, a

contribuição desses pesquisadores nos permite afirmar que a ausência dos imigrantes

nordestinos nos trabalhos dos pesquisadores tem uma explicação: o pouco interesse

que o tema tem despertado nos historiadores locais. Neste sentido, Isabel Cristina

Martins Guillen, afirma:

Apesar de ser uma figura recorrente no nosso imaginário social, não podemos deixar de apontar para o aparente paradoxo de sua ausência na historiografia, e perguntar por que os movimentos migratórios pouco interesse despertaram nos historiadores. Este não é um problema restrito ao campo da história, pois tanto a Geografia Humana, quanto a Sociologia, têm tradicionalmente tratado do fenômeno enquanto movimento social, dispensando pouco espaço para uma abordagem preocupada com os processos sociais pelos quais passa o migrante, subsumindo-o, no final, a outros processos que lhe conferem sentido, o que contribui para se criar em torno do migrante nordestino uma invisibilidade: ele constitui um ‘tipo’ e como tal não tem feições, apenas contornos sociológicos. A literatura regionalista foi considerada, neste sentido, muito mais rica, já que foca a atenção no migrante, segundo observação de Oliveira, e teria aberto caminho para o estudo da migração enquanto fenômeno digno de nota. Com uma ressalva, no entanto: vinculou, no mais das vezes, a migração ao fenômeno da seca.198

196

Idem, pp. 99-100. 197

Idem, pp.100- 101. 198

GUILLEN, Isabel Cristina Martins. Op. Cit., pp. 173-174.

71

CAPÍTULO II

O IMIGRANTE NORDESTINO NA IMPRENSA MANAUARA

72

CAPÍTULO II

O IMIGRANTE NORDESTINO NA IMPRENSA MANAUARA

1. O Jornal do Comércio e a imigração nordestina para o

Amazonas

A forma como os jornais abordaram o tema da imigração nordestina para a

Amazônia, entre os anos de 1877 a 1917, não foi muito diferente dos de outras

capitais. Assim como os seus congêneres de outros centros urbanos, os jornais em

Manaus nesse período, também produziram suas representações acerca do processo

imigratório na região. Sempre pensados como aqueles que são expulsos pelas secas de

seu lugar de origem, os migrantes nordestinos são comumente identificados como

cearenses. Esta postura dos redatores de generalização considerando todos os

imigrantes como cearenses, provocou uma homogeneização das múltiplas vivências de

homens, mulheres e crianças.199 Isso pode ter forjado a idéia de que as experiências

vividas por eles tivessem sido únicas.

É interessante registrarmos que a análise dos jornais do período, além de nos ter

possibilitado perceber o uso indevido do termo cearense, permitiu-nos observar dois

dados relevantes: a utilização constante de termos depreciativos como flagelados,

infelizes, desgraçados, famintos e indigentes retirantes, assim como a utilização da

idéia de que a situação no Nordeste causava temor nas classes dominantes. Sobre as

presenças destes termos nos textos dos jornalistas, eis algumas constatações. O Jornal

do Comércio reproduziu do Diário de Natal do Rio Grande no dia 04 de junho de 1904,

a seguinte notícia:

Do Ceará-mirim communicam que tendo o coronel Felismino recebido de pessoa altamente collocada em Natal dous cartões impressos para dar sementes ao portador, embora admirado o coronel satisfez os pedidos. No dia seguinte amanheceram-lhe á porta mais de 100 flagellados, com os taes catões...200

199

AVELINO, Alexandre Nogueira. Op. Cit., p. 2. 200

Jornal do Comércio. Manaus, 04 de junho de 1904, nº 133

73

O mesmo Jornal do Comércio de 04 de junho de 1904 também reproduziu de “O

Mossororense”, de Natal, uma nota de repúdio contra a miséria a que a população do

Estado do Rio Grande do Norte estava submetida. Nesta nota, ladeada por impactante

ilustração “Victimas da Fome”, o redator do jornal se diz defensor da “cauza do povo

flagellado” daquele Estado. Diz a nota do redator Antônio Gomes:

Defensores, que desde o começo temos sido, da

cauza do povo flagellado, continuaremos, em nosso posto, desempenhando nossa penosa porem humanitaria tarefa de levar, constantemente, ao conhecimento de todo o Paiz, as criticas emergenciais em que, desgraçadamente, se acham os filhos da grande zona sertaneja de nosso Estado, e só esmoreceremos depois de extinctas todas as esperanças.201

Jornal do Comércio. Manaus, 25 de maio de 1904, nº 133.

No Piauí a imprensa local a exemplo da do Rio Grande do Norte ao reproduzir

um telegrama do governador do Estado, Miguel Rosa, ao Ministro da Aviação, também

corrobora o uso do termo flagelado feito pelo governador do Estado. Neste telegrama

o governador agradece a atenção do ministro por “mandar atacar serviços nos Estados

do Norte victmados *pelas+ sêccas”. Diz o telegrama:

201

Jornal do Comércio. Manaus, 25 de maio de 1904, nº 124.

74

O dr. Miguel Rosa, governador do Estado, dirigiu o seguinte telegramma ao ministro da aviação, a respeito da secca, que está assolando todo o Estado: “Agradeço a v. exc. a communicação com que me honrou de estar governo federal no louvavel proposito mandar atacar serviços nos Estados do Norte victimados sêccas. Poucos estarão sendo tão duramente flagellados como o Piauhy”.202

Jornal do Comércio. Manaus, 25 de junho de 1915, nº 4010.

Quanto à utilização do termo infeliz, o Jornal do Comércio ao reproduzir as

informações veiculadas na imprensa do Rio de Janeiro – que liderava em todo o País

um movimento de ajuda aos “infelizes que a seca flagella nos sertões do norte” –

publica uma informação dizendo que na Capital Federal “vão ser promovidos

kermesses, beneficios, corridas hyppicas e etc., em prol desses infelizes que, acossados

pela inclemencia da Natureza imploraram da boa vontade dos jornaes brazileiros”.203

Em maio do mesmo ano, passado quase quatro meses depois da notícia acima, o

mesmo jornal tratando sobre uma reunião que houve na residência do dr. Alcedo

Marrocos, em Manaus, que contou com as presenças de “vários cavalheiros”, informa

que ficou deliberado na reunião de que os participantes enviariam a Silvério Nery,

governador do Estado do Amazonas, um apelo pedindo guarida nesta capital e

também transportes para os diversos pontos do interior “ás victimas da secca que aqui

202

Jornal do Comércio. Manaus, 25 de junho de 1915, nº 4010. 203

Jornal do Comércio. Manaus, 27 de janeiro de 1904, nº 22.

75

aportarem”. Neste sentido, afirma o jornal: “Não podemos deixar de applaudir

qualquer que seja o movimento humanitario em pròl desses infelizes e sò desejamos

que elle tenha efficacia.”204

Em relação ao termo desgraçados a situação não foi muito diferente. No Ceará,

por exemplo, o jornal “A Folha do Povo” tratando sobre a situação de miséria a que

estava submetida à população do Estado por causa da seca estampou as seguintes

palavras:

É horrível a situação do povo cearense no momento presente. Tocado pelo mais terrível dos flagellos – a sêcca, todo o Estado se debate nas ancias de uma agonia lenta. A fome, no sertão, já penetrou a maioria dos lares, dando logar ao exodo das populações. É triste ver-se em toda parte o desafiar monotono e commovedor dessas infelizes caravanas de desgraçados que, desnudos e famintos, buscam o litoral no fito de escapar á morte.205

Jornal do Comércio. Manaus, 16 de junho de 1915, nº 4001.

Da mesma forma em Manaus o Jornal do Comércio comentando as adesões da

sociedade local em favor do movimento de arrecadação de donativos para as famílias

nordestinas que sofriam com o problema da seca, que ganhava cada dia mais o apoio

de segmentos da sociedade manauara, como o das operárias da “Fabrica de Roupas

Amazonense”, afirmava que:

204

Jornal do Comércio. Manaus, 04 de maio de 1904, nº 106. 205

Jornal do Comércio. Manaus, 16 de junho de 1915, nº 4001.

76

O movimento de sympathia dos amazonenses, ou melhor de quantos habitam esta grande terra, aqui empregando o melhor de seus esforços vitaes, cada dia mais se afirma em favor das desgraçadas creaturas que em o nordeste brasileiro soffrem a inclemencia da natureza madrasta e despiedada.206

Jornal do Comércio. Manaus, 24 de junho de 1915, nº 4039.

Mas, o uso de adjetivos por parte dos redatores para se referirem à situação dos

nordestinos não se restringe apenas aos três termos acima mencionados. O Jornal

Comércio do Brasil do Rio de Janeiro tratando sobre a situação da cidade de João

Pessoa capital da Paraíba divulgou um telegrama intitulado “Os Famintos do Norte”,

onde traz a seguinte informação:

Impossivel descrever afflicção publica do Estado. Capital invadida mais 2000 famintos sem trabalho; dia a dia, augmenta consideravelmente numero infelizes perseguidos calamidade, epidemia dysenterica completa quadro pavoroso devastando população desamparada; commercio demais classes receiam com fundamento anarchia conflagração saque. Repartições federaes insufficientemente guardadas força local, correm imminentes perigos appelamos valor imprensa perante poderes públicos disputar providencias directas governo federal, garantia supremos interesses parahybanos periclitantes.207

Jornal do Comércio. Manaus, 04 de junho de 1904, nº 133.

206

Jornal do Comércio. Manaus, 26 de julho de 1915, nº 4041. 207

Jornal do Comércio. Manaus, 04 de junho de 1904, nº 133.

77

Como podemos perceber, o conteúdo do telegrama divulgado pelo Comércio do

Brasil do Rio de Janeiro, relatava a situação da cidade de João Pessoa e enfatizava que

o comércio e as demais classes temiam “com fundamento” a “anarchia” e os saques. O

conteúdo deste documento nos remete à idéia de “classes perigosas” trabalhada por

Sidney Chalhoub. Este autor afirma que no século XIX as classes pobres passaram a ser

vistas como perigosas porque poderiam oferecer riscos não apenas para a organização

do trabalho, mas, também para a manutenção da ordem pública208. Outra idéia que o

telegrama do Comércio do Brasil nos traz à memória é a de Durval Muniz de

Albuquerque Júnior. Este autor afirma que a seca passou a representar um problema,

no século XIX, quando ela entra para o “mundo dos proprietários”. Segundo, o autor

Enquanto a seca foi problema para o mundo dos despossuídos, ela era uma senhora desconhecida, não merecia mais que breves notas de pé de páginas de jornais, mas, quando chega ao mundo dos proprietários, ela não é só percebida, como é transformada no “cavalo de batalha” de uma elite necessitada de argumentos fortes, para continuar exigindo o seu quinhão, na partilha dos benefícios econômicos e dos postos políticos em nível nacional.209

Ainda em relação às notícias veiculadas na imprensa paraibana que

demonstravam o temor dos segmentos privilegiados daquela sociedade em relação

aos pobres da Capital, o Jornal do Comércio reproduziu uma informação comumente

encontrada nos jornais do período: “Vão se reproduzindo com uma frequencia notavel

os pequenos furtos por todos os recantos e ruas principaes da cidade”.210

A exemplo do Comércio do Brasil do Rio de Janeiro que demonstrou receio dos

proprietários de estabelecimentos comerciais para com as ações dos pobres da cidade

de João Pessoa, o jornal Diário de Natal, também se referindo à situação de miséria da

população do Estado do Rio Grande do Norte, afirma que por causa da miséria os

furtos estavam se reproduzindo diariamente, principalmente, os da criação de

caprinos. Ainda segundo a reportagem apesar das “boas chuvas” e do aparecimento

208

CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 29. 209

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Op. Cit., p. 245. 210

Jornal do Comércio. Manaus, 1º de agosto de 1915, nº 4046.

78

de “alguns cereaes”, “o furto é medonho não só, neste gênero”, mas também “nos

cannaviaes, e tudo que está no alcance da população faminta”.211

Além dos termos acima, outro bastante encontrado é o termo indigente.

Frederico de Castro Neves tratando sobre a política do governo de classificar os níveis

de pobreza com o objetivo de racionalizar a assistência aos pobres e definir aqueles

que precisavam ser assistidos, durante a seca de 1932 em Fortaleza, afirma que na

política governamental havia uma distinção entre pobres e indigentes. Segundo, o

autor, pobres seriam aqueles que poderiam “atravessar” uma crise por conta própria e

os indigentes aqueles que considerados incapazes e miseráveis que necessitavam de

ajuda do Estado.212

Neste sentido, o Jornal do Comércio comumente fazia uso de adjetivos

pejorativos para se referir às internações de nordestinos e outros trabalhadores

pobres na Santa Casa. Geralmente, ao publicar os nomes dos que entravam na Santa

Casa para receberem tratamento médico, o jornal acrescentava ao nome principal a

expressão “de tal”. Possivelmente isso ocorria porque o jornal não sabia o sobrenome

em decorrência de muitos deles não possuírem documentos. É o caso, por exemplo,

da notícia de que “Foram hontem recolhidos á Santa Casa para receberem tratamento

os indigentes: Luzia Modesta d’Oliveira, Maria de tal e Marianna da Conceição”.213

Ao analisar os registros de óbitos contidos na coluna de Obituários publicados

pelo Jornal do Comércio, encontramos uma lista nada desprezível de nomes de

imigrantes nordestinos pobres seguidos da naturalidade, idade e na maioria deles com

a expressão indigente em destaque. Somente em quatro edições do jornal

encontramos a seguinte relação:

Alfredo Fernandes (alagoano indigente de 20 anos de idade); José

Vicente Rodrigues (rio grandense do norte de 25 anos de idade); Manoel

Ferreira da Silva (cearense, indigente de 2 anos de idade); Ambrosina, filha de

Thomaz de tal (parahybana, indigente de 3 meses de idade); Luiza, filha de

Maria Firmina (cearense de 14 meses de idade); Elisia Alvares Pereira (rio

grandense do norte, indigente de 4 anos de idade); Maria Anacleta de Souza

(cearense, indigente de 25 anos de idade); Juvencio de Mello (rio grandense do

211

Jornal do Comercio. Manaus, 16 de agosto de 1915, nº 4061. 212

NEVES, Frederico de Castro. Op. Cit., pp. 126-128. 213

Jornal do Comércio. Manaus, 02 de julho de 1904, nº 156.

79

norte de 4 anos de idade); Antônio Paulo da Silva Leite (baiano de 40 anos de

idade); Francisca Maria da Conceição (rio-grandense do norte, indigente de 40

anos de idade); Maria Francisca da Conceição (cearense, indigente de 18 anos

de idade); José de Freitas Cunha (cearense de 48 anos de idade);

A idéia de transcrevermos a lista de nomes de imigrantes nordestinos acima visa

a atender a um interesse que é o de demonstrar que a utilização do termo cearense

por parte da historiografia para se referir a esses imigrantes, guarda uma contradição:

as fontes jornalísticas do período pesquisado demonstram que não foram apenas os

cearenses que migraram para o Amazonas, entre os anos de 1877 a 1917, mas,

também outros, como: paraibanos, baianos, piauienses, alagoanos, maranhenses, rio-

grandenses do norte, pernambucanos e sergipanos.

Quanto ao adjetivo retirante o que nos chamou a atenção não foi o seu uso

indevido por parte dos jornalistas. Segundo, Antônio Soares Amora, retirante é o

“sertanejo que emigra para outro Estado, fugindo das secas do Nordeste”.214 Em

verdade o que nos prendeu a atenção em relação ao uso do termo era a forma

impactante com que os jornais veiculavam as notícias sobre os migrantes, deixando

transparecer para o leitor a idéia de que as ações dos pobres ofereciam perigos aos

segmentos mais abastados da sociedade. Um exemplo disso é a matéria que o Jornal

do Comércio reproduziu da imprensa do Rio Grande do Norte informando que devido

os retirantes terem atacados “o trapiche da Alfandega”, os “armazens de viveres e o

mercado publico” a população estava “apprehensiva receiando acontecimentos mais

graves.” 215

Mas, as notícias no sentido de provocar o receio na população acerca dos perigos

que os imigrantes pobres do Nordeste poderiam oferecer aos segmentos mais

privilegiados da sociedade local, não ficaram restritas apenas às possíveis ações de

saques a estabelecimentos comerciais como havia acontecido em Natal. Isto também

ocorreu quanto à questão da importação de doenças para o Amazonas. O Jornal do

Comércio em matéria intitulada “A Variola” informava que

214

AMORA, Antônio Soares. Minidicionário Soares Amora da língua portuguesa. – 18ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 637. 215

Jornal do Comércio. Manaus, 29 de maio de 1904, nº 128.

80

Urge, por parte da directoria do serviço sanitário estadual, uma seria providencia para que não se propague em nosso meio a variola, que em tres dias, acommeteu já onze pessoas.

Importada com os retirantes vindos no “Itaqui”, è este morbus muito para receiar, pela grande rasão de que è relativamente pequena a parte da população amazonense que se acha preservada pela vaccina.216

Outra situação bastante comum nos jornais era a publicação de notícias dando

conta de que as autoridades do Estado expediram autorização para a localização na

cidade de imigrantes nordestinos sem, contudo, explicar os motivos que levavam a

essa situação que expunham o cidadão publicamente. Assim, o jornal do Comércio

publicou a seguinte notícia: “Ao sr. Administrador da colonia ‘Pedro Borges’ foi

autorisado a localisar naquelle nucleo os retirantes Francisco Pedro do Nascimento e

Josè Antonio Fernandes”.217 Da mesma forma em edição posterior o Jornal voltou a

publicar que “Vão ser localisados na colonia Campos Salles os retirantes Luiz Gabriei e

João Ferreira”.218

As publicações de notícias com tendências a produzir imagens negativas acerca

dos imigrantes pobres na região não foram raras. Encontramos com freqüência nas

colunas dedicadas a questões de polícia, notícias em que os jornais em vez de

utilizarem o termo retirante, utilizavam outro não menos desprezível: o termo

indivíduo. É o caso, por exemplo, em que Jornal do Comércio na coluna intitulada “Pela

policia” informa que foram “recolhidos, hontem, ao xadrez os individuos: Mannel

Antonio Leite 34 annos piauhyense; Joaquina Maria da Conceição, norte-riograndense,

casada, e Maria Amelia do Nascimento por ordem da auctoridade de permanência”.219

216

Jornal do Comércio. Manaus, 09 de junho de 1904, nº 137. 217

Jornal do Comércio. Manaus, 20 de julho de 1904, nº 173. 218

Jornal do Comércio. Manaus, 21 de julho de 1904, nº 174. 219

Jornal do Comércio. Manaus, 07 de janeiro de 1904, nº 05.

81

2. As múltiplas imagens dos imigrantes nordestinos no Jornal do

Comércio

As análises das fontes jornalísticas dos anos de 1877 a 1917 nos permitiram

perceber que a criminalização de práticas e de segmentos sociais220 dentre eles, os

imigrantes pobres ocorreu no momento em que as elites procuravam discutir o tipo

de trabalhador que deveria ser importado para o Amazonas. Nesta discussão o

governador do Estado Augusto Ximeno Villeroy, afirmava que a “nacionalidade

brasileira resulta de uma mistura de raças, ainda não fundidas intimamente”. Para o

governador como “etnograficamente não constituímos ainda – um povo” seria

prudente para não “aumentar a desordem existente” não importar “colonos a esmo,

sem critério, sem seleção” e restringir a “colonização aos povos ocidentais,

especialmente *os+ ibéricos.” 221

A fala do governador é sintomática: a eleição do tipo de imigrante desejado pelas

elites locais estava decidida e o imigrante europeu, principalmente, o português era o

que melhor atendia aos interesses civilizatórios e etnológicos das elites locais. Villeroy

explicando o porquê da opção pelo imigrante português, afirmava que “convém é o

agricultor portuguez, por qualquer lado que se encare o problema... O portuguez é

forte, emprehendedor, adaptando-se a todos os climas...” 222

Esta opção é percebida muito claramente nas páginas da imprensa local.

Constantemente o Jornal do Comércio publicava nos seus espaços reservados às

propagandas comerciais, anúncios com títulos em destaques com a seguinte

expressão: “Creado”. Estes anúncios diziam: “Precisa-se de um para serviço de

chácara. Prefere-se portuguez”.223 Na mentalidade das classes dirigentes do Estado o

imigrante português seria melhor por causa da aproximação cultural – língua, religião e

tradição – ou de laços históricos entre os dois países.224

220

JÚNIOR, Paulo Marreiro dos Santos. Op. Cit., p. 13. 221

VILLEROY, Augusto Ximeno. Como se deve povoar o solo amazônico. Apud. PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Op. Cit., p. 88. 222

Idem. Apud. AVELINO, Alexandre Nogueira. Op. Cit., p. 85. 223

Jornal do Comércio. Manaus, 08 de julho de 1904, nº 162. 224

AVELINO, Alexandre Nogueira. Op. Cit., p. 85.

82

Portanto, para os grupos que tinham o poder político e econômico, para a

construção de uma sociedade moderna, dinâmica e civilizada, nos moldes da européia,

o homem amazônico e o imigrante nordestino não correspondiam à tipologia biológica

e sociocultural admissíveis para povoar, explorar e desenvolver a região.225

Esse interesse em edificar a sociedade local a partir da rejeição de grupos étnicos

supostamente não detentores dos elementos culturais da “civilização” e a eleição da

“raça” européia, digna da construção de uma sociedade moderna teve ressonância nos

jornais da cidade. Estes em sintonia com as demandas das elites dirigentes produziram

um conjunto de imagens negativas acerca dos imigrantes pobres nordestinos que

desembarcavam no porto de Manaus. Isso ocorria porque os jornais ao divulgar

notícias sobre a chegada destes à cidade promoviam a idéia de que esses imigrantes

recém chegados pareciam não ver “desaparecer-lhe da pessoa aquele aspecto

caipira”226 a que estava habituado desde à época em que vivia no sertão. Isso decerto

contribuiu para criar no imaginário da população local uma figura estereotipada dos

nordestinos sem recursos que chegavam à região. Um exemplo disso pode ser extraído

da notícia que o Jornal do Comércio publicou sobre a chegada do “Jose Caninana”:

Do recôndito do sertão cearense, atirado á proa de um cargueiro, aportou ás regiões amazônicas o Jose Caninana. Não sendo propriamente um finório, o Caninana também não era lá para que se diga nenhum trouxa. Passaram-se os mezes, e tendo experimentado mil diversos meios de cavar a vida, não via desaparecer-lhe da pessoa aquele aspecto caipira com que desembarcara na terra das farturas e das piracemas. Parecia-lhe mesmo que o actuara a influencia maleficiosa de uma jettatura de que ouvira falar aos periódicos locaes.227

Um aspecto da produção jornalística do período há de ser ressaltado: as

divulgações de notícias nos diários locais não se limitaram apenas à questão da

observação de terem os nordestinos o aspecto caipira e ou os “modos esquesitos”228

que estes traziam para Manaus. O Jornal do Comércio, por exemplo, ao comentar o

225

JÚNIOR, Paulo Marreiro dos Santos. Op. Cit., p. 5. 226

Jornal do Comércio. Manaus, 30 de setembro de 1917. Apud. JÚNIOR, Paulo dos Santos. Op. Cit., p. 14. 227

Idem. 228

Jornal do Comércio. Manaus, 10 de fevereiro de 1915, nº 3879.

83

hábito do paraibano José Valentim de Freitas, morador dos sertões da Paraíba que

tinha o hábito de usar à cintura uma faca, disse que Valentim trouxe fama de valente

para o Amazonas. Um dia Valentim deu “um carreirão dos diabos” no “quitandeiro

Canuto de Almeida”. Segundo, o jornal Valentim quando passou a viver em Manaus,

um ambiente outro, convivencia differente (...) foi-se transformando aos poucos, sempre para peior, à faca ponteaguda ajuntou uma pistola Mauser, nove tiros, um bacamarte de fazer medo ao mais audaz, e assim andava elle, ostentando aquella armaria toda como um arsenal ambulante. Hontem, veiu-lhe á venta experimentar o funccionamento do queimante. Encontrou o quitandeiro Canuto de Almeida, cassou da bruta e correu dentro.

Foi um carreirão dos diabos. A jaleca do Canuto voava ao vento, como uma folha secca sob a acção do tornado.

E da carreira que deu, Canuto foi esbarrar num guarda civil, gritou-lhe que o acudisse, e o mantenedor da ordem ferrou os guantes no Valentim, levando-o de roldão, armas e tudo, para a delegacia do primeiro distrito.

O arsenal foi apprehendido e o Valentim marchou para as grades.229

Caso semelhante ao de José Valentim de Freitas é o de José Felix dos Santos. O

jornal relatando um fato ocorrido num “botequim no beco do Commercio”, entre o

próprio José Felix dos Santos e Manoel Matuto Felix, afirma que o primeiro tinha uns

“arrancos de cabra” valente. Um dia o José Felix “deitou mão á navalha e quis fazer a

barba a Manoel Matuto Felix”. Eis o que diz o diário sobre o José Felix dos Santos:

Velhos habitos de casa vão quase sempre á praça, diz com bastante justeza o brocardo popular.

Que diga José Felix dos Santos. Desde sua meninice acostumara-se ao contacto macio de uma pageju’a roçar-lhe as ilhargas e em Caruaru a cambada o respeitava e temia pelos seus arrancos de cabra, que não nega fogo. Aportando á terra do ouro negro, Santos mudou de cascama não transformou os habitos e a língua de tatu afiada barbeira.

E passou dias a matutar, conseguir um meio afim de pôr em jogo as suas habilidades.

Foi hontem. Entretanto em um botequim no beco do Commercio, porque lhe não dessem da meladinha a seu gosto, Santos deitou mão á navalha e quis fazer a barba a Manoel Matuto Felix.

Um guarda civil, porem, aparou-lhe a fita, levando-o pelo cós á delegacia do primeiro disctricto, onde o puzeram em segurança e a coberto de prováveis represalhas.230

229

Jornal do Comércio. Manaus, 18 de agosto de 1917, nº 4779

84

Além dos discursos criminalizantes outro freqüentemente encontrado nos

jornais do período é o discurso que apresentava os imigrantes nordestinos como

ingênuos. O Jornal do Comércio não raras vezes divulgou inúmeras matérias dando

conta da ingenuidade destes na cidade. É o caso, por exemplo, de Victoriano Barbosa,

um cearense de 28 anos de idade que acabara de chegar a Manaus vindo do rio Caeté

no alto Purus, onde trabalhara muitos anos. Segundo o jornal, o recém-chegado

entregou a José Mario Dionysio, proprietário do hotel onde estava hospedado a sua

renda que havia ganhado nos seringais. Isto ocorreu porque o proprietário do hotel,

segundo o redator do jornal, teria argumentado a Victoriano que seria mais seguro

deixar o dinheiro no hotel como forma de evitar que o mesmo fosse roubado. O jornal

informa ainda que apesar do comprovante dado a Victoriano o proprietário do hotel se

negou a devolver a quantia para ele.

Jornal do Comércio, nº 4710. Manaus, 05 de junho de 1917

Fotografia de Victoriano Barbosa. Jornal do Comércio, nº 4710.

Manaus, 05 de junho de 1917.

Eis o que diz o Jornal do Comércio sobre o episódio:

Dentre os infelizes seringueiros que aqui são miseravelmente explorados, veiu, hontem, a esta redacção Victoriano Barbosa, cearense,

230

Jornal do Comércio. Manaus, 08 de setembro de 1917, nº 4800

85

contando vinte e oito annos de idade, um desventurado paira da sorte, que com a physionomia a batida, o corpo castigado pelas febres, pediu-nos alivio á uma grande desdita, contando-nos então o seguinte:

Vindo do rio Caeté, alto Purus, onde trabalhara muitos annos no corte da seringueira, aqui chegara a bordo de um gaiola e convidado por agenciador do Hotel Brazileiro, alli se hospedara.

O proprietario do frege, José Mario Dionysio, perguntou-lhe si trazia dinheiro, achando conveniente que depositasse em suas mãos o que tinha, para não ser roubado, pelos contistas do vigario.

Victoriano, julgando estar tratando com um homem direito, entregou a Dionysio oitocentos mil réis, que tirou de saldo, ficando com alguns nickeis para o cigarro.

Sabedor de que o vapor Maranhão chegara ao Pará, rumo ao nosso porto, procurou Dionysio e pediu-lhe aquella importancia afim de apressar-se para viagem.

O dono do Brazileiro negou-se terminantemente, apezar de ter passado recibo dos oitocentos mil réis.

Vendo que havia sido enganado o nosso visittante dirigiu-se á policia, dando a sua queixa.231

Na mesma edição o Jornal do Comércio denunciou com bastante destaque o

infortúnio de Victal Alves de Souza, o que era comum acontecer nos seringais do

Amazonas e do Pará. A forma como o jornal relatou o caso desse imigrante sugere que

a exemplo de Victoriano Barbosa, que Victal de Souza se deixou enganar pelos patrões

porque era ingênuo. Isto se configura porque, ao narrar os episódios envolvendo esse

cearense, principalmente, o que ocorreu no seringal de Manoel Antonio Baptista, no

rio Tapajós o jornal deu o tom de que o seringueiro era ingênuo ao afirmar que este

“cahio das nuvens” ao ouvir do proprietário do seringal de que se tivesse onde

trabalhar com melhores vantagens ele poderia ir embora, apesar da dívida de um

conto e seiscentos mil réis. Victal de Souza, segundo o jornal teria sentido um grande

alívio, apesar de não receber nada do patrão, pois, afinal de conta acabara de receber

“naquelle momento a carta de alforria”. Em decorrência da liberação do proprietário

do seringal, segundo a narração do jornalista, sem mais demora, o seringueiro

“arrumou a bagagem e foi pedir collocação no seringal peruano D. Thomaz Roiz”.

Vejamos abaixo o relato sobre a “odysséa” de Victal Alves de Souza divulgada pelo

Jornal do Comércio:

231

Jornal do Comércio. Manaus, 05 de Junho de 1917, nº 4710

86

A lista indefinida dos desbravadores das selvas amazonicas, temos a juntar mais outro, que trabalhara uma existencia, sendo por fim explorado pelos patrões.

Jornal do Comércio. Manaus, 05 de junho

de 1917, nº 4710

Numa leva de emigrantes cearenses chegou ha seis annos á capital paraense Victal Alves de Souza. Após alguns dias de estadia em Belém, Victal foi contractado para cortar borracha no rio Xingu, onde passou pouco tempo, passando-se para o rio Tapajós, indo trabalhar no seringal de Manoel Antonio Baptista.

Alli esteve sempre gozando boa saude durante cinco annos. Nos fins das safras o patrão apresentava as contas correntes, pelas quaes Victal ficava sempre como devedor. As mercadorias eram sempre vendidas por preços exhorbitantes, como se fossem manás cahidos do Céo...

Em dezembro de mil novecentos e quinze resolveu o desgraçado fallar seriamente com Baptista, perguntando-lhe qual o motivo de nunca tirar saldo.

Estás devendo um conto e seiscentos mil réis, mas se tens onde trabalhar com melhores vantagens, podes ir embora. Victal cahio das nuvens, recebia naquelle momento a carta de alforria.

Sem mais demora arrumou a bagagem e foi pedir collocação no seringal peruano D. Thomaz Roiz. O seu infortunio continuou, pois, trabalhando todo o anno de mil novecentos e dezeseis, indo pedir a conta veio a saber que devia quinhentos mil réis.

Farto de soffrer, numa noute do mez de março ultimo abandonou a barraca e internou-se na matta, atravessando regiões inexploradas e vindo sahir no rio Canumá, affluente do Madeira.

Em caminho dormia ao relento e tendo acabado o pequeno rancho que levara, alimentou-se muitos dias com fructos silvestres.

Do Canumá foi á Villa de Borba, hospendando-se na casa de um velho de nome Vicente Farias.

Passando por alli o vapor São Salvador, Victal embarcou para esta capital e quando a bordo lhe exigiram a passagem narrou a sua odysséa ao commandante, que se condoendo do infelliz seringueiro apresentou-o, ao chegar ao nosso porto, ao comissario da policia maritima.

Victal de Souza nem roupa possue, pois a sua bagagem perdeu quando fazia a travessia de um igarapé, ao abandonar o ultimo cativeiro.232

Mas, não foram apenas os discursos acima mencionados que perpassavam os

textos dos jornais do período analisado. Outro dado muito presente na produção dos

redatores da época era o da denúncia em relação à situação de vida miserável a que

estava submetido o imigrante pobre nos seringais. O Jornal do Comércio noticiava 232

Idem.

87

casos de suicídios. Estes repassavam a idéia de que os imigrantes preferiam optar pela

solução de retirar a própria vida a ter que enfrentar os problemas do cotidiano. Era

comum o jornal ao denunciar os atos de suicídios fazerem usos com freqüência de

adjetivos que terminavam escondendo os reais motivos que levavam os imigrantes a

tirarem a própria vida. Mas, antes de passarmos a exemplificar esses casos, é

interessante registrarmos que os suicídios que o jornal denunciava contradiziam uma

idéia presente em Euclides da Cunha: a de que o sertanejo nordestino não se rebela,

não blasfema e/ou “que não abusa da bondade de seu Deus”. Do sertanejo que é

“forte”, que se resigna diante dos infortúnios e que não “murmura” mesmo diante das

adversidades.233 A propósito da idéia de que o sertanejo é “forte” o próprio Euclides da

Cunha escreve: “Quem vê a família sertaneja, ao cair da noite, ante o oratório tosco ou

registo paupérrimo, à meia-luz das candeias de azeite, orando pelas almas dos mortos

queridos, ou procurando alentos à vida tormentosa, encanta-se.” 234

Um exemplo típico de denúncia veiculada pelo Jornal do Comércio na época foi a

matéria, “Triste acontecimento”. Trata-se da notícia da morte por afogamento do

pernambucano, Deocleciano Barbosa da Silva, um passageiro que viajava de terceira

classe no vapor “Sobralense”. Segundo o jornal, Deocleciano, “como se estivesse

accometido de um accesso de loucura, pronunciou furiosamente, palavras offensivas

precipitando-se em seguida ao rio.”

Com o subtítulo: “Um pobre homem, num acesso de loucura, atirou-se ao rio,

morrendo afogado”, o Jornal do Comércio, divulgava:

O vapor nacional “Sobralense” de propriedade de Moreira Mendes e Companhia, sob o commando do piloto Francisco Caldas, em viagem para Senna Madureira, recebeu, em Porto Americo, em terceira classe, o passageiro Deocleciano Barbosa da Silva, que se destinava a Floriano Peixoto. Aconteceu, porem, que, no dia quatorze de fevereiro, ás onze horas e dez minutos, quando aquella embarcação navegava no estirão do Aboniny, no rio Purus, Deocleciano como se estivesse accometido de um accesso de loucura, pronunciou furiosamente, palavras offensivas precipitando-se em seguida ao rio.

O commandante Caldas, sciente do facto ordenou que parassem a embarcação, sendo empregados todos os meios, afim de ser o infeliz salvo da

233

CUNHA, Euclides da. Op. pp. 118-119. 234

GALVÃO, Walnice Nogueira. Euclides da Cunha: Campanha de Canudos. Edição crítica. Editora Ática. Série Bom Livro, 1998, p. 126.

88

morte. Todos os esforços, entretanto, foram infructiferos, pois o transloucado vindo á tona da agua uma unica vez, desappareceu logo, perecendo afogado. O commandante do vapor mandou lavrar o termo de desaparecimento de Deocleciano, que assignou com os officiaes de bordo.

O extincto era natural do Estado de Pernambuco, contava trinta e seis annos de idade, sendo de profissão e filiação ignorados.235

Ainda sobre os suicídios divulgados pela imprensa temos também a nota sobre o

suicídio da cearense, Anna de Barros Siqueira de 28 anos de idade. Segundo o jornal

essa emigrante que um dia saíra da casa dos pais logo após ter sido “seduzida por um

D. Juan de esquina” passou a se prostituir e logo depois se liga maritalmente a um

seringueiro de nome Manoel das Neves. O jornal informa que Anna ao sofrer maus

tratos nas mãos do amante tenta o suicídio.

Assim, no dia 11 de setembro de 1917, publica manchete o suicídio de Anna:

Deixara um dia a casa de seus Paes seduzida por um D. Juan de esquina e após ter se entregue ao meretricio em sua terra natal, o Estado do Ceará, Anna de Barros Siqueira viera para Manáos, continuando a mesma vida de infortunio, chafurdando-se na lama, perdendo os ultimos resquicios de pundonor.

A sorte era-lhe sinistra e Anna de abysmo em abysmo viu-se um dia atirada a bordo de um desses gaiolas que cruzam a immensa rede hydropraphica da Amazônia e seguiu rumo ao rio Japurá, região despovoada e de riquezas fabulosas, onde o homem civilisado vê-se de braços com toda sorte de obstaculos no seu afan assombroso de desbravar as florestas cyclopicas.

Anna já contando vinte e oito annos de idade, e vendo que a sua vida desregrada seria a sua completa perdição, procurou ligar-se a um homem que lhe pudesse salvar.

No seringal São João encontrou o seringueiro Manoel das Neves, seu patricio, com quem se amasiou, passando feliz os primeiros mezes dessa união.

De uns quatro mezes a esta data Neves aborrecendo a sua companheira, começou a sevicial-a e Anna sem poder livrar-se de suas garras, resolveu suicidar-se.

No dia vinte e seis de agosto ultimo, aproveitando a ausência do amante, disparou um tiro de rifle em pleno coração.

Neves, regressando para o almoço, encontrou-a morta, banhada em sangue, indo logo participar o facto ao subdelegado de policia local, que providenciou no sentido de ser o cadaver sepultado.236

235

Jornal do Comércio. Manaus, 04 de março de 1915, nº 3899. 236

Jornal do Comércio. Manaus, 11 de setembro de 1917, nº 4804

89

Dessa forma, conforme visto até aqui a imprensa local foi denunciadora, mas

também promotora e divulgadora de discursos que criminalizavam e estigmatizavam

segmentos sociais, principalmente de grupos étnicos específicos como de índios,

caboclos e imigrantes pobres nordestinos.237 Esses grupos que eram considerados

selvagens, primitivos, rudes e/ou preguiçosos pelos grupos dirigentes que pensavam o

“futuro do Amazonas” foram criminalizados por não serem eles detentores dos

elementos culturais da “civilização”.

E quanto à postura dos redatores de identificar os imigrantes nordestinos como

sendo cearenses? Há pouco nos referimos a uma relação de imigrantes pobres

publicada pelo Jornal do Comércio. Hermenegildo Campos, tratando da constituição da

população do Amazonas, no século XIX e início do século XX, afirma que dos imigrantes

que vieram de “outros Estados, a maior colonia é a dos cearenses”. Segundo o autor

da relação de nordestinos que viviam no Amazonas, “seguem-se em ordem

decrescente os norte-rio-grandeses, parahybanos, maranhenses, *...+”.238

Apesar dos Obituários demonstrarem um grande número de nordestinos de

outros Estados do Nordeste que viviam em Manaus, costumeiramente eles eram

classificados como cearense pelos jornais da época. O jornal Patria, por exemplo, um

diário que se auto-intitulava da colônia cearense no Amazonas, na “Secção de todos”

criado exclusivamente para falar aos imigrantes, publicou uma carta de Pedro Olympio

Gundim, um leitor, que parabenizava o referido jornal pelo seu aparecimento no

cenário do jornalismo local. Nesta carta Gundim afirma que “que todo o Cearense

deve sentir um jubilo (...) ao vêr nascer (...) um jornal que se destina, não só defender

os seus conterraneos, como tambem protegel-os.” Eis a carta na íntegra:

Ilmo. Sr. Redactor – Eis um momento em que não posso deixar passar por desapercebido o nome de minha pátria e o de meus filhos.

Eis o momento em que todo o Cearense deve sentir um jubilo, jubilo esse que os corações mais pobres de amorosidade tambem devem sentir, ao vêr nascer n’uma terra onde o braço do Cearense tem feito em maior parte o seu progresso, a sua elevação, um jornal que se destina, não só defender os seus conterraneos, como tambem protegel-os.

237

JÚNIOR, Paulo Marreiro dos Santos. Op. Cit., pp. 4-15. 238

CAMPOS, Hermenegildo Lopes. Climatologia Médica do Estado do Amazonas. Associação Comercial do Amazonas/Fundo Editorial. Manaus, 1988, pp. 25-26.

90

O’ conspícuo Cearense que teve essa Idea cheia de patriotismo e

nobreza, eu envio-vos por estas poucas e mal escriptas linhas, as mais cordeás

felicitações,desejando que, seja sulcada de muitas rozas á missão espinhosa

que acabais de abraçar.239

No editorial do primeiro dia de sua circulação em Manaus, o jornal

apresentando-se ao público informa que o seu objetivo no campo do jornalismo local

era “congregar, n’um só pensamento de elevação moral e material, os cearenses

disseminados pelas vastas regiões d’este Estado.” Este jornal que se proclamava um

defensor dos cearenses na região, afirma que com o seu “apparecimento” a sua “ardua

tarefa” era utilizar a “penna em defeza dos interesses da colonia cearense n’este

Estado.”240

Situação semelhante volta a ocorrer no segundo dia em que o jornal circulou na

cidade. Com uma matéria intitulada: “Agremiemo-nos”, uma espécie de convocação

aos conterrâneos que viviam no Amazonas, o jornal conclama a união e a dedicação de

todos os cearenses residentes no Estado com o intuito de “erguer o nome cearense”

na região. Neste sentido, o jornal afirma:

Trabalhemos portanto com empenho pela realisação dos nossos intuitos, e não tardará muito que possamos erguer o nome cearense no Amazonas á altura do merecimento que lhe dão os nossos coestadanos, pelos seus continuados esforços na faina recommendavel de commettimentos difficies e perigosos.

Para isso, porém, é mistér que a nossa intenção seja secundada pela espontanea dedicação de todos os cearenses, residentes n’este Estado, e fique atirado ao olvido todo e qualquer resentimento que possa embaraçar-nos no caminho a seguir.241

A análise do Jornal do Comércio do período nos revelou um dado que há de ser

ressaltado: os jornais diários que traziam as notícias que ocorriam na cidade e ou fora

do Estado em sua grande maioria transformavam os imigrantes nordestinos que

239

Jornal Pátria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01. 240

Idem. 241

Jornal Pátria. Manaus, 02 de outubro de 1898, nº 02

91

chegavam a Manaus numa massa homogênea destituída de sua especificidade.242

Estes visualizam geralmente nos seus noticiários apenas os sertanejos flagelados. O

Jornal do Comércio, por exemplo, em sua edição de 18 de agosto de 1915 traz

estampada uma fotografia de tamanho nada desprezível com o seguinte título: “A

fome no nordeste brasileiro – A Subscripção da Previdencia – Chegada de flagellados –

A nossa gravura”. O texto que acompanha a referida fotografia afirma: “A nossa

gravura representa algumas victmas da seca” que “foram “instaladas no galpão da

avenida Eduardo Ribeiro”. Neste o redator ao relatar o desembarque dos imigrantes

em Manaus dava destaque, principalmente, para as ações “caridosas” das várias

personalidades que estiveram a bordo do navio Maranhão quando este atracou no

roadway da Manáos Harbour. A imagem criada pelo relato do jornal lembra um roteiro

de filme de guerra e/ou alguns programas locais de televisão que fazem uso da miséria

da população para ganhar popularidade. Eis o que dizia o jornal:

Jornal do Comércio, 18 de agosto de 1915, nº 4063

Entrou hontem, procedente dos portos do sul, o paquete Maranhão, do Loyd Brasileiro, sob o commando do piloto Antonio Severino dos Santos. Esse vapor trouxe cerca de seiscentos passageiros, embarcados no porto de Fortaleza e procedentes dos sertões flagellados da Parayba, Rio Grande do

242

SOUZA, Leno José Barata. Op. Cit., p. 138.

92

Norte, Ceará e Piauhy. Um grande numero delles desembarcaram em São Luiz, no Maranhão, e Belém do Pará. Chegaram a esta cidade nada menos de duzentos e cincoenta emigrantes, na maioria cearenses. Ao atracar o Maranhão no roadway da Manáos Harbour, chegaram a bordo varias commissões, sendo a da Renascença do Ceará, composta dos majores Henrique Taborda de Miranda e João Herculano Camara e commendadores Luiz Rodrigues e Arthur Ribeiro; a do Centro Paraybano, pelos drs. Emilliano Stanislau Affonso, Arthur Gusmão Elviro Dantas, coronel João Cavalcante de Albuquerque Vasconcellos e srs. Antonio Cavalcante de Oliveira Lama, José Pedro de Campos Junior e João Teixeira da Costa; a da União Academica, pelos academicos Euclydes Bentes e P. Torres Cordeiro. As comissões iniciaram, então, o seu trabalho, separando cincoenta e tantas familias que, num bonde cedido pela Manáos Traways, foram transportadas ao Asylo de Mendicidade. Os cento e cincoenta restantes estão alojados no galpão que fica no alto da avenida Eduardo Ribeiro. O gerente da Manáos Harbour, snr. Fletch, cedeu gentilmente o armazém numero doze, onde os flagellados foram momentaneamente recolhidos. Varios membros das sociedades pró-flagellados ouviram os retirantes que relataram o triste estado dos logares de onde vieram. As lammurias são eternas. Basta, entretanto, observar os famintos para se ter uma comprehensão exacta dos soffrimentos, das necessidades que sentiram. O quadro compumgiu a quantos se achavam no ponto de desembarque, pelas scenas dolorosas que appareciam. Os desgraçados estão esqueleticos, tendo no rosto todos os signaes impressos pela fome e pelo desespero. Sujos, com as vestes em farrapos, quase sem bagagens, passaram pelas ruas entre a commiseração dos presentes inspirando piedade. As creanças, completamente despidas, choravam, mostrando todos os ossos. As commissões mandaram transportar as bagagens dos que, por extrema fraqueza, não as poderam transportar.243

No final do mesmo mês de agosto, o mesmo Jornal volta a informar que os

“mais de duzentos flagellados” recém-chegados do Nordeste desta vez pelo paquete

Olinda foram “recebidos carinhosamente no roadway da Manáos Harbour pelas

Sociedades Renascença do Ceará, Centro Paraybano e União Acadêmica”. A exemplo

dos que chegaram pelo paquete Maranhão estes também se dirigiam para o galpão do

alto da avenida Eduardo Ribeiro onde estão alojados.

Sobre estes imigrantes chegados no Olinda, o jornal afirmava:

Chegaram a esta capital, pelo paquete Olinda, mais de duzentos flagellados. Foram recebidos carinhosamente no roaderay da Manáos Harbour pelas Sociedades Renascença do Ceará, Centro Paraybano e União Acadêmica. As victimas da secca do nordeste foram primeiramente alojadas em um dos armazens da Manáos Harbour, emquanto suas bagagens eram retiradas de

243

Jornal do Comércio. Manaus, 18 de agosto de 1915, nº 4063.

93

bordo. Das oitocentas pessoas que embarcaram em Fortaleza, cento e tantas ficaram em São Luiz do Maranhão, quatrocentas e tantas no Pará e nos portos do baixo Amazonas. Os flagellados dirigiram-se para o galpão do alto da avenida Eduardo Ribeiro, onde estão alojados.244

Mas, a idéia de que a cidade vinha sendo “invadida” pelos “flagelados” do

Nordeste já vinha sendo divulgada pela imprensa local desde 1904. Neste ano entre os

meses de maio e julho, o Jornal do Comércio publicou três matérias dando conta da

chegada de um número expressivo destes na cidade. Na primeira o diário informa aos

seus leitores que o vapor Itauna procedente do sul trouxe para este porto 155

retirantes, sendo 88 adultos e 67 creanças. Nesta viagem faleceram 5 em viagem,

sendo 3 do Pará.245 Na segunda matéria o jornal afirma que os imigrantes chegados

anteontem em Manaus foram ontem hospedados no quartel de Bombeiros.246 Já na

terceira temos o seguinte: “o vapor Itaqui que chegou ontem do Rio Grande do Norte

trouxe para esta capital 252 retirantes sendo 153 maiores e 89 menores.”247

Ainda para o mês de maio o jornal informa que do porto do Rio Grande do

Norte embarcaram com destino à capital do Amazonas a bordo do paquete Itapoã

1700 retirantes248 e de Belém a bordo do paquete Itaqui 1100.249 Um mês depois

dessas notícias, o Jornal volta a publicar que em Belém chegaram 253 retirantes e que

desse total são esperados em Manaus 243 “desses infelizes.” 250 Não há dúvidas de

que imprensa manauara, entre os anos de 1877 e 1917, promoveu a visualização nos

seus noticiários apenas dos sertanejos flagelados, pintando “um quadro de

horrores.”251Numa postura semelhante aos jornais da atualidade, utilizando-se de um

sensacionalismo agressivo explorou a imagem da miséria mostrando “vultos

desfigurados” e “cadavericos”252 de crianças nordestinas nas ruas de Fortaleza.

244

Jornal do Comércio. Manaus, 29 de agosto de 1915, nº 4074. 245

Jornal do Comércio. Manaus, 31 de maio de 1904, nº 130. 246

Jornal do Comércio. Manaus, 03 de julho de 1904, nº 157. 247

Idem. 248

Jornal do Comércio. Manaus, 24 de maio de 1904, nº 123. 249

Jornal do Comércio. Manaus, 29 de maio de 1904, nº 128. 250

Jornal do Comércio. Manaus, 28 de junho de 1904, nº 154. 251

LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., p. 64. 252

Jornal do Comércio. Manaus, 10.02.1915, nº 3879

94

Não há dúvidas decerto que o Jornal do Comércio teve uma postura

diferenciada em relação a divulgação de notícias ligadas a membros das classes que

possuíam algum prestigio na sociedade manauara. Neste sentido, o Jornal do Comércio

e o Pátria não deixaram de destacar em suas colunas, inúmeras notícias ligadas a estes

grupos sociais de nordestinos que usufruíam de alguns privilégios. Tais como: notas de

falecimentos de pessoas “ilustres” ligadas a personalidades da sociedade manauara

como foram os casos dos falecimentos do coronel Miguel Leite Barbosa, irmão do

cônego Leite Barbosa, vigário da paróquia de Lábrea no Amazonas e da esposa do dr.

Guilherme Stuart.,253 notícia de Fortaleza, a do restabelecimento de saúde de

profissional do ramo da fotografia como foi a do “nosso conterraneo Manoel Borges

Telles, estimado photographo nesta capital.;”254 da viagem de comerciante para o

interior do Estado como foi a do “acreditado negociante” o “nosso conterraneo”, Julio

Gaspar de Oliveira que “Seguiu para o Javary no vapor ‘João Alfredo;””255 da visita do

“nosso patrício e amigo José Gomes de Moura Martins proprietario do seringal

Cantagallo no Rio Purús o qual seguirá em breve para a praça do Pará”;256 das viagens

para o interior do Estado como foram as de José Martins para a cidade de Borba para

assumir o cargo de Promotor de Justiça e do “nosso digno collega de redacção o sr.

José Carvalho” que pediu exoneração do cargo de promotor publico interino do 1º

distrito desta capital257; de aniversário como foi a do “sr. dr. Paiva”, “advogado no foro

desta cidade” que “Completou annos hontem”258 e de “baptisamento” como foi o do

“filinho do nosso amigo Solon Rodrigues Pessôa e d. Maria Luiza Vianna Pessôa” que

ocorreu “Ante hontem” na Igreja dos Remédios às 5 horas da tarde.259

Outra informação que o Jornal Pátria publicou em destaque em suas páginas foi

a da viagem do dr. Marcos Madeira para o rio Purus que “acaba de offerecer

gratuitamente á ‘Fraternidade Cearense’ os seus serviços medicos para todos os

cearenses indigentes que estiverem no caso de recebel-os.”260 Essas notícias que os

253

Jornal Pátria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01. 254

Idem. 255

Ibdem. 256

Jornal Pátria. Manaus, 06 de outubro de 1898, nº 05. 257

Jornal Pátria. Manaus, 13 de dezembro de 1898, nº 57. 258

Jornal Pátria. Manaus, 30 de agosto de 1898, s/d 259

Jornal Pátria. Manaus, 13 de dezembro de 1898, nº 57. 260

Jornal Pátria. Manaus, 04.10.1898, nº 03.

95

jornais locais divulgavam sobre os grupos sociais de nordestinos que possuíam algum

prestígio na sociedade local, não lembram nem de longe as que eram divulgadas sobre

aqueles, que desciam “dos seringaes onde mourejam, à cata de trabalho”261 nas ruas

da capital amazonense. Esta postura da imprensa manauara ao abrir espaços em suas

colunas para noticiar fatos como dissemos há pouco, ligados a membros de grupos

sociais que nem de longe lembram a condição econômica dos imigrantes nordestinos

sem recursos, lembra-nos as observações de Renée Barata Zicman, acerca do uso da

imprensa como fonte histórica. Zicman recomenda ao pesquisador que trabalha com

jornal, que este não deve esquecer “que a Imprensa age sempre no campo político-

ideológico”. Neste sentido afirma Zicman:

devemos lembrar que na Imprensa a apresentação de notícias não é uma mera repetição de ocorrências e registros mas antes uma causa direta dos acontecimentos, onde as informações não são dadas ao azar mas ao contrário denotam as atitudes próprias de cada veículo de informação [sic] todo jornal organiza os acontecimentos e informações segundo seu próprio “filtro”.262

Não resta dúvida que a maioria dos imigrantes da época era de pessoas sem

recursos que buscavam resolver seus problemas de sobrevivências mais imediatos.

Essa é uma questão que as fontes jornalísticas do período não deixam dúvida e que a

historiografia que se debruçou já tratou abundantemente. Sobre a presença de

nordestinos, envolvidos no processo imigratório para a Amazônia, e não

especificamente do Ceará afirma Cristina Scheibe Wolff:

...esses imigrantes eram muitos e viviam em condições muito diferenciadas uns dos outros, pois não provinham exclusivamente do sertão e nem exclusivamente das classes mais pobres e atingidas pela seca. Ao lado dos sertanejos flagelados, havia pessoas que iam para a região amazônica levando algum recurso, seja em capital, seja em habilidades específicas que possibilitavam outras tarefas e uma vida menos “sacrificada” que a do seringueiro (...).263

261

Jornal do Comércio. Manaus, 10 de fevereiro de 1915, nº 3879 262

ZICMAN, Renée Barata. Op. Cit., p. 90. 263

WOLFF, Cristina Scheibe. Op. Cit., pp. 50-51.

96

São inúmeros os exemplos de casos de imigrantes nordestinos que vieram para o

Amazonas com alguma habilidade específica. Isto possibilitou àqueles desenvolver

outras tarefas que não a da extração da seringa. Exemplo disso são os casos do

advogado e promotor de justiça da Comarca de Quixadá José Jucá de Queiroz Lima, do

jovem médico Espiridião de Queiroz de Lima que veio com o propósito de residir em

Manaus porque pretendia fixar sua residência nesta capital para se dedicar aos

“estudos especiaes sobre o impaludismo e beri-beri”264 e do xilógrafo cearense

Nicephoro Moreira, que veio para Manaus para dirigir os trabalhos no jornal “O

Marapatá” que era publicado às quintas e nos domingos.265

Deusamir Pereira tratando sobre os fluxos imigratórios de mão-de-obra, a partir

do século XIX em diante para a Amazônia, afirma que houve duas formas de atração

que possibilitaram a vinda dos nordestinos para a região. A primeira foi a indução por

meio do aliciamento de trabalhadores em cidades que então experimentavam uma

grande e prolongada seca. A segunda se deu de forma espontânea na qual os próprios

trabalhadores se dirigiam para a região em busca de oportunidades.266

Esta última foi a mais eficaz do ponto de vista da imigração para a região, porque

segundo o autor trouxe pessoas com qualificação e com objetivo de prosperar.267 Esta

idéia do autor nos interessa diretamente porque vai ao encontro a um dos nossos

interesses: o de demonstrar que o processo imigratório de nordestinos para a região

não esteve restrito apenas aos grupos sociais sem recursos que sofriam com os

problemas estruturais do Nordeste em épocas de secas. Neste sentido, já procuramos

demonstrar anteriormente, através das páginas do Jornal do Comércio e do Patria que

não foram apenas os grupos sociais despossuídos do Nordeste que emigram para o

Amazonas.

Nas fontes pesquisadas não encontramos informações sobre cearenses que

possam ter vindos com recursos para a região, porém, identificamos indícios de que

estes montaram casas comerciais em Manaus. Encontramos propagandas de casas

comerciais que nos sugerem que estas eram de propriedades de imigrantes que viviam

264

Jornal do Comércio. Manaus, 25 de maio de 1904, nº 124. 265

Jornal Pátria. Manaus, 05 de outubro de 1898, nº 04. 266

PEREIRA, Deusamir. Op. Cit., p. 81. 267

Idem.

97

na região. Esta conclusão foi possível porque a partir de um olhar direcionado aos

anúncios comerciais, percebemos que os produtos ou as atividades profissionais que

as propagandas se referiam geralmente estavam relacionados a valores culturais

vivenciados pelos nordestinos. Como nos ensina Carlo Guinzburg no seu “método

indiciário”: a partir da valorização dos “pormenores normalmente considerados sem

importância, ou até triviais,” 268 para alguns, podemos compreender um problema

mesmo que este não esteja posto claramente.

O jornal Pátria divulgava constantemente anúncios comerciais diversos, tais

como: de casas comerciais que ofereciam serviços de tipografia como foi o caso da

“LYTHOGRAPHIA CEARENSE – De Costa Souza & Cª – (Ceará)” que fazia “rotulos de

toda as qualidades e cores, inclusive prata e ouro”269; anúncios de concertos de

máquinas de costuras, rifles, espingardas, revólveres e cofres como foi o caso dos

anúncios da “Officina de FERREIRO de José Ferreira de Britto”270 e os comerciais da

casa de S.R. Pessoa & Cª que vendia, além de redes e calçados trazidos do Maranhão,

também vendia queijos produzidos no Piauí271. Outros dados que corroboram as idéias

acima provêm das notícias sobre uma reunião que a colônia cearense no Estado

convocou através de um “BOLETIM” 272 para ocorrer na Associação Comercial do

Amazonas. Nesta reunião, segundo o jornal “A grande colonia” cearense “fez-se

representar por um número avultado de cidadão de todas as classes sociais” e contou

com a presença dos “ilustres” cearenses radicados em Manaus, como o dr. Solon

Pinheiro, o coronel Isaac Amaral e o comerciante o Raymundo Xavier, proprietário da

casa comercial “Phenix Cearense do Ceará”, além dos representantes da imprensa

local.

Referindo-se a essa reunião o Jornal do Comércio informava:

Hontem ás duas horas da tarde, consoante a convocação anteriormente feita, teve logar a reunião de cearenses, no salão da Associação Commercial

268

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. Tradução: Federico Carotti, 2ª edição – 1ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, pp. 143-157. 269

Jornal Pátria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01. 270

Jornal Pátria. Manaus, 21 de setembro de 1899, nº 224. 271

Jornal Pátria. Manaus, 21 de setembro de 1899, nº 224. 272

Jornal do Comércio. Manaus, 10 de janeiro de 1904, nº 08.

98

para se tratar dos assumptos que se prendem aos acontecimentos do dia 3 havidos em Fortaleza.

A grande colonia fez-se representar por um numero avultado de cidadão de todas as classes sociais.

O grande salão ficou repleto.

A imprensa foi representada pelos seguintes periodicos: o “Quo Vadis?” pelos srs. Coronel Adriano Pimentel e dr. Tinoco. O “Commercio do Amazonas” pelos drs. Lopes Gonçalves e Pedro Barros, e o nosso jornal pelo major Rocha dos Santos.

Acclamado presidente o dr. Solon Pinheiro, convidou este para secretarios, os srs. Isaac Amaral e Cezar A. da Silva.

(...) O sr. Raymundo Xavier, agradeceu ao presidente e ao auditorio as referencias lisongeiras que fez a Phenix Cearense do Ceará.273

Outros dados, além destes acima corroboram a idéia de que não somente os

nordestinos pobres vieram para a região.

No dia 21 de junho de 1915 os cearenses influentes da sociedade manauara

organizaram uma reunião para acontecer no teatro Alcazar com o objetivo de

arrecadar donativos para os “flagelados” da seca. Nesta reunião, segundo o Jornal do

Comércio “seriam discutidos os melhores meios de soccorrer os famintos da secca do

Nordeste”. Eis a relação: o desembargador Luis Cabral; os coronéis João Martins de

Araújo, Isaac Amaral, Alfredo do Carmo Chaves, José Amora, Manoel Vicente Carioca,

Carlos Stuart e Joaquim Nunes de Lima; os doutores Solon Pinheiro, Figueiredo

Rodrigues, Alfredo Freitas, Francisco Gomes Malveira, Alfredo Ferreira Braga e Samuel

Berregno além do capitão-tenente Thomaz de Medeiros Pontes e o monsenhor Antero

José de Lima.274

O jornal publicou ainda outra lista composta de estudantes cearenses que iriam

cuidar das várias atividades da chamada “campanha humanitaria”. Segundo o diário

foram escolhidas as seguintes comissões de acadêmicos cearenses do curso de Direito:

José Adolpho Lima Avelino (5º ano); João de Oliveira Freitas (4º ano); Benevolo Pereira

da Luz (3º ano); Tobias Telles de Souza (2º ano) e Manoel Moysés de Barros (1º

ano).275

273

Jornal do Comércio. Manaus, 12 de janeiro de 1904, nº 10. 274

Jornal do Comércio. Manaus, 21 de junho de 1915, nº 4006. 275

Idem.

99

Essas informações servem para ilustrar uma idéia anteriormente aqui apontada:

a de que devemos evitar a afirmação simplória e generalizante de que a imigração

nordestina para o Amazonas ocorreu necessariamente só por causa das secas. Os

grupos sociais a que as notícias dos jornais se referem, decerto não eram apenas de

classes sociais despossuídas e não vieram para a região somente por causa das secas.

Muitos deles saíram de seus lugares de origem, provavelmente, por vários motivos.

Para trabalhar o argumento de que as secas não foram os únicos elementos

motivadores da “expulsão” dos nordestinos para o Amazonas, o trabalho de Samuel

Benchimol, bastante sugestivo. O autor apesar de trabalhar um período diferente do

nosso os seus dados servem para ilustrar o que queremos. Observemos o que dizem as

entrevistas feitas pelo autor: Severino Barbosa, originário de Santa Rita, localidade da

Paraíba do Norte, respondendo às questões formuladas pelo pesquisador disse que

veio para a região “por causa dos boatos” que ouvira falar. Estes diziam “que o

Amazonas era a nossa salvação” e que por isso resolveu vim para a região. Segundo,

Severino na época em que saiu “Quase não havia seca” no seu Estado, mas por causa

dos “boatos” e porque também “estava com vontade de conhecer (...) o Amazonas”

resolveu deixar o seu torrão natal. Severino Barbosa disse ainda que quando morava

na Paraíba “era pedreiro e pintor e ganhava bem, embora o trabalho [por lá] não fosse

constante.” 276

José Matos de Lima, também da Paraíba veio por conta própria e pelo mesmo

motivo: “conhecer o Amazonas”. José de Lima disse que quando saiu da sua terra as

“coisas *por+ lá não estavam ruins”, porém, segundo ele alguma coisa lhe fez para

querer “conhecer o Amazonas”. “La na minha terra” acrescentou “eu trabalhava em

tudo. Meu pai era dono de 200 tarefas de algodão”.277

Testemunhos semelhantes foram dados por Cezar Barbosa de Lima, natural de

Fortaleza e José de Holanda Cavalcante, de Quixadá. O primeiro disse que veio “pro

Amazonas em 1900”, mas isso aconteceu “não porque estivesse ruim por lá, mas

porque tinha mesmo esse destino de conhecer o Amazonas.” 278 Já o segundo ao

comentar sobre a sua profissão disse que era artista e que trabalhava “na arte de

sapateiro” em Fortaleza. “Lá”, comentou José de Holanda Cavalcante, “Até *que+ não

276

BENCHIMOL, Samuel. Op. Cit., p. 134. 277

Idem, p. 154. 278

Idem, p. 155.

100

vivia mal da minha arte. Mas me deu vontade de mudar de vida” por isso resolveu vim

para o Juruá porque queria fazer algumas economias para ver se voltava com algum

recurso.279 O caso de Antônia Ferreira, natural de João Pessoa na Paraíba é bastante

sugestivo. Eis o que diz Antônia Ferreira a Samuel Benchimol sobre a sua vinda para o

Amazonas:

Nós trabalhávamos na agricultura. Eu ajudava o meu marido. Vim mais ele e um filhinho. Mas não vivíamos na miséria. Mas meteram na cabeça do meu marido para vir que esse homem enlouqueceu. Ele por si só não viria, pois é um homem acanhado. Eu tive que acompanhar ele. Se soubesse como era isso nunca pisaria aqui. Os homens é que enlouquecem quando ouvem falar no Amazonas. Era só chegar e ajuntar dinheiro. Essa lenda correu na boca de todo mundo.280

Sobre o início do processo do fluxo imigratório para o Amazonas as informações

dão conta de que este ocorreu a partir do ano de 1857. Nesse sentido, o historiador

cearense Raimundo Girão tratando acerca do caráter pioneiro da imigração nordestina

para a região informa:

O pioneiro, ao menos o de quem se há melhor notícia, foi o uruburetamense João Gabriel de Carvalho e Melo, o Comendador João Gabriel como veio a ser conhecido, que em 1857 explorou o rio Puruz, indo localizar-se e ficar rico no Tauariá, baluarte dos seus vastos negócios. Rodrigues Labre, no Maranhão, arruma em derredor do seu barracão a futura cidade de Lábria, tal como João Damasceno Girão, cearense de Morada-Nova, fundaria a cidade de Antimari, depois Floriano Peixoto, de quem foi o primeiro prefeito. Rio Branco, a capital acreana, é expansão demográfica do barração (sic) Empresa, doutro cearense, Neutel Maia.281

Enquanto Raimundo Girão sugere a data de 1857 para a primeira chegada de

nordestinos na região com João Gabriel de Carvalho e Melo, Arthur Cézar Ferreira Reis

trabalha com as datas de 1869 e 1871. Esta última segundo Reis marca a chegada de

maranhenses com o coronel Antônio Rodrigues Pereira Labre, que fundaria a cidade

que deu origem a Lábrea. Nesse sentido, afirma Arthur Reis:

279

Idem, p. 144. 280

Idem, 148. 281

GIRÃO, Raimundo. Op. Cit., pp. 392-393.

101

Em outubro de 1869 chegou a primeira leva de cearenses [no Amazonas]. Era de cinqüenta homens. Dirigia-a João Gabriel de Carvalho e Melo, pioneiro ousado, heróico, que se fixara no baixo Purus, para onde levou os nordestinos, trazidos da Serra da Uruburetama.

Em dezembro de 1871, organizada pelo coronel Antônio Rodrigues Pereira Labre, um audacioso batedor, era a vez da maior leva de maranhenses que também se foram localizar no Baixo Purus, onde é hoje Labréa. Na esteira desses, outros pioneiros chegaram, cheios de ânimo.

A expansão, com gente de todo Nordeste, do Maranhão e do Pará não cessou mais, daí por diante.282

Sobre essas correntes imigratórias, os números disponíveis são diversos:

Raimundo Girão, por exemplo, afirma que a “emigração cearense foi a grande

determinante da exploração da borracha que marcou o apogeu do Amazonas”. Sobre a

quantidade de nordestinos que deixaram a terra natal, o autor afirma que: “desde

1869 até o fim do século emigraram do Ceará 300.902 pessoas, sendo 255.562 para a

Amazônia. Entre 1901 e 1943 saíram 308.422, dos quais 293.031 para o norte.” 283

Arthur Cézar Ferreira Reis por sua vez enfatizando o ano de 1877 como um ano

decisivo para o início da “grande ocupação” do território amazonense pelos

nordestinos, afirma que este ano foi decisivo porque foi o período em que “o sertão do

Nordeste sofreu a visita da seca que o assolou barbaramente”. Isto fez, segundo o

autor com que os nordestinos abandonassem “o berço onde deixara miséria” e

procurassem “recursos noutras terras”. Eis o que diz Reis sobre essa questão:

A grande ocupação seria, contudo, iniciada e quase toda ela realizada pelo nordestino, pelo cearense principalmente, quando em 1877 o sertão do Nordeste sofreu a visita da seca que o assolou barbaramente. Enxotado pela violência do meio, que lhe tirou os recursos de vida, vitimando os rebanhos, queimando as culturas agrícolas, esgotando os mananciais d’água, o nordestino teve de procurar recursos noutras terras, abandonando o berço onde deixara miséria. A Amazônia, para onde já se encaminhava, lhe era campo vasto à atividade. Dos 4.610 cearenses, que nesse ano [1877] deixaram Fortaleza procurando o vale tentador, muitos centos rumaram para o Amazonas. Nos anos seguintes “perdidas as esperanças do inverno”, em verdadeiras ondas, novos milhares se lançaram à Província. Em março de 1879, segundo cálculos oficiais, já tinham entrado em Manaus mais de seis mil retirantes cearenses. O governo, procurando recebê-los e localizá-los como contribuições preciosas ao progresso da Província, criou colônias em vários pontos do interior, núcleos agrícolas, duas das quais nas cercanias de Manaus,

282

REIS, Arthur Cézar Ferreira. Op. Cit., pp. 219-220. 283

GIRÃO, Raimundo. Op. Cit. p. 393.

102

atendidas por comissões subordinadas a uma central, com sede na capital amazonense.

Espraiando-se pela hinterlância, esses cearenses, contratados pelos pioneiros, não recuaram a um embaraço. No Juruá e Purus buscaram-lhes os nascedouros. Em 1883, estavam no Riosinho da Liberdade, afluente do Juruá; ocupavam largo trecho do Aquiri, onde o comendador Carvalho e Melo penetrara em 1887, antes da seca, com outra leva de imigrantes da Uruburetama, no Ceará. Quatro anos ocorridos daquela data Manoel Urbano, à frente de uma leva, ocupara o lugar conhecido por Santa Rosa, no Alto Purus, hoje fronteira com o Peru.

Em 1888 e 1889 nova seca violenta empurrou maiores contingentes de nordestinos, de cearenses. Cerca de dez mil indivíduos. Homens, mulheres, crianças, velhos abatidos pelos sofrimentos, roídos de desespero, sentindo os vigores de um clima diverso e de um meio geográfico que desconheciam e lhes causava espanto.284

Deusamir Pereira tratando sobre as estimativas da imigração de nordestinos para

a região afirma:

Estima-se que, entre 1870 e 1920, 300 mil nordestinos imigraram para a Amazônia, através de ondas intermitentes registradas em vários momentos. Vieram, sobretudo, do Ceará e Rio Grande do Norte. A população da região deu verdadeiros saltos: em 1820 que era de 137.000 habitantes; em 1870 passou para 323.000 habitantes; em 1900 para 695.000 habitantes; e em 1910 para 1.217.000 habitantes.285

Celso Furtado – provavelmente o autor mais consultado em relação à temática286

- apesar de não tratar de forma específica a imigração de nordestinos para o Amazonas

e sim da imigração destes para a região amazônica em geral, fornece-nos um número

bastante expressivo: “Se se admite um idêntico influxo para o primeiro decênio do

atual século [o século XX], resulta que a população destacada para a região amazônica

não seria inferior a meio milhão de pessoas”.287

284

REIS, Arthur Cézar Ferreira. História do Amazonas. Belo Horizonte: Itatiaia; Manaus: Superintendência Cultural do Amazonas, 1989. pp. 220-221. 285

Idem, pp. 81-82. 286

Ver, por exemplo: SECRETO, María Verónica. Soldados da borracha: Trabalhadores entre o sertão e a Amazônia no governo Vargas. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007, pp. 39-45; PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Op. Cit., p. 54; SANTOS, Roberto Araújo de Oliveira. Op. Cit., pp. 99-100; LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., pp. 26-28; GUILLEN, Isabel Cristina Martins. Op. Cit., p. 183. 287

FURTADO, Celso. Op. Cit., p.131.

103

Voltemos ao ponto inicial de nossa discussão nesse capítulo. Quando

mencionamos no início deste texto a idéia de que os jornais que circularam em

Manaus, entre o final do século XIX e o início do século XX, não se diferenciaram muito

dos seus congêneres dos demais centros urbanos, em relação à forma como

abordaram a questão da imigração nordestina, estávamos lembrando dois

ensinamentos significativos: as palavras de Renée Barata Zicman no sentido de que

“todo jornal organiza os acontecimentos e informações segundo seu próprio ‘filtro’” e

o conceito de representações em Roger Chartier. Para este autor “As representações

são variáveis segundo as disposições dos grupos ou classes sociais”. Para ele, as

representações

aspiram à universalidade, mas são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam. O poder e a dominação estão sempre presentes. As representações não são discursos neutros: produzem estratégias e práticas tendentes a impor uma autoridade, uma deferência, e mesmo a legitimar escolhas.288

Embora, o objetivo central deste capítulo não seja discutir as semelhanças na

forma como os jornais abordaram não só em Manaus como também em outros centos

urbanos do País o tema da imigração nordestina, sentimos a necessidade de abrirmos

um espaço nesta parte do nosso trabalho para discutirmos essa questão. Ocorre que

pelas análises das notícias dos jornais locais que fizemos, percebemos que elas

guardam uma similaridade com os diários de outros centros urbanos na forma como

eles perceberam a imigração nordestina e os próprios imigrantes, conseqüentemente.

Isso pode ser percebido através das notícias extraídas dos jornais a seguir. O jornal

“Gazeta do Natal” do Rio Grande do Norte, por exemplo, em matéria intitulada “Fome

e os seus horrores” ao noticiar sobre a presença de “três mil famintos” que se reunia

“em frente ao consistório da igreja da matriz” para pedir “pão para si, suas mulheres e

288

CHARTIER. Roger. Por uma sociologia histórica das práticas culturais. In: CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações. Col. Memória e sociedade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. Apud. FRANCISMAR, Alex Lopes de Carvalho. O conceito de representações coletivas segundo Roger. Disponível no site: http://www.dialogos.uem.br/include/getdoc.php?id=535&article... Acessado em 06.07.2009. p. 149.

104

filhos”, deixa suas impressões acerca da situação em vivia a população de Natal. Neste

sentido, afirma o jornal:

[...] esta capital [Natal] presenciou a cena mais comovente, desoladora e triste que se tem visto nos tempos calamitosos que atravessamos. Uma multidão compacta de três mil famintos reuniu-se em frente ao consistório da igreja matriz, à praça da Alegria, [...], e ali pedia pão para si, suas mulheres e filhos.289

No Ceará, o jornal Libertador, relatando um fato ocorrido no Estado afirma que

“deixando-se arrastar pelo instincto da própria sobrevivência”, os “pobres

trabalhadores famintos” invadiram um armazém na cidade de Messejana conseguindo

retirar alguns volumes.290 Em outra cidade do Ceará, segundo o jornal, ou seja, no

“Pagehú”, “uma multidão de cerca de 400 pessoas, entre homens e mulheres, atacou o

depósito de víveres”. “Felizmente”, complementa o jornal, “não houve pancadaria”.291

Em outra edição, o “Libertador” novamente se refere à cidade de Messejana, dizendo

que mais de 600 pessoas assaltaram o armazém de víveres provocando muitas

“contusões e ferimentos”.292

Em janeiro de 1889 o jornal Constituição comentando o movimento das

“caravanas de milhares de famintos” que saiam para as cidades à procura de emprego,

porque “os sertões” se faziam “de todo inabitáveis, por falta absoluta de meios de

subsistencia” afirma que as “caravanas de retirantes” apresentavam um “aspecto

repulsivo”. Isto porque eram formadas de sertanejos “magros como esqueletos,

andrajosos, seminus, famintos, homens e mulheres carregando a rede suja, ultimo de

289

Gazeta do Natal. A fome e os seus horrores. Natal, 21.09.1889, nº 136, p.1. Apud. FERREIRA, Angela L. A. & DANTAS, George A. F. Os ‘Indesejáveis’ na cidade: as representações do retirante da seca (Natal, 1890-1930)”. Disponível no site: http://www.ub.es/geocrit/sn_94_96.htm. p. 8. Acessado em 11.07.2009. 290

Jornal “Libertador”. Fortaleza, 04.06.1889. Apud. NEVES, Frederico de Castro. Estranhos na Belle Époque: a multidão como sujeito político (Fortaleza, 1877-1915). In: Trajetos. Revista do Programa de Pós-Graduação em História Social e do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará. – v.3, n.6 (abr. 2005). – Fortaleza: Departamento de História da UFC, 2005. p. 125. 291

Idem. 292

Jornal Libertador. Fortaleza, 07.09.1889. Op. Cit., p. 125.

105

que se separam e filhos raquíticos, doentios, lívidos de fome ou opilados de

alimentação selvagem e tóxica”.293

Esse mesmo jornal que participou favoravelmente com o Libertador do debate

em torno da política de emigração de cearenses para o Sul, comandada pelo

Presidente da Província do Ceará, o paulista Caio Prado,294 afirma que devido às secas

de 1888 e 1889 era “impossível fugir á imigração”295. Segundo o jornal, mesmo sob o

argumento de que por volta do final de março 23.600 operários se encontravam

empregados nas diversas obras públicas espalhadas pela província, principalmente na

construção de açudes296, a imigração era necessária. O Constituição informava ainda:

em S. Benedito, por exemplo, um dos logares mais frescos, está já secco um açude que resistiu até 78. [Embora] as obras publicas, açudes e estradas de ferro, que há projetado o governo, por mais numerosas que sejam, nunca serão sufficientes para dar trabalho a todos os necessitados.297

Ainda em relação à imprensa do Ceará. Enquanto o Constituição e o Libertador

eram favoráveis à emigração de cearenses para o Sul, durante a seca de 1888, o jornal

O Cearense era contrário. Isso é o que se pode depreender da posição do jornal

quando diz que a “emigração para o Sul iria encher as senzalas desertas, que os

escravos libertados haviam abandonado com a lei de 13 de maio.”298 Segundo o jornal:

A despedida desses exilados que – em soluços e lágrimas – arrancados da terra natal, dos braços dos parentes, dos amigos e dos conterrâneos, vão ser transportados a proa, ou no porão de um navio, como fardos de mercadorias incômodas.299

293

Jornal Constituição. Fortaleza, 12 de janeiro de 1889. Apud. NEVES, Frederico de Castro. Op. Cit., p. 64. 294

NEVES, Frederico de Castro. Op. Cit., pp. 63-64. 295

Jornal Constituição. Fortaleza, 08 de Janeiro de 1889. Apud. NEVES, Frederico de Castro. Op. Cit., 65. 296

Idem. 297

Ibdem. 298

SECRETO, María Verónica. Op. Cit., p. 48. 299

Apud. SECRETO, María Verónica. Op. Cit., p. 48.

106

Dessa forma, para O Cearense, a emigração incentivada pelas autoridades da

Província em direção ao Sul do País era “uma deshumanidade que se está praticando

para com os nossos infelizes irmãos.” Para o jornal aquilo era “uma affronta que se

está fazendo aos brios do Ceará.”300 Mas, se O Cearense tinha um discurso contrário à

emigração para o Sul o mesmo não ocorria quando o assunto era a emigração para a

Amazônia. Este dizia que se a emigração era algo que não se poderia evitar “é natural

que se procure colocar taes braços nos logares mais proximos e ricos afim de que,

passada a crise, possam voltar a provincia onde não só deixam familia, como até bens

de raiz.” Apresentando argumentos em favor da emigração para a Amazônia o jornal

afirma:

(...) a abundancia dos recursos naturaes da região amazonica não pode ser comparada com a das regiões do sul do Imperio, [...] o emigrante ali chegado pode, pois, sem depender de ninguem, applicar-se a industria extractiva daqueles produtos, existentes em terrenos quase devolutos, e em pouco tempo constituir um patrimonio regular.301

Nesta linha de raciocínio, o jornal ao comparar o Sul e o Norte em relação às

oportunidades de enriquecimento para o emigrante, afirma que enquanto que o

emigrante que vai para o “Sul tem que sujeitar-se ao salario que jamais o enriquecerá”

isto porque “raras vezes passará de trabalhador assalariado” no Amazonas este “pode

tornar-se” um “rico proprietario.” 302

No Pará a “Folha do Norte”, em junho de 1915, quando a cidade se preparava

para a comemoração dos 300 anos de sua fundação publicou uma matéria sobre a

ajuda as vítimas da seca do Ceará303. Esta matéria vinha num formato de uma pequena

nota intitulada: “Esmola aos imigrantes cearenses.” 304 O diário informava aos seus

leitores que um “distinto cavalheiro” ofertaria na manhã do dia 20 de julho, no Largo

de Nazaré, ajuda aos imigrantes cearenses recentemente chegados à capital

paraense.305

300

Apud. NEVES, Frederico de Castro, p. 66. 301

Idem. 302

Ibdem. 303

Apud. LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., p. 185. 304

LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., pp. 189-190. 305

LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., p. 190.

107

A mesma “Folha do Norte” em outra edição, precisamente, em setembro de

1900, quando a seca se tornava intensa publicou uma notícia dando conta de que a

Liga Cearense do Pará convocou uma reunião com seus associados para tratar da

remessa306 com urgência de toda a quantia arrecadada para o Ceará. A quantia que

seria remetida, segundo a “Folha do Norte” era para socorrer os necessitados da

seca.307

Em novembro do mesmo ano de 1900 o jornal volta a publicar outra

informação relativa às ações da Liga Cearense no Pará. Desta vez sobre um documento

enviado pelos delegados da Liga no Ceará dando conta do que ocorrera com a remessa

de 20 contos de réis destinados às vítimas da seca. Segundo o jornal para socorrer os

patrícios indigentes, o monsenhor, Bruno, representante da Liga no Ceará autorizou

que fosse enviado uma parte do dinheiro arrecadado para as localidades onde tivesse

o maior número de flagelados. Na mesma nota a “Folha do Norte” dizia que a outra

fatia do “óbolo de caridade” deveria ser utilizada na construção de casas para abrigar

os emigrantes que viviam nas ruas de Fortaleza.308

No Rio de Janeiro, o Jornal do Comércio em meio ao debate sobre as possíveis

soluções para socorrer os nordestinos que sofriam com os efeitos da seca de 1878,

debate este que contou com a participação de vários intelectuais, como: André

Rebouças, Gustavo Capanema, Beaupaire Rohan, Liberato de Castro Carreira, Viriato

de Medeiros e do jornalista José do Patrocínio,309 divulgou um artigo intitulado: “A

Colonisação nacional”. Neste o jornal proclama a sua posição em defesa da idéia de

que o Estado deveria promover uma política de colonização para assentar uma parcela

considerada, “não pouco importante, da nossa população, que vive em condições

quasi nomades, e constitue um elemento negativo da prosperidade e progresso

nacionaes.” 310

Neste debate, José do Patrocínio, um jornalista correspondente do Gazeta de

Notícias que visitou o Ceará entre maio e setembro de 1878, com a missão de enviar à

306

LACERDA, Franciane Gama. Op. Cit., p. 185. 307

Idem. 308

LACERDA. Franciane Gama. Op. Cit., pp. 185-186. 309

Cf. NEVES, Frederico de Castro. A miséria na literatura: José do Patrocínio e a seca de 1878 no Ceará. Disponível no site: http://www.scielo.br/pdf/tem/v11n22/v11n22a05.pdf. Acessado em 24.12.2008. 310

Apud. Idem, p. 86.

108

Corte informações qualificadas sobre a seca que, então, assolava aquela província,

escreve para O Besouro, um artigo sob o título: “Sermão de lágrimas”. Neste artigo,

Patrocínio falando sobre os retirantes que eram recebidos em hospedarias

improvisadas no Rio de Janeiro, enfatiza a degradação que os costumes tradicionais e

os valores morais dos sertanejos sofrem, quando estes entram em contato com o

mundo fora dos seus lugares de origem. Segundo o autor, os costumes tradicionais e

os valores morais originários dos sertanejos deveriam ser o esteio da própria

nacionalidade recentemente constituída e que agora se encontrava ameaçada pela

desgraça natural.311

As causas desta decadência, segundo José do Patrocínio tinha um motivo: “o

abandono da terra natal e a emigração para outros climas, outros costumes, outra

educação”. Este abandono do lugar de origem, segundo Patrocínio trazia uma

conseqüência imediata: um choque cultural e a desagregação dos valores dos

sertanejos tão solidamente estruturados na sociedade simples. Nesta sociedade em

que viviam os sertanejos as relações sociais a que estavam habituados se pautavam na

confiança plena que dispensavam uns aos outros. Para José do Patrocínio os retirantes

ao saírem de seus lugares de origem não só deixavam para trás seu torrão conhecido,

mas especialmente largavam seus costumes simples, sendo “inopinadamente

arremessados em uma capital, que absorveu já todos os vícios do mundo”.312

A exemplo dos jornais que circularam em outras capitais do País os de Manaus

também produziram suas representações acerca da imigração nordestina e dos

próprios imigrantes. Isto pode ser percebido através dos textos que relatavam casos

como os que aqui seguem resumidamente: relatos de suicídios como foi o do

imigrante Deocleciano Barbosa da Silva que vinha para a região, no vapor

“Sobralense”313; relatos de desembarques de imigrantes que vinham para o Amazonas,

como foi o dos que vieram a bordo do navio Maranhão;314 relatos dando conta da idéia

de ingenuidade do imigrante, como foi o de Victoriano Barbosa que entregou a José

Mario Dionysio, proprietário do “Hotel Brazileiro”, a quantia de oitocentos mil réis

311

NEVES, Frederico de Castro. Op. Cit., pp. 80-83. 312

Apud. NEVES, Frederico de Castro, p. 84. 313

Jornal do Comércio. Manaus, 04 de março de 1915, nº 3899. 314

Jornal do Comércio. Manaus, 18 de agosto de 1915, nº 4063.

109

“julgando estar tratando com um homem direito”;315 relatos de mudanças de

costumes de imigrantes “para a peior”, como foi o de José Valentim de Freitas, “um

cabra sarado” dos “sertões da Parayba” que “Á faca ponteaguda ajuntou uma pistola

Mauser, nove tiros, um bacamarte de fazer medo ao mais audaz”316 e ou relatos dando

conta do caráter violento do imigrante que vem para a região, como foi o de José Felix

dos Santos, que “Entrando em um botequim no beco do Commercio (...) deitou mão á

navalha e quis fazer a barba a Manoel Matuto Felix.”317

Portanto, como acabamos de perceber através dos exemplos dos textos acima,

a similaridade existente na imprensa da época referente ao tema da imigração

nordestina se configura quanto à forma como os jornais perceberam os imigrantes

pobres. Estes quase sempre aparecem nos textos dos jornalistas como infelizes,

famintos, desgraçados, flagelados, ingênuos violentos e/ou rudes.

315

Jornal do Comércio. Manaus, 05 de junho de 1917, nº 4710. 316

Jornal do Comércio. Manaus, 18 de agosto de 1917, nº 4779. 317

Jornal do Comércio. Manaus, 08 de setembro de 1917, nº 4800.

110

CAPÍTULO III

A PATRIA NORDESTINA

111

CAPÍTULO III

A PATRIA NORDESTINA

1. Patria: Considerações gerais sobre o diário.

Trata-se de um jornal diário que se auto-intitulou “Orgam da colonia cearense” no

Amazonas. Funcionou na Rua Barroso, n.º 9 e circulou na cidade em dois momentos

diferentes. O primeiro foi relativamente curto e durou menos de seis meses: entre 1º

de outubro de 1898 a 12 de março de 1899. Neste período o jornal que esteve sob a

direção de Antônio Bezerra de Menezes e do administrador-gerente Floro Ozorio

Ferreira Pinto, teve como colaboradores de redação: Luna Carvalho, Themistocles

Machado, José Carvalho, Leopoldino Barreto, Jorge Miranda, Isaac Amaral, Clementino

Gomes, José Martins e Francisco Theofilo.

O segundo momento foi mais breve ainda: durou menos de quatro meses, ou

seja, entre 24 de maio a 29 de setembro do ano de 1899, data em que desapareceu

definitivamente do cenário da imprensa local.318 Neste período o diário esteve sob a

direção de Antônio Varonil da Silva e do redator, Demétrio de Mello Oliveira.

O Patria possuía o seguinte formato: 37 x 51 centímetros; 04 páginas; 05 colunas

e 01 caderno.319 Ainda no final da primeira fase, época em que Antônio Bezerra de

Menezes o dirigiu o jornal passou a ter 06 colunas. Como era de praxe no meio

jornalístico os jornais reproduzirem os textos dos seus congêneres, o periódico

reproduziu no terceiro dia em que circulou na cidade, as saudações de boas vindas de

seus pares. Um exemplo disso são as saudações do “Commercio do Amazonas”:

Surgio hontem na arena jornalística o esperado campeão da colonia cearense neste Estado.

Vem substituir a “Folha de Manáos”, de triste memoria. Á frente da “A Patria” acha-se um grupo de intelligentes moços já conhecidos no mundo das lettras, garantia segura da sua prosperidade.

Ao novo collega as nossas saudações.320

318

SANTOS, Francisco Jorge et alli. Cem Anos de Imprensa no Amazonas: 1815-1950. Manaus:Ed. Humberto Calderato Ltda. 1990, p. 163. 319

Idem. 320

Jornal “Patria”. Manaus, 04 de outubro de 1898, nº 03.

112

Além de reproduzir as saudações do Commercio do Amazonas, o Patria, também

reproduziu as boas vindas dos jornais: Federação, Amazonas, Amazonas Comercial e A

Plateia.

A partir da observação de sua expressiva tiragem que demonstra que este era

um diário lido por grupos de imigrantes letrados e que de algum modo possuíam

algum prestígio na sociedade local, inclusive entre os que residiam no interior

percebemos que havia uma demanda pelo jornal não apenas na capital do Estado. Ao

analisar os dados referentes à sua assinatura foi possível percebermos que a circulação

deste não se restringia apenas à cidade de Manaus, o que nos sugere que este possuía

uma representatividade política forte na região.

113

Trata-se de um jornal dirigido por homens “já conhecidos no mundo das

lettras”321 à época: o seu diretor, o jornalista Antonio Bezerra de Menezes e o seu

administrador-gerente, o bibliotecário da Biblioteca Pública do Amazonas, Floro Ozorio

Ferreira Pinto.322 O primeiro era filho do doutor Manoel Soares da Silva Bezerra e de

Maria Teresa de Albuquerque Bezerra, família proprietária que usufruía de prestígio

político em Quixeramobim no Ceará. Antonio Bezerra de Menezes participou no

período da juventude do movimento abolicionista e colaborou no seu Estado com a

fundação dos jornais: “O Libertador”, “O Ceará” e “A Estrela”. Em 1884 e 1885

publicou no jornal “A Constituição”, também no Ceará, suas impressões da viagem que

fez à zona norte do Estado em comissão que lhe fora confiada por Caio Prado, então

Presidente da Província do Ceará. Quando se aposentou como funcionário público,

mudou-se para Manaus e colaborou na criação do jornal Patria.323 Como diretor deste,

Antônio Bezerra de Menezes imprimiu uma orientação de moderação nos embates

políticos na região. Segundo ele, depois de algum tempo “Aconselhados pela boa

lógica e experiência dos factos”, o jornal da colônia cearense teria que se identificar

“com a moderação nos embates perigosos das paixões humanas”.324

Fonte: Acervo Digital

325

321

Jornal Patria. Manaus, 04 de outubro de 1898, nº 03. 322

ARRUDA, Guilhermina Melo. História e memória da Biblioteca Pública do Amazonas (1870-1910). Manaus: Universidade do Amazonas, 2000. Dissertação de Mestrado, p. 101-102. Disponível no site: http://www.scribd.com/doc/16826748/Melo2000Historia-e-Memoria-da-Biblioteca-Publica-do-Amazonas. Acessado em 14.01.2010. 323

Site do Bairro Antônio Bezerra. Com. Br”. http:// www.bairroantoniobezerra.com.br/fundador.php. Acessado em 11.01.2010. 324

Jornal Patria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01. 325

Http://3.bp.blogspot.com/ocuiojgy5js/st9kxjkosi/aaaaaaaakg/egxdyabco/s320/bezerra+de+menezes.jpg

114

Em Manaus, em 25 de março de 1898, antes da criação do Patria, Antônio

Bezerra de Menezes, colaborou juntamente com o Bispo D. Lourenço, Justiniano

Serpa, Luna Alencar, José Beviláqua, Júlio Nogueira e outros para a criação do Jornal

“Iracema”. Este jornal trouxe como subtítulo a frase de Paula Ney, literato conhecido

no período: “Pelo Brasil eu morro; pelo Ceará eu mato” publicada no dia em que

circulou em Manaus, uma edição especial em homenagem à libertação dos escravos

no Ceará.326

Em seu editorial de apresentação, o Patria apresentou ao público a sua proposta

de “neutralidade” política, proclamando-se defensor dos interesses da colônia

cearense no Amazonas. O jornal firmou o propósito de que os seus redatores jamais

seriam exclusivistas e que as suas colunas estariam à disposição para publicar “toda e

qualquer idea justa” que devesse ser levada ao “conhecimento do publico”. Além,

disso o jornal se dizia interessado em “congregar, n’um só pensamento de elevação

moral e material, os cearenses disseminados pelas vastas regiões d’este Estado”.

Eis como se apresentou o Patria para o público no seu primeiro dia de circulação:

Com o apparecimento d’esta Folha, iniciamos hoje a ardua tarefa a que nos havemos imposto, de utilizar a nossa Penna em defeza dos interesses da colonia cearense n’este Estado. Não quer isto dizer que nos absteremos de tratar quaisquer assumptos quando não se relacionarem com a vida e trabalho de nosso coestadanos, de quem temos a ufania de ser orgam na imprensa; porque jamais seremos exclusivistas, e nunca em as columnas da “Patria” deixará de ter agasalho a toda e qualquer idea justa, que deva ser trasida ao conhecimento do publico.

A causa que esposamos, longe de occultar interesses menos dignos e injustificaveis, o que lhe desvirtuaria por certo o seu valor, traduz verdadeiramente o empenho que nos preoccupa, de congregar, n’um só pensamento de elevação moral e material, os cearenses disseminados pelas vastas regiões d’este Estado.

Si de um lado assumimos tamanha responsabilidade que poderá parecer superior á nossa boa vontade, de outro lado sobra-nos coragem para enfrentar na imprensa qualquer obstaculo que porventura se anteponha ao nosso tentamen; e o dizemos com a confiança de que saberemos manter a “Patria” em linguagem reflectida e expressiva de criterio conveniente que deve presidir á sua publicação.

[...] Aconselhados pela boa logica e experiencia dos factos, buscaremos dar á “Patria” uma orientação condigna com os elevados intuitos a que se destina, compromettendo nos d’este modo com a moderação nos embates

326

SANTOS, Francisco Jorge dos e Outros. Op. cit., p. 115.

115

perigosos das paixões humanas. E, conduzimo-nos assim na trilha, por nós estabelecido, a com amor e dedicação á causa cearense, que é a nossa própria causa, cumpriremos a missão difficil, porem nobilitante, que nos ha de levar ao fim que nos propomos. Isto é, á confraternisação dos cearenses, no Amazonas [...].327

2. A Imigração Nordestina para o Amazonas através das páginas do jornal Patria.

Queremos abrir esta parte do nosso trabalho, transcrevendo trechos do artigo

“Nós” publicado pelo Patria. Neste o articulista, além de tratar sobre os motivos da

emigração dos nordestinos para a região, chamando de “fanatizados” os que

emigraram para a Amazônia, fornece-nos indícios para que possamos discutir a

existência ou não de uma possível incoerência política em relação a sua atuação e o

seu programa.

Vejamos o que diz o artigo:

Desde muito se fazia sentir a necessidade da criação de um jornal que advogasse os direitos da colonia cearense.

A seca de 1877 devastando a terra do Ceará forçou aos filhos daquella desventurada região a virem pedir a Amazonia o agasalho e amparo que generosamente dispensa aos que buscam trabalhos.

E desse tempo em diante não teve mais limite a torrente da emigração daquelle para este Estado e nem se poderá mais impedil-a, taes são as descripções risonhas e encantadoras que das riquezas do grande rio fazem os que ao lar regressam, tornando ao seu El-Dourado quase sempre acompanhados de innumeros fanatizados, que abandonam a terra do berço animados da mesma idea.

Começa aqui o terrivel desengano. Quando esses infelizes não encontram a morte nos rigores dos seringaes

em vez da fortuna que tão deliciosamente sonharam, roubam-lhe desalmados vampiros grande parte do producto do seu trabalho e mais a honra, pois que não é raro ouvir-se-lhes a dolorosa historia do defloramento de uma filha, do rapto de uma esposa muitas vezes a força d’armas.

Quem é que não sabe como são feitos os fornecimentos aos pobres siringueiros? Alem do exageradissimo preço dos generos de primeira necessidade lança-se-lhes ainda 20, 30% sobre toda a importancia, que será descontada do que tiverem produzido de borracha durante o fabrico.

327

Jornal Patria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01.

116

Assim, caso algum desses não se desobrigue do seu debito, fica desde então privado de sahir do logar e é vigiado como um criminoso. Muitos, sabe-se por aqui, passam vida mais miseravel que a do antigo escravo, e, no entanto, nós estamos felizmente em pleno dominio da liberdade.

Para o fim de unir, defender e distribuir protecção aos nossos irmãos espalhados nesta riquissima região, é que fundamos o nosso jornal, o qual, temos fé não se desmandará da norma de conducta que lhe é traçada no artigo programma.

Brevemente começaremos as nossas reclamações a respeito de diversos assumptos, que estão a exigir urgentemente a nossa attenção, e então mais uma vez hão de conhecer os que nos julgam apaixonadamente, que nós neste Estado só queremos que se nos faça justiça e que sejam respeitados os nossos direitos [...].328

O texto acima transcrito aponta duas questões que queremos discutir. A primeira

diz respeito à forma como o jornal percebeu grande parte dos imigrantes nordestinos

que vieram para a região e a segunda o desconforto do redator para com os que

criticavam o referido jornal. Neste capítulo queremos discutir como o jornal da colônia

cearense percebeu os seus próprios conterrâneos, já que fazia parte do seu texto

programa à defesa dos “interesses de todos os cearenses n’este Estado.” 329

Neste sentido, antes de passarmos à análise da fala do mesmo, parece-nos

oportuno para evitarmos o equívoco do anacronismo, trazer para esta discussão uma

inquietação, porque é análoga a nossa: a inquietação vivenciada por Maria Luiza

Ugarte Pinheiro quando estudou os estivadores em Manaus, na virada do século XIX

para o século XX. Ao comentar a sua experiência no processo da pesquisa acerca das

vivências dos trabalhadores da estiva do porto de Manaus, a partir da utilização dos

jornais, Maria Luiza Ugarte Pinheiro afirmou que a leitura dos textos jornalísticos

demandou

(...) cuidados especiais, principalmente no que dizia respeito ao reconhecimento do “lugar social” de onde suas falas eram pronunciadas. Não sendo falas neutras, a própria forma de “dizer” uma determinada notícia, ou mesmo não dizer nada, guardava relação com um conjunto de tensões sociais subjacentes que cabia investigar para não incorrermos no equívoco da neutralidade. Tomar estes jornais como sendo representantes de algo do tipo “classes dominantes” também não ajudaria muito, posto que se não existe uma “classe trabalhadora” única, homogênea, o mesmo se aplica para “classe dominante”.330

328

Jornal Patria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01. 329

Jornal Patria. Manaus, 04 de outubro de 1898, nº 03. 330

PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Op. cit., p. 29.

117

Trouxemos para nossa discussão a experiência acima citada, porque queremos

discutir o “lugar social” do jornal em relação aos emigrantes que abandonavam “a

terra do berço” para vim para o Amazonas. Assim, a forma como o diário percebe os

imigrantes que um dia vieram para a região e regressaram para a terra natal, são de

pessoas infelizes, pois foram no mínimo enganados quanto ao paraíso que aqui

encontrariam.

Ao afirmar que a partir de 1877 “em diante não teve mais limite a torrente da

emigração” do Ceará para o Amazonas por causa das “descripções risonhas e

encantadoras” sobre as “riquezas do grande rio” por parte dos que ao lar regressavam,

o redator do jornal denuncia que os imigrantes foram enganados e tiveram seus filhos

violados.

Se não é conveniente tomarmos a fala do redator do jornal da Colônia Cearense,

como uma fala dos representantes das “classes dominantes”. Acreditamos não ser fora

de propósito considerarmos que ela possuía um certo grau de proximidade com os

grupos sociais que tinham prestígio na sociedade local. Decerto esta proximidade com

os que usufruíam de algum privilégio na região, autorizava os redatores a pensar os

imigrantes conterrâneos pobres como “infelizes” e “fanatizados”, porém, isso não

impediu que vissem o que os proprietários estavam fazendo a estes nos seringais.

E com relação à questão do desconforto dos redatores para com os que

criticavam o jornal? Para discutirmos essa idéia e outras como a manifestação do

pensamento político moderado contido no programa do jornal, assim como a de

defesa “dos direitos e interesses de todos os cearenses” no Estado segue abaixo um

artigo intitulado: “A nossa causa” da lavra do próprio jornal que o mesmo divulgou em

4 de outubro de 1898. Subjacente às estas, o jornal também pregava o interesse de

“congregar” os “conterraneos”, isto porque segundo ele a união de todos os cearenses

na região seria necessária para o “caminhar a passos largos, com geral enthusiasmo,

em busca do futuro”.

Neste sentido, observemos o artigo:

A nossa causa Queremos crer que temos iniciado com o melhor acolhimento, no meio

social em que vivemos, a missão honrosa de congregar os nossos conterraneos, no Amazonas.

118

E isto nos é mais um incentivo para levar por deante, com abnegação e denodo, a defesa moderada, mas irresistivel, da ideia que sustentamos, e que deve synthetisar as justas aspirações da Colonia Cearense.

[...] A magnitude do assumpto, constitutivo da causa que advogamos, tem por base os direitos e interesses de todos os cearenses, n’este Estado, e d’ahi nasce a necessidade inadiável, que lhes toca, do seu concurso na grande obra de nossa propria elevação moral.

[...] Devemos pois marchar unidos sob os mesmos sentimentos moraes, e não medir sacrificio, afim de que, depois embora de muito tempo de fadigas e aborrecimentos, que significam certamente a melhor prova de quem lucta em sustentando uma ideia ou doutrina, possamos garantir a consecução dos nossos intuitos, pela agremiação dos cearenses n’este Estado.

[...] Entretanto a nossa causa ganha terreno nos espiritos bem intencionados, e apenas cumprimos o dever de fazer sentir o indifferentismo com que alguns cearenses, menos acostumados á inspiração das grandes ideias, nos lêem na imprensa, e infelizmente continuam afastados de nós, dominados talvez de qualquer suspeita infundada, e faltando por conseguinte á directa e natural obrigação que se lhes impõe actualmente, de prestar-nos os seus serviços, agora mais que nunca reclamados pelo interesse commum da Colonia Cearense á que pertencem.

A esses que assim procedem, resta-nos a franqueza de dizer que, muito embora não se disponham a entrar comnosco em o campo de combate, onde pelejamos, encontrarão sempre da nossa parte a mesma garantia de que somos capazes, e a mesma liberalidade que costumamos dispensar aos cearenses indistintamente.

[...] Convem a união, por que nos interessamos, para poder a Colonia Cearense, no Amazonas, estabelecendo auxilio mutuo entre os nossos conterraneos, caminhar a passos largos, com geral enthusiasmo, em busca do futuro.331

Embora em seu texto de apresentação o jornal tenha pregado que aceitava

críticas e não se importava com as advindas dos seus opositores, 332 constatamos certo

desconforto do redator para com as que vinham. Segundo o artigo, o problema era

que “alguns cearenses menos acostumados á inspiração das grandes ideas, nos lêem

na imprensa, e infelizmente continuam afastados de nós, dominados talvez de

qualquer suspeita infundada (...).”333 E numa atitude de pouco caso e auto-suficiência

em relação aos conterrâneos “indiferentes”, logo mais à frente o redator assegurava

que:

331

Jornal Patria. Manaus, 04 de outubro de 1898, nº 03. 332

Idem. 333

Ibdem.

119

A esses [cearenses] que assim procedem, resta-nos a franqueza de dizer que, muito embora não se disponham a entrar comnosco em campo de combate, onde pelejamos, encontrarão sempre da nossa parte a mesma garantia de que somos capazes, e a mesma liberalidade que acostumamos dispensar aos cearenses indistinctamente. 334

Para pensarmos o problema da moderação política do jornal queremos lembrar

que no início deste capítulo observamos o currículo de Antônio Bezerra de Menezes.

Como vimos anteriormente o diretor do jornal nascido de família proprietária e

influente em Quixeramobim, no Ceará, colaborou antes de se mudar para Manaus,

onde viveu entre os anos de 1896 e 1901 com vários jornais335 e teve uma influência

política no governo do conservador Caio Prado,336 Presidente da Província do Ceará.

Vale observar que apesar dessas experiências de Antônio Bezerra de Menezes, isto não

o impediu de denunciar os desmandos contra os imigrantes na região.

Com esse currículo de moderação política porque acreditava nos riscos que os

“embates perigosos das paixões humanas” poderiam acarretar à atividade jornalística,

o diretor do jornal, imprimiu ao diário da Colônia Cearense “uma orientação condigna

com os elevados intuitos a que se”337 destinava o jornal: o da moderação. A defesa

desta postura se apresenta no artigo da seguinte forma: “E isto nos é mais um

incentivo para levar por deante, com abnegação e denodo, a defesa moderada, mas

irresistivel, da ideia que sustentamos, e que deve synthetisar as justas aspirações da

Colonia Cearense.” 338

Embora a sua maneira, o diário expusesse em suas páginas as mazelas da

sociedade manauara, este sempre o fazia de forma moderada e conciliadora. Um

exemplo típico do que estamos dizendo está expresso na matéria publicada em 13 de

dezembro de 1898, sobre o Hospício Eduardo Ribeiro.

Vejamos a matéria a seguir:

334

Ibdem. 335

Site Bairro Antônio Bezerra. Com.Br, http://www.bairroantoniobezerra.com.br/fundador.php. Acessado em 11.01.2010. 336

NEVES, Frederico de Castro. Op. Cit., p. 99. 337

Jornal Patria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01. 338

Jornal Patria. Manaus, 04 de outubro de 1898, nº 03.

120

Hospicio Eduardo Ribeiro Mais uma vez chamamos a attenção do coronel chefe da Secretaria da

Industria para o estado deste Hospicio. Os doentes tem morrido de beribéri e S. S. está sciente disto; mas até

hoje ainda não deu providencias para serem removidos aquelles pobres enfermos que vão buscar a cura encontram a morte, não pela loucura, mas pelo beriberi.

Não queremos com isso magoar ao illustre secretario, apenas pedimos-lhes que lance suas vistas para aquelle estabelecimento digno de melhor local para recolher os alienados.

Esperamos que o illustre coronel Pedro Freire, caridoso, como é, fará mais esse beneficio aos desgraçados loucos que estão recolhidos ao Hospicio, mandando-os remover para um outro predio que tenha Hygiene, para assim salvar aos poucos doentes que alli existem.339

Esta relação de bom convívio do jornal com o poder parece não ter ficado

restrita apenas em nível local. Em 29 de junho de 1899, no dia do aniversário de morte

do ex-presidente Floriano Peixoto, o jornal ofereceu numa homenagem póstuma um

artigo intitulado: “Floriano Peixoto”.

Neste o redator após tecer uma série de elogios ao ex-presidente da República

explicita um dos princípios contidos no programa do jornal que é o da moderação

política:

Não é facil tarefa o commmemorar d’heroes. O simples nome de Floriano Peixoto, recorda, por uma associação de

idéas, o passado glorioso do heróe, uma phrase de angustia da Patria, o laurel conquistado pelas armas republicanas contra os inimigos da estabilidade das instituições, contra os irmãos degenerados que provocaram o baptismo de sangue da Republica Brazileira.

Floriano, o representante da Lei, o representante da Justiça e do Direito, o depositario dos nossos brios na pavorosa revolta, que escureceu por longos mezes o sagrado horizonte da politica republicana – triumphou galhardamente, brioso e altivo, da ameaça tenebrosa que vinha do mar, e com elle triumphou a Patria, com elle salvou-se a Republica, com elle cercou-se o Governo de uma atmosphera de respeito, que até então não existia.

A consolidação da Republica, deve á coragem e ao prestigio magestoso do glorioso extincto, o trabalho ingente de uma lucta precisa, mas dolorosa, á qual tudo elle sacrificou: até as caricias do lar, até a propria vida.

(...) Errou, algumas vezes, é certo: mas errou pelo braço e pelo cerebro dos seus auxiliares, errou quando teve ao seu lado a ambição de Custodio de Mello, errou querendo servir a, e pensando ser util á Republica.

E quem não erra?!

339

Jornal Patria. Manaus, 13 de dezembro de 1898, nº 57.

121

Quem até hoje, no mundo, viveu sem cahir n’uma falta, sem ter uma hesitação, sem enganar-se na confiança depositada nos outros?!340

Não se sustenta muito a idéia de defesa “dos direitos e interesses de todos os

cearenses” no Estado. Não encontramos nas páginas do “Patria”, além das denúncias

do que aconteciam nos seringais, notícias que dessem conta de que o jornal em

alguma situação tivesse saído em defesa dos direitos e interesses dos imigrantes

pobres na cidade. Até mesmo o sentido da expressão “Colônia Cearense” no

Amazonas, parece ter atendido apenas ao grupo social de cearenses que saiu de sua

terra natal com algum recurso ou um ofício.

Se por um lado não encontramos notícias que nos fornecessem indícios de que o

jornal Patria defendia os “direitos e interesses de todos os cearenses” no Estado,

conforme ele divulgava, por outro encontramos uma série de notícias em destaque

que diziam respeito aos seus conterrâneos que possuíam de algum modo prestígio na

sociedade local. Estes geralmente eram comerciantes, funcionários públicos ou

profissionais que trabalhavam por conta própria na cidade.

Eram notícias sobre notas de falecimentos de pessoas ilustres como foram os

casos das mortes do coronel Miguel Leite Barbosa, “irmão do nosso distincto amigo

conego Leite Barbosa”, vigário da cidade de Lábrea, município do Amazonas e da

“distinctissima esposa do nosso illustrado amigo dr. Guilherme Stuart”341; notícia

também de falecimento na cidade de Tamboril, no Ceará, “do nosso coestadano dr.

José Xerez que exercia” naquela comarca o cargo Juiz de Direito;342 nota de “sinceros

pesames, especialmente” para “os nossos distinctos conterraneos, Dr. Martinho

Rodrigues, Desembargador Abel Garcia e José Martins”343.

Encontramos também, informações sobre as viagens de comerciantes para o

interior do Estado como as do “conterraneo e amigo Julio Gaspar de Oliveira,

acreditado negociante” que seguiu para o Javari no vapor João Alfredo e do “nosso

collega” José Martins que seguiu há dias para a cidade de Borba afim de assumir o

340

Jornal Patria. Manaus, 29 de junho de 1899, nº 157. 341

Jornal Patria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01. 342

Jornal Patria. Manaus, 05 de outubro de 1898, nº 04. 343

Idem.

122

cargo de Promotor de justiça344; a viagem do “illustre amigo dr. Marcos Madeira” para

o rio Purus onde foi “offerecer gratuitamente” à Fraternidade Cearense os seus

serviços médicos para “todos os cearenses que estiverem no caso de recebel-os;”345

noticias de aniversários como foram os do “sr. dr. Paiva, advogado no foro desta

cidade”346 de Manaus e da “Exna D. Maria Adalgiza Taleus Ramos, esposa do nosso

Exmº Dr. Clementino Ramos”;347 de visitas como foram as do “conterraneo dr.

Bonifacio de Almeida” que veio “nos trazer o abraço de confraternização”348 e do

“patricio e amigo Jose Gomes de Moura Martins proprietario do seringal Cantagallo no

Rio Purus o qual seguirá em breve para a praça do Pará”.349

O jornal publicava também a chegada à cidade das autoridades vindas do interior

do Estado do Amazonas como, por exemplo: notícias da chegada a Manaus “dos

conterraneos”, o deputado estadual, Avelino e do advogado no Rio Madeira,

Raymundo Joaquim da Silva que foram “passageiros do vapor Brazil, chegado hoje”350

no porto da cidade; a chegada também à capital manauara do comerciante “o nosso

presado patricio e amigo Raymundo de Brito” vindo do Javari que segue para o Ceará

em visita a família,351 como também a chegada do “habil xilographo cearense

Nicephoro Moreira” que vem para Manaus para dirigir o trabalho no “jornal illustrado

que se intitulará ‘O Marapatá’” que “sahirá às quintas e domingos”.352

Portanto, pelo que foi possível depreender da leitura dos exemplares disponíveis

no acervo do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, o jornal Patria durante o

período em que circulou em Manaus, entre os anos de 1898 a 1899, elegeu para

ilustrar as suas páginas os grupos sociais de cearenses que possuíam algum prestígio

na sociedade local. Possivelmente isto ocorreu porque os seus redatores não se

344

Jornal Patria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01. 345

Jornal Patria. Manaus, 04 de outubro de 1898, nº 03. 346

Jornal Patria. Manaus, 30 de agosto de 1898, s/n 347

Jornal Patria. Manaus, 05 de outubro de 1898, nº 04. 348

Jornal Patria. Manaus, 02 de outubro de 1898, nº 02. 349

Jornal Patria. Manaus, 06 de outubro de 1898, nº 05. 350

Jornal Patria. Manaus, 02 de outubro de 1898, nº 02. 351

Jornal Patria. Manaus, 1º de marco de 1899, nº 117. 352

Jornal Patria. Manaus, 05 de outubro de 1898, nº 04.

123

identificaram com os “innumeros fanatizados” que abandonaram “a terra do berço”353

para vim para o Amazonas.

Subjacente ao terceiro ponto acima discutido, ou seja, o de que o Patria defendia

os “direitos e interesses de todos os cearenses” na região, o “Orgam da colonia

cearense” também pregava o interesse de “congregar”, “indistinctamente” os

“conterraneos” no Amazonas.354 Sobre esta questão, a exemplo da anterior, também

não encontramos notícias que nos fornecessem indícios de que o interesse do diário

levasse em consideração de fato os imigrantes sem recursos que viviam na cidade.

A fala dos jornalistas nesse sentido parece ter ficado restrita apenas ao campo da

produção textual. O jornal tinha numa de suas principais colunas, um espaço reservado

aos “Estudos sobre o Ceará e os cearenses”. Nesse espaço, um lugar especial para

pensar atentamente o homem cearense não somente em relação ao seu território

como também no que diz respeito à educação, inteligência e coragem. O cearense que

trabalhava no pesado para conseguir o pão de cada dia era objeto de reflexão. Nesse

espaço reservado no jornal, não cabia ao redator pensar o cearense como: infeliz,

desgraçado, faminto, pária e/ou considerá-lo “fanatizado”. Um exemplo disso pode ser

extraído da reflexão produzida e divulgada na edição do dia 06 de outubro de 1898.

Estudos sobre o Ceará e os cearenses Quem estuda attentamente o homem cearense em relação ao seu

territorio, a sua educação, sua intelligencia, sua coragem, vida aventurosa, tendencias para as lettras, meios de que se serve para impor-se onde quer que se ache, selvaria das paixões, actos de abnegação e grandeza d’alma na realisação de nobres commettimentos, inexcedível resignação antes os rigores de seu clima e estragos das seccas, entranhando amor á terra do berço da qual jamais se esquece, conclue que é elle uma excepção no paiz, isto é, que tem caracteristicos differentes entre os demais filhos do norte e do sul.

Victor Tissot disse que a Hungria era uma excepção na Europa, e eu penso que o mesmo se pode dizer a respeito do Ceará.

Situado ao norte do continente sul americano o atlantico deu ao seu territorio quase que a mesma forma e relevo do continente africano, que lhe fica fronteiro, e grande parte do interior Berta em extensos taboleiros que aos ardores do sol do verão se despem a ligeira vegetação, semelha em muito por esse tempo aos campos do continente negro.

Há logares que são verdadeiros desertos, e em geral o terreno tem feição diversa da dos outros Estados.

353

Jornal Patria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01. 354

Jornal Patria. Manaus, 04 de outubro de 1898, nº 04.

124

O seu subsolo é todo forrado de uma camada de granito mais ou menos espessa, onde as aguas das chuvas se mantêm, de sorte que aberto um poço, logo que na excavação se chega a pedra, desapparece a agua.

Pela sua posição septentrional na curva que faz o continente para este, fica elle batido dos ventos alisios e sujeito as terriveis calamidades das seccas. Querem alguns que para isso mais influam causas meteorologicas.

Quero crer que ainda realisados os melhoramentos aconselhados pela sciencia, como construcções de grandes açudes, repovoamento das mattas com arvores apropriadas a attrahirem as chuvas, as seccas serão eternamente o flagello daquella desventurada região.

Em uma terra onde não ha caça e muito menos pesca, onde a sua principal riquesa é a criação de gados, toda a vez que a secca se apresenta, torna-se Ella um verdadeiro Sahara não dando mais signal algum de vida.

As vezes levo a pensar si os primeiros povoadores, Pedro Coelho de Souza ou os missionarios Francisco Pinto e Luiz Figueira, estes principalmente que eram homens de talento e instruidos, não influiram para que se denominasse a nova terra de Sahara em visto das dunas que orlavam as praias em grande extensão á semelhança do desolado deserto.

As duas palavras quase que se confundem na pronunciação, e a muita gente tenho eu ouvido chamar Sahará.

Esta questão de origem da palavra Ceará ainda não foi decidida. Há de ser mais

tarde.

Seja como for, é a inexorabilidade das seccas que traz para o cearense a sua distincção, sua superioridade, a sua gloria, pois que não tendo que confiar nos recursos da natureza, vae procural-o por toda a parte do universo.

Sóbrio, affeito ao trabalho pesado para conseguir o pão de cada dia, é educado desde criança na eschola da adversidade e do sofrimento. Não tem que estranhar tormentos.355

3. O jornal Patria: O Ceará mais perto do Amazonas

Nesta última parte do nosso trabalho queremos tratar de outro aspecto que

marcou a existência do Patria durante o período em que circulou em Manaus: o

aspecto da aproximação cultural. Isto é, o jornal fazia com que os nordestinos de modo

geral que viviam em Manaus e não apenas os cearenses propriamente ditos se

sentissem mais próximos do seu lugar de origem.

É provável que a maior parte dos imigrantes nordestinos no Estado, no período

estudado, por motivo do analfabetismo e ou das precárias condições financeiras em

que viviam não lessem o jornal. Entretanto, o número de tiragem deste: 2000

355

Jornal Patria. Manaus, 06 de outubro de 1898, nº 05.

125

exemplares e os dados relativos à sua assinatura no interior do Estado sugerem que

ele era bastante lido não somente entre os nordestinos que possuíam algum recurso

na sociedade local e que sabiam ler, embora saibamos que mesmo para os iletrados,

existem inúmeras formas de ler uma notícia.

Para esses imigrantes que tinham acesso ao jornal este era mais do que uma

fonte de informação para obter notícias da terra natal. Ele era um elo entre o Ceará e o

Amazonas: uma janela em que o imigrante poderia matar um pouco da saudade da

terra onde nasceu. Lendo o jornal o imigrante cearense – mas, não somente ele – que

vivia em Manaus se sentia mais próximo do seu lugar de origem. Foi esse o sentido que

percebemos na carta escrita pelo leitor Pedro Olympio Gundim à redação do jornal, no

primeiro dia que este começou a circular na cidade. Gundim afirma na carta que todo

cearense que vive no Amazonas “deve sentir um jubilo (...) ao ver nascer n’uma terra

onde o braço do Cearense tem feito em maior parte o seu progresso, a sua elevação,

um jornal que se destina, não só defender os seus conterrâneos, como também

protegel-os.”

Eis o que diz o leitor na sua carta ao jornal:

ILmo SR. REDACTOR – Eis um momento em que não posso deixar passar por desapercebido o nome de minha patria e o de seus filhos.

Eis um momento em que todo o Cearense deve sentir um jubilo, jubilo esse que os corações mais pobres de amorosidade tambem devem sentir, ao ver nascer n’uma terra onde o braço do Cearense tem feito em maior parte o seu progresso, a sua elevação, um jornal que se destina, não só defender os seus conterraneos, como tambem protegel-os.

O’conspicuo Cearense que teve essa Idea cheia de patriotismo e nobresa, eu envio-vos por estas poucas e mal escriptas linhas, as mais cordéas felicitações, desejando que, seja sulcada de muitas rozas á missão espinhosa que acabais de abraçar.356

É possível que os produtores do jornal tivessem consciência de que além da idéia

de informar os conterrâneos que viviam no Amazonas sobre os acontecimentos

ocorridos no Ceará, o jornal também tivesse que promover no imigrante as

recordações da terra natal. Assim como foi comum encontrarmos nas páginas do

356

Jornal Patria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01.

126

Patria, afirmações de que dependia unicamente da “colônia cearense o seu bem estar

no Amazonas,”357 foi comum também encontrarmos textos que convidavam o

imigrante que vivia em Manaus a fazer um passeio na terra onde ele nasceu, por meio

da leitura de suas paginas.

Um exemplo disso pode ser percebido no artigo escrito pelo jornal sobre a

cidade de Fortaleza em 11 de novembro de 1898. Neste o jornalista comentando a

topografia da cidade afirma que esta tem “um aspecto bello e mesmo sumptuoso,

rivalisando em apuros de limpeza e respeito a hygiene, com a renascente Maceió;

tendo, apenas Fortaleza, a palma da victoria.” Ao tratar sobre a arquitetura da cidade

o redator do jornal convida o leitor a visitar através das suas páginas: o edifício da

Alfândega; o Tesouro Estadual; a igreja da Sé; o edifício dos Correios; o Passeio

Público; a Praça José de Alencar; o Mercado Público; o edifício da Assembléia Estadual;

a Praça do Ferreira; o Palácio da Intendência e em fim o “Porto Policial.”

Para este passeio o redator do Patria faz a seguinte proposta para o leitor:

[Imagine-se a partir de] agora no Centro da cidade [de Fortaleza], e seguindo a linha de Bond “Ferril Carril Ceará” tomada em frente ao edifício da Alfandega. O primeiro que se vê, é o “Thesouro Estadual”, bom estabelecimento, que fica justo ao quartel de que fallamos. Em frente está a Sé, que é uma egreja importante, e, desde que se volta a Rua da Bôa Vista, hoje Floriano Peixoto, vêr se no fim d’esta o edificio do “Correio”, que não é mão e fica em frente ao Passeio Publico, com grande movimento, porem menor que o de Pernambuco e Bahia. Este bem organisado.

Passando a “Praça José de Alencar”, tem-se ao lado esquerdo o “Mercado Publico”, e ao direito o “Banco do Ceará”, que acha-se em um bom edificio; e que, no tocante ao seu movimento, pode dizer-se notavel; sendo ele assignatar-se a “Caixa Filial do Banco de Pernambuco, que occupa o pavimento inferior do Palacete do Barão de Ibiapaba.

O “Mercado Publico” do Ceará, que está na “Praça José de Alencar”, é elevado, espaçoso, todo de ferro, é inquestionavelmente o melhor de todo o Brazil. Em forma de uma mesquita, em tres corpos, tem muito asseio e muita ordem. Ahi só se vende carne e peixe; para o commercio de verduras e fructa, existe um barracão coberto de zinco, destinando-se o mercado velho, que ainda se reconstrue ao de cereaes [...].358

357

Jornal Patria. Manaus, 02 de outubro de 1898, nº 02. 358

Jornal Patria. Manaus, 11 de novembro de 1898, nº 34.

127

Porém, além de reavivar a memória dos imigrantes sobre sua terra natal, o jornal

também tinha como propósito informar aos conterrâneos que viviam no Amazonas

sobre os acontecimentos que ocorriam no Ceará. Este constantemente trazia em suas

páginas notícias sobre: a política cearense; notícias sobre a seca e as chuvas que

ocorriam no seu território; serviços de utilidade pública com assuntos relacionados ao

Amazonas; notícias de saídas de emigrantes do Ceará para outras regiões do País;

acontecimentos de festas religiosas e outras notícias das mais diversas que aconteciam

no Estado.

O diário atualizava seus leitores com informações que iam do lazer à política. Em

relação à política o Patria trazia para os cearenses residentes em Manaus fatos dos

mais diversos, como por exemplo: o de que até “o presente” momento ainda não

havia sido “reconhecido o deputado eleito” para ocupar a vaga do Coronel Bezerril e

ainda a notícia do prosseguimento “dos trabalhos da Estrada de Ferro de Baturité, da

estação de Quixaramobim a de Humaytá”;359

Entre tantas outras informações o jornal noticiou a inauguração da linha

telegráfica ligando a cidade de Aracati à Icó. Esta linha, segundo o jornal possui uma

“extensão de 270 kilometros” e servirá as “cidades de S. Bernardo das Russas, Limoeiro

e Villa de Jaguaribe-merim”360; As matérias que mais interessavam aos nordestinos

pela gravidade do problema eram ligados à seca. São inúmeros os artigos publicados,

ora informando sobre a iminência de se perder a safra de café:

A actual safra de café de Baturité e, dos de mais centros productores do Estado, foi insignificante. Se faltarem as chuvas costumeiras de Outubro e Novembro será quasi perdida a futura colheita.

O rigor da secca vae causando serias apprehensões. Os generos alimenticios attingem a preços fabulosos. A população agglomera-se na capital em grandes levas com o fim de emigrar para o sul e o norte.361

Ora, informando sobre a devastação que a seca continuava provocando no

Estado do Ceará. Assim, dizia o jornal:

359

Idem. 360

Jornal Patria. Manaus, 13 de dezembro de 1898, nº 57. 361

Jornal Patria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01.

128

A secca continua devastando os sertões. O Estado, órgão da oposição ao governo clama providencias para o

terrivel flagello que vai assolando vertiginosamente o povo e a creação. A situação é tremenda. A população do norte do Estado emigra toda para as margens do Parnayba; a do sul para a capital afim de embarcar para o Amazonas e Mato Grosso. A scena pintada pelo Estado é verdadeiramente dantesca.362

Outras notícias davam conta da emigração de cearenses de sua região para

outras partes do País. É o caso, por exemplo, da informação de que

O vapor Manáos conduziu para Matto Grosso 66 imigrantes. O agente incumbido desse serviço por parte do governo daquelle Estado tem desenvolvido grande propaganda, vulgarisando pela imprensa as vantagens que offerece a permanencia naquelle Estado, e convidando a população indigente a emigrar para o sul.363

Ao contrário das notícias que ocasionavam apreensões nos nordestinos que

viviam no Amazonas, outro tipo de notícia que o Patria divulgava e que era muito bem

vinda pelos leitores eram as notícias das chuvas que começavam a ocorrer no

Nordeste. Constantemente o jornal dava destaque para este tema, possivelmente

porque os seus redatores tivessem consciência da relação estreita e de apreço que os

nordestinos tinham – e ainda hoje têm – com as chuvas. Vejamos o exemplo abaixo:

O inverno continua rigoroso. Na primeira quinzena do corrente mez os pluviometros recolheram aqui 306 millimetros d’agua.

As chuvas são geraes em todo interior e nos sertões, que communicam com o Estado do Rio Grande do Norte.

Da Parayba chegaram noticias declarando que o inverno tem estado alli magnífico.364

Algumas notícias vinham em forma de “serviço de utilidade pública”. Geralmente

eram informações que diziam respeito a assuntos de mortes ocorridas no Amazonas.

Na secretaria de Justiça está depositado o espolio de João Antonio dos Santos, vindo de Manáos, fallecido a bordo do paquete “Manáos”, entre os portos de Maranhão e Amarração.

362

Jornal Patria. Manaus, 04 de outubro de 1898, nº 03. 363

Jornal Patria. Manaus, 02 de outubro de 1898, nº 02. 364

Jornal Patria. Manaus, 22 de fevereiro de 1899, nº 112.

129

O finado era solteiro, natural deste Estado e contava 22 annos de idade.365

Notícias mais alegres e festivas também se sobressaiam nas páginas do diário

como as das festas religiosas que aconteciam na capital cearense. A “Kermesse”, por

exemplo, “promovida pela ‘Sociedade Auxiliadora dos Templos’ em favor da egreja de

N. S. do Carmo”, ganhou destaque em uma de suas colunas. Sobre esta festa dizia o

jornal: “Teve grande concurrencia e brilhantismo a Kermesse promovida pela

“Sociedade Auxiliadora dos Templos” em favor da egreja de N. S. do Carmo. Foi uma

festa de magnifiencia rara.”366

Assim como acabamos de ver, o jornal Patria parece ter cumprido um dos seus

objetivos que era o de informar aos seus conterrâneos que viviam em Manaus e no

interior do Estado, sobre os acontecimentos dos mais diversos que ocorriam no Ceará.

Mas, isso não significa dizer que o jornal tenha se limitado apenas a tratar das notícias

relacionadas a este Estado. O diário da Colônia Cearense divulgava notícias, de outras

regiões do país como, por exemplo: do Estado de São Paulo que trazia a informação

sobre a situação da produção de café. Sobre esta ele publicava que “nunca houve

tanto café disponível” no Brasil. Que devido essa situação “Não se pode prever quando

começará a melhorar este estado de cousas, verdadeiramente angustioso”367. Do

Estado de Minas Gerais, o jornal informava de que eram bastante animadoras as

notícias que estava recebendo da zona da mata, onde as chuvas já teriam aparecido,

despertando com elas as esperanças de boa colheita que a longa estiagem ia fazendo

se perder 368. Da Bahia a notícia que vinha era sobre “o terrível flagello” que a

população do povoado de “Veados” estava sofrendo por causa da seca. 369 da Capital

Federal, ou seja, do Rio de Janeiro o jornal informava a notícia de que a comissão de

orçamento da Câmara dos Deputados “proporá o imposto de renda individual.” 370

Sobre o Estado do Pará o jornal divulgava a informação que o governo tendo resolvido

não introduzir mais imigrantes do Rio Grande do Norte, no seu próprio Estado,

365

Jornal Patria. Manaus, 13 de dezembro de 1898, nº 57. 366

Jornal Patria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01. 367

Jornal Patria. Manaus, 22 de dezembro de 1898, nº 64. 368

Jornal Patria. Manaus, ? de maio de 1899, nº 120. 369

Jornal Patria. Manaus, 22 de dezembro de 1898, nº 64. 370

Idem.

130

“devolveu para o nosso a quantia de 13:487$000 que para alli havia sido remettida

afim de ser empregada nesse serviço”371. Notícias internacionais também apareciam

em suas páginas. Exemplo desse tipo de notícia veio da Rússia. Sobre esta informava

que em São Petersburgo “commemorou-se com grandes festas o anniversario da

coroação do imperador Nicoláo II.372

Como o foco deste estudo neste capítulo é a imigração nordestina para o

Amazonas, através das páginas do jornal Patria e neste tópico a nossa preocupação era

identificar as notícias do Ceará que o jornal trazia para os seus conterrâneos do

Amazonas, procuramos priorizar estas notícias em detrimento de outras provenientes

dos demais Estados. Neste sentido relacionamos apenas os exemplos acima

mencionados para dizermos que o Patria não se restringiu em divulgar apenas notícias

provenientes do Ceará, apesar de que uma parte considerável delas dizia respeito a

este Estado.

Mas, o jornal da Colônia cearense no Amazonas não divulgou apenas as notícias

dos acontecimentos que ocorriam no Ceará. O diário publicava também os mais

diversos fatos ligados aos cearenses que viviam em Manaus, como por exemplo: as

notícias de viagens de conterrâneos para outros Estados, como foi o caso da viagem do

“nosso distincto conterraneo e amigo, Alcides Mendes” que seguiu para o Pará no

vapor “Continente”373; a notícia de visitas “ilustres”, como foi a do “nosso amigo e

conterraneo” Arthedouro Borges de Oliveira, “digno Promotor de Justiça de Manicoré”

que “Veio nos trazer o seu abraço de confraternisação”374; a notícia das visitas de

Herminio Passos e Horacio Passos, comerciantes no Rio Purus375; como também a

notícia da chegada dos conterrâneos em Manaus: Faiz Benvindo de Vasconcellos que

“Chegou do Rio Jutahy bastante doente”; 376 do “illustre Cearense, sr. dr. Francisco

Bezerra de Menezes, distincto advogado, orador e jornalista” que deve “chegar breve

371

Jornal Patria. Manaus, 11 de novembro de 1898, nº 34. 372

Jornal Patria. Manaus, 29 de junho de 1899, nº 157. 373

Jornal Patria. Manaus, 05 de outubro de 1898, nº 04. 374

Jornal Patria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01. 375

Jornal Patria. Manaus, 06 de outubro de 1898, nº 05. 376

Idem.

131

á esta capital”377 e por fim a notícia da chegada do capitão José Joaquim de Aguiar

“abastado negociante do Purus” que “passou nesta capital de viagem para o Ceará”.378

Além das notícias acima o Patria também divulgava as festas religiosas que

ocorriam em Manaus. Como no Ceará e nos demais Estados do Nordeste, os festejos

de Nossa Senhora da Conceição eram bastante valorizados e como aqui em Manaus

existia – e ainda hoje existem – os mesmos festejos, haja vista, que a padroeira do

Amazonas para os católicos, também é Nossa Senhora da Conceição, o jornal publicava

com muito interesse os acontecimentos ligados a estes. Vejamos como o jornal

noticiou a preparação das “novenas da Conceição” que ia acontecer na cidade:

No dia 29 do corrente começarão na Cathedral as novenas da Conceiçao. Estamos informados que as commissões encarregadas de seu

desempenho trabalham activamente para dar toda pompa, todo deslumbramento a esta festa que terminará no dia 08 de dezembro.

Preparam-se muitas barracas, flores, canticos, etc. Promete ser uma explendida festa religiosa.379

Em dezembro, logo após o fim dos festejos mencionados acima, o jornal publicou

a seguinte matéria:

Festa da Conceição Hontem com toda pompa e solemnidade celebrou-se a missa cantada de

N. S. da Conceição. A tarde desfilou-se pelas ruas desta capital sahindo da Matriz a procissão, notando-se em todos que a seguirao o prazer indizivel de que se achavam possuidos em acompanharem aquella que tem sempre um olhar doce para seus filhos.

Para abrilhatamento da festa compareceram as Exmas. Professoras dª Custodia Carneiro, Maria Amalia de Sampaio, Julia Grana e Theresa Monte-Mair, com suas alumnas, todas de branco, n’uma adoração de virgens á aquella outra que hoje é do céu, mas, que tem na terra um céu de doçura.380

Assim como havia uma preocupação em noticiar fatos como estes acima, que

ocorriam em Manaus e que possuíam uma relação direta com os nordestinos que aqui

viviam, o jornal também cuidava de divulgar uma agenda cultural de autores

377

Jornal Patria. Manaus, 12 de setembro de 1899, nº 212. 378

Jornal Patria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01. 379

Jornal Patria. Manaus, 11 de novembro de 1898, nº 34. 380

Jornal Patria. Manaus, 13 de dezembro de 1898, nº 57.

132

nordestinos que publicavam suas obras no Amazonas. Exemplos dessas agendas

foram: a notícia de que “Na proxima quinta feira” o próprio jornal Patria publicará “a

primeira produção literária do nosso patricio e amigo Dr. Benicio Sidou que a assignará

com o pseudonymo Diabinho”; 381 a notícia de que estava confirmado o aparecimento

do próximo livro do “brilhante literatto Papi Junior” intitulado: “O Simas”, um

“romance de costumes cearenses” que “constitue um forte volume de 650 paginas”382

e por fim a notícia de que Themistocles Machado, poeta que trabalha ativamente na

elaboração de um “sensacional romance de costumes amazonenses e cearenses”,

intitulado: “A Victima”383.

A exemplo do que o jornal fazia para o Ceará com algumas notícias relacionadas

ao Amazonas, prestando aos seus leitores uma espécie de serviço de utilidade pública,

como vimos anteriormente, em Manaus ele também prestava este tipo de serviço.

Geralmente ele trazia algumas informações do tipo: está gravemente doente o sr. José

Lino de Paula Barros, “que foi hontem recolhido á Santa Casa de Misericordia. É um

velho cearense, de procedimento exemplarissimo. Desejamos-lhe o seu

restabelecimento.” 384

Ademais o Patria também era um divulgador dos produtos dos comerciantes

nordestinos que viviam em Manaus. Comumente ele era procurado por estes que

queriam anunciar os seus produtos em suas páginas. A exemplo dos anúncios

comerciais da “LITHOGRAPHIA CEARENSE – De Costa Souza & Cª”;385 da “Officina de

FERREIRO DE José Ferreira de Britto”386 e da casa “S. R. Pessoa & Cª”,387 que

mencionamos no segundo capítulo deste, Galdino Medeiros, também procurou o

jornal para divulgar as suas mercadorias. Vejamos o que nos diz o anúncio de Galdino

Medeiros: “BURROS – Vende-se 7 burros bons e baratos e um Cavallo de sella, fino. A

tratar com Galdino Medeiros, no Mocó”.388

381

Jornal Patria. Manaus, 22 de fevereiro de 1899, nº 112. 382

Jornal Patria. Manaus, 04 de outubro de 1898, nº 03. 383

Jornal Patria. Manaus, 12 de setembro de 1899, nº 212. 384

Jornal Patria. Manaus, ? de setembro de 1899, nº 22. 385

Jornal Patria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01. 386

Jornal Patria. Manaus, 21 de setembro de 1899, nº 224. 387

Idem. 388

Jornal Patria. Manaus, 02 de outubro de 1898, nº 02.

133

Mas, o Patria não ficou restrito em noticiar fatos de interesses apenas dos

cearenses e de outros nordestinos que viviam no Amazonas. O próprio jornal afirmou

no seu texto programa que “jamais” seria “exclusivista” e que publicaria “qualquer

idéa justa” que devesse “ser trasida a conhecimento publico”.389

Outro tipo de notícia divulgada pelo jornal era às relacionadas a outros tipos de

problemas encontrados na cidade, como por exemplo: o mau cheiro das ruas da

capital devido às sujeiras, a quantidade de cães soltos nas ruas e os problemas

relacionados à questão da moral pública. É verdade que essa última idéia deve ser

guardada com ressalvas pelo leitor, haja vista, a linha editorial deste, apresentar

características moderadas, conforme já tratamos anteriormente. Nesse sentido o

jornal procurou divulgar notícias das mais diversas que ocorriam em Manaus, como

por exemplo: a notícia de que a “estrada Dr. Moreira, onde existem mais de trezentas

crianças em idade de frequentar as escolas, está em absoluto desprovida de escolas

publicas.” Por falar de conduta moderada do jornal, eis o que o redator diz no final do

seu texto: “Para este facto irregular chamamos, com a devida permissão, que agora

pedimos, a attenção do illustre sr. Director da Instrucção Publica.”390

Um exemplo de notícia relacionado às sujeiras das ruas da cidade diz respeito à

reclamação que o jornal fez no sentido de que: “Até meio-dia, hora em que passamos

na rua dos Remedios, estava um cão morto já em estado de putrefacção bem em

frente á caza n. 22”.391

Pela notícia parece que eram bastante freqüentes os problemas com cães na

cidade como podemos depreender da nota abaixo:

Chamamos attenção da illustrissima Intendencia para a grande quantidade de cães que impesta a nossa capital.

Ha ruas em que esses inimigos da tranqüilidade parecem ter preferido para a suas reuniões, como por exemplo á Municipal, Dr. Moreira e Avenida Eduardo Ribeiro, nas quaes o numero de habitantes é inferior ao de cães que n’ella vivem em completa vadiagem.

389

Jornal Patria. Manaus, 1º de outubro de 1898, nº 01. 390

Jornal Patria. Manaus, (?) de setembro de 1898, nº 22. 391

Jornal Patria. Manaus, 06 de outubro de 1898, nº 05.

134

Nas mesmas ruas quando os tranzeuntes não são abocanhados por tão perigosos animaes, a noite não ha quem possa conciliar o somno com os seus uivos horripilantes.392

As páginas do diário nos permitem perceber como era comum e problemática a

questão do abastecimento de água.

Em diversas ruas desta capital, os habitantes são forçados a comprar agua a 2$000 e a 3$000 o caneco, devido á falta desse liquido nos encanamentos e derivações.

Para esse facto horrivel chamamos a attenção directa do Governo do Estado.

Esta miseria de agua, no Amazonas, é até indecente.393

Nessa mesma edição os redatores do jornal, familiarizados com a questão da

seca, divulgaram uma matéria com um título bastante sugestivo, em que ironizam o

problema da falta de água nas ruas de Manaus. Eis a notícia: “Falta agua nas ruas

Affonso de Carvalho, 24 de Maio, Lima Bacury, Leonardo Malcher, Luiz Antony e

muitas outras, pelo que julgamos eminente a secca no Estado *...+ “ 394

No tocante à questão da moral pública o jornal também assumia o papel de

guardião da moral e dos bons costumes, bem como parecia estar em sintonia com o

Código de Postura da Cidade que determinava ser “expressamente prohibido sob pena

de 30$000 réis de multa ou 1 dia de prisão: (...) andar em publico indecentemente

vestido ou em completa nudez” e “Tomar banho nas fontes publicas, bicas e

chafarizes.”395 Foi isto o que observamos na denúncia que o jornal fez ao divulgar que:

“Na Cachoeira Grande, de 1 hora da tarde ás 7 horas da noite, meretrizes,

acompanhadas de alguns indivíduos sem pudor, divertem-se tomando banho nuas,

offendendo a moralidade publica. A policia não se encommoda.”396

392

Jornal Patria. Manaus, 05 de outubro de 1898, nº 04. 393

Jornal Patria. Manaus, 17 de setembro de 1899, nº 217. 394

Idem. 395

Lei nº 49, de 24 de Novembro de 1896. Código de Posturas, Leis, Decretos e mais resoluções do Conselho Municipal, reeditado por JOAQUIM ANTUNES DA SILVA, de acordo com a Lei nº 369 de 10 de dezembro de 1904. Typ. Da Liv. Classica de J.J. da Camara, 1906. Manaus, p. 19. 396

Jornal Patria. Manaus, 17 de setembro de 1899, nº 217.

135

Portanto, pelo que discutimos acerca da atuação do Jornal Patria, no cenário da

imprensa local, durante o curto período em que circulou em Manaus, é provável que

este tenha cumprido três de seus objetivos. O primeiro objetivo foi o de aproximar

culturalmente, através de suas páginas, o Ceará e o Amazonas. Isto é, encurtar as

distâncias entre as duas regiões através do exercício da leitura de textos reflexivos

para trazer à memória do imigrante as recordações do lugar de origem.

O segundo era informar aos cearenses que viviam no Amazonas sobre os mais

diversos acontecimentos que ocorriam no Ceará, como por exemplo: a política

cearense; as notícias sobre as secas e as chuvas que ocorriam no seu território; a

prestação de serviços de utilidade pública com assuntos que diziam respeito ao

Amazonas; notícias de saídas de cearenses para outras regiões do País; notícias sobre

festas religiosas como as “Kermesses” que ocorriam no Estado, etc.

Já o terceiro objetivo do jornal Patria dizia respeito ao interesse do mesmo de

informar aos cearenses e a outros nordestinos que viviam em Manaus, acerca de

assuntos relacionados aos próprios imigrantes. Nesse sentido o jornal divulgava as

notícias sobre as viagens de conterrâneos para outros Estados do País; notícias de

visitas de amigos e conterrâneos à sua redação; de chegadas de seus pares a Manaus;

de festas religiosas como os festejos de Nossa Senhora da Conceição, no mês de

novembro e dezembro, que aconteciam na cidade; divulgação de agendas culturais de

autores cearenses que publicavam suas obras literárias no Amazonas; divulgação de

notícias de conterrâneos que se encontravam doentes, uma espécie de prestação de

serviços de utilidade pública e por fim a divulgação de produtos que os comerciantes

nordestinos queriam vender na cidade.

Dessa forma o jornal da Colônia Cearense pelo que se pôde depreender da

análise da sua atuação durante o período em que circulou na cidade, ocupou um lugar

de destaque no cenário da imprensa local. Mais que um diário preocupado de informar

aos conterrâneos que viviam no Amazonas as notícias da terra natal, o Patria foi um

jornal que defendia idéias que coincidiam com as dos grupos sociais que controlavam

o poder na cidade. Um exemplo disso pode ser percebido no artigo intitulado:

“Governo Municipal”. Neste o redator tratando da reforma urbana porque Manaus

passava no final do século XIX, elogia entusiasticamente o Superintendente da cidade.

136

O texto afirma que devido à “pasmosa energia do governo”, este “luctando quase

contra o impossível” por causa da “falta de capitaes” e de mão de obra suficiente para

trabalhar nas “construcções tão vasta*s+” porque “a immigração nacional chegando a

esta cidade tracta immediatamente de internar-se no serviço da seringa”, Manaus

caminhava com a “força irresistivel do ciclone” rumo ao progresso.

Ainda neste artigo o redator aconselha o Superintendente a ter “um pouco” mais

de “paciência”, com o ritmo de desenvolvimento da cidade porque, segundo ele

“Quem conheceu Manaos, 20 annos atraz, não pode deixar de admirar o seu grandioso

progresso”. No sentido de confirmar o crescimento da cidade o jornalista afirma que

naquele momento Manaus já podia contar com “o telephone, a luz electrica, e

brevemente” poderá contar também com “o Bond electrico” que “encherá de vida e

movimento” o “heroico e laborioso povo” da capital amazonense. Finalizando o seu

conselho ao Superintendente o redator sentencia:

Com mais um pouco de tempo e paciencia será relisada a sua grande aspiração, que é tambem a de todos os bons patriotas.

(...) O honrado Superintendente sentirá orgulho vendo sob o seu governo realisadas as mais elegantes e gloriosas construcções.397

Portanto, baseados na postura política moderada do jornal e da

informação divulgada de que “o nosso companheiro Antonio Bezerra”, diretor do

diário, fora “escolhido pela sociedade José de Alencar do Pará para ser legitimo

represente” naquele “Estado,”398 ventilamos a idéia de que o jornal da Colônia

Cearense no Amazonas tinha um bom convívio com os grupos sociais que

controlavam o poder na região.

397

Jornal Patria. Manaus, 1º de maço de 1899, nº 117. 398

Jornal Patria. Manaus, 04 de outubro de 1898, nº 03.

137

CONSIDERAÇÕES FINAIS

138

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A historiografia que se dedicou a tratar de questões relativas à Amazônia, do

período entre o final do século XIX e o início do século XX, atribuiu pouco destaque à

questão da imigração nordestina para a região. Mesmo a historiografia local ligada às

pesquisas da História Social, consciente que é da existência de um grande fluxo

demográfico de nordestinos para o Amazonas, não tem produzido trabalhos com a

preocupação de dar uma maior visibilidade ao tema. Assim como a migração interna

continua um tema pouco explorado pela historiografia brasileira,399 apesar do

surgimento nas últimas décadas de vários cursos de pós-graduação, com os imigrantes,

principalmente, os nordestinos a situação não tem sido diferente. Como disse Maria

Luiza Ugarte Pinheiro, desses imigrantes “pouco se falou até agora”.400

Com a preocupação de tratar do processo imigratório de nordestinos para o

Amazonas, entre os anos de 1877 a 1917, procuramos abordar neste trabalho, a

temática a partir da perspectiva de dois jornais da imprensa local. Mas, antes disso

uma preocupação norteou o nosso estudo: discutirmos algumas questões relativas ao

tema da migração interna. Neste sentido, vimos que, além do pouco interesse da

historiografia pelos estudos acerca dos fluxos demográficos internos, outras questões

ainda permeiam as pesquisas dos historiadores: a questão da ausência do imigrante

nordestino e a vinculação direta entre seca e migração.401

Em relação aos estudos do tema através das páginas dos dois jornais diários que

circularam em Manaus no período, nos dois últimos capítulos procuramos discutir

como o Jornal do Comércio e o diário da Colônia Cearense no Amazonas, o Patria,

trataram das questões relativas às vindas de nordestinos para o Amazonas.

Neste sentido, a leitura desses meios de comunicação impressos nos permitiu

percebermos que a exemplo dos jornais que circularam em outras capitais, estes

também produziram as suas representações acerca da imigração nordestina. Sempre

399

BASSANAZI, Maria Silvia C. Beozzo, Op. Cit., p. 1. 400

PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Op. Cit., p. 54. 401

GUILLEN, Isabel Cristina Martins. Op. Cit., p. 175.

139

pensados pelos redatores como infelizes, desgraçados, famintos, indigentes e/ou

“fanatizados” porque “abandonavam” a terra natal, à procura de resolver seus

problemas materiais mais imediatos ou simplesmente melhorar de vida. Os imigrantes

nordestinos sem recursos que desembarcavam em Manaus ou em outras capitais,

quase sempre eram percebidos pelos jornalistas, como infelizes a necessitar da

caridade pública e ou de movimentos de solidariedade da sociedade local.

Mas, não eram todos os imigrantes nordestinos em Manaus que foram tratados

dessa forma. Não encontramos nenhum registro que desse conta de que os redatores

dos jornais fizeram usos de alguns dos adjetivos acima mencionados para se referirem

aos imigrantes que possuíam algum recurso e/ou alguma influência na sociedade local.

E como vimos apesar da maior parte dos que vieram para a região ter sido constituída

de imigrantes pobres, não foram poucos os que vieram que tinham alguma posse,

como por exemplo: comerciantes, advogados, médicos, jornalistas, intelectuais,

religiosos e funcionários públicos graduados, como desembargadores e promotores de

justiça. Esses dados nos permitem afirmar que a imigração nordestina para o

Amazonas, não envolveu apenas os imigrantes pobres em períodos de seca.

Cabe ressaltar que o principal objetivo do nosso trabalho não foi negar a idéia

corrente de que as secas foram importantes no processo de imigração de

trabalhadores nordestinos para a região, mais sim propor e a idéia de que devemos

evitar a explicação simplória e generalizante de que os nordestinos vieram para o

Amazonas, tão somente por causa das secas. Como pudemos observar no decorrer do

trabalho outros interesses e anseios motivaram também a vinda desses imigrantes

também para a Amazônia.

140

FONTES

141

FONTES

A – DIÁRIOS

JORNAL do Comércio. Manaus-Am (1904-1917).

JORNAL Patria. Manaus-Am (1898-1899).

B – OUTRAS FONTES:

CÓDIGO de Posturas do Município de Manaus de 1896

Eletrônica:

BASSANEZI, Maria Silvia C. Beozzo. Migrantes no Brasil da segunda metade do século

XIX. Disponível no site: http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2....

Acessado em 04.11.2008

BORGES, Juliano Luis. Raça e evolução social em ‘Os Sertões’ de Euclides da Cunha. In:

Revista Espaço Acadêmico, nº 58 – Março – ISSN1519.6186. Disponível no site:

http://www.espacoacademico.com.br/058/58borges.htm. Acessado em 28.03.2009

CARVALHO, Francismar Alex Lopes. O Conceito de Representações Coletivas Segundo

Roger Chartier. In: Diálogos, DHI/PPH/UEM, v.9,n.1,p.143-165, 2005. Disponível no

site: http://www.dialogos.uem.br/include/getdoc.php?id=535&article... Acessado em

06.07.2009.

FERREIRA, Angela L. A. e DANTAS, George A. F. Os ‘Indesejáveis’ na Cidade: As

Representações do Retirante da Seca (Natal, 1890-1930). In: Scripta Nova. Revista

Electrónica de Geografya y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona [ISSN 1138-

9788] Nº 94(96), 1 de agosto de 2001. Disponível no site:

http://www.ub.es/geocrit/sn-94-96.htm. Acessado em 11.07.2009

GUILLEN, Isabel Cristina Martins. Seca e Migração no Nordeste: Reflexões Sobre o

Processo de Banalização de Sua Dimensão Histórica.Trabalho para Discussão n.

142

111/2001. Agosto – 2001. Disponível no site: http://www.fundaj.gov.br/tpd/111.html.

Acessado em 14.11.2008

JÚNIOR, Paulo Marreiro dos Santos. Pobreza e Prostituição na Belle Époque manauara:

1890-1917. In: Revista de História Regional 10(2):87-108, 2005. Disponível no site:

http://www.uepg.br/rhr/v10n1/05marreirorhr10(2).pdf. Acessado em 25.10.2008.

______________________________. Os Rostos do Perigo – A Imprensa e a Ciência

Criminal Estereotipando Culturas na Manaus da Belle Époque.Trabalho apresentado ao

Seminário Temático 15 à Comissão Organizadora do XIX Encontro Regional de História

da ANPUH São Paulo. Agosto de 2008. Disponível no site:

anpuhsp.org.br/downloads/CD/%20XIX/PDF/Autores%20e%20Artigos/Paulo%20%

Marreiro%20Santos. pdf. Acessado em 02.05.2009.

LAMOUNIER, Maria Lúcia. Agricultura e Mercado de Trabalho: Trabalhadores

Brasileiros Livres nas Fazendas de Café e na Construção de Ferrovias em São Paulo,

1850-1890. In: Est. Econ., São Paulo, V. 37, N.2, P. 353-372, Abril-Junho 2007.

Disponível no site: http://www.Scielo.br/Scielo.php?script=sci=pdf&pid. Acessado em

28.02.2009.

MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti. Revisitando o problema da ‘transição para o trabalho

livre’ no Brasil: a experiência de trabalho dos africanos livres. – GT Mundos do

Trabalho – Jornadas de História do Trabalho – Pelotas, 6-8/11/2002. Disponível no site:

http://www.labhstc.ufsc.br/VI%20jornada%20trabalho/JHT. Acessado em 28.02.2009

NEVES, Frederico de Castro. A Miséria na Literatura: José do Patrocínio e a Seca de

1878 no Ceará. Disponível no site: http://www.scielo.br/pdf/tem/v11n22/v11n22a05.

Acessado em 24.12.2008

SILVA, Maria Aparecida de Moraes e MENEZES, Marilda Aparecida. Migrações rurais no

Brasil: velhas e novas questões. Disponível no site:

http://www.nead.org.br/memoriacamponesa/arquivo... Acessado em 26.11.2008.

143

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

144

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Nos destinos de fronteira: história, espaços e

identidade regional. Recife: Bagaço, 2008. AVELINO, Alexandre Nogueira. O Patronato Amazonense e o Mundo do Trabalho: A

Revista da Associação Comercial e as Representações Acerca do Trabalho no Amazonas (1908-1919). Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal do Amazonas, 2008.

BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidades e abordagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

BENCHIMOL, Samuel. Romanceiro da batalha da borracha. Manaus: Imprensa Oficial, 1992.

CAMPOS, Hermenegildo Lopes de. Climatologia médica do Estado do Amazonas. Manaus: Associação Comercial do Amazonas/Fundo Editorial, 1988.

CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando o Viver Ameaça a Ordem Urbana: Trabalhadores Urbanos em Manaus – 1900-1915. In: Cidades, São Paulo, Olho D’Água, 1999.

COSTA, Hideraldo Lima da. Tensões Sócio-Culturais na Manaus de Meados do Século XIX:Discurso dos Viajantes. In: Amazônia em Cadernos, pp. 29-60, nº4, out., 1998. Manaus: EDUA.

CUNHA, Euclides da. Amazônia:Um paraíso perdido. Manaus: Editora Valer/Governo do Estado do Amazonas/Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2003.

DIAS, Edinea Mascarenhas. A Ilusão do Fausto: Manaus, 1890-1920. Manaus: Editora Valer, 1999.

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, s/d.

GALVÃO, Walnice Nogueira. Euclides da Cunha – Os Sertões: Campanha de Canudos. Série Bom Livro – Especial. Editora Ática, 1998.

GIRÃO, Raimundo. História econômica do Ceará. Fortaleza: Editora do Instituto do Ceará, 1947.

GUILLEN, Isabel Cristina Martins. Errantes da Selva: Histórias da Migração Nordestina para a Amazônia. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2006.

LACERDA, Franciane Gama. Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916). Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 2006.

LOUREIRO, Antônio. A grande Crise. Manaus: Editora Valer, 2008. NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a história: saques e outras ações de massas

no Ceará. Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fortaleza, CE: Secretaria de Cultura e Desporto, 2000.

145

NEVES, Frederico de Castro. Estranhos na Belle Époque: a multidão como sujeito político (Fortaleza, 1877-1915). In: Trajetos. Revista do Programa de Pós-Graduação em História Social e do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará. – v.3, n.6(abr.2005). – Fortaleza: Departamento de História da UFC, 2005.

PEREIRA, Deusamir. Amazônia (in)sustentável: Zona Franca de Manaus – estudo e análise. Manaus: Editora Valer, 2006.

PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros: Trabalho e Conflito no Porto de Manaus (1899-1925). Manaus: Edições: Governo do Estado do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura/Editora da Universidade Federal do Amazonas/Universidade do Estado do Amazonas, 2003.

REIS, Arthur Cézar Ferreira. História do Amazonas. Belo Horizonte: Itatiaia; Manaus:Superintendência Cultural do Amazonas, 1989.

REIS, Arthur Cézar Ferreira. O Seringal e o Seringueiro. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, 1953.

SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Os Fios de Ariadne: Tipologia de Fortunas e Hierarquias Sociais em Manaus: 1840-1880. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 1997.

SANTOS, Francisco Jorge e Outros. Cem Anos de Imprensa no Amazonas: 1851-1950 – Catálogo de Jornais. Manaus: Editora Humberto Calderaro Ltda., 1990.

SANTOS, Roberto Araújo de Oliveira. História econômica da Amazônia: 1800-1920. São Paulo: T. A. Queiroz, 1980.

SECRETO, Maria Verónica. Soldados da borracha: trabalhadores entre o sertão e a Amazônia no governo Vargas. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007.

SOUZA, Leno José Barata. Vivência Popular na Imprensa Amazonense: Manaus da Borracha (1908-1917). Dissertação de Mestrado em História. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005.

WEINSTEIN, Barbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência,1850-1920.Tradução Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: HUCITEC: Editora da Universidade de São Paulo, 1993.

WOLFF, Cristina Scheibe. Mulheres da Floresta: uma história: Alto Juruá, Acre (1890-1945). São Paulo: HUCITE, 1999.

ZICMAN, Renée Barata. História Através da Imprensa: Algumas Considerações Metodológicas. Projeto História, nº4 Junho/85. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História. PUC/SP.