Upload
duongminh
View
216
Download
3
Embed Size (px)
Citation preview
1
A implementação da Lei do Piso na Região Metropolitana de Campinas
Marcela Pergolizzi Moraes de Oliveira
UNICAMP – Faculdade de Educação - Programa de Pós-Graduação em Educação – SP
Eixo Temático 3 - Pesquisa, Formação de Professores e Trabalho Docente
Pôster
O trabalho docente vem sofrendo mudanças significativas desde a década de 1990,
acompanhando o movimento de modificações no cenário histórico-econômico brasileiro, e suas
implicações no campo educacional. Mudanças marcadas pela implementação da Lei de
Diretrizes e Bases (9.394/1996) e, junto a ela, a criação do FUNDEF (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), trazendo uma nova
organização gerencial para o campo educacional. Intensificou-se a cobrança por resultados com
a implementação de um Sistema Nacional de Avaliação – dentre eles o Sistema de Avaliação da
Educação Básica (SAEB). Em 2008, promulgou-se a Lei n°11.738, que garante um piso salarial
aos professores e estabelece que todas as jornadas docentes devem reservar, no mínimo, 1/3 de
sua carga horária prevista para a preparação de aulas e horas de estudo individuais ou coletivas.
O objetivo deste trabalho é analisar as jornadas de trabalho docente nos municípios da Região
Metropolitana de Campinas. É dada ênfase as cidades que já estão adequadas à Lei do Piso (Lei
n°11.738/08), especificamente no quesito referente à jornada que garanta 1/3 da carga horária
reservada à atividades extraclasse. Partimos da hipótese de que a obrigatoriedade da
implementação desta Lei, propulsionou uma alteração curricular nos municípios sem que estes
fizessem um estudo para essa modificação. Ao se reduzir o tempo do professor de sala,
precisaram encaixar “novas” aulas dentro desse período.
Palavras-chave: Valorização do Magistério; Políticas Educacionais; Trabalho Docente; Lei n.
11.738/2008; Plano de Cargos e Carreira do Magistério.
2
A implementação da Lei do Piso na Região Metropolitana de Campinas
1. Introdução
O trabalho docente vem sofrendo mudanças significativas desde a década de 1990,
acompanhando o movimento de modificações no cenário histórico-econômico brasileiro, e suas
implicações no campo educacional.
Mudanças marcadas pela implementação da Lei de Diretrizes e Bases (9.394/1996) e, junto
a ela, a criação do FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização do Magistério), trazendo uma nova organização gerencial para o campo
educacional. Intensificou-se a cobrança por resultados com a implementação de um Sistema
Nacional de Avaliação – dentre eles o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB).
Em contrapartida, nos textos da legislação recente (LDB/1996, PNE/2001, PDE/2007),
podemos encontrar uma parte reservada a garantia da valorização do magistério e condições de
trabalho docente.
Em 2008, promulgou-se a Lei n°11.738, que garante um piso salarial aos professores e
estabelece que todas as jornadas docentes devem reservar, no mínimo, 1/3 de sua carga horária
prevista para a preparação de aulas e horas de estudo individuais ou coletivas.
O objetivo deste trabalho é analisar as jornadas de trabalho docente nos municípios da
Região Metropolitana de Campinas. É dada ênfase as cidades que já estão adequadas à Lei do
Piso (Lei n°11.738/08), especificamente no quesito referente à jornada que garanta 1/3 da carga
horária reservada à atividades extraclasse.
Registraremos qual foi a trajetória percorrida pelos municípios para adequação desta lei.
Aprofundaremos a análise nos quatro municípios que, a partir de 2012, contemplam os
professores com essa jornada: Indaiatuba (2012), Monte Mor (2012), Paulínia (2012) e Vinhedo
(2012). O nível de ensino observado é o Ensino Fundamental I.
Os documentos analisados são: os Estatutos do Magistério e Planos de Cargos e
Carreira, Leis e leis complementares referentes a salário e carreira.
Observaremos qual é o espaço reservado para a formação continuada durante o tempo
de trabalho do professor. Qual o caráter? – É fornecida por professores da rede ou é
terceirizada? Quais temas/demandas são priorizados?
Localizaremos, também, se dentro das chamadas horas-atividade, horas para reuniões,
os docentes possuem espaço para contribuírem na tomada de decisões da escola.
Será observado qual o modelo adotado pelos municípios.
Partimos da hipótese de que a obrigatoriedade da implementação desta Lei,
propulsionou uma alteração curricular nos municípios sem que estes fizessem um estudo para
3
essa modificação. Ao se reduzir o tempo do professor de sala, precisaram encaixar “novas”
aulas dentro desse período. Como isto foi visto pelos docentes e pela gestão?
Este trabalho busca identificar quais foram os principais atores por trás da
implementação desta lei.
2. Procedimentos Metodológicos
Esta investigação desenvolve sua organização metodológica, inicialmente, através de
levantamento bibliográfico sobre trabalhos já realizados sobre o histórico de elaboração da Lei
n° 11.738/2008, estudos sobre o contexto educacional brasileiro a partir da década de 1980 e
seus desdobramentos até recente legislação educacional.
Num segundo momento, são examinados documentos oficiais dos municípios da Região
Metropolitana de Campinas, no intuito de elucidar como se apresentam as jornadas de trabalho
docente e carreira.
E, finalmente, se adentrará nos quatro municípios que implementam a legislação desde
2012 – Paulínia, Monte Mor, Indaiatuba e Vinhedo, para que sejam trazidos à tona os pontos de
êxito, as dificuldades enfrentadas, o processo de implementação e a avaliação segundo os
docentes destes sistemas municipais de ensino. Este momento da pesquisa se dará através de
conversas com supervisores educacionais, com professores e com sindicatos.
3. A Região Metropolitana de Campinas
Esta pesquisa está inserida no eixo temático do Grupo de Políticas Públicas e Educação,
que focaliza seus estudos na Formação Continuada de Professores na Região Metropolitana de
Campinas (RMC).
A escolha da RMC se dá pelo fato de ser um importante polo econômico, industrial e
agrícola do interior do estado de São Paulo. Concentra diferenças significativas entres os
municípios que a compõe, desde tamanho territorial e população, até a economia desenvolvida.
A RMC foi criada pela Lei Complementar Estadual nº 870, de 19 de Junho de 2000 e é
formada por dezenove municípios: Americana, Artur Nogueira, Campinas, Cosmópolis,
Engenheiro Coelho, Holambra, Hortolândia, Indaiatuba, Itatiba, Jaguariúna, Monte Mor, Nova
Odessa, Paulínia, Pedreira, Santa Barbara d´Oeste, Santo Antonio de Posse, Sumaré, Valinhos e
Vinhedo. Constitui-se como a segunda maior região do estado de São Paulo e a nona maior do
Brasil, compreende cerca de 6,9% da população do estado (SEADE, 2014).
3.1. A Lei do Piso (Lei n°11.738/08) na RMC
A Região Metropolitana de Campinas contempla em mais de 50% de seus municípios
com a Lei do Piso. O município que iniciou o processo na Região foi Holambra, em 2010,
4
porém apenas em escolas de ensino fundamental. Em 2012, quatro municípios se adequaram
integralmente à lei: Indaiatuba, Monte Mor, Vinhedo e Paulínia. Em 2013, apenas Nova Odessa
e Jaguariúna ajustaram suas jornadas. E neste ano letivo de 2014, iniciaram a implementação,
ou estão em vias de, as cidades de: Artur Nogueira, Hortolândia, Itatiba, Santa Bárbara D´oeste,
Sumaré e Valinhos. Com isso, são 12 (doze) municípios de um total de 19 (dezenove) que já se
apropriaram da legislação nacional.
Dentre os 7 (sete) que não contemplam integralmente a lei, Americana, Campinas,
Cosmópolis e Holambra, iniciaram sua implementação em apenas algumas jornadas. Já
Engenheiro Coelho, Pedreira e Santo Antônio da Posse não aplicam em nenhum caso.
Municípios Aplicação da Lei 11.738/2008
Americana PARCIAL - Apenas escolas EF período integral
Artur Nogueira SIM - Prevista para o decorrer de 2014
Campinas PARCIAL - apenas duas escolas integrais – 2014
Cosmópolis PARCIAL - apenas jornada inicial de trabalho - 18h - 12/6
Engenheiro Coelho NÃO (falta verificar com a SME)
Holambra PARCIAL - escolas de ensino fundamental – 2010
Hortolândia SIM - implementação em 2014
Indaiatuba SIM - 4 JORNADAS – 2012
Itatiba PARCIAL - Cumpre em 3 jornadas, apenas não Jornada Básica – 2014
Jaguariúna SIM - desde julho de 2013
Monte Mor SIM - desde abril de 2012
Nova Odessa SIM - lei não localizada - julho/2013
Paulínia SIM - mas não localizei. 2012 . Houve pedido para reelaboração no início de 2013
Pedreira NÃO - não encontrei atualizações da lei (falta verificar com a SME)
Santa Bárbara D´oeste SIM - a partir de 2014
Santo Antônio de Posse NÃO (falta verificar com a SME)
Sumaré SIM - Lei não localizada - a partir de 2014
Valinhos SIM, em adequação jan/2014
Vinhedo SIM, implementado a partir de 2012
(Tabela elaborada pela autora baseada nas leis municipais, atualizada em 17/03/2014)
Centraremos esta investigação nos municípios que primeiro implementaram a Lei, pois
desta forma teremos mais elementos para a análise, sedo eles: Indaiatuba, Monte Mor, Paulínia
e Vinhedo.
Área¹ População² IDH/
ranking³
Taxa de
analfabetismo
da população
de 15 anos e
mais (%)⁴
População
de 18 a 24
anos com
ensino
médio
completo⁴
PIB per
capita ⁵ IDEB⁶ (municipal)
5° ano
9° ano
Indaiatuba 312,05 215.670 0,788 /
76°
3,8 61,73 29.065,93 6,0 não
inf.
Monte 250,41 52.039 0,733 / 7,6 50,6 28.185,49 5,4 4,6
5
Mor 940°
Paulínia 138,72 89.511 0,795 /
56°
3,47 61,46 97.128,95 5,6 4,4
Vinhedo 81,6 67.899 O,817 /
13°
3,37 64,08 112.616,84 5,9 5,2
RMC 5.225,49 3.121.906 0,735 3,85 60,5 36.297,64 5,77 5,03
Estado 248.223,21 42.304.694 0,783 4,33 58,68 32.454,91 5,4 4,4
¹Dados extraídos da SEADE, 2014; ² Dados extraídos da SEADE, 2013; ³Dados extraídos da
SEADE, 2010 – PNUD, 2010, Ranking dos municípios brasileiros; ⁴Dados extraídos da
SEADE, 2011; ⁵Dados extraídos da SEADE, 2011; ⁶Portal IDEB, 2011.
Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados da SEADE, 2010; 2011; 2013; 2014;
PORTAL IDEB, 2011, PNUD, 2010.
4. Histórico da Lei n.° 11.738/2008
A Lei n.°11.738/2008, que institui o Piso Salarial Profissional Nacional para os
profissionais do magistério público da educação básica, mais conhecida como a Lei do Piso, é
uma conquista para a categoria docente, pois estabelece um valor unificado mínimo a ser pago
aos professores de todo o país e, caso o município, estado ou Distrito Federal não possuam
condições financeiras para isso, é dever da União fornecer recursos. Outro ponto importante
desta lei, ao qual daremos maior ênfase neste texto, é a garantia de, no mínimo, 1/3 da jornada
extraclasse para que os docentes possam preparar suas aulas, realizarem reuniões pedagógicas e
cursos de formação continuada.
Ao fazermos levantamento bibliográfico sobre a origem da Lei do Piso e suas disputas
para implementação, encontramos quatro estudos de significativa importância e sobre os quais
nos apoiaremos para expor essa tramitação.
O primeiro é a tese de doutoramento de João A. C. Monlevade, intitulada: Valorização
Salarial Dos Professores: o papel do piso salarial profissional nacional como instrumento de
valorização dos professores da educação básica. O autor foi diretor do Sindicato dos
Trabalhadores em Educação (CNTE) de 1987 a 1991 e membro do Conselho Nacional de
Educação (CNE) de 1996 a 2000. O segundo é o livro intitulado “Piso Salarial para os
Educadores Brasileiros – Quem toma partido?”, de Juçara Vieira, que foi presidente da CNTE
de 1995 a 2011. O terceiro é uma pesquisa feita pela ONG Ação Educativa, em parceria com a
Campanha Nacional pelo Direito à Educação, chamada “A lei do piso salarial no STF”. E, por
último, um artigo apresentado na ANPed e publicado pela revista HISTEDBR online, “O
processo de elaboração da Lei 11.738/2008: Trajetória, Disputas e Tensões”.
6
Segundo a bibliografia, desde a colônia1 já havia uma orientação para que se
estabelecesse um salário base comum a ser pago aos professores. Mas é consensual que o marco
inicial legal, com orientação para elaboração de planos de carreira para o magistério público,
além de ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, com importantes
desdobramentos para a educação nacional, se deu com a promulgação da Constituição Federal
de 1988.
Fruto de intenso debate entre educadores que, ao longo das décadas de 1970 e 1980, se
organizaram em associações2 de diferentes tipos, contrários às reformas instituídas pela ditadura
civil-militar.
Anteriormente a isso, na década de 1960, durante os congressos da Confederação dos
Professores do Brasil3 (CPB) os professores já debatiam as diferenças salariais entre os estados,
abrindo a possibilidade para a discussão de um Piso Nacional. Que, segundo Monlevade (2000),
só foi possível quando os estados mais ricos derrubaram seus salários até quase aos dos estados
mais pobres, decorrente da inflação sofrida entre 1979 – 1980. Porém, o foco, orientado pela
CUT, foi se prepararem para a atuação na Constituinte, passando pelo movimento das Diretas-
Já, elaborando as discussões e teses e projetando os seus líderes que iriam para a Câmara
Federal (p.121).
Ao longo da década de 1990, entre as mudanças de mandato pelas eleições
presidenciais4, ocorreu um período de intenso debate em relação às questões educacionais.
1 Em 1827, na lei do Império, artigo 10, previa-se a gratificação de mérito, ao determinar que “os
Presidentes, em Conselho, ficam autorizados a conceder uma gratificação anual que não exceda à terça
parte do ordenado, àqueles Professores, que por mais de doze anos de exercício não interrompido se
tiverem distinguido por sua prudência, desvelos e grande número e aproveitamento de discípulos”.
(grifos nossos, BRASIL, 1827, apud, MONLEVADE, 2000) 2 Entidades de cunho acadêmico-científico isto é, voltadas para a produção, discussão e divulgação de
diagnósticos, análises, críticas e formulação de propostas para a construção de uma escola pública de
qualidade. Nesse âmbito situam-se a ANPEd (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Educação), criada em 1977; o CEDES (Centro de Estudos Educação & Sociedade), constituído em 1978;
e, a ANDE (Associação Nacional de Educação), fundada em 1979. Essas três entidades se reuniram para
organizar as Conferências Brasileiras de Educação (CBEs), tendo a primeira se realizado em 1980, a qual
foi seguida de outras cinco ocorridas em 1982, 1984, 1986, 1988 e 1991. E entidades sindicais dos
diferentes estados do país, articuladas em âmbito nacional pela CPB41 (Confederação dos Professores do
Brasil) e ANDES (Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior) as quais vieram a liderar a
organização do I Congresso Nacional de Educação realizado em 1996 substituindo a série interrompida
das CEBs. (SAVIANI, 1997) 3 A fundação da CPPB em 1960 foi um marco inicial de organização, que começava com a reunião da
categoria mais numerosa dos professores: a dos professores públicos primários, naquele tempo
aproximadamente 300.000.(RIBEIRO, 1979: 146) Em 1972 teve-se a agregação dos professores
secundários e a transformação da CPPB em CPB. Em 1990, ocorre a transformação da CPB em CNTE,
desta vez abarcando professores de 1º e 2º graus, especialistas e funcionários das escolas públicas
estaduais e parte das municipais. 4 Pelas quais passaram Fernando Collor de Melo, de 1990 a 1992, ano em que sofreu impeachment.
Assumiu seu vice, Itamar Franco, até o final de 1994. Quando assume a presidência Fernando Henrique
Cardoso, ocupando o cargo até o final de 2001, pelo período de dois mandatos.
7
Estávamos no contexto educacional orientado por novas definições, originadas pela
Conferência Mundial de Educação para Todos5, que ocorreu em Jomtien, Tailândia, em 1990.
Os países assinaram um documento para erradicar o analfabetismo e melhorar os indicadores
nacionais em educação. A Conferência foi promovida pela Organização das Nações Unidas para
a Infância (UNICEF), Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo
Banco Mundial. Em decorrência disso, foi elaborado, no Brasil, o Plano Decenal de Educação a
partir de 1993.
Célio da Cunha, assessor especial para a área de Educação da Unesco no Brasil, relata o
caráter deste plano pelo governo da época:
“A ideia de todos pela educação reveste-se de importância capital
neste momento crítico da educação nacional. Não se pode mais
admitir, numa política educacional, que o Estado se responsabilize por
tudo, o que não significa que o poder público esteja cumprindo
plenamente o seu papel. O que se busca, com o Plano Decenal, é um
reajuste de ambas as partes. Da parte do poder público (União, estados
e municípios), o cumprimento de suas responsabilidades
constitucionais, e, da parte da sociedade civil, o exercício ativo de sua
cidadania, cobrando vagas e qualidade por um lado e, por outro,
ajudando a escola a desempenhar a sua função pública com o máximo
de competência e exercendo saudável pressão para que o país, em suas
diversas instâncias, reconheça, com fatos concretos e não mais com
discursos demagógicos de campanha, a importância social do
professor, profissionalizando essa atividade e resgatando um
compromisso que pode responsabilizar publicamente os que não o
cumprirem” (Cunha, 1993, p.27, grifos nossos).
Segundo publicação do MEC (1993), os professores ocupam uma posição central na
qualidade da educação, e incentiva que a função do magistério seja reconhecida publicamente
pela sua relevância social. Assim como não podemos perder de vista a centralidade da qualidade
da educação sobre estes atores, os responsabilizando pelos resultados.
O Plano Decenal concebe a valorização do professor pela conjugação
simultânea de três vertentes: Carreira, Condições de Trabalho e
Qualificação. No primeiro caso, destaca-se a necessidade urgente de
os Estados e Municípios reverem as carreiras de magistério, com o
objetivo de dotá-las de padrões e características capazes de promover
um exercício digno da profissão; quanto às condições de trabalho,
trata-se de assegurar padrões básicos de funcionamento das escolas,
criando-se ambientes de aprendizagem adequados aos desafios
existentes; finalmente, é preciso rever a formação, tanto das Escolas
Normais quanto das Licenciaturas, de forma a compatibilizá-la com as
necessidades da escola, e a criar mecanismos de educação continuada
de professores. (MEC, 1993b, p.05)
5 Contou com a presença de delegações de 155 países, 20 organismos inter-governamentais e 150
organismos não-governamentais.
8
Com este Plano publicado, algumas ações se desenrolaram tanto na Câmara dos
Deputados, como no Senado Federal.
Nesse sentido, sinaliza que a média salarial de professores primários, na década de
1990, era equivalente à U$ 200,00 mensais, apresentando grandes variações entre regiões e
sistemas de ensino. “Esses padrões de remuneração tornam pouco atraente a carreira, pois
são, em geral, inferiores aos de outros segmentos profissionais que apresentam média de
escolaridade inferior à dos professores” (BRASIL, 1993-a, p. 24).
Concomitante a esse cenário, em 1987 iniciou-se o movimento em torno da elaboração
das novas Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Anteprojeto 1.258/1988), de autoria de
Octávio Elísio (na época PMDB e depois PSDB/MG) este projeto, permaneceu em debate na
Câmara dos Deputados de novembro de 1988 a maio de 1993 e foi aprovado no Senado
somente em 1996. O texto final, de autoria do senador Darcy Ribeiro, reflete um intenso e
conflituoso debate entre o Fórum em Defesa da Escola Pública6, o Executivo, o Legislativos, as
associações patronais, entre outras (SOUZA, 1997).
Por não haver consenso entre a definição do papel do Estado, das competências da
União e das outras instâncias e das possibilidades de institucionalização de um sistema nacional
de ensino, retardou-se por 15 anos a regulamentação dos preceitos educacionais consagrados na
CF 88 (KRAWCZYK & VIEIRA, 2008).
Por fim, suas definições tiveram como eixo central uma nova organização do sistema
nacional, que se caracterizou pela municipalização do provimento do ensino fundamental, pela
implantação de parâmetros curriculares e de um sistema de avaliação institucional comuns para
todo o país. Desta maneira, descentralizou a responsabilidade sobre a gestão e provimento da
educação para os estados e municípios, ao mesmo tempo em que centralizou a cobrança pelos
resultados através de um sistema nacional de avaliação.
A Lei 9.394/1996, em seu título IV - Da Organização da Educação Nacional, em seu
artigo 13°, indica quais são as incumbências dos professores, tais como: I - participar da
elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II - elaborar e cumprir plano
de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III - zelar pela
aprendizagem dos alunos; IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor
rendimento; V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar
integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento
profissional; VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a
6 O Fórum em Defesa da Escola Pública na LDB é semelhante àquele que atuou na Constituinte, era
composto por 26 associações nacionais: sindicais, estudantis, científicas, governamentais e organizações
não governamentais.
9
comunidade (grifos nossos).
Dentre todas estas atribuições, vale ressaltar aqui, que sem um período reservado na
jornada docente para o cumprimento de todas essas obrigações, fica evidente o trabalho
realizado fora da jornada para a concretização destas atividades.
Neste sentido, LDB reserva o Título VI para os Profissionais da Educação, e seu artigo
67, exclusivo para a valorização dos profissionais do magistério, que nos termos da lei é
definido como:
Art. 67º. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos
profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos
estatutos e dos planos de carreira do magistério público:
I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com
licenciamento periódico remunerado para esse fim;
III - piso salarial profissional;
IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na
avaliação do desempenho;
V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído
na carga de trabalho;
VI - condições adequadas de trabalho.
Parágrafo único. A experiência docente é pré-requisito para o
exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos
termos das normas de cada sistema de ensino (BRASIL, 1996, grifos
nossos).
Desta maneira, a Lei direciona que os sistemas de ensino estaduais, municipais e
distrital elaborem seus sistemas de ensino pautados nesses parâmetros.Mas não define se
existirá um valor padronizado caracterizando um Piso Nacional, e nem sugere um cálculo para o
estabelecimento de seu valor.
Paralelamente a tramitação da LDB (Lei 9.394/96), houve durante os anos de 1993 a
1996, um debate exclusivo sobre a existência, ou não, de um Piso Salarial Profissional Nacional
e sobre a jornada docente. Havia, de um lado, um grupo majoritariamente encabeçado pela
CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, com membros em sua
maioria do PT, em que defendiam um Piso Nacional, jornada integral de 40 horas e 50% da
jornada com alunos. E, de outro lado, o CONSED e a UNDIME defendiam múltiplas jornadas e
25% da jornada extraclasse. Esses grupos fizeram parte dos debates organizados pelo MEC e,
posteriormente, na elaboração de pareceres da Comissão da Educação Básica, do Conselho
Nacional de Educação (MONLEVADE, 2000).
A questão da definição da composição da jornada do professor sempre foi controversa.
Todos eram unânimes em reconhecer que a dupla jornada e o
multiemprego são a causa principal da perda de qualidade do ensino.
Acontece que uma jornada integral de 40horas semanais com 20 a 25
horas de docência significa abertura de milhares de novos postos de
trabalho para professores que iriam ocupar as horas-aula liberadas
10
para horas-atividade dos colegas (e muitas vezes estes professores
simplesmente não existem como no caso de disciplinas de ciências
exatas), provocando uma quase duplicação de despesas com a folha de
pagamento. Ora, melhorar salário e contratar mais professores de uma
só vez seria um desafio impraticável, argumentavam o CONSED e a
UNDIME. A CNTE e outros retrucavam: será que os recursos
arrecadados vinculados à educação estão sendo aplicados
corretamente? Ou, não haverá muitos professores disponíveis, já na
folha de pagamento e com desvio de função? Daí ter sido adotado o
critério de “25 alunos por professor no sistema”, como elemento
regulador do embate “verbas versus salários” (MONLEVADE, 2000,
p.156).
Dentre as idas e vindas dos mandatos, em 1995, no governo de FHC, é lançado o Fundo
de Valorização do Magistério (Emenda Constitucional 14/96), que se tornou o PL 2380/96, e
em quatro meses é aprovado na forma da Lei 9424, como o Fundo de Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, em 24 de dezembro de 1996. O FUNDEF
é sancionado definindo os parâmetros dos Planos e a maneira com que os estados e municípios
irão administrar seus recursos, consequentemente o estabelecimento do custo-aluno-qualidade e
o valor do salário docente.
Durante a tramitação da PEC houve polarização entre os deputados que acreditavam ser
uma medida para reduzir o repasse do governo federal passando para a responsabilidade para os
estados e municípios, nivelando por baixo o valor mínimo alunos qualidade e, de outro lado, o
grupo de deputados acreditarem ser um grande passo rumo à valorização do magistério e
investimento educacional a criação de um fundo vinculado à arrecadação de impostos locais.
Portanto, com a implementação do FUNDEF, adiou-se o debate de um PSPN.
A discussão só teve espaço no final do primeiro mandato de Lula, com a aprovação da
EC n. 53/2006, em que são inseridos um inciso exclusivo para o piso salarial e um parágrafo
único para que se estabeleçam prazos para a elaboração e adequação dos planos de carreiras no
âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Desta maneira, o governo enviou, em 28 de março de 2007, o PL n.619/2007 ao
Congresso Nacional, que definia a correção dos R$300,00 provenientes do Acordo Nacional, de
1994, resultou em R$1.050,007, em números redondos, no início de 2007. A referência
escolhida para a atualização do valor foi o ICV, do DIEESE (VIEIRA, 2013).
Segundo Vieira (2013), na última década [2000 - 2010], o movimento sindical,
especialmente a CUT, defendeu a redução da jornada de trabalho. Análise que influenciou a
CNTE em propor a jornada de 30 horas semanais, embora com resistências internas, já que, em
7 Este valor correspondia à habilitação de nível médio, preservando-se o parâmetro do acordo nacional.
(...) A proposta da Confederação foi a de acrescer um percentual de 50% para os profissionais com curso
superior, o que resultaria em R$1.575,00. P.152
11
muitos estados e municípios, há profissionais que atuam em duas redes, com dois contratos de
20 horas semanais.
Mesmo sabendo-se que essas situações decorriam dos baixos salários, e não de um
desejo dos educadores, valeram os argumentos de racionalidade pedagógica na definição da
jornada de 30 horas. Foi consensual a defesa de, no mínimo 30% de atividades extraclasse,
devendo-se estabelecer proporcionalidade para jornadas ampliadas ou reduzidas. Essa
composição é especialmente reivindicada por professores atuantes nos anos iniciais do ensino
fundamental, que passam quase todo o tempo escolar em atividades de interação com os alunos.
O texto, ainda em forma de PL, foi enviado à Casa Civil no dia 03 de julho
transformando-se na lei n. 11.738/2008, no dia 16 de julho de 2008. A Lei previa que a União,
os estados, o Distrito Federal e os municípios deveriam elaborar ou adequar seus Planos de
Carreira e Remuneração do Magistério até 31 de dezembro de 2009.
Porém, cinco meses após sua promulgação, cinco governadores ingressaram com uma
ADIn (Ação Direta de Inconstitucionalidade n°4167) contra a lei do piso no STF (Superior
Tribunal Federal): Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Outros cinco governadores apoiavam o questionamento judicial do Piso: Roraima, São Paulo,
Tocantins, Minas Gerais e Distrito Federal.
Enquanto a ADIn não fosse integralmente julgada pelo Tribunal, uma medida cautelar
proferida pelo STF no final de 2008 suspendeu provisoriamente dois importantes pontos da Lei,
fundamentais para sua efetivação: a garantia de parte da carga horária para as atividades
extraclasse e a questão da vinculação do piso ao vencimento inicial. Isso significava que, até a
decisão, a referência para o piso salarial seria a remuneração, e não o vencimento inicial das
carreiras, como determinado na lei.
Em 2011, durante o julgamento final, a maioria dos ministros do STF rejeitou o pedido
dos governadores, e entendeu que a Lei nº 11.738/2008 corresponde, na verdade, à atribuição da
União de estabelecer normas gerais sobre educação e padrão mínimo de qualidade do ensino.
Isso porque predominou, entre os julgadores, o entendimento de que a lei não cumpriria seu
objetivo final (a valorização do magistério e o direito à educação) caso fosse implementada
apenas parcialmente, sem qualquer dos elementos citados acima. Foi reafirmada, assim, a
relação direta entre o piso, a valorização e as condições de trabalho docente e a realização
inadiável do direito humano à educação, ideia que esteve presente na fundamentação de
praticamente todos os votos proferidos (XIMENES, 2011).
Os principais pontos da Lei do Piso
- Estabelece um valor mínimo que um(a) professor(a) deve receber para uma jornada de, no
máximo, 40 horas semanais em todos os estados, municípios e DF – R$ 950,00;
12
- Esse valor deve ser reajustado anualmente de acordo com a atualização do valor-aluno do
Fundeb;
- O piso deve ser o vencimento inicial da carreira, ou seja, não podem ser somadas gratificações
e outros bônus para atingir esse valor. Sua implementação como vencimento inicial se reflete
em todos os níveis da carreira;
- A composição da jornada deve garantir no mínimo 1/3 da carga horária para a realização de
atividades fora da sala de aula;
- Profissionais de nível superior, em início de carreira, devem ter vencimentos iniciais acima do
previsto para a formação de nível médio.
Conclusões Parciais
Ao longo das últimas duas décadas, a valorização do magistério, mais precisamente no
que concerne à salário e carreira, esteve em pauta. Considera-se, por parte dos educadores em
geral, que a Lei n.11.738/2008 foi uma grande conquista dos profissionais do magistério.
A pergunta que fica e que estamos em busca de respostas é: em que medida a Lei do
Piso, de fato, garante que o professor durante seu período extraclasse participa das decisões
coletivas da comunidade escolar, dá conta da preparação de suas aulas e complementa seus
estudos através da formação continuada.
Pelo que pudemos observar até este ponto da pesquisa, os governos, por conta da
obrigatoriedade e de pressão dos professores, passam a implementar a lei adequando da maneira
que é possível, seja utilizando os mesmos docentes polivalentes para assumirem aulas de
informática, inglês e educação física, lhes pagando horas extra, seja fazendo alterações
curriculares sem um estudo prévio. Projetam que a médio e longo prazo contratarão professores.
Referenciais Bibliográficos
ARELARO, Lisete Regina Gomes. Resistência e submissão: a reforma educacional na década
de 1990. In: KRAWCZYK, Nora; CAMPOS, Maria Malta; HADDAD, Sérgio. (Orgs.) O
cenário educacional latino-americano no limiar do século XXI: reformas em debate. Campinas,
SP: Autores Associados, 2000.
BRASIL. Plano decenal de educação para todos. - Brasília: MEC, 1993 a.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. O que é
o Plano Decenal de Educação para todos/ MEC/SEF. - Brasília: MEC/SEF, 1993 b.
CUNHA, Célio da. PLANO DECENAL: fundamentos, trajetória e alcance social. Em Aberto,
Brasília, ano 13, n.59, jul./set. 1993.
FERNANDES, M. D. E., RODRIGUEZ, M. V. O processo de Elaboração da Lei N.
11.738/2008 (Lei do Piso Salarial Profissional Para Carreira e Remuneração Docente):
Trajetória, Disputas e Tensões. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.41, p. 88-101, março
de 2011.
KRAWCZYK, Nora. A construção social das políticas educacionais no Brasil e na América
Latina. In: KRAWCZYK, Nora; CAMPOS, Maria Malta; HADDAD, Sérgio. (Orgs.) O cenário
educacional latino-americano no limiar do século XXI: reformas em debate. Campinas, SP:
Autores Associados, 2000.
13
OLIVEIRA, Dalila Andrade A reestruturação do trabalho docente: precarização e
flexibilização. Educação & Sociedade, vol.25 , n. 89, 2004.
OLIVEIRA, Dalila Andrade. Política educacional e a re-estruturação do trabalho docente:
reflexões sobre o contexto Latino-americano. Educação & Sociedade, Campinas, v. 28, n. 99,
agosto/ 2007. Acesso em 05 de abril de 2008.
ROMANELLI, Otaíza de O. História da educação no Brasil – (1930/1973). Petrópolis: Vozes,
1984.
SAVIANI, Dermeval. A nova LDB: trajetória, limites e perspectivas. Campinas, SP: Autores
Associados, 1997.
SAVIANI, Dermeval. Política e educação no Brasil. São Paulo: Cortez: Autores Associados,
1988.
SOUZA, Aparecida Neri de. Sou professor, sim senhor. Campinas: Papirus, 1996.
VIEIRA, Juçara Dutra. Piso salarial para os educadores: quem toma partido? Campinas, SP:
Autores Associados, 2013.
VIEIRA, Juçara Dutra. Piso Salarial Nacional dos Educadores: dois séculos de atraso. Brasília:
[s.n.], 2007.
Ximenes, Salomão Barros (org.). Lei do Piso: debates sobre a valorização do magistério e o
direito à esducação no STF – (Em Questão; 7). São Paulo: Ação Educativa: Campanha
Nacional pelo Direito à Educação, 2011.