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ARTIGO A importância dos recursos genéticos vegetais para a olericultura brasileira Sabrina Isabel Costa de Carvalho Geovani Bernardo Amaro Os recursos genéticos vegetais são definidos como a parte essencial da biodiversidade, constituídos pela variabilidade genética presente em espécies de plantas de uso atual ou potencial em programas de melhoramento genético, biotecnologia e áreas afins, que são importantes para a alimentação da humanidade e para a própria agricultura. Aliados aos programas de melhoramento de plantas, eles têm um papel fundamental para atender às demandas geradas por mudanças climáticas e estresse hídrico, resultantes do aquecimento global, bem como pelo crescente aumento populacional. A adequada exploração dos recursos genéticos de hortaliças pelos cientistas é de grande importância para o desenvolvimento de cultivares adaptadas aos mais diferentes ambientes, resistentes às pragas e doenças e eficientes na absorção e utilização de nutrientes, para diminuir as necessidades de fertilizantes e pesticidas, e, consequentemente, o impacto sobre o meio ambiente. No Brasil são cultivadas cerca de 60 espécies de hortaliças caracterizadas por uma variabilidade genética entre as variedades tradicionais e cultivares utilizadas pelos agricultores. A extensão territorial, o grande número de pequenos agricultores e a diversidade climática e cultural contribuem para que o País possua um rico patrimônio genético entre espécies silvestres e cultivadas. Em muitas áreas de produção, as variedades tradicionais foram mantidas pelos próprios agricultores, ao longo de décadas. Como consequência, criou-se uma ampla variabilidade genética dessas espécies no Brasil. No entanto, nos últimos anos, as variedades tradicionais das principais 10 espécies de hortaliças foram substituídas por cultivares e híbridos modernos. Quando uma cultivar é plantada com sucesso em uma determinada região, a tendência natural é que os cultivos posteriores sejam realizados com esse novo genótipo. Dessa forma, as cultivares tradicionais são abandonadas e perdidas, juntamente com sua grande variabilidade genética, fenômeno conhecido como erosão genética. Além disso, com a exploração de novas áreas e o uso indiscriminado da terra com o avanço da agricultura, pecuária e outras atividades ligadas à urbanização, ocorre a diminuição da variabilidade genética dentro de uma espécie olerícola e das espécies silvestres relacionadas. A possibilidade de uma diminuição da variabililidade genética de diferentes espécies vegetais levou a comunidade científica a defender a manutenção de recursos genéticos em coleções ou bancos de germoplasmas, ou seja, unidades de conservação de material genético vegetal que tem como objetivo a manutenção, o manejo e a utilização da variabilidade genética para intercâmbio e pesquisa. A maioria das espécies de hortaliças está sendo conservada na forma de sementes em câmaras frias. As espécies de propagação vegetativa são conservadas in vivo em campo ou laboratório, como alho, batata, batata-doce e mandioquinha-salsa. No Brasil, as atividades relacionadas a recursos genéticos vegetais, como coleta, intercâmbio, quarentena, conservação, multiplicação, caracterização, avaliação e documentação, começaram na Embrapa a partir da sua fundação em 1973. As coleções de germoplasma de hortaliças vêm sendo formadas ao longo dos anos mediante expedições de coletas e intercâmbio com diversos países. Parte do

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• ARTIGO

A importância dos recursosgenéticos vegetais para aolericultura brasileiraSabrina Isabel Costa de CarvalhoGeovani Bernardo Amaro

Os recursos genéticos vegetais sãodefinidos como a parte essencial dabiodiversidade, constituídos pelavariabilidade genética presente emespécies de plantas de uso atual oupotencial em programas de melhoramentogenético, biotecnologia e áreas afins,que são importantes para a alimentaçãoda humanidade e para a própriaagricultura. Aliados aos programas demelhoramento de plantas, eles têmum papel fundamental para atenderàs demandas geradas por mudançasclimáticas e estresse hídrico, resultantesdo aquecimento global, bem comopelo crescente aumento populacional.A adequada exploração dos recursosgenéticos de hortaliças pelos cientistasé de grande importância para odesenvolvimento de cultivares adaptadasaos mais diferentes ambientes, resistentesàs pragas e doenças e eficientes naabsorção e utilização de nutrientes, paradiminuir as necessidades de fertilizantese pesticidas, e, consequentemente, oimpacto sobre o meio ambiente.

No Brasil são cultivadas cerca de 60espécies de hortaliças caracterizadaspor uma variabilidade genética entreas variedades tradicionais e cultivaresutilizadas pelos agricultores. A extensãoterritorial, o grande número de pequenosagricultores e a diversidade climáticae cultural contribuem para que o Paíspossua um rico patrimônio genéticoentre espécies silvestres e cultivadas. Emmuitas áreas de produção, as variedadestradicionais foram mantidas pelospróprios agricultores, ao longo de décadas.Como consequência, criou-se uma amplavariabilidade genética dessas espécies noBrasil.

No entanto, nos últimos anos, asvariedades tradicionais das principais

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espécies de hortaliças foram substituídaspor cultivares e híbridos modernos.Quando uma cultivar é plantada comsucesso em uma determinada região,a tendência natural é que os cultivosposteriores sejam realizados com essenovo genótipo. Dessa forma, as cultivarestradicionais são abandonadas e perdidas,juntamente com sua grande variabilidadegenética, fenômeno conhecido comoerosão genética. Além disso, com aexploração de novas áreas e o usoindiscriminado da terra com o avanço daagricultura, pecuária e outras atividadesligadas à urbanização, ocorre a diminuiçãoda variabilidade genética dentro de umaespécie olerícola e das espécies silvestresrelacionadas.

A possibilidade de uma diminuiçãoda variabililidade genética de diferentesespécies vegetais levou a comunidadecientífica a defender a manutenção derecursos genéticos em coleções ou bancosde germoplasmas, ou seja, unidades deconservação de material genético vegetalque tem como objetivo a manutenção,o manejo e a utilização da variabilidadegenética para intercâmbio e pesquisa.A maioria das espécies de hortaliçasestá sendo conservada na forma desementes em câmaras frias. As espécies depropagação vegetativa são conservadas invivo em campo ou laboratório, como alho,batata, batata-doce e mandioquinha-salsa.

No Brasil, as atividades relacionadas arecursos genéticos vegetais, como coleta,intercâmbio, quarentena, conservação,multiplicação, caracterização, avaliação edocumentação, começaram na Embrapaa partir da sua fundação em 1973. Ascoleções de germoplasma de hortaliçasvêm sendo formadas ao longo dosanos mediante expedições de coletas eintercâmbio com diversos países. Parte do

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gerrnoplasma de hortaliças foi importadade outros bancos para a realização daspesquisas, pois muitas das espéciessão originárias de outros países. Amanutenção desse patrimônio genéticomantida pela Embrapa é destinadaa atender demandas de pesquisa daEmbrapa e de outras instituições depesquisa, nacionais e internacionais.

Atualmente, a Embrapa Hortaliçasparticipa do projeto componente"Bancos de Cerrnoplasma de Espécies deHortaliças" com o objetivo de enriquecere manter, de forma organizada, osacessos das coleções de hortaliças naEmbrapa. Vinte e três bancos e coleçõesde gerrnoplasma com cerca de dezmil acessos são mantidos: abóboras emorangas, alho, berinjela, pimentões epimentas, ervilha, feijão-vagem, grão-de-bico, lentilha, mandioquinha-salsa,melancia, melão, pepino, quiabo, solanumsilvestre, tomate, batata-doce, alface,brássicas, cebola, cenoura, inhame einharne-cará, além das hortaliças nãoconvencionais. A conservação de algunsdesses bancos depende de mão de obraespecializada, condições edafoclimáticase tecnologias específicas, como nocaso do alho, sendo estratégica a suamanutenção pela Embrapa.

Os recursos genéticos e omelhoramento de plantas sãoimportantes no desenvolvimento devárias cultivares brasileiras de hortaliças.Muitas das cultivares lançadas pelaEmbrapa Hortaliças são produtosdesenvolvidos a partir de recursosgenéticos, por exemplo, a cultivarde cenoura "Brasília". Com formatocilíndrico de raiz e resistente à queima-das-folhas, foi desenvolvida a partir degerrnoplasma coletado no Sul do Brasil,que possibilitou a produção de cenourano verão brasileiro. Vale destacar que oBanco de Cerrnoplasma (BG) Capsicum,mantido na Embrapa Hortaliças, édiversificado e bem caracterizado - comoresultado, diversas cultivares foramdesenvolvidas a partir de acessos dessebanco, como as pimentas BRS Mari,BRS Moerna, BRS Serierna, BRS Tui, BRSGarça, BRS Sarakura, BRS Nandaia, BRSJuriti, dentre outras. Cinco das nossasseis cultivares de batata-doce também

foram resultados diretos do BG mantidona Unidade de Pesquisa: Brazlândia Roxa,Brazlândia Rosada, Brazlândia Branca,Coquinho e Princesa.

Uma alternativa de uso dosrecursos genéticos encontra-se nosprogramas de pré-rnelhorarnento queenvolvem a identificação de genes elou de características de interesseem gerrnoplasmas exóticos ou empopulações que não foram submetidasa qualquer processo de melhoramento(parentes silvestres e raças locais)e sua posterior incorporação emcultivares agronomicamente adaptadas.As atividades de pré-rnelhorarnentorealizadas com a cultura do tomate pelaEmbrapa Hortaliças merecem destaque.Doze espécies do gênero Solanum sect.Lycopersicon do tomateiro cultivado eespécies relacionadas mantidas no BG vêmsendo utilizadas visando à incorporação degenes para resistência a pragas e doenças,melhoria de qualidade nutricional enutracêutica de frutos e tolerância afatores abióticos no desenvolvimento devários híbridos de tomate.

Os recursos genéticos são matéria-primapara os programas de melhoramento dehortaliças. O intercâmbio com outrospaíses deve ser ampliado para garantiro acesso à variabilidade genética dashortaliças. As atividades relacionadasa recursos genéticos e os programasde pré-melhoramento e melhoramentosão fundamentais para o contínuodesenvolvimento de cultivares para oagronegócio nacional.'

Sabrina Isabel Costa de Carvalho

Engenheira Agrônoma

Recursos Genéticos

Analista da Embrapa Hortaliças

Geovani Bernardo Amaro

Engenheiro Agrônomo

Recursos Genéticos

Pesquisador da Embrapa Hortaliças

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