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A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade €© David Brunetti/EveryChild/FSCE, Ethiopia

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A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

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2 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

AgradecimentosEste relatório foi elaborado pela consultora Corinna Csáky para a Family for Every Child. Os agradecimentos são dirigidos às crianças e famílias cujas histórias são aqui relatadas e trazem novas perspectivas ao nosso trabalho.

ContentsAgradecimentos 2

Sumário 3

Glossário 6

1 Introdução 8

2 Quem são as crianças privadas de cuidados adequados? 9

3 Qual o impacto de cuidados inadequados sobre as crianças? 13

4 Qual o impacto de cuidados inadequados às crianças sobre a

sociedade em geral? 15

5. Quais as ações necessárias para melhorar a prestação

de cuidados à criança? 18

6 Conclusão e recomendações 21

Bibliografia 23

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3 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

Sumário

Os cuidados à criança são importantes para todos nós. Afetam a forma como vivemos; influenciam a nossa capacidade de desenvolvimento, enquanto indivíduos e ao nível da sociedade; e refletem as nossas aspirações em relação ao mundo em que desejamos viver. Por todo o mundo foram realizadas consultas com crianças e estas revelam que as crianças dão prioridade de forma consistente, à necessidade de melhores cuidados.

“Quando seus pais estão com você, você se sente feliz. Você sabe que é amada.” (Menina com idade entre os 8-12 anos, residente em uma unidade de cuidados alternativos na Rússia, citada em Family for Every Child 2013a p.10)1

“Sinto-me segura porque tenho junto de mim todos os que amo” (Menina com 15 anos, Brasil, citada em Family for Every Child 2013a p.10)2

““Todos querem retornar a casa, para os seus pais,

para receber o seu amor e atenção.” ” (Menina de 10 anos residente em uma unidade de cuidados alternativos, Guiana, citada em Family for Every Child p.10)3

As crianças têm direito a cuidados adequados, e para a sua sobrevivência e bem-estar necessitam de apoio físico e psicológico de seus pais ou cuidadores, em um ambiente familiar estimulante. Porém, milhões de crianças em todo o mundo não recebem este tipo de cuidados e é provável uma escalada da situação devido a fatores como as taxas crescentes de urbanização e migração, e os conflitos e as mudanças climáticas que afetam diversas regiões pelo mundo. Estas meninas e meninos estão em todos os países: de rendimentos baixos, elevados e médios, frágeis e estáveis. São negligenciadas, vítimas de maus-tratos físicos e psicológicos e de abusos sexuais e privadas de amor e afeto. Entre estas estão crianças que vivem

em instituições de grande escala, na rua ou com um empregador; meninas e meninos associados às forças/grupos armados; crianças que sofreram abusos em sua própria casa, pelos pais ou outros membros da família e crianças obrigadas a casar precocemente. Meninas e meninos separados da família em situações de emergência e as crianças que vivem com parentes distantes correm maiores riscos de não receber cuidados adequados.

A falta de cuidados adequados tem impacto sobre as crianças e sobre a sociedade em geral. É menos provável que as crianças privadas de cuidados adequados frequentem a escola ou apresentem bons resultados, tenham acesso à saúde ou a outros serviços básicos; por outro lado é maior a probabilidade de apresentarem comportamentos anti-sociais e criminosos e que seu desenvolvimento físico, emocional e cognitivo seja comprometido em muitos casos. Os cuidados inadequados podem colocar a vida em perigo e conduzir a outras preocupações relacionadas com a proteção da criança, como por exemplo, a exploração infantil. Sem nunca terem vivido a experiência de receber cuidados adequados, algumas destas crianças irão continuar a negligenciar e a maltratar os seus próprios filhos, propagando um ciclo vicioso de danos graves.

As perspectivas futuras das crianças privadas de cuidados adequados são com frequência, extremamente limitadas. Ao tornarem-se adultos têm mais dificuldade em encontrar trabalho, maior probabilidade de viver na pobreza e de serem dependentes do estado. Como tal, a prestação de cuidados às crianças está na base do progresso econômico e social. A falta de cuidados adequados pode comprometer os esforços que visam objetivos de desenvolvimento, como por exemplo, o crescimento, emprego, redução da pobreza, saúde, educação e resposta e preparação para catástrofes no contexto da ajuda humanitária. As crianças

Este relatório apresenta a visão e o acervo de conhecimento das organizações nacionais da sociedade civil que trabalham diretamente com centenas de milhares de crianças vulneráveis, em todo o mundo. As organizações uniram-se para formar a Family for Every Child, uma aliança vocacionada para permitir que um número cada vez maior de crianças cresça em famílias seguras, acolhedoras e que, quando necessário, tenha acesso temporário a cuidados alternativos de qualidade.

1. Family for Every Child (2013) My world, my vision. Consultations with children on their priorities for the post-2015 development framework. London: Family for Every Child, p.10.

2. Supramencionada, p.10. 3. Supramencionada, p.10.

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4 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

privadas de cuidados adequados constituem um importante grupo alvo na consecução da equidade em qualquer setor, uma vez que são as mais vulneráveis e marginalizadas na sociedade.

A prestação de cuidados adequados tem como principal objetivo apoiar o crescimento das crianças em famílias permanentes, seguras e acolhedoras. Qualquer criança deve, sempre que possível, ficar ao cuidado da própria família. Quando tal não é exequível, a adoção, a kafala do mundo islâmico ou outras práticas semelhantes devem ser usadas para dar às crianças uma casa permanente no seio de uma família. Quando uma criança necessita de cuidados alternativos temporários, estes devem ter por base a família ou ser o mais semelhantes possível aos cuidados prestados pela família e a criança deve ser reintegrada no lar ou colocada em uma família permanente, segura e acolhedora, o mais rapidamente possível. A consecução deste objetivo exige um investimento nas famílias

e comunidades vulneráveis para fortalecer a sua capacidade de cuidar dos filhos e simultaneamente nos cuidados alternativos de qualidade, de base familiar. Também significa dar uma voz mais forte às crianças privadas de cuidados adequados e aumentar a conscientização das suas necessidades.

Melhorar os cuidados às crianças exige envolvimento de todas as partes da sociedade, não é um desafio apenas para os especialistas em proteção infantil. Afeta todos os setores, da educação à saúde, do planejamento econômico ao trabalho humanitário. É um tema que diz respeito aos governos, parlamentares, empresas, sindicatos, agências bilaterais e multilaterais, mídia, ONGs nacionais e internacionais e, não menos importante, crianças e respetivas famílias. Todos estes atores têm um papel na criação e implementação da mudança e na responsabilização de terceiros para melhorar os cuidados prestados às crianças.

4. Um exemplo de um alvo: todas as crianças devem viver uma vida isenta de todas as formas de violência, ser protegidas em situações de conflito e catástrofes e prosperar em um ambiente familiar seguro. Um exemplo de uma meta: Reduzir para metade o número de crianças que vivem desnecessariamente afastadas ou privadas de cuidados familiares e pôr fim à colocação de crianças ao abrigo de cuidados institucionais (retirado de: BCN et al. (2013) Protect my Future. Why child protection matters in the post 2015 development agenda. Family for Every Child, London.

Recomendações

1. Adquirir uma compreensão profunda dos cuidados em cada contexto e desenvolver respostas locais apropriadas.

- Compreender o sistema formal de prestação de cuidados gerido pelo governo e a assistência informal oferecida pelas famílias e comunidades.

- Desenvolver os aspectos positivos existentes, incluindo o apoio vital já oferecido pela família alargada.

- Explorar práticas inovadoras e promissoras desenvolvidas pelas organizações nacionais da sociedade civil, para potencial replicação numa escala mais ampla.

- Compreender a perspectiva das crianças sobre cuidados adequados e inadequados.

2. Estabelecer a prestação de cuidados às crianças como uma prioridade política e financeira

- Alocar recursos suficientes para garantir a prestação de cuidados adequados a todas as crianças.

- Incorporar os cuidados às crianças no quadro de desenvolvimento pós-2015 introduzindo por exemplo, um objetivo/meta específica sobre os cuidados.4

- Dar maior visibilidade aos investimentos em cuidados às crianças, com orientações relativas à responsabilidade.

- Recolher e monitorizar regularmente informação sobre crianças privadas de cuidados adequados.

3. Garantir que o trabalho humanitário e o desenvolvimento mais abrangente reforce a prestação de cuidados às crianças.

- Tornar a saúde, educação e outros serviços básicos, susceptíveis de salvar vidas, acessíveis às crianças pobres e marginalizadas, em suas comunidades, incluindo as crianças privadas de cuidados adequados.

- Garantir que os atores que trabalham para o bem-estar, saúde, educação, justiça, crescimento, migração, redução da pobreza e resposta e preparação em caso de catástrofes, trabalhem em conjunto para impedir que as crianças sejam desnecessariamente separadas de suas famílias.

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5 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

- Apoiar a participação das crianças privadas de cuidados adequados na concepção e implementação de legislação, políticas, estruturas e serviços relevantes.

4. Aumentar a cobertura e a qualidade da proteção social de forma a reforçar a capacidade das famílias cuidarem das crianças.

- Disponibilizar às famílias/cuidadores de crianças vulneráveis um pacote combinado de transferências de dinheiro e formas de assistência social mais abrangentes para apoiá-los na prestação de cuidados adequados às crianças.

- Conceber cuidadosamente a proteção social de famílias e crianças vulneráveis para assegurar benefícios e impedir que tenha efeitos prejudiciais sobre os cuidados prestados às crianças.5

5. Garantir que todos os países adiram às Diretrizes de Cuidados Alternativos à Criança. São de extrema importância as seguintes.

- Aperfeiçoar os sistemas informais de cuidados existentes solucionando qualquer prática discriminatória ou prejudicial.

- Pôr fim à utilização de cuidados institucionais

para todas as crianças, em particular as crianças com menos de três anos de idade e desenvolver alternativas mais seguras, como por exemplo, apoiar eficazmente as famílias para permitir a reintegração, casas para pequenos grupos, e acolhimento familiar.

- Rever e, se necessário, reformar as políticas e leis nacionais para que estabeleçam como prioridade os cuidados às crianças em famílias seguras, acolhedoras e permanentes.

- Aumentar e reforçar as estruturas de cuidados de forma adequada a cada contexto (por exemplo, cuidados de parentes/amigos próximos, adoção doméstica ou kafala e/ou acolhimento familiar) para garantir uma gama de alternativas de qualidade, em ambiente familiar, às crianças que não podem ser cuidadas por seus próprios pais.

- Melhorar os sistemas de proteção social locais, nacionais e internacionais para garantir a prevenção, detecção e abordagem de cuidados inadequados. Tal, inclui o reforço da capacidade e eficácia da força de trabalho dedicada ao bem-estar da criança.

- Apoiar as crianças e suas famílias para que participem das decisões que as afetam, incluindo acordos de cuidados individualizados.

5. Ver Roelen e Shelmerdine 2014 para mais recomendações sobre a criação de programas de proteção social que melhorem os cuidados prestados às crianças.

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6 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

Abuso infantil: “Um ato deliberado de maus-tratos que prejudique ou seja suscetível de prejudicar a segurança, bem-estar, dignidade e desenvolvimento de uma criança. O abuso inclui todas as formas de maus-tratos físicos, sexuais, psicológicos ou emocionais.” (Save the Children, sem data). A simples negligência de uma criança é também classificada de abuso.

Acolhimento familiar: Uma forma de cuidados alternativos (e por conseguinte uma situação temporária por definição) que pode ser definida como: “situação na qual as crianças são colocadas por uma autoridade competente, para fins de cuidados alternativos, no ambiente doméstico de uma família distinta da sua, selecionada, capacitada e aprovada para prestar tais cuidados e sujeita à supervisão” (ONU 2010a).

Acolhimento institucional: “Cuidados proporcionados em qualquer ambiente de grupo não baseado na família, como locais seguros para cuidados de emergência, centros de trânsito em situações de emergência e todas as outras instituições de acolhimento de curto e longo-prazo, inclusive residências de grupo” (ONU 2010a). Os cuidados são prestados em uma instalação designada para o efeito por pessoal assalariado ou voluntários (Family for Every Child 2013b).

Adoção: Uma medida de proteção social e jurídica de crianças; um processo através do qual uma criança que não pode ser criada pelos seus próprios pais (por motivo de morte, ou incapacidade para resolver aspectos relacionados com a proteção da criança, etc.) integra uma nova família (ISS e IRC 2004).

Casamento de crianças e casamento forçado em idade precoce: “O casamento de crianças envolve qualquer pessoa com idade inferior a 18 anos. É o casamento de uma criança com um adulto ou com outra criança e pode ser juridicamente aprovado pela legislação nacional.” (CRIN 2007). Estamos particularmente preocupados com o casamento forçado e em idade muito precoce (com menos de 14 anos) que apresenta riscos maiores para as crianças.

Casas para pequenos grupos: São prestados

cuidados a crianças em pequenos grupos, por um ou dois cuidadores responsáveis pelos cuidados. É diferente do acolhimento familiar, uma vez que decorre fora do ambiente “doméstico” familiar, habitualmente em instalações que foram especialmente concebidas e/ou designadas para cuidar de grupos de crianças (Family for Every Child 2013b).

Crianças são definidas como meninos e meninas com idade inferior a 18 anos. 6

Crianças privadas de cuidados parentais: “Todas as crianças que por qualquer motivo ou circunstância não estão vivendo com pelo menos um de seus pais” (ONU 2010a).

Cuidados alternativos incluem a prestação formal e informal de cuidados às crianças sem proteção parental (ONU 2010a). Entre estes estão os cuidados prestados por parentes, acolhimento familiar, apoio a uma vida autónoma e instituições de acolhimento. Os cuidados institucionais incluem uma variedade de acordos como por exemplo, casas para pequenos grupos, aldeias para crianças e acolhimento institucional, nas quais as crianças recebem cuidados coletivamente inseridas em grupos maiores (ver a seguir).

Cuidados de parentes: “Cuidados de base familiar prestados no âmbito da família alargada da criança, ou por amigos muito próximos de sua família, conhecidos da criança, tanto de natureza formal como informal” (ONU 2010a Art 29). Os cuidados de parentes representam uma forma de cuidados de base familiar permanente e uma forma temporária de cuidados alternativos. Existem dois tipos de cuidados de parentes.

Cuidados informais, qualquer arranjo particular propiciado em ambiente familiar, mediante o qual a criança recebe cuidados, por tempo indeterminado, por parentes ou amigos … por iniciativa da própria criança, de seus pais ou de outra pessoa, sem que esse arranjo tenha sido ordenado por autoridade administrativa ou judiciária ou por entidade devidamente credenciada (UN 2010a). Cuidados formais são todos os cuidados fornecidos em ambiente familiar, ordenados ou autorizados por órgão administrativo ou autoridade judiciária, bem

Glossário

6. Baseado no artigo 1 da UNCRC (ONU 1989). Reconhecemos que a idade não é um critério aceito em muitas comunidades para a definição de infância. Por exemplo, em alguns cenários a infância termina quando os indivíduos começam a realizar atividades de adultos (tais como a atividade sexual) (Inter-Agency Learning Initiative on Community-Based Child Protection Mechanisms 2012). Acreditamos que é importante espelhar estas diferenças na percepção da infância na forma como nos comunicamos e trabalhamos com as comunidades.

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como todo o cuidado prestado por instituições ou por entidade devidamente credenciada (UN 2010a). Em algumas circunstâncias tal pode incluir a tutela legal ou o acolhimento familiar (EveryChild e HelpAge International 2012).

Cuidados institucionais: Residências de grande dimensão envolvendo crianças que recebem cuidados de forma coletiva, em grandes grupos. A diferença entre cuidados institucionais e outras formas de acolhimento institucional reside não só na dimensão das instalações, mas também na natureza e qualidade dos cuidados prestados. Os cuidados institucionais envolvem sistemas de turnos, em que as crianças dormem juntas em dormitórios, suas vidas são governadas por regras e rotinas estabelecidas e estão geralmente isoladas de comunidades mais amplas (Family for Every Child 2013b; ONU 2010a).

Famílias assumem variadas e diferentes formas que incluem crianças vivendo com um ou ambos os pais ou pais adotivos, crianças vivendo com o respectivo padrasto ou madrasta, crianças vivendo com outros membros da família alargada, como os avós, tias ou tios ou irmãos adultos mais velhos e crianças vivendo com parentes afastados. As crianças em regime de acolhimento familiar também fazem parte de famílias e, apesar de em alguns casos estes cuidados serem prestados a longo prazo, não se espera que seja uma situação permanente (Family for Every Child 2013b).

Kafala: Uma gama de meios para prestar cuidados a crianças vulneráveis reconhecidos pela lei islâmica. Esta não reconhece a adoção como um laço de sangue entre pais e crianças, tidos como insubstituíveis. Tal, inclui fornecer apoio financeiro regular e outro tipo de apoio às crianças, no

âmbito da família alargada ou de instituições de acolhimento, ou levar uma criança para viver no seio de uma família de forma permanente e legal (Cantwell e Jacomy-Vite 2011).

Moradia independente supervisionada: “Situações em que as crianças e jovens vivendo em grupos pequenos, são encorajados e têm a oportunidade de adquirir as competências necessárias para serem autônomos na sociedade, através de contaetos apropriados com pessoal especializado” (Cantwell 2010).

Negligência: “A incapacidade, por ação deliberada ou negligente, de garantir ou providenciar, o direito da criança à segurança física ou ao desenvolvimento. Negligência é por vezes designada como uma forma “passiva” de abuso uma vez que está associada a lacunas graves na prestação de cuidados e proteção da criança, que resultam no enfraquecimento significativo da saúde da criança ou de seu desenvolvimento, incluindo falhas no desenvolvimento emocional e social” (Save the Children, sem data, p.3).

Proteção da criança: “Medidas e estruturas para prevenir e dar resposta ao abuso, negligência, exploração e violência que afeta as crianças” (Save the Children 2010).

Proteção Social: “Todas as iniciativas privadas que proporcionam transferências de rendimento ou consumo para os pobres, protegem os mais vulneráveis dos riscos de subsistência e aumentam o estatuto social e os direitos dos marginalizados; com o objetivo global de reduzir a vulnerabilidade econômica e social dos grupos pobres, vulneráveis e marginalizados” (Devereux e Sabates-Wheeler 2004).

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8 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

Este relatório expõe o motivo pelo qual os cuidados às crianças estão na base de consecução de vários direitos fundamentais e objetivos humanitários e de desenvolvimento mais abrangentes. Descreve os cuidados prestados às crianças no contexto de uma crise global, com milhões de crianças em todo o mundo, privadas de cuidados inadequados. Explica por que motivo as crianças estabelecem consistentemente a sua necessidade de uma família afetuosa e segura como a principal prioridade entre todas as suas necessidades. Analisa o porquê das crianças continuarem a receber cuidados inadequados apesar do reconhecimento generalizado da importância de cuidados adequados. Por fim, destaca as ações necessárias, indicando os responsáveis, para garantir que as crianças recebam cuidados adequados.

Os cuidados prestados às crianças dizem respeito a todos nós. Têm impacto sobre o nosso modo de vida; determinam a nossa capacidade de desenvolvimento, enquanto indivíduos e sociedade; e refletem as nossas aspirações em relação ao mundo onde desejamos viver no presente e no futuro.

Este relatório é dirigido a todos os que se empenham no progresso econômico e social. É igualmente relevante para os governos e parlamentares, empresas, sindicatos, agências bilaterais e multilaterais, mídia e ONGs nacionais e internacionais. Em particular, espera-se que ultrapasse o setor tradicional da proteção infantil, destina-se aos que trabalham com objetivos de desenvolvimento mais abrangentes. Contém lições para todos os cenários, desenvolvidos, em desenvolvimento e frágeis.

Este relatório apresenta a visão e o acervo de conhecimento das organizações nacionais da sociedade civil que trabalham diretamente com centenas de milhares de crianças vulneráveis em todo o mundo. Estas organizações uniram-se para formar a Family for Every Child7, uma aliança vocacionada para permitir que um número cada vez maior de crianças cresça em famílias seguras e, sempre que necessário, tenha acesso temporário a cuidados alternativos de qualidade.

1. Introdução

7. Ver: www.familyforeverychild.org (Ishaque 2008).

©Juconi, M

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9 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

As crianças privadas de cuidados adequados são meninas e meninos que não recebem a assistência física e psicológica necessária de seus pais ou cuidadores em um ambiente familiar estimulante. O Quadro 1 a seguir explora detalhadamente os elementos que compõem os cuidados adequados. Estas definições sugerem que entre as crianças alvo de cuidados inadequados estão crianças vítimas de maus-tratos físicos e psicológicos, abusos sexuais e/ou negligenciadas na sua própria casa ou por outros cuidadores, assim como crianças sem supervisão de um dos pais ou cuidadores. Por exemplo, as crianças que vivem em instituições de grandes dimensões (cuidados institucionais, instituições de detenção ou de ensino); crianças que vivem sozinhas na rua ou com um empregador que pratique abusos e as crianças associadas às forças/grupos armados; as crianças forçadas a casar cedo, sofrem igualmente com a falta de cuidados adequados. As crianças

separadas de suas famílias em situações de emergência e as crianças que vivem com parentes distantes correm maiores riscos de não terem cuidados adequados (Family for Every Child 2013b; EveryChild e HelpAge International 2012). Embora as situações destas crianças possam apresentar variações, para todas elas, a ausência de cuidados adequados representa a principal causa e uma consequência de sua vulnerabilidade que condiciona várias áreas de suas vidas e perspectivas futuras (ver secção três).

Apoiar o crescimento das crianças em uma família acolhedora, segura e permanente é o principal meio para garantir que as crianças recebam os cuidados adequados. Embora durante a infância as crianças possam querer e precisar passar algum tempo longe de suas famílias, as evidências apontam que o bem-estar e a felicidade das crianças implica em passarem a maior parte do tempo, em ambientes

Quadro 1: Quais os elementos que compõem os cuidados “adequados”?

Em uma pesquisa recente realizada em Ruanda com o objetivo de explorar o tema dos cuidados adequados, foram interrogados pais e crianças sobre o que significa para uma criança ser “feliz, saudável e bem tratada”. Crianças e adultos apontaram necessidades materiais e não-materiais. As necessidades materiais incluíam comida, vestuário, materiais didáticos, água limpa, cuidados médicos e bom alojamento. As necessidades não materiais incluíam amor, afeto, tempo com os pais e cuidadores e tempo para relaxar e brincar. Os declarantes também valorizaram a comunicação entre crianças e pais/cuidadores e um bom ambiente familiar (Roelen e Shelmerdine 2014).

“Eles [cuidadores] têm de alimentar o melhor possível as crianças, vesti-las, ama-las, pagar as taxas escolares e [fornecer-lhes] materiais suficientes, seguro de saúde, fazer com que tenham uma aparência limpa e que frequentem lugares bonitos,

que arranjem tempo para falar com eles, para apresentá-los aos membros da família, para protegê-los de situações de trabalho inadequadas e dar-lhes tempo suficiente para brincar com outras crianças.” (Menino do Ruanda, citado em Roelen e Shelmerdine 2014, p.18)

Outra pesquisa demonstra o quanto pode variar a percepção de “bom” de acordo com o contexto. Por exemplo, algumas culturas protegem as crianças do risco e simultaneamente permitem que se tornem cada vez mais independentes da família e outras encorajam as crianças a aprender a lidar com o risco e a reconhecer a responsabilidade para com suas famílias (Burr 2002; Mann 2001; Punch 2002). Foi argumentado que os elementos “básicos” dos cuidados necessários para o bem-estar e desenvolvimento das crianças, em qualquer contexto, envolvem “cuidados sensíveis, estimulantes e seguros,” mas estes cuidados podem ser prestados de uma variedade de formas diferentes por uma gama composta de diferentes tipos de famílias (Woodhead 2006, p.10).

2. Quem são as crianças privadas de cuidados adequados?

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10 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

Quadro 2: Por que motivo a família é tão importante?

“Ninguém amará você como sua mãe, você é uma parte dela. Uma mãe cuidará de você melhor do que qualquer outra pessoa.” (Uma criança do Maláui, citada em Mann 2004, p.35)

“Todos querem retornar a casa, para junto de seus pais, para receber o seu amor e atenção.” (Menina de 10 anos residente em uma unidade de cuidados alternativos, Guiana, citada em Family for Every Child 2013a, p.10)

É globalmente reconhecido que o melhor lugar para uma criança crescer é dentro de uma família acolhedora, segura e permanente. É um fato preservado na lei internacional dos direitos humanos e pelos padrões que regulam a prática global (ver Quadro 3). As razões são múltiplas: um laço seguro com o mesmo cuidador é a base do desenvolvimento cognitivo, intelectual e emocional da criança (Oates, Lewis e Lamb 2005); um pai/cuidador presente é uma ponte entre a criança

e os serviços necessários à sua sobrevivência e desenvolvimento; e o desenvolvimento em casa permite garantir a continuidade da vida social, cultural e educacional da criança e promove um sentimento de identidade e pertencimento que, como tem vindo a ser demonstrado, é indispensável para o bem-estar a longo prazo (Family for Every Child 2013b; Morantz e Heymann 2010). As crianças de todo o mundo têm expressado de forma consistente uma forte preferência em receber os cuidados de sua própria família (Family for Every Child 2013a; Mann 2004).

Embora nem sempre as famílias sejam abrigos seguros já que muitas crianças são alvo de cuidados inadequados em sua própria casa, com o apoio adequado, as respostas e supervisão efetivas no domínio da proteção da criança, é maior a probabilidade de uma criança prosperar em uma família acolhedora, segura e permanente do que em qualquer outro arranjo.

Existem crianças privadas de cuidados adequados em todos os países do mundo – com rendimento baixo, médio ou alto, estável e frágil. É extremamente difícil obter o número exato de crianças privadas de cuidados adequados, devido à falha crônica de informação e à natureza velada da negligência e abuso (Higgs et al. 2012). Contudo, os dados existentes indicam uma crise global. Estima-se que em todo o mundo existam 151 milhões de crianças com pelo menos um ou ambos os pais mortos e, destas, 13 milhões perderam ambos os pais (UNICEF 2013).8 As

crianças órfãs, especialmente as que não podem viver com a família alargada, estão mais expostas aos cuidados inadequados (Family for Every Child 2013b). Diariamente, cerca de 3 500 meninas com idade inferior a 15 anos casam-se, sendo muitas forçadas a fazê-lo, ficando expostas aos riscos de uma gravidez precoce (Bruce 2007).9 Estima-se que, anualmente, aproximadamente 150 milhões de meninas e 73 milhões de meninos sejam vítimas de violência sexual (OMS 2006), frequentemente praticada por um membro da família ou quando vivem afastadas da família. Existem muitas crianças

8. Para uma estimativa do número de órfãos “duplos” que perderam ambos os pais: http://www.unicef.org/media/media_45279.html

9. As mortes relacionadas com a gravidez precoce são a principal causa de mortalidade de meninas entre os 15 e os 19 anos de idade e as meninas com idade inferior a 15 anos têm uma probabilidade de morrer durante o parto cinco vezes superior às mulheres na casa dos vinte anos (World Vision 2008).

familiares acolhedores e seguros. A pobreza ou a falta de acesso a serviços não devem constituir motivos para retirar uma criança dos cuidados de sua família. Os cuidados prestados pela família alargada ou parentes próximos são com frequência uma boa opção para uma criança que não possa receber os cuidados de seus pais e necessite de cuidados permanentes. De igual modo, a adoção ou práticas semelhantes, como por exemplo, a kafala do mundo islâmico, podem ser usadas para dar à criança um lar no seio de uma família.

Se uma criança requer cuidados alternativos temporários estes devem ser de base familiar ou o mais semelhantes possível aos cuidados prestados por uma família, como por exemplo, o acolhimento familiar ou casas para pequenos grupos e a criança deve ser integrada novamente em sua família ou em uma família acolhedora, segura e permanente, o mais rapidamente possível (Family for Every Child 2013b; ONU 2010a). O Quadro 2 fornece mais detalhes sobre a importância da família.

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11 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

desacompanhadas e separadas em resultado de conflitos e catástrofes naturais. Só na Síria foram registradas como refugiadas mais de 1,1 milhão de crianças em 2013, destas, vivem só na Jordânia e no Líbano, 3 700, sem um ou ambos os pais ou sem os cuidados de um cuidador (UNHCR 2013).

Além do mais, o número de crianças privadas de cuidados adequados está aumentando e é provável que continue a aumentar devido às principais tendências globais.

• Estima-se que, ao longo da próxima década, 175 milhões de crianças em todo o mundo sejam afetadas por catástrofes naturais devido às mudanças climáticas (Save the Children 2009), muitas das quais podem vir a ser separadas de suas famílias no caos imediato e/ou ser vítimas de negligência e abuso em resultado do impacto das situações de emergência na pobreza doméstica (BCN et al. 2013a).

• Uma proporção considerável de pobres vive em estados frágeis e afetados por conflitos, com uma subsistência muito vulnerável. Para as crianças, tal aumenta a probabilidade de um casamento precoce e/ou forçado, abuso sexual e separação das famílias para as forças e grupos armados (International Bureau for Child Rights 2010; Gertz e Chandy 2011; World Vision 2012).

• Existe 1 bilhão de migrantes em todo o mundo, dos quais 30 milhões têm idade inferior a 20 anos. Apesar de a migração estar associada a novas oportunidades, muitas crianças migrantes viajam sozinhas, enfrentando jornadas perigosas e condições de trabalho abusivas, sem o apoio de um adulto; muitas crianças são deixadas para trás pelos pais em migração e a muitas é impedido o acesso aos serviços básicos no destino, - tudo isto as torna mais vulneráveis aos cuidados inadequados (BCN et al. 2013b; UNICEF 2012).

• No ano 2025, 60% das crianças dos países em desenvolvimento viverá em cidades. Este fenômeno de urbanização está associado com o deslocamento da família alargada e das redes de trabalho comunitárias, e com as elevadas taxas de divórcio e monoparentalidade, tendo muitos pais que enfrentar sozinhos as dificuldades de educar seus filhos (Roby 2011; UNICEF 2010).

• Apesar de os progressos recentes no tratamento e prevenção, a pandemia VIH continua a ter

um impacto duradouro sobre os cuidados das crianças. Milhões de crianças ficaram órfãs e, quando a família alargada não pode oferecer cuidados adequados, a criança fica mais vulnerável ao abuso e à exploração. Em alguns contextos, muitas são direcionadas para cuidados alternativos de baixa qualidade, em parte devido à discriminação que afeta as crianças que vivem com VIH (Mann et al. 2012).

• Embora a utilização de cuidados institucionais esteja caindo em desuso em alguns contextos, o número de crianças institucionalizadas está aumentando ou não decrescendo em muitas regiões do mundo (EveryChild 2011).

Apesar de os números em cima apresentarem um quadro negro, ainda existe esperança para as crianças vulneráveis aos cuidados inadequados. Em todo o mundo, mantêm-se a tradição da família alargada prestar cuidados e as comunidades revelaram estar à altura dos desafios impostos pelo VIH e outras emergências, oferecendo cuidados e apoio às crianças separadas das famílias. Contudo, a maior parte das vezes, a família alargada e as comunidades ficam frequentemente abandonadas, enfrentando sozinhas o número crescente de crianças separadas da família (EveryChild e HelpAge International 2012; JLICA 2009). Este fato é especialmente alarmante se considerarmos que a grande maioria destes cuidadores dedicados da família alargada são eles próprios idosos e vulneráveis (EveryChild e HelpAge International 2012).

Embora qualquer criança possa ser alvo de cuidados inadequados, existem algumas especialmente vulneráveis. Os cuidados inadequados não se limitam às crianças vivendo na pobreza, ainda que esta seja um fator de peso. Muitas crianças são separadas de suas famílias porque estas não lhes podem proporcionar os cuidados adequados. A maioria das crianças institucionalizadas em todo o mundo tem pais, grande parte dos quais entregou os seus filhos aos cuidados alternativos, por não lhes poder proporcionar o acesso aos serviços básicos de saúde e educação (Csaky 2009). Muitas crianças residentes em comunidades empobrecidas são forçadas a abandonar suas famílias para terem acesso aos serviços de saúde e educação que não existem ou lhes são negados no local onde vivem. Por exemplo, na Indonésia mais de meio milhão de crianças vive em lares, principalmente

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12 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

para ter acesso aos serviços de educação que não estão disponíveis nas comunidades de onde são originárias (DEPOS e Save the Children 2006). As crianças com deficiência são um grupo em risco devido à falta de apoio na comunidade e à convicção errada de que terão melhores cuidados em instituições do que os proporcionados pelas respectivas famílias, em casa, ficando desta forma mais vulneráveis ao abuso (EveryChild e BCN 2012). Em algumas partes do mundo a família alargada pode estar menos disposta a cuidar de crianças que vivem com VIH (Mann et al. 2012). O gênero e a idade também têm impacto sobre a vulnerabilidade da criança à separação. Em algumas regiões as meninas são melhor aceitas pela família alargada do que os meninos, pois são vistas como mais capazes para o trabalho doméstico e, uma vez casadas, a família receberá o pagamento correspondente (“preço da noiva”) (Mann 2001). Em outros cenários, os meninos órfãos são os preferidos pois a sua contribuição para a família é vista como mais produtiva (Cantwell e Jacomy-Vite 2011). Em muitas regiões do mundo é mais provável os meninos migrarem em busca de trabalho (Dotteridge 2004).

A privação de cuidados que afeta estas crianças

é uma enorme preocupação para as crianças e

suas comunidades (ver a seguir) e uma violação

hedionda dos direitos da criança. Existem diversos

instrumentos regionais e internacionais em matéria

de direitos humanos e da criança para obrigar os

Estados Partes a garantir que são prestados às

crianças os cuidados adequados (ver Quadro 3).

Estes direitos foram traduzidos em diretrizes globais,

que receberam aprovação internacional e incluem

as Diretrizes de Cuidados Alternativos à Criança

(ONU 2010a), formalmente acolhidas pela ONU em

2009, e em Padrões Mínimos para a Proteção da

Criança na Ação Humanitária (Minimum Standards

for Child Protection in Humanitarian Action) (CPWG

2012). Por este motivo, a UNICEF e o gabinete

do Alto Comissariado para os direitos humanos

reclamaram, em 2012, o fim da institucionalização

de crianças com idade inferior a 3 anos, na Europa

e na Ásia Central (OHCHR). Em 2013 foi lançado

um apelo semelhante na América Latina.10

Quadro 3: As crianças têm o direito a cuidados adequados

São vários os instrumentos internacionais em matéria de Direitos Humanos e da Criança que salvaguardam o direito da criança a cuidados adequados, incluindo os seguintes.

• A Convenção dos Direitos da Criança da ONU (UNCRC) reconhece que “a criança, para o desenvolvimento completo e harmonioso da sua personalidade, deve crescer em um ambiente familiar, de felicidade, amor e compreensão.” (ONU 1989, Preâmbulo). A mesma Convenção reconhece “o direito de qualquer criança a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social … [e compromete os Estados Partes a] … tomar as medidas apropriadas para apoiar os pais e outros

responsáveis pela criança a implementar este direito …” (ONU 1989, Artigo 27).

• A Convenção sobre os Direitos de Pessoas com Deficiência também obriga os Estados Partes a fornecer informação, apoio e serviços às famílias para prevenir a negligência e o abandono de crianças com deficiência (ONU 2006).

• Analogamente, o Artigo 16 da Carta Africana dos Direitos e do Bem-Estar da Criança exige que os governos “levem a cabo medidas específicas em matéria legislativa, administrativa, social e de educação para proteger as crianças de qualquer forma de tortura, tratamento desumano ou degradante e, especialmente, dano ou sevícia mental ou física, negligência ou maus-tratos, incluindo abuso sexual, durante a prestação de cuidados à criança.”

10. Ver: http://www.unicef.org/media/media_59030.html e http://www.crin.org/docs/Call%20to%20Action%20-%20Latin%20America%20and%20Caribbean.pdf

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13 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

“Eu olhei para dentro do berço e vi uma criança que aparentava ter sete ou oito anos de idade. A enfermeira disse-me que tinha 21 e estava na instituição há 11anos. Eu perguntei quantas vezes a retiravam do berço e ela respondeu: ‘Nunca. Nunca esteve fora do berço em 11 anos.’” (Pesquisador da ONG Mental Disability Rights International, Sérvia, citado em MDRI 2007 p.v)

“Quando você está com seus pais, você se sente feliz. Você sabe que é amada.” (Menina de 8-12 anos, residente num lar, Rússia, citada em Family for Every Child 2013a p.10)

As crianças privadas de cuidados adequados estão entre as pessoas mais vulneráveis no mundo. Muitas, especialmente as muito jovens, sofrem de atrasos no desenvolvimento físico, linguagem e inteligência em resultado de cuidados empobrecidos. Por exemplo, as crianças institucionalizadas, em particular as com idade inferior a três anos, apresentam uma maior probabilidade de sofrer atrasos no crescimento, de ter problemas comportamentais e um QI inferior ao das crianças criadas no seio de sua família (Bilson 2009; Browne 2009; Williamson e Greenberg 2010). Este fato é agravado pela dificuldade das crianças privadas de cuidados adequados terem acesso aos serviços educativos, para quem a probabilidade de ir à escola ou de ter bons resultados é muito reduzida. As crianças que perderam ambos os pais têm menos 12 por cento de probabilidade de frequentar a escola do que outras crianças (ONU2010b) e às crianças que vivem nas ruas, em detenção ou com os empregadores também é frequentemente negado o acesso à escola (BCN et al. 2012b). As crianças privadas de cuidados adequados correm maior risco de malnutrição, doença mental e enfermidade, incluindo VIH e toxicodependência (Krug et al. 2002; OMS 2006). São de longe mais vulneráveis a outros aspectos relacionados com a proteção da criança e, na realidade, a perda de cuidados parentais é reconhecida como um fator chave do abuso e da negligência (Family for Every Child 2013b). Por exemplo, entre os meninos e meninas mais afetados pela violência, exploração e abuso, durante situações de emergência, estão geralmente

crianças privadas de cuidados parentais (Morgan e Beherendt 2008); as crianças que vivem afastadas da família, ou sem a proteção adequada das mesmas, também estão mais vulneráveis ao abuso sexual e aos perigos da migração solitária (Delap 2010).

Em muitos casos, os efeitos de cuidados inadequados põem a vida em risco. É maior o risco de uma gravidez precoce entre as meninas privadas de cuidados parentais e tem impacto sobre a mortalidade materna e infantil (World Vision 2008). Crianças desacompanhadas ou separadas em cenários de conflito estão mais vulneráveis ao recrutamento pelas forças e grupos armados (Global Protection Working Group 2010, p.204). A taxa de mortalidade de crianças que vivem em instituições de grande dimensão é frequentemente mais elevada quando comparada com a da população em geral. Por exemplo, na Rússia a taxa de mortalidade das crianças com menos de quatro anos a vivendo em instituições de larga escala é dez vezes superior à da população em geral (Ministério da Saúde e Desenvolvimento Social 2007).

As crianças privadas de cuidados adequados experimentam a desigualdade em outros aspectos de suas vidas. Tal, abrange a discriminação e a exclusão dos serviços básicos e outras instituições que existem para apoiar crianças e jovens. As jovens adolescentes casadas e crianças que vivem nas ruas, sem as famílias, são estigmatizadas e discriminadas pelos profissionais de saúde, que lhes negam o acesso aos tão necessários serviços de saúde sexual e reprodutiva (ODI e Save the Children 2013; BCN et al. 2012b). Apesar de a migração poder proporcionar às crianças novas experiências de aprendizagem e oportunidades, as crianças que migram sozinhas, especialmente as mais jovens, ou as crianças que foram traficadas entre fronteiras, são frequentemente tratadas como criminosas e não têm acesso a serviços que estão disponíveis para outras crianças (BCN et al. 2013b; Dotteridge 2004; Punch 2002). Além do mais, os regimes de proteção social muitas vezes não abrangem crianças que vivem à margem dos cuidados parentais (Kaplan e Jones 2013). As

3. Qual o impacto de cuidados inadequados sobre as crianças?

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14 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

crianças que perderam os cuidados parentais, estão

ligadas às ruas ou foram vítimas de abuso sexual

e exploração são com frequência estigmatizadas

pelas comunidades. Esta discriminação pode ser

exacerbada por fatores como o género, deficiência e

estado em termos de VIH (BCN et al. 2012a).

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15 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

Os cuidados inadequados às crianças estão a produzindo “gerações perdidas”. Os problemas vividos por estes meninos e meninas na infância limitam gravemente o seu potencial em idade adulta. Como visto na secção 3, as crianças privadas de cuidados adequados podem ser prejudicadas por atrasos no desenvolvimento físico, da linguagem e inteligência. Além do mais, as crianças que cresceram fora de suas comunidades de origem, como as que vivem institucionalizadas não desenvolvem as redes ou competências sociais necessárias à vida adulta (EveryChild 2011). Enquanto adultos, é frequente terem mais dificuldade em encontrar emprego e correm mais riscos de vir a apresentar problemas comportamentais, físicos e de saúde mental, como por exemplo, depressão, obesidade, doenças cardíacas, cancro, comportamentos de alto risco e doenças sexualmente transmissíveis, alcoolismo e toxicodependência e violência (Gilbert et al. 2009). Estes desafios estão associados com comportamentos criminosos e antissociais na vida adulta. Uma pesquisa realizada na Rússia mostrou que uma em cada três crianças institucionalizadas se transforma em um sem-abrigo; uma em cada cinco acaba possuindo registro criminal e uma em cada 10 se suicida (Tobis 2000).

“Viver isolado de seus pais significa que sua vida não será boa. Durante a sua vida as crianças não deveriam viver afastadas de seus pais.” (Menina com idade entre 8-12 anos vivendo com a família alargada, Quénia, citada em Family for Every Child 2013b p.10)

“As crianças não sabem o que se passa lá fora.” (Menino de 14 anos vivendo numa instituição, Maláui, citado em EveryChild 2011 p.13)

As desvantagens proporcionadas por cuidados inadequados são frequentemente transmitidas para a geração seguinte. É menos provável que um adulto negligenciado ou que tenha sofrido maus-tratos seja capaz de fazer um acompanhamento parental positivo de seus próprios filhos (Csaky 2009).

Apesar de ser incorreto valorizar o bem-estar da criança apenas em termos de seu potencial para dinamizar a economia (Woodhead 2006), não é

menos verdade que os cuidados inadequados têm um impacto econômico significativo sobre a sociedade em geral. Em particular, empobrecem o capital humano e, consequentemente, impedem o crescimento. Um estudo realizado nos EUA, envolvendo adultos que foram vítimas de abuso e negligência durante sua infância, concluiu que a taxa de emprego deste grupo era 14 por cento inferior à da população em geral, que tinham menos probabilidade de ter uma conta bancária, automóvel, ou casa e o seu rendimento ao longo da vida é bastante inferior (Currie e Widom 2010). Os adultos que viveram sem cuidados adequados enquanto crianças também apresentam uma probabilidade maior de necessitar de apoio dos serviços públicos, a um custo muito significativo para o orçamento de estado. Nos EUA a estimativa anual dos custos combinados dos rendimentos de trabalho e receita fiscal perdidos em resultado de abuso infantil e morte prematura e dos serviços de apoio a crianças vítimas de abuso é de 1 por cento do PIB (Fromm 2001). Além do mais, a oferta de instituições de prestação de cuidados a crianças, que frequentemente são inapropriadas e de qualidade inferior, tem um custo bastante superior ao do apoio necessário para que permaneçam na família (EveryChild 2011).

Os cuidados inadequados condicionam gravemente a capacidade das sociedades atingirem seus objetivos. Foi já demonstrado que a falta de prioridade conferida aos cuidados prestados à criança pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) é obstáculo importante para a sua consecução (Delap 2010). As associações de bem-estar da criança partilham a ideia de que a prestação de cuidados à criança é um fator importante na base do sucesso potencial do quadro de desenvolvimento pós-2015 que irá substituir os ODM quando estes chegarem ao fim. Em particular, tem sido verificado que as crianças privadas de cuidados adequados constituem um dos principais grupos-alvo para reduzir a desigualdade em todos os domínios do desenvolvimento e das questões humanitárias (BCN et al. 2012a). Por fim, os cuidados à criança são uma porta de entrada para combater o vasto espectro de questões relativas à proteção da

4. Qual o impacto de cuidados inadequados às crianças sobre a sociedade em geral?

11. Este é o resultado consensual de um vasto espectro de agências que atuam nos domínios do desenvolvimento e questões humanitárias e que se associaram para fazer campanha para que o cuidado e a proteção da criança estejam no centro do quadro de desenvolvimento pós-2015. Informação mais detalhada pode ser encontrada na série de artigos Protect my future, que explora as associações entre a proteção da criança e a consecução dos objetivos centrais de desenvolvimento. Ver: http://www.familyforeverychild.org/knowledge-centre

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16 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

criança, como por exemplo, migração insegura, trabalho infantil prejudicial e exploração sexual de crianças.

As crianças salientam de forma consistente as melhorias ao seu cuidado como uma importante prioridade. Em 2012-13, os membros da Family for Every Child consultaram 600 crianças vulneráveis em sete países sobre suas prioridades para o quadro de desenvolvimento pós-2015. Estas crianças classificaram como uma de suas prioridades principais a importância de crescer no seio de uma família segura e acolhedora, com frequência acima das necessidades materiais e do acesso aos serviços (Family for Every Child 2013a). Analogamente, em 2005, foi realizada uma consulta a crianças em 18 países sobre suas prioridades para os ODM. Esta consulta demonstrou o valor que as crianças atribuem às relações fortes, afetuosas e protetoras (Grow up Free from Poverty 2005).

“Sinto-me segura porque tenho junto de mim todos os que amo.” (Menina com 15 anos, Brasil, que participou de uma consulta a crianças altamente vulneráveis sobre as suas prioridades pós-2015, citada em Family for Every Child 2013a)

Felizmente, os impactos a longo prazo dos cuidados inadequados não são inteiramente inevitáveis e se as crianças puderem ser colocadas em lares acolhedores, muitos dos efeitos negativos dos cuidados empobrecidos podem ser revertidos (ver o exemplo do Quadro 4 e Woodhead 2006). Verifica-se que apesar das grandes perdas resultantes dos cuidados inadequados, as crianças também podem desenvolver uma grande resiliência face à adversidade e, em alguns casos, adquirem competências e estabelecem relações durante o período em que vivem afastadas da família que podem e devem ser desenvolvidas (Bur 2002; Dotteridge 2004; Punch 2002).

Quadro 4: Um exemplo que mostra como os cuidados adequados melhoram a vida das crianças

A História de Gerardo, México12

Um estudo de caso de Corinna Csaky para o Why Care Matters 28.2.14

A história de Gerardo conta como os cuidados inadequados ameaçam vários aspectos da vida da criança e assim como impacta a comunidade. Também mostra como, com o apoio certo, é possível reintegrar crianças como Gerardo em suas próprias famílias. O Gerardo e sua família estão entre as várias famílias que a ONG mexicana JUCONI, associada da Family for Every Child, tem ajudado a transformar-se numa família acolhedora. Fundada em 1989, a JUCONI México está sediada em Puebla, perto da cidade do México e empenha-se em desenvolver, implementar e distribuir soluções concretas para crianças, adolescentes e famílias que além de viverem na pobreza são alvo de violência doméstica.

Gerardo tinha oito anos quando começou a usar drogas. Foi encorajado a inalar PVC por um grupo de rapazes muito mais velhos que ele. Rapidamente ficou viciado e passava todos os dias nas ruas a inalar PVC. Só chegava a casa de noite ou nem chegava a ir para casa. Raramente ia à escola ou, quando ia, era sob o efeito da droga. Trabalhava nas ruas, por exemplo, cantando em ônibus, para

ganhar dinheiro para pagar as drogas, comida ou outras coisas que necessitasse. Não tinha amigos da sua idade e passava o tempo com um grupo de rapazes violentos e perigosos muito mais velhos que ele. Devido ao seu comportamento agressivo e antisocial entrava muitas vezes em conflito com a lei e era excluído da sua comunidade. A violência fez parte de todos os aspectos da vida de Gerardo, sendo diariamente vítima ou testemunha dela em casa, na escola ou na rua.

Apesar de Gerardo ter tido um lar, praticamente não recebia qualquer atenção da família. O seu pai tinha falecido e quase não via a mãe, apesar de viverem juntos. Ela trabalhava várias horas por dia e chegava a casa muito tarde apenas para dormir ou, muito raramente, para comer. O Gerardo habitualmente apanhava da mãe, por vezes com um cabo enrolado. Muitos membros da comunidade alertaram-na para o fato de Gerardo consumir drogas e para seu comportamento antisocial. Desesperada, ao tentar fazer com que parasse, batia-lhe cada vez mais e a relação entre ambos tornou-se cada vez mais insustentável. Raramente havia comida em casa, por isso, Gerardo tinha de procurar comida para si. Apesar de ter irmãos e irmãs mais velhos em casa, não tomavam conta dele e a relação entre eles era muitas vezes violenta.

A JUCONI contactou com Gerardo quando ele tinha 12 anos. A mãe pediu ajuda na escola local, que por sua vez contactou a JUCONI. Por esta altura,

12. Por motivos de confidencialidade os nomes foram alterados.

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17 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

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Gerardo estava “a caminho da prisão”, segundo palavras suas, devido ao consumo de drogas, prática de crimes menores e comportamento antisocial. Um assistente social da JUCONI encorajou-o a entrar num programa de apoio que permitiria melhorar a sua vida, abandonar as ruas e receber cuidados de qualidade.

Gerardo viveu dois anos na Casa JUCONI, um espaço onde um pequeno grupo de crianças que viviam nas ruas ou estavam prestes a romper laços com as famílias, podia viver durante um a três anos para receber apoio. Durante esse tempo a JUCONI trabalhou em colaboração com as famílias dessas crianças para providenciar um retorno a casa com cuidados de qualidade. Na Casa JUCONI Gerardo recebeu um pacote de cuidados de saúde, terapêuticos e sociais para o ajudar a superar a dependência às drogas e os vários traumas que o levaram a abandonar o lar, em particular a habitual violência de que foi vítima no seio de sua própria família. Aqui Gerardo reconstruiu a autoestima e a motivação para obter uma vida familiar positiva e perspectivas futuras. Ele aprendeu a controlar a raiva e a agressividade e a respeitar e a tratar os outros com respeito. Também se distinguiu nos estudos.

Durante a estadia do Gerardo na Casa JUCONI, os funcionários da JUCONI trabalharam incessantemente com a sua família para melhorar a qualidade da relação e os cuidados entre todos os seus membros, visitando-os em casa todas as semanas para fornecer apoio terapêutico e bem-estar a cada um deles e à família como um todo. De duas em duas semanas, o Gerardo acompanhava a equipe de terapeutas familiares para visitar sua família e participar com eles no processo terapêutico. Uma das particularidades deste processo foi ajudar

a mãe do Gerardo a compreender e a lidar com os motivos que levavam à violência e à agressividade para com ele e a desenvolver competências parentais positivas. Também a ajudaram a encontrar um emprego mais perto de casa e a adquirir um apoio financeiro. Tal, permitiu que passasse mais tempo em casa e pudesse proteger e fornecer melhores cuidados a Gerardo e a seus irmãos. O assistente social também ajudou os membros da família a construir uma relação positiva no seio da comunidade local para assegurar que a família tinha uma rede de apoio eficaz.

O Gerardo tem agora 18 anos e está vivendo com a família. Após o regresso a casa, ele e a família receberam visitas de acompanhamento da JUCONI durante 3 anos. Agora é um aluno dedicado ao sucesso. A JUCONI ajudou o Gerardo a conseguir uma bolsa escolar, que lhe permitiu focar-se nos estudos sem ter de pensar nos rendimentos. Apesar de continuarem a ser pobres e das dificuldades, a mãe está empenhada em que ele termine os estudos encorajando-o e fornecendo todo o apoio financeiro que ele precisa para o conseguir. O curso terminará nos próximos meses e Gerardo está entusiasmado com o futuro e as perspectivas profissionais. Já fez vários amigos da sua idade na escola e até tem uma namorada. Ele tem consciência dos desafios da vida, entre os quais a pobreza e a violência na sua comunidade. No entanto, agora tem as competências e o apoio da família para os enfrentar. Além do mais, a sua relação com a mãe agora é muito forte e valoriza o apoio que recebe dela.

“Ela sorri muito e é legal. É difícil explicar, porque eu não conhecia esta senhora, até a minha nova vida a apresentar.” Diz, a sorrir: “Eu me esforço para não desapontar a minha mãe.”

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18 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

5. Quais as ações necessárias para melhorar a prestação de cuidados à criança?Melhorar os cuidados à criança é simultaneamente um desafio técnico, político e social. Apesar dos resultados produzidos pela pesquisa evidenciarem os efeitos prejudiciais dos cuidados inadequados e os exemplos de sistemas de prestação de cuidados eficazes13, esta informação não atravessa todos os contextos culturais e existem ainda lacunas significativas no seu entendimento. Em particular, é ainda limitada a análise e avaliação do papel crítico desempenhado pela família alargada e pela comunidade mais vasta na prestação dos cuidados à criança, das percepções das crianças sobre o que são cuidados adequados e como podem ser conseguidos. A interface entre o cuidado informal oferecido pelas famílias e comunidades e as estruturas de natureza governamental, mais formais, é pouco compreendida e é escassa a análise de como se podem propagar os exemplos com práticas promissoras para que a mudança seja mais abrangente (Oak et al. 2012). Ainda persiste a tendência para assumir que um tamanho único servirá a todos e de evitar a análise profunda das diferenças na prática de cuidados infantis. A conclusão desta análise ilustrará uma grande variedade de meios para prestar cuidados adequados em diferentes contextos, sugerindo a necessidade de abordagens específicas a cada contexto que conheçam os sistemas de prestação de cuidados locais e sejam capazes de reforçar os aspectos positivos dos mesmos e lidar com práticas discriminatórias ou prejudiciais (Mann 2001; Woodhead 2006; Inter-Agency Learning Initiative on Community Based Child Protection Mechanisms 2012).

Em muitas situações não existe a vontade política e social para colocar em prática as lições aprendidas em uma escala mais vasta. Melhorar os cuidados prestados às crianças exige com frequência investimento governamental nas seções mais marginalizadas da sociedade – pessoas com voz política insignificante, muitas vezes alvos de discriminação social. O impacto do investimento não é imediatamente visível e pode demorar vários anos até surtir efeito – tal não é apelativo para os governos, empresas ou doadores que estão bastante interessados em mostrar resultados. Também pode exigir que os governos e outros

atores ponham em causa práticas, conceitos e legislação em vigor que perpetuam os cuidados inadequados às crianças, o que pode ser controverso e politicamente impopular. Assumir estes desafios requer uma liderança política forte, apoiada por uma sociedade civil ativa e empenhada na mudança/revisão de políticas que influenciam as atitudes que podem melhorar os cuidados prestados às crianças. A sociedade civil pode desempenhar um papel crucial dado que têm a flexibilidade e a experiência no terreno para desenvolver práticas eficazes e inovadoras, que podem ser vantajosamente replicadas pelos governos (por exemplo: Family for Every Child e JUCONI 2014; EveryChild e Partnership for Every Child 2013). Contudo, os governos devem estar dispostos a aprender com a sociedade civil, mas também a escutar e a apoiar as famílias e comunidades. Na maioria das situações, estes grupos fornecem apoio essencial às crianças privadas de cuidados adequados e seu papel deve ser reconhecido e reforçado (JLICA 2009).

O combate à utilização inapropriada dos cuidados institucionais é uma prioridade especialmente urgente. A riqueza de evidências sobre o impacto prejudicial dos cuidados institucionais, especialmente em crianças com idade inferior a três anos, aponta para a necessidade de pôr fim à sua utilização enquanto opção de cuidados à criança. Tal, só pode ser alcançado em conjunto com o apoio às famílias e o desenvolvimento de formas melhores de cuidados alternativos. As crianças que atualmente vivem em instituições devem ser reintegradas ou receber apoio para retornarem às suas famílias ou se necessário receber cuidados alternativos de qualidade. São necessários mais serviços de inspeção e de regulamentação para combater a proliferação de instituições de acolhimento de qualidade empobrecida.

O combate à pobreza e desigualdade que estão na base dos cuidados inadequados às crianças, é igualmente vital. As famílias que vivem na pobreza necessitam ter mais acesso à proteção social para fortalecer a capacidade de cuidarem de seus filhos. Neste âmbito se inclui a combinação das transferências de dinheiro com os apoios

13. Uma vasta gama de recursos sobre cuidados às crianças está disponível em http://www.familyforeverychild.org/knowledge-centre e http://www.bettercarenetwork.org/bcn/

14. Ver Roelen e Shelmerdine 2014 para informação mais detalhada sobre formas de melhorar a concepção de programas de proteção social para garantir a promoção de melhores cuidados às crianças.

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19 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

sociais mais abrangentes tais como grupos de apoio, aconselhamento e assistência parental, aconselhamento sobre emprego e tratamento de dependências.14 As crianças vulneráveis precisam ter mais acesso à educação, saúde e outros serviços básicos para impedir que abandonem suas casas desnecessariamente. As normas e atitudes sociais que perpetuam os cuidados inadequados devem ser igualmente abordadas através de, por exemplo, campanhas de esclarecimento e reformas legislativas. Tal, deve incluir combater a discriminação associada à deficiência, gênero e etnia, assim como a violência sexual e práticas tradicionais nocivas que incluem castigos físicos e humilhantes, o casamento de crianças e o

casamento precoce/forçado. Acima de tudo, significa promover a família como o melhor lugar para o desenvolvimento da criança.

Assegurar que todas as crianças são cuidadas de forma adequada é perfeitamente exequível. Existem vários exemplos positivos em todo o mundo, como aquele que vem do Brasil e é descrito no Quadro 5 a seguir. Inúmeros países realizaram reformas importantes de seus sistemas de cuidados. A implementação das Diretrizes de Cuidados Alternativos à Criança fornece vários exemplos e é um ponto de referência útil para qualquer pessoa comprometida em agir.

Quadro 5: Um exemplo da reforma do sistema de cuidados do Brasil15

O Brasil é um país de rendimentos médios altos com uma população de aproximadamente 200 milhões de pessoas, das quais 59 milhões são crianças.16 Os registros revelam que cerca de 37 861 crianças vivem em regime de cuidados alternativos formais, incluindo casas para pequenos grupos, acolhimento familiar, lares itinerários e aldeias para crianças. Existem 23 973 crianças que alegadamente vivem ou trabalham nas ruas, embora os números atuais possam ser bastante mais elevados (Ministério do Desenvolvimento Social (Brasil) MDS/FIOCRUZ 2010). Grande parte destas crianças são originárias de comunidades marginalizadas e empobrecidas e têm um ou ambos os pais vivos. A pobreza, a violência e a toxicodependência levam inúmeras crianças a viver nas ruas. Além do mais, a negligência, abuso sexual e o abandono são os motivos principais que levam as autoridades a colocar as crianças sob o cuidado de instituições. Os valores e as normas culturais associados à violência, gênero e raça sustentam a prática de negligência e abuso de crianças.

Recentemente, o Brasil fez alterações no seu trabalho com crianças e famílias vulneráveis, colocando um foco mais forte nas famílias e afastando-se da dependência dos cuidados institucionais. Esta mudança é suportada por um quadro legal e político e um plano de ação, que procuram fortalecer a capacidade das famílias prosperarem e cuidarem de seus filhos de forma

eficaz. Em resposta à pobreza e a seus impactos sobre os cuidados prestados e à proteção, existe uma programação social vasta. Tal consiste no acompanhamento de crianças e famílias vulneráveis por um assistente social dedicado que as ajuda a ter acesso a uma gama de serviços que incluem transferências de dinheiro, aconselhamento, apoio à habitação, emprego e toxicodependência. Equipes de assistentes sociais ajudam a consciencializar a comunidade para os riscos da falta de proteção e cuidados e a identificar crianças vulneráveis.

Estão igualmente a ser desenvolvidos trabalhos para reintegrar junto de suas famílias as crianças que vivem ou trabalham nas ruas ou vivem em instituições ou, se necessário, encontrar uma família de acolhimento temporário enquanto é prestada assistência social à família de origem ou até se encontrar uma nova habitação permanente, se necessário. Nos casos mais graves, em que é necessário um apoio mais intensivo, as crianças em crise podem receber cuidados em pequenas instituições, por períodos curtos. Está em expansão a prática de “audiências concentradas” para crianças institucionalizadas. Durante a audiência a criança, a família, os representantes da justiça e os profissionais de cuidados à criança avaliam em conjunto se a criança pode retornar à família ou qual a melhor forma de prestar à criança cuidados alternativos de qualidade.

Existe um investimento maior em alternativas de base familiar para as crianças que não podem ser cuidadas por suas famílias. Tal, envolve o recrutamento de famílias de acolhimento, o

15. Este estudo de caso foi retirado de Family for Every Child (2013) Improving social work in Brazil. Results of an appreciative inquiry of social work with vulnerable children and families in Brazil. London: Family for Every Child.

16. www.worldpopulationstatistics.com/brazil-population-2013/

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20 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

que conduziu a um aumento dos serviços de acolhimento familiar. Estão a ser desenvolvidos esforços para reduzir o tempo que a criança fica em “trânsito”, enquanto se busca uma alternativa de cuidados permanentes, sendo de dois anos o limite máximo. Existem diversas formas de participação da sociedade civil na criação e prestação de políticas sobre apoio familiar e cuidados alternativos. Paralelamente ao investimento em cuidados alternativos está em expansão uma campanha que promove a adoção nacional.

Apesar de o impacto deste trabalho estar ainda por emergir existem já algumas indicações muito positivas: o número de crianças recebendo cuidados alternativos devido à pobreza diminuiu e de uma forma geral diminuiu também a utilização dos cuidados institucionais; os casos individuais de cuidados inadequados estão endo tratados mais rapidamente e as crianças permanecem menos tempo nos centros de acolhimento de trânsito. Estão difundidos pelo país uma gama variada de serviços sociais e profissionais com diferentes formações acadêmicas, aumentando o nível da prestação dos serviços de proteção à criança; existem atualmente 12 milhões de famílias recebendo proteção social, beneficiando alegadamente cerca de 48 milhões de pessoas (Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome 2009).

Apesar destas conquistas, permanecem ainda vários desafios. As necessidades ultrapassam em muito os recursos. Não existem assistentes sociais suficientes e os que existem necessitam de mais formação e o peso da burocracia sobre os assistentes sociais impede-os de prestar o

apoio essencial. Há uma grande falta de serviços de informação e encaminhamento, especialmente relacionados com a toxicodependência. Existem várias organizações que prestam cuidados funcionando sem licença e à margem das leis nacionais. Mais ainda, existe um uma deficiência crônica de compartilhamento e coleta de informação – ao nível macro e ao nível individual, da criança. Fundamentalmente, a pobreza e discriminação subjacentes à vulnerabilidade das crianças continuam persistentes (Family for Every Child 2013c).

Contudo, o governo brasileiro continua empenhado em melhorar os cuidados às crianças e a defender a implementação das Diretrizes de Cuidados Alternativos à Criança a nível nacional e internacional. Estas vitórias foram atingidas devido à reorientação dos quadros social e judicial brasileiros. Tal, abrange um investimento significativo na reforma política e legislativa – na revisão e criação de documentos e planos fundamentais e na reorientação do pessoal por eles abrangido e o redirecionamento dos recursos antes destinados à construção de instituições de acolhimento para um apoio mais abrangente às famílias e à prevenção dos cuidados inadequados. Na assistência a este processo, têm sido decisivos o compromisso político sustentado e a formação de um grupo de trabalho nacional, presidido pela Associação Brasileira Terra dos Homens, membro da Family for Every Child, assim como as estruturas formais que permitem a participação das crianças e famílias em todos os níveis.

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21 A importância dos cuidados: Porque devemos prestar os cuidados adequados às crianças e à sociedade

Melhorar os cuidados à criança exige ação de todas as partes da sociedade, não é apenas uma tarefa para os especialistas de proteção da criança. Afeta todos os setores – da educação à saúde, do planejamento econômico ao trabalho humanitário. É um tema que diz respeito aos governos, parlamentares, empresas, sindicatos, agências bilaterais e multilaterais, mídia, ONGs nacionais e internacionais e, não menos importante, crianças e respectivas famílias. Todos estes atores têm um papel na criação e implementação da mudança e na responsabilização de terceiros para melhorar os cuidados prestados às crianças.

As recomendações a seguir destinam-se a prevenir e a responder aos cuidados inadequados à criança. São baseadas na experiência coletiva das organizações nacionais, membros da Family for Every Child, a trabalhar diretamente com crianças vulneráveis em várias regiões do mundo.

1. Adquirir uma compreensão profunda dos cuidados em cada contexto e desenvolver respostas locais apropriadas.

- Compreender o sistema formal de prestação de cuidados gerenciado pelo governo e a assistência informal oferecida pelas famílias e comunidades.

- Desenvolver os aspectos positivos existentes, incluindo o apoio vital já oferecido pelas famílias alargadas.

- Explorar práticas inovadoras e promissoras, desenvolvidas pelas organizações nacionais da sociedade civil para potencial replicação numa escala mais alargada.

- Compreender as perspectivas das crianças sobre cuidados adequados e inadequados.

2. Estabelecer a prestação de cuidados às crianças como uma prioridade política e financeira.

- Alocar recursos suficientes para garantir a prestação de cuidados adequados a todas as crianças.

- Incorporar os cuidados às crianças no quadro de desenvolvimento pós-2015 introduzindo por

exemplo, um objetivo/meta específica sobre os cuidados.17

- Dar maior visibilidade aos investimentos nos cuidados às crianças, com orientações relativas à responsabilização.

- Recolher e monitorizar regularmente informação sobre crianças privadas de cuidados adequados.

3. Garantir que o trabalho humanitário e o desenvolvimento mais abrangentes reforcem a prestação de cuidados às crianças.

- Tornar a saúde, educação e outros serviços básicos, suscetíveis de salvar vidas, acessíveis às crianças pobres e marginalizadas, em suas comunidades, incluindo as crianças sem cuidados adequados.

- Garantir que os atores que trabalham no bem-estar da criança, saúde, educação, justiça, crescimento, migração, redução da pobreza e resposta e preparação em caso de catástrofes, trabalhem em conjunto para impedir que as crianças sejam desnecessariamente separadas de suas famílias.

- Apoiar a participação das crianças sem cuidados adequados na concepção e implementação de legislação, políticas, estruturas e serviços relevantes.

4. Aumentar a cobertura e a qualidade da proteção social de forma a reforçar a capacidade das famílias cuidarem das crianças.

- Disponibilizar às famílias/cuidadores de crianças vulneráveis um pacote combinado de transferências de dinheiro e formas de assistência social mais abrangentes para apoiá-los na prestação de cuidados adequados às crianças. y.

- Conceber cuidadosamente a proteção social de famílias e crianças vulneráveis para assegurar benefícios e impedir que tenha efeitos prejudiciais sobre os cuidados prestados às crianças.18

6. Conclusão e recomendações

17. Um exemplo de um alvo: todas as crianças devem viver uma vida isenta de todas as formas de violência, ser protegidas em situações de conflito e catástrofes e prosperar em um ambiente familiar seguro. Um exemplo de uma meta: Reduzir para metade o número de crianças que vivem desnecessariamente longe ou fora dos cuidados familiares e por fim à colocação de crianças ao abrigo de cuidados institucionais (retirado de: BCN et al. (2013) Protect my Future. Why child protection matters in the post 2015 development agenda. Family for Every Child, London.

18. Ver Roelen e Shelmerdine 2014 para mais recomendações sobre a criação de programas de proteção social que melhorem os cuidados à criança.

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5. Garantir que todos os países venham a aderir às Diretrizes de Cuidados Alternativos à Criança. São de extrema importância as seguintes.

- Aperfeiçoar os sistemas informais de cuidados existentes solucionando qualquer prática discriminatória ou prejudicial.

- Pôr fim à utilização de cuidados institucionais para todas as crianças, em particular crianças com menos de três anos de idade e desenvolver alternativas mais seguras, como por exemplo, apoiar eficazmente as famílias para permitir a reintegração, casas para pequenos grupos, e famílias de acolhimento.

- Rever e, se necessário, reformar as políticas e leis nacionais para que estabeleçam como prioridade os cuidados às crianças em famílias seguras, acolhedoras e permanentes.

- Aumentar e reforçar as estruturas de cuidados de forma adequada a cada contexto (por exemplo, cuidados de parentes, adoção ou kafala e/ou famílias de acolhimento) para garantir uma gama de alternativas de qualidade, em ambiente familiar, às crianças que não podem ser cuidadas por seus próprios pais.

- Melhorar os sistemas de proteção social

locais, nacionais e internacionais para garantir a prevenção, detecção e abordagem de cuidados inadequados. Tal, inclui o reforço da capacidade e eficácia da força de trabalho dedicada ao bem-estar da criança.

- Apoiar as crianças e as suas famílias para participarem das decisões que as afetam, incluindo acordos de cuidados individualizados.

O cumprimento destas recomendações é de extrema urgência. As crianças têm o direito de receber os cuidados adequados. A qualidade do cuidado recebido por uma criança coloca-a numa trajetória que afetará o resto de sua vida e a sociedade onde vive. Com milhões de crianças privadas de cuidados adequados, o impacto desta situação sobre os objetivos humanitários e de desenvolvimento não pode ser subestimado. Os meninos e meninas atualmente privados de cuidados adequados estão entre as pessoas mais vulneráveis e excluídas no mundo. São perdas resultantes da desigualdade, discriminação e pobreza. Concretizar seus direitos é, em última instância, um desafio para qualquer pessoa ou organização empenhada no progresso e justiça social e uma reflexão sobre o mundo onde queremos viver hoje e no futuro.

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Maio 2014

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