A Implementação Do Controle de Convencionalidade Na América Latina

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    A Implementação do Controle de Convencionalidade na América Latina:

    Ordenamento Jurídico Peruano, Argentino e Brasileiro em Contraponto

    Adriano Alberto Smolarek1;2 

    Resumo

    Propõe-se com este escrito analisar o grau de implementação dos ditames

    convencionais emitidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos nos

    Ordenamentos Jurídicos Domésticos. Busca-se conceber o Controle de

    Convencionalidade enquanto mecanismo de coadunação e ordenação da normativa

    que dispõe sobre Direitos Humanos e a instrumentalização desempenhada pelos

    estados da América Latina. Empreende-se especial análise sobre o panorama do

    Controle de Convencionalidade desempenhado na República Peruana através da

    sentença do Caso Barrios Altos na Corte Interamericana de Direitos Humanos e as

    consequências produzidas no Ordenamento Argentino. Após, em contraponto,

    verifica-se o estágio em que se encontra o Ordenamento Jurídico Brasileiro ante a

    temática.

    Palavras-chave: Controle de Convencionalidade, Corte Interamericana de Direitos

    Humanos, Ordenamento Jurídico Internacional, Ordenamento Jurídico Doméstico.

    Resumen

    Este artículo propone analizar el grado de implementación de los dictámenes

    convencionales emitidos por la Corte Interamericana de Derechos Humanos en los

    Ordenamientos Jurídicos Domésticos. Se busca concebir el Control de

    Convencionalidad como un mecanismo de coadunación y ordinación de la normativa

    1

     O autor é Professor de Direito Internacional Público e Direito Civil. Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. Graduado em Direito pela Faculdade União – Ponta Grossa – PR.2 O autor agradece a Salomé Urrea Valencia pelo auxílio prestado neste escrito.

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    que dispone sobre Derechos Humanos y la instrumentalización desempeñada por los

    estados de Latinoamérica. Se hace un especial análisis sobre el panorama del Control

    de Convencionalidad en la Republica Peruana sobre la sentencia de la Corte en el

    Caso Barrios Altos y las consecuencias producidas en el Ordenamiento Jurídico

    Argentino. Luego, en contraposición, se hace una verificación del grado de

    implementación del tema en el Ordenamiento Jurídico Brasileño.

    Palabras Clave: Control de Convencionalidad, Corte Interamericana de Derechos

    Humanos, Ordenamiento Jurídico Internacional, Ordenamiento Jurídico Brasileño.

    Sumário

    INTRODUÇÃO

    I – O Controle da Convencionalidade

    II - O Caso Peruano: Barrios Altos vs. Peru e sua implementação no Ordenamento

    Jurídico Doméstico

    III - O Caso Argentino: Lei do Ponto Final e Obediência Devida

    IV - O exercício comparativo entre os julgados convencionais peruano, argentino e

    brasileiro.

    CONCLUSÃO

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    Introdução

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    O Direito é um instrumento necessário à vida em sociedade. A multiplicidade

    cultural, étnica e moral existente no mundo contemporâneo reflete um universo de

    constante interação que supõe intensas relações humanas, políticas, comerciais e

    culturais nas mais variadas maneiras de exteriorização. O Direito proporciona a

    organização da vida política e social dos homens. É impossível conceber a coexistência

    e as interrelações entre sujeitos sem pressupor a existência anterior de um Ordenamento

    Jurídico. Seja na esfera intra-estatal ou internacional.

    Contemporaneamente, os Estados organizados pautam-se no ordenamento

     jurídico doméstico para manter ou resguardar em maior medida, as condições

    necessárias à sua própria existência e subsistência, bem como, de seus cidadãos.

     No âmbito internacional, após os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial,

    os Estados do globo reunidos, definiram a criação de diversos órgãos que auxiliariam na

    coexistência pacífica entre seus pares. A Organização das Naçoes Unidas foi criada com

    este fito. E, calcada em seu ideário “global” ditou mandamentos essenciais ao resguardo

    da pessoa humana como forma de rascunhar aquilo que deveria ser implementado de

    modo a que as atrocidades das guerras mundiais não se repetissem.

    De forma paralela à ONU, desenvolveram-se instituições de caráter

    supranacional, com viés continental que, além de estabelecer uma relação mais direta

    com os Estados que conformam parte de uma determinada “região” do globo, poderiam

    definir, dentro dos parâmetros emitidos pela ONU, quais seriam os direitos e garantias

    fundamentais ao pleno exercício da vida humana. Surgiu em decorrência desta

    tendência, no continente americano, a Organização dos Estados Americanos, que ditou a

    Convenção Americana de Direitos e Deveres do Homem. Este foi o primeiro

    documento de âmbito continental que vinculou inúmeras prerrogativas, quais os países

    signatários deveriam implementar tão logo houvessem ratificado.

    Tal Convenção instiuiu - para além dos direitos e garantias do ser humano aserem respeitados - dois organismos internacionais, aos quais recai o dever de resguardo

    e fiscalização dos preceitos da Convenção em decorrência de violações ocorridas em

    âmbito intra-estatal. Tais instituições, conhecemos por Comissão Interamericana de

    Direitos Humanos e Corte Interamericana de Direitos Humanos. Esta última constitui

    Tribunal Internacional com funções contenciosas e consultivas.

    Dentro dos casos julgados pela Corte, erigiu-se jurisprudência no sentido de que,

     já que os Estados signatários da Convenção submetem-se à sua jurisdição, devemimplementar no plano doméstico os julgamentos voltados à seara de Direitos Humanos

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    internacionais ratificados pelo país onde vigora taisnormas (controle de convencionalidade.5 

    A ideia de estabelecer o juízo de adequação normativa da legislação doméstica

     para com a internacional teve sua gênese, não nos Tribunais e Cortes Internacionais,mas sim, dentro do ordenamento jurídico doméstico da República Francesa.

    Originariamente o Controle de Convencionalidade evidenciou-se na decisão 74-54 DC,

    de 15 de janeiro de 1975 do Conselho Constitucional Francês através de uma

    interessante explanação sobre a competência daquele órgão jurisdicional, sobre efetivá-

    lo, para além do Controle de Constitucionalidade, em virtude da existência do Princípio

    da superioridade dos Tratados sobre a Lei, enunciado pelo artigo 55 da Constituição

    Francesa.

    6

     Imperioso esclarecer, todavia, que a proteção, a promoção e o respeito aos

    Direitos Humanos constitui prerrogativa de atuação do Estado-nacional, ao passo que, a

     proteção internacional sobre a seara - através de organismos internacionais -, só ocorre

    de forma subsidiária, quando do esgotamento dos meios recursais no plano interno.7 

    A prática do Controle de Convencionalidade feito a partir da Corte

    Interamericana já consiste em uma realidade. Entretanto, a implementação e o grau de

    aceitação pelos Estados jurisdicionados tende a variar de acordo com o grau de

    incorporação dos valores da internacionalização dos Direitos Humanos e com o regime

    estamental atribuído aos Tratados dessa seara.

    A relevância e a obrigatoriedade das sentenças da Corte Interamericana já

    encontra incidência jurisprudencial nos Tribunais domésticos em âmbito latino-

    americano, a saber:

    A obrigatoriedade das sentenças da Corte Interamericana

    e das normas internacionais de direitos humanos noâmbito doméstico é realçada por uma expressiva

     jurisprudência regional. Cabem menção aos casos: a) casodecidido pelo Tribunal Constitucional da Bolívia, emmaio de 2004 (sustenta a aplicação das normas e da

    5 GUERRA, Sidney. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos no Âmbito da Corte Interamericanae o Controle de Convencionalidade. p. 359. UFC. Revista Nomos. v. 32.2, jul./dez. 2012. Disponível em:.6 DUTHEILLET de LAMOTHE, Olivier. Controle de Constitutionalite et Controle de Convencionalite.Mélanges en l’honneur de Daniel Labetoulle. Dalloz, 2007. p. 3-8. Disponível em , acessado em 05 de maiode 2014.7 AMARAL JÚNIOR, Alberto. Curso de Direito Internacional. 4ª ed. São Paulo: Atlas. 2013. p. 542.

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     jurisprudência interamericana de direitos humanos noâmbito interno); b) caso decidido pelo TribunalConstitucional do Peru, em março de 2004 (realça osistema normativo e jurisprudencial internacional emdireitos humanos e seu valor na interpretação dos direitos

    constitucionais); e c) caso decidido pela Corte Supremada Justiça da Argentina, em julho de 1992 (enfatiza aobrigatoriedade das normas internacionais de direitos humanos no sistema de fontes do ordenamento jurídico). 8 

     No mesmo sentido, já se tem lugar comum encontrar a aplicação da Convenção

    Interamericana, Tratados Internacionais de Direitos Humanos ou mesmo a

     jurisprudência e as interpretações da Corte Interamericana, nas decisões domésticas em

    nosso continente. Flávia Piovesan parafraseia importante lição constante de decisão da

    Corte Suprema de Justiça Argentina que ensina que “a jurisprudência da CorteInteramericana deve servir de guia para a interpretação dos preceitos convencionais,

    sendo uma imprescindível diretriz de interpretação dos deveres e das obrigações

    decorrentes da Convenção Americana.”9 

    A implementação do Controle dos instrumentos convencionais pressupõe certo

    amadurecimento jurídico-cultural doméstico em relação ao Direito Internacional e sua

     práxis, na medida em que se necessita de recepção privilegiada dos tratados quando

    tratem de Direitos Humanos, e, mormente ante a conciliação e a complementariedade positiva representada pelo diálogo das fontes e pelo diálogo das cortes.10  Somente na

    medida em que tais pressupostos forem alcançados é que a prática vai se consolidar em

    âmbito doméstico.

    São diversos os estágios de avanço entre as ordens jurídicas circunvizinhas sobre

    o tema em questão, mas fato é que, de acordo com o Magistrado Nestor P. Sagües apud  

    Flávia Piovesan, o nível de implementação das regras geradas pela Corte em sede de

    Controle de Convencionalidade se baseiam em 4 tipos:A admissão expressa, com destaque à República Argentina cuja jurisprudência,

    desde anos 90, já reconhece expressamente o vigor jurisprudencial da Corte

    Interamericana em seu ordenamento doméstico, como se nota:

    8PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Diálogo entre Jurisdições. Revista Brasileira de DireitoConstitucional – RBDC. Jan./jun., 2012. p. 84. Disponível em ,

    acessado em 14 de maio de 2014.9PIOVESAN, Flávia. Op. Cit. p. 85.10Idem. p. 90.

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    "la jurisprudencia de los tribunales internacionales debeservir de guía para la interpretación de los preceptosconvencionales en la medida en que el Estado Argentinoreconoció la competencia de la Corte Interamericana deDerecho Humanos".11 

    A admissão tácita, onde se destaca a Costa Rica, Peru, Chile, El Salvador e

    Bolívia, que admitem a modificação do ordenamento jurídico doméstico em função de

    sentenças da Corte Interamericana.

    Silêncio com aparente resiliência, cujos exemplos são Equador, Brasil, México e

    Colômbia, posto que tais países não emitiram posicionamentos oficiais sobre a prática,

    muito embora, por vezes, hajam implementado de alguma forma os mandamentos do

    Sistema Interamericano de Direitos Humanos.Ainda, a negação tácita, com destaque ao grave caso venezuelano, em que a Sala

    Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça declarou não executável uma sentença

    da Corte Interamericana, encorajando o poder Executivo a retirar-se da Convenção

    Americana de Direitos Humanos, em 18 de dezembro de 2008 de acordo com o caso

    “Apitz Barbera”.12 

    Cabe ao Poder Judiciário de cada país evoluir e amadurecer quanto à utilização

    deste meio que pode ser desempenhado, inclusive de ofício pelos juízes, conforme

    disposição da Corte:

    Cuando un Estado ha ratificado un tratado internacionalcomo la Convención Americana, sus jueces también estánsometidos a ella, lo que les obliga a velar porque el efectoútil de la Convención no se vea mermado o anulado por laaplicación de leyes contrarias a sus disposiciones, objeto yfin. En otras palabras, los órganos del Poder Judicialdeben ejercer no sólo un control de constitucionalidad,

    sino también “de convencionalidad” ex officio entre lasnormas internas y la Convención Americana,evidentemente en el marco de sus respectivascompetencias y de las regulaciones procesalescorrespondientes. Esta función no debe quedar limitadaexclusivamente por las manifestaciones o actos de los

    11VILLANUEVA, Marcos Agustín. El control de convencionalidad y el correcto uso del margen deapreciación: medios necesarios para la protección de los derechos humanos fundamentales. Anais doCongreso de Derecho Público para estudiantes y jóvenes graduados “Democracia y Derecho”.Universidad Buenos Aires. 2012. p. 6. Disponível em

    , acessadoem 14 de maio de 2014.12PIOVESAN, Flávia. Op Cit. p.84.

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    accionantes en cada caso concreto, aunque tampocoimplica que ese control deba ejercerse siempre, sinconsiderar otros presupuestos formales y materiales deadmisibilidad y procedencia de ese tipo de acciones.13 

    A transformação da cultura jurídica requer tempo e vontade para tanto.Direcionar e capacitar os magistrados sobre a aplicação dos instrumentos internacionais

    de proteção aos direitos humanos; da principiologia específica aplicável a estes direitos

    e da jurisprudência protetiva internacional deve converter-se em referência e parâmetro

    a guiar a conduta de tais agentes. A elaboração de normas, a adoção de políticas

     públicas e a formulação de decisões judiciais devem louvar o princípio da boa fé no

    âmbito internacional, buscando sempre harmonizar a ordem doméstica à luz dos

     parâmetros protetivos mínimos assegurados na ordem internacional no campo dosdireitos humanos.14 

    Dentro da casuística a que o presente artigo dispõe analisar estão, o Caso

    Barrios Altos y Otros vs. Peru na Corte Interamericana de Direitos Humanos e a

     posterior consequência ocasionada no Ordenamento Jurídico Argentino. A saber.

    II - O Caso Peruano: Barrios Altos vs. Peru e sua implementação no Ordenamento

    Jurídico Doméstico

     Na noite de 03 de novembro de 1991, na localidade conhecida como “Barrios

    Altos”, cidade de Lima, Peru, seis indivíduos fortemente armados invadiram o imóvel

    localizado no “jirón Huanta”, 840. No local ocorria uma festa com a finalidade de

    arrecadar fundos para reformar o imóvel. Os seis indivíduos, que estavam encapuzados,

    adentraram ao imóvel e lá ordenaram que todos deitassem no chão. Uma vez deitados,

    os invasores dispararam indiscriminadamente utilizando-se de armas com silenciador,

    durante o período de dois minutos. Da ocasião restaram 15 mortos e 4 feridos, dentre os

    quais um incapacitado permanentemente. Das investigações que seguiram ao caso, bem

    como, das reportagens jornalísticas dos dias que sobrevieram aos fatos, restou revelada

    a participação de membros da inteligência militar, um esquadrão denominado “de

    13CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Trabajadores Cesados del Congreso

    versus Peru. Sentença de 24 de novembro de 2006. Ponto 128. p. 47. Disponível em, acessado em 14 de maio de 2014.14PIOVESAN, Flávia. Op. Cit. p. 91.

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    eliminación”, conhecido posteriormente como “Grupo Colina”15, que era financiado

     pelo então Presidente do Peru, Alberto Fujimori.

    Dada a comoção social de um crime de tamanha brutalidade, em 14 de

    novembro de 1991, diversos Senadores da República solicitaram ao plenário para

    constituir uma Comissão de Investigação sobre os fatos. Em 15 de novembro a referida

    Comissão foi instituída. Entretanto, em abril de 1992 o Congresso Legislativo e o Poder

    Judiciário peruanos foram destituídos.16 

    Em abril de 1995, o Ministério Público do Peru (Fiscalía Provincial Penal)

    iniciou uma investigação idônea sobre os fatos, qual culminou em denúncia em foro

     penal. No interim entre o início do processo proposto, o Congresso peruano sancionou a

    Lei nº 26479, que concedeu anistia a militares, polícias ou civis que houvessem

    cometido ou participado de violações a direitos humanos entre 1980 e 1995. 17  E,

     posteriormente, para evitar novas investigações sobre os fatos violatórios

    supervenientes, o Congresso Peruano aprovou nova Lei de anistia, qual declarou

    expressamente que a anistia concedida não é passível de revisão.18 

    Mister ressaltar que ambas as leis editadas não possuíram tempo para discussão

    e deliberação pública no âmbito do Congresso Nacional Peruano, sendo inexistente

    qualquer registro de votação atinente a matéria.19 

    Em julho de 1995, a décima primeira sala penal da Corte Superior de Justiça de

    Lima resolveu arquivar definitivamente o processo investigatório dos fatos do caso

    Barrios Altos. Na sentença, resolveu-se que a lei de anistia não era antagônica à Carta

    Política da República Peruana (Constituição) e nem com os tratados internacionais de

    Direitos Humanos assinados pelo Peru!20 

    Estas foram as circunstâncias sob as quais consistiu o reclamo junto à Comissão

    Interamericana de Direitos Humanos, que sugeriu ao Peru, deixasse sem efeito toda

    medida interna, legislativa ou de outra natureza que tendesse a impedir a investigação,

    15 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Barrios Altos y Otros versus Peru.Sentencia de 14 de março de 2001. p. 2 - 3. Ponto 2 a, b, d e e. Disponível em acessado em 07 de junho de 2014.16 Idem. p. 3. Ponto 2 f.17  CONGRESO DE LA REPÚBLICA DE PERÚ. Ley nº 26479. Disponível em, acessada em 07 de junho de 2014.18  CONGRESO DE LA REPÚBLICA DE PERÚ. Ley nº 26492. Disponível em , acessado em 07 de junho de 2014.19 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Barrios Altos y Otros versus Perú.

    Sentencia de 14 de março de 2001. p. 4. Ponto 2 i. Disponível em acessado em 07 de junho de 2014.20 Idem. p. 3. Ponto 2 n.

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     processo ou sanção de responsáveis por assassinatos ou lesões resultantes dos fatos

    conhecidos como “Barrios Altos”. Além de conduzir uma investigação séria, imparcial

    e efetiva dos fatos, sem prejuízo das reparações a título de indenização dos familiares

    das vítimas do caso.21 

    O Estado não cumpriu satisfatoriamente com o recomendado, de modo que, em

    maio de 2000, a Comissão submeteu o caso à Corte Interamericana.22 

     Na sentença, a Corte considerou expressamente:

    Esta Corte considera que son inadmisibles lasdisposiciones de amnistía, las disposiciones de

     prescripción y el establecimiento de excluyentes deresponsabilidad que pretendan impedir la investigación y

    sanción de los responsables de las violaciones graves delos derechos humanos tales como la tortura, lasejecuciones sumarias, extralegales o arbitrarias y lasdesapariciones forzadas, todas ellas prohibidas porcontravenir derechos inderogables reconocidos por elDerecho Internacional de los Derechos Humanos. […] LaCorte, conforme a lo alegado por la Comisión y nocontrovertido por el Estado, considera que las leyes deamnistía adoptadas por el Perú impidieron que losfamiliares de las víctimas y las víctimas sobrevivientes enel presente caso fueran oídas por un juez, conforme a loseñalado en el artículo 8.1 de la Convención; violaron elderecho a la protección judicial consagrado en el artículo25 de la Convención; impidieron la investigación,

     persecución, captura, enjuiciamiento y sanción de losresponsables de los hechos ocurridos en Barrios Altos,incumpliendo el artículo 1.1 de la Convención, yobstruyeron el esclarecimiento de los hechos del caso.Finalmente, la adopción de las leyes de autoamnistíaincompatibles con la Convención incumplió la obligaciónde adecuar el derecho interno consagrada en el artículo 2

    de la misma.

    23

     E, objetivamente decidiu pela responsabilização internacional do Estado

    Peruano pela violação de diversos preceitos contidos na Convenção Interamericana,

    atinentes ao resguardo do Direito à Vida, Direito à Integridade Pessoal, Direito às

    21 Ibidem. p. 7. Ponto 17 A.22 Ibidem. p. 8. Ponto 20.23

     CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Barrios Altos y Otros versus Perú.Sentencia de 14 de março de 2001. p. 15. Pontos 41 e 42. Disponível em acessado em 07 de junho de 2014.

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    Garantias Processuais e Judiciais em relação aos familiares das vítimas. Em seguida

    declarou expressamente que:

    “las leyes de amnistía Nº 26479 y Nº 26492 sonincompatibles con la Convención Americana sobreDerechos Humanos y, en consecuencia, carecen deefectos jurídicos”.24 

    Tão logo emitida a sentença, o Poder Judiciário peruano, em estrito

    cumprimento, anulou a decisão que havia arquivado os procedimentos investigatórios

    do massacre ocorrido na localidade de Barrios Altos. Com o desarquivamento, o

    Ministério Público pediu o aditamento de outros diversos réus que possuíam

    envolvimento com os fatos. Finda a instrução, o “4º juzgado penal” emitiu sentença emque se condenou, alguns dos 15 réus com pena de detenção, e outros, com pena

    restritiva de direito e outras com prisão domiciliar. 25 Entre os que foram processados e

    condenados encontra-se o ex-presidente Alberto Fujimori que além da condenação

    referente ao Caso Barrios Altos, também se soma o massacre denominado “La Cantuta”,

    qual foi realizado pelo “Grupo Colina” subsidiado por ele, e que necessitou também do

    auxílio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para que as investigações, no

     plano interno, pudessem existir. No que tange à declaração de nulidade das leis que concedem anistia, silenciam

    os poderes judiciais peruanos, muito embora, todos os outros requisitos solicitados pela

    Corte tenham sido cumpridos. Isto é, não houve manifestação do judiciário peruano

    sobre a derrogação das leis que instituíram a anistia. Sua invalidação aconteceu de

    maneira tácita em virtude de que restou comprovada a organização criminosa conhecida

    como Grupo Colina, cujo mandante era o ex-presidente Alberto Fujimori.

    Ao fim e ao cabo, em 27 de junho de 2002, o Congresso peruano aprovou umaLei que regulamentou o procedimento de execução de sentenças emitidas por tribunais

    supranacionais.26 

    O Poder Judiciário Peruano foi o primeiro a colocar em prática a modalidade de

    convencionalidade em relação a um instrumento normativo como tal. Até então, a

    24 Idem. p. 18. Ponto 51.3.25  COMISIÓN DE LA VERDAD. Tomo VII. Caso Barrios Altos. Disponível em, acessado em 07 de junho de 2014.26  CONGRESO DE LA REPÚBLICA DE PERÚ. Ley nº 27775. Disponível em, acessado em 07 de junho de 2014.

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    Exército, havia criado a criança como sua filha biológica tendo, por conseguinte,

    ocultado sua verdadeira identidade. Em relação ao caso, a justiça argentina entendeu por

    condenar o militar e sua esposa.28 

     No ano 2000, o Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS) apresentou uma

    queixa criminal contra os responsáveis pelo sequestro, pelo desaparecimento forçado e

     pelas torturas a que foram submetidos José Poblete e Gertrudis Hlaczik. No julgamento

    do pedido afirmou-se que as leis de Obediência Devida e Ponto Final não deveriam ser

    aplicadas.29 

    A Lei Ponto Final (Ley de Punto Final – nº 23.492) e Lei de Obediência Devida

    (Ley de Obediencia Debida – nº 23.521), ambas postas em vigência durante o regime

    democrático, estabeleciam anistia aos delitos cometidos durante o período de repressão

    sistemática da Ditadura Argentina que esteve no poder entre 1966 e 1982.

    A Lei Ponto Final tinha o objetivo de concluir com as investigações pelos crimes

    ocorridos durante a Ditadura e, dando um prazo de 60 dias, para conceder a anistia a

    todos aqueles que não houvessem sido citados ou investigados. Na sequência, a Lei da

    Obediência Devida impôs aos juízes que investigavam os feitos cometidos no período

    da repressão, que deveriam declarar que os militares haviam agido por coerção, em

    virtude de ordens superiores sobre as quais não tiveram possibilidade de negar, nem

     prestar oposição e nem resistência.

    Em março de 2000, mesmo mês que a Corte Interamericana pronunciou-se

    acerca do Caso Barrios Altos Versus Perú, o Juiz Gabriel Cavallo, de um tribunal

    comum, resolveu, numa espécie de Controle Difuso de Constitucionalidade, que ambas

    as leis eram incompatíveis com os tratados internacionais de Direitos Humanos

    ratificados pela República Argentina e que as leis eram contrárias à Constituição

     Nacional, decretando sua invalidação, inconstitucionalidade e nulidade.30 

    Em resolução a Câmara Legislativa Federal aprovou por unanimidade a medidatomada pelo Juiz Gabriel Cavallo através de uma extensa e bem fundamentada decisão,

    28 CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES – CELS. Las leyes de Punto Final y ObedienciaDebida son inconstitucionales. p.1 - 2. Disponível em, acessado em 08 de

     junho de 2014.29 Idem. p.2.30 CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES – CELS. Las leyes de Punto Final y Obediencia

    Debida son inconstitucionales. p. 2. Disponível em, acessado em 08 de junho de 2014.

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    na ocasião em que se declararam nulas tanto a Lei do Ponto Final como a da Obediência

    Devida através da aprovação da Lei nº 25.779:

    En el contexto actual de nuestro derecho interno lainvalidación y declaración de inconstitucionalidad de lasleyes 23.492 y  23.521 no constituye una alternativa. Esuna obligacion.31 

     No entanto, a decisão da Câmara Federal foi apelada à Corte Suprema de Justiça

     Nacional, o órgão máximo da justiça argentina. Dois Procuradores Nacionais, Nicolas

    Becerra e Esteban Righi, confirmaram a decisão do Juiz Gabriel Cavallo, afirmando que

    ambas as leis contrariavam o ordenamento jurídico nacional e internacional.32 

    Em uma decisão fortemente respaldada por conhecimento técnico dosProcuradores e pelos Juízes, em 275 laudas a Corte Suprema declarou a nulidade das

    Leis mencionadas pela afronta aos dogmas presentes em seu ordenamento doméstico e

    também pela incoerência que tais diplomas conferiam em relação às obrigações

    assumidas no plano internacional.

    É sabido que o Direito Internacional possui uma série de postulados básicos que

    revestem-se de imperatividade: o  jus cogens, por exemplo. Tais regras consistem em

     postulados derivados originariamente do Direito Internacional e transcendem asrelações inter-estatais, haja vista que a referida seara não se limita às interrelações dos

     países do globo, mas sim, auxiliam a desenvolver os princípios fundamentais sobre os

    quais devem os estados calcar-se as relações internacionais, vinculando não só países

    mas também, pessoas que encontram submetidas às determinadas ordens jurídicas.

    Durante a Reforma Constitucional realizada em 1994, o constituinte argentino capitulou

    na “Constituición Nacional”, no artigo 75, inciso 22 a hierarquia de norma

    constitucional aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, como se vê:

    Articulo 75º - Corresponde al Congreso:[…]22. Aprobar o desechar tratados concluidos con lasdemas naciones y con las organizaciones internacionales ylos concordatos con la Santa Sede. Los tratados y

    31 Idem. p.3.32  CORTE SUPREMA DE JUSTICIA ARGENTINA. S. 1767. XXXVIII. RHE. Fallo del Procurador.

    Disponível em,acessado em 08 de junho de 2014.

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    concordatos tienen jerarquia superior a las leyes. […] Losdemas tratados y convenciones sobre derechos humanos,luego de ser aprobados por el Congreso, requeriran delvoto de las dos terceras partes de la totalidad de losmiembros de cada Camara para gozar de la jerarquia

    constitucional.33

     

    Ao sancionar as Leis do Ponto Final e da Obediência Devida, o estado argentino

    violou o dever internacional de investigar e punir violações de direitos humanos e no

    que diz respeito aos crimes contra a humanidade. A Corte Suprema com base na

     jurisprudência da Corte Interamericana, de modo incisivo, no precedente do Caso

    Barrios Altos Vs. Peru, reconheceu o dever do estado em prevenir, investigar e punir,

    através da utilização de todo o aparato governamental, os direitos humanos

    reconhecidos na Convenção Americana de Direitos Humanos.34  Do mesmo modo,

    estatuiu expressamente, em exercício louvável, que:

    “las leyes de Punto Final y de Obediencia Debida presentan los mismos vicios que llevaron a la CorteInteramericana a rechazar las leyes peruanas de"autoamnistía". Pues, en idéntica medida, ambasconstituyen leyes ad hoc, cuya finalidad es la de evitar la

     persecución de lesiones graves a los derechos humanos.”(…) “también deben quedar alcanzadas aquellas leyesdictadas por regímenes ulteriores que otorgan impunidada aquellos autores que pertenecían al régimen anterior, einfringen, de este modo, el propio deber de perseguir

     penalmente las violaciones a los derechos humanos.”35 

     Neste sentido, no bojo da análise da Corte Suprema, houve a alegação de que se

    estava lesando o Princípio da Legalidade pela imputação do crime de “desaparição

    forçada”, figura delituosa ora sem tipificação no ordenamento argentino e ainda, por

    valer-se de normas internacionais relativas a crimes contra a humanidade que possuem

    imprescritibilidade e não possuíam vigência no Estado Argentino, à época dos fatos.

    33  CONSTITUICIÓN DE LA NACIÓN ARGENTINA. Artigo 75º, inc. XXII. Disponível em, acessado em 08 de junho de 2014.34  CORTE SUPREMA DE JUSTICIA ARGENTINA. S. 1767. XXXVIII. RHE. Dictamen. p. 6 – 11.Disponível em,acessado em 08 de junho de 2014.35 CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES – CELS. Las leyes de Punto Final y Obediencia

    Debida son inconstitucionales. p. 6.Disponível em, acessado em 08 de junho de 2014.

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    À alegação do crime de desaparição forçada, sustentou a Corte:

    “la desaparición forzada de personas ya se encuentra -y seencontraba- tipificada en distintos artículos del Código

    Penal argentino. Pues no cabe duda de que el delito de privación ilegítima de la libertad contiene una descripcióntípica lo suficientemente amplia como para incluirtambién, en su generalidad, aquellos casos específicos de

     privación de la libertad que son denominados"desaparición forzada de personas". Se trata,simplemente, de reconocer que un delito de autorindistinto como la privación ilegítima de la libertad,cuando es cometido por agentes del Estado o por personasque actúan con su autorización, apoyo o aquiescencia, yes seguida de la falta de información sobre el paradero de

    la víctima, presenta todos los elementos que caracterizan auna desaparición forzada. Esto significa que ladesaparición forzada de personas, al menos en lo querespecta a la privación de la libertad que conlleva, ya seencuentra prevista en nuestra legislación interna como uncaso específico del delito -más genérico- de los artículos141 y, particularmente, 142 y 144 bis del Código Penal,que se le enrostra al imputado.36 

    Defende, portanto, a Corte Suprema que a imputação atribuída consiste na

    utilização combinada de diversos tipos penais previstos no Código Penal Argentino, em

    virtude da natureza do delito. E, dada a época e natureza em que se cometeram tais

    delitos, reconhece-se o seu caráter de crime contra a humanidade.

    Sobre a eventual violação do Princípio da Legalidade em relação aos direitos e

    garantias fundamentais, tem-se que, na época do cometimento das condutas, o Estado

    argentino já havia se comprometido com o resguardo de uma série de garantias

    fundamentais, quais foram violadas através das sistemáticas ações desempenhadas pelos

    agentes dos delitos. Nesta passagem, a Corte Argentina cita precedente emitido pela Corte

    Interamericana para dizer que:

    En esa inteligencia, la Corte Interamericana de DerechosHumanos en sus primeras decisiones sobre denuncias de

    36  CORTE SUPREMA DE JUSTICIA ARGENTINA. S. 1767. XXXVIII. RHE. Dictamen. p. 22.

    Disponível em,acessado em 08 de junho de 2014.

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    Resguardada a manifestação de aparente resiliência, os atos realizados pela

    República Peruana tiveram importante desdobramento no ordenamento jurídico

    argentino. A Constituição Nacional Argentina dá aos tratados internacionais sobre

    direitos humanos o caráter de norma constitucional. Este fato atribui à jurisdição da

    Corte, a característica de fonte permanente de elementos normativos daquele

    ordenamento. Ora, se as interpretações da Corte Interamericana vinculam o

    ordenamento argentino, seus juízes, em exemplar exegese, utilizando-se de

    recomendação interamericana, praticaram o Controle de Convencionalidade, ou mesmo

    o Duplo Controle normativo, de modo a anular os efeitos das leis do Ponto Final e da

    Obediência Devida, em virtude da extrema similaridade com as leis de anistia peruana.

    Se a Corte utilizou-se dessas medidas em relação às leis peruanas, o Juiz

    Argentino calcado na prática internacional declarou isentas de efeitos as referidas leis

    anistiadoras. As leis do Ponto Final e Obediência devida foram declaradas nulas após

    quatro anos de intensa pesquisa da Corte Suprema de Justiça Argentina que em sua

    sentença final, afastou qualquer tentativa de alegação atinente às violações porventura

    existentes ao Princípio da Legalidade, havendo exposto ainda, as características de

    retroatividade, imprescritibilidade e consequente inexistência de coisa julgada, sem

    deixar de abordar a característica de crime contra a humanidade.

    A denúncia feita contra o Brasil perante a Comissão Interamericana sobre a

    ineficácia das investigações da Guerrilha do Araguaia culminou no início do processo

    Gomes Lund e Outros vs. Brasil na Corte Interamericana. No entanto, a condenação e a

    respectiva responsabilização internacional do Estado Brasileiro só sobreveio após a

    declaração de constitucionalidade da Arguição de Descumprimento de Preceito

    Fundamental nº153, no Supremo Tribunal Federal.

     No que atine à recepção da Lei anistiadora (Lei nº 6.683/79) pela Consituição

    Federal de 1988, o julgador pátrio disse que a anistia estabelecida lei supramencionadaencontrou supedâneo de reiteração na Emenda Constitucional nº 26/85, que convocou a

    Assembleia Nacional Constituinte. Ainda, ressaltou nossa Suprema Corte que não seria

     possível restringir os efeitos do parágrafo 1º do artigo 1º da lei da anistia em razão do

     postulado do Estado Democrático de Direito, bem como, do Princípio da Segurança

    Jurídica.42 

    42

     SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 153. p. 9. Disponível em ,acessado em 09 de junho de 2014.

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    De acordo com o voto do eminente Relator, a inicial da ADPF compreendia

    duas linhas de argumentação: a primeira, onde se pleiteava a contemplação da

    interpretação conforme a constituição, à luz dos preceitos constitucionais fundamentais,

    de modo a declarar que a anistia concedida pela aludida lei aos crimes políticos ou

    conexos não se estenderia aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão

    contra opositores políticos durante o regime militar; a segunda, onde se pleiteava o não

    recebimento da Lei da anistia pela Constituição Federal.43  Na ótica do peticionário,

    haviam sido violados os seguintes preceitos fundamentais: direito à isonomia, direito a

    receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou coletivo e os

     princípios democrático e republicano e da dignidade da pessoa humana.44 

    O argumento de maior controvérsia, entretanto, alude à análise do contexto

    histórico qual se desenvolve a Lei de Anistia. Tal referência ao momento histórico já foi

    analisada neste trabalho. Todavia, afirma a síntese do julgado que “A anistia tem índole

    objetiva, não visando a beneficiar alguém especificamente, mas dirigindo-se ao crime,

    retirando-lhe o caráter delituoso e, por consequência, excluindo a punição dos que o

    cometeram.”45 

    E prossegue:

    “relevantíssima questão submetida ao Supremo TribunalFederal, entretanto, não comporta exame dissociado docontexto histórico em que editada a norma objeto daarguição, absolutamente decisivo para a sua adequadainterpretação e para o juízo definitivo acerca dasalegações deduzidas pela Ordem, como, aliás, jádestacado em outros pronunciamentos trazidos aos autos.A anistia, no Brasil, resultou, todos sabemos, de um longodebate nacional, com a participação de diversos setores dasociedade civil, a fim de viabilizar a transição entre o

    regime autoritário militar e o regime democrático atual. Asociedade civil brasileira, para além de uma singela participação neste processo, articulou-se e marcou nahistória do país uma luta pela democracia e pela transição 

     pacífica e harmônica, capaz de evitar maiores conflitos.”46 

    43 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 153. p. 12 e ss. Disponível em, acessado em 09 de

     junho de 2014.44

     Idem. p.14 e ss.45 Ibidem. p. 9.46 Ibidem. p. 9 – 10.

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    Longe das controvérsias já levantadas sobre se o “acordo” civil e militar sobre a

    anistia realmente existiu ou não, conforme já se expôs em capítulos anteriores. A

    Arguição fora julgada improcedente, ungindo outra vez mais, com aparente legalidade a

    Lei nº 6.683/79. A decisão da ADPF possui efeito vinculante de acordo com o art. 10,

    §3º da Lei nº 9.892/99. Sequer cogita-se a existência do processo que tramitava ante a

    Corte Interamericana envolvendo questões atinentes ao tema da anistia.

    Uma vez condenado pela Corte, o Brasil recebeu a sentença e deveria executá-la

    incontinenti. Muito embora a sentença do Caso Gomes Lund tenha ido na mesma linha

    exegética das demais sentenças referentes às Leis de Anistia, o Brasil não possui um

    mecanismo apto ou mesmo uma lei como o ordenamento jurídico peruano, para

    executar os mandamentos dos tribunais internacionais. O núcleo do que foi decidido

     pela Corte, isto é, a determinação da anulação da Lei nº 6.683/79, tornou-se

    impraticável, segundo o que decidiu o STF, através de uma visão negacionista.

    Sobre as obrigações internacionais que dizem respeito à proteção dos direitos

    humanos ratificados pelo Brasil, somente o Ministro Enrique Ricardo Lewandowski faz

    menção àquilo que o julgamento da Corte Suprema de Justiça Argentina analisa

     pormenorizadamente: as obrigações internacionais assumidas pelo Estado e a busca pela

    coerência. Tivesse o STF se ocupado de verificar se as graves violações de Direitos

    Humanos praticadas por agentes públicos durante o regime militar configuram ou não

    crimes internacionais ou crimes contra a humanidade. Em crítica ao teor geral da

    decisão da ADPF 153, pontua Deisy Ventura:

    Caberia a uma Corte Suprema atenta à evolução doDireito da segunda metade do século passado travar essedebate. O STF preferiu, porém, ao longo das 266 páginasdeste florão estatalista, desfilar revisões aventureiras da

    história, além da regurgitação de questões desprovidas detranscendência, se comparadas ao que o mundo jurídicoconstruiu nos últimos 70 anos.47 

    Afortunadamente, não só de mazelas compõe-se o ról de feitos que envolvem o

    cumprimento da sentença do Caso Gomes Lund. Eis que através da Lei nº 12.528 de

    47

      VENTURA, Deisy. A Interpretação Judicial da Lei de Anistia Brasileira e o Direito Internacional.Revista Anistia Política e Justiça de Transição. nº4, jul./dez. 2010. p. 210. Disponível em, acessado em 09 de junho de 2014.

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    A Corte Interamericana de Direitos Humanos constitui um tribunal internacional

    formado por juízes indicados pelos países signatários da Convenção Interamericana de

    Direitos Humanos. A Corte exerce o resguardo dos direitos humanos definidos como

    fundamentais, através da citada Convenção, e protege particulares pelos atos violatórios

    dos preceitos convencionais.

    Cada Estado-membro, no exercício de sua soberania, usufruindo das

     prerrogativas inerentes à sua jurisdição pode aplicar o seu direito interno ao caso

    concreto. Entretanto, em determinadas situações, no que respeita aos Estados signatários

    dos documentos internacionais de resguardo dos Direitos Humanos, as violações devem

    obedecer àquilo que dispõe o ordenamento jurídico internacional, porquanto vinculante

    sua aplicação ao que abrange as garantias fundamentais do ser humano. Quando a

     prestação jurisdicional do Estado resultar inefetiva ou mesmo inócua, quanto a punição,

    reparação e resguardo das garantias fundamentais, pode o indivíduo, mediante o

    esgotamento das instâncias nacionais, socorrer-se dos meios internacionais de proteção.

     No continente americano, à Corte Interamericana.

    Dentro de suas prerrogativas, a Corte pode emitir pareceres (função consultiva) e

    mesmo analisar e resolver contenciosos que registrem eventuais supostas violações dos

     preceitos da Convenção ou dos demais documentos que compõem o Sistema

    Interamericano de proteção aos Direitos Humanos. Uma vez ratificada a Convenção

    Interamericana de Direitos Humanos, a jurisdição da Corte torna-se obrigatória,

    devendo o Estado implementar as medidas necessárias ao cumprimento do que for

    disposto.

    Baseado neste pressuposto, notamos que alguns ordenamentos jurídicos de

    nosso continente possuem a sistematicidade e a coerência necessária para cumprir com

    o que a Corte dispõe sem macular a soberania nem os princípios fundamentais,

    quaisquer que sejam. Outros ordenamentos, por conseguinte, ainda sofrem com oretardo causado pela ignorância relativa ao Direito constituído em âmbito internacional

    e a possibilidade de vinculação dos preceitos lá pactuados em relação à realidade

    doméstica do caso concreto.

    Efetuou-se comparação sobre a vinculação dos Estados peruano, argentino e

     brasileiro às obrigações, porventura, assumidas em ambiente internacional, bem como

    sobre a implementação do efetivo Controle de Convencionalidade.

    Tratou-se do precedente jurisprudencial criado pelo Caso Barrios Altos vs. Peruna Corte Interamericana. Referido caso, constituiu grave violação de direitos humanos

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    ante a prática de um massacre levado a cabo por milícia ligada a então presidência da

    República peruana. Antes da manifestação da Corte, o Estado peruano emitiu duas leis

    quais atribuíam anistia aos civis e militares em determinado espaço temporal qual

    abrangia o do massacre de Barrios Altos.

    A Corte responsabilizou internacionalmente o Estado Peruano em virtude da

    concessão de anistia que ocasionou o pronto arquivamento de todos os feitos

    investigatórios sobre eventuais violações de direitos humanos e decretou a inexistência

    de efeitos jurídicos das referidas leis.

    O fato da Corte declarar a inexistência de efeitos jurídicos das leis anistiadoras

     peruanas causou repercussão no ordenamento jurídico da República Argentina. Fato que

    mais adiante aludimos.

    O poder judiciário peruano, tão logo emitida a sentença da Corte Interamericana

    requisitou o desarquivamento de todos os procedimentos investigatórios que haviam

    sido arquivados em decorrência das leis anistiadoras. No entanto, muito embora o

     judiciário daquele país tenha empreendido ações voltadas ao cumprimento do disposto

    da sentença do Caso Barrios Altos, silenciou-se no que diz respeito a aceitação ou

    rechaço da prática do Controle de Convencionalidade.

     Na Argentina, o precedente criado pela Corte Interamericana sobre o Caso

    Barrios Altos, ocasionou amplo mal-estar ao juiz singular Gabriel Cavallo que, em

    exercício ex oficio, de forma difusa, de adequação da legislação argentina (no caso, leis

    anistiadoras nominadas Lei do Ponto Final e Lei de Obediência Devida), em relação às

    obrigações internacionais assumidas por aquele país e mesmo, que elas gozavam de

    vigência ao arrepio da Constituição da Nação Argentina. O fato causou grande

    repercussão.

    A Suprema Corte de Justiça Argentina, após analisar a decisão judicial, bem

    como outro precedente legislativo criado em apoio à decisão do Juiz Cavallo, em ummonumental parecer, tanto da parte dos “Procuradores de la Nación” como dos juízes do

    referido Tribunal, analisaram a vigência das referidas leis em consonância com as

    obrigações internacionais assumidas pela Argentina, bem como, em relação à natureza

    dos crimes cometidos durante o regime militar argentino. Ademais, o sólido parecer

     judicial analisou todo o âmbito em que se erige o Direito Internacional dos Direitos

    Humanos, estabelecendo a submissão do Estado Argentino para com suas obrigações e,

    ainda, desenvolveu o raciocínio de vinculação dos crimes cometidos pela ditaduramilitar consistiam em “crimes contra a humanidade”. Sem esquecer de esmiuçar a

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    relação entre as características que possuem tais crimes: imprescritibilidade,

    retroatividade, etc., em relação ao princípio da legalidade. Por fim, em exercício

    absolutamente exemplar, declaram a nulidade de ambas as leis anistiadoras analisadas.

     No que tange ao Ordenamento Brasileiro mostra-se a materialização da

    incoerência referida no primeiro capítulo em relação ao Caso Gomes Lund e Outros Vs.

    Brasil, que tramitou perante a Corte Interamericana e culminou na responsabilização

    internacional do Estado brasileiro sobre a falta de investigação e uma série de outras

     prerrogativas resguardadas pela Convenção para com as famílias das vítimas do

    episódio conhecido como “Guerrilha do Araguaia”. A Corte, de modo a impelir o

    Estado a cumprir de forma coerente com suas obrigações internacionais, sustentou que a

    Lei nº 6.683/79, também conhecida como Lei da Anistia carecia de efeitos jurídicos, em

    virtude de haver sido redigida de modo a constituir anistia tanto aos civis como também

    aos militares do período autoritário que comandou o país no período compreendido

    entre 1964 e 1985.

     Não obstante isso, em período anterior, cerca de alguns meses antes da emissão

    do mandamus da Corte no Caso Gomes Lund, o Supremo Tribunal Federal manifestou-

    se sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, proposta pelo

    Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, sobre a atribuição de

    interpretação conforme a Constituição dos preceitos contidos dos artigos da referida lei

    de anistia. O Supremo Tribunal Federal em abordagem friamente calcada em

    argumentos históricos buscou justificar a formulação da Lei de Anistia ante a conjuntura

    de transição do regime ditatorial para o democrático. De forma lacônica, apenas um dos

    eminentes magistrados de nossa Corte Suprema citou, em breve aforismo, mecanismos

    internacionais aos que o Brasil estava vinculado. Olvidou nossa Corte, das obrigações

    internacionais que nos obrigam a prover mecanismos de resguardo aos direitos

    humanos. Sem mencionar a contraposição exercida pelos direitos e garantiasfundamentais garantidos pela Constituição Federal. Uma decisão pautada no positivismo

    à la carte, conforme no bojo do trabalho explicitado.

    Impõe-se, por prudência, ao fim, a necessidade de dar tempo ao Supremo

    Tribunal Federal, bem como a todo o Poder Judiciário nacional, no que tange a

    utilização dos mecanismos de Direito Internacional como fonte de adequação, de juízo

    de coerência para com a justiça. O retrospecto jurisprudencial sobre a matéria de Direito

    Internacional, em nossos tribunais é, ainda escasso. Muito ainda se tem que galgar de

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    VILLANUEVA, Marcos Agustín. El control de convencionalidad y el correcto uso del

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    fundamentales. Anais do Congreso de Derecho Público para Estudiantes y Jóvenes

    Graduados “Democracia y Derecho”. Universidad Buenos Aires. 2012. Disponível em

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