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97 Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 9, n. 1, p. 97-120, jul./dez. 2016 A importância do movimento na educação infantil de 0 a 3 anos Natalia RODRIGUES 1 Andréia Nadai CARBINATTO 2 Resumo: Por meio do movimento a criança aprende de forma significativa, constrói o conhecimento de si mesmo e do contexto em que vive, brinca, apren- de, explora e descobre o mundo utilizando a maior de todas as ferramentas da aprendizagem, ou seja, seu próprio corpo. O objetivo deste trabalho foi analisar a importância do movimento na educação de crianças de 0 a 3 anos; para tan- to, foi utilizada pesquisa bibliográfica e relato de experiência. Por meio des- ta, buscou-se entender as características desenvolvimentistas dessa faixa etária, como o movimento pode auxiliar no desenvolvimento e como o educador deve agir/interagir como facilitador desse desenvolvimento por meio do movimento. Concluiu-se que este é intrínseco à criança nessa faixa etária e que o educador precisa conhecer seus alunos e procurar estratégias para atendê-lo, assim como os referenciais educacionais e as propostas pedagógicas da instituição. Palavras-chave: Educação. Educação Infantil. 0 a 3 anos. Movimento. Desen- volvimento Motor. 1 Natalia Rodrigues. Graduada em Pedagogia pelo Claretiano – Centro Universitário (2014). E-mail: <[email protected]>. 2 Andréia Nadai Carbinatto. Graduada em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista – Unesp (1994), graduada em Pedagogia pelo Claretiano – Centro Universitário (2008) e mestre em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista – Unesp (1999). E-mail: <[email protected]>.

A importância do movimento na educação infantil de 0 a 3 anos criança passa a interagir com o meio naturalmente, pois a curiosi-dade é uma das características da criança (NEIRA;

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A importância do movimento na educação infantil de 0 a 3 anos

Natalia RODRIGUES1 Andréia Nadai CARBINATTO2

Resumo: Por meio do movimento a criança aprende de forma significativa, constrói o conhecimento de si mesmo e do contexto em que vive, brinca, apren-de, explora e descobre o mundo utilizando a maior de todas as ferramentas da aprendizagem, ou seja, seu próprio corpo. O objetivo deste trabalho foi analisar a importância do movimento na educação de crianças de 0 a 3 anos; para tan-to, foi utilizada pesquisa bibliográfica e relato de experiência. Por meio des-ta, buscou-se entender as características desenvolvimentistas dessa faixa etária, como o movimento pode auxiliar no desenvolvimento e como o educador deve agir/interagir como facilitador desse desenvolvimento por meio do movimento. Concluiu-se que este é intrínseco à criança nessa faixa etária e que o educador precisa conhecer seus alunos e procurar estratégias para atendê-lo, assim como os referenciais educacionais e as propostas pedagógicas da instituição.

Palavras-chave: Educação. Educação Infantil. 0 a 3 anos. Movimento. Desen-volvimento Motor.

1 Natalia Rodrigues. Graduada em Pedagogia pelo Claretiano – Centro Universitário (2014). E-mail: <[email protected]>.2 Andréia Nadai Carbinatto. Graduada em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista – Unesp (1994), graduada em Pedagogia pelo Claretiano – Centro Universitário (2008) e mestre em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista – Unesp (1999). E-mail: <[email protected]>.

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva mostrar a importância de tra-balhar o movimento na Educação Infantil de 0 a 3 anos, como consta no Referencial Curricular da Educação Infantil, no qual o movimento faz parte dos eixos a serem trabalhados na educação. Por meio dele, a criança aprende de forma significativa, constrói o conhecimento de si mesmo e do contexto em que vive, brinca, aprende, explora e descobre o mundo utilizando a maior de todas as ferramentas de aprendizagem, ou seja, seu próprio corpo (BRASIL, 1998).

Para tanto o educador precisa entender as etapas do desen-volvimento, suas funções e habilidades, levando em consideração e respeitando o tempo de cada criança; entender a real necessidade de se trabalhar o movimento e a forma adequada de estimular as crianças desde o berçário até o maternal; observar se está de acordo como os Documentos Educacionais Nacionais (RCNEI); aprender a organizar o espaço com a finalidade de estimular a linguagem corporal para impulsionar o desenvolvimento físico e cognitivo das crianças nessa faixa etária (GALLARDO; OLIVEIRA; ARAVE-NA, 1998).

O movimento é o meio pelo qual o indivíduo se comunica e transforma o mundo que o rodeia. Ele é a primeira manifesta-ção na vida do ser humano; desde antes de nascer ele já realiza movimentos, e, no decorrer do crescimento, eles irão amadurecen-do e ganhando habilidades estruturadas. Por meio do movimento é possível expressar os sentimentos, pensamentos e vontades, sem que haja a necessidade de verbalizá-los (FREIRE, 1997).

Entender a necessidade de se trabalhar e estimular o movi-mento na educação infantil é a principal proposta deste trabalho, pois o desenvolvimento da criança de 0 a 3 anos é puramente mo-tor. É um processo complexo, que produz transformações qualita-tivas e envolve aprendizagem de diversos tipos: biológica, psicoló-gica e social, expandindo e aprofundando a experiência individual e coletiva. É essencial que o professor saiba como e o que trabalhar

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dentro da faixa etária de 0 a 3 anos, estabelecendo relação entre a teoria e a prática para se obter um resultado significativo e eficaz.

O educador deve estar atento, buscando agir como facilitador da aprendizagem, respeitando as fases e limites do aluno, transmi-tindo-lhe confiança e afeto, para que se estabeleça uma relação que contribua de forma significativa em seu desenvolvimento motor, autonomia e identidade (NEIRA; NUNES, 2006).

Para complementar a revisão bibliográfica, o presente tra-balho analisou os fatos por meio de uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa, relatando o desenvolvimento de atividades em uma instituição educacional que trabalha com essa faixa etária.

O desenvolvimento infantil nessa faixa etária está intima-mente ligado a estímulos físicos e sensoriais, ou seja, a criança pos-sui necessidade de movimentar-se para conhecer e interagir com a sociedade (GALLARDO, OLIVEIRA, ARAVENA, 1998).

Dessa forma, por meio do presente trabalho se observa a im-portância do planejamento das atividades de motricidade para as crianças de zero a três anos, de forma que contribuam para seu desenvolvimento integral.

2. DESENVOLVIMENTO

Característica da criança de 0 a 3 anos

As crianças de 0 aos 3 anos, por meio de gestos, exploram e conhecem o mundo em que vivem. Esse estágio foi descrito como sensório-motor pelo médico, psicólogo e filósofo francês Henri Wallon (1879-1962) (GONÇALVES, 2009, p. 14).

Segundo Freire (1997, p. 19), “[...] o conhecimento do mun-do da criança nesse período depende das relações que ela vai esta-belecendo com os outros e com as coisas”. Nessa faixa etária, não é aconselhável dissociar a brincadeira do desenvolvimento, pois é por meio do lúdico que a criança recebe estímulos para seu desen-volvimento, proporcionando interação com o ambiente educacio-

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nal. O planejamento das atividades deve contemplar a individuali-dade da criança, seu tempo de desenvolvimento, de forma lúdica, envolvendo a criança, e ao mesmo tempo, a desafiando a explorar novas sensações.

O desenvolvimento cognitivo nessa faixa etária é intenso, po-rém o desenvolvimento psicomotor é mais concreto, visível, pois é a fase em que a criança necessita desenvolver as habilidades moto-ras, que auxiliarão na aquisição das demais habilidades (GALLAR-DO, OLIVEIRA, ARAVENA, 1998).

As crianças, na faixa etária dos 0 aos 3 anos, iniciam a ex-ploração do ambiente por meio de seu próprio corpo; sendo assim, elas entram em contato com novas sensações, recebem estímulos sensoriais, bem como começam a perceber a noção de espaço e a reconhecê-lo, ou seja, sentindo total liberdade para explorá-lo. O primeiro brinquedo que a criança possui é seu próprio corpo (BRA-SIL, 1998). Elas possuem desde antes do nascimento um potencial de desenvolvimento, o qual se torna refinado à medida que entram em contato com os fatores determinantes em seu processo de apren-dizagem.

Sabe-se que os fatores biológicos e ambientais tornam-se um ponto de partida para que a criança se desenvolva, se aprimore de forma significativa e dentro das etapas de seu desenvolvimento mo-tor (LÉVY, 1972).

O desenvolvimento infantil deve ser entendido como um meio de contínua interação entre experiências, possibilitando a análise entre fatores genéticos e o desenvolvimento biológico da criança (GALLARDO, OLIVEIRA, ARAVENA, 1998).

Desde muito cedo, a criança carrega consigo uma bagagem de vivências, experiências e conhecimentos que influenciam sua capacidade de sentir o mundo e interagir com ele (LEGARDA; MI-KETTA, 2008).

Seu desenvolvimento dá-se por meio de estágios, em uma sequência ordenada; o que veremos agora será um resumo das ha-bilidades esperadas nesse processo de desenvolvimento:

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Do primeiro ao terceiro mês de vida, o bebê ainda não possui controle de seus movimentos, contando com movimentos involun-tários e automáticos; reage a pequenos barulhos e ruídos, podendo se assustar com barulhos inesperados e intensos, seu sistema visual é limitado, portanto só enxerga algum objeto ou alguém se estiver bem próximo a ele (LEGARDA; MIKETTA, 2008).

Do segundo ao terceiro mês, o bebê já começa a acompanhar objetos e pessoas com os olhos e reconhece os pais. Abre e fecha as mãos, leva-as à boca e suga os dedos. Segura objetos com firmeza por certo tempo e consegue pegar objetos suspensos (LEGARDA; MIKETTA, 2008).

É importante entender que, nessa fase, ao ser estimulado com brincadeiras e músicas, o bebê fica agitado, realizando movimentos de pernas e braços, sorri e dá gritinhos; ao ouvir a voz dos pais, o bebê vira a cabeça. É de suma importância que a rotina seja de for-ma razoavelmente metódica (LEGARDA; MIKETTA, 2008).

Do quarto ao sétimo mês, fica na postura de bruços e se apoia nos antebraços quando quer ver o que está acontecendo ao seu re-dor; rola de um lado para o outro, estende a mão para alcançar o objeto que deseja, transfere-o de uma mão para outra e coloca-o na boca. Passa a apresentar equilíbrio quando colocado sentado (LE-GARDA; MIKETTA, 2008).

Nessa fase, a criança movimenta a cabeça na direção do som escutado, para de chorar ao ouvir música, sorri quando quer aten-ção do adulto. Encontra-se no processo de formação do conceito de causa e efeito no momento em que está explorando um brinquedo; olha, chacoalha, e atira objetos ao chão (LEGARDA; MIKETTA, 2008).

Por volta dos seis meses a criança já está apta a se sentar; essa habilidade oferece-lhe grande oportunidade, pois o campo de visão é ampliado, portanto os estímulos recebidos são bem maiores e a criança passa a interagir com o meio naturalmente, pois a curiosi-dade é uma das características da criança (NEIRA; NUNES, 2006).

Do oitavo ao décimo primeiro mês, a criança engatinha, con-segue ficar em pé com apoio, aponta para objetos ou pessoas e pega

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pequenos objetos com o indicador e o polegar (movimento de pin-ça) (LEGARDA; MIKETTA, 2008).

Localiza a fonte sonora movimentando o corpo para o local onde se encontra o som. Bate palmas, joga beijo e entende quan-do lhe dizem tchau. Começa a compreender o significado de al-guns gestos. Balança a cabeça quando não quer alguma coisa, anda apoiada em alguns objetos e pode até mesmo arrastá-los (LEGAR-DA; MIKETTA, 2008).

A partir do primeiro ano de vida, passa a andar sem apoio. Por volta dos dezoito meses, pode começar a correr, subir em móveis (algumas crianças já adquirem essa habilidade antes dessa idade, dependendo do estímulo que recebem), e ficar nas pontas dos pés sem apoio. Consegue virar páginas de um livro ou revistas (várias ao mesmo tempo), gosta de rabiscar no papel ou em qualquer outro lugar (LEGARDA; MIKETTA, 2008).

Por volta dos vinte e quatro meses, já tira os sapatos, chuta bola sem perder o equilíbrio (algumas vezes acaba perdendo um pouco). Gosta de dançar, consegue acompanhar o ritmo da música batendo palmas. Nessa fase, a criança está pronta para abandonar o uso das fraldas (LEGARDA; MIKETTA, 2008).

Aos trinta e seis meses, acredita-se que a criança consiga co-locar suas roupas e tirá-las sem ajuda de um adulto, já consiga segu-rar um lápis na posição correta; passe por obstáculos com destreza, tenha adquirido controle total dos movimentos e equilíbrio e consi-ga pedalar. Nessa fase, a criança é capaz de separar os brinquedos por tamanho e cor (GESELL; AMATRUDA, 1990, p. 8).

[...] o corpo da criança cresce e seu comportamento cresce; ela forma sua “mente” do mesmo modo que forma seu cor-po – através dos processos do desenvolvimento. À medida que seu sistema nervoso sofre diferenciações ligadas ao crescimento, as formas de seu comportamento também se diferenciam. Numa idade, ela agarra objetos com a mão inteira; em idade posterior, apanha os objetos com uma oposição clara entre polegar e indicador – a diferenciação neural produz especialização da função e um novo com-portamento (GESELL; AMATRUDA, 1990, p. 3).

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Os estímulos recebidos pela criança nessas faixas etárias não são isolados, pois, ao mesmo tempo em que está recebendo estímulos sensoriais, recebe estímulos visuais, auditivos, verbais, sociais etc. É nesse momento que a construção dos conhecimentos cognitivos é estimulada inicialmente, preparando a criança para a exploração e compreensão dos ambientes sociais (LÉVY, 1972, p. 9).

O vínculo afetivo constitui de forma relevante as experiências que marcarão toda a vida da criança. Os fatores genéticos influem nas características de personalidade, como os níveis de introver-são e extroversão, contribuindo assim para sua questão desenvol-vimentista. O desenvolvimento biológico enfoca o crescimento, a estrutura e funcionalidade dos órgãos e do cérebro. Os estímulos cognitivos e afetivos são as chaves para a formação neurológica da criança e maturação dos neurônios que influenciam o movimento (GONÇALVES, 2009).

As experiências vivenciadas pela criança nessa primeira fase são armazenadas no cérebro e com seu desenvolvimento essas in-formações são processadas, gerando aprendizagem, ou seja, desen-volvimento cognitivo e estruturação do pensamento (LEGARDA; MIKETTA, 2008, p. 15).

[...] com a estimulação não perseguimos a criação de gê-nios, mas sim de crianças mais completas, mais seguras de si e mais felizes, porque somos felizes quando podemos desfrutar a vida. Quanto mais conhecimentos e interesses tem uma pessoa, mais ela desfrutará a aquisição de novos conhecimentos e mais fácil será para ela adquiri-los (LE-GARDA; MIKETTA, 2008, p. 24).

Ao fazer uso dos estímulos certos, a criança cresce e amadu-rece nos aspectos físico, mental e psicológico. Os fatores biológicos e ambientais interagem entre si, influenciando no desenvolvimento motor da criança, para que ela atinja, em seu período de maturação, a aquisição das habilidades necessárias propostas de acordo com cada faixa etária (GONÇALVES, 2009).

Sabe-se que nem todos se desenvolvem no mesmo período, cada organismo reage de uma maneira aos estímulos recebidos e, à medida que a parte motora é trabalhada na criança, esta torna-se

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mais refinada, adquirindo as habilidades necessárias e esperadas dentro do desenvolvimento motor, que a auxiliarão no decorrer de sua vida (GALLAHUE, 2005).

Esse desenvolvimento motor pode ser visto como uma série de mudanças ao longo do ciclo da vida, que envolve adaptações e transformações contínuas, que auxiliarão a criança a adquirir e manter o controle das competências motoras, por meio de esforços e estímulos apropriados. Faz-se necessário entender que nem sem-pre o desenvolvimento motor está relacionado à idade cronológica da criança e sim à sua maturação motora e neurológica (GONÇAL-VES, 2009).

Os processos e produtos do desenvolvimento motor de-vem constantemente nos lembrar da individualidade do aprendiz. Cada indivíduo tem um tempo individual para o desenvolvimento e uma extensão para aquisição de habi-lidades. Embora nosso “relógio biológico” seja de alguma maneira previsível quando há sequência na aquisição da habilidade motora durante a Educação Infantil e o Ensino fundamental, a média e a extensão de desenvolvimento são individualmente determinadas e intensamente influencia-das pelas exigências de performance da própria tarefa es-pecifica (GALLAHUE; DONNELLY, 2008, p. 37).

O processo do desenvolvimento motor das crianças dá-se por meio de diversos fatores e mudanças graduais ocorrem ao longo desse processo.

Espera-se que adquiram habilidades tais como: equilíbrio e locomoção sem auxílio. Do nascimento aos 3 anos, as crianças ad-quirem controle simples de seus movimentos; ao entrar na Educa-ção Infantil de 4 a 5 anos e posteriormente nos anos iniciais do En-sino Fundamental, há uma mudança e refinamento das habilidades motoras fundamentais (GALLARDO; OLIVEIRA; ARAVENA, 1998; GONÇALVES, 2009).

Esse processo do desenvolvimento e crescimento motor na infância é contínuo e varia consideravelmente de acordo com a fai-xa etária, porém não depende exclusivamente dela; fatores modu-ladores permitem a aquisição das habilidades motoras refinadas ao longo da etapa de desenvolvimento (GALLAHUE, 2005).

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Segundo Gallahue e Donnelly (2008), o desenvolvimento de habilidades motoras fundamentais é um pré-requisito para a apren-dizagem e o domínio das habilidades esportivas. É na faixa etária de 0 a 3 anos que a criança adquire essas habilidades necessárias e, com o passar dos tempos, se receber os estímulos corretos, consi-gue tornar essas habilidades apuradas.

[...] Queremos uma criança capaz de se auto-regular di-namicamente e de sentir, processar e gerar respostas à informação afetiva e cognitiva que recupera e recebe do ambiente, que graças a sua vitalidade e curiosidade se constrói e descobre a si mesma: seu corpo, movimentos, expressões e emoções, seus pensamentos e afetos. Dese-jamos uma criança que seja formada a partir dos seus in-teresses e potencialidades, segundo seu ritmo pessoal de aprendizagem, através do jogo, da arte e da exploração do seu ambiente (LEGARDA; MIKETTA, 2008, p. 7).

A equipe educacional responsável pelas crianças de 0 a 3 anos deve conhecer e entender as etapas do desenvolvimento infantil, suas funções e habilidades, levando em consideração e respeitando o tempo de cada criança; entender a real necessidade de se trabalhar o movimento e a forma adequada de estimular as crianças, desde o berçário até o maternal; observar se a estimulação está de acordo como o referencial curricular, com o currículo e os projetos já es-tabelecidos dentro dos documentos da Unidade de Ensino; manter um olhar atento a cada criança, pois cada uma irá desenvolver-se no seu tempo e de acordo com suas habilidades e maturação motora e neurológica.

O movimento e a criança de 0 a 3 anos

A criança começa a se movimentar antes do nascimento, em sua vida intrauterina; esses movimentos são involuntários, porém de grande importância para o desenvolvimento cognitivo e mo-tor, pois o cérebro recebe e registra cada movimento. Ao nascer, a criança recebe estímulos visuais, auditivos e sensoriais, que serão acrescidos aos já vivenciados, dessa forma construindo conheci-mentos (FREIRE, 1997).

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Por meio do movimento a criança aprende de forma signifi-cativa, constrói o conhecimento de si mesmo e do contexto em que em que vive, brinca, aprende, explora e descobre o mundo utilizan-do a maior de todas as ferramentas de aprendizagem, ou seja, seu próprio corpo (GALLARDO; OLIVEIRA; ARAVENA, 1998).

As crianças têm iniciado sua vivência com a educação desde a primeira infância. Atualmente, o número de crianças que ingres-sam na educação infantil a partir dos quatro meses de idade tem aumentado, dessa forma a escola passa a ser responsável pelo de-senvolvimento integral dessa criança (GALLARDO; OLIVEIRA; ARAVENA, 1998, p. 55).

Nos primeiros anos de vida, e em alguns casos, nos primeiros meses de vida, ela relaciona-se com a mãe intensamente, pois é a primeira pessoa associada ao conforto/segurança, também ligada a sensações prazerosas como alimentação. Ao iniciar no ambiente es-colar os laços de afetividade familiar rompem-se momentaneamen-te, mas a criança ainda não desenvolveu a noção de tempo, portanto surge a insegurança e o medo do desconhecido. Nesse momento, o vínculo afetivo social começa a ser construído, pois a criança estará em contato com outras, e não serão apenas as necessidades básicas e físicas que serão saciadas, mas as afetivas, e estas são interligadas ao desenvolvimento (LEGARDA; MIKETTA, 2008, p. 15-17).

A afetividade está diretamente relacionada com as experi-ências vivenciadas pela criança, dessa maneira, o ambiente esco-lar deve se preocupar efetivamente com a afetividade, pois ele é o ambiente social depois da família, formador, responsável pelo desenvolvimento integral do aluno (LEGARDA; MIKETTA, 2008, p. 17).

O desenvolvimento da criança na primeira infância é carac-terizado pelo desenvolvimento motor, ou seja, a criança executa movimentos inicialmente involuntários que a ajudarão a desenvol-ver e fortalecer a musculatura para que os movimentos intencionais comecem a acontecer. Esse período é um treinamento psicomotor, pois envolve o desenvolvimento cognitivo e motor, simultanea-mente. Por isso, a criança necessita de espaço para se desenvolver e isso inclui pequenos obstáculos que a desafiem a executar pe-

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quenos movimentos, porém significativo para o crescimento (GE-SELL; AMATRUDA, 1990).

O desenvolvimento psicomotor (cognitivo, emocional, mo-tor e social) da criança, subentende assim uma integração sensorial em construção sequenciada e integrada. Sem ela, o desenvolvimento global não seria possível (GONÇAL-VES, 2009, p. 69).

Cada criança precisa ser estimulada na Educação Infantil, sem perder a ludicidade que envolve essa faixa etária. Essa estimu-lação motora torna-se uma ferramenta essencial no aprendizado da criança, possibilitando explorar, perceber, criar, brincar, sentir seu corpo como instrumento motivador do aprender a aprender. É por meio do movimento que ela interage com o meio e aprende sobre si mesmo, as pessoas que as rodeiam e os lugares que frequentam (BRASIL, 1998).

Por meio do movimento, expressa seus sentimentos, seus pensamentos e até seus desejos, sem que haja a necessidade de ver-balizar tal vontade, pois a criança assim que nasce faz uso de movi-mentos para comunicar-se, mesmo que inconscientemente (GON-ÇALVES, 2009).

A psicomotricidade na teoria Walloniana encara a motri-cidade como um meio privilegiado para enriquecer e am-pliar as possibilidades expressivas, afetivas e cognitivas das crianças e dos jovens, promovendo a sua flexibilidade e a sua plasticidade (WALLON, 2005, p. 172 apud FON-SECA, 2008, p. 52).

É fundamental que haja intenção no processo de aprendizagem relacionada ao movimento. Ao dar-se ênfase à significação e ex-pressão pertinente a essa área do desenvolvimento, traz à tona a personalidade de cada indivíduo. Para facilitar a interação da crian-ça com o mundo dos objetos e dos indivíduos com quem se relacio-na, faz-se necessário um olhar atento, pois por meio da motricida-de, a criança desenvolve capacidades psicológicas aguçadas que se tornarão refinadas ao longo do processo de desenvolvimento motor (ASSIS; ASSIS, 2010):

É por meio da atividade motora que a criança vai construindo um mundo mental cada vez mais complexo,

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não apenas em conteúdo, mas também em estrutura. O mundo mental da criança, devido às ações e interações com o mundo natural e social, acaba por apresentar essas realidades por meio de sensações e imagens dentro de seu corpo e de seu cérebro. Primeiro pela intervenção de outras pessoas, que atuam como mediadoras entre a criança e o mundo; depois pelos sucessos e insucessos da sua ação, ela vai adquirindo experiências que virão a ser determinantes no seu desenvolvimento psicológico futuro (FONSECA, 2004, p. 131).

A aprendizagem e o desenvolvimento de habilidades motoras estão estreitamente relacionados ao nível de desenvolvimento motor, com isso gera a capacidade de processar informações (CHIVIACOWSKY et al., 2007).

O desenvolvimento motor não depende apenas das experiên-cias vivenciadas pela criança, porém o conhecimento do corpo e os estímulos recebidos favorecem seu desenvolvimento, bem como a flexibilidade, a noção de espaço, localização e adequação no am-biente (BRASIL, 1998).

[...] O movimento humano, portanto, é mais do que simples deslocamento do corpo no espaço: constitui-se em uma linguagem que permite às crianças agirem sobre o meio físico e atuarem sobre o ambiente humano, mobilizando as pessoas por meio de seu teor expressivo (BRASIL, 1998, p. 15).

Nas escolas de educação infantil e creches, trabalhar a temá-tica do movimento requer planejamento. Atividades que envolvem gestos repetitivos e coreografados e os tradicionais circuitos que desafiam as crianças a descer, subir, rolar, entrar e sair são interes-santes, porém é necessário garantir ainda mais, pensar em propos-tas que desafiem as crianças constantemente a ir e vir, a explorar ações que ainda desconheçam, a experimentar sensações e a conhe-cer o próprio corpo, possibilidades e limites. Para isso, organizar o espaço físico onde serão desenvolvidas essas atividades com ele-mentos pertinentes e espaços livres é essencial para maior eficácia da proposta (BRASIL, 1998).

Não existe fórmula para criar um ambiente corporalmente desafiador para o desenvolvimento das atividades de movimento,

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no entanto é importante incentivar diversas interações, tais como objetos grandes e pequenos, colocados no alto e próximos do chão, permitindo que os bebês busquem meios de alcançar todos eles. Além disso, proporcionar atividades que possibilitem a exploração do ambiente, onde existam peças grandes, como peças de mobiliá-rio, obstáculos que permitam subir, descer e entrar, garante um bom trabalho com movimento (BRASIL, 1998).

Essas intervenções rendem frutos para a construção e o de-senvolvimento da autonomia e da identidade, outro eixo funda-mental na Educação Infantil. Segundo Ana Lúcia Bresciane (apud SCAPATICIO, 2012, p. 12), psicóloga e formadora de professores, “o desenvolvimento motor favorece as descobertas e a expressão de sensações e sentimentos, promovendo a comunicação segundo as marcas simbólicas, próprias da cultura infantil”. Nara de Oliveira, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com-pleta: “Pensar de forma opositiva, corpo versus mente, só reforça estereótipos” (apud SCAPATICIO, 2012, p. 12).

Os estímulos que a envolvem a criança na primeira infância, em especial as que frequentam as instituições educacionais na etapa I, devem ser bem observados, pois eles devem ser planejados com muito cuidado, visando atingir os objetivos necessários, as limita-ções e o tempo de cada criança, pois essas etapas do desenvolvi-mento não devem ser puladas e muito menos antecipadas, e deve-se garantir que sejam executados de maneira segura e divertida para a criança (LEGARDA; MIKETTA, 2008).

Os estímulos visuais e auditivos estimulam a criança a mu-dar de posição; esse movimento faz com que ela experimente a sensação de equilibrar-se. Do nascimento aos seis meses, a criança conhece e experimenta o mundo por meio do seu corpo. Nessa fase do desenvolvimento, é importante que o bebê seja posicionado de bruços, de modo que seus braços auxiliem na sustentação do corpo, assim, estará treinando o sustento da cabeça, fortalecendo a mus-culatura inferior e superior, essa posição é um esboço do ato de engatinhar (GESELL; AMATRUDA, 1990).

As experiências sensoriais também estimulam o fortaleci-mento da musculatura, portanto é necessário que a criança sinta o

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toque de objetos em seu corpo, sendo esses de diferentes texturas, em especial na palma de suas mãos e nas solas do pé (BRASIL, 1998; ASSIS; ASSIS, 2010).

Os ritmos musicais também são importantes para estimular o movimento, pois, ao se balançar, ela explora o meio ambiente, estica e contrai a musculatura, conhece seu corpo, e inicia o proces-so de equilíbrio, importante para sentar, engatinhar, andar e correr. Atividades de rolar com o corpo, ou rolar objetos, são fundamentais nessa fase do desenvolvimento (GESELL; AMATRUDA, 1990).

[...] Nessa fase do desenvolvimento infantil, o corpo é a via de acesso ao mundo. Maior ou menor mobilidade, flexi-bilidade, agilidade ou autonomia corporal dependem, em grande parte da quantidade e qualidade de experiências motoras com as quais a criança se depara no dia-a-dia (GALLARDO; OLIVEIRA; ARAVENA, 1998, p. 60).

O corpo em movimento tornar-se-á peça básica da aprendiza-gem, pois a criança reproduz aquilo que pode sentir e experimentar por meio de seu próprio corpo, construindo seu pensamento primei-ramente e expressando na forma de ação. Em outras palavras, ela pensa na ação e isso faz com que o movimento do corpo ganhe um papel de destaque nas fases iniciais do desenvolvimento infantil. Oferecer à criança a oportunidade de mover-se, fazendo uso de sua criatividade, significa estabelecer experiências que propiciarão de-senvolver habilidades motoras fundamentais por meio de padrões básicos de movimentos (CERISARA, 1999).

Segundo Gallahue (2005), a criança deve ser capaz de saber utilizar-se de qualquer movimento para alcançar o objetivo; mudar de um tipo de movimento para outro (deslocamento) quando a si-tuação exigir; e alterar cada movimento conforme as condições do ambiente, caso as mudem (adaptação).

[...] As crianças do 0 aos 3 anos devem ter muitas experi-ências com todo o corpo para terem as mais variadas sen-sações. Precisam aprender a sentir e dar nome ao que sen-tem. Isso é fundamental porque crianças que trabalharam bem com seu corpo são adultos bem resolvidos (ASSIS; ASSIS, 2010, p. 119).

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Relato de Experiência

Com base na revisão bibliográfica exposta, percebe-se que é importante proporcionar uma variedade de experiências motoras à criança, pois isso a ajudará a adquirir e descobrir um mundo completamente novo. Por meio do movimento, a criança experimenta habilidades e limites motores. Ao se trabalhar esse eixo na educação infantil, a criança adquire movimentos mais am-plos, ajudando-a a conhecer seu corpo, a obter a autoconfiança ne-cessária no processo de construção de sua autonomia (LEGARDA; MIKETTA, 2008).

Ao longo do processo de construção desse trabalho, foi ob-servado que, por meio de planejamento cuidadosamente elaborado para a faixa etária, que atenda a seus interesses, buscando a harmo-nia entre as necessidades individuais e as do grupo, por meio de atividades lúdicas, desenvolvendo a consciência corporal, de es-paço e tempo, é possível promover o desenvolvimento integral da criança. Dessa forma, ela tornar-se-á capaz de realizar movimentos considerados fundamentais, sendo possível a locomoção, a expres-são corporal, o equilíbrio, as habilidades motoras, o controle cor-poral e a destreza para a realização das atividades (GALLARDO; OLIVEIRA; ARAVENA, 1998).

Neste item do trabalho, descreverei minha experiência como monitora em uma turma de educação infantil de 0 a 3 anos, em uma instituição pública. A decisão de incluir o relato de experiência veio da ideia de enriquecer o trabalho, descrevendo a realidade escolar.

Diversas atividades foram observadas em minha atuação, como: “dança com bexigas”, “circuitos com obstáculos”, “jogos com bolas de diversos tamanhos”, “corrida”, “músicas” (envolven-do a gesticulação e imitação), entre outras atividades que envolvem a estimulação dos movimentos trabalhados nessa faixa etária.

Ao observar essas atividades, percebe-se que, ao trabalhar o eixo Movimento na Educação Infantil, a criança desenvolve as se-guintes habilidades, de acordo com Legarda e Miketta (2008):

1) Familiarizar-se com a imagem do próprio corpo.

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2) Explorar as possibilidades de gestos e ritmos corporais para se expressar nas brincadeiras.

3) Deslocar-se com destreza no espaço ao andar, correr e pu-lar, desenvolvendo atitude de confiança nas próprias capa-cidades motoras;

4) Explorar e utilizar os movimentos de preensão, encaixe e lançamento.

5) Ampliar as possibilidades expressivas e expansivas do próprio movimento, utilizando gestos diversos e o ritmo corporal.

6) Explorar diferentes qualidades e dinâmicas do movimen-to, como força, velocidade, resistência e flexibilidade, co-nhecendo gradativamente os limites e habilidades de seu corpo.

7) Controlar gradualmente o próprio movimento, aperfeiço-ando seus recursos de deslocamento e ajustando suas ha-bilidades motoras para utilização em jogos, brincadeiras e danças.

8) Apropriar-se progressivamente da imagem global de seu corpo, conhecendo e identificando seus segmentos e ele-mentos e desenvolvendo cada vez mais uma atitude de in-teresse e cuidado com o próprio corpo.

Brincando, a criança se movimenta, estabelece relação entre o meio e seu próprio corpo; nesse caso há a necessidade de encon-trar educadores atentos que explorem e promovam desafios para que a criança na faixa etária de 0 a 3 anos consiga se desenvolver e que a instiguem a buscar mais conhecimento, obstáculos ainda maiores para sua exploração e aquisição de conhecimento motor (LEGARDA; MIKETTA, 2008).

Nem sempre isso é fácil de encontrar, por diversos fatores; entre eles, falta de preparo por parte dos educadores (alguns assu-mem o cargo e não fazem ideia da importância real do trabalho), ou falta de planejamento nas atividades (falta de vontade de adquirir conhecimento do desenvolvimento da faixa etária e de como traba-

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lhar esse eixo de suma importância); há também a ansiedade em querer que as crianças cumpram à risca o que foi proposto no planejamento ou na proposta pedagógica preestabelecida pela equi-pe gestora, esquecendo-se de que cada criança possui seu próprio tempo. É necessário um olhar atento a todas elas, buscar variações nas atividades propostas para que todas possam participar e se sen-tir incluídas.

O resultado da estimulação motora pode ser percebido de for-ma efetiva, pois, nessa faixa etária, as crianças respondem a esses estímulos mais rapidamente do que se pode imaginar, tornando o trabalho ainda mais prazeroso.

Os profissionais da educação têm o privilégio de acompanhar passo a passo o desenvolvimento das crianças desde o momento em que entram na escola por volta dos quatro meses. Dos seis aos oito meses, é possível observar e estimular as primeiras tentativas de locomoção (rolar, rastejar, engatinhar, levantar e andar com apoio), sentar sem apoio. Essa estimulação é feita com a criança no colo, no colchonete, no chão sobre um tapete emborrachado. Para des-pertar a atenção dessas crianças, utilizam-se brinquedos coloridos e sonoros, para que ela se sinta interessada em buscá-los.

Nessa instituição, todos os materiais de estimulação e diver-sos brinquedos são colocados ao alcance das crianças para que pos-sam explorá-los a medida que se sentirem à vontade.

Assim que começam a adquirir melhor equilíbrio corporal, por volta dos nove meses a um ano, procuram-se diferentes ati-vidades recreativas com a intenção de fornecer um meio rico em estímulos e desafios para que facilitem sua locomoção dentro e fora da sala. Nessa faixa etária algumas crianças já começam a andar sem apoio.

Entre um e dois anos, as crianças acentuam a fase das desco-bertas e conquistas, passam a subir e descer, lançar objetos, cair e levantar, saltar com alternâncias dos pés. Atualmente trabalho com essa faixa etária.

Foi possível perceber com a observação e estimulação grande avanço do começo do ano até o fim, as crianças tiveram um salto no

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desenvolvimento motor durante o primeiro semestre, quatro delas chegaram à escola sem saber andar, e em um mês (com os estímu-los certos) começaram a andar e em dois meses estavam correndo, e agora, no final do segundo semestre do ano letivo, estão saltando, tirando os dois pés do chão. Há na sala uma criança com paralisia cerebral, que teve considerável avanço motor ao logo do ano, po-rém dentro das suas limitações.

Atividades no parque são as favoritas, pois o subir e descer do escorregador e do trepa-trepa torna-se prazeroso para elas, além do contato com texturas diferentes, no caso, a areia, auxiliam no processo do desenvolvimento. Descer e subir de bancos, dançar, brincar com água, massinhas (trabalhando o movimento das mãos e pés), entrar em túneis e caixas de papelão são atividades que, se trabalhadas dentro de um planejamento, tornam-se ferramentas preciosas no desenvolvimento motor.

Com as crianças de três anos, pode-se utilizar as mesmas ati-vidades, porém aumentando o grau de dificuldade, pois, ao estimu-lar essas crianças, desenvolvem-se diferentes possibilidades de ex-ploração de movimentos relacionados ao controle do próprio corpo. Cabe ao educador explorar e provocar situações para que auxilie a criança a obter consciência de si mesma, conhecer sua realidade corporal, estabelecer relações com o espaço, com o tempo e com os objetos a serem trabalhados (LEGARDA; MIKETTA, 2008).

Os professores e monitores podem realizar diversas ativida-des dentro e fora da sala de aula, adaptar essas atividades de acordo com a realidade do espaço físico que possuem. Na instituição em que trabalho, o espaço físico é bastante limitado (pequeno), mas isso não nos impede de realizar as atividades; ao montar circuitos, usamos materiais simples como obstáculos (cadeiras, bancos, tú-nel, caixas de papelão, cordas e o que mais vier na imaginação).

A música “Vamos passear no bosque enquanto seu lobo não vem” é uma forma de a criança dançar e se movimentar livremente, pois, no momento em que “seu lobo termina de se arrumar”, ele vai à busca das crianças para “pegá-las”; nesse momento, elas cor-rem, escondem-se, sobem em lugares onde o lobo não possa pegar (segundo sua imaginação, pois, além da movimentação, a criança

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cria estratégias mentais para a solução de um “problema”, no caso, o lobo). Atividades simples, com material à disposição que, ao ser utilizado de maneira planejada, faz toda diferença no processo do desenvolvimento motor da criança.

[...] O pátio é uma extensão da sala de aula. Nele, pode ser dada a continuidade para toda e qualquer atividade que esteja sendo desenvolvida na sala. Ou, melhor ainda, tem--se a possibilidade de desenvolver trabalhos que requeiram mais espaço, movimento simultâneo, diversidade de ma-teriais. Infelizmente, não é hora de o educador descansar, nem de crianças sozinhas, no pátio. Nesse espaço mais amplo, a educadora deve estar mais presente. E “estar pre-sente” significa não lendo ou fazendo relatórios, arruman-do suas unhas ou fazendo qualquer outra coisa que não seja intervenções. “Estar mais presente” significa “ter um olhar” sobre suas crianças, estar atenta ao que elas fazem, brincar junto com elas (ASSIS; ASSIS, 2010, p. 119).

3. DISCUSSÃO

Ao realizar este trabalho, buscou-se analisar, por meio de es-tudo bibliográfico e como exemplificação os relatos de experiência, a relação entre a teoria e a prática do desenvolvimento da criança na faixa etária de 0 a 3 anos, inserida na educação infantil. Dessa forma, realizou-se um trabalho minucioso por meio do estudo de diversos materiais e autores que exprimem o levantamento das ca-racterísticas da criança em seu desenvolvimento, para estabelecer ligação entre o desenvolvimento físico, social e cognitivo, pois é necessário compreender como a criança se desenvolve, suas pos-síveis habilidades e as etapas preestabelecidas e esperadas nessa faixa etária.

As fases do desenvolvimento são parâmetros para o planeja-mento de atividades que estimulem a criança, permitindo que esta se desenvolva física, mental e socialmente, porém devem ser con-sideradas as variações de indivíduo para indivíduo, pois o desen-volvimento não é homogêneo, mas influencia e é influenciado pelo meio (GONÇALVES, 2009)

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O desenvolvimento infantil nessa faixa etária está intima-mente ligado a estímulos físicos e sensoriais, ou seja, a criança pos-sui necessidade de movimentar-se para conhecer e interagir com a sociedade (GALLARDO; OLIVEIRA; ARAVENA, 1998).

O desenvolvimento motor da criança é visível e perceptível antes mesmo de seu nascimento por meio de movimentos involun-tários, porém seu cérebro registra não apenas os movimentos pro-priamente ditos, mas todo o mecanismo muscular envolvido, bem como as sensações recebidas. Esses registros, inicialmente imper-ceptíveis, somados a outros estímulos visuais, auditivos e somáti-cos, contribuem significativamente para o desenvolvimento motor, cognitivo e social da criança (LÉVY, 1972).

As experiências vivenciadas pelas crianças de forma lúdica e por meio de jogos, brincadeiras de faz de conta, desafios corporais formarão a base para a resolução de problemas, como conflitos in-terpessoais, desenvolvimento da criatividade, desenvolvimento da linguagem como expressão oral etc. (LÉVY, 1972).

Dessa forma, observa-se a importância do planejamento das atividades de motricidade para as crianças de 0 a 3 anos, como as-seguram os RCNs.

Comparando o relato de experiência com a revisão bibliográ-fica, foi possível verificar que a maioria dos educadores procura conhecer de forma efetiva as características dessa faixa etária, criar estratégias diversificadas para proporcionar diferentes oportunida-des de experiências para enriquecer o desenvolvimento motor da criança, auxiliando em seu desenvolvimento integral.

De forma lúdica, a criança é inserida em um ambiente social (escola) mais amplo que o de sua família, e aprende a relacionar-se com adultos e crianças por meio de gestos, da linguagem oral esti-mulada pela música, por meio das expressões corporais trabalhadas com a dança e os exercícios corporais.

O ambiente escolar verificado no relato de experiência, ape-sar de suas limitações (espaço físico bastante reduzido), é planeja-do e adequado para tornar-se um local de aprendizagem efetivo e significativo pra as crianças; o educador é o facilitador/estimulador

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desta aprendizagem e desenvolvimento, pois prepara o ambiente para torná-lo atrativo e desafiador.

Nem sempre é fácil planejar atividades estimuladoras paras as crianças, pois imprevistos podem ocorrer a todo o momento, e o educador precisa ter planos A, B, C, em alguns casos até Z (estra-tégias diversificadas), para a realização delas, precisa estar atento às necessidades das crianças, pois o tipo de atividade pode não ser apropriado para aquele momento específico, o tempo pode não estar propício, diversos fatores podem ser adversos a esse planejamento.

O envolvimento do educador com as atividades lúdicas e brincadeiras com as crianças, por meio de intervenções, desafiam--nas a interagir com o social, estabelecer comunicação, articular respostas e criar situações, e isso sem contar que a criança, quan-do vê o educador brincando com ela, passa a criar laços afetivos maiores; nesse momento, o adulto não é apenas um educador, mas alguém que troca experiências com as crianças, pois ele, ensinando, também aprende.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do processo de construção do presente trabalho, ob-servou-se a necessidade de se trabalhar o movimento da educação infantil, como ferramenta de auxílio de desenvolvimento integral.

Os autores estudados enfatizam constantemente que a criança encontra-se em movimento antes mesmo de seu nascimento e, a partir do momento em que nasce, esse movimento aumenta e torna--se mais refinado com o passar do tempo. É na fase do 0 a 3 anos que a criança adquire habilidades motoras que a acompanharão por toda a vida (GALLAHUE; DONNELLY, 2008).

A escola é um espaço social, onde há trocas afetivas entre crianças e adultos e entre colegas de idades próximas e é nesse momento que a estimulação motora ocorre. Todas as possibilidades de desenvolvimento aumentam à medida que a criança cresce e a maturação de seu sistema neurológico e sensorial se completa.

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No decorrer do processo é necessário que haja educadores preparados, atentos e constantemente pesquisadores, para a reali-zação desse trabalho, que planejem atividades com a intenção de auxiliar no desenvolvimento motor da criança de forma prazerosa e adequada para cada faixa etária, respeitando o tempo e as limita-ções de cada uma, sem perder a ludicidade.

São nos momentos das atividades (brincadeiras e estimula-ção) que essas possibilidades se transformam em ferramentas de conhecimento e estruturação do desenvolvimento motor.

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