15
Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu NÚMERO 09 133 A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA ANÁLISE CASUÍSTICA DA APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 64 E 65 DA LEI DE RECUPERAÇÃO E FALÊNCIA Marina Coelho Reverendo Vidal Advogada no escritório Padis Mattar Advogados. Mestre em Direito das Relações Internacionais pela PUC-SP. RESUMO Trata-se de estudo acerca da aplicação dos artigos 64 e 65 da Lei 11.101/2005 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que versam sobre a substituição do administrador ou acionista majoritário de empresas em recuperação judicial. Analisaremos com que frequência os interessados buscam se socorrer dos remédios previstos em tais artigos, quem são as partes que pedem a sua aplicação, com que frequência há o acolhimento dos pedidos e quais são as soluções empregadas nos casos concretos analisados. ABSTRACT This article contains an analysis of the application of articles 64 and 65 of Law 11,101/2005 by the State Court of Appeals of São Paulo, which concern the replacement of the officers or majority shareholders of companies in judicial recovery. We will analyze in which circumstances the interested parties resorted to the remedies provided in such articles, who are the parties that seek their application, the frequency in which the applications are granted and which remedies have been applied by judicial courts in the analyzed cases. SEÇÕES DO ARTIGO 1. Introdução 2. Breve Análise da Aplicação dos Artigos 64 e 65 da LRF ao Longo do Tempo 3. As Diferentes Formas de Aplicação dos Artigos 64 e 65 da LRF 4. Reflexos da Aplicação dos Artigos 64 e 65 da LRF 5. Análise Comparativa: Varas Especializadas vs. Varas Comuns 6. Conclusão Referências Bibliográficas Notações

A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

  • Upload
    others

  • View
    4

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu

NÚMERO 09 133

A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA ANÁLISE CASUÍSTICA DA APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 64 E 65 DA LEI DE RECUPERAÇÃO E FALÊNCIA

Marina Coelho Reverendo VidalAdvogada no escritório Padis Mattar Advogados. Mestre em Direito das Relações Internacionais pela PUC-SP.

RESUMO

Trata-se de estudo acerca da aplicação dos artigos 64 e 65 da Lei 11.101/2005 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que versam sobre a substituição do administrador ou acionista majoritário de empresas em recuperação judicial. Analisaremos com que frequência os interessados buscam se socorrer dos remédios previstos em tais artigos, quem são as partes que pedem a sua aplicação, com que frequência há o acolhimento dos pedidos e quais são as soluções empregadas nos casos concretos analisados.

ABSTRACT

This article contains an analysis of the application of articles 64 and 65 of Law 11,101/2005 by the State Court of Appeals of São Paulo, which concern the replacement of the officers or majority shareholders of companies in judicial recovery. We will analyze in which circumstances the interested parties resorted to the remedies provided in such articles, who are the parties that seek their application, the frequency in which the applications are granted and which remedies have been applied by judicial courts in the analyzed cases.

SEÇÕES DO ARTIGO

1. Introdução

2. Breve Análise da Aplicação dos Artigos 64 e 65 da LRF ao Longo do Tempo

3. As Diferentes Formas de Aplicação dos Artigos 64 e 65 da LRF

4. Reflexos da Aplicação dos Artigos 64 e 65 da LRF

5. Análise Comparativa: Varas Especializadas vs. Varas Comuns

6. Conclusão

Referências Bibliográficas

Notações

Page 2: A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu

NÚMERO 09 134

Após um período de euforia e crescimento econômico, em que sociedades batizadas com sobrenomes de prestigiadas famílias brasileiras ganharam destaque

no cenário doméstico e internacional, o país (e muitas destas sociedades) vem enfrentando uma grave crise econômica, ética e moral. Descobriu-se que o crescimento acelerado de diversas empresas brasileiras era alicerçado em atos ímprobos, expostos em diversas operações conduzidas pela Polícia Federal.

Uma vez desmascarados os esquemas de corrupção, os órgãos brasileiros de controle e repressão, com fundamento na Lei 12.846/2013 (“Lei Anticorrupção”), na Lei 2.848/1940 (“Código Penal Brasileiro”), e na Lei 8429/92 (“Lei de Improbidade Administrativa”), deram início a uma série de ações voltadas à restituição de valores aos cofres públicos, outrora desfalcados pelos atos ilegais, à prisão dos responsáveis e à imposição de diversas penalidades pecuniárias às sociedades empresárias cujos administradores e sócios haviam praticado ilícitos.

Além da imposição das sanções legais, o quadro revelado desencadeou verdadeiro clamor público por transparência, probidade e justiça, o que fez com que se acendessem holofotes sobre questões de governança nas sociedades empresárias. Tais holofotes brilham com especial intensidade nas empresas em crise, uma vez que tal crise pode estar relacionada exatamente à falta de probidade de seus administradores e sócios, que, atrelada à má-gestão, pode vir a forçar a sociedade a buscar amparo legal para recuperação financeira.

A Lei 11.101/2005 (“LRF”) alberga mecanismos de ingerência na administração das empresas em recuperação, incluindo a possibilidade de substituição dos administradores e do “devedor” nas hipóteses previstas no artigo 64 da LRF.

Enquanto, até 2014, encontramos registro de apenas 7 (sete) casos no site do Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”) versando sobre a aplicação do artigo 64 da LRF02 (a metodologia da pesquisa será explicada abaixo), de 2014 a 2019, com a deflagração das denúncias públicas contra empresas de renome e o consequente aumento das discussões sobre questões de governança, identificamos 17 (dezessete) casos sobre o assunto. Ou seja: após a deflagração da Operação Lava Jato, em 2014, é possível notar o crescimento exponencial de pedidos de mudanças na gestão de sociedades em recuperação judicial com fundamento no artigo 64 da LRF, o que indica uma mudança na postura dos envolvidos nos processos de recuperação judicial em relação à gestão das sociedades em crise03/04.

A metodologia de pesquisa deste artigo envolveu uma extensa pesquisa de casos julgados pela 1ª e 2ª Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do TJSP. Os termos utilizados na pesquisa foram os seguintes: “art. 64 E recuperação judicial” “artigo 65 E recuperação judicial”, “gestor judicial E recuperação judicial” e “afastamento de sócio E recuperação judicial”. Dos julgados que

1. Introdução

Page 3: A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu

NÚMERO 09 135

encontramos aplicando tais filtros, 24 (vinte e quatro) referem-se a casos em que o artigo 64 da LRF foi de fato suscitado.

Este artigo pretende analisar exatamente a mudança de postura dos atores da recuperação judicial em relação à gestão das sociedades em crise, ou seja, avaliar a reação dos credores, do Ministério Público, dos administradores judiciais e demais envolvidos à crescente preocupação com questões de governança no cenário de recuperações judiciais (Capítulo II). Em seguida, observaremos alguns aspectos quanto à forma de aplicação dos artigos 64 e 65 da LRF nos casos analisados (Capítulo III), e as consequências desta aplicação (Capítulo IV). Ao final, faremos breves considerações acerca do comportamento das varas especializadas e das varas cíveis em relação ao assunto (Capítulo V).

2. Breve Análise da Aplicação dos Artigos 64 e 65 da LRF ao Longo do Tempo

O artigo 64 da LRF estabelece como regra a manutenção do devedor na gestão das empresas que pedem recuperação judicial, com a permanência dos sócios e administradores no comando da sociedade05. Isso porque o pedido de recuperação judicial não deve

implicar, por si só, alteração da administração da empresa, o que configuraria verdadeira expropriação dos poderes de gestão do devedor e acabaria desmotivando o ajuizamento de recuperações judiciais06. Além disso, a preservação dos administradores em seus cargos assegura a manutenção na empresa daqueles que detêm a expertise necessária para gerir seus negócios, uma vez que foram responsáveis, muitas das vezes, por sua criação e desenvolvimento até o momento de crise07.

Há, contudo, exceções taxativas à regra de manutenção da gestão da empresa em recuperação, contidas nos incisos do artigo 64 da LRF08. Ou seja, apesar de estabelecer a regra de manutenção da gestão, o artigo 64 da LRF também alberga importante mecanismo de controle pelos credores e demais interessados de atos praticados em prejuízo da recuperação da empresa, impondo limites à gestão dos sócios e administradores, que podem ser afastados do comando nas situações descritas nos incisos I a IV de tal dispositivo legal.

Muito embora a sociedade em recuperação tenha mecanismos próprios de governança interna, acessíveis, em regra, aos seus próprios acionistas/sócios, a convergência de interesses inerente à recuperação judicial justifica a ingerência também dos credores09, do administrador judicial e do Ministério Público nas hipóteses previstas no artigo 64 da LRF10. Explica-se: se terceiros vão ter seus interesses sacrificados em prol da sobrevivência da empresa, que ao menos possam exigir lisura no processo de soerguimento desta empresa, com a punição de afastamento dos administradores ou do “devedor” nas hipóteses legalmente previstas.

Tratando-se de exceção, a substituição do “devedor” ou dos administradores, como esperado, não é vastamente aplicada nos processos de recuperação judicial.

Page 4: A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu

NÚMERO 09 136

O que se nota dos poucos pedidos fundamentados no artigo 64 da LRF até 2014 é que não havia sequer provocação pelas partes interessadas para que houvesse mudanças na gestão da empresa em recuperação, o que explica as poucas determinações judiciais nesse sentido. Como explicado, encontramos apenas 7 (sete) casos em que houve provocação do juízo quanto à necessidade de substituição dos administradores ou do devedor11, 1 (um) deles apresentado por um acionista minoritário12 e os demais por credores. Conquanto tivessem a função legal de fiscalizar o processo de recuperação judicial, nem o Ministério Público nem o administrador judicial foram autores de qualquer pedido de afastamento com fundamento no artigo 64 da LRF até 2014.

Ainda em relação aos pedidos fundamentados no artigo 64 realizados até 2014, em 2 (dois) dos casos13 (ou 29% do total) – houve a instauração de perícia contábil para apuração das condutas relatadas pelos credores, o que fez com que o juízo

demorasse uma média de 53 (cinquenta e três) meses para apreciar o pedido de substituição14.

Em apenas 3 (três) dos casos até 2014 (42% do total) foi determinada a substituição dos administradores ou do devedor15, sendo que em 1 (um) caso a substituição foi necessária em razão da renúncia voluntária dos antigos administradores16 Excluindo-se esse caso, em que o juízo não tinha alternativa senão suprir o vazio na administração, a porcentagem de casos em que houve substituição dos administradores ou do devedor com fundamento no artigo 64, incisos I a IV, cai para 33%.

Considerando-se os 17 (dezessete) casos em que houve discussão quanto à aplicação dos artigos 64 e 65 da LRF entre 2014/2019, em 8 (oito) deles os credores pediram a substituição dos administradores ou do devedor17, em 2 (dois) o pedido foi realizado por acionistas/sócios minoritários18, em 2 (dois) pelo administrador judicial19, em 3 (três) pelo Ministério Público20, e em 2 (dois) houve decisão de ofício pelo juiz da causa21. Houve,

Page 5: A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu

NÚMERO 09 137

portanto, uma maior participação do Ministério Público, dos administradores judiciais e do próprio juízo após 2014.

Além da participação maior de diferentes sujeitos da recuperação judicial, houve um perceptível um aumento na porcentagem de aplicação das medidas legais previstas nos artigos 64 e 65 da LRF após 2014. A porcentagem de casos em que foram determinadas alterações na gestão aumentou para 63% nos casos entre 2014/2019, com a substituição dos administradores e/ou do devedor e a implementação de medidas de cogestão em 10 (dez) dos 17 (dezessete) casos analisados22.

Em nenhum dos casos em que o pedido foi realizado após 2014, houve a instauração de perícia judicial.

A conclusão dos dados acima é que a preocupação com questões de governança é cada vez mais evidente nos processos de recuperação judicial e que os juízes cada vez mais vêm determinando a implementação de medidas de controle de atos abusivos pelos administradores e sócios do

devedor, inclusive com uma maior flexibilização do ônus da prova imposto aos sujeitos que requerem a aplicação das medidas previstas nos artigos 64 e 65 da LRF.

3. As Diferentes Formas de Aplicação dos Artigos 64 e 65 da LRF

Quando o administrador pratica uma das ações descritas no artigo 64 da LRF de modo autônomo, ou seja, sem contar com o incentivo ou participação dos acionistas/sócios da empresa em recuperação, o parágrafo único do referido artigo prevê uma solução bastante simples: a destituição do administrador e sua substituição nos termos dos atos societários da sociedade ou do plano de recuperação judicial. Ou seja, o administrador que pratica uma das condutas previstas no artigo 64 é afastado e outro é indicado para atuar em seu lugar pelos próprios acionistas/sócios ou pelos credores23.

A solução do parágrafo único do artigo 64 da LRF, apesar de representar uma forma mais moderada de ingerência na gestão

Page 6: A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu

NÚMERO 09 138

da sociedade, uma vez que respeita os mecanismos para eleição de administradores pré-estabelecidos, ou ao menos leva em consideração a prerrogativa exclusiva do devedor de propor o plano de recuperação judicial prevendo a alteração da administração para aprovação dos credores, não foi empregada em nenhum dos casos que analisamos24. A inexistência de aplicação da solução proposta pelo artigo 64 da LRF parece estar relacionada a dois fatores. O primeiro fator é o tipo societário das empresas em recuperação judicial. Dos 13 (treze) casos em que houve determinação de mudanças na administração entre 2005 e 2019, apenas 3 (três) envolviam sociedades anônimas, que muitas vezes possuem um caráter impessoal e administração profissional. Em sociedades limitadas e outros tipos empresários, é mais comum que a figura do sócio se confunda com a figura do administrador, hipótese em que não faria sentido o afastamento apenas dos administradores.

O segundo fator relaciona-se ao fato de a nomeação dos administradores ser feita, em regra, pelos próprios acionistas ou sócios, razão pela qual há de se presumir que haja ao menos aquiescência destes em relação aos atos praticados por aqueles. Dessa forma, a substituição dos administradores nos termos dos atos societários resultaria em permissão para que os acionistas ou sócios indicassem pessoas que praticariam os mesmos atos que deram ensejo à substituição, o que tornaria a medida ineficaz25.

Para evitar a substituição dos administradores por outros que praticariam atos semelhantes, os artigos 64 e 6526 preveem a hipótese de destituição do próprio “devedor”, com a sua substituição temporária pelo administrador judicial e, após deliberação da Assembleia de Credores, pelo gestor escolhido pelos credores representantes da maioria simples dos créditos submetidos à recuperação judicial.

Ou seja, interpretando-se literalmente os artigos 64 e 65 da LRF, incorrendo os sócios/acionistas nas condutas previstas

no artigo 64 da LRF, todo o poder de controle da atividade empresarial seria transmitido a um terceiro, que conduziria a empresa enquanto perdurasse a recuperação judicial.

Foi essa a solução empregada em 10 (dez) dos casos em análise, ou seja, em 77% de todos os casos em que houve determinação de mudança na gestão27. Apenas em 3 (três) casos (23%), foram determinadas medidas alternativas, que serão explicadas adiante28. Embora em 77% dos casos o artigo 65 da LRF tenha sido aplicado (na medida em que houve a substituição do devedor), há peculiaridades em relação à indicação do gestor judicial. Em 1 (um) dos casos o juiz determinou a substituição do devedor pelo acionista minoritário29. Em 4 (quatro) casos houve a nomeação de gestor temporário, com a posterior eleição em Assembleia de Credores do gestor permanente (em apenas 1 (um) deles o gestor temporário foi confirmado no cargo)30. Nos 5 (cinco) casos restantes, o juiz indicou o gestor judicial e não houve Assembleia de Credores para confirmá-lo.

Page 7: A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu

NÚMERO 09 139

Os 3 (três) casos em que houve a implementação de medidas alternativas merecem comentários específicos. Primeiro, em todos eles as medidas foram moldadas pelos próprios juízes para as circunstâncias específicas dos casos, não refletindo o que havia sido solicitado pelos interessados. No caso Dolly, os administradores tiveram seus poderes limitados e foi indicado cogestor pelo juízo31. No caso Love Story, ao invés de indicar um cogestor, determinou-se que alguns atos de gestão só poderiam ser praticados com a participação da terceira administradora (a sócia que havia provocado a aplicação do artigo 64 da LRF)32. No caso Agroz, por fim, houve a nomeação de “gestor judicial para acompanhamento e administração da referida empresa, verificando a legalidade de suas contas e gestão“33.

Em todos os 3 (três) casos, ponderou-se a necessidade de um maior controle dos atos dos administradores e sócios e os possíveis prejuízos relacionados ao afastamento daqueles que detinham as informações necessárias para gerir o negócio. A adoção das medias alternativas, ou intermediárias, justifica-se no jargão “quem pode mais, pode menos”; se o artigo 64 da LRF permite ao juiz afastar por completo os administradores da empresa em prol de sua sobrevivência, ao certo também alberga a possibilidade de limitação dos poderes de gestão.

As medidas alternativas, que garantem a manutenção da gestão ao mesmo tempo em que asseguram o maior controle da administração da empresa em crise, não são uma inovação do judiciário brasileiro. A doutrina norte-americana há muito discorre sobre os riscos do debtor-in-possession, posicionando-se pela adoção de soluções alternativas, como a indicação de um trustee com poder de veto em relação a determinados atos de gestão34. Já no Canadá, adota-se a figura do “Monitor”: um terceiro indicado pelo juízo não para praticar os atos de gestão, mas sim para monitorar as atividades e reportar eventuais

irregularidades ao juízo (assemelha-se à figura do gestor indicado no Caso Agroz). Por fim, parte da doutrina brasileira defende que a palavra “devedor” no artigo 64 da LRF não poderia ser interpretada de forma literal, na medida em que a indicação de terceiro para gerir a sociedade poderia prejudicar eventuais acionistas/sócios minoritários que não tomaram partido dos atos abusivos35.

Para aqueles que criticam a interpretação literal do artigo 64 da LRF, a expressão “devedor” deveria ser lida como abarcando o sócio ou acionista controlador das sociedades, mas não a pessoa jurídica do devedor. Dessa forma, ficariam suspensos temporariamente os direitos de voto de acionistas/sócios que praticaram os abusos taxativamente previstos da lei (ou que instruíram e/ou compactuaram com atos praticados pelos administradores), mantendo-se o devedor, ou seja, a pessoa jurídica sob o manto da qual se desenvolvem as atividades de empresa e os administradores que não teriam praticado nenhum ato abusivo na condução das atividades da empresa36.

As críticas feitas a essa interpretação alternativa se amparam no histórico legislativo dos artigos 64 e 65 da LRF, já que o projeto de lei previa expressamente a possibilidade de suspensão dos direitos dos sócios. Para aqueles que se opõem à solução, o fato de o Executivo ter vetado tal previsão legal demonstra a vontade legislativa de que não fosse possível a suspensão do direito de voto dos sócios/acionistas37. Além disso, em alguns casos, a suspensão do direito de voto poderia inviabilizar determinadas deliberações, como, por exemplo, nas hipóteses em que o Código Civil exige um quórum qualificado para as deliberações nas sociedades limitadas.

Apesar da relevância da discussão do ponto de vista acadêmico, não encontramos nenhum caso em que o direito de voto dos sócios ou acionistas foi suspenso em razão da aplicação do artigo 64 da LRF.

Page 8: A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu

NÚMERO 09 140

A questão foi discutida apenas como pano de fundo no caso GNV Aroeiras, em que a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial afirmou, com fundamento na doutrina de EDUARDO SECCHI MUNHOZ, que “o art. 64, ao empregar a expressão ‘devedor’, aplica-se: (...) no caso de sociedades de responsabilidade limitada personificadas, à própria sociedade, e não aos seus sócios”38.

No caso Schahin, também en passant, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial afirmou o contrário, tendo expressado que “tem-se a possibilidade de afastamento do administrador e mesmo do próprio sócio, num caso mediante sua substituição, no outro pela suspensão do direito de voto em assembleia”39. O mesmo aconteceu nos casos Dolly e Love Story, em que o juiz afirmou, com fundamento em lições de GUSTAVO LACERDA FRANCO40, ser possível a suspensão dos direitos dos sócios caso fossem verificados os abusos descritos no artigo 64 da LRF e a medida se mostrasse eficaz para assegurar a recuperação da empresa.

4. Reflexos da Aplicação dos Artigos 64 e 65 da LRF

Considerando-se o universo de 9 (nove) casos41 em que houve indeferimento do pedido de substituição do devedor ou dos administradores, em 3 (três) deles foi decretada a falência do devedor, 2 (dois) em razão do descumprimento do plano42 e 1 (um), pois não houve aprovação do plano pelos credores43. Em 5 (cinco) casos a recuperação judicial ainda está em curso (período de fiscalização)44 e em apenas 1 (um) foi encerrada45.

Considerando-se o universo de 13 (treze) casos em que houve deferimento do pedido de substituição dos sócios ou administradores, ou a imposição de medidas alternativas, em 5 (cinco) houve a falência (2 (dois) casos em razão do

descumprimento do plano (artigo 73, IV da LRF)46, 1 (um) por deliberação da Assembleia Geral de credores (artigo 73, I da LRF)47 e 2 (dois) com fundamento no artigo 94 da LRF48).

Ou seja: houve uma taxa de falência ligeiramente menor nas recuperações judiciais em que o juízo não interferiu na administração, apesar de terem sido provocados a tanto por terceiros.

Em relação aos 5 (cinco) casos em que houve falência após a determinação de substituição da administração, a média de tempo entre o ajuizamento da recuperação judicial e a substituição dos administradores foi de 30 (trinta) meses. Após a substituição dos administradores, as empresas faliram em uma média de aproximadamente 17 (dezessete) meses. Em todos os casos, a conduta imputada era, entre outras, a de “descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu funcionamento regular”49.

Page 9: A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu

NÚMERO 09 141

O que se nota é que, muito embora uma quantidade razoável de empresas tenha falido após a determinação de modificações na gestão, em tais casos houve uma demora considerável até que a substituição fosse determinada, o que pode ter contribuído para a falência das empresas; principalmente se considerarmos que a aplicação do artigo 64, IV “c” da LRF, que fundamentou todos os casos ora comentados, significa que de fato houve dilapidação dos ativos da companhia antes da substituição ser implementada.

Em um caso específico o juízo afirmou expressamente que “o pedido de recuperação judicial não tem como prosperar diante da administração realizada ao longo desses anos”, imputando aos administradores substituídos a responsabilidade pela falência da empresa50. Neste caso houve o transcurso de 86 (oitenta e seis) meses entre o início da recuperação judicial e a

determinação de substituição. Depois disso, em menos de dois meses, foi decretada a falência.

Trata-se, é claro, de exemplo extremo, mas que demonstra como é necessário que os sujeitos do processo se atentem à forma com que a companhia é gerida antes e durante o processo de recuperação judicial, e não apenas observem aspectos econômicos com vistas ao pagamento dos créditos. A demora na provocação do juízo pelos interessados, ou do próprio juízo para apreciar eventual pedido ou determinar de ofício medidas que limitem abusos na gestão, pode significar a falência de empresas em tese recuperáveis, não fossem os atos de seus sócios ou administradores. Feitas tais considerações, a verdade é que a porcentagem de convolações em falência nos casos em que não há qualquer discussão acerca do artigo 64 da LRF continua razoavelmente menor51. São duas as possíveis explicações. Nos casos em que há deferimento do pedido de substituição dos sócios ou administradores, reconhece-se que havia abusos na gestão, que podem ter se prolongado por tempo indefinido antes do início da recuperação judicial, prejudicando a empresa de forma irremediável. Ou seja, para tais empresas, governadas à margem da lisura durante anos, a recuperação se inicia, não há dúvida, um degrau abaixo, sendo necessário superar fatores de crise que podem se mostrar insuperáveis ao longo do processo de recuperação judicial.

A segunda explicação é que o afastamento de pessoas que conhecem e detêm a expertise do negócio prejudica a empresa em recuperação. Uma forma de evitar o afastamento daqueles que detêm a expertise sem lhes permitir que continuem a praticar os atos elencados no artigo 64 da LRF é a indicação de cogestores, implementada nos casos Love Story, Dolly e Agroz. A eficácia das medidas poderá ser mais bem compreendida nos próximos anos, já que foram recentemente determinadas.

Page 10: A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu

NÚMERO 09 142

5. Análise Comparativa: Varas Especializadas vs. Varas Comuns

Nossa pesquisa revelou que há mais processos debatendo a aplicação do artigo 64 da LRF nas varas do interior (15 (quinze) casos) do que nas varas da capital de São Paulo (9 (nove) casos).

Em relação aos processos da capital, houve a determinação de mudanças na gestão em 1ª instância em 4 (quatro) de 9 (nove) casos, ou seja, em 44% do total. Já nas varas do interior, há 10 (dez) casos que que foram determinadas alterações na gestão das sociedades, o que representa 67% do total dos casos.

Dos dados acima, podemos inferir que as varas da capital aplicam com maior ponderação o artigo 64 da LRF – principalmente se considerarmos que em 2 (dois) dos 4 (quatro) casos foram nomeados cogestores, com a manutenção dos antigos administradores na empresa.

6. Conclusão

Explicamos como o número de pedidos com fundamento no artigo 64 da LRF evoluiu ao longo do tempo e como o comportamento dos juízes também parece ter sofrido alguma alteração, com uma maior ponderação acerca do real benefício de se manter na gestão sócios e administradores que não são probos. Explicamos também como os artigos 64 e 65 foram aplicados nos casos analisados, passando brevemente por alguns aspectos controversos. Por fim, analisamos o destino das recuperações judiciais que foram objeto de análise.

A primeira conclusão que tiramos de nossa análise é de que, apesar do relativo aumento no número de casos sobre o assunto desde 2014, ainda é tímida a aplicação dos artigos 64 e 65 da LRF. Mais tímida ainda é a atuação de outros

interessados que não os credores, responsáveis pela grande maioria dos pedidos fundamentados nos artigos 64 e 65 da LRF. E isso apesar de outros atores, como o administrador judicial e acionistas minoritários, terem acesso a informações mais robustas sobre a gestão da companhia, o que lhes permitiria, em tese, identificar eventuais abusos mais facilmente.

Os credores, acionistas minoritários, administradores judiciais e o Ministério Público não deveriam se emudecer ao se deparar com fatos que devem ensejar mudanças na gestão de sociedades em recuperação. A manutenção de administradores e sócios inidôneos na administração da empresa pode prejudicar todos os sacrifícios individuais feitos ao longo do processo de recuperação judicial, resultando na falência de empresas recuperáveis não fosse a má-gestão.

Em relação à aplicação dos artigos 64 e 65 da LRF, notamos que a solução amplamente aplicada é a substituição do próprio devedor, conforme determina a literalidade do artigo 65 da LRF. Contudo, novos métodos de controle da gestão das empresas em recuperação estão surgindo, que podem representar um equilíbrio entre o receio de perder-se o know-how do negócio e os riscos ao se manter no poder pessoas que não estão comprometidas com o soerguimento da empresa em recuperação.

Isso feito, resta a pergunta: qual é o efeito prático das decisões proferidas nos casos analisados? A premissa de que é benéfica a manutenção da gestão sem grandes interferências mostrou-se correta?

Como o índice de convolação em falência das recuperações em que não houve ingerência na gestão da empresa em crise continua menor, é possível dizer que a premissa se mostrou correta e que há um benefício em se manter no poder aqueles que detém o know-how da empresa. Contudo,

Page 11: A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu

NÚMERO 09 143

há de se lembrar, como explicado, que o resultado pode estar relacionado à gestão fraudulenta das sociedades em recuperação antes das alterações na administração serem implementadas e não às alterações em si, o que, no mínimo, lança dúvidas sobre a premissa.

O fato de o índice de falência das empresas em que houve debate acerca do artigo 64 LRF ser razoavelmente maior do que índices gerais demostra, na verdade, que é preciso se atentar à administração das empresas em recuperação judicial, evitando-se prestigiar sócios e administradores que não atuam em prol do interesse social. Sempre que há indícios de irregularidade, tais indícios devem ser apurados com cuidado e celeridade, de modo a assegurar a efetividade

da recuperação por meio da implementação das medidas previstas nos artigos 64 e 65, ou de medidas alternativas mais razoáveis, que evitem a prática de abusos.

Da análise dos casos em que houve decretação de falência, restou evidente que a demora para apreciar a necessidade de alterações na gestão pode ser tão prejudicial quanto a substituição imediata dos gestores da sociedade. Em que pesem os benefícios de se manter intacta a gestão, é certo que os malefícios relacionados a gestões fraudulentas extrapolam tais benefícios, sendo necessário que o Judiciário pondere todos os interesses em jogo ao decidir quanto à aplicação dos artigos 64 e 65 da LRF.

Page 12: A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu

NÚMERO 09 144

Referências Bibliográficas

ABRÃO, Carlos Henrique. A Crise da Empresa e os Meios Recuperacionais. Revista de Direito Recuperacional e Empresa, vol. 1/2016, Jul – Set / 2016. DTR\2016\21744.

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

SPINELLI, Luis Felipe. Recuperação de Em presas e Falência. São Paulo: Almedina, 2019.

Golvêa, João Bosco Cascardo. Recuperação e Falências. Lei n. 11.101/2005. Comentários artigo por artigo. Rio de Janeiro, Forense, 2009.

FRANCO, Gustavo Lacerda. A condução da sociedade em recuperação judicial: análise da solução brasileira à luz dos modelos globais e dos seus pressupostos. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Direito da USP, São Paulo,2018

HAHN, David. Concentrated ownership and control of corporate reorganizations. JCLS 4 (2004).

ROTEM, Yaad. Contemplating a corporate governance model for bankruptcy reorganizations: lessons from Canada, in Va. L. & Bus. Rev. 3 (2008).

MENEZES, Maurício Moreira Mendonça de. O poder de controle nas companhias em recuperação judicial. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Saraiva, 2018.

SALOMÃO, Luís Felipe SANTOS. Paulo Penalva. Recuperação judicial, extrajudicial e falência. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012.

SILVA, João Luiz Trindade Telles da. The corporate governance as the main pillar in bankruptcy processes: comparison among straight concepts and real practice. Revista de Direito Recuperacional e Empresa, vol. 7/2018, Jan – Mar / 2018, DTR\2018\10398

SOUZA, Ana Elisa Laquimia et al. A inevitável convivência entre a lei de recuperação de empresas e a lei anticorrupção: possíveis conflitos e primeiras linhas de interpretação. Revista de Direito Recuperacional e Empresa, vol. 10/2018,Out – Dez, 2018 DTR\2018\22677.

Weiseberg, Ivo, et. al., Recuperação Judicial no Estado de São Paulo – 2ª Fase do Observatório de Insolvência, disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3378503, consulta em 11 de novembro de 2019.

Page 13: A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu

NÚMERO 09 145

Notações

01. Recuperação judicial de ARALCO S/A – INDUSTRIA E COMERCIO, processo n. 0016609-74.2014.8.26.0032, em trâmite perante a 2ª Vara Cível do Foro de Araçatuba (caso “Aralco”); recuperação judicial de OAS S/A & Outras, processo no. 1030812-77.2015.8.26.0100, em trâmite perante a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais – Foro Central Cível (caso “Grupo OAS”); recuperação judicial de GNV Recuperação judicial de ARALCO S/A – INDUSTRIA E COMERCIO, processo n. 0016609-74.2014.8.26.0032, em trâmite perante a 2ª Vara Cível do Foro de Araçatuba (caso “Aralco”); recuperação judicial de OAS S/A & Outras, processo no. 1030812-77.2015.8.26.0100, em trâmite perante a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais – Foro Central Cível (caso “Grupo OAS”); recuperação judicial de GNV AROEIRAS LTDA, processo n. 0019334-55.2013.8.26.0037, em trâmite perante a 1ª Vara Cível do Foro de Araraquara (caso “GNV”); recuperação judicial de Alcana Destilaria de Álcool de Nanuque S/A & Outros, processo n. 0151873-29.2009.8.26.0100, em trâmite perante a 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível (caso “Grupo Infinity”); Recuperação judicial da H-BUSTER SÃO PAULO INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A, processo n. 0011305-59.2013.8.26.0152, em trâmite perante a 3ª Vara Civel do Foro de Cotia (caso “H-Buster”); recuperação judicial de DEV Mineração S.A. – Em Recuperação Judicial, processo n. 1088747-75.2015.8.26.0100, em trâmite perante a 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível (caso “Zamin”); recuperação judicial da Companhia Schahin de Ativos & Outras, processo n. 1037133-31.2015.8.26.0100, em trâmite perante a 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível (caso “Grupo Schahin”); recuperação judicial da Construtora Beter S/A, processo n. 0646687-02.2008.8.26.0100, em trâmite perante a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível (caso “Beter”); recuperação judicial de Edra do Brasil Indústria e Comércio Ltda e outras, processo n. 1004365-83.2015.8.26.0510, em trâmite perante a 4ª Vara Cível do Foro de Rio Claro (caso “Edra”); recuperação judicial da Altaneira Indústria e Comércio de Bebidas Ltda., processo n. 0019127-84.2011.8.26.0309 (309.01.2011.019127), em trâmite perante a 5ª Vara Cível do Foro de Jundiaí (caso “Altaneira”); recuperação judicial da Realy Administradora de Bens Ltda., processo n. 1009799-95.2015.8.26.0302, em trâmite perante a 1ª Vara Cível do Foro de Jaú (caso “Realy”); recuperação judicial de Paulo Cesar Fleury de Oliveira Eireli, processo n. 1006074-61.2016.8.26.0400, em trâmite perante a 1ª Vara Cível do Foro de Olímpia (caso “Paulo Cesar Fleury de Oliveira”); recuperação judicial de Urbplan Desenvolvimento Urbano S/A & Outras, processo n. 0046096-40.2018.8.26.0100, em trâmite perante a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível (caso “Ubplan”); recuperação judicial de Hands Distribuidora – EIRELI, processo n. 0004530-10.2012.8.26.0137, em trâmite perante a Vara Única do Foro de Cerquilho (caso “Hans”); recuperação judicial de Dettal – Part Participações, Importação, Exportação e Comércio Ltda., processo n. 1064813-83.2018.8.26.0100, em trâmite perante a 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível (caso

“Dolly”); recuperação judicial de Aslan Comércio de Armarinhos Ltda., processo n. 1054889-19.2016.8.26.0100, em trâmite perante a 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível (caso “Aslan”); recuperação judicial de BAR E RESTAURANTE DANÇANTE MIMAR LTDA – EPP, processo n. 1080970-34.2018.8.26.0100, em trâmite perante a 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível (caso “Love Story”); recuperação judicial de Ecco do Brasil Informática e Eletrônicos Eireli “Em Recuperação Judicial” & Outras, processo n. 1003324-71.2016.8.26.0114, em trâmite perante a 9ª Vara Cível do Foro de Campinas (caso “Grupo Ecco”); recuperação judicial da MONDELLI INDÚSTRIA DE ALIMENTOS S/A, processo n. 0004265-12.2012.8.26.0071, em trâmite perante a 1ª Vara Cível do Foro de Bauru (caso “Modelli”); recuperação judicial de Cole Alimentos Industria, Comercio e Armazenagem Eireli (em recuperação judicial), processo n. 1005312-10.2017.8.26.0271, em trâmite perante a 2ª Vara Cível do Foro de Itapevi (caso “Cole”); recuperação judicial de Manoel Participações e Empreendimentos S.a., processo n. 281.01.2011.009372 7, em trâmite perante a 2ª Vara Cível do Foro de Itatiba (caso “Manoel Participações e Empreendimentos”); recuperação judicial da Agroz – Administradora de Bens Zurita Ltda. e outras, processo n. 2239797-38.2018.8.26.0000, em trâmite perante a 1ª Vara Cível do Foro de Araras (caso “Agroz”); recuperação judicial de Usina Global Goiás S A, processo n. 0000136-51.2011.8.26.0506, em trâmite perante a 10ª Vara Cível de Ribeirão Preto (caso “Usina Global Goiás”); recuperação judicial de Cinalp Produtos Alímenticios Ltda., processo n. 309.01.2010.031107-4, em trâmite perante a 1ª Vara Cível do Foro de Jundiaí (caso “Cinalp”).

02. Segundo nossa pesquisa, a média de tempo para o julgamento de recursos interpostos contra decisões que versam sobre o artigo 64 da LRF é de 11 (onze) meses. Dessa forma, como a metodologia empregada envolveu a pesquisa de casos em que já houve decisão em segunda instância, é possível que alguns casos de 2019 não tenham sido analisados.

03. A crise nacional de 2014 e 2015 teve um forte impacto no aumento dos pedidos de recuperação judicial do país (Weiseberg, Ivo, et. al., Recuperação Judicial no Estado de São Paulo – 2ª Fase do Observatório de Insolvência, disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3378503, consulta em 11 de novembro de 2019, p. 11).

04. A regra é conhecida no direito norte-americano como “debtor-in-possession”.

05. Sobre a questão, o professor doutor MARCELO BARBOSA SACRAMONE: “A regra assenta-se na premissa de que, ainda que esteja em crise econômico-financeira, o devedor é o proprietário dos ativos e não poderia ser, nem pelos próprios credores, expropriado. A manutenção do devedor na condução de sua atividade incentiva-o a requerer a recuperação judicial por ocasião de sua crise, na medida em que não haveria risco de perda do controle de seus bens. Outrossim, a manutenção do devedor na condução de sua empresa mostra-se economicamente mais eficiente.” (SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Saraiva, 2018).

06. SPINELLI, Luis Felipe. Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Almedina, 2019, p. 272. A mesma lógica é aplicada na legislação americana

Page 14: A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu

NÚMERO 09 146

(chapter 11). Nesse sentido: HAHN, David. Concentrated ownership and control of corporate reorganizations. JCLS 4, 2004.

07. “Artigo 64. Durante o procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seus administradores serão mantidos na condução da atividade empresarial, sob fiscalização do Comitê, se houver, e do administrador judicial, salvo se qualquer deles:

I – houver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometido em recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economia popular ou a ordem econômica previstos na legislação vigente;II – houver indícios veementes de ter cometido crime previsto nesta Lei;III – houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores;IV – houver praticado qualquer das seguintes condutas:a) efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação patrimonial;b) efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ou gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas;c) descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu funcionamento regular;d) simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de que trata o inciso III do caput do artigo 51 desta Lei, sem relevante razão de direito ou amparo de decisão judicial;V – negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos demais membros do Comitê;VI – tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial.Parágrafo único. Verificada qualquer das hipóteses do caput deste artigo, o juiz destituirá o administrador, que será substituído na forma prevista nos atos constitutivos do devedor ou do plano de recuperação judicial.”

08. ABRÃO, Carlos Henrique. A Crise da Empresa e os Meios Recuperacionais. Revista de Direito Recuperacional e Empresa, vol. 1/2016, Jul/ Set de 2016, DTR\2016\21744.

09. A participação dos credores também é assegurada em outros dispositivos legais da Lei de Recuperação e Falências. Maurício Menezes explica que o Comitê de Credores, por exemplo, guarda semelhanças com o Conselho Fiscal e com o Conselho de Administração: “A própria estrutura e as funções do Comitê de Credores seriam, segundo Rachel Sztajn, semelhantes às do Conselho Fiscal das companhias.81 Logo, pode-se aqui fazer referência às seguintes atribuições do Comitê de Credores, todas previstas em lei: (i) fiscalização das atividades e exame das contas do administrador judicial (artigo 27, I, “a”, da Lei n. 11.101/2005); (ii) apuração e emissão de parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados (artigo 27, I, “d”); (iii) comunicação ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo aos interesses dos credores (artigo 27, I, “c”); (iv) requisição ao juiz da convo – cação da assembleia geral de credores (artigo 27, I, “e”). Sem dúvida, há interessante proximidade do perfil funcional do Comitê de Credores com aquele do Conselho Fiscal, o qual, nas

palavras de Modesto Carvalhosa, deixou de ser mero homologador de contas da administração para figurar como verdadeiro órgão opinador, fiscalizador e denunciador de irregularidades, principalmente em razão do aumento do poder-dever individual do conselheiro pelas reformas que alteraram a redação do artigo 163, da Lei n. 6.404/1976, promovidas pela Lei n. 9.457/1997 e pela Lei n. 10.303/2001. (...) Por outro lado, pondere-se que, em certa medida, é defensável sustentar a proximidade das funções do Comitê de Credores com aquelas que a lei societária reserva para o conselho de administração das companhias. “ (MENEZES, Maurício Moreira Mendonça de. O poder de controle nas companhias em recuperação judicial. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 97)

10. Casos GNV Aroeiras, H-Buster, São Manoel Participações Empreendimentos, Beter, Mondelli, Usina Gloal Goióas e Cinalp.

11. Caso Beter.12. Casos GNV Aroeiras e H-Buster.13. Caso H-Buster. A demora na apreciação dos pedidos de substituição em

razão da instauração de perícia, na prática, poderia ensejar o esvaziamento do patrimônio das empresas caso os credores estivessem corretos em suas acusações (ambos os pedidos eram fundamentados na dilapidação do patrimônio da companhia, conforme art. 64, IV, “c” e “d” da LRF). Em um deles, houve a convolação em falência, com fundamento no artigo 73, IV da LRF (descumprimento do plano).

14. Caos Modelli, Usina Global Goiás e Cinalp.15. Caso Usina Global Goiás16. Casos Aralco Grupo OAS, Grupo Infinity, Grupo Schahin, Edra, Paulo Cesar

Fleury de Oliveira, Grupo Urbplan e Cole Alimentos.17. Caso Love-Story e caso Zamin. Nos dois casos em que a provocação se

deu pelo acionista minoritário, o TJSP confirmou sua legitimidade para realizar o pedido.

18. Caso Realy e caso Hands Distribuidora.19. Casos Dolly, Altaneira e Grupo Ecco.20. Casos Aslan e Agroz.21. Casos Hands, Agroz, Grupo Ecco, Altaneira, Paulo Cesar Fleury de Oliveira

Eireli, Realy, Edra, Zamin, Love Story e Dolly.22. Artigo 64, parágrafo único da LRF: “Verificada qualquer das hipóteses do

caput deste artigo, o juiz destituirá o administrador, que será substituído na forma prevista nos atos constitutivos do devedor ou do plano de recuperação judicial.”

23. No caso Aslan o juiz chegou a determinar, em primeira instância, a substituição dos administradores em razão do não pagamento de débitos tributários. A decisão, contudo, foi imediatamente reformada pela 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, que afirmou que tais fatos não poderiam ensejar a substituição dos administradores.

24. GOLVÊA, João Bosco Cascardo. Recuperação e Falências. Lei n. 11.101/2005. Comentários artigo por artigo. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

Page 15: A IMPUNIDADE IMPERA NA ESFERA EMPRESARIAL? UMA …

Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu

NÚMERO 09 147

25. “Artigo 65. Quando do afastamento do devedor, nas hipóteses previstas no artigo 64 desta Lei, o juiz convocará a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o nome do gestor judicial que assumirá a administração das atividades do devedor, aplicando-se-lhe, no que couber, todas as normas sobre deveres, impedimentos e remuneração do administrador judicial. § 1º O administrador judicial exercerá as funções de gestor enquanto a assembléia-geral não deliberar sobre a escolha deste. § 2º Na hipótese de o gestor indicado pela assembléia-geral de credores recusar ou estar impedido de aceitar o encargo para gerir os negócios do devedor, o juiz convocará, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, contado da recusa ou da declaração do impedimento nos autos, nova assembléia-geral, aplicado o disposto no § 1º deste artigo.”

26. Casos Hands, Aslan, Grupo Ecco, Altaneira, Paulo Cesar Fleury de Oliveira, Realy, Edra, Zamin, Modelli, Usina Global Foipas, Cinalp.

27. Casos Agroz, Schahin e Dolly.

28. Caso Zamin.

29. Casos Grupo Ecco, Paulo Cesar Fleury de Oliveira, Realy e Edra.

30. Não houve a interposição de recurso contra a decisão que determinou a cogestão da sociedade, o que indica que tanto os credores quanto o próprio devedor concordaram com a utilidade da medida, que resultou em um maior grau controle dos atos praticados pelos administradores, sem comprometer algumas particularidades da administração.

31. Houve, neste caso, a interposição de recurso, mas a decisão foi confirmada pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP (Agravo de instrumento n. 2011725-88.2019.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Alexandre Lazarini, j. em 26.9.2019). Após a decisão, o devedor contratou empresa especializada para realizar a sua gestão administrativa, reconhecendo expressamente que a crise da empresa se relacionava à má-gestão dos antigos administradores (fls. 2286 dos autos). Apesar disso, não há previsão específica quanto às medidas de gestão que serão empregadas pela sociedade no plano de recuperação judicial já aprovado (fls. 2141/2159 dos autos).

32. A medida foi confirmada pela 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, após a interposição de recurso (Agravo de Instrumento n. 2239797-38.2018.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Maurício Pessoa, j. em 26.9.2019).

33. HAHN, David. Concentrated ownership and control of corporate reorganizations. JCLS 4 (2004).

34. SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 282. FRANCO, Gustavo Lacerda. A condução da sociedade em recuperação judicial: análise da solução brasileira à luz dos modelos globais e dos seus pressupostos. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Direito da USP. São Paulo, 2018, p. 167.

35. A solução deve ser aplicada com cuidado para hipóteses em que a lei ou os atos societários exigem quórum qualificado para determinadas deliberações, como acontece nas sociedades limitadas.

36. MUNHOZ, Eduardo Stecchi. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, 2ª ed., pág. 307, citado em TJSP, Apelação Cível n. 0019334-55.2013.8.26.0037, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Cesar Ciampolini, j. em 19/07/2017.

37. MUNHOZ, Eduardo Stecchi. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, 2ª ed., pág. 307, citado em TJSP, Apelação Cível n. 0019334-55.2013.8.26.0037, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Cesar Ciampolini, j. em 19/07/2017.

38. TJSO, Agravo de Instrumento n. 2097008-84.2016.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Caio Marcelo Mendes de Oliveira, j. em 13/03/2017.

39. Gustavo LACERDA FRANCO. A condução da sociedade em recuperação judicial: análise da solução brasileira à luz dos modelos globais e dos seus pressupostos, Dissertação (Mestrado) Faculdade de Direito da USP, São Pulo, 2018.

40. Casos pendentes ou que perderam o objeto por expressa manifestação das partes não foram computados.

41. Casos H-Buster e Schahin.

42. Caso São Manoel Participações e Empreendimentos.

43. Casos Aralco, Grupo Infinity, Cole, Aslan e Beter.

44. Caso GNV Aroeiras.

45. Casos Edra e Cinalp.

46. Caso Altaneiras.

47. Casos Modelli e Usina Global Goiás.

48. Artigo 64, IV, “c”.

49. Caso Altaneiras.

50. WEISEBERG, Ivo, et. al., Recuperação Judicial no Estado de São Paulo – 2ª Fase do Observatório de Insolvência, disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3378503, consulta em 11 de novembro de 2019.

51. WEISEBERG, Ivo, et. al. Recuperação Judicial no Estado de São Paulo – 2ª Fase do Observatório de Insolvência, disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3378503, consulta em 11 de novembro de 2019.