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ANTONIO RUGERO GUIBO A IMUTABILIDADE DA CAUSA DE PEDIR E O FATO SUPERVENIENTE NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito (Direito das Relações Sociais), sob a orientação do Professor Livre-docente Doutor Sérgio Seiji Shimura. SÃO PAULO 2005 i

A IMUTABILIDADE DA CAUSA DE PEDIR E O FATO ......RESUMO O presente trabalho volta-se para o estudo da tensão existente entre, de um lado, o imperativo da estabilização da demanda,

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ANTONIO RUGERO GUIBO

A IMUTABILIDADE DA CAUSA DE PEDIR E O FATO SUPERVENIENTE NO PROCESSO CIVIL

BRASILEIRO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para

obtenção do título de MESTRE em

Direito (Direito das Relações

Sociais), sob a orientação do

Professor Livre-docente Doutor

Sérgio Seiji Shimura.

SÃO PAULO 2005

i

Banca Examinadora

ii

A Sílvia, minha esposa. e ao pequeno César, meu filho. Porque me inspiram a buscar o que há de melhor em mim.

iii

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, a meus pais, José Guibo e Maria

Amakaho Guibo, que desde cedo me ensinaram o valor do estudo e

do trabalho.

À minha esposa Sílvia, pelo irrestrito apoio ao longo

do curso de mestrado e por compreender e aceitar os momentos em

que o estudo privou-me do convívio famil iar.

Ao amigo Joaquim Portes de Cerqueira César, com

quem tive a honra de trabalhar na Assessoria Jurídica do Banco do

Brasil em São Paulo, que me incentivou a ingressar no curso de

mestrado e com quem muito aprendi e continuo aprendendo a

respeito da advocacia e da vida.

E, f inalmente, um agradecimento especial ao

Professor Sérgio Seij i Shimura, que muito me honrou ao aceitar-me

como seu orientando, pela generosa atenção e paciência com que me

auxil iou na elaboração deste trabalho, dando-me, assim, o privilégio

de contar com o seu incentivo fraterno, suas crít icas sempre

enriquecedoras e suas indicações sempre muito precisas.

iv

RESUMO

O presente trabalho volta-se para o estudo da tensão existente entre, de

um lado, o imperativo da estabilização da demanda, segundo o qual é vedado ao autor alterar a causa petendi, e de outro, o reconhecimento de que os fatos supervenientes devem ser tomados em consideração pelo juiz, influindo, assim, no julgamento da lide.

Busca-se, primeiramente, examinar a origem e evolução histórica da causa petendi, como elemento identificador da ação, para chegar ao estudo da temática da estabilização da demanda, tanto no direito comparado quanto no direito positivo brasileiro.

Passa-se, então, à análise do problema tal como se apresenta no ordenamento processual em vigor, quando se traça um paralelo com um instituto bastante correlato, porém distinto, que é o princípio da eventualidade. Examinam-se, ainda, as diferentes implicações decorrentes da eficácia preclusiva da coisa julgada, conforme se trate de fato superveniente que beneficie o autor ou o réu, bem como a relação da temática da estabilização da demanda com os princípios da congruência e da causalidade.

Por fim, coloca-se a questão sob a ótica da teoria dos recursos. O objetivo do presente trabalho é buscar uma sistematização dos conceitos

envolvidos, de modo a harmonizar as normas tendentes à estabilização da demanda, em face da necessidade de lidar com o fato superveniente. Sem prejuízo da discussão quanto aos aspectos teóricos, pretende-se não perder de vista o interesse prático na busca de critérios aptos a tornar operável, coerente e eficiente o conjunto formado pelos institutos mencionados, com vistas a delimitar o exato alcance do postulado da imutabilidade da causa de pedir no direito processual civil brasileiro, em face da ocorrência de fatos supervenientes.

v

ABSTRACT

The present work is related to the study of the tension between, on one side, the necessity of the steadiness of the dispute by which the claimant is not allowed to modify the cause of action, and on the other side, the recognition that the new facts have to be taken into consideration by the judge, thus interfering on the judgement of the lawsuit.

The main goal is to examine the origin and historic evolution of the cause of action as the identifying element of the lawsuit, to arrive at the study of the steadiness of the dispute theme in the comparative law, as well as in the Brazilian statutory law.

Further, the problem is analyzed as the way it is presented in the current civil proceeding’s system, where a parallel is made with a very similar but not identical institute, the contingency principle. Also the different implications of the preclusive characteristic of the res judicata are analysed, if it is related to a new fact which benefits the claimant and the defendant, as well as the relation of the steadiness theme of the lawsuit with the congruency and causality principles.

Finally, the question is posed from the appeal theory point of view.

The purpose of the present work is to seek a systematization of the concepts involved which allows the harmonization of the rules which will take to the steadiness of the lawsuit, due to the necessity of dealing with the new fact. Without prejudice to the discussion in respect to the theoretical aspects, it is intended not to lose track of the practical interest of seeking criteria capable of making operable, coherent and efficient the group formed by the above mentioned institutes, with the view to delimitate the exact reach of the immutability of the cause of action in the Brazilian civil proceeding’s system, due to the appearance of new facts.

vi

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 1

1. GENERALIDADES.................................................................................................................

6

1.1 A individuação da demanda......................................................................................... 6

1.1.1 Teoria da identidade da relação jurídica .......................................................... 7

1.1.2 Teoria da tríplice identidade................................................................................ 8

1.2 A causa de pedir como um dos elementos individualizadores da demanda........... 10

1.3 O conteúdo da causa de pedir ..................................................................................... 12

1.3.1 Teoria da individualização.................................................................................. 13

1.3.2 Teoria da substanciação..................................................................................... 18

1.3.3 O ponto de afastamento entre ambas as teorias.............................................. 21

2. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA – A ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA E O FATO SUPERVENIENTE..............................................................................................................

23

2.1 A estabilização da demanda........................................................................................ 23

2.1.1 Alguns aspectos conceituais .......................................................................... 23

2.1.2 Fundamentos da estabilização da demanda ................................................... 26

2.2 Sistemas rígidos e flexíveis ........................................................................................ 28

2.3 A imutabilidade da ação e o fato superveniente........................................................ 31

3. CAUSA DE PEDIR – EVOLUÇÃO HISTÓRICA...................................................................

33

3.1 Direito romano.............................................................................................................. 33

3.2 Direito romano visigótico............................................................................................. 37

3.3 Idade média e direito comum...................................................................................... 38

3.4 Difusão do pensamento jurídico romano-canônico nos Estados Monárquicos da Península Ibérica – Espanha e Portugal..............................................................

41

4. A ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO COMPARADO...............

44

4.1 Nos países socialistas................................................................................................. 44

4.2 Direito inglês................................................................................................................. 45

4.3 Direito alemão............................................................................................................... 46

4.4 Direito italiano .............................................................................................................. 49

4.5 Direito espanhol............................................................................................................ 53

4.6 Direito português ......................................................................................................... 55

vii

5. A ESTABILIZAÇÂO DA DEMANDA E O CONTEÚDO DA CAUSA DE PEDIR NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO..................................................................................................

60

5.1 Evolução legislativa.................................................................................................... 60

5.1.1 Ordenações Filipinas........................................................................................ 60

5.1.2 Regulamento 737............................................................................................... 61

5.1.3 Os códigos de processo civil estaduais......................................................... 61

5.1.4 O Código de Processo Civil de 1939............................................................... 63

5.1.5 O Código de Processo Civil de 1973............................................................... 64

5.2 Substanciação e individualização – posicionamento da doutrina brasileira quanto ao conteúdo da causa de pedir ...................................................................

65

5.2.1 A doutrina majoritária – adoção da teoria da substanciação....................... 65

5.2.2 A posição de José Ignácio Botelho de Mesquita........................................... 70

5.2.3 A posição de Ovídio Baptista da Silva............................................................. 71

5.2.4 A natureza do direito material envolvido, como critério para definir a necessidade de substanciação dos fatos.......................................................

72

5.3 O artigo 264 do Código de Processo Civil e a imutabilidade da causa de pedir .. 74

6. O CONHECIMENTO DO FATO SUPERVENIENTE NA SENTENÇA – ART. 462 DO CPC

77

6.1 Antecedentes............................................................................................................... 77

6.2 Fundamentos para a consideração dos fatos supervenientes na sentença.......... 79

6.3 Fato superveniente e direito superveniente............................................................... 81

7. HARMONIZAÇÃO DOS ARTIGOS 264 E 462 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL...........

85

7.1 Colocação do problema................................................................................................ 85

7.2 Verdade real e verdade formal...................................................................................... 86

7.3 A natureza instrumental do processo e a tensão entre os princípios dispositivo, da estabilização da demanda e da economia processual..........................................

87

8. ALTERAÇÃO DO FUNDAMENTO JURÍDICO DA DEMANDA............................................

92

8.1 Causa de pedir próxima e causa de pedir remota..................................................... 92

8.2 Definição de fundamento jurídico do pedido............................................................. 94

8.3 O fundamento legal da demanda................................................................................ 95

8.4 A mutabilidade do fundamento jurídico da demanda – iura novit curia e naha mihi factum dabo tibi ius............................................................................................

97

8.5 A máxima iura novit curia e o princípio do contraditório ....................................... 101

8.6 A apreciação de fundamento jurídico novo e o princípio da demanda................... 103

viii

9. ALEGAÇÃO DE FATOS SECUNDÁRIOS............................................................................ 107

9.1 Distinção entre fatos principais e fatos secundários................................................ 107

9.2 Os fatos principais e a imutabilidade da causa petendi........................................... 110

9.3 Os fatos secundários e o problema do conteúdo da causa de pedir...................... 111

9.4 Os fatos secundários e os poderes instrutórios do juiz........................................... 113

10. O FATO SUPERVENIENTE – CONHECIMENTO DE FATOS CONSTITUTIVOS, MODIFICATIVOS OU EXTINTIVOS DO DIREITO DO AUTOR – CPC, ART. 462............

115

10.1 Distinção entre fato novo e fato superveniente........................................................ 117

10.2 O fato superveniente e o problema da identificação da ação................................. 120

10.3 A relação jurídica como parâmetro para delimitar a possibilidade de conhecimento do fato superveniente.......................................................................

125

10.4 Classificação dos fatos supervenientes e considerações acerca de cada modalidade..................................................................................................................

127

10.4.1 O fato superveniente constitutivo................................................................... 128

10.4.2 O fato superveniente modificativo.................................................................. 133

10.4.3 O fato superveniente extintivo......................................................................... 134

10.5 O conhecimento do fato superveniente de ofício..................................................... 135

10.5.1 Conhecimento do fato superveniente de ofício e o princípio da imparcialidade ...............................................................................................

135

10.5.2 Conhecimento do fato superveniente de ofício e o princípio do contraditório...................................................................................................

137

11. SITUAÇÕES PECULIARES – CAUSA DE PEDIR NAS AÇÕES POSSESSÓRIAS E NA TUTELA ESPECÍFICA DAS OBRIGAÇÕES DE DAR, FAZER E NÃO FAZER................

139

11.1 A fungibilidade das ações possessórias e a alteração dos elementos objetivos da demanda ................................................................................................................

139

11.2 Alteração da causa de pedir na tutela específica das obrigações de dar, fazer e não fazer......................................................................................................................

141

12. O FATO SUPERVENIENTE E O PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA..................................

144

12.1 O princípio da congruência....................................................................................... 144

12.2 A alteração da causa de pedir e o princípio da congruência................................ 145

12.3 O fato superveniente e a mitigação do princípio da congruência........................ 146

12.4 Síntese das conclusões sobre o tema..................................................................... 148

13. O PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE E O FATO SUPERVENIENTE................................

149

13.1 Correspondência entre o princípio da estabilização da demanda e o princípio da eventualidade.........................................................................................................

150

13.2 Alcance da expressão “direito superveniente”..................................................... 153

13.3 A possibilidade de alegações incompatíveis entre si e o princípio da lealdade processual................................................................................................................

155

ix

13.4 O princípio da eventualidade e o princípio do contraditório ................................ 157

13.5 O princípio da eventualidade e o princípio da economia processual................... 159

14. DISTINÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE DA CAUSA DE PEDIR E O PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE. RAZÕES QUE JUSTIFICAM TRATAR DE MODO DIFERENTE A POSSIBILIDADE DE ALEGAÇÃO DE FATO SUPERVENIENTE PELO AUTOR E PELO RÉU.........................................................................................................

161

14.1 O problema da identificação da ação....................................................................... 161

14.2 Diferenças entre as posições do autor e do réu em face da eficácia preclusiva da coisa julgada..........................................................................................................

162

14.2.1 Considerações gerais a respeito da eficácia preclusiva da coisa jugalda 163

14.2.2 A insuficiência da teoria da tríplice identidade em face dos problemas decorrentes da eficácia preclusiva da coisa julgada .................................

167

14.2.3 O maior rigor do artigo 474 do Código de Processo Civil em relação ao demandado.....................................................................................................

170

14.3 O conhecimento novo de fato velho. Possibilidade de alegação pelo réu e impossibilidade pelo autor, na mesma ação.........................................................

171

14.4 Matérias cognoscíveis de ofício e que podem ser alegadas pelo réu a qualquer tempo – art. 303, incisos II e III. Possibilidade de alegação pelo autor, somente se relativas a fato ocorrido após a estabilização da demanda

175

15. FATO SUPERVENIENTE E CAUSALIDADE. TENTATIVA DE SISTEMATIZAÇÃO DOS ARTIGOS 22, 462 E 303, INCISOS I, II E III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

179

15.1 O artigo 22 do Código de Processo Civil e o princípio da causalidade............ 179

15.2 Distinção entre as hipóteses previstas nos artigos 22 e 462 do Código de Processo Civil .........................................................................................................

183

15.3 Condenação em custas e perda do direito aos honorários de sucumbência e as hipóteses previstas no artigo 303, incisos I, II e III do Código de Processo Civil...........................................................................................................................

185

15.3.1 O artigo 22 do Código de Processo Civil e o direito superveniente (art. 303, inciso I, do Código de Processo Civil)......................................

187

15.3.2 Incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil nas hipóteses de alegação tardia de matérias que o juiz possa conhecer de ofício (art. 303, inciso II), ou que possam, por autorização expressa da lei, ser alegadas a qualquer tempo (art. 303, inciso III) ......................................

191

15.3.3 Distinção entre a inércia culposa prevista no artigo 22 e a litigância de má-fé prevista nos artigos 17 e 18 do Código de Processo Civil.....

195

16. DO CONHECIMENTO DO FATO SUPERVENIENTE EM GRAU DE APELAÇÃO...........

197

17. DO CONHECIMENTO DO FATO SUPERVENIENTE EM SEDE DE RECURSO EXCEPCIONAL..................................................................................................................

203

x

18. PROPOSTAS DE ABRANDAMENTO DA RIGIDEZ IMPOSTA PELO REGIME DA ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA E PELO PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO.......................................................................................

207

18.1 A necessidade de flexibilização............................................................................... 207

18.2 Sugestões formuladas pela doutrina....................................................................... 209

18.2.1 Inserção, no Código de Processo Civil, de dispositivo semelhante ao artigo 384 do Código de Processo Penal ...................................................

209

18.2.2 Valorização da audiência preliminar prevista no artigo 331 do Código de Processo Civil, como momento para fixação dos termos da controvérsia e estabilização da demanda ..................................................

210

18.2.3 Alteração consensual da causa petendi e do pedido.................................. 212

18.2.4 Releitura da visão tradicional de estabilização da demanda, à luz do reconhecimento da supremacia do princípio do acesso à justiça............

213

CONCLUSÕES..........................................................................................................................

219

BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................................

233

xi

1

INTRODUÇÃO

O processo começa com a iniciativa do autor e se completa com a

citação do réu. Na petição inicial, o autor deve, desde logo, especificar o pedido,

bem como os fatos e os fundamentos jurídicos que o embasam. Feita a citação, o

autor somente poderá modificar o pedido ou a causa de pedir com o

consentimento do réu e, após o saneamento do processo, é vedada a alteração

de tais elementos.

Isso significa que, no processo civil brasileiro, vige o princípio da

imutabilidade da ação, uma vez que, após a fase de saneamento (art. 264 do

CPC), tornam-se inalteráveis seus elementos subjetivos e objetivos, com o que se

verifica o fenômeno conhecido como estabilização da demanda.

Dentre os elementos objetivos, encontra-se a causa petendi, que em

nosso ordenamento compreende tanto os fatos quanto os fundamentos jurídicos

do pedido. Daí decorre que, após a estabilização da demanda, é vedado, em

princípio, introduzir fatos jurídicos que não foram deduzidos no momento

apropriado.

O princípio da imutabilidade da ação e a conseqüente estabilização

da demanda guardam relação com o princípio dispositivo, pois, a partir dos

elementos constantes da petição inicial, delimita-se o exato campo sobre o qual

atuará a jurisdição. Diz respeito também ao princípio do contraditório, uma vez

que é quanto aos fatos alegados e ao pedido formulado na inicial que o réu

elaborará sua defesa. Relaciona-se, ainda, com a busca da celeridade da

2

prestação jurisdicional, já que a permissão de sucessivas idas e vindas no

procedimento, em virtude da introdução de fatos novos, tornaria mais demorado o

desfecho do processo.

Nada obstante o princípio da imutabilidade da ação atender a uma

necessidade até mesmo de natureza lógica do processo, concebido como uma

sucessão ordenada de atos que deve orientar-se para uma resposta do órgão

estatal em face da pretensão deduzida pelo autor, não se pode deixar de

reconhecer que a realidade social concreta, da qual se origina a lide e sobre a

qual deve incidir a tutela jurisdicional, não será imutável jamais.

Nesse sentido, uma vez que o processo se desenvolve ao longo do

tempo, é muito provável que haja transformações na realidade que interfiram

tanto no complexo fático que constitui a causa de pedir, quanto na efetividade da

futura prestação jurisdicional.

Em função disso, o legislador vê-se obrigado a lidar com o problema

do tempo no processo, o qual desafia a doutrina com importantes

questionamentos que podem ser desdobrados em duas ordens.

A primeira diz respeito às mudanças no contexto fático, que

ameaçam a efetividade da prestação jurisdicional. Nesse caso, lança-se mão das

chamadas tutelas de urgência, cujo alcance amplia-se a cada dia, para fazer

frente aos problemas crônicos de morosidade da justiça.

Já a segunda ordem de questões diz respeito às alterações no

mundo dos fatos que interferem no próprio julgamento da ação, quando adquire

3

relevância o estudo do assim chamado fato superveniente e suas implicações no

que se refere à estabilização da demanda.

Verifica-se, ainda, que a primeira ordem de questões tem sido objeto

de grande interesse por parte da doutrina atual, preocupada sobremaneira com a

temática da efetividade da tutela jurisdicional.

Por outro lado, diferentemente, a temática atinente ao fato

superveniente e à estabilização da demanda não tem sido tão freqüentada pela

doutrina mais recente. Entretanto, tais assuntos também parecem merecer

estudo, uma vez que se cuida de institutos antigos e basilares do Processo Civil,

que devem receber atenção sempre renovada.

Cabe observar ainda que, ao lado da questão da estabilização da

demanda e correspondentemente à vedação imposta ao autor de alterar a causa

de pedir, dado o princípio da imutabilidade da ação, justificou-se a formação, em

relação ao réu, do princípio da eventualidade, pelo qual todas as defesas, salvo

as exceções e os incidentes, deverão ser alegadas na contestação, sob pena de

preclusão.

Embora se trate de categorias muito próximas, a estabilização da

demanda e o princípio da eventualidade são institutos distintos, posto que, a rigor,

a defesa apresentada pelo réu não altera a demanda.

Todavia, muito embora o foco do presente trabalho seja o estudo da

estabilização da demanda propriamente dita, não se pode deixar de comparar as

soluções adotadas nesse campo, com as que se propõem em relação ao princípio

da eventualidade, dada a íntima correlação entre ambos.

4

Estabelecidas as mencionadas premissas, será possível abordar o

problema do fato superveniente, considerando, de início, que nosso ordenamento

estabelece que o juiz, no momento de proferir a sentença, deve considerar os

fatos supervenientes, constitutivos, modificativos ou extintivos do direito (art. 462

do CPC).

Surge então um aparente paradoxo, pois, se por um lado o autor é

impedido de alegar fatos novos após o saneamento do processo e o réu deve

exaurir seus argumentos de defesa na contestação, por outro, o juiz deve

conhecer dos fatos supervenientes, inclusive de ofício, no momento de proferir a

sentença.

Além disso, nossa lei processual consagra a eficácia preclusiva da

coisa julgada, fazendo com que sejam reputados, deduzidos e repelidos todos os

argumentos que as partes poderiam opor tanto ao acolhimento (afetando o autor)

como à rejeição (referindo-se ao réu) do pedido, quer tenham ou não sido

alegados (art. 474 do CPC). Em outras palavras, se por um lado é vedado às

partes alegar fatos novos após o saneamento do processo, por outro, tais fatos

são reputados como deduzidos e repelidos e não poderão ser opostos ao que vier

a ser decidido na sentença após seu trânsito em julgado.

O objetivo do presente trabalho é buscar uma sistematização dos

conceitos envolvidos, que possibilite harmonizar as normas tendentes à

estabilização da demanda, em face da necessidade de lidar com o fato

superveniente.

Parte-se do pressuposto de que a compreensão ampla do problema

torna necessário o exame das raízes históricas do instituto da estabilização da

5

demanda e, em especial, da imutabilidade da causa de pedir, o que conduz ao

estudo das teorias desenvolvidas ao longo de décadas, a respeito da individuação

das ações (relação jurídica x tríplice identidade) e ao conteúdo da causa de pedir

(substanciação x individuação).

Para uma abordagem mais crítica, pareceu de todo conveniente

estudar também a forma como outros sistemas jurídicos contemporâneos tratam

da questão da estabilização da demanda, o que levou a uma abordagem de

direito comparado.

A evolução histórica do instituto da estabilização da demanda,

acrescida do estudo de direito comparado, deve possibilitar a contextualização do

problema, tal como se apresenta hoje no direito positivo brasileiro.

Propõe-se, então, o estudo da evolução legislativa e do

posicionamento da doutrina no Brasil, a partir do que será possível analisar, de

modo mais minucioso, os diferentes aspectos do tema na legislação processual

civil brasileira atualmente em vigor.

Sem prejuízo da discussão quanto aos aspectos teóricos, pretende-

se não perder de vista o interesse prático na busca de critérios aptos a tornar

operável, coerente e eficiente o conjunto formado pelos institutos mencionados,

com vistas a delimitar o exato alcance do postulado da imutabilidade da causa de

pedir no direito processual civil brasileiro, em face da ocorrência de fatos

supervenientes.

6

1. GENERALIDADES

1.1 A individuação da demanda: 1.1.1 Teoria da identidade da relação jurídica; 1.1.2 Teoria da tríplice identidade – 1.2 A causa de pedir como um dos elementos individualizadores da demanda – 1.3 O conteúdo da causa de pedir: 1.3.1 Teoria da individualização; 1.3.2 Teoria da substanciação; 1.3.3 O ponto de afastamento entre ambas as teorias

1.1 A individuação da demanda

A individuação da rés in iudicium deducta sempre foi um dos temas

centrais da ciência processual. Embora os primeiros estudos a esse respeito

estivessem voltados para o problema da coisa julgada – a exceptio rei iudicate – a

identificação da ação se mostra importante também para a verificação da

ocorrência da litispendência e da conexão de ações.

A esse respeito duas teorias provieram das fontes romanas

conservadas no Digesto e tornaram-se clássicas: a da identidade da relação

jurídica, defendida por Savigny e a da tríplice identidade que remonta diretamente

às fontes romanas .

Traça-se, a seguir, um breve perfil dessas teorias.

7

1.1.1 Teoria da identidade da relação jurídica

Savigny, o grande expoente da Escola Histórica, defendia a

renovação da ciência do direito mediante o aproveitamento da experiência jurídica

dos romanos, com a devida adaptação à realidade do momento histórico por ele

vivido.

Nesse contexto, reportando-se ao pensamento do jurisconsulto

Juliano, Savigny visualizou na eadem questio o núcleo determinante da

individuação das ações.

Em primoroso estudo a respeito da exceptio rei iudicate, o

mencionado autor afirmou que uma ação futura poderia ser obstada se as duas

demandas tivessem em comum as mesmas pessoas e a mesma questão.

A partir dessa premissa, Savigny formulou dois critérios. Pelo

primeiro, se duas ações referem-se a questões jurídicas diferentes, a exceção de

coisa julgada não seria oponível, mesmo que ocorresse a aparente identidade

(partes, pedido e causa de pedir). Isso significa que uma ação possessória, por

exemplo, não teria o condão de prejudicar futura ação reivindicatória e vice-versa.

Pelo segundo critério, se duas ações dissessem respeito à mesma

questão jurídica, a exceptio seria admitida, mesmo que houvesse aparente

discrepância entre elas. Assim ocorreria quando, por exemplo, a segunda lide

tivesse nomenclatura diferente da primeira; ou quando as partes se encontrassem

em posição invertida; ou quando o direito que em uma ação fosse principal, em

8

outra fosse condicionada; ou, ainda, quando o objeto exterior do litígio não fosse o

mesmo nas duas ações.

Sob essa concepção, Savigny distinguia as ações pessoais das

reais, afirmando que, quanto às primeiras, nenhum problema subsistia, uma vez

que cada relação jurídica vinha individuada por uma determinada causa. Todavia,

quanto à segunda, independentemente do título de aquisição, admitia-se a

exceção de coisa julgada, dada a identidade objetiva de ambas as relações

jurídicas.

1.1.2 Teoria da tríplice identidade

Apesar do esforço de Savigny no sentido de superar a construção

clássica da tríplice identidade, a teoria da relação jurídica restou praticamente

circunscrita à Alemanha. A teoria da tríplice identidade – pessoas, causa de pedir

e pedido – por seu turno, prevalece na obra dos grandes processualistas do

passado e dos tempos atuais.

O dogma da tríplice identidade – tria eadem – deita raízes no direito

romano e veio expressamente consagrado nas legislações francesa e italiana,

tendo recebido, por via de conseqüência, o aval da grande maioria dos

estudiosos.

Nos ordenamentos processuais de tradição romano-germânica, é

evidente o predomínio da teoria da tríplice identidade. Com efeito, aceita-se que

9

cada ação tem uma individualidade que se infere dos elementos que a compõem.

Tais elementos permitem então identificar as ações, distinguindo-as umas das

outras. Segue-se que duas ações são idênticas quando, em ambas, os seus

elementos são os mesmos. Assim, duas ações são idênticas quando entre elas

há: a) identidade de partes (eadem personae); b) identidade de objeto (eadem

res); c) identidade de causa de pedir (eadem causa petendi).

Conforme anota Arruda Alvim, “na doutrina dos países latinos,

tradicionalmente, fala-se em teoria das três identidades, para que possam ser

identificadas as ações. O Direito brasileiro imediatamente anterior, embora sem

texto expresso, e o atual (agora explicitamente) também seguiram essa

orientação, pois se lê no art. 301, § 2º, in verbis: ‘Uma ação é idêntica à outra

quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido’”.1

Todavia, como se verá mais adiante, muito embora a teoria da

tríplice identidade seja comumente aceita para resolver a maior parte dos

problemas relativos à identificação das ações, há determinados casos nos quais

ela se mostra insuficiente, levando a doutrina a buscar soluções na teoria da

relação jurídica.

1 Manual de direito processual civil, v. 1, p. 484.

10

1.2 A causa de pedir como um dos elementos individualizadores da

demanda

Aceitando que as ações se identificam por intermédio das partes, do

pedido e da causa de pedir, colocamo-nos diante da dificuldade de conceituar de

forma precisa a causa de pedir com vistas à exata individualização da demanda.

José Ignácio Botelho de Mesquita observa que: “Na verdade, não

surgem problemas sôbre o que se deva entender por personae e por petitum. A

causa petendi, contudo, pela dificuldade que oferece à determinação do seu

conteúdo, tornou-se um dos pontos mais delicados do direito processual, e isto

por se achar no âmago do tema comumente designado por identificação das

ações, do qual dependem decisivamente vários institutos processuais”.2

Na mesma linha, José Rogério Cruz e Tucci adverte que “hoje é

tarefa praticamente impossível emitir um conceito unívoco e abrangente de causa

de pedir”, observando, contudo, que a evolução da ciência processual, em época

mais recente, orienta-se para o entendimento segundo o qual a locução indica “o

fato ou o conjunto de fatos que serve para fundamentar a pretensão (processual)

do demandante”.3

Usualmente, classificam-se os elementos da ação em subjetivos –

partes – e objetivos – pedido e causa de pedir. Na verdade, os elementos

objetivos da ação formam um todo indissociável, que constitui o objeto do

processo. Nesse sentido, José Ignácio Botelho de Mesquita observa que: “causa

2 A causa petendi nas ações reivindicatórias, Revista de Direito Processual Civil 6/185.

11

petendi e petitum, intimamente ligados, qual verso e reverso da mesma medalha,

ou alicerces e paredes do mesmo edifício, são por excelência os elementos

identificadores do objeto do processo, pois o petitum é condição de existência da

causa petendi e esta, por sua vez, não se limita a qualificá-lo ou restringi-lo, mas

o individua plenamente”.4

Ainda quanto à aptidão da causa de pedir, no sentido de individuar o

pedido, Nelson Nery Júnior lembra que, para que se possa analisar a presença da

condição da ação fundada na possibilidade jurídica do pedido, o termo “pedido”

deve ser tomado não em seu sentido estrito, mas conjugado com a causa de

pedir. E exemplifica mostrando que, embora o pedido de cobrança seja

admissível pela legislação brasileira, não será possível se tiver como causa

petendi a dívida de jogo.5

Especialmente quando empregada para aferir a presença da

possibilidade jurídica do pedido, fica evidente que a causa petendi é, dentre os

elementos da ação, o que constitui o ponto de contato mais direto entre o

processo e o direito material. A esse respeito, Fazzalari afirma que a causa

petendi, considerada como um dos elementos da ação, corresponde,

essencialmente, ao elo entre a norma de direito material supostamente violada e

o juízo, a partir do momento em que a situação substancial retratada na petição

inicial é submetida à cognição judicial.6

3 A causa petendi no processo civil, p. 24. 4 A causa petendi nas ações reivindicatórias, Revista de Direito Processual Civil 6/184. No mesmo

sentido, José Rogério Cruz e Tucci sustenta que a causa petendi possui dupla finalidade. A primeira é individualizar a demanda e a segunda é identificar o pedido, inclusive quanto à possibilidade deste (A causa petendi no processo civil, p. 158).

5 Condições da ação. Revista de Processo 64/37. 6 Note in tema di diritto e processo, p. 122.

12

Tendo em vista essa função de transportar para o interior do

processo as particularidades do direito material supostamente violado, Fazzalari

ressalta que a indicação da causa de pedir é imprescindível para o desenrolar do

processo de conhecimento, na medida em que “tal alegação representa, na

verdade, o parâmetro para determinação da jurisdição, da competência, da

legitimação para agir...”.7

1.3 O conteúdo da causa de pedir

Dentre os diversos problemas envolvidos na busca de uma definição

mais precisa do que seria a causa de pedir, um dos aspectos mais controvertidos

refere-se à definição do seu conteúdo.

Para determinar o conteúdo da causa de pedir, foram desenvolvidas

duas teorias, a saber, a da individualização e a da substanciação. A polêmica

entre ambas as teorias teve origem no direito alemão, dados os problemas que

decorreram da extrema rigidez com que se aplicou a regra da Eventualmaxime,

segundo a qual as partes eram obrigadas a formular, desde o início do processo,

todas as alegações que pudessem interessar ao deslinde da causa, sob pena de

não mais poder fazê-lo em momento posterior. Como resultado dessa exigência,

o processo ficava abarrotado de uma infinidade de provas e questões que as

partes aduziam simultaneamente, visando a evitar o risco da preclusão de suas

proposições. Conseqüentemente, na sentença, o juiz devia analisar muitas

7 Note in tema di diritto e processo, p. 47 e 115.

13

provas que não eram pertinentes, mas que não podiam ser rechaçadas de plano,

já que a obrigatoriedade da proposição contemporânea não permitia distinguir as

provas úteis e pertinentes das não relevantes para a solução do caso concreto.

Diante de tais problemas, a Eventualmaxime passou a ser questionada e, para

evitar a formação de um processo artificial, dominado por argumentos e questões

inúteis, tornava-se evidente a necessidade de estabelecer-se o conteúdo mínimo

da causa de pedir. Tal tema foi objeto de estudo, especialmente de autores

alemães e italianos, instaurando-se a acentuada polêmica sobre os elementos

que constituiriam o aludido conteúdo mínimo da causa petendi, originando as

teorias da substanciação (Substantiierungs theorie) e individualização ou

individuação (Individualisierung theorie) (...)”.

A seguir, com o objetivo de melhor compreender as razões de tal

polêmica e suas implicações, traça-se um breve perfil de cada uma dessas

teorias.

1.3.1 Teoria da individualização

Nada obstante as origens germânicas do debate em torno do

conteúdo mínimo da causa de pedir, a teoria da individualização goza de especial

prestígio na Itália,8 encontrando em Chiovenda um dos seus mais ardorosos

defensores.

8 Cândido Rangel Dinamarco observa que “oposto ao da substanciação (vigente no Brasil) é o

sistema da individuação, vigente em outros países. No sistema italiano reputa-se causa de pedir, para o fim de delimitar o âmbito da demanda e da sentença, a referência feita pelo autor

14

Para os seguidores da teoria da individualização, é necessário

distinguir as ações fundadas em direitos absolutos das demais ações fundadas

em direito obrigacional. Nesse contexto, Chiovenda entende que, nas hipóteses

envolvendo os assim chamados direitos absolutos, a causa de pedir deve conter,

antes de mais nada, a “afirmação da relação jurídica de que deriva o direito

afirmado pelo autor em confronto com o réu”. Todavia, reconhece que “essa

afirmação basta nos direitos absolutos, mas não é suficiente nos direitos de

obrigação”.9

Em outras palavras, para Chiovenda, nas ações de natureza real

basta afirmar a relação jurídica para que se preencha o conteúdo da causa de

pedir, isso porque a causa na reivindicação não decorre propriamente do modo de

aquisição, mas do fato atual da existência do propriedade.10

Por outro lado, segundo Chiovenda, nas ações fundadas no direito

das obrigações, não basta enunciar a relação jurídica para que se identifique a

ação, uma vez que pode haver relações jurídicas obrigacionais de conteúdo

idêntico, derivadas de diferentes obrigações. Por isso mesmo é que se faz

à categoria jurídica com fundamento na qual pretende a tutela jurisdicional pedida. O histórico de fatos, que ele traz ao demandar, não passa de meras circunstâncias de fato e pode ser alterado porque assim permite o procedimento flexível lá existente” (Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 128, nota 20).

9 Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 360. 10 A esse respeito, Chiovenda apresenta a seguinte conclusão: “Por conseguinte, a causa na

reivindicação não é um ou outro modo de aquisição, mas o fato atual da propriedade; a questão jurídica versa sempre sobre a existência do direito de propriedade, ainda quando a questão lógica se restrinja ao ponto, por exemplo, de se houve ou não compra e venda. Não há mudança de ação quando se passa de um título de aquisição a outro. Na citação, podemos limitar-nos a afirmar a propriedade; negada a propriedade no primeiro processo, não desaparece a exceção de coisa julgada só pelo fato de que no novo processo se alegue outro título (a menos que, entende-se, seja um título posterior ao julgado). O mesmo se pode dizer dos outros direitos absolutos: reconhecemos no fato atual da existência de um homem a causa dos direitos de liberdade ou de personalidade, sem pensar em sua origem senão como modo de provar-lhe a existência (Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 437).

15

necessário indicar o fato constitutivo do qual decorre a relação jurídica, a fim de

diferenciar de outras possíveis relações jurídicas de idêntico conteúdo.11

Nessa mesma linha, Betti defende que “existem relações jurídicas

identificáveis pelos próprios elementos estruturais e pela típica qualificação

jurídica que lhes é própria, sem necessidade de recorrer-se ao fato de onde se

originaram”. Refere-se o mencionado autor às relações de direito real, de direito

de família e de estado da pessoa.12

Igualmente, Liebmann esclarece que, nas ações fundadas em direito

absoluto, basta indicar o direito que se afirma existente, ou, em outras palavras, a

relação jurídica, uma vez que esta é sempre a mesma, qualquer que seja o fato

constitutivo em particular. Explica o renomado professor de Milão que a

propriedade de um bem, por exemplo, é sempre o mesmo direito, tenha ela sido

adquirida por herança, compra e venda ou usucapião e, por isso, não há alteração

da causa de pedir pelo simples fato de haver referência a esse ou aquele modo

de aquisição.13

Tais ações fundadas em direitos absolutos constituem as assim

chamadas demandas autodeterminadas, uma vez que são identificadas pelo

próprio direito e não pelo título de aquisição, porquanto contempla potencialmente

todos os possíveis títulos.

Assim, conforme anota Cerino Canova, tais direitos, pelo seu

conteúdo, podem subsistir uma única vez entre as mesmas partes e “a

individuação do direito, e da demanda, através do conteúdo e dos sujeitos,

11 Instituições de direito processual civil, v. 1. p. 360. 12 Diritto processuale civile italiano, p. 178.

16

justifica-se precisamente pela unicidade e irrepetibilidade da mesma situação

substancial”.14 Nesse contexto, a alegação de fato constitutivo tem importância

somente no que diz respeito ao juízo di fondatezza, podendo ser alterada sem

que isso implique alteração da demanda.15 A esse respeito, no Brasil, José

Rogério Cruz e Tucci observa que, “segundo a denominada teoria da

individualização, a alegação dos fatos, nas ações que encerram um direito

absoluto, delineia-se apenas como condição de êxito da demanda, e não como

elemento identificador”.16

Por outro lado, nas demais ações que não são identificáveis, a não

ser pelo fato que lhes deu vida, compreendidas aqui as relações obrigacionais,

bem como as relações de direito potestativo ou de sucessão hereditária, é

necessária a indicação do fato constitutivo. Isso porque pode haver diversas

relações jurídicas de conteúdo idêntico, mas decorrentes de diferentes fatos.

Trata-se das chamadas demandas heterodeterminadas, que não são

individualizáveis apenas em função dos seus elementos estruturais – sujeitos e

conteúdo –, mas dependem da indicação do seu fato gerador.17

Assim, da ótica da teoria da individualização, apenas no caso de

demandas heterodeterminadas faz-se necessária a indicação dos fatos

constitutivos, uma vez que tantas serão as relações dessa espécie quantos forem

os fatos constitutivos.

13 Struttura del processo e modificazione della domanda, p. 161. 14 La domanda giudiziale ed il suo contenuto, p. 172. 15 Cerino Canova, La domanda giudiziale ed il suo contenuto, p. 185. 16 A causa petendi no processo civil, p. 116. 17 Cerino Canova, op. cit., p.178-9.

17

Posto isso, é possível constatar que a teoria da individualização

apresenta implicações mais significativas exatamente quanto às hipóteses de

ações decorrentes de direitos absolutos.18

Conseqüentemente, para os seguidores da teoria da

individualização, no que tange às demandas autodeterminadas ou, em outras

palavras, nas ações que se referem a direitos absolutos, a mudança do fato ou

dos fatos constitutivos ocorrida no curso do processo não implica alteração da

demanda.

Nessa mesma linha de raciocínio, conclui-se que a sentença que

decidir sobre a existência ou inexistência de determinada relação jurídica

projetará sua eficácia em relação a todos os fatos possíveis de serem invocados,

quer tenham ou não sido alegados no curso da ação.

Conforme assinala José Ignácio Botelho de Mesquita, a coisa

julgada que se forma em torno da relação jurídica que fora objeto da ação

fundada em direito absoluto torna “improponível nova demanda sobre a mesma

relação de direito, ainda que fundada em fatos não alegados na primeira”.19

É de se reconhecer, todavia, que no Brasil pouco se estudou a

respeito de tal teoria, uma vez que a quase totalidade da doutrina admite que teria

sido adotada entre nós a teoria da substanciação.20

18 Nesse sentido, no Brasil, Calmon de Passos observa que essa teoria tem sua importância

situada sobretudo no campo dos direitos absolutos, ou seja, no campo dos direitos reais e de família, e nas hipóteses de direitos relativos, ou seja, no caso das relações obrigacionais, das quais podem nascer diferentes obrigações de idêntica origem, mesmo os adeptos da teoria da individualização apontam a necessidade de se indicar o fato constitutivo para a sua distinção (Comentários ao Código de Processo Civil, p. 191).

19 A causa petendi nas ações reivindicatórias, Revista de direito processual civil 6, p.186. 20 A propósito, Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery consideram que a teoria da

individualização estaria superada, uma vez que, na própria Alemanha, o ZPO adotou a teoria

18

1.3.2 Teoria da substanciação

Ao contrário do que defende a teoria da individualização, para

os seguidores da teoria da substanciação, no que diz respeito à causa de pedir

não se deveria fazer qualquer distinção entre direitos reais e direitos

obrigacionais, sendo necessária a indicação do fato constitutivo do direito em

ambas as situações.

Na doutrina italiana, Zanzucchi, aduzindo aos direitos

absolutos e aos direitos obrigacionais, observa que “com relação a ambos a razão

da pretensão não é especificada pela simples enunciação do direito. Tem-se a

especificação apenas quando é indicado o fato do qual emergiu o direito, o fato

não em abstrato, mas em concreto”.21

O mesmo autor ilustra seu raciocínio por intermédio do

seguinte exemplo: se “A” age contra “B” para obter a entrega de determinada

coisa, com fundamento em um direito de crédito (direito obrigacional) decorrente

de depósito, e “B” alega já ter restituído o bem, e se diante disso “A” reconhecer a

procedência do argumento do demandado, mas afirmar que deu a coisa em

depósito uma segunda vez, resulta que o mesmo bem é demandado pela mesma

espécie de relação jurídica (depósito). No entanto, não se nega, mesmo para os

adeptos da teoria da individualização, que se está diante de modificação da

demanda, uma vez que se altera o fato (causa petendi), já que o pedido, agora,

passa a estar fundado no segundo contrato de depósito. Posto isso, Zanzucchi

da substanciação (Código de Processo Civil e legislação processual civil extravagante, nota 2 ao art. 282, III, do CPC, p. 487).

19

transpõe o mesmo raciocínio para o caso envolvendo direito de propriedade:

tendo “A” requerido a entrega do imóvel “X”, alegando direito de propriedade

sobre o referido bem, o réu “B” se opõe, dizendo que comprou de “A” o imóvel,

que, por sua vez, alega que adquiriu novamente o imóvel de “B”. Nesse caso,

segundo Zanzucchi, há igualmente a alteração do fato constitutivo do direito e,

substancialmente, do próprio direito. Em outras palavras, seria possível distinguir

o direito de propriedade decorrente do primeiro contrato e do segundo negócio.

Assim, Zanzucchi conclui que tanto nas ações fundadas em direitos reais quanto

obrigacionais, para individuar a causa petendi, “não basta apenas indicar o direito

e a sua natureza (de propriedade, de crédito etc...), mas é necessário revelar o

fato pelo qual o direito afeta uma determinada pessoa, e não o fato em abstrato

(depósito, compra e venda etc.) mas em concreto (tal depósito, tal compra e

venda etc.)”.22

Portanto, para a teoria da substanciação, mesmo no que diz

respeito às ações fundadas em direito absoluto, a causa de pedir deve

compreender o fato gerador do direito. Haverá então tantas demandas quantos

forem os diferentes fatos constitutivos invocados.

Segundo Luso Soares, daí provém a expressão

“substanciação” – “o que substancia ou fundamenta a ação igualmente a

individualiza”. 23

Tal concepção repercute diretamente sobre o tema da

extensão dos efeitos da coisa julgada. Arturo Rispoli defende que a modificação

21 Nuove domande, nuove eccezioni e nouve porove in appello, p.335-6. 22 Ibid. p.336-7. 23 Processo civil de declaração, Coimbra, Almedina, 1985, p. 587.

20

do título aquisitivo de um direito real enseja modificação da causa de pedir e

conseqüentemente da ação, de modo que a compra e venda, a doação, o

usucapião, seriam todas causas de pedir diversas, recaindo os efeitos da coisa

julgada somente sobre a causa específica identificada na ação.24

No mesmo sentido, Mário Bellavits, a despeito de não colocar

em dúvida a natureza erga omnes do direito de propriedade, advoga que a

sentença declaratória de existência de direito real proferida em favor do autor ou

do réu possui o condão de excluir a contemporânea existência de um outro direito

de propriedade, mas isso sempre com referência ao fato jurídico constante dos

autos, não podendo estender a sua eficácia a fato jurídico não deduzido no

processo.25

No Brasil, Moacyr Amaral Santos observa que “a teoria da

substanciação impõe que na fundamentação do pedido se compreendam a causa

próxima e a causa remota (fundamentum actionis remotum), a qual consiste no

fato gerador do direito pretendido. Não basta dizer ‘que é credor’, mas é preciso

dizer também porque é credor; por exemplo: ‘a título de mútuo’” não basta dizer

“que é senhor”, mas também porque o é: “conforme escritura de compra e venda

devidamente transcrita”.26.

Como bem sintetizado por Alexandre Alves Lazzarini,

enquanto para a teoria da individualização o fundamento jurídico é essencial para

identificar a ação, especialmente nas ações que versam sobre direitos absolutos,

tais como os direitos reais ou o direito de família, para a teoria da substanciação

os fatos é que são essenciais e não podem ser alterados, mesmo em se tratando

24 Ancora sul concetto di causa petendi, Archivo di ricerche giuridiche, 8(1954):116.

21

de direitos absolutos.27 Exatamente nesse ponto reside o particular interesse

quanto à discussão a respeito do fato superveniente, como se verá mais adiante.

1.3.3 O ponto de afastamento entre ambas as teorias

Comparando-se as implicações práticas de ambas as teorias,

observa-se que a distinção entre elas não é tão radical. Isso porque, mesmo

quando se adota a teoria da individualização, admite-se a necessidade de

especificar os fatos que se tornam imutáveis, quando se trata de direitos relativos,

o que abrange a maior parte das demandas. Por outro lado, ainda que seja

acolhida a teoria da substanciação, a importância atribuída aos fatos constitutivos

é atenuada consideravelmente nas ações que envolvem direitos absolutos.28

José Ignácio Botelho de Mesquita, citando Ernesto Heinitz,

observa que o ponto exato em que se afastam as duas concepções sobre a causa

de pedir é o fato de que “a teoria da substanciação se distancia mais do direito

material que a da individualização, e não tanto uma diversa valoração dos

elementos de fato e de direito, pois a própria teoria da individualização sustenta

25 L’identificazione delle azioni, p. 144-7. 26 Primeiras linhas de direito processual civil, v. 2, p. 140. 27 A causa petendi nas ações de separação judicial e de dissolução de união estável, p.20. Nesta

mesma obra, o autor distingue direito absoluto e direito relativo, in verbis: “O direito absoluto é aquele com eficácia universal e que deve ser respeitado por todos, podendo o seu titular opô-lo contra qualquer pessoa (é erga omnes), estando incluídos nesta categoria os direitos reais, de família e da personalidade. Já o direito relativo tem sua eficácia limitada a determinadas pessoas, com uma pessoa ficando obrigada a outra, como o direito de crédito e o contrato de compra e venda” (p.23). Observa contudo, que a questão não é pacífica, assinalando que no verbete “direito absoluto”, escrito pela Comissão de Redação da Enciclopédia Saraiva de Direito (São Paulo: Saraiva, 1977, v.25, p. 121), o direito de família puro é classificado como direito relativo, por tratar-se de obrigação extrapatrimonial (idem, nota 23).

28 A esse respeito, ver Guilherme Freire de Barros Teixeira (O princípio da eventualidade no processo civil, p. 190).

22

irrelevante o puro ponto de vista jurídico e atribui importância, na maioria dos

casos, ao fato constitutivo”. E prossegue ressaltando que “o erro fundamental da

teoria da substanciação reside, para Heinitz, no exagerado afastamento (distaco)

do direito subjetivo, esquecida a função do processo civil de realizar o direito

material; afastamento este a que teriam chegado os defensores da substanciação

do pedido por haverem encontrado dificuldade em definir o conteúdo da causa

petendi nas ações declaratórias negativas”.29

29 A causa petendi nas ações reivindicatórias, Revista de Direito Processual Civil 6/187.

23

2. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA – A ESTABILIZAÇÃO DA

DEMANDA E O FATO SUPERVENIENTE

2.1 A estabilização da demanda: 2.1.1 Alguns aspectos conceituais; 2.1.2 Fundamentos da estabilização da demanda – 2.2 Sistemas rígidos e flexíveis – 2.3 A imutabilidade da ação e os fatos supervenientes

2.1 A estabilização da demanda

2.1.1 Alguns aspectos conceituais

É comum o uso da expressão estabilização da demanda para

designar tanto as vedações impostas ao autor, no sentido de impedir que se

alterem os elementos da ação, quanto as que se aplicam ao réu, no sentido de

evitar a dedução de novos argumentos de defesa após a contestação.30

30 Júnior Alexandre Moreira Pinto, por exemplo, estende o conceito para abranger tanto as

alegações do autor quanto as do réu, quando define a estabilização da demanda como sendo “o momento em que apresentadas todas as alegações pelas partes, estas não podem ser modificadas, preparando o processo para uma fase seguinte, a da realização das provas, em que cada litigante se incumbirá de demonstrar a veracidade de suas alegações, seja o autor provando o fato constitutivo de seu direito, seja o réu provando o fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito do autor” (Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda. in Causa de pedir e pedido no processo civil - questões polêmicas, p. 55).

24

Contudo, parece-nos mais exato restringir o alcance da

expressão às vedações impostas ao autor, que não pode modificar os elementos

da ação inicialmente constantes do libelo, superada determinada fase processual.

A expressão demanda é muito próxima da noção de pedido,

posto que demandar é pedir judicialmente.31 Assim, aproxima-se da idéia de ação,

tanto que é comum o uso de ambas as expressões indistintamente, como

sinônimas.32

Quando se fala em estabilização da demanda, a rigor, está-se

fazendo referência somente à imutabilidade da ação, do que se depreende a

inalterabilidade dos seus elementos – partes, pedido e causa de pedir.

Conseqüentemente, não se abrange a inalterabilidade dos

argumentos de defesa, em momento posterior ao do oferecimento da

contestação.

Muito embora seja intenso o debate consistente em saber se

a contestação integra ou não o objeto do processo,33 não é essa a questão posta

nesse momento, pois, independentemente da corrente que se adote, é inequívoco

que a defesa não interfere nos elementos identificadores da demanda.34

31 Conforme De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico, vol. II, p. 492. 32 Na verdade, se for possível estabelecer distinção entre ação e demanda, esta será muito sutil.

Nesse sentido, De Plácido e Silva assinala que “a acepção de demanda é mais ampla que a de ação, pois indica a ação em curso ou já formulada em juízo e em processo, enquanto a ação revela o direito de agir ou o direito de ir pedir em juízo, o que fundamenta ou autoriza a demanda, indicativa do exercício da ação” (idem).

33 A respeito da controvérsia quanto a distinção entre objeto do processo e objeto litigioso, ver Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, p. 483-484.

34 A esse respeito, Cândido Rangel Dinamarco observa que: “Na contestação, o réu nega os fatos alegados pelo autor, ou nega-lhes a eficácia jurídica afirmada por este, ou alega fatos novos que excluem o direito afirmado na petição inicial, ou ainda suscita razões relacionadas com o processo (carência de ação, incompetência absoluta) - gerando com isso questões a serem apreciadas quando o juiz expuser a motivação da sentença. Mas fica absolutamente inalterado o material a ser objeto do pronunciamento jurisdicional (pretensão, objeto do processo)” (Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 190). No mesmo sentido, muito embora entendendo que a contestação integra o objeto do processo mas não o objeto litigioso, Arruda Alvim afirma que: “O réu, contestando o mérito, ou seja, o pedido formulado pelo autor,

25

Se a finalidade fosse abranger em um mesmo conceito tanto

a imutabilidade do libelo, quanto a proibição de deduzir novos argumentos de

defesa após a contestação, seria então o caso de falar-se em estabilização do

processo.

Contudo, como o processo é essencialmente dinâmico, tendo

em vista que significa exatamente o desenvolvimento em fases sucessivas, a

expressão pareceria incongruente.35

Ademais, até por razões teóricas que serão mais bem

examinadas adiante, parece preferível tratar separadamente as diferentes

situações.

Desse modo, quando se fala em estabilização da demanda,

faz-se referência à vedação imposta ao autor, que não poderá alterar os

elementos da ação, superado determinado momento processual.

A vedação imposta ao réu, no sentido de impedir a introdução

de novos argumentos de defesa, decorre do princípio da eventualidade, que não

se confunde nem com a imutabilidade do pedido e tampouco com a estabilização

da demanda.36

não enriquece ou aumenta juridicamente a lide, ou segundo terminologia também difundida entre nós, o objeto litigioso” (Manual de Direto Processual Civil, vol. II, p. 311).

35 Nesse sentido, com amparo na opinião de José Rogério Cruz e Tucci, externada em aula proferida no curso de pós-graduação da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Guilherme Freire de Barros Teixeira observa que: “como o processo é essencialmente dinâmico, tendo em vista o seu desenvolvimento em fases sucessivas, parece incongruente utilizar a expressão estabilização do processo, pois, na realidade, o que se estabiliza são seus elementos objetivos e subjetivos, vedando-se a partir de determinado momento do iter procedimental, a alteração dos fatos e pedidos trazidos à apreciação judicial, bem como a modificação das partes” (O princípio da eventualidade no processo civil, p. 47, nota 41).

36 Anote-se que, para parte da doutrina, tanto a imutabilidade do libelo, quanto a proibição da alegação de novos argumentos de defesa após a contestação, decorreriam do princípio da eventualidade, que incidiria tanto sobre o réu, quanto sobre o autor. Defendendo com

26

Não se trata, como se procurará demonstrar, de mero

formalismo, mas de distinção que permite melhor compreender as diferenças de

tratamento dispensado ao fato superveniente, conforme se trate de alegação que

beneficie o autor, ou o réu.

Admitindo-se então que se trata de situações distintas, passa-

se à análise da estabilização da demanda, entendida como fenômeno decorrente

da imutabilidade da ação.

2.1.2 Fundamentos da estabilização de demanda

Como já antecipado, a estabilização da demanda afeta o

autor e decorre do princípio da imutabilidade da ação, do qual decorre a

inalterabilidade do libelo.

Adotando-se a teoria da tríplice identidade, segundo a qual a

ação é identificada pelo pedido, partes e causa de pedir, é certo que o princípio

da inalterabilidade do libelo pretende fazer com que, em determinado momento do

processo, esses elementos tornem-se imutáveis, evitando assim o risco de

ocorrerem modificações que importariam em ferimento à segurança jurídica. As

partes constituem o elemento subjetivo da demanda e o pedido e a causa de

pedir os elementos objetivos. Esse princípio vem a limitar que as partes, o pedido

e a causa de pedir sejam alterados (aditados ou modificados).

convicção esse entendimento, ver Guilherme Freire de Barros Teixeira, O princípio da eventualidade no processo civil.

.

27

A estabilização da demanda é uma decorrência também do

princípio do contraditório, uma vez que deve o demandado ter o conhecimento do

que está sendo processado e qual a prova a ser desenvolvida.37

Vicente Grecco Filho observa que o fundamento da

estabilização da demanda no processo civil é o interesse público da boa

administração da justiça, uma vez que esta deve responder de maneira certa e

definitiva à pretensão deduzida pelo autor.38

A solução adotada no âmbito do processo civil é diferente da

que se adota no processo penal, pois, neste, a legislação processual prevê a

adequação do pedido à verdade real (CPP, arts. 383 e 384). Como explica

Vicente Grecco Filho, a existência, no processo penal, de mecanismos de

adequação do objeto do processo ao fato justifica-se porque lá a atividade

jurisdicional se esgota sobre todo o fato da natureza e não somente sobre o que

constou do pedido inicial.39

37 Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no processo

civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 56.

38 “O fundamento da estabilização do processo quanto ao pedido, causa de pedir, partes e ao próprio juízo assim que completa a relação processual pela citação é o interesse público da boa administração da justiça, que deve responder de maneira certa e definida à provocação consistente no pedido do autor. Um sistema legislativo que permitisse livremente a alteração dos elementos da ação geraria instabilidade na prestação jurisdicional e, conseqüentemente, nas relações jurídicas em geral. O juiz decide sobre o que foi pedido, como foi pedido. Se o autor tiver outro pedido a fazer que o faça em processo distinto” (in Direito processual civil brasileiro, v. 2, p. 59).

39 Direito processual civil brasileiro, v. 2, p. 59.

28

2.2 Sistemas rígidos e flexíveis

Conforme observa Cândido Rangel Dinamarco, cada ordenamento

jurídico opta por rigor maior ou menor, na exigência da ordem em que os atos do

procedimento devem ser realizados.40

A maneira como determinado ordenamento trata da questão da

estabilização da demanda define se o procedimento adotado é rígido ou flexível.

Considera-se que um modelo processual é rígido quando há um

momento em que a demanda se estabiliza, ou seja, um momento a partir do qual

os temas objeto do processo, que deverão ser resolvidos na decisão, não mais

poderão ser alterados.

Por outro lado, um sistema será considerado flexível quando, ao

longo de todo o curso da demanda, as partes ficam livres para apresentar novas

alegações.

É possível concluir, ainda, que a teoria da individuação41 induz à

adoção de um sistema flexível, uma vez que os fatos constitutivos, na medida em

que não integram causa de pedir, a qualquer momento podem ser alterados.

Por outro lado, a teoria da substanciação42 pressupõe a adoção de

um procedimento rígido, pois não faria qualquer sentido exigir-se que o autor

40 Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 454. 41 A respeito da teoria da individuação, vide item 1.3.1 retro. 42 A respeito da teoria da substanciação, vide item 1.3.2 retro.

29

especificasse os fatos constitutivos do direito alegado, se, no curso da ação, eles

pudessem ser livremente alterados.43

Júnior Alexandre Moreira Pinto exalta as virtudes do modelo

processual flexível, ressaltando que ele privilegia a busca da verdade real como

fim do processo.44

Aduz-se que a possibilidade de as partes modificarem a demanda a

qualquer momento teria a desvantagem de trazer maior demora ao processo.

Todavia, Júnior Alexandre Moreira Pinto sustenta que se trata de uma meia

verdade, isto porque, se por um lado “é claro que um feito que possa ser mudado

durante o seu curso tende a consumir mais tempo”, por outro, “esta sentença

estaria solucionando situações que dependeriam de outro processo, que, em se

aceitando uma certa elasticidade, já teriam sido decididas no mesmo processo”.45

Segundo Dinamarco, o procedimento flexível caracteriza-se pela

possibilidade de retrocessos, pois “surgindo fato novo na causa e havendo

conveniência de esclarecê-los, novas audiências se fazem apesar de já

realizadas as que o sistema ordinariamente manda realizar. O juiz colhe

43 Nesse sentido, Júnior Alexandre Moreira Pinto ressalta que “a imposição de um critério de

preclusões constitui pressuposto da teoria da substanciação, exigindo a exposição de todos os fatos constitutivos, de forma simultânea, na petição inicial” (Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no processo civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 64).

44 Segundo o referido autor, “a partir do momento em que a solução da demanda não está adstrita aos limites impostos pela petição inicial e pela contestação, pode o juiz, quando da prolação da sentença, utilizar, como pacificação da situação litigiosa, fatos, argumentos e circunstâncias surgidos no decorrer da demanda. É óbvio que um processo que possa se utilizar de todas estas variantes corresponde muito mais ao interesse da justiça do que aquele que deve ‘fechar os olhos’ diante de fatos que poderiam contribuir para o deslinde do caso, mas que, pelo fato de terem sido introduzidos em momento inoportuno, a técnica não permite que sejam considerados” (Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no processo civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 79).

30

manifestações das partes quantas vezes for necessário, praticamente à

saciedade, sempre que sentir que elas ainda têm o que dizer em relação à

discussão da causa”.46

Dinamarco observa, ainda, que no procedimento flexível o juiz tem

grandes poderes de direção, maiores que os do juiz inserido no sistema de

procedimento rígido.47

É de se considerar, por outro lado, que o sistema rígido é mais

compatível com o princípio do contraditório. Com efeito, a regra da preclusão,

impedindo a alteração da demanda no curso do processo tem como elemento

norteador exatamente a efetivação do contraditório.48

Nesse sentido, Comoglio observa que o procedimento rígido tem a

virtude de evitar surpresas aos litigantes, na medida em que se garante que as

questões que serão decididas e que contribuirão para a formação do

convencimento do julgador já foram submetidas ao crivo das partes.49

O processo civil brasileiro adere tradicionalmente ao sistema de

procedimento rígido, caracterizado pela nítida distribuição dos atos processuais

em fases e pelo emprego acentuado do instituto da preclusão, destinado a

impedir retrocessos. Já na Europa, vemos exemplos expressivos de procedimento

flexível.

45 Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no processo

civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p.80

46 Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 454. 47 Ibid., mesma página. 48 Júnior Alexandre Moreira Pinto, Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in

Causa de pedir e pedido no processo civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p.82.

49 Diritto processuale civile tedesco, p. 9

31

2.3 A imutabilidade da ação e o fato superveniente

Os sistemas rígidos que adotam a teoria da substanciação,

enfrentam o problema que consiste em lidar com a ocorrência de fatos

supervenientes.

Como foi visto, a teoria da substanciação pressupõe a necessidade

de especificar-se, já na petição inicial, os fatos constitutivos da relação jurídica

posta em juízo. Tais fatos integram a causa de pedir e tornam-se imutáveis após

a estabilização da demanda.

Como a causa de pedir identifica a ação, a alegação de fatos novos

implica em mudança da ação, o que é vedado nos sistemas processuais rígidos.

Todavia, após o momento fixado para a estabilização da demanda

podem ocorrer fatos que, embora não tenham sido deduzidos pelo autor no

momento apropriado, interfiram diretamente na relação jurídica posta em juízo, o

que recomenda sejam considerados na definição do resultado da demanda.

Pode acontecer também de tais fatos, embora tenham ocorrido

anteriormente, tornarem-se conhecidos somente após a estabilização da

demanda.

A esse respeito, como bem observa Ricardo de Barros Leonel,

“embora o enquadramento esquemático e linear do desenvolvimento da demanda

em juízo pareça simples, a realidade das coisas, a complexidade das situações

32

da vida deduzidas em juízo, e a dinâmica processual da atuação das partes, não

se mostram sempre tão claras” 50

Diante de tal problema, surge a necessidade de identificar critérios

que permitam disciplinar a assimilação dos fatos ocorridos posteriormente, ou de

que se tenha tomado ciência somente após a estabilização da demanda, de modo

que não seja desconsiderado o princípio da imutabilidade da ação, mas que por

outro lado, também não se transforme o processo num exercício totalmente

abstrato e afastado da realidade fática, da qual emerge a lide e sobre a qual deve

atuar, concretamente, a jurisdição. Este é o principal escopo do presente trabalho.

50 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 95

33

3. CAUSA DE PEDIR – EVOLUÇÃO HISTÓRICA

3.1 Direito romano – 3.2 Direito romano visigótico – 3.3 Idade média e direito comum – 3.4 Difusão do pensamento jurídico romano-canônico nos Estados Monárquicos da Península Ibérica – Espanha e Portugal.

3.1 Direito romano

José Rogério Cruz e Tucci adverte para o sério risco de

transplantar-se precipitadamente para o direito atual a concepção romana de

causa petendi, uma vez que os romanos não conheciam a distinção entre o direito

substancial e a actio, distinção essa detectada somente pela dogmática

moderna.51

Costuma-se dividir o processo civil romano em três grandes

períodos: o da legis actiones, o per formulas e o da extraordinária cognitio.

No período da legis actiones,52 que vai desde os tempos da

fundação de Roma até o final da República, a ordem jurídica romana consistia em

um sistema de ações. Todavia, como explica Pugliesi, a actio, naquela época,

51 A causa petendi no processo civil, p. 17. 52 José Rogério Cruz e Tucci observa que a denominação advém do fato de que ações nesse

período eram organizadas pela lei ou conformavam-se às palavras da lei (Lições de história e do processo civil romano, p. 197 ss).

34

indicava a titularidade do direito subjetivo material.53 Sobre a origem da actio

romana, Garrone observa que o instituto surgiu em substituição à autotutela,

mantendo a natureza de reação privada, só que representada segundo um rígido

modelo legal, perante o magistrado.54 Redenti salienta que “o agere,

originariamente, correspondia ao uso da própria força para recuperar ou para

obter alguma coisa de outrem. Quando o processo surge como exigência de

ordem e paz social, o agere passa a constituir um retorsão justificada (...) Nas leis

que se seguiram a tal momento, vinham definidas as causae que possibilitavam a

alguém o agere contra outros”.55 Portanto, no âmbito do processo romano arcaico,

causa seria o fundamento que legitimava o agere da parte ou, em outras palavras,

seria a “justificação da ação”.56

As legis actionis eram taxativamente especificadas na lei e tinham

caráter muito rígidos; uma simples variação literal levava à rejeição da demanda.

O processo era extremamente formal e devia obedecer a ritual solene e

predeterminado. Havia, ainda, a combinação do elemento laico (jus) com o

elemento religioso (fas).57

O período formular foi introduzido pela Lex Aebutia (149-126 a.C.) e

estendeu-se até a época de Diocleciano (294-d.C.), instituindo um processo

menos formalista e solene que o das ações da lei. Como é sabido, nessa nova

ordem jurídica o pretor passa a desempenhar papel bastante relevante e o iudex

(magistrado) passou a gozar de liberdade mais ampla. Enquanto o processo

judicial anterior era eminentemente oral, no período formular passa a ser

53 Actio e diritto subjetivo, p. 346. 54 Contributo allá teórica della domanda giudiziale, p. 16. 55 Breve storia semântica di causa in giudizio p. 5. 56 Cf. Anna Maria Giomaro, La tipicitá delle legis actiones e la nonimato causae, p .51.

35

predominantemente escrito. A fórmula consistia no documento redigido pelo

magistrado, com o auxílio das partes, no qual se fixava o objeto da demanda que

seria julgado pelo iudex popular. Segundo Gaio, a fórmula possuía quatro partes

principais, a saber: intentio, demonstratio, adiudicatio e condemnatio. Nesse

ponto, interessa-nos identificar que, na primeira parte, ou seja, na intentio,

enunciava-se a relação jurídica substancial deduzida em juízo, ou seja, o fato em

que o autor fundava sua demanda, o que significa, em outras palavras, a causa

petendi. No período formular surge também a preocupação em obstar a

propositura de nova ação, discutindo-se a mesma relação de direito material que

já havia sido trazida a juízo. Isso levou a jurisprudência clássica a buscar critérios

para estabelecer se havia ou não a repetição da mesma demanda (eadem res).

Como bem observa José Rogério Cruz e Tucci, nesse período, o autor poderia

limitar a ocorrência da preclusão decorrente da sentença, especificando na

fórmula, de modo preciso, a causa petendi, o que lhe possibilitava agir

posteriormente com base em causa de pedir diversa.58

O terceiro período, da extraordinária cognitio, inicia-se com o

advento do principado e estende-se até os últimos dias do Império Romano do

Ocidente.59 Nessa fase, o processo tornou-se totalmente público, desaparecendo

o procedimento bipartido típico dos períodos anteriores, de modo que, a partir

daquele momento, o procedimento desenvolve-se diante de uma única autoridade

57 José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo. Lições de história do processo civil

romano, p. 53-54. 58 A causa petendi no processo civil, p. 42. 59 José Rogério Cruz e Tucci observa que não houve uma ruptura abrupta com a sistemática

anterior, sendo provável que a cognitio extraordinária tenha surgido nas províncias imperiais, nas quais os delegados do príncipe passaram a julgar em nome do imperador, e não mais do cidadão romano, de modo que o processo formular e a cognitio extraordinária foram aplicados simultaneamente durante certo período. A expressão “extraordinária”, por seu turno, decorreria do fato de que a cognição era feita fora do sistema da ordo iudiciorum privatorum, daí ser extra ordniem (Jurisdição e Poder, p. 29-30).

36

estatal. No novo processo que se desenhava, a citação continuava sendo ato

privativo do réu, mas deixou de ser oral e passou a ser realizada por meio da

entrega de um documento ao réu que deveria conter o objeto do litígio (litis

denuntiatio). José Rogério Cruz e Tucci salienta que, nesse momento, ganhou

relevância o assim chamado princípio dispositivo, uma vez que os limites

objetivos da demanda deveriam ser estabelecidos exclusivamente pelo autor na

petição inicial.60 Nesse contexto, a causa petendi deveria estar contida na litis

denuntiatio, deduzida quoad factum (com base nos fatos). Anote-se que, segundo

a constituição dos imperadores Severo e Antônio, de 202, podia o autor, desde

que autorizado pelo juiz, modificar os termos da ação: “A demanda aforada

constitui apenas a demonstração futura do litígio. Por tal razão, com a permissão

do juiz, é possível ao autor emendá-la ou modificá-la”.

Como decorrência da hierarquização da estrutura judicial, os

recursos passaram a ser admitidos. Com isso, as decisões do magistrado inferior

podiam ser revistas por um magistrado superior, perante o qual havia renovação

da lide, possibilitando-se às partes a alegação de novos fatos, novas provas e

novas questões, constituindo, assim, na verdade, um novo juízo análogo ao

anterior.61

No período justinianeu, o demandante, desde que comprovasse o

erro cometido, poderia modificar a causa petendi. Com efeito, assim dispunham

as Institutas de Justiniano, em 4.6.35: “Quem pede uma coisa por outra, está

60 A causa petendi no processo civil, p. 44. 61 Giovanni Pugliese, Instituzioni di diritto romano, p. 204.

37

assentado não corra o menor risco; mas no mesmo processo, conhecida a

verdade, lhe permitimos corrigir o seu erro”.62

3.2 Direito romano visigótico

É de salientar-se a carência de fontes autorizadas acerca do período

marcado pela confluência entre o direito romano e o direito dos povos bárbaros,

com relação ao objeto do presente estudo. Assim, a brevíssima referência que

aqui se faz tem o escopo de tão-somente manter a continuidade da linha temporal

abrangida nesta pesquisa histórica.

As invasões nórdicas no Ocidente europeu trouxeram consigo os

ordenamentos jurídicos dos povos bárbaros. Embora tais ordenamentos tenham-

se mantido por um longo tempo, houve gradual assimilação das normas do direito

romano, que continuaram a reger os negócios e os litígios entre as populações

dominadas, sobretudo porque se tratava de um sistema muito mais aperfeiçoado

que o dos invasores bárbaros.

José Rogério Cruz e Tucci observa que a Lex Romana

Visigothorum, também conhecida como Breviário de Alarico, promulgada em 506

d.C. por Alarico II, rei dos visigodos, contém a determinação de que os juízes

conhecessem bem a causa (“iudex causam congnoscar”) antes de proferir a

decisão. O mesmo autor aponta referências à causa, também no Líber Judiciorum

62 A causa petendi no processo civil, p. 46.

38

de 654 e na lei antiqua, para concluir que os visigodos compreendiam

perfeitamente o significado processual de causa.63

No curso do século VI, a Itália foi ocupada pelos Longobardos, que

também acabariam, ao longo do tempo, assimilando preceitos do direito romano.

José Rogério Cruz e Tucci aponta, no assim chamado Edictum Longobardorum

(643 a.C.) regra segundo a qual as normas contidas em nova legislação não

seriam aplicáveis às causas já terminadas, devendo no entanto serem

observadas naquelas já ajuizadas e em curso.64

3.3 Idade Média e o direito comum

Durante a alta Idade Média, as fontes justinianéias e,

particularmente, o Corpus Júris Civile eram conhecidos e estudados. Os religiosos

contribuíram para preservar muitos princípios do direito romano, por intermédio do

conhecimento obtido dos manuscritos conservados nas bibliotecas dos mosteiros

e abadias, o que é visível na estrutura e na elaboração conceitual dos dogmas do

ordenamento jurídico da igreja.

Todavia, o estudo científico das fontes jurídicas romanas teve início

somente no século XI, na Universidade de Bolonha.65 Diferente dos clérigos da

alta Idade Média, os estudiosos bolonheses não se limitavam a conhecer o

63 A causa petendi no processo civil, p. 49. 64 Ibid, p. 48. 65 José Rogério Cruz e Tucci, Jurisdição e poder, p. 108.

39

significado dos textos, mas passaram a elaborar conceitos e regras novas, a partir

do cotejo destes com a problemática que aflorava da experiência cotidiana.66

Assim, ao longo da Idade Média, duas culturas jurídicas seguiram

caminhos diferentes. Enquanto o ius canonicum voltava-se para o estudo dos

textos romanos, buscando uma elaboração formal em torno de uma tradição já

sedimentada, o ius civile era marcado pela atividade dos legistas laicos, que

empreendiam a exegese do Corpus Júris Civile em forma de glosa, orientados

para a busca de soluções para os conflitos de interesses que emergiam da vida

em sociedade.

Com relação ao tema do presente estudo, observa-se que, no

âmbito do ius canonicum, a palavra causa era utilizada para designar o problema

decorrente do conflito de jurisdições ou da divergência entre os sistemas de

normas temporais e canônicas.67

Já nos estudos dos glosadores era evidente a importância atribuída

à causa petendi, na medida em que se discutia a necessidade de intitular a

demanda (nomem actionis exprimere) ou se bastava revelar a causa (exprimere

causam). Conforme aponta José Rogério Cruz e Tucci, a maioria dos glosadores

entendia que o nomem actionis não era essencial e que, para a petição ser

considerada válida, era suficiente in libello exprime causam.68

Contudo, foi no processo canônico que os clérigos insurgiram-se

contra a exigência do nomem iuris da ação, apontando a irrelevância deste e

defendendo que o juiz deveria valorar o fato deduzido e não a denominação

66 Pugliesi, Giudicato civile, p. 762. 67 A causa petendi no processo civil, p. 53.

40

atribuída à demanda, que poderia ser modificada no curso do processo, se

necessário.

Os intérpretes da Idade Média ocuparam-se também em distinguir

entre a fundamentação nas ações pessoais e reais. Eugenio Garrone observa que

o princípio segundo o qual spoliatus ante omnia restituendus (= o espoliado tinha

direito contra todos à restituição do bem) levou todo o movimento histórico

processual a afirmar que, nas ações reais, era dispensável a causa petendi, mas

critica essa concepção, afirmando que tal como aquele que deseja obter a tutela

de um direito pessoal, o que reivindica a coisa deve indicar o título que

fundamenta o seu direito de propriedade, ponderando entretanto que, nesse caso,

a causa petendi é o dominium puro e simples.69

Os glosadores e comentadores foram também gradualmente

estabelecendo parâmetros para a mutatio libellis, consagrando o princípio da

estabilização da demanda após a transmissão da petição ao réu e sobretudo após

sua resposta. Assim, se o autor tivesse pedido menos do que lhe era devido,

somente mediante um novo libellus é que poderia pleitear o restante.70 A vedação

à mutatio libellis não tratava da modificação somente da causa de pedir, mas da

pretensão em obter coisa diversa daquela que constituía o objeto da demanda, o

que, aliás, era considerado comportamento malicioso do autor.71 Por outro lado, à

semelhança do que ocorre até os dias de hoje, admitia-se a mudança do libelo

antes da citação do réu, ou após, se o réu concordasse com a mutatio libelli.

68 A causa petendi no processo civil, p. 54. 69 Contributo allá teórica della domanda giudiziale, p. 85-6. 70 Op.cit.,, p. 60. 71 Durante, Speculum iudiciale, p. 59.

41

Chiovenda ressalta que, dentre as contribuições mais importantes

do processo comum germânico, destacam-se os princípios da preclusão e da

eventualidade. 72

3.4 Difusão do pensamento jurídico romano-canônico nos Estados

monárquicos da Península Ibérica – Espanha e Portugal

Os estudos desenvolvidos na Universidade de Bolonha exerceram

grande influência sobre a maioria dos países da Europa Ocidental, o que inclui a

Península Ibérica.

José Rogério Cruz e Tucci observa que a difusão do direito romano-

canônico na Península Ibérica pode ser explicada pelas características desse

sistema jurídico, na medida em que os seus princípios e fundamentos contribuíam

para alargar o poder dos monarcas, o que atendia aos interesses hegemônicos do

reino de Castela.73

Contribuiu para a aludida expansão do conhecimento sobre os

textos justinianeus e eclesiásticos em solo hispânico a fundação da Universidade

de Salamanca em 1220.74 Os trabalhos elaborados nesse centro de ciência

jurídica foram o veículo de introdução do ius commune na vizinha nação

portuguesa.

72 Romanesimo e germanesimo nel processo civile. Saggi di diritto processuale civile, v. 1, p. 222. 73 Jurisdição e poder, p. 140. 74 Ibid, p. 63.

42

Em Portugal, no ano de 1290, foi criada a Universidade de Lisboa,

cujos estudos foram aos poucos abandonando as compilações castelhanas para

debruçarem-se diretamente sobre os textos do Corpus Iuris Civilis, da glosa de

Acúrsio, dos Comentários de Bartolo, do Decreto e das Decretais, tornando-se

preponderante a influência dos juristas bolonheses.75

No que diz respeito ao tratamento dado à causa petendi, é

particularmente interessante observar o trabalho dos juristas castelhanos,

consubstanciado nas regras contidas na legislação conhecida como Especulo,

promulgada em 1260, do qual se extrai que: a) os espanhóis distinguiam as ações

pessoais e reais mobiliárias das ações reais imobiliárias; b) qualquer que fosse a

ação, era imprescindível indicar a quantia exigida ou o bem pretendido; c)

tratando-se de reivindicação de imóvel, era facultado ao demandante especificar a

causa de aquisição (causa de pedir remota); d) caso não especificasse a causa

de aquisição e a ação fosse improcedente, não poderia mais reivindicar o mesmo

imóvel; e) mas se fosse especificada a causa na primeira demanda, podia ajuizar

uma segunda, com base em causa diversa.

No direito lusitano é digno de nota o tratamento dado, pelas

Ordenações Afonsinas de 1446, ao tema da causa de pedir.

Com efeito, quanto aos limites objetivos da demanda e ao

conhecimento da causa de pedir como parâmetro para a atuação dos sujeitos do

processo, esse importante diploma legal decretava que: “primeiramente os

Direitos Civis e Canônicos e os Doutores que tratam da ordem do juízo dizem que

no dito juízo são necessárias três pessoas, Juiz, Autor e Réu: o Autor para

75 A causa petendi no processo civil, p. 64.

43

demandar, o Réu para se defender e o Juiz para julgar. E convém

necessariamente a esse Juiz saber a causa ou a quantidade sobre que é movida

a demanda, e, bem assim, a razão porque se move; sendo tais coisas declaradas

na petição do Autor, ligeiramente poderá o Réu ser informado em que maneira

haverá de responder e outrossim o demandador saberá certamente o que há de

provar.” 76

Já no que diz respeito à mutatio libelli, é interessante observar que

as Ordenações Afonsinas previam um procedimento flexível que admitia

sucessivas alterações quanto aos elementos objetivos da demanda. Nesse

sentido, daquele diploma consta que se “alguém for citado, como deve, por

alguma coisa, e depois que a demanda é começada, o libelo dado e posto prazo

ao Réu para vir responder, se lhe depois é feita alguma adição na demanda, ou

libelo, mais do que primeiramente foi posto na citação, ou no libelo, haverá o Réu

outro prazo para responder...; e quantas vezes assim o Autor emendar a

demanda, tantas vezes haverá o Réu prazo para se aconselhar a responder o que

mais foi emendado”.77 Tal critério foi mantido nas Ordenações Manoelinas, de

1524, e, conforme esse diploma, o prazo a ser deferido ao réu ficava a critério do

Juiz.78 As Ordenações Filipinas de 1603 em nada alteraram o mencionado

preceito,79 salvo quanto à previsão expressa de que eventuais despesas

decorrentes seriam impostas ao demandante.80

76 Ordenações Afonsinas 3.20.1 e 2. 77 Ordenações Afonsinas 3.20.12. 78 Ordenações Manoelinas, 3.15.6 e 7. 79 Ordenações Filipinas, 3.20.7 e 8.. 80 Ordenações Filipinas, 3.1.7.

44

4. A ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA DA PERSPECTIVA DO

DIREITO COMPARADO

4.1 Nos países socialistas – 4.2 Direito inglês – 4.3 Direito alemão – 4.4 Direito italiano – 4.5 Direito espanhol – 4.6 Direito português

4.1 Nos países socialistas

Conforme observa Júnior Alexandre Moreira Pinto, nos países que

adotaram durante longo período o regime socialista, não há, em geral, rigidez no

procedimento, o que se expressa por meio do enorme poder do juiz de cambiar a

demanda.81

Nos sistemas socialistas, entende-se que quando uma relação é

deduzida em juízo, em qualquer hipótese, está em jogo não o interesse privado,

mas sim o interesse da coletividade. Assim, pode o juiz decidir ultra ou extra

petita.

Nesse sentido, verifica-se que o sistema processual civil russo

representa o máximo grau em flexibilidade de procedimento. Nele se privilegia

quase que ilimitadamente a descoberta da verdade real. Segundo Ferri, nesse

81 Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no processo

civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 65.

45

sistema o juiz pode modificar ou introduzir, a qualquer tempo, circunstâncias não

alegadas pelas partes e relevantes à decisão de mérito.82

Também na Alemanha Oriental o procedimento é flexível, muito

embora, ao contrário do modelo russo, seja vedada a alteração do objeto do

processo, ou seja, o pedido do autor. A causa petendi, por sua vez, poderia ser

integralmente modificada.83

No processo civil polonês, também se adota a flexibilização do

procedimento, com a peculiaridade de que há limitação expressa no tocante à

competência. Segundo o Código de Processo Civil polonês, art. 193, § 1º, a

modificação da demanda é possível, desde que essa segunda demanda tenha a

mesma competência da primeira. Segundo Júnior Alexandre Moreira Pinto,

aspecto interessante do processo polonês é o fato de a competência sobrepor-se

aos princípios da economia processual e do contraditório.84

4.2 Direito inglês

O Direito inglês, muito embora concebido em um contexto

diametralmente oposto ao dos países socialistas, também adotou um sistema no

qual predomina a flexibilidade.

82 Struttura del proceso e modificazione della domanda, Padova: Cedam, 1975, p. 38. 83 Corrado Ferri, Struttura del proceso e modificazione della domanda, Padova: Cedam, 1975, p.

33. 84 Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no

processo civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 66.

46

Conforme observa Júnior Alexandre Moreira Pinto, o ordenamento

inglês costuma permitir maior debate entre as partes no curso do processo,

ressaltando, contudo, que, ao contrário dos sistemas de origem socialista, a

introdução de novos temas será sempre efetivada pelas partes e não pelo juiz.85

Entende-se que, além de evitar o julgamento precoce do processo, o

sistema flexível inglês aumenta as possibilidades de conciliação entre as partes.

Segundo Michele Tarufo, na experiência inglesa, mais de noventa por cento das

causas civis se resolvem na fase do pré-trial, sendo reduzidos os processos que

são realmente finalizados com uma sentença.86

4.3 Direito alemão

Como já foi mencionado anteriormente, a Alemanha é o berço da

discussão quanto a rigidez ou flexibilidade do sistema processual e os limites da

modificação da demanda.87

O processo civil germânico, em sua origem, foi marcado pela

aplicação rígida do princípio da Eventualmaxime, o que desde logo expôs o

inconveniente de estimular as partes a abarrotar o processo de alegações em

85 Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no

processo civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 66.

86 Le preclusion nella riforma Del processo civile, p. 297. 87 Vide item 1.3 retro.

47

princípio irrelevantes, com o receio de não mais poderem formulá-las, acaso

viessem a tornar-se pertinentes no curso dos debates. 88

No momento seguinte, o processo alemão passou a caracterizar-se,

no que interessa ao presente estudo, pela possibilidade de apresentação de fatos

novos durante o iter procedimental.89 O ZPO não adota o princípio da

eventualidade, de modo que até o término da última audiência oral é possível

apresentar novas alegações, tanto de ataque quanto de defesa.

Tal sistema, se por um lado favorecia a busca da verdade real, por

outro dava ensejo a considerável alongamento do processo. Como adverte

Grunsky, “a parte que tenha interesse em ganhar tempo encontra a possibilidade

de prolongar o processo enunciando fatos segundo a técnica do estilicídio”.90

Por isso mesmo, em época mais recente, o legislador alemão,

inspirado na denominada regra da aceleração (Beschleunigungsprinzip), buscou

88 Guilherme Freire de Barros Teixeira ressalta que, “embora o princípio da eventualidade seja

originário do processo comum germânico, foram os próprios alemães que questionaram as supostas vantagens dele decorrentes. Posto à prova, seus resultados não foram considerados satisfatórios. A fim de possibilitar a celeridade, era sacrificado o resultado do processo e o procedimento tornou-se artificial, dando uma falsa representação da realidade jurídica extraprocessual. O processo ficava abarrotado por uma infinidade de provas e questões que as partes aduziam contemporaneamente, sob o risco da preclusão de suas proposições. Além disso, na sentença, o juiz devia analisar muitas provas que não eram pertinentes, mas que não podiam ser rechaçadas de plano, já que a obrigatoriedade da proposição contemporânea não permitia distinguir as provas úteis e pertinentes das não relevantes para a solução do caso concreto. (...) Assim, com a entrada em vigor da ZPO (Zivilprozessordung) alemã, em 01.10.1879 a Eventualmaxime foi questionada, especialmente pelos autores alemães e italianos, instaurando-se a acentuada polêmica sobre o conteúdo mínimo da causa de pedir, originando as teorias da substanciação (Substantiierungs theorie) e individualização ou individuação (Individualisierung theorie)” (O princípio da eventualidade no processo civil, p. 83-84.).

89 Diz o § 132 do ZPO: “Os escritos preparatórios que contenham fatos ou quaisquer novas alegações deverão ser transmitidos à outra parte pelo menos com uma semana de antecedência do debate ou com três dias quando se referirem a uma questão incidental”.

90 Wolfgang Grunsky, Il cosiddeto “Modelo di Stoccarda” el’accelerazione Del processo ciivle tedesco, Rivista di diritto processuale, 1971 (3):366.

48

introduzir mecanismos voltados a abreviar o processo, com o objetivo de conferir-

lhe, assim, maior efetividade.91

Conforme aponta José Rogério Cruz e Tucci, a partir da década de

sessenta e impulsionado pelas idéias do Professor Fritz Baur, reunidas em um

ensaio de 1966, intitulado “Caminhos para a concentração da oralidade no

processo civil”, instituiu-se informalmente um procedimento mais concentrado e

célere, que ficou conhecido como “modelo de Stuttgart” (Stuttgarter Modell), por

ter sido utilizado inicialmente pela 20ª Seção do Tribunal de Stuttgart.92

O modelo de Stuttgart pretende constituir-se como um “processo

modelo”, ou seja, um processo rápido, eficiente e justo.93 No que diz respeito ao

tema do presente estudo, observa-se que essa nova mentalidade, baseada nos

postulados da oralidade, concentração e eventualidade, apresenta-se como arma

eficaz contra a dedução tardia dos fatos. Basta, para tanto, advertir o demandante

e o demandado de que não haverá uma segunda audiência, para indicar que a

omissão acerca de algum fato pode ser decisiva, uma vez que não terão nova

oportunidade de alegá-lo.94

Tão positivos foram os resultados desse procedimento que a

Reforma do ZPO de 1976/77 acabou por incorporá-lo, em especial, por intermédio

dos parágrafos 271 e seguintes. Destaca-se, nesse sentido, a nova redação do

parágrafo 282 do ZPO, ao prescrever que cada litigante deve apresentar todas

91 A causa petendi no processo civil, p. 106. 92 Ibid, p. 107. 93 Nicoló Trocker, Processo civile e constituzione - problemi di diritto tedesco e italiano, Milano,

Giuffrè, 1974, p. 88. 94 José Rogério Cruz e Tucci, op.cit, p. 106.

49

suas alegações fáticas e jurídicas, de ataque e de defesa, em uma única

oportunidade.

Como conclui José Rogério Cruz e Tucci, no processo alemão

contemporâneo a causa petendi, na prática, deve ser tida como elemento

individuador da demanda e, em decorrência da maior rigidez do sistema, a

denominada teoria da substanciação encontra-se mais próxima e harmônica com

o direito positivo alemão.95

4.4 Direito italiano

O Códice di Procedura Civile de 1865 não acolhia o procedimento

rígido, permitindo às partes ampla liberdade de ação.

Posteriormente, o Códice di Procedura Civile de 1940, que entrou

em vigor em 1942, inspirado na teoria da substanciação, previa um sistema de

preclusões elásticas, no qual havia não apenas um termo preclusivo, mas vários

termos sucessivos ao longo do iter procedimental, nos quais as partes podiam

integrar novas deduções, desde que houvesse o consentimento do magistrado.96

Todavia, já em 1950, com o advento da reforma promovida pela Lei

n.º 581, amenizou-se profundamente aquele sistema, facultando-se ao litigante,

por ocasião da primeira audiência, modificar os limites objetivos da demanda e

das exceções deduzidas, tanto na petição inicial como na contestação. Tais

95 A causa petendi no processo civil, p. 108.

50

mudanças, se por um lado privilegiaram a busca da verdade real com o

predomínio da liberdade das partes de formular novas alegações,97 por outro

acarretaram extrema demora na prolação da sentença e na solução do litígio.

A Lei n.º 353, de 26/11/1990, que entrou em vigor na Itália em 1994,

introduziu profundas modificações no processo civil italiano e, em especial no

processo de conhecimento. Redigida com base na tendência contemporânea no

sentido de buscar maior celeridade procedimental, com vistas a diminuir a

duração do processo, a aludida reforma visava, de um lado, a assegurar a

efetividade da tutela jurisdicional e, de outro, a contornar algumas dificuldades

técnicas antigas no sistema processual civil italiano.98

As inovações trazidas pela reforma de 1994 tiveram o escopo de

racionalizar a fase postulatória, incentivando os demandantes a deduzir todos os

fatos e os pedidos que porventura tiverem conhecimento para alegar.

A reforma de 1994 foi inspirada nas regras da oralidade e

eventualidade. Procurou valorizar o procedimento de primeiro grau de jurisdição,

por intermédio da introdução de fases preclusivas bem nítidas, da proibição de

deduzir novos pedidos ou causas de pedir em graus de apelação, e a execução

provisória da sentença definitiva.99 Particularmente, as duas primeiras disposições

estão voltadas especificamente para a estabilização do objeto litigioso.

96 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 107. 97 Cabe observar que, segundo Corrado Ferri, embora fosse permitida a emendatio libelli,

permanecia vedada a mutatio libelli (Strutura del processo, p. 86). 98 Ver Giuseppe Tarzia, O novo processo civil de cognição na Itália, Revista de Processo 79/ 52-

53. 99 José Rogério Cruz e Tucci, Diretrizes do novo processo civil italiano, in Devido processo legal e

tutela jurisdicional, São Paulo: RT, 1993. p. 217.

51

Tarzia explica que as eventuais exceções à regra da imutabilidade

da demanda a partir da audiência (parágrafos 4º e 5º do novo artigo 183)

justificam-se pela necessidade de respeito ao contraditório, pela exigência de

garantia da utilidade do assim chamado interrogatório livre e, enfim, da discussão

preliminar do assunto para uma precisa identificação do objeto litigioso.100

Fazzalari lembra, ainda, que não são atingidos, pela preclusão

ditada pela nova redação do artigo 183 do Código italiano, os assim chamados

fatos supervenientes, que tenham relevância para o deslinde da ação.101

Guilherme Freire de Barros Teixeira observa que “o art. 183, 4º

comma, do CPC, prevê a possibilidade da emendatio libelli, isto é, a modificação

dos pedidos e exceções já propostos, inclusive com a alegação de fatos novos.

Há uma alteração da demanda originária, incidindo sobre o pedido (no sentido de

uma extensão do pedido formal) ou sobre a causa de pedir (como uma diversa

qualificação jurídica do fato constitutivo do direito alegado). Contudo, a alteração

não implica uma substituição do pedido ou da causa petendi, mas apenas uma

variação que deixa substancialmente inalterados os elementos objetivos da

demanda. Em outras palavras, permanece vedada a mutatio libelli, que acarreta a

troca ou mudança do pedido ou da causa de pedir. Na prática, porém, nem

sempre é fácil distinguir os casos de emendatio e de mutatio libelli, até porque a

tendência jurisprudencial é no sentido de alargar o âmbito das variações

admitidas. Incumbe ao juiz estabelecer, em cada caso, se as modificações

100 Lineamenti del nuovo processo di cognizione, p. 66/68. 101 Il processo ordinário de cognizione e la Novella Del 1990, 20.

52

pretendidas pelo autor causam alteração do núcleo da causa petendi ou do

pedido”.102

Como já tivemos oportunidade de verificar, é bastante intenso, na

doutrina italiana, o debate entre os seguidores da teoria da individualização e os

adeptos da teoria da substanciação.103 Segundo José Rogério Cruz e Tucci, a

doutrina italiana moderna tende a superar o cerne da discussão, para adotar uma

via intermediária, reconhecendo que ambas as teorias não representariam mais

do que faces da mesma moeda, porquanto terminam, de uma forma ou de outra,

aludindo ao direito substancial.104

Nesse sentido, Gian Franco Ricci observa que, na Itália, ambas as

teorias perderam muito do prestígio original, quando submetidas à prática das

situações concretas. A teoria da substanciação logrou evidenciar certa

nebulosidade intrínseca, na medida em que o único aspecto claro que dela

decorre diz respeito aos efeitos da coisa julgada nos direitos reais. Já a teoria da

individuação, por seu turno, caracterizou-se por uma excessiva abstração, ao

reputar suficiente apenas a indicação do pedido sem qualquer alusão à causa

petendi, o que produz considerável incerteza quanto à razão deduzida em juízo,

com possíveis reflexos sobre a própria validade da relação jurídica processual.105

Conforme observa Guilherme Freire de Barros Teixeira, “o direito

italiano experimentou várias mudanças ao longo dos anos, às vezes com a

inclusão de regras preclusivas, outras com a repulsa a um sistema rígido,

102 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 119. 103 Vide itens 1.3.1 e 1.3.2 retro. 104 A causa petendi no processo civil, p. 122. 105 Individuazione o sotanziazione nella riforma del processo civile, Rivista trimestrale di diritto e

procedura civil, 1995 (4): 1234, nt. 12.

53

variando no tempo a adoção ou não da Eventualmaxime. As regras do atual CPC,

decorrentes da Lei 531/1995 constituem um sistema misto, no qual as barreiras

preclusivas não são tão rígidas, permitindo-se certa liberdade às partes, mas

dentro de limites previamente estabelecidos, o que demonstra que, no estágio

atual, a Itália conseguiu imprimir uma feição bastante particularizada ao princípio

da eventualidade, com oportunas atenuações, que contribuem para reduzir os

inconvenientes da aplicação rigorosa desse princípio”.106

4.5 Direito espanhol

Na Espanha, o processo civil é regulado pela Ley de Enjuiciamento

Civil (LEC), cuja última versão foi introduzida recentemente pela Lei n.º 1/2000, de

7 de janeiro de 2000, que entrou em vigor em 8 de janeiro de 2001.

Como vimos, o texto anterior, de 1881, mesmo após as

modificações introduzidas com a Lei n.º 34 de 6/8/1984, continuava notadamente

influenciado pelo processo comum medieval, adotando assim um procedimento

bastante rígido, por intermédio da instituição de fases preclusivas bem marcadas,

exigindo a apresentação de todos os meios de ataque e defesa na fase

postulatória.

A literatura processual espanhola também procura superar as

disputas doutrinárias entre os adeptos da teoria da substanciação e da

106 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 123.

54

individualização, buscando uma tese “sincrética”, segundo a qual a causa de pedir

deve ser “faticamente substanciada e juridicamente individualizada”.107

José Lois Esteves relega a segundo plano as divergências entre as

duas correntes mencionadas, para propor que a pretensão seja entendida como

integrada por um objeto e por uma causa.

Para a doutrina espanhola, a causa de pedir, no caso, identifica-se

com a interferência potencial que induz as partes ao processo. Assim, quando se

descrevem as duas condutas humanas em interferência recíproca e coloca-se o

equivalente jurídico que se ameaça desvirtuar, a pretensão restará univocamente

identificada.108

A nova LEC trouxe importantes modificações no processo civil

espanhol, visando a torná-lo mais ágil, simples e eficaz.109 Especificamente no

que diz respeito à regra da eventualidade, promoveu seu abrandamento,

possibilitando, na audiência prévia, a delimitação dos termos da controvérsia, por

intermédio do esclarecimento e da complementação das alegações das partes.

É na delimitação dos termos do debate que reside significativa

inovação no processo civil espanhol, o que possibilita uma mitigação do princípio

107 Fairen Guillém, La transformación de la demanda em el proceso civil, p. 73; também Eduardo

Gutierrez de Cabiedes, La litis-pendencia, Estúdios de derecho procesal, Pamplona, Universidad de Navarra, 1974, p. 335.

108 Problemas del objeto Del proceso em nuestro sistema legal, Anuário de derecho civil, 8-1 (1955):83.

109 Rafael Hinojosa Segovia observa que: “Il nuovo Codice di procedura civile, cosciente delle principali mancanze della giustizia civile (la lentezza, la complessità e l’inefficia), há stabilito delle misure il cui scopo è quel di agilizzare, semplificare e rendere efficace il processo civile” (Il nuovo Códice di Procedura Civile spagnolo (Legge 1/2000, Del 7 gennaio). Rivista di Diritto Processuale (2) / 375).

55

da eventualidade, com resultados positivos, evitando processos inúteis e atos

desnecessários.110

Ainda com relação à mitigação à rigidez procedimental, o processo

civil espanhol admite a alegação de fatos novos que tenham relevância para a

decisão do processo, por meio de petição denominada “ampliación de hechos”

(art.286, 2), assegurando-se o direito à produção de provas em relação a tais

fatos (art. 286, 3).111

Guilherme Freire de Barros Teixeira exalta as virtudes da nova LEC,

concluindo que esta deve servir de parâmetro para as reformas que estão sendo

implementadas no direito brasileiro, pois, embora não tenha rompido com o

princípio da eventualidade, atenuou significativamente a rigidez da regra da

inalterabilidade dos elementos objetivos da demanda.112

4.6 Direito português

Segundo José Rogério Cruz e Tucci, a revisão do Código

português encontra inspiração na doutrina contemporânea que preconiza a

efetividade do processo e, assim, visa declaradamente a contemplar o direito a

um processo judicial despido de inoportunas procrastinações.113

110 Conforme Juan Montero Aroca e outros, El nuevo proceso civil (Ley 1/2000). Valencia: Tirant lo

Blanch, 2000, p.408. 111 A esse respeito, ver Ignácio Díez-Picazo Gimenez e Andrés de la Oliva Santos, Derecho

procesal civil - el processo de declaración. Madrid: Centro de Estudos Ramón Areces, 2000, p. 271-272.

112 A causa petendi no processo civil, p .150. 113 Ibid., p. 137.

56

Convém destacar o reconhecimento da importância do processo civil

à luz da teoria dos direitos fundamentais, muito em voga em Portugal, o que tem

permitido revisar os modelos processuais mais antigos daquele país.114

A nova legislação processual portuguesa, introduzida pelos

Decretos-leis n.º 329-A, de 12/12/1995, e n.º 180, de 25/9/1996, avançam no

propósito declarado de consagrar o direito “a obter, em prazo razoável, uma

decisão de mérito e sua respectiva execução”.115

É curioso notar que no atual artigo 2º-1, do Código de Processo Civil

Português, há a referência direta e expressa à necessidade de abreviar a duração

do processo. Com efeito, dispõe o aludido dispositivo que: “A proteção jurídica

através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão

judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente

deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar”.

Conforme observa José Rogério Cruz e Tucci, quanto ao tema do

presente estudo, resta claro que o processo português continua prestigiando a

teoria da substanciação, chamando a atenção para os artigos 467-1 e 498-4 que

evidenciam essa opção.

Abrantes Geraldes faz referência à estabilidade do processo que

decorre do art. 268 e que visa a evitar a modificação dos elementos subjetivos e

objetivos da demanda pelas partes, em prejuízo do regular andamento da causa e

da celeridade da administração da justiça. Com efeito, para este autor, com a

114 Teresa Sapiro Anselmo Vaz, Novas tendências do processo civil no âmbito do processo

declarativo comum (alguns aspectos), Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, 55 (1995):925.

115 José Lebre de Freitas, Revisão do processo civil, Revista da Ordem dos Advgados, 55, p. 427.

57

citação do réu, “estabiliza-se a instância quanto às pessoas e quanto ao objecto

(pedido e causa de pedir), apenas se admitindo as alterações que a própria lei

preveja”.116

Não obstante se reconheça o declarado objetivo de evitar a

alteração da demanda, convém observar que a lei portuguesa prevê a

possibilidade de complementar a causa de pedir e do pedido no decorrer do

procedimento, mesmo após a citação em algumas situações específicas. Nesse

sentido, a legislação portuguesa distingue duas situações: uma, a prevista no

artigo 272 e que diz respeito à alteração mediante consenso dos litigantes, a

outra, consagrada no artigo 273, 1 e 6, que diz respeito à hipótese de modificação

objetiva da demanda sem concordância das partes.

Note-se, então, que não havendo consenso, a causa de pedir pode

ser alterada ou ampliada na réplica e não mais em qualquer momento do

processo. Impõe-se, ainda, que referida alteração não importe em modificação

intrínseca da demanda. Permite-se, contudo, a mudança ou a ampliação da causa

petendi como conseqüência de confissão do demandado aceita pelo autor.

Segundo Miguel Teixeira de Souza, com essa permissão de

alegação de fatos novos em determinadas situações específicas, mesmo após a

citação, o legislador português pretendeu desvencilhar-se do tradicional sistema

de preclusão que tinha o inconveniente de determinar a alegação desmedida de

fatos na petição inicial e na contestação.

116 Fase inicial do processo declarativo, Temas da reforma do processo civil, p. 88-89.

58

A doutrina registra que, sob a égide do sistema antigo, os litigantes

eram obrigados a alegar não só os fatos que entendiam necessários e

indispensáveis, mas também todos aqueles que imaginavam pudessem

eventualmente tornar-se necessários para conseguir uma decisão favorável.

Contudo, conforme alude Miguel Teixeira de Souza, tal regra não deve mais ser

prestigiada, na medida em que “a preclusão não pode afectar todo e qualquer fato

não invocado, mas tão só os factos necessários para a constituição da causa de

pedir (ou da exceção). Por exemplo: numa acção de divórcio instaurada com

fundamento na violação culposa do dever conjugal de fidelidade, o autor tem de

invocar o adultério que imputa ao outro cônjuge e as condições em que tal

ocorreu, mas não tem de temer que a omissão não negligente de qualquer

pormenor, conhecido ou imaginado, implique a impossibilidade da sua alegação

posterior”.117

Segundo Júnior Alexandre Moreira Pinto, andou bem o legislador

português de 1997 ao adotar uma espécie de preclusão mitigada, quando “ao

tratar no artigo 268 do novo Código de Processo Civil do princípio da estabilidade

da instância, permitiu, rompendo com os exageros da rígida regra da preclusão, a

alteração da causa de pedir e do pedido por acordo, ou até mesmo sem o

consenso da outra parte, desde que tal câmbio ocorra na réplica”.118

José Rogério Cruz e Tucci observa que o processo português atual,

embora sem abandonar a teoria da substanciação, procurou libertar-se da rigidez

117 Apreciação de alguns aspectos da “revisão do processo civil-projecto”. Revista da Ordem dos

Advogados, 55, p. 360. 118 Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no

processo civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 70.

59

que caracterizava a fase postulatória dominada pelo princípio da eventualidade.119

Merece destaque, nesse ponto, a valorização da audiência preliminar prevista no

artigo 508º, que deve propiciar às partes a oportunidade de discussão visando à

delimitação dos termos do litígio, esclarecendo-se eventuais imprecisões

constantes da exposição da matéria de fato que ainda subsistam ou tornem-se

patentes na seqüência do debate.

Conforme observa Guilherme Freire de Barros Teixeira, o legislador

português rompeu com a rigidez de um sistema preclusivo, permitindo, por

exemplo, a alteração da causa de pedir ou do pedido na réplica, bem como em

qualquer fase, até mesmo em segunda instância, se houver acordo entre as

partes, o que revela a adoção de um sistema mais elástico, aumentando assim a

possibilidade de resolução definitiva das controvérsias, o que evita ações

posteriores envolvendo as mesmas partes.120

119 A causa petendi no processo civil, p. 141 120 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 137.

60

5. ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA E CONTEÚDO DA CAUSA DE

PEDIR NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO

5.1 Evolução legislativa: 5.1.1 Ordenações Filipinas; 5.1.2 Regulamento 737; 5.1.3 Os Códigos de Processo Civil estaduais; 5.1.4 O Código de Processo Civil de 1939; 5.1.5 O Código de Processo Civil de 1973 – 5.2 Substanciação e individualização – posicionamento da doutrina brasileira quanto ao conteúdo da causa de pedir: 5.2.1 A doutrina majoritária – adoção da teoria da substanciação; 5.2.2 A posição de José Ignácio Botelho de Mesquita; 5.2.3 A posição de Ovídio Baptista da Silva; 5.2.4 A natureza do direito material envolvido, como critério para definir a necessidade de substanciação dos fatos – 5.3 O artigo 264 do Código de Processo Civil e a imutabilidade da causa de pedir

5.1 Evolução legislativa

5.1.1 Ordenações Filipinas

Quando o Brasil tornou-se independente de Portugal, em

1822, nada existia em nosso território com relação a normas jurídicas próprias.

Assim, juntamente com as normas constitucionais, foram adotadas, por via de

61

decreto, as Ordenações Filipinas, como sendo o diploma a ser aplicado no Brasil,

em matéria processual.

Como já se examinou anteriormente,121 quanto à causa de

pedir, as Ordenações Filipinas de 1603 mantiveram a sistemática adotada nas

Ordenações Afonsinas e Manoelinas, que previam um procedimento flexível no

qual se admitiam sucessivas alterações quanto aos elementos objetivos da

demanda.

5.1.2 Regulamento 737

O Regulamento 737 de 1850 foi o primeiro código processual

elaborado no Brasil e passou a reger os processos de natureza cível após a

edição do Decreto n.º 763, de 1890.

Quanto à causa de pedir, observa-se que o aludido diploma

apenas conferiu redação mais moderna à lacunosa e obscura disciplina das

Ordenações Filipinas. O artigo 66 do Regulamento 737 previa que: “A ação

ordinária será iniciada por uma simples petição, que deve conter: § 1º O nome do

autor e do réu; § 2º O contrato, transação ou fato dos quais resultar, segundo o

Código, o direito do autor e a obrigação do réu; § 3º O pedido com todas as

especificações e estimativa do valor quando não for determinado; § 4º A indicação

das provas em que se funda a demanda”.

121 Item 3.4 retro.

62

Guilherme Freire de Barros Teixeira observa que, no

procedimento previsto no Regulamento 737, “oferecida a contestação, o autor

tinha dez dias para manifestação por meio da réplica, na qual podiam ser

deduzidas novas razões em apoio ao libelo. Em conseqüência, era assegurada a

tréplica ao réu, também no prazo de dez dias, podendo ser trazidos novos

argumentos em apoio às razões deduzidas na contestação (art. 101). Dessa

maneira a réplica do autor complementava o libelo, enquanto a tréplica

completava a contrariedade apresentada pelo réu. (...) A possibilidade da

dedução de novas razões na réplica e na tréplica, inclusive com alterações do

pedido e da contestação, demonstra que o Regulamento 737 não adotou o

princípio da eventualidade.” 122

5.1.3 Os Códigos de Processo Civil estaduais

A Constituição Federal de 1891, promulgada após a

proclamação da República, permitiu aos Estados-membros legislar sobre direito

processual, o que levou à edição de vários Códigos de Processo Civil estaduais,

caracterizando assim o chamado período da dualidade processual.

Júnior Alexandre Moreira Pinto observa que todos os códigos

estaduais acolheram um modelo rígido de procedimento. 123

122 O princípio da eventualidade no Processo Civil, p. 90. 123 Sistemas rígidos e flexíveis: estabilização da demanda, in Causa de pedir e pedido no processo

civil (questões polêmicas). José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (org.). São Paulo: RT, 2002, p. 77.

63

O Código de Processo Civil e Commercial do Estado de São

Paulo (Lei n.º 2.421/30), em seu artigo 209, trazia regra segundo a qual: “A inicial

só poderá ser alterada na substância, mediante nova citação do réo, antes de

proposta a acção”.

No mesmo sentido, o Código de Processo Civil e Commercial

para o Districto Federal (Decreto n.º 16.762/24) dispunha em seu artigo 113 que:

“O autor, depois de proposta a acção, não poderá variar, ou alterar a substância

do pedido, sendo-lhe, todavia, permitido fazer addições, ou emendas antes da

contestação”.

O Código de Processo Civil de Minas Gerais (Lei n.º 830/22)

possuía redação idêntica ao do Distrito Federal.

5.1.4 O Código de Processo Civil de 1939

O Código de Processo Civil de 1939 também adotou o

procedimento rígido. Aliás, havia determinação expressa no sentido de que, caso

fosse omitido pedido na petição inicial, somente em ação autônoma este poderia

ser ventilado.124

Enfatizando ainda mais a rigidez, o CPC de 1939 vedava em

caráter absoluto o aditamento da inicial, que não era admitido nem mesmo antes

da citação do demandado e ainda que com a concordância do réu. A respeito do

64

regime adotado pelo CPC de 1939 quanto à estabilização da demanda, Pontes de

Miranda aduzia que “a lei desconhece a adição do libelo, a integração do pedido

que se fêz deficiente ou defeituosamente. O artigo 157 é conseqüência do art.

154. Se os pedidos têm que ser interpretados restritivamente e cada pedido só

contém o que essa interpretação restrita mostra ter, claro que se exclui qualquer

faceta que o pedido omitiu ou, a fortiori, qualquer pedido que se omitiu entre os

pedidos.” 125

5.1.5 O Código de Processo Civil de 1973

O Código de Processo Civil de 1973 não adota procedimento

tão rígido quanto o de 1939, na medida em que admite a alteração do pedido

antes de citado o réu (art. 264, caput) e após a citação, mediante o consentimento

deste (art. 264, parágrafo único).

Mesmo assim, o Código de Processo Civil de 1973 está longe

de assumir um caráter flexível. Ao contrário, valoriza-se sobremaneira, no atual

sistema processual brasileiro, a imutabilidade da demanda.

124 O artigo 157 do CPC de 1939 determinava que: “Quando o autor houver omitido, na petição

inicial, pedido que lhe era lícito fazer, só em ação distinta poderá formulá-lo”. 125 Comentários ao Código de Processo Civil, t. II, p. 401.

65

5.2 Substanciação e individualização – posicionamento da doutrina

brasileira quanto ao conteúdo da causa de pedir

5.2.1 A doutrina majoritária – adoção da teoria da substanciaçâo

O artigo 282, inciso III, do Código de Processo Civil, exige

que a petição inicial indique “os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido”.

Apesar da dupla referência, a doutrina amplamente

majoritária no Brasil afirma que o Código de Processo Civil vigente adotou a teoria

da substanciação, reconhecendo desse modo um predomínio dos fatos sobre os

fundamentos jurídicos.

Moacyr Amaral Santos, citando o escólio de Lopes da Costa,

afirma categoricamente que o Código, quanto aos fundamentos do pedido, filia-se

à teoria da substanciação, em oposição à teoria da individualização.126

Calmon de Passos lembra que “o art. 282, III, exigindo como

requisito da inicial a indicação dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido, põe o

nosso sistema entre os que reclamam a substanciação da causa de pedir, aliás

como já o fazia o Código de 1939, dispondo em igual sentido o seu art. 158”.127

No mesmo sentido, Arruda Alvim observa que a Lei

processual atual manteve a regra do artigo 158 do Código de Processo Civil de

126 Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol. p. 140. 127 Comentários ao Código de Processo Civil, p.188.

66

1939, adotando assim a teoria da substanciação, ao exigir que a parte exponha

com clareza e precisão os fatos e fundamentos do pedido.128

Arakén de Assis chega a afirmar que “reina total harmonia na

doutrina brasileira, no reconhecimento da adesão do CPC à teoria da

substanciação”. 129

Arruda Alvim refere-se à teoria da individualização como uma

tendência do moderno direito alemão, cujo interesse seria apenas histórico.130

No mesmo sentido, Nelson Nery Junior e Rosa Maria

Andrade Nery consideram que a teoria da individualização estaria superada, uma

vez que na própria Alemanha o ZPO adotou a teoria da substanciação.131

Cândido Rangel Dinamarco, por seu turno, considera

dificílimo o problema da definição da causa de pedir em face das teorias da

substanciação e da individuação, reconhecendo, contudo, que embora o artigo

282, inciso III, do Código de Processo Civil exija a indicação não só dos fatos,

mas também dos fundamentos jurídicos do pedido, o nosso sistema é

tradicionalmente voltado para a substanciação, que para a identificação da

demanda considera apenas os fatos narrados.132 O consagrado autor explica,

quanto ao predomínio dos fatos sobre os fundamentos jurídicos, que “os fatos

narrados influem na delimitação objetiva da demanda e conseqüentemente da

sentença (art.128), mas os fundamentos jurídicos não” e arremata observando

128 Código de Processo Civil Comentado, v. 5, p. 176. 129 Cumulação de ações, p.117. 130 Direito processual civil, v.2, p. 86. 131 Código de Processo Civil e legislação processual civil extravagante, nota 2 ao art. 282, III, do

CPC, p. 487. 132 Cândido Rangel Dinamarco. Nota n. 124 na obra de Enrico Túlio Liebman, Manual de direito

processual civil, p. 194, por ele traduzida.

67

que, “tratando-se de elementos puramente jurídicos e nada tendo de concreto

relativamente ao conflito e à demanda, a invocação dos fundamentos jurídicos na

petição inicial não passa de mera proposta ou sugestão endereçada ao juiz, ao

qual compete fazer depois os enquadramentos adequados – para o que levará

em conta a narrativa dos fatos contida na petição inicial, a prova realizada e sua

própria cultura jurídica, podendo inclusive dar aos fatos narrados e provados uma

qualificação jurídica diferente daquela que o demandante sustentara (narra mihi

factum dabo tibi jus)”.133

Na mesma linha, Vicente Grecco Filho afirma que o Código

de Processo Civil brasileiro adotou a teoria da substanciação na medida em que

exige a descrição dos fatos dos quais decorre a relação de direito para a

propositura da ação, contrapondo-se, desse modo, à teoria da individualização,

segundo a qual bastaria a afirmação da relação jurídica fundamentadora do

pedido, para caracterizar a ação.134

Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e

Cândido Rangel Dinamarco observam, tanto em relação ao processo civil quanto

ao processo penal, que “o direito brasileiro adota, quanto à causa de pedir, a

chamada doutrina da substanciação, que difere da individualização, para a qual o

que conta para identificar a ação proposta é a espécie jurídica invocada (coação,

crime de homicídio etc.), não as meras circunstâncias do fato que o autor alega”.

135

Alexandre Alves Lazzarini observa que, no Brasil, a eventual

adoção da teoria da substanciação e a conseqüente diminuição da importância

133 Instituições de direito processual civil, p. 127-128. 134 Direito processual civil brasileiro, v.1, p. 91.

68

dos fatos constitutivos seriam particularmente difíceis, sobretudo se

considerarmos o direito de família, tradicionalmente tido como um direito absoluto,

mas repleto de conceitos indeterminados, tais como “injúria grave, mútua

assistência, convivência duradoura, respeito e considerações mútuos etc.”.136

O mesmo autor observa que a discórdia básica entre as

teorias da individualização e da substanciação “está na necessidade de indicação,

na causa petendi, do fato constitutivo nas ações de direito absoluto, decorrendo

disso os demais efeitos que diferenciam as teorias”. 137 Sustenta também que, em

nosso ordenamento, sobretudo à luz do princípio do contraditório, há

preponderância dos fatos sobre os fundamentos jurídicos, observando que “(...)

não há como se negar que a controvérsia, em um primeiro plano, se dará na

discussão dos fatos elencados na causa petendi remota, eis que os fundamentos

de direito, ou a afirmação do direito, a causa próxima, são conclusão lógica dos

fatos elencados, com base na qual se formulará o pedido mediato, ou seja o bem

da vida”, 138 o que em outras palavras significa que “a causa petendi remota, ou

seja, os fatos relevantes é que possibilitam o exercício do princípio do

contraditório”.139 Conclui que “dada a efetiva predominância dos fatos

constitutivos sobre a relação jurídica, esta decorrendo daqueles, podemos afirmar

que o direito pátrio adotou a teoria da substanciação, amenizada pela exigência

da indicação dos fundamentos jurídicos do pedido”.140

Também na jurisprudência, predomina o acatamento da

teoria da substanciação, havendo julgados entendendo que a ausência da causa

135 Teoria Geral do Processo, p. 226. 136 A causa petendi nas ações de separação judicial e de dissolução de união estável, p. 44-46. 137 Ibid. p.43. 138 Ibid , p.48.

69

de pedir leva, inclusive, à anulação da sentença que foi proferida sem observar a

falta de tal requisito.141

139 Ibid , p.49. 140 A causa petendi nas ações de separação judicial e de dissolução de união estável, p. 50. 141 Nesse sentido, reproduz-se interessante acórdão do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do

Estado de São Paulo, que de ofício, anulou a sentença por constatar a ausência da causa de pedir:

“ Ementa: Cobrança – Cheque - Inexistência de determinação da “causa petendi” da pretensão - Artigo 282, III, do Código de Processo Civil - Sentença anulada de ofício para determinar a emenda da inicial - Artigo 284, do Código de Processo Civil - Prejudicado o exame do recurso.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 688.689-9, da Comarca de Mogi-Guaçu, sendo apelante Nelson Firmino de Souza e apelada Doralice Almeida Correa Nonato: ACORDAM, em Décima Segunda Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, por votação unânime, anular de ofício a sentença, prejudicado o exame do recurso.

Demanda com pedido condenatório, fundada em cheque, foi acolhida pela r. sentença de fls. 35/38, cujo relatório se adota.

Apela o réu, insistindo nas preliminares consistentes na perempção da ação e na impossibilidade jurídica do pedido. Também reitera a alegação de que o título foi obtido mediante fraude e a boa-fé da autora não foi demonstrada, tal como determinara o acórdão proferido nos autos de embargos à execução.

Recurso tempestivo, respondido e bem processado. É o relatório. O cheque é ordem de pagamento à vista, equiparado às cambiais. É dotado das mesmas

características, inclusive a abstração. No caso, todavia, decidido que o título não é apto para viabilizar a tutela executiva

(fls.21/23) está descaracterizada a sua natureza. Nessa medida, deveria ter a apelada deduzido a “causa petendi” da sua pretensão, ou

seja, os motivos por que se considera credora do apelante (cf. JTA (LEX) 139/160). Necessária a dedução da causa de pedir, constituída, no direito brasileiro, por elementos

da teoria da substanciação e da individuação, pois é necessária a descrição do fato - causa remota – e do fundamento jurídico - causa próxima. (cf. CPC, artigo 282, III; v. tb. José Rogério Cruz e Tucci, “A causa petendi” no processo civil”, RT, 1993, p. 121; Milton Paulo de Carvalho, “Do pedido no Processo Civil”, págs. 89/95).

O documento de fls. 6 não representa mais título desvinculado da causa que o gerou. A demanda tem fundamento no enriquecimento sem causa do emitente ou coobrigados

(Lei n. 7.357, de 02.09.85) devendo o autor, portanto, descrever a respectiva causa. Ainda que se considere o cheque prescrito mera confissão de dívida, a inicial deve se

enquadrar ao sistema processual. Esse ato jurídico não é dotado de abstração e autonomia, características inerentes aos títulos cambiais. Nessa medida, pedido de tutela jurisdicional com fundamento nele deve informar os motivos fáticos e jurídicos que o originam.

Se a causa da obrigação estivesse descrita na inicial, o apelante poderia impugná-la, submetendo-a ao contraditório. Admitir a propositura da demanda sem a correta descrição da causa de pedir, implicaria limitar de forma indevida a cognição em processo de natureza condenatória, justamente onde ela deve ser exauriente e sem qualquer base jurídico-substancial.

Por outro lado, deve ser cumprido o disposto no artigo 284 do Código de Processo Civil, podendo a apelada emendar a inicial, para adequá-la às exigências legais.

Para esse fim, anula-se de ofício a r. sentença, prejudicado o exame do recurso. Presidiu o julgamento o Juiz Campos Mello e Del, participaram os juízes Paulo Razuk

(Revisor) e Matheus Fontes. São Paulo, 12 de junho de 1997. ROBERTO BEDAQUE, Relator. (LEX – Jurisprudência dos Tribunais de Alçada Civil de

São Paulo, vol. 167, Jan.-Fev. 1998, p. 97/99).

70

Todavia, na verdade, não há unanimidade absoluta no

tocante a essa questão. Ao contrário, há algumas vozes muito respeitáveis que

defendem posição diferente, lançando mão de argumentos bastante consistentes,

como será visto a seguir.

5.2.2 A posição de José Ignácio Botelho de Mesquita

José Inácio Botelho de Mesquita, escrevendo ainda sob a

égide do Código de Processo Civil de 1939, divergia da corrente dominante, ao

defender o seguinte: “A nossa lei processual exige que conste da petição inicial a

indicação dos fatos constitutivos, mas isto, a meu ver, não leva à conclusão de

que tenhamos aderido àquela corrente doutrinária. Com efeito, nossa lei exige

igualmente que se indiquem na petição inicial os fundamentos jurídicos do pedido.

Estes, evidentemente, pelas razões já expostas, não são nem a norma da lei,

nem tampouco as deduções jurídicas, salvo quando, excepcionalmente, a norma

legal sirva, à falta de outros elementos, para individuar o direito particular feito

valer pelo autor no processo. Parece-me que se deva entender por ‘fundamentos

jurídicos do pedido’ a relação jurídica controvertida e o direito particular dela

decorrente. E não vejo nisto filiação à teoria da substanciação, mas,

diversamente, entendo que a lei processual brasileira adotou uma posição de

grande equilíbrio entre ambas as correntes conflitantes, dando importância tanto

aos fatos constitutivos, como aos elementos de direito, na medida em que sirvam

para individuar a pretensão do autor, como resulta da expressão legal ‘de maneira

71

que o réu possa preparar sua defesa’, empregada no inc. III, do art. 158, do

CPC”.142

Em artigo mais recente, já sob a égide do Código de

Processo Civil vigente, José Ignácio Botelho de Mesquita observou que: “A

demarcação da fronteira entre ambas essas teorias não obedece, porém, a

critérios assim tão rígidos, posto que há concessões, de parte a parte, entre seus

adeptos”. 143

5.2.3 A posição de Ovídio Baptista da Silva

Outro expoente da doutrina que se afasta da corrente

dominante é Ovídio Baptista da Silva, ao afirmar que nosso ordenamento jurídico

não se filia inteiramente nem à teoria da substanciação e nem à da

individualização, posições essas radicais e modernamente rejeitadas, mas, ao

contrário, teria optado por uma atenuação da teoria da substanciação, na medida

em que “a lei exige que os fatos sejam expostos como fundamento do pedido,

mas tão só os fatos essenciais”.144

5.2.4 A natureza do direito material envolvido, como critério a

definir a necessidade de substanciação dos fatos

142 A causa petendi nas ações reivindicatórias, Revista de direito processual civil, p. 197. 143 Conteúdo da causa de pedir, Revista dos Tribunais n. 564, p. 48. 144 Limites objetivos da coisa julgada no direito brasileiro atual, Sentença e coisa julgada. Porto

Alegre, Sérgio Fabris, 1979, p. 166.

72

Completando essa visão geral que se pretendeu traçar, do

posicionamento da doutrina brasileira quanto ao conteúdo da causa de pedir,

deve-se registrar que alguns autores têm enfatizado os muitos pontos de contato

entre ambas as teorias e ressaltado que, na verdade, independentemente da

opção pela substanciação ou pela individualização, o que importa mesmo para

definir o conteúdo mínimo necessário da causa petendi é a natureza do direito

material que se pretende realizar por intermédio do processo.

José Ignácio Botelho de Mesquita observa que: “Apreciando e

confrontando as duas teorias acima expostas, não será difícil de se ver que

ambas apresentam vários pontos de contacto. Em um ponto, porém, elas se

tornam irredutíveis. Esse ponto onde ambas se afastam é precisamente a

afirmação do que se deva entender por causa petendi nas ações propostas com

fundamento em um direito de caráter absoluto, assim denominados pela teoria da

individualização os direitos reais (propriedade, servidão, usufruto) e os direitos de

família, e os decorrentes do estado da pessoa”.145

A contrário sensu, pode-se concluir que não há diferença

entre as teorias da substanciação e da individualização, no que diz respeito a

direitos relativos, como os obrigacionais, por exemplo. Assim, independentemente

de adotar-se uma ou outra teoria, na grande maioria dos casos haverá a

necessidade de indicação precisa dos fatos constitutivos do direito do autor.

Por outro lado, mesmo nos casos envolvendo direitos

absolutos, em relação aos quais se verifica o ponto de divergência entre as

73

correntes acima expostas e inclusive nos sistemas que adotam a teoria da

substanciação, os fatos ficam relegados a segundo plano, havendo atenuação da

exigência de substanciá-los.

Tal circunstância levou Guilherme Freire de Barros Teixeira a

concluir que “o que determina a necessidade ou não da exposição dos fatos na

petição inicial, de maneira substanciada, é a relação jurídica material deduzida

pelo autor, não importando qual das duas teorias seja adotada pelo ordenamento

jurídico”.146 Importa então, para esse fim, saber se se trata de direitos absolutos

ou relativos.147

Nessa mesma linha, Ricardo de Barros Leonel observa que

“o modo como deverá ser elaborada a demanda judicial, com maior ou menor

fundamentação quanto aos fatos ou títulos constitutivos do direito do demandante,

estará diretamente ligado às peculiaridades, características e estrutura do direito

material feito valer em juízo” e prossegue esclarecendo que “essa conclusão é

decorrente da inevitável interação entre o direito material e o processo, e do

reconhecimento do caráter instrumental deste em relação ao primeiro”.148

145 A causa petendi nas ações reivindicatórias, Revista de Direito Processual Civil 6/190. 146 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 194. 147 Cerino Canova distingue os direitos autodeterminados dos heterodeterminados, explicando

que os primeiros não se identificam pelo seu título de aquisição, mas pelas partes e pelo seu conteúdo, não podendo existir mais de uma vez, com o mesmo conteúdo entre as mesmas partes, tal como ocorre com o direito de propriedade, os direitos reais de gozo (superfície, usufruto, uso habitação, servidão), os direitos ao status de família, os direitos da personalidade e os direitos de crédito que versam sobre uma prestação específica. Já os direitos heterodeterminados podem existir simultaneamente mais de uma vez entre as mesmas partes e com o mesmo conteúdo, necessitando, para sua individualização, de referência ao fato gerador, como é o caso de crédito a uma prestação genérica, especialmente os créditos pecuniários, e nos direitos reais de garantia (La domanda giudiziale, p. 177-178). Vide no mesmo sentido, entre nós, José Rogério Cruz e Tucci (A causa petendi no processo civil, p. 117-118).

148 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p.101.

74

5.3 O artigo 264 do Código de Processo Civil e a imutabilidade da

causa de pedir

De acordo com a sistemática que decorre do artigo 264 do Código

de Processo Civil, o autor pode modificar livremente o pedido e/ou a causa de

pedir antes da citação do réu. Após a citação, somente poderá fazê-lo com o

consentimento do réu.149 E após o saneamento do processo não será permitida,

em nenhuma hipótese, a alteração do pedido e/ou da causa de pedir, o que se

justifica pela necessidade de evitar a surpresa processual.

Cândido Rangel Dinamarco ressalta que o artigo 264 deve ser

interpretado em conjunto com os artigos 294, 128 e 460 do CPC. Segundo

Dinamarco, esse conjunto de normas limita com bastante severidade as

alterações da demanda, refletindo a rigidez do modelo adotado pela legislação

processual brasileira, no sentido de evitar que o procedimento sofra retrocessos

que tornariam necessárias nova citação e nova oportunidade de defesa em razão

do princípio contraditório. O mesmo autor observa ainda que o momento da

estabilização da demanda no direito processual brasileiro coincide com a

angularização da relação jurídica processual, que ocorre com a citação do réu,

149 O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que se o réu não se manifestar contrariamente à

pretensão de modificação formulada pelo autor, presume-se que aceitou a alteração, conforme acórdão assim ementado: “Causa de pedir – Alteração – Réu – Ausência de objeção – Presunção de consentimento – Art. 264/CPC. Apresentada petição pelo autor, em que se altera a causa de pedir, e nenhuma objeção apresentando o réu que, ao contrário, cuida de negar-lhe o fundamento, é de admitir-se que consentiu na alteração. Incidência da ressalva contida no art. 264 do CPC” (REsp. 21.940-5-MG, STJ, 3ª Turma, rel. Min. Eduardo Ribeiro – j. 09/02/1993, DJU 08/03/1993).

75

sendo excepcional a alteração da demanda após esse momento, o que somente

é possível com a anuência do réu.150

Quanto à alteração dos elementos subjetivos da ação, há as

hipóteses excepcionais previstas no próprio Código, como, por exemplo, nos arts.

41 e 42. 151

O princípio da inalterabilidade da petição inicial consagrado no artigo

264 do CPC recomenda a distinção de duas figuras, às vezes confundidas: a da

adição do libelo e a da mudança do libelo.

Segundo Moacyr Amaral Santos, a adição do libelo consiste “na

alteração da inicial ajuizada com o acrescentamento, ao pedido nela formulado,

de novo ou novos pedidos. Essa alteração, ou seja, o aditamento do libelo, antes

150 Observa Dinamarco que: “Os arts. 264 e 294 do Código de Processo Civil, parcialmente

sobrepostos, são portadores de regra segundo a qual, angularizada a relação processual pela citação – e portanto integrado a ela o demandado – a demanda permanecerá imutável e a sentença a ser afinal proferida não poderá pronunciar-se fora dos limites que ela estabelece (arts. 128 e 460). A finalidade desses dois dispositivos é limitar com bastante severidade a possibilidade de alterações na demanda proposta. Esse é um reflexo da rigidez do procedimento no processo civil brasileiro, o qual se desenvolve em fases razoavelmente bem delineadas e não comporta retrocessos que seriam inevitáveis caso novos fatos, novos pedidos e novos sujeitos pudessem a qualquer tempo ser inseridos no processo pendente. Não sendo possível retroceder para citar outra vez o réu pelos sucessivos aditamentos e para permitir novos atos de defesa complementar, seria ilegítimo permitir essas alterações depois da citação, porque prejudicariam sensivelmente a efetividade das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Somados, esses dispositivos são responsáveis, nos limites do que autorizam e do que vedam, pela estabilização da demanda. Devendo o juiz pronunciar-se rigorosamente dentro dos limites da demanda proposta (partes, causa de pedir, pedido: art.128) e não podendo proferir em favor do autor sentença de natureza diferente da pedida ou por bem diferente ou valor acima do pedido (extra vel ultra petita, art. 460), os limites do pronunciamento judicial possível são estabilizados no momento em que o réu é citado – ressalvado seu consentimento, em alguma medida. Depois de saneado o processo é absoluto o veto a qualquer alteração subjetiva ou objetiva, mesmo com o consentimento do réu. (Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 67-68).

151 A esse respeito, Cândido Rangel Dinamarco ressalta que: “Explicitamente, o texto portador de tal restrição endereça-a apenas às alterações objetivas (pedido e causa de pedir: art. 264, par.), mas o tumulto decorrente do ingresso de novos sujeitos seria o mesmo e por isso também as alterações subjetivas só podem ser aceitas antes do saneamento – ainda que o réu as aceite depois. Resolvidas as questões incidentes, fixados os pontos fáticos dependentes de prova e deferidos os meios probatórios a produzir (isso é sanear: art. 331, § 2º), o procedimento já terá chegado a um ponto tal, que retroceder seria tumultuar: como o processo não é um negócio em família e a jurisdição é uma função pública, o poder de

76

terminantemente proibida, tornou-se possível nos termos da nova redação do art.

294 do referido Código: “Antes da citação, o autor poderá aditar o pedido,

correndo à sua conta as custas acrescidas em razão dessa iniciativa”. Já a

mudança de libelo (mutatio libelli, mutatio actionis), por seu turno, consiste na

modificação dos elementos da ação – partes, causa de pedir, pedido – figura

diversa da adição do libelo. 152

Moacyr Amaral Santos afirma ainda que “é de mudança do libelo,

isto é, de sua modificação, que fala o art. 264”, e exemplifica: “Assim, na ação de

separação litigiosa, em que a causa de pedir é o adultério, e que se deseja

substituir pela consistente no abandono do lar; na ação em que se pede, sob o

fundamento de falta da área declarada na escritura (Cód. Civil, art. 1.136), a

rescisão do contato, e se queira substituir esse pedido pelo de complementação

da área”. 153

Portanto, no direito processual civil brasileiro vigora, como regra

geral, a proibição da mutatio libelli,154 diferentemente do que ocorre no processo

penal.

disposição das partes não pode chegar ao ponto de permitir que elas prejudiquem o bom exercício desta.”

152 Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol. p. 150. 153 Ibid., mesma págica.. 154 No Código de Processo Penal brasileiro não há referência à imutabilidade do objeto do

processo. Assim é permitida sua alteração, podendo o juiz dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da denúncia ou queixa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave (art. 383 do CPP), caso em que se está diante da figura da emendatio libelli. Conforme ensina Sérgio Seiji Shimura, “a emendatio libelli constitui-se conformação feita pelo juiz ao fato narrado pelo promotor” e prossegue observando que “neste caso, o fato permanece o mesmo, contra o qual o réu já se defendeu” e o que se altera é a definição jurídica, ou seja, a classificação do crime, que “é a subsunção do fato ao tipo, compreendendo-se que este possa ser alterado, pois não obstante a presunção legal de que a lei é conhecida por todos, a verdade é que o réu não se defende deste ou daquele delito definido no Código, mas sim do fato criminoso que lhe é imputado”. E conclui o raciocínio observando que “em suma, não há na emendatio libelli alteração do libelo, alteração da peça acusatória, mas simplesmente uma adequação da classificação do tipo legal” (Breves considerações sobre a “emendatio libelli” e a “mutatio libelli”, p. 237). Mas o juiz pode também admitir a variação dos fatos imputados na inicial – mutatio libelli – caso em que, em conseqüência das provas existentes nos autos ou de circunstância

77

6. O CONHECIMENTO DO FATO SUPERVENIENTE NA

SENTENÇA – Art. 462 do CPC

6.1 Antecedentes – 6.2 Fundamentos para a consideração dos fatos supervenientes na sentença – 6.3 Fato superveniente e direito superveniente

6.1 Antecedentes

O Código de Processo Civil de 1939 era omisso com relação ao

conhecimento de fatos supervenientes, que passaram a ser tratados

expressamente somente no Código de 1973.

Quanto ao advento do artigo 462 do Código de Processo Civil de

1973, Moacyr Amaral Santos observa que o legislador brasileiro tomou por

elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, determinar-se-á a baixa dos autos, a fim de que a defesa se manifeste, no prazo de oito dias, podendo produzir provas e arrolar até três testemunhas (art. 384 caput do CPP). Se em decorrência da variação dos fatos houver a possibilidade de aplicar pena mais grave, o Ministério Público ou o querelante terão oportunidade de oferecer aditamento, seguindo-se a manifestação da defesa (art. 384, parágrafo único do CPP). Sérgio Seiji Shimura observa que “a situação se altera quando, no curso do processo exsurge uma nova circunstância elementar, não contida nem explícita, nem implicitamente, na peça inicial” e prossegue aludindo que, “alterando os fatos, que constituam circunstância elementar para uma outra definição jurídica, é preciso haver a alteração do libelo” (Breves considerações sobre a “emendatio libelli” e a “mutatio libelli”, p. 238). Cumpre destacar, contudo, que a mutatio libelli não se refere a fatos novos, que não guardem correspondência com os fatos imputados na denúncia ou queixa. A esse respeito Sérgio Seiji Shimura observa que “a pretexto de aditar a denúncia, o Promotor não pode incluir um fato novo, uma nova acusação. Se o Juiz entendeu que o réu praticou outros fatos delituosos, além dos que lhe foram atribuídos na denúncia, ‘em conseqüência de prova existente nos autos’ cabe-lhe dar notitia criminis, remetendo ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia (art. 40 do CPP” (Breves considerações sobre a “emendatio libelli” e a “mutatio libelli”, p. 240). No mesmo sentido, Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró ressalta que: “o art. 384 disciplina as hipóteses de modificação do fato que está sendo objeto do processo, e não de surgimento de outro fato, ou novo crime. As situações são diferentes, porque na hipótese de um fato novo, não se aplica o art. 384, destinado apenas à situação de diversidade do próprio fato imputado. Em relação ao fato novo que origina um outro crime, não basta o simples aditamento da denúncia com reabertura limitada da instrução, sendo necessário que se instaure um processo normal,

78

modelo o artigo 663 do Código de Processo Civil de Portugal, de 1967, o qual

repetia a redação do código anterior, de 1961, e que dispunha: “1. Sem prejuízo

das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto

às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar

em consideração os fatos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que

se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão

corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. 2.

Só são, porém, atendíveis os fatos que, segundo o direito substantivo aplicável,

tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida. 3. A

circunstância de o fato jurídico relevante ter nascido ou se haver extinguido no

decurso do processo é levada em conta para o efeito da condenação em custas”.

155

Segundo Moacyr Amaral Santos, o artigo 462 do Código de

Processo Civil, de nítida inspiração portuguesa, pretendeu estender ao autor as

exceções previstas em relação ao princípio da eventualidade. Nesse sentido,

observa que: “as exceções à regra, do art. 303, conforme as quais o réu pode

formular novas alegações no curso do processo, em dadas e especiais

circunstâncias, refletiram-se de modo ampliativo no que tange à sentença, de

modo que esta constitua a decisão do mérito conforme o estado de fato da lide

por ocasião do encerramento da causa. Desse entendimento, de origem

doutrinária germânica, se valeu o Código de Processo Civil de Portugal, art. 663,

tomado por modelo pelo legislador brasileiro”.156

devendo ser percorrido todo o iter procedimental” (Correlação entre acusação e sentença, p. 190).

155 Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV, p. 410. 156 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 410.

79

6.2 Fundamentos para a consideração dos fatos supervenientes na

sentença

Do ponto de vista do direito positivo, nosso Código de Processo Civil

vigente trata do problema da superveniência no decorrer do processo em diversos

dispositivos e de maneira não muito sistemática.157

Uma vez que o processo se desenvolve ao longo do tempo, é muito

provável que haja transformações na realidade que interfiram no complexo fático

157 A esse respeito, Ricardo de Barros Leonel observa que. na temática do fato superveniente,

devem ser considerados os seguintes dispositivos do Código de Processo Civil: (a) o art. 264 do CPC e seu parágrafo único, estipulando que “feita a citação, é defeso ao

autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei”, e que “a alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo”;

(b) o art. 282 III e IV, determinando que a petição inicial contenha a exposição dos “fatos e os fundamentos jurídicos do pedido”, e “o pedido, com suas especificações”;

(c) o art. 286, II. admite que seja formulado pedido “genérico” (que não seja certo e determinado), “quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou fato ilícito”;

(d) o art. 290 prevê que “quando a obrigação consistir em prestações periódicas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor...”;

(e) o art. 294, prevendo que “antes da citação, o autor poderá aditar o pedido, correndo à sua conta as custas acrescidas em razão dessa iniciativa”;

(f) o art. 300, estabelecendo que “compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir”;

(g) o art. 303 I, II e III, prevendo que “depois da contestação só é lícito deduzir novas alegações quando: I - relativas a direito superveniente; II – competir ao juiz conhecer delas de ofício; III – por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo”;

(h) o art. 321, afirmando que “ainda que ocorra a revelia, o autor não poderá alterar pedido, ou a causa de pedir, nem demandar declaração incidente, salvo promovendo nova citação do réu, a quem será assegurado o direito de responder no prazo de quinze dias”;

(i) o art. 462, prevendo que “se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo, ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença”;

(j) o art. 517, estipulando que “as questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior”. (Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 239-240). A esse rol bastante abrangente, elaborado por Ricardo de Barros Leonel, acrescentaríamos ainda o artigo 22 do CPC, que estabelece que o réu será condenado

80

que constitui a causa de pedir, ou seja, durante o desenvolvimento do processo

podem ocorrer fatos que tenham relevância para o julgamento do mérito.

Entretanto, como foi visto, em razão do princípio da inalterabilidade

do libelo é defeso ao autor, no curso do processo, aditar pedido não formulado na

petição inicial, ou mudar a causa de pedir (CPC, arts. 264 e 294).

Por outro lado, como será visto em tópico próprio, mais adiante,

cumpre ao réu apresentar sua defesa em consonância com o princípio da

eventualidade, ou da concentração da defesa na contestação, segundo o qual

todas as defesas, salvo as exceções e os incidentes, deverão ser alegadas na

contestação (Cód. Proc. Civil, art. 301).

No tocante às defesas, entretanto, são elas admitidas

posteriormente à contestação, dentre outros casos, quando “relativas a direito

superveniente” (Cód. Proc. Civil, art. 303, no. I), o que abrange tanto os fatos

supervenientes, quanto a legislação nova que dê nova definição jurídica aos fatos

narrados na defesa.

Essa possibilidade conferida ao réu, de ver considerados os fatos

supervenientes, foi estendida a ambas as partes, pelo artigo 462 do CPC, que

prescreve o dever do juiz de tomar em consideração, no julgamento da lide, fatos

supervenientes à propositura da ação, quando constitutivos, modificativos ou

extintivos do direito.

É relevante notar que o artigo 462 do Código de Processo Civil não

diz que o juiz “poderá”, mas sim que “caberá” ao juiz tomar em consideração os

fatos supervenientes, inclusive de ofício.

nas custas a partir do saneamento, por não argüir na sua resposta fato impeditivo,

81

Segundo Moacyr Amaral Santos, os requisitos para o juiz tomar em

consideração tais fatos são: “1º ) que tenham ocorrido depois da propositura da

ação; 2º) que influam no julgamento da lide, isto é, que a lei material diga que o

fato novo constituiu, modificou ou extinguiu direito controvertido”.158

Referindo-se ao mencionado artigo 462 do Código de Processo

Civil, Arruda Alvim observa que, em função do enunciado ali contido, o juiz deve

decidir a causa da forma como ela se encontra, no momento da entrega da

prestação jurisdicional. Com efeito, esclarece que “o que se pretende firmar,

através da regra anteriormente enunciada, é que, pelo sistema do Código de

Processo Civil (em face do art. 462), os parâmetros (legais e fáticos), para a

decisão, devem ser aqueles existentes no momento da sentença, o que vale

como regra geral, se, entre o momento da postulação e o instante da sentença,

houver alteração de um e outro”. 159

6.3 Fato superveniente e direito superveniente

O Código de Processo Civil, ao cuidar do problema da

superveniência no curso do processo, faz referência ora a “fatos” (art. 462), ora a

“direito” (art. 303, I) e ora, ainda, a “questões de fato” (art. 517).

Esse tratamento complexo adotado pela legislação impõe ao

intérprete a tarefa de estabelecer até que ponto haveria uma efetiva distinção

entre fato superveniente e direito superveniente.

modificativo ou extintivo do direito do autor e, assim, dilatar o julgamento da lide.

158 Primeiras linhas de direito processual civil, v. 3, p. 24. 159 Manual de direito processual civil, v.2, p. 678.

82

Ricardo de Barros Leonel observa que, de uma perspectiva que

reconheça a dicotomia entre fato e direito, seria justificável concluir que os “fatos

supervenientes” diriam respeito somente ao autor (cf. art. 462 do CPC), ao passo

que o “direito superveniente” aplicar-se-ia exclusivamente em relação ao réu (cf.

art. 303 I do CPC). E, em sede recursal, apenas as “questões de fato” poderiam

ter curso, nos limites do art. 517 do CPC.160

Contudo, como se verá adiante, tal interpretação, embora mais

próxima do sentido literal dos dispositivos mencionados, não se mostra a mais

adequada no tocante à busca de solução para o tema da superveniência no

processo.

Segundo Guilherme Freire de Barros Teixeira, a locução “fato

superveniente” (ius superveniens) designa tanto os fatos supervenientes

propriamente ditos, quanto o direito superveniente, ou seja, as modificações

legislativas ocorridas após o ajuizamento da ação e que podem repercutir no

resultado final do processo. Acrescenta o referido autor que, na prática, não há

diferenciação entre as duas categorias, porque os efeitos sobre o processo são os

mesmos.161 Ainda segundo o mesmo autor, uma vez que a sentença deve refletir

o estado de fato no momento em que for proferida, tanto os fatos quanto as

alterações legislativas posteriores ao ajuizamento da ação, que tenham

repercussão sobre a relação jurídica discutida nos autos, não podem ser

ignorados pelo juiz.162

160 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p.106. 161 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 249. 162 Nesse sentido, Guilherme Freire de Barros Teixeira oferece os seguintes exemplos: “suponha-

se que, sob a vigência da Lei 6.649/1979, tenha sido ajuizada uma ação revisional de aluguel, antes de completado o qüinqüênio, contado do acordo celebrado entre as partes. Neste caso, haveria carência da ação. Entretanto, se o processo estava em curso quando da edição da Lei 8.178/1991, que reduziu para três anos o prazo legal para a propositura da referida demanda, a carência da ação deve ser afastada, devido à superveniência de lei nova, que incide sobre

83

Quanto à incidência do direito superveniente, José Rogério Cruz e

Tucci faz importante ressalva no sentido de que a aplicação das novas regras

legais ao caso concreto não pode prejudicar o ato jurídico perfeito ou o direito

adquirido, ponderando, contudo, que essa seria uma “outra questão, que refoge

ao âmbito do direito processual”.163

Também a jurisprudência tem acolhido o entendimento segundo o

qual a regra do art. 462 do CPC incide sobre as alterações legislativas que devem

ser consideradas pelo juiz no momento de proferir a sentença.164

Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel conclui que os artigos 303,

I, 462 e 517 do CPC são relativos, todos eles, ao direito superveniente, “até

porque os ‘fatos’, o ‘direito’, e as ‘questões de fato’ neles tratados só terão

relevância na exata medida dos efeitos concretos (eficácia jurídica) que puderem

produzir”. 165

A partir desse entendimento, o referido autor define direito

superveniente como “a eficácia jurídica que se sobrepõe àquela deduzida

anteriormente, quando da propositura da demanda judicial”.166

os fatos constitutivos alegados pelo autor. As condições da ação devem estar presentes no momento em que for proferida a sentença, sendo de pouca ou nenhuma importância a sua ausência no momento da propositura da ação se, posteriormente, houver o implemento durante o curso do processo”. No mesmo sentido: “em uma ação de execução de dívida fiscal, a edição posterior de uma lei que anistia o débito não pode ser ignorada pelo julgador, que deve extinguir o processo. Neste caso, o ius superveniens age com causa extintiva do direito do autor da execução” (O princípio da eventualidade no processo civil, p. 251-252).

163 A causa petendi no processo civil, p. 176. 164 RT 661/137 e 713/156; RSTJ 12/290, 66/273 e 98/149.

Também nesse sentido, considerando como fato superveniente a edição de Medida Provisória, encontramos dois julgados: REsp 432561/RS, Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, j. 13/08/2002, d.j.u. 23/09/2002; REsp. 440094/RS, Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, Rel. Ministro José Delgado, j. 27/08/2002, d.j.u. 04/11/2002.

165 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 116. 166 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 117.

84

Cabe observar, por fim, que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu

que a mudança do posicionamento da jurisprudência da Turma Julgadora não

pode ser considerada um fato superveniente.167

167 EDcl no REsp 445.806/RS, Superior Tribunal de Justiça, 1ª turma, rel. Min. José Delgado, j.

26/11/2002, d.j.u. 16/12/2002. No mesmo sentido, EDcl no AgRg no AG 448895/PR, Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma,

rel. Min. José Delgado, j. 26/11/2002, d.j.u. 16/12/2002.

85

7. HARMONIZAÇÃO DOS ARTIGOS 264 E 462 DO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL

7.1 Colocação do problema – 7.2 Verdade real e verdade formal – 7.3 A natureza instrumental do processo e a tensão entre os princípios dispositivo, da estabilização da demanda e da economia processual

7.1 Colocação do problema

Os artigos 264 e 462 do CPC, quando tomados em seu sentido

literal, sugerem uma contradição. Isso porque, se por um lado é vedado ao autor,

após o saneamento do processo, alterar a causa de pedir, o que abrange os fatos

constitutivos do direito alegado (causa de pedir remota), por outro, o juiz, no

momento de proferir a sentença, deve considerar certos fatos eventualmente

ocorridos após o saneamento.

Todavia, a interpretação literal, nessa hipótese, não se apresenta

como a mais adequada. O que se pretende ao longo deste trabalho, como já se

disse, é possibilitar uma visão sistemática dessas normas, em conjunto com

outras que se entrelaçam no que diz respeito à temática da estabilização da

demanda e do fato superveniente, para encontrar soluções que tornem tais

normas operáveis e eficazes.

86

7.2 Verdade real e verdade formal

Como já visto anteriormente, a vedação à mutatio libelli é típica do

processo civil, e no processo penal admite-se a inclusão de fatos novos, não

originalmente incluídos na denúncia.

Argumenta-se que tal diferença é devida ao fato de, no Processo

Penal, prestigiar-se a verdade real, ao passo que no Processo Civil, em razão do

princípio dispositivo e do rígido sistema de preclusões, predominaria a busca da

verdade formal.

Hoje, contudo, em decorrência, principalmente, da concepção

segundo a qual o processo civil é instrumento de realização do direito material,

esse predomínio da verdade formal sobre a verdade real tem sido bastante

questionado.

Conforme observa Guilherme Freire de Barros Teixeira, “não se

pode aceitar a afirmação de que a verdade material é típica do processo penal,

restando ao processo civil, especialmente nos casos envolvendo direitos

disponíveis, a apuração da verdade formal”. Arremata dizendo que “atualmente,

independentemente da natureza do processo, civil ou penal, deve-se buscar a

reconstituição dos fatos da maneira mais aproximada possível da realidade, isto é

da forma como eles aconteceram”.168

168 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 32.

No mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart sustentam que “a distinção entre verdade formal e substancial perdeu seu brilho. A doutrina moderna de direito processual vem sistematicamente rechaçando esta diferenciação, corretamente considerando que os interesses objeto da relação jurídica processual penal não têm particularidade

87

7.3 A natureza instrumental do processo e a tensão entre os

princípios dispositivo, da estabilização da demanda e da

economia processual

De fato, na base do artigo 264 está o princípio dispositivo, segundo

o qual somente a parte tem possibilidade de provocar a jurisdição e

disponibilidade de fixar os limites daquilo que será discutido e pedido no

processo.

Como ensina Humberto Theodoro Júnior, a liberdade de pedir ou

não a tutela jurisdicional pertence às partes.169 Para José Frederico Marques, o

principal fundamento do princípio dispositivo diz respeito à imparcialidade do juiz,

pois evita-se que o magistrado se substitua às partes, mantendo-se eqüidistante

do conflito.170

Além do princípio dispositivo, Guilherme Freire de Barros Teixeira

vislumbra como fundamento da regra da estabilização da demanda o princípio da

lealdade processual e o interesse na boa administração da justiça. 171

nenhuma que autorize a interferência ou se deve aplicar a estes métodos de reconstrução dos fatos, diverso daquele adotado pelo Processo Civil. Realmente, se o processo penal lida com a liberdade do indivíduo, não se pode esquecer que o processo civil labora também com interesses fundamentais da pessoa humana – como a família e a própria capacidade jurídica do indivíduo e os direitos metaindividuais – pelo que totalmente despropositada a distinção da cognição entre as áreas” (Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, t. 1, p. 37). Também na mesma linha é o pensamento de Eduardo Cambi, para quem “a distinção entre verdade material e verdade formal não tem razão de ser, seja porque não se pode afirmar que a verdade do processo seja ontologicamente diversa da verdade histórica ou do mundo real, seja porque não se pode sustentar que a verdade material (ou pertencente ao mundo externo) está excluída do âmbito da fenomenologia processual” (Direito constitucional à prova no processo civil, p. 72-73).

169 Princípios informativos e a técnica de julgar no processo civil. Revista Forense 268, p. 104. 170 Instituições de direito processual civil, v. 2 , p.117. 171 Segundo o autor, “basicamente, há dois fundamentos para a regra da estabilização do

processo: de um lado, o princípio da lealdade processual, que não se restringe apenas ao

88

Por outro lado, o artigo 462 é manifestação clara da natureza

publicística do processo.

Com relação ao interesse público que as normas de direito

processual infundem na relação entre as partes litigantes, José Frederico

Marques observa que “é natural que a relação jurídico-privada sofra certo influxo

publicístico, e que também a atividade estatal se amolde, em dadas

circunstâncias, aos interesses particulares das partes em contenda. A natureza

instrumental do processo provoca essa recíproca influência de normas jurídico-

públicas sobre relações de direito privado, e de regras privatísticas sobre a

atividade estatal” 172.

José Roberto dos Santos Bedaque sustenta ser necessário o

abandono da posição de neutralidade e indiferença do processualista em relação

aos objetivos do processo.173

Inspirado nessas lições, Guilherme Freire de Barros Teixeira

observa que “o processo não é um instrumento formal de solução de conflitos,

nem um mero mecanismo colocado à disposição dos interessados para a solução

de seus conflitos de interesses. Para além da pura técnica, a ciência processual

tem um caráter ético, devendo a tutela jurisdicional ser adequada às

apego à verdade, abrangendo, também, a dedução clara e precisa dos fatos e fundamentos jurídicos por ambas as partes, de modo que cada uma delas conheça previamente os argumentos da outra e não seja surpreendida com a alegação de fatos novos ou provas imprevistas; de outro, a estabilização é interesse da própria administração da justiça, pois a possibilidade de livre alteração dos elementos da ação acarretaria instabilidade na prestação jurisdicional e nas relações jurídicas em geral” (O princípio da eventualidade no processo civil, p. 48).

172 Instituições de direito processual civil, v. 2 , p. 117. 173 Direito e processo. Influência do direito material sobre o processo, p. 18.

89

especificidades do direito material, de modo que o processualista moderno deve

estar comprometido com os resultados do processo”.174

Antonio Carlos de Araújo Cintra observa que o conhecimento dos

fatos supervenientes na sentença decorre do princípio da economia processual.175

No mesmo sentido é a lição de Arakén de Assis.176

Na doutrina italiana, Luigi Paolo Comoglio observa que a

possibilidade de acolher a alegação de fatos constitutivos, modificativos ou

extintivos que sobrevêm no curso da demanda é determinada pelo princípio da

economia processual.177

Em Portugal, Jorge Augusto Pais de Amaral, ao comentar o artigo

663º, 1, do Código de Processo Civil daquele país, afirma que esse dispositivo

privilegia a economia processual.178

Com efeito, não faria sentido extinguir determinada ação se outra

pudesse ser imediatamente proposta, com o mesmo pedido e a mesma

fundamentação.179

Ainda no que diz respeito à economia processual, é interessante

observar que tanto a estabilização da demanda (art. 264 do CPC), quanto a

174 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 61. 175 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 286-287. 176 Extinção do processo por superveniência do dano irreparável. In Doutrina e prática do

processo civil contemporâneo, p. 196. 177 Il princípio di economia processuale, t. 1, p. 238. 178 Direito processual civil, p. 176. 179 Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Locação – Ação revisional de aluguel

– Propositura antes de completado o qüinqüênio a contar de acordo celebrado entre as partes. Possibilidade se, por ocasião da sentença, estava em vigor a Lei 8.178/91 que reduzira o prazo de carência para três anos. Aplicação à espécie da norma do artigo 462 do Código de Processo Civil. Não faria sentido julgar-se o autor carecedor da ação se, em seguida, poderia ajuizar outra com pedido idêntico e com idêntica fundamentação”. (REsp. 31.595-9-MG - STJ – 5ª Turma – rel. Min. Assis Toledo – j. 05/05/1993).

90

possibilidade de conhecimento dos fatos supervenientes (art. 462 do CPC)

referem-se ao princípio da economia processual, só que em sentidos diversos.

O artigo 264, ao refletir a adoção de um sistema positivo (e de

posicionamento hermenêutico), favorece a economia “interna” na medida em que

se volta para a rápida solução do feito.

Já o artigo 462 volta-se para a economia “externa”, que visa a

solucionar definitivamente o conflito e a restringir a possibilidade de nova

demanda com fundamento na mesma crise de direito material em relação a

determinado processo.180

Posto isso, a preocupação central deste trabalho é com a busca de

uma solução de compromisso que permita a superação da tensão existente entre

os princípios dispositivo, da estabilização da demanda e da economia processual,

envolvidos na confrontação entre os artigos 264 e 462 do Código de Processo

Civil.

Note-se que não se vislumbra aqui uma colisão de princípios

propriamente dita, mas sim uma aparente contradição entre os artigos 462 e 264

do Código de Processo Civil, que pode ser solucionada por intermédio da

hermenêutica, não sendo necessário, pelo menos em princípio, socorrer-se do

princípio da proporcionalidade. 181

180 Ver a respeito, sobre as diversas perspectivas do problema, Luigi Paolo Comoglio, Il principio

di economia processuale, vol. I, p. 238-243, e ainda, do mesmo autor, Il princípio di economia processuale, vol. II, p. 18-36.

181 Nelson Nery Júnior (Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, p. 161) observa que segundo o princípio da proporcionalidade, também denominado de “lei da ponderação”, na interpretação de determinada norma jurídica, constitucional ou infraconstitucional, devem ser sopesados os interesses e direitos em jogo, de modo a dar-se a solução concreta mais justa. A doutrina e a jurisprudência alemãs têm fornecido o principal referencial para os países da civil law, no tocante ao princípio da proporcionalidade. O princípio da proporcionalidade no direito alemão abrange três princípios parciais. O primeiro é o princípio da idoneidade do meio

91

Em primeiro lugar, parece-nos conveniente analisar os casos nos

quais a alteração da demanda é apenas aparente, como ocorre na mudança do

fundamento jurídico do pedido ou na alegação de fatos meramente secundários.

Feito isso, poderemos passar ao estudo do fato superveniente

propriamente dito, quando estabeleceremos a distinção entre fato novo e fato

superveniente e o critério segundo o qual se poderá admitir o conhecimento de

fatos ocorridos após a estabilização da demanda.

empregado para o alcance do resultado com ele pretendido; o segundo, o da necessidade desse meio; e o terceiro princípio parcial corresponde ao mandamento da ponderação. Esses três princípios parciais do princípio da proporcionalidade resultam, logicamente, da estrutura das normas dos direitos fundamentais e essas, novamente, pressupõem o princípio da proporcionalidade (Robert Alexy, Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos Fundamentais no Estado de Direito Democrático. In Revista de Direito Administrativo n.º 217, jul./set.-1999 p. 77). A origem do princípio da proporcionalidade e o campo onde é mais evidente a sua incidência é o direito administrativo. Apesar de o BverfGR ter-se mostrado coerente com a extensão do princípio a outros ramos do direito, tem havido muita relutância por parte da doutrina, em se tratando de empregá-lo fora do seu campo tradicional de atuação, o direito administrativo e constitucional (Luis Francisco Torquato Avólio, Provas Ilícitas, Interceptações telefônicas e gravações clandestinas, p. 63). Mas, segundo Guerra Filho, a proporcionalidade pode ser considerada como constitutiva e, logo, imanente, em relação a setores inteiros do direito. Exemplo típico seria o fornecido pelo Direito Penal, ao se considerar que toda pena fere direitos individuais e só se justifica sua previsão para atender reclamos de bem-estar da comunidade. Neste trabalho, adotamos a premissa de que o confronto entre os artigos 264 e 462 do Código de Processo Civil não levam a uma colisão de princípios propriamente, mas que se trata, na realidade, de uma aparente contradição, passível de ser superada por meio da hermenêutica.

92

8. ALTERAÇÃO DO FUNDAMENTO JURÍDICO DA DEMANDA

8.1 Causa de pedir próxima e causa de pedir remota – 8.2 Definição de fundamento jurídico do pedido – 8.3 O fundamento legal da demanda – 8.4 A mutabilidade do fundamento jurídico da demanda – iura novit curia e naha mihi factum dabo tibi ius – 8.5 A máxima iura novit curia e o princípio do contraditório – 8.6 A apreciação de fundamento jurídico novo e o princípio da demanda

8.1 Causa de pedir próxima e causa de pedir remota

No Brasil, a doutrina majoritária classifica como causa de pedir

remota os fatos e como causa de pedir próxima os fundamentos jurídicos do

pedido.182

182 Cabe assinalar, contudo, que há divergência no tocante a essa nomenclatura. Araken de Assis

(Cumulação de ações, p. 135), Ernane Fidélis dos Santos (Manual de direito processual civil, v.1, p. 306), Humberto Theodoro Júnior (Curso de direito processual civil, p. 64), José Frederico Marques (Manual de direito processual civil, p.159), José Rogério Cruz e Tucci (A causa petendi no processo civil, p. 154), Milton Paulo de Carvalho (Do pedido no processo civil, p.81), Moacyr Amaral Santos (Manual de direito processual civil, v.1, p. 164) Vicente Grecco Filho (Direito processual civil brasileiro, v.1, p. 91), integram a corrente majoritária. Em sentido divergente, Nelson Nery Júnior inverte a classificação, entendendo que a causa de pedir remota seria o fundamento jurídico, ao passo que a causa de pedir próxima seria o fundamento de fato (Código de Processo Civil e legislação processual civil extravagante, notas 1, 3 e r no art. 282, III, do CPC; notas 3 e 4 do art. 103 do CPC). No mesmo sentido é o entendimento de Clito Fornaciari Júnior (Da reconvenção no direito processual brasileiro, p. 118).

93

Segundo José Rogério Cruz e Tucci, “a causa petendi remota (ou

particular) engloba, normalmente, o fato constitutivo do direito do autor associado

ao fato violador desse direito, do qual se origina o interesse processual para o

demandante”, ao passo que a causa de pedir próxima “se consubstancia, por sua

vez, no enquadramento da situação concreta narrada in status assertionis, à

previsão abstrata, contida no ordenamento de direito positivo, e do qual decorre a

juridicidade daquela, e, em imediata seqüência, a materialização, no pedido, da

conseqüência jurídica alvitrada pelo autor”. 183

Alexandre Alves Lazzarini, ao estudar a causa petendi nas ações de

separação judicial, adota uma interessante classificação da causa de pedir,

indicando qual seria, nessas ações, a causa de pedir próxima e subdividindo a

causa de pedir remota, quando se trata de conceito vago, o que é comum em

direito de família. Para o mencionado autor, a causa de pedir próxima, nas ações

de separação judicial, seria a existência do casamento, ao passo que a causa de

pedir remota seria subdividida em causas legais de separação, assim entendidos

os fatos abstratamente previsto em lei, bem como as causas jurídicas, quais

sejam, os fatos constitutivos mesmo. 184

183 A causa petendi no direito processual civil brasileiro, p. 154-155. 184 Segundo o referido autor: “(...)as causas jurídicas e as causas legais correspondem à causa

de pedir remota, sob a ótica do direito processual civil, eis que são os fatos constitutivos que possibilitam o exercício do direito de pleitear a dissolução da sociedade conjugal. Dessa afirmação, tira-se que a causa de pedir próxima será o casamento, ou seja, o fundamento jurídico é a existência do casamento cuja dissolução se pretende em razão dos fatos representados pelas causas jurídicas e legais referidas. Com a inclusão das causas jurídicas e legais (direito material) na causa de pedir remota (direito processual) e do casamento como causa de pedir próxima, ocorrem importantes conseqüências na questão da identificação da ação, em sua parte objetiva, com reflexos nos limites da coisa julgada e na litispendência. Sendo as causas legais conceitos indeterminados, estes são preenchidos, ou especificados, com as causas jurídicas. Isto implica dizer que, verificada a grave violação dos deveres do casamento (causa legal), será necessário que se diga qual o fato que constitui essa grave violação, que poderá ser o adultério (nome jurídico de uma forma de violação do dever de fidelidade) ou o abandono material (nome jurídico de uma forma de violação do dever de mútua assistência ou de sustento dos filhos), que são as causas jurídicas, por exemplo.

94

O referido autor observa ainda que essa interessante classificação

“pode ser utilizada sempre que se estiver em face de um conceito vago, pois

haverá uma tipificação legal, vaga, que é a causa legal, e o fato jurídico que a

preencherá, que é a causa jurídica”.185 E conclui que, “uma vez indicada a causa

jurídica, fixa-se a causa legal, e por conseqüência a causa de pedir remota,

impossibilitando a sua modificação, embora a causa legal seja genérica”. 186

8.2 Definição de fundamento jurídico do pedido

José Roberto dos Santos Bedaque observa, com precisão, que não

é tão clara a distinção entre fato, fundamento jurídico e fundamento legal da

demanda. Esclarece que “fundamento jurídico seria, portanto, a atribuição aos

fatos da vida de determinada conseqüência estabelecida no ordenamento. Ao

descrever o fato e pleitear o efeito jurídico a ele inerente, já estaria o autor

deduzindo o fundamento jurídico”.187

Assim, embora as causas legais acolham um espectro amplo de possibilidades, o fato constitutivo será limitado pela causa jurídica que servirá como fato identificador da causa de pedir remota. E melhor opção o legislador com certeza não teria, que não fosse a fixação da causa legal de forma indeterminada, pendente de sua limitação pela causa jurídica, tendo em vista que, diante da velocidade com que os costumes e valores estão se alterando, uma conduta que se qualificaria como desonrosa do cônjuge no futuro, poderá não sê-lo mais. Apesar disso, mantém-se a estabilidade da legislação” (A causa petendi nas ações de separação judicial, p. 63-64).

185 A causa petendi nas ações de separação judicial, p. 69 (nota 21). 186 Idib., p. 99. 187 Os elementos objetivos da demanda à luz do contraditório. Causa de pedir e pedido no

processo civil, p.33.

95

José Ignácio Botelho de Mesquita define “‘fundamentos jurídicos do

pedido’ como sendo a relação jurídica controvertida e o direito particular dela

decorrente”. 188

Conforme observa Moacyr Amaral Santos, “por fundamento jurídico

do pedido se entende a declaração da natureza do direito pleiteado”. Assim, se o

pedido é de pagamento de dívida (direito obrigacional), dir-se-á: “que sendo

credor (...)”; ou, nas ações em que o pedido se funda em direito real: “que sendo

senhor (...)”.189

Arruda Alvim ensina que o fundamento jurídico consiste na

demonstração de que os fatos jurídicos “levam necessariamente à conclusão ou

conclusões pedidas, isto é, à relação de causa e efeito (no plano lógico e volitivo

do autor) entre os fatos e o pedido”.190

A denominada causa de pedir próxima, que compreende os

fundamentos jurídicos do pedido, ou, mais precisamente, a relação jurídica da

qual decorre o direito afirmado pelo demandante, nada tem a ver com o

fundamento legal eventualmente atribuído pelo autor, como será observado a

seguir.

8.3 O fundamento legal da demanda

Segundo José Carlos Barbosa Moreira, também não há alteração da

causa petendi, quando o autor, sem modificar o fato ou o conjunto de fatos

188 Como visto anteriormente, a exigência do legislador brasileiro de especificação na inicial, não

só dos fatos, mas também os fundamentos jurídicos do pedido, levou José Ignácio Botelho de Mesquita a sustentar que no Brasil não haveria filiação à teoria da substanciação, mas sim, que ter-se-ia adotado uma posição de grande equilíbrio entre ambas as correntes (A “causa petendi” nas ações reivindicatórias, Revista de Direito Processual 6/197).

189 Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol. p. 140. 190 Manual de direito processual civil, p. 489.

96

narrados, naquilo que bastaria para produzir o efeito jurídico pretendido “(...)

invoca em seu favor norma jurídica diversa da primitivamente invocada, desde

que o efeito jurídico atribuído à incidência de nova norma sobre o fato ou o

conjunto de fatos seja idêntico ao efeito jurídico atribuído na inicial à incidência da

norma primitivamente invocada – v. g. a substituição da referência a um pela

referência a outro dentre os dispositivos legais que autorizam a declaração de

despejo”.191

No mesmo sentido é a lição de Arruda Alvim, ao observar que “a

fundamentação legal, isto é, a indicação do artigo de lei aplicável – segundo

entendimento do autor – à hipótese fático-jurídica deduzida é extrínseca à

identificação de ações. Nada tem a ver com ela”. E, a partir de tal raciocínio,

conclui que “há liberdade para o autor, sem alterar a estrutura da demanda, de

mudar a fundamentação legal (artigo de lei), a qual, rigorosamente, nem sequer

precisaria constar do petitório inicial; pela mesma razão, o juiz pode acolher a

demanda, fundando-se em lei diversa”.192 - 193

O mesmo autor ressalta, ainda, que “a invocação de outra norma

legal superveniente à petição inicial é irrelevante, para pretender-se pudesse

haver modificação do libelo, porque o juiz, em face do princípio iura novit cúria,

não está adstrito às indicações de normas legais feitas pelas partes”.194

Segundo Araken de Assis, a fundamentação legal ou o nomem iuris,

fornecidos pelo autor, “se ostentam inteiramente irrelevantes na caracterização da

causa petendi”.195

191 O novo processo civil brasileiro, p. 21. 192 Manual de direito processual civil, v. 1, p. 489. 193 No mesmo sentido, v. Arakén de Assis, Cumulação de ações, p. 119-120. 194 Ibidi, v. 2, p. 363. 195 Cumulação de ações, p. 51.

97

Também Dinamarco observa que “o fundamento legal – mera

indicação dos dispositivos da lei, seus artigos etc. – não integra a causa de pedir

e não concorre para individualizar a demanda. Não o exige o inc. III do art. 282 do

Código de Processo Civil nem seria razoável que o fizesse”. 196

José Rogério Cruz e Tucci lembra, ainda, que o juiz pode

fundamentar-se em normas jurídicas sequer cogitadas pelas partes, sem que o

julgamento seja considerado extra ou ultra petita.197

Portanto, embora o nomem iurus ou o fundamento legal possam

influenciar o raciocínio do julgador, sua declinação não é necessária e, do ponto

de vista da ciência processual, é até irrelevante, uma vez que não gera vinculação

alguma, de nenhum dos participantes do processo.

8.4 A mutabilidade do fundamento jurídico da demanda – iura novit

cúria – naha mihi factum dabo tibi ius

Em nosso Código de Processo Civil não há dispositivo legal que

trate expressamente das regras consubstanciadas nos aforismos iura novit cúria e

narra mihi factum dabo tibi jus. Contudo, a vigência de tais máximas é

reconhecida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência.198

Sérgio Seiji Shimura observa que, “no direito pátrio, nas instâncias

ordinárias, vige o princípio do jura novit cúria, pelo qual presume-se que o juiz

196 Instituições de direito processual civil, v. 2 , p. 128. 197 A motivação da sentença no processo civil, p.105.

98

conhece o direito, isto é, tem incidência o brocardo narra mihi factum dabo tibi jus

(narra-me o fato e te darei o direito). O nomem juris que se dê a uma categoria

jurídica ou o dispositivo de lei que se invoque para caracterizá-la são irrelevantes

se acaso equivocadamente indicados. O que o juiz necessita são os fatos, pois o

direito ele conhece. A subsunção do fato à norma é dever do juiz; a categorização

jurídica do fato é tarefa do julgador”. 199

Resta claro, portanto, que o juiz não se vincula à qualificação

jurídica atribuída aos fatos pelas partes. 200 Com efeito, conforme observa José

Rogério Cruz e Tucci, “o juiz não só pode como deve, sem alterar os fatos

expostos, imprimir o enquadramento jurídico que o fato essencial mereça”.201

Tal circunstância decorre da adoção, pelo nosso sistema

processual, dos aforismos “iura novit curia” e “naha mihi factum dabo tibi ius”.

Assim, embora os fundamentos jurídicos integrem a causa de pedir, não são

delimitadores da decisão a ser proferida pelo magistrado e, portanto, não se

tornam imutáveis.202

198 Nesse sentido, afirmando que “cabe ao juiz dizer o direito que incidiu, ainda que diverso do

título jurídico da pretensão da parte que não vincula o julgador, v. REsp. 577.014/CE, Superior Tribunal de Justiça, 6ª turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 21/09/2204, d.j.u. 13/12/2004.

199 Breves considerações sobre a emendatio libelli e a mutatio libelli. Revista de Processo 59/237. 200 A esse respeito, reconhecendo a possibilidade de “nova leitura da moldura fática”, já decidiu o

Superior Tribunal de Justiça, em acórdão cuja ementa a seguir reproduzimos: “Processo Civil. Proteção – Possessória. Causa petendi. Inocorrência de alteração, servidão de trânsito por destinatário Patris Famílias – Segundo esmerada Doutrina, causa petendi é o fato ou conjunto de fatos suscetível de produzir, por si, o efeito jurídico pretendido pelo autor.- Não se verifica alteração da causa de pedir quando se atribui ao fato ou ao conjunto de fatos qualificação jurídica diversa da originariamente atribuída. – Incumbindo ao Juiz a subsunção do fato à norma, ou seja a categorização jurídica do fato inocorre modificação da causa petendi se há compatibilidade do fato descrito com a nova qualificação jurídica ou com o novo enunciado legal. – Mostra-se sem vício a decisão que, após nova leitura da moldura fática, defere proteção possessória não sob o prisma da passagem de prédio encravado, mas sob o enfoque da servidão de trânsito por destinação do proprietário.” (REsp 2403-RS, STJ, Quarta Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j.28/08/1990, d.j.u. 24/09/1990).

201 A causa petendi no processo civil, p. 171. 202 Conforme ensina Cândido Rangel Dinamarco: “No tocante à causa petendi, o art. 264 impede

que o autor imponha ao réu qualquer alteração dos fatos descritos na petição inicial à guisa de fundamento do pedido. Embora também os fundamentos jurídicos se reputem incluídos na

99

Conforme pondera José Carlos Barbosa Moreira, não há alteração

da causa petendi, quando o autor, sem modificar o fato ou o conjunto de fatos

narrados, naquilo que bastaria para produzir o efeito jurídico pretendido, “(...)

passa a atribuir ao fato, ou ao conjunto de fatos, qualificação jurídica diferente da

originalmente atribuída – v.g. chamando ‘dolo’ ao que antes denominara ‘erro’

(haveria, ao contrário, alteração da causa petendi se o autor passasse a narrar

outro fato, quer continuasse, quer não, a atribuir-lhe a mesma qualificação

jurídica)”. 203

É interessante mencionar, inclusive, que o Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo, nesse mesma linha, considera possível a alteração da

qualificação jurídica dada pela parte a determinado documento constante dos

autos, sem que isso implique em alteração da causa de pedir.204

causa de pedir e os exija a lei como requisito da petição inicial (art. 282, inc. III), eles não concorrem para a determinação dos limites do julgamento de mérito a ser feito afinal. O que deve permanecer integro é a narrativa de fatos, porque fora destes o juiz jamais poderá julgar (art. 128) e é dos fatos narrados que o réu se defenderá (regime da substanciação). Da causa de pedir, somente a narrativa de fatos se estabiliza, até porque, quanto aos fundamentos jurídicos, o próprio juiz pode trazer outros diferentes dos que o autor haja alegado (narra mihi factum dabo tibi jus). A proibição contida no art. 264 do Código de Processo Civil compreende exclusivamente os fatos constitutivos do direito alegado na petição inicial, ficando fora dela meras circunstâncias, ainda que de fato acrescentadas pelo autor como argumentação, reforço de argumentação ou ainda, como fonte indiciária de convencimento. Quanto a esses novos fatos o autor é livre para aduzi-los depois da citação e o juiz, para levá-los em conta mesmo contra a expressa oposição do réu. Exemplos: a) numa ação de separação judicial a autora traz como fundamento o abandono do lar conjugal pelo marido e, depois da citação, vem com a alegação de que ele passou a viver com outra mulher; b) no curso de um processo com pedido de anulação de contrato por erro, o autor acrescenta que fora induzido em erro pelo réu; c) numa ação civil pública por danos ambientais, o Ministério Público acrescenta que algumas ou muitas pessoas vêm contraindo moléstias em virtude da poluição causada pela ré, etc. Cada um desses fatos novos pode influir no convencimento do juiz, destinado ao julgamento do mérito da causa, mas nenhum deles é essencial para que esse julgamento seja proferido nos limites postos pelo autor ao demandar.” (g.n.) (Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 71).

203 O novo processo civil brasileiro, p. 21. 204 A esse respeito, vide julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja ementa

abaixo reproduzimos: Processo - Alegada alteração da causa de pedir pela inclusão de fato novo nas razões recursais - Inocorrência - Significado atribuído a determinado documento, por parte do sindicato apelante, que não implica em trazer dado novo, mas apenas na valoração específica sob sua ótica - Estabilidade do processo não atingida - Preliminar repelida - Conhecimento.

100

Cândido Rangel Dinamarco observa que, no sistema processual

brasileiro, em decorrência da adoção do sistema da substanciação, somente os

fatos narrados influem na delimitação objetiva da demanda e conseqüentemente

da sentença, mas os fundamentos jurídicos não. Segundo o mencionado autor, a

invocação dos fundamentos jurídicos não passa de mera proposta ou sugestão

endereçada ao juiz, que é livre, no entanto, para dar aos fatos o enquadramento

que julgar mais adequado.205

Nessa classificação, apenas a causa de pedir remota, ou seja, os

fatos, é que tornam-se imutáveis, uma vez que, em virtude do aforismo iura novit

cúria, o juiz não está vinculado à causa de pedir próxima, quais sejam, os

fundamentos jurídicos da demanda.206

Assim, o juiz pode rejeitar os fundamentos jurídicos apresentados

pelas partes e fundamentar-se em normas jurídicas sequer cogitadas nos autos,

(Apelação Cível n. 49.749-4 - São José dos Campos – TJSP - 5ª Câmara de Direito Privado - Relator: Marcus Andrade – j. 17.12.98 - v.u.).

205 “Vige no sistema processual brasileiro o sistema da substanciação, pelo qual os fatos narrados influem na delimitação objetiva da demanda e conseqüentemente da sentença (art. 128), mas os fundamentos jurídicos não. Tratando-se de elementos puramente jurídicos e nada tendo de concreto relativamente ao conflito e à demanda, a invocação dos fundamentos jurídicos na petição inicial não passa de mera proposta ou sugestão endereçada ao juiz, ao qual compete fazer depois os enquadramentos adequados - para o que levará em conta a narrativa de fatos contida na petição inicial, a prova realizada e sua própria cultura jurídica, podendo inclusive dar aos fatos narrados e provados uma qualificação jurídica diferente daquele que o demandante sustentara (narra mihi factum dabo tibi jus). Se o autor narra determinados fatos na petição inicial e com fundamento neles pede a anulação do contrato por erro, nada o impede – e nada impede o juiz também – de alterar essa capitulação e considerar que os fatos narrados integram a figura da coação e não do erro. O resultado prático será o mesmo, porque qualquer um desses vícios do consentimento conduz à anulabilidade do negócio jurídico e, portanto, autoriza a sua anulação (CC art. 171, inc. II). Mas os fatos o autor não pode alterar, nem pode o juiz apoiar-se em outros para fazer o seu julgamento. É claro que, se a nova capitulação jurídica atribuída aos fatos narrados não conduz ao resultado postulado, a pretensão do autor não poderá obter sucesso” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 128).

206 Nesse sentido, Calmon de Passos diz que “o juiz necessita do fato, pois o direito ele é que o sabe” (Comentários ao Código de Processo Civil, p. 190). Nesse mesmo sentido, v. REsp. 441.201/PR, Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 16/12/2004, d.j.u. 28/02/2205, o qual afirma, em sua ementa que “O Tribunal a quo, ao dar parcial provimento, aos embargos infringentes, ensejando a prevalência do voto minoritário, tão-somente deu aos fatos narrados pelo autor, consoante as provas

101

sem que isso caracterize julgamento extra ou ultra petita. 207 A decisão judicial

encontra seus limites nos fatos narrados pelas partes – naha mihi factum, dabo

tibi ius).208

Todavia, como adverte Dinamarco, embora os fundamentos

jurídicos não vinculem o juiz, isso não significa que eles deixem de integrar a

causa petendi: “exige-os a lei expressa (art. 282, inc. III) e eles têm algumas das

utilidades que a lei associa à individualização das demandas – ao menos no

tocante à competência (p. ex., causas fundadas em direito pessoal ou real: arts.

94-95).”209

Nesse ponto, convém mencionar a preocupação que parte da

doutrina revela quanto ao risco de excessos na aplicação dos aforismos iura novit

cúria e da mihi factum, dabo tibi ius, especialmente no que diz respeito aos

princípios do contraditório e da demanda.

8.5 A máxima iura novit cúria e o princípio do contraditório

Carlos Alberto Álvaro de Oliveira ressalta que “a liberdade

concedida ao julgador na eleição da norma a aplicar, independentemente de sua

invocação pela parte interessada, consubstanciada no brocardo iura novit cúria,

constantes nos autos, o correto enquadramento legal, seguindo a máxima narra mihi factum, dabo tibi ius”.

207 José Rogério Cruz e Tucci, A motivação da sentença no processo civil, p. 105. 208 José Rogério Cruz e Tucci observa que “é portanto forçoso reconhecer que toda essa

concepção sintetizada pelo velho aforismo da mihi factum dabo tibi ius, está a revelar que, no drama do processo, a delimitação do factum e a individualização do ius correspondem, em princípio, a atividades subordinadas à iniciativa de diferentes protagonistas” (A causa petendi no processo civil, p. 162). A respeito da aplicação do aforismo da mihi factum dabo tibi ius ver ainda, o REsp n.o. 440.901-RJ, STJ, Sexta Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 20.04.2004, d.j.u. 21/06/2004.

102

não dispensa a prévia oitiva das partes sobre os novos rumos a serem imprimidos

ao litígio, em homenagem ao princípio do contraditório”. E conclui que “o diálogo

judicial torna-se, no fundo, dentro dessa perspectiva, autêntica garantia de

democratização do processo, a impedir que o órgão do poder judicial e a

aplicação da regra iura novit cúria redundem em instrumento de opressão e

autoritarismo, servindo às vezes a um mal explicado tecnicismo, com obstrução à

efetiva e correta aplicação do direito e à justiça do caso”.210

José Roberto dos Santos Bedaque sustenta que o brocardo iura

novit cúria deve ser interpretado considerando-se a supremacia do princípio do

contraditório, de modo que, se o juiz entender aplicável uma norma jurídica

diferente daquela aventada pela parte, deve possibilitar a prévia manifestação dos

litigantes a respeito, inclusive porque o novo enquadramento jurídico vislumbrado

pelo juiz pode ter conseqüências nunca imaginadas pelas partes.211

Marcelo Abelha Rodrigues afirma que o magistrado pode julgar com

base em fundamento jurídico diverso do apontado e desenvolvido pelo

demandante, desde que permita o exercício do contraditório ao demandado, para

evitar surpresa processual. Para sustentar tal argumento, apresenta elucidativo

exemplo: “o autor veicula pedido de rescisão da sentença de mérito transitada em

julgado com base em determinado fundamento do art. 485, e, o réu, exerce o

contraditório afastando a tese do autor, e, na hora de proferir a sentença, o

magistrado acolhe o pedido com base em fundamento diverso, que não foi objeto

de discussão no processo, apenas porque identificou na demanda que o fato

narrado e discutido referia-se a outro dispositivo do mesmo artigo. Há de se

209 Instituições de direito processual civil, vol II, p. 128. 210 Garantia do contraditório. Garantias constitucionais, p. 143. 211 Os elementos objetivos da demanda à luz do contraditório, p. 38-42.

103

lembrar que não se discutem no processo apenas questões de fato, mas também

questões de direito, motivo pelo qual não se poderia usurpar do demandado o

direito de participar e assim contraditar o outro fundamento que acabou sendo

acolhido pelo juiz”.212

Carlos Alberto Álvaro de Oliveira sustenta a necessidade de

modificar-se, à luz da dialeticidade do processo, o entendimento que vem sendo

dado ao brocardo da mihi factum, dabo tibi ius. 213

Nessa mesma linha, Ricardo de Barros Leonel conclui que, “embora

seja válida a acepção de que os fatos dependem das partes, e o ‘direito é

apanágio do juiz’, isso não pode ser visto de forma absoluta. O magistrado não é

absolutamente isento de poderes com relação aos fatos, e não possui ‘monopólio’

absoluto quanto ao direito. Tendo como pano de fundo a prática adequada do

contraditório, torna-se mais fácil fugir da ‘aritmética’ separação entre ‘fato’ e

‘direito’.214

8.6 A apreciação de fundamento jurídico novo e o princípio da

demanda

É preciso considerar que a apreciação de fundamentos novos

decorrentes de fatos não ventilados pelo autor conflita, evidentemente, com o

princípio da demanda.

212 Elementos de direito processual civil, v. 2, p. 164. 213 O juiz e o princípio do contraditório, p. 177. 214 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 253.

104

Contudo, embora o juiz não esteja vinculado aos fundamentos

jurídicos apresentados pelas partes, também haverá violação ao princípio da

demanda se o juiz, ainda que considerando os mesmos fatos, desprezar as

normas jurídicas invocadas pelos litigantes e levar em consideração outras

normas que produzam conseqüências diferentes das que decorreriam das normas

originariamente alegadas.

Nesse sentido, Milton Paulo de Carvalho chama a atenção para o

problema que denomina de “autonomização do objeto litigioso em relação ao

direito material”, advertindo para o risco de que, “sob o pretexto de que o tribunal

conhece o direito, pode chegar-se a invadir os limites do objeto litigioso fixados

soberanamente pelas partes a partir do pedido do autor”.215

Com referência a essa preocupação, Fritz Baur sustenta que: “A

dicção iura novit cúria não significa que o tribunal disponha do monopólio da

aplicação do direito, desconhecendo ou desprezando as conclusões das partes

tendo em vista as normas jurídicas invocadas pelos litigantes”. 216

O mencionado autor lembra que o aforismo, em sua origem,

“entendia-se, provavelmente no sentido de que as normas jurídicas não precisam

de prova, dado que o juiz deve conhecê-las”217 e adverte para o fato de que, se

inexiste a obrigação formal de indicar a norma legal que a parte pretende ver

aplicada, existe a obrigação material de se fornecerem ao juiz todos os elementos

de convencimento do direito pleiteado, sob pena de suportar as “conseqüências

215 Do pedido no processo civil, p. 83. 216 Da importância da dicção iuria novit cúria, p. 177. 217 Ibid., p. 169.

105

origináveis da circunstância de o juiz não ‘descobrir’ essa norma, ou, então, se ele

a descobre mas não interpreta corretamente”. 218

Na verdade, é preciso que a nova qualificação jurídica decorra do

fato essencial descrito pelo autor e leve aos efeitos jurídicos por ele pretendidos e

que consubstanciam o pedido. 219

Admite-se assim, por exemplo, com base nos mesmos fatos

narrados e tendo em vista o mesmo efeito pretendido, passar-se de erro para dolo

ou coação.

Contudo, não se admite a introdução de novo fato essencial, ainda

que se busque manter a qualificação jurídica original. Nesse sentido é elucidativo

o exemplo apresentado por Guilherme Freire de Barros Teixeira: “Se (...) o autor

descreveu os fatos envolvendo um acidente de trânsito e utiliza como fundamento

jurídico de seu pedido de indenização a responsabilidade subjetiva do réu,

baseada em ato culposo, não pode, posteriormente, alterar a qualificação jurídica

dos fatos, pretendendo a indenização com base na responsabilidade objetiva.

Neste caso, diversamente da variação de erro para dolo ou coação, haverá

modificação na substância do conjunto de fatos narrados, incidindo as regras

referentes à estabilização da demanda. Porém, se, a despeito de o autor fazer

expressa menção à responsabilidade subjetiva, narrar os fatos sob a ótica da

responsabilidade objetiva, permitindo que o réu defenda-se dos fatos, à luz da

218 Ibid, p. 171. 219 Nesse sentido, ver o acórdão do STJ cuja ementa abaixo se reproduz:

“Sentença – adequação a causa de pedir. Inexiste dissenso entre o julgado e o libelo quando considerados exatamente os fatos descritos na inicial, não importando que lhes tenha sido emprestada qualificação jurídica não mencionada expressamente na inicial. Provas – Lícito ao juiz determinar de ofício sua produção sem que, com isso, haja ofensa ao artigo 330,I do Código de Processo Civil.” (REsp 1844-SP, STJ, Terceira Turma, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 10/04/1990, d.j.u. 07/05/1990)

106

qualificação jurídica correta, nada impede que o juiz acolha o fundamento jurídico

diverso do constante da petição inicial”.220

No mesmo sentido, José Roberto dos Santos Bedaque observa que,

“ao formular o pedido de tutela jurisdicional, o autor atribui aos fatos por ele

narrados a aptidão para produzir determinada conseqüência jurídica. Desde que

se atenha a esses limites objetivos, ou seja, os fatos e os efeitos jurídicos

pretendidos, o juiz pode aplicar regra diversa da invocada”.221

220 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 177-178. 221 Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do contraditório, p. 33.

107

9 . ALEGAÇÃO DE FATOS SECUNDÁRIOS

9.1 Distinção entre fatos principais e fatos secundários – 9.2 Os fatos principais e a imutabilidade da causa petendi – 9.3 Os fatos secundários e o problema do conteúdo da causa de pedir – 9.4 Os fatos secundários e os poderes instrutórios do juiz

9.1 Distinção entre fatos principais e fatos secundários

Outra possibilidade de alegação de fato que não altera a causa

petendi é a que diz respeito a fato secundário ou simples.

A doutrina costuma distinguir os fatos jurídicos, também chamados

de principais, dos fatos simples, também denominados secundários. 222

Fatos jurídicos são aqueles dos quais decorre a relação jurídica que

fundamenta a ação, ou, para utilizar as palavras de Milton Paulo de Carvalho, são

os que se apresentam “como causa eficiente de uma pretensão processual”.223

222 É interessante observar que, em Portugal, Miguel Teixeira de Sousa, ao comentar o art 264º

do Código de Processo Civil português, classifica os fatos em três categorias: a) fatos essenciais ou principais são os que integram a causa de pedir e a exceção e cuja falta inviabiliza a ação ou a defesa; b) fatos instrumentais, probatórios ou acessórios são os que indicam os fatos essenciais e podem ser utilizados como prova indiciária destes últimos; e c) fatos complementares ou concretizadores, que são aqueles cuja falta não implica a inviabilidade da ação ou da defesa, mas participam da causa de pedir ou da exceção, tornando-as complexas; são indispensáveis à procedência da ação ou da exceção (Aspectos do novo processo civil português, Revista de Processo 86, p. 174-184).

223 Do pedido no processo civil, p. 126.

108

Chiovenda ressalta que “a vontade da lei, conforme se viu, torna-se

concreta, vale dizer, dá lugar a relações jurídicas, em virtude de fatos que se

verificam”, e explica que os fatos jurídicos são exatamente aqueles “de que deriva

a existência, a modificação ou a cessação de uma vontade concreta de lei”. 224

Fatos simples, por outro lado, são todos os demais fatos, que em

regra servem apenas para corroborar os fatos jurídicos.225

Conforme Chiovenda, os fatos simples, também chamados de

motivos, são aqueles “que só têm importância para o direito enquanto possam

servir a provar a existência de um fato jurídico”.226

Para ilustrar a mencionada distinção, Proto Pisani lança mão dos

seguintes exemplos: a) em acidente de trânsito, a culpa do condutor que

trafegava em excesso de velocidade é o fato jurídico ou principal; a velocidade

excessiva imprimida poucos minutos antes do acidente e o hábito do condutor de

trafegar em excesso de velocidade são fatos meramente secundários; b) em

indenização por ato ilícito, o fato principal (ou essencial) é a lesão física

224 Instituições de direito processual civil, p. 7. 225 Arruda Alvim distingue os fatos jurídicos (também chamados principais) dos fatos simples

(também chamados secundários), observando que: “por fatos jurídicos entendemos os de que dimanam conseqüências jurídicas. Distinguem-se eles, como categoria mental, dos chamados fatos simples, os quais, de per si, são insuficientes para gerar conseqüências jurídicas. Levam estes, apenas ao conhecimento pleno dos fatos jurídicos (qualificados aqueles como tais), os quais não poderão, de forma alguma, ser mudados durante a demanda (salvo modificação do libelo – art. 264, caput, se admitida), o que já não ocorre com a simples” (Manual de direito processual civil, v. 1, p. 490). José Rogério Cruz e Tucci, por seu turno, observa que os fatos essenciais para configurar o objeto do processo são exclusivamente aqueles que têm o condão de delimitar a pretensão e que, além de constituir o objeto da prova, são pressuposto inafastável da existência do direito submetido à apreciação judicial (A causa petendi no processo civil, p. 153). A esse respeito, Dinamarco afirma que “os fatos que necessitam ser alegados, sob pena de não poderem ser conhecidos são exclusivamente aqueles que dão corpo à causa petendi ou à causa excipiendi. Eventuais fatos circunstanciais, ou fatos simples, podem ser levados em conta - como p. ex. a circunstância de o réu estar ausente do país no dia da ocorrência do dano que lhe imputa o autor, ou a incapacidade física do autor para gerar o filho de sua mulher, na época em que ele foi concebido (CC, art. 1.599)” (Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 282).

226 Op. cit , p. 7.

109

provocada por facadas; já a luta entre os antagonistas, a posse de uma faca

compatível com o ferimento, as manchas de sangue na roupa do agressor, a

impressão digital no cabo da faca encontrada na cena do crime são todos fatos

simples (ou secundários).227

No Brasil, Arakén de Assis fornece vários exemplos de fatos

secundários: “se o adultério se consumou de manhã, ou à noite; se o dia estava

ensolarado, ou chovia; se o marido embriagou-se nesta ou naquela bodega; se o

acidente ocorreu no início desta rua, ou no fim daquela; se numa sexta-feira ou

num sábado”. E explica que se trata, no caso, de “circunstâncias da causa

petendi”, que a completam, a esclarecem, mas não a constituem, nem a

distinguem.228

Alexandre Alves Lazzarini observa que a distinção entre fatos

jurídicos e fatos simples adquire relevância se adotada a teoria da substanciação.

Nesse contexto, apresenta o exemplo de ação de separação fundada na alegação

de injúria grave decorrente de agressão praticada pelo cônjuge, para assinalar

que a agressão constitui injúria grave tanto na forma real (agressão física) como

na forma verbal (insultos, palavras ofensivas), mas que a forma por si só é fato

simples, podendo então variar.229

Guilherme Freire de Barros Teixeira observa que nem sempre é

clara a distinção entre os fatos principais e os simples, pois um mesmo fato pode

ser essencial em certa demanda e secundário em outra. Em caso de adultério,

por exemplo, a identificação da terceira pessoa, dependendo da argumentação

adotada na inicial, pode ser fato simples ou secundário, uma vez que, quando

227 Lezioni di diritto processuale civile, Napoli, Jovene, 1994, p. 448-9.

110

conhecida a pessoa, esta se insere dentre os fatos principais, mas se

desconhecida, passa a ser fato secundário, sendo essencial o relacionamento

extraconjugal com pessoa não identificada. O mesmo autor ressalta ainda que há

hipóteses nas quais a defesa apresentada pelo réu pode influir na classificação de

um fato como essencial ou secundário e exemplifica com o caso em que, numa

ação de indenização por danos decorrentes de acidente de trânsito, o autor

alegue que o evento tenha ocorrido em um sábado, o que constitui, em princípio,

um fato secundário, mas a defesa apresentada pelo réu baseia-se na afirmação

de que este não sai de casa aos sábados em virtude de preceito religioso, o que

torna o fato essencial.230

9.2 Os fatos principais e a imutabilidade da causa petendi

Os fatos jurídicos que se tornam imutáveis são, portanto, aqueles

em virtude dos quais entende o autor ser justificável seu acesso ao Judiciário para

pleitear uma dada providência prevista pelo ordenamento e precisamente a que

decorre dos efeitos jurídicos daqueles fatos.

A alegação de fatos meramente secundários, que apenas

corroboram os fatos propriamente jurídicos, não altera a causa de pedir. 231

228 Cumulação de ações, p. 139. 229 A causa petendi nas ações de separação judicial, p. 71. 230 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 167. 231 Cabe registrar que Proto Pisani propõe um meio termo entre as teorias da substanciação e da

individualização, buscando mitigar os extremos de ambas as doutrinas por intermédio da utilização do conceito de fattispecie, que constitui o objeto substancial da demanda. Segundo tal concepção, a causa de pedir é delimitada pelos elementos de fato e de direito da fattispecie da qual deriva o direito substancial deduzido em juízo. Assim, haverá modificação da causa petendi quando se alterarem os elementos de fato e os elementos de direito da fattispecie da

111

Por outro lado, se o autor narra outro fato principal, diverso do

afirmado na petição inicial, haverá alteração da causa de pedir, incidindo as

regras proibitivas referentes à estabilização da demanda.232

Nesse sentido, Vicente Grecco Filho observa que não são

consideradas como modificações de causa de pedir, nem ensejam demanda

diferente, as circunstâncias de fato que, perante o direito material, não sejam

suficientes ou adequadas a justificar o pedido.233

9.3 Os fatos secundários e o problema do conteúdo da causa de

pedir

Guilherme Freire de Barros Teixeira, com apoio na lição de Calmon

de Passos, entende que tanto os fatos principais quanto os fatos simples são

componentes do conjunto fático que forma a causa de pedir remota. A diferença

entre eles reside na constatação de que, enquanto os primeiros são

imprescindíveis e atuam como pressupostos necessários para a subsistência do

qual emerge o direito deduzido. Por outro lado, não haverá tal modificação se forem alterados os elementos de fato, dos quais derivam os elementos de direito da fattispecie constitutiva do direito deduzido em juízo e tampouco quando se alterarem os fatos não coligados com o direito deduzido (Dell’esercizio dell’azione, Comentário Del Códice di Procedura Civile, Torino, Utet, 1973, p. 1062).

232 Guilherme Freire de Barros Teixeira, O princípio da eventualidade no processo civil, p. 169. 233 Direito processual civil brasileiro, v.1. p. 92.

No mesmo sentido é a orientação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em acórdão cuja ementa abaixo reproduzimos: “Indenização - Fundamentos de fato - Alteração - Emenda da inicial, mantendo-se a causa de pedir - Admissibilidade - Pedido e objeto nele contido que permaneceram íntegros, bem como o fato jurídico constitutivo - Preliminar rejeitada”. (JTJ 208/79).

112

direito, os últimos não são essenciais, podendo ser inclusive modificados no

decorrer do processo, sem que haja alteração da causa de pedir remota.234

Em sentido contrário, Milton Paulo de Carvalho sustenta que a

causa de pedir remota é formada somente pelos fatos com relevância jurídica e

não pelos fatos simples.235

Portanto, uma vez que os fatos simples ou secundários não

integram a causa de pedir, poderiam ser alegados no curso da demanda, sem

que isso representasse violação ao princípio da imutabilidade da causa petendi.236

A afirmação de que os fatos simples não integram a causa de pedir

refere-se ao problema da identificação da ação, o que não significa que as partes

possam alegar tais fatos livremente, ou seja, a qualquer momento, sem qualquer

limitação.

234 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 170. 235 Do pedido no processo civil, p. 94. 236 Arruda Alvim observa que “haverá modificação causal (da causa petendi, ou do fundamento

da pretensão), se for substituído o fato em que se baseava o pedido, e mercê do qual foi feito. Ou melhor, se forem substituídos os fatos que servem à própria identificação da ação, ou à identificação da relação jurídica material. Fatos secundários, que servem para completar o quadro dos fatos narrados, se modificados ou retificados, não alteram a demanda. O que não é possível é modificar o acontecer histórico que dá base à demanda. Assim, é possível ao autor corrigir, ainda que já realizada a citação, equívocos ou erros e, se for o caso, esclarecer dúvidas constantes da inicial, sem que isto queira significar a modificação vedada pelo artigo 264” (Manual de direito processual civil, v.2, p. 363). No mesmo sentido, Barbosa Moreira afirma que: “não há alteração da causa petendi quando o autor, sem modificar o fato ou o conjunto de fatos narrados, naquilo que bastaria para produzir o efeito jurídico pretendido (...) se limita a reformular a narração de circunstâncias acidentais, suprimindo, acrescentando ou modificando alguma – v.g., em ação de separação com fundamento em adultério, o autor, que já caracteriza na inicial, em substância, o fato das alegadas relações adulterinas, aduz ao propósito outros pormenores, no curso do processo“ (O novo processo civil brasileiro, p. 21). O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já decidiu que os fatos simples podem ser alterados no curso do processo, embora tenha empregado a expressão “circunstâncias acidentais”, conforme se verifica na seguinte ementa: “Causa de pedir – Narrativa feita após a contestação para esclarecimento da petição inicial – Não configuração de alteração da causa de pedir. Ação de cobrança. Alteração da causa de pedir. Inocorrência. Não-explicitação satisfatória na inicial. Narrativa de circunstâncias acidentais. Recurso desacolhido. A narrativa de circunstâncias acidentais feita após a contestação com o intuito de esclarecer a petição inicial, sem modificação dos fatos e dos fundamentos jurídicos delineados na peça de ingresso, não importa em alteração da causa de pedir” (REsp 55.083-SP, STJ, 4ª Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 20/05/1997, DJU 04/08/1997).

113

Nesse sentido, Calmon de Passos observa que “admitir-se a prova

de fato simples não articulado na inicial será legitimar-se a cilada processual e

fazer-se tábula rasa do princípio indeclinável da contraprova, decorrente da

necessária bilateralidade do processo”.237 O princípio em jogo, nessa hipótese, é

o do próprio contraditório.

9.4 Os fatos secundários e poderes instrutórios do juiz

A distinção entre fatos essenciais, também chamados jurídicos, e

fatos secundários, também chamados simples, revela-se de suma importância

também no que diz respeito à compatibilização do artigo 131 do Código de

Processo Civil com o princípio dispositivo, na medida em que se considera que o

juiz pode tomar em consideração, de ofício, tão-somente os fatos simples, e os

fatos jurídicos dependem de alegação da parte.238

237 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 81. Corroborando esse entendimento,

encontramos Alexandre Alves Lazzarini (A causa petendi nas ações de separação judicial, p. 58-59), José Rogério Cruz e Tucci (Questões práticas de processo civil, p. 280).

238 A esse respeito, é esclarecedora a lição de Arruda Alvim: “A petição inicial, que se constitui na forma a ser obedecida pelo que deve tomar a iniciativa da propositura da ação em nosso Direito, encerra um silogismo do qual falaremos na devida oportunidade. Uma das partes desse silogismo (premissa menor) é constituída pelos fatos. O relato dos fatos na petição inicial, bem como na generalidade dos sistemas jurídicos, é feito pelo autor. Em nosso Direito, não há absoluta adstrição do juiz aos fatos alegados pela parte (art. 131). Há, todavia, que se entender isto dentro dos princípios informadores do nosso processo, e, em especial, tendo em vista o princípio dispositivo, estampado no art. 128. Impõe-se, agora, uma distinção essencial, cujo escopo reside em diferenciar o fato jurídico dos fatos simples. Os fatos simples gravitam em torno do fato jurídico e não têm maior relevância, a não ser que sejam considerados sempre com referibilidade àquele. Assim, o fato jurídico é aquele em que, essencialmente, se baseia o autor. Desta forma, quando alguém pede a procedência da demanda de anulação de casamento, por exemplo, baseado em coação, o fato jurídico é a coação. Fatos simples são aqueles que levam à conclusão de que efetivamente ocorreu o fato jurídico. Em si mesmos, os fatos simples não têm maior relevância e não são sequer objeto de qualificação jurídica pelo autor, nem necessitam sê-lo pelo juiz na sentença. Já, porém, quanto ao fato jurídico, é essencial que seja ele juridicamente qualificado pelo autor, quando da

114

Nesse sentido, Arruda Alvim esclarece que ”o art. 131, que dá direito

ao juiz de apreciar livremente a prova, impondo-lhe o direito-dever de atender ‘

aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas

partes’, só tem o sentido de que os fatos (leia-se, no art. 131, fatos simples)

hajam de ser considerados na linha do fato jurídico. Assim, se alguém solicita

separação contenciosa por adultério, é claro que todos os fatos simples,

conducentes à comprovação de tal fato jurídico, hão de ser tidos como relevantes,

mesmo os que não alegados expressamente. Entretanto, não poderá o juiz, com

base no artigo 131, tomar em consideração uma tentativa de homicídio, pois tal

importaria colocar, no fato jurídico do autor, outro fato jurídico, modificando-lhe

arbitrariamente o fundamento do pedido”. 239

Aliás, Proto Pisani ressalta que os fatos secundários adquirem

relevância no processo na medida em que o demandante, não conseguindo

provar de forma direta o fato principal, socorre-se da comprovação do fato

secundário para gerar presunção apta a possibilitar um juízo de verossimilhança

acerca do fato principal.240

propositura da ação. A adstrição do juiz ao fato jurídico é decorrente do princípio dispositivo, mercê do qual há, no processo, que se respeitar a vontade e as informações que a parte deseje trazer ao processo. Desta forma, os fatos que o juiz pode livremente considerar, mesmo independentemente de alegação da parte, são os fatos simples. Deve fazê-lo para poder dar pela procedência ou não da demanda do autor, mesmo que ele não os alegue. Todavia, a consideração destes fatos simples pelo juiz encontra limite absoluto no(s) fato(s) jurídico(s) e no(s) pedido(s). Existencialmente, porém, não há separação entre fato simples e fato jurídico, pois este é aquele, só que devidamente qualificado” (Manual de direito processual civil, v. 1, p. 465/466).

239 Manual de direito processual civil, v. 1, p. 466. 240 A causa petendi no processo civil, p. 153.

115

10. O FATO SUPERVENIENTE – CONHECIMENTO DE FATOS

CONSTITUTIVOS, MODIFICATIVOS OU EXTINTIVOS DO DIREITO

DO AUTOR – CPC., ART. 462

10.1 Distinção entre fato novo e fato superveniente – 10.2 O fato superveniente e o problema da identificação da ação – 10.3 A relação jurídica como parâmetro para delimitar a possibilidade de conhecimento do fato superveniente – 10.4 Classificação dos fatos supervenientes e considerações acerca de cada modalidade: 10.4.1 O fato superveniente constitutivo; 10.4.2 O fato superveniente modificativo; 10.4.3 O fato superveniente extintivo – 10.5 O conhecimento do fato superveniente de ofício: 10.5.1 Conhecimento do fato superveniente de ofício e o princípio da imparcialidade; 10.5.2 Conhecimento do fato superveniente de ofício e o princípio do contraditório

Nada obstante tenha o legislador consagrado um momento para que

ocorresse a estabilização da demanda, com a conseqüente imutabilidade da

causa de pedir, podem ocorrer alterações na realidade fática que interfiram no

resultado da demanda241, ou em sua eficácia.242

241 José Rogério Cruz e Tucci observa que: “O nosso sistema processual, como já frisado, ao

traçar as fronteiras da regra da eventualidade nos arts. 264 e 294 do Código de Processo Civil, não permite que o autor modifique os elementos objetivos da demanda (causa petendi e

116

Tendo em vista esse aspecto, o artigo 462 do CPC estabelece que sejam

conhecidos os fatos supervenientes. Contudo, a exata definição de fato

superveniente e a delimitação do que pode e do que não pode ser considerado

pelo juiz no momento de proferir a sentença, e que não tenha sido alegado na

petição inicial, não é tarefa simples.

Conforme já examinado anteriormente, a alteração do fundamento jurídico

ou legal da demanda,243 bem como a alegação de fatos simples ou

secundários,244 não tem o condão de alterar a causa petendi.

Contudo, quando se trata de fatos constitutivos, modificativos ou extintivos

do direito do autor, os aspectos envolvidos são, em geral, mais complexos.

Pretende-se, a seguir, buscar uma visão sistematizada de tais aspectos.

petitum). Tampouco o réu pode aduzir nova argumentação defensiva (causa excipiendi) depois de ter apresentado sua resposta (art. 300 CPC). Todavia, durante o curso do processo a realidade fática levada pelos litigantes à cognição judicial pode sofrer profunda alteração, chegando até mesmo a influenciar o resultado da controvérsia. Assim, sobrevindo um fato, voluntário ou involuntário, ao ajuizamento da demanda, que tenha o condão de colocar em crise a estabilidade do litígio, não poderá ele deixar de ser apreciado pelo órgão jurisdicional. É, aliás, o que reza o art. 462 do Código de Processo Civil: ‘Se depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença’. A experiência demonstra que o fato superveniente constitutivo faz nascer, para o autor, o interesse de agir, enquanto o fato extintivo o fulmina, impondo ao juiz, a teor do art. 267, VI, do Código de Processo Civil, a extinção do processo sem julgamento de mérito. Saliente-se, nesse particular, que a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (REsp. 12.673-0), patenteou que, segundo os termos do ‘art. 462 da instrumental, o julgado deve refletir o estado de fato da causa no momento da decisão, devendo o magistrado levar em consideração o direito superveniente advindo da ocorrência de fato constitutivo, modificativo ou extintivo de direito. E isso vale tanto para juiz singular quanto para tribunais’. (Tempo e processo, p. 45-46).

242 Ainda segundo José Rogério Cruz e Tucci: “É possível, no entanto, que, com o passar do tempo, haja uma substancial modificação da controvérsia dirimida pela sentença em virtude da superveniência de algum fato ou de norma jurídica nova. E essa particular circunstância poderá trazer conseqüências para a eficácia de precedente decisão” (José Rogério Cruz e Tucci. Tempo e processo, p. 49).

243 Vide item 8 retro. 244 Vide item 9 retro.

117

10.1 Distinção entre fato novo e fato superveniente

Arruda Alvim distingue o fato novo do fato superveniente,

observando que “o juiz não pode conhecer de fato novo ocorrido posteriormente à

propositura da ação, caso este venha a alterar a causa petendi, e/ou o pedido.

Pois por fato novo entenda-se aquele que, rigorosamente, se ajusta à causa

petendi e ao pedido. É fato novo só quanto à circunstância de sua ulterior

ocorrência, relativamente à época da postulação da inicial, e não no sentido de

inovar o petitum e sua(s) causa(ae) petendi, pois já daí deve constar. Já no que

diz respeito ao fato superveniente, o mesmo autor assinala que “o juiz pode e

deve, ex officio, configurados os pressupostos, levar em consideração a sua

ocorrência pois isso está estabelecido no art. 462”.245

Quando o legislador refere-se a “fato constitutivo, modificativo ou

extintivo do direito”, capaz de “influir no julgamento da lide”, não está-se referindo

à possibilidade de alegar-se qualquer fato novo. Refere-se, sim, exatamente aos

fatos jurídicos, que, segundo Liebman, “são os fatos aos quais o direito associa a

constituição, modificação ou extinção de uma relação ou estado jurídico”.246

Portanto, o fato superveniente que o legislador pretende seja

tomado em consideração pelo juiz, até mesmo de ofício, é o fato que altera a

essência da demanda original, em virtude do que dispõe o próprio direito material,

o que, visto de outro ângulo, significa que a possibilidade do conhecimento do fato

superveniente na sentença representa, em última análise, o reconhecimento de

118

que a relação jurídica de direito material, por ser essencialmente dinâmica, está

sujeita a variações.

Nesse sentido, Moacyr Amaral Santos explica que os “requisitos

para o juiz tomar em consideração tais fatos são: 1º. que tenham ocorrido depois

da propositura da ação; 2º que influam no julgamento da lide, isto é, que a lei-

material diga que o fato novo constituiu, modificou ou extinguiu o direito

controvertido” (grifo nosso).247

No mesmo sentido, observa José Rogério Cruz e Tucci que “a causa

superveniens apenas será considerada na hipótese de guardar íntima relação

com o fato inicialmente apontado como representativo do fundamento jurídico do

pedido que é a causa de pedir, seja constituindo-a, seja modificando-a, seja

extinguindo-a. Pois se não participar de nenhuma dessas formas será demanda

diversa, incidindo, in caso, a proibição legal já examinada (art. 264, parágrafo

único, do CPC).”.248

Guilherme Freire de Barros de Teixeira observa que “para que o

direito ou o fato superveniente possam ser considerados, é imprescindível que

participem do fato inicialmente apontado como causa petendi, constituindo-o,

modificando-o ou o extinguindo. Não participando de nenhuma dessas formas, a

causa superveniente será nova causa petendi, a ser discutida em nova ação,

incidindo a proibição do art. 264, parágrafo único, do CPC”. E prossegue

explicando que: “como decorrência da relação com os fatos originariamente

narrados na petição inicial, o fato ou o direito superveniente deve exercer

245 Manual de direito processual civil, v.2, p. 678. 246 Manual de direito processual civil, p. 165. 247 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 411.

119

influência sobre a relação jurídica debatida em juízo e, conseqüentemente, sobre

a decisão a ser proferida. O ius superveniens pressupõe que a lei nova ou o fato

novo possuam efeito constitutivo, modificativo ou extintivo sobre a relação jurídica

controvertida. Havendo alteração nos fatos descritos na petição inicial, a própria

relação jurídica material é afetada. Logo, há relevância do fato ou do direito

supervenientes, que devem ser considerados na sentença. Caso contrário, são

causas irrelevantes, que não influem na demanda e, por isso, não merecem

consideração”.249

Solução semelhante é adotada no Direito português, conforme

dispõe o artigo 273º, 6, do CPC, ao admitir na réplica a modificação simultânea do

pedido e da causa de pedir, desde que não haja convolação para relação jurídica

diversa da controvertida.250

Portanto, para que se caracterize o fato superveniente em sentido

técnico, não basta que ele tenha ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação

ou à estabilização da demanda, mas é necessário que, além disso, tenha ele o

condão de constituir, modificar ou extinguir a relação jurídica originalmente

descrita na petição inicial. Enfim, é o que se pretende designar quando se fala em

íntima relação com a causa de pedir originalmente deduzida.

248 A causa petendi no processo civil, p. 177. 249 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 255-256. 250 Antonio Montalvão Machado e Paulo Pimenta advertem, contudo, que “a possibilidade de

alterar o pedido ou a causa de pedir na réplica constitui uma função simplesmente acessória

120

10.2 O fato superveniente e o problema da identificação da ação

Como visto, a norma contida no artigo 462 do CPC sugere uma

contradição em relação ao postulado da imutabilidade da causa de pedir, tal como

consagrado no artigo 264 do CPC.251

José Carlos Barbosa Moreira reconhece a dificuldade em discutir se

o artigo 462 do Código de Processo Civil representa ou não uma exceção à regra

da imutabilidade da causa de pedir, afirmando, no entanto, que o fato

superveniente deve ser conhecido, porque se trata de norma expressa.252

Observa-se que a lei fala em “fato constitutivo, modificativo ou

extintivo do direito”, capaz de “influir no julgamento da lide, o que indica já de

deste articulado, não podendo o mesmo ser apresentado apenas para esse efeito” (O novo processo civil, p.185).

251 A esse respeito, adverte Dinamarco: “Como regra de caráter bem amplo, o art. 462 do Código de Processo Civil interfere na interpretação do veto às alterações da causa petendi, contido no artigo 264. Dizendo ele que na sentença o juiz levará em conta fatos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, existe forte corrente jurisprudencial no sentido de que estariam incluídos nessa autorização os fatos supervenientes que alterem a causa de pedir – sem embargo da regra de estabilização da demanda e da necessária correspondência entre a sentença e os elementos desta (art. 128). No Superior Tribunal de Justiça repetem-se julgados dizendo que somente se excluem fatos já ocorridos antes do ingresso em juízo e omitidos na petição inicial, mas admitindo os supervenientes, ainda quando isso venha a causar aquela alteração. O mero confronto entre os artigos 264 e 462 pareceria autorizar essa interpretação, dado que o segundo deles alude expressamente a fatos constitutivos do direito – e o conjunto de fatos constitutivos é justamente a causa de pedir. Mas essa impressão deve ser desfeita diante das supremas razões político-constitucionais que impelem à estabilização da demanda e à correspondência entre a sentença e esta. Citado, o réu defender-se-á da alegação dos fatos narrados, mas não pôde defender-se quanto aos fatos a cujo respeito não fora citado e dos quais sequer conhecimento teve – agravando-se ainda a situação pelo teor do artigo 462, o qual manda que o juiz os tome em consideração, mesmo de ofício. Acima do art. 462 do Código de Processo Civil paira a garantia constitucional do contraditório, que impede aquela interpretação ainda quando restrita a fatos supervenientes. O poder-dever de considerá-los, aparentemente outorgado pelo artigo 462, iria além dos limites democráticos do legítimo exercício do poder estatal, representado pela cláusula due process of law. (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 72).

252 Com efeito, observa o consagrado autor que o fato superveniente constitutivo deverá ser levado em consideração pelo juiz, “ao sentenciar, nos termos do artigo 462. Impossível discutir aqui a questão de saber se esse dispositivo abre ou não abre exceção à regra da inalterabilidade da causa de pedir (art.264). Há, de qualquer modo, a norma expressa, a que se tem de atender”.(Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 94).

121

início que o dispositivo não cuida de fatos meramente secundários, até porque,

como também já foi visto, os fatos secundários ou simples sequer integram a

causa de pedir, não sendo portanto imutáveis, o que tornaria desnecessário um

dispositivo para autorizar que fossem eles considerados na sentença.

Precisa é a lição de Moacyr Amaral Santos: “Atende o art. 462 à

hipótese de surgimento, no curso do processo, de fatos constitutivos,

modificativos ou extintivos do direito, capazes de influir no julgamento da lide.

Fatos constitutivos têm a eficácia de constituir a relação litigiosa; os extintivos

acarretam a extinção dessa relação; os modificativos lhe dão nova feição. Em

razão de tais fatos supervenientes à propositura da ação, e que na fase

postulatória não podiam ser formulados, a lide se alterou, cumprindo ao juiz tomá-

los em consideração, quer para julgar a ação procedente, quer improcedente, ou

ainda apenas tomar em consideração a condenação em custas” (grifo nosso).253

Portanto, seguindo o raciocínio de Moacyr Amaral Santos, o

conhecimento de fatos supervenientes à propositura da ação leva a uma

alteração da lide, que deverá ser considerada pelo juiz no momento de proferir a

sentença.

Todavia, o conceito de lide é bastante específico e não se confunde,

a rigor, com a causa de pedir. Assim, cabe indagar se haveria realmente, no caso

da assimilação do fato superveniente, uma alteração na causa de pedir.

Entendendo que há alteração da causa de pedir, pelo menos

quando se diz respeito ao conhecimento de fato superveniente constitutivo ou

modificativo do direito do autor, Guilherme Freire de Barros Teixeira assinala que,

122

“tratando-se de fatos supervenientes constitutivos ou modificativos do direito do

autor, haverá, em princípio, alteração da causa de pedir, que o juiz, a despeito da

regra do artigo 264 do Código de Processo Civil, deve levar em consideração no

momento de proferir a sentença”, observando também que “deve haver relação

com os fatos inicialmente apontados como representativos do fundamento jurídico

do pedido, permanecendo vedada a mutatio libelli, isto é, a alteração substancial

dos elementos objetivos da demanda”.254

O mesmo autor reconhece expressamente ser possível “a

modificação dos elementos objetivos da demanda”, desde que se assegure o

contraditório, “conjugando os interesses privados das partes, com o interesse

público na definição do objeto da lide e na correta prestação jurisdicional”.255

Todavia, parece possível extrair conclusão em sentido oposto, ou

seja, que o conhecimento do fato superveniente não significa, a rigor, alteração na

causa de pedir.

Partindo-se do pressuposto de que a causa de pedir seria, em si,

uma categoria abstrata – que desse modo não se confundiria com os fatos tal

como se dão no mundo concreto e nem com o direito deles decorrente, que a

sentença, aliás, dirá se existem ou não –, é possível conceber tratar-se de

elemento que permanecerá estável ao longo do processo, nada obstante haja

fatos supervenientes que interferirão no acolhimento da demanda nela fundada.

253 Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV, p. 411. 254 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 258. 255 Ibid., p. 303.

123

Em outras palavras, se a causa de pedir existe in status assertionis,

o acolhimento da alegação de fato superveniente não tem o condão e nem a

necessidade de modificá-la.

Nessa linha, Elio Fazzalari observa que é por meio da causa petendi

que o autor introduz na demanda a situação substancial, deduzida in status

assertionis.256 Conforme explica o consagrado autor italiano, a situação

substancial deve ser consignada na petição inicial como mera afirmação – a ser

verificada posteriormente com o desenvolvimento do processo – da existência de

um dever, do direito subjetivo correspondente, do inadimplemento do primeiro e

da lesão ao segundo, ou, de modo sintético, a ocorrência do ilícito civil.257

Também nesse sentido, e com grande acuidade, José Ignácio

Botelho de Mesquita ressalta que “uma coisa é o direito verdadeiro e próprio,

atualmente existente, e outra coisa é o direito afirmado pelo autor na petição

inicial, que entra no processo apenas como razão da ação e que a sentença dirá

se existe ou não”. Ilustra tal conclusão observando que “o direito de propriedade,

enquanto efetivamente existente, não pode incidir, a um só tempo, mais que uma

única vez sobre a mesma coisa; mas a afirmação da propriedade em juízo, por

parte do interessado no reconhecimento de seu direito sobre determinada coisa,

essa pode dar-se tantas vezes quantas se queira”. A partir desse raciocínio, o

consagrado autor conclui que, “neste caso, o elemento identificador da ‘richiesta

fatta dall’attore’ será a afirmação do fato constitutivo do direito de propriedade, a

indicação do título de aquisição da coisa demandada em concurso com os demais

elementos já apontados, enquanto necessários a identificar o pedido do autor,

256 Note in tema di diritto e processo, cit., p. 122.

124

formando uma pretensão processual única e totalmente diversa de quaisquer

outras”.258

Na mesma linha, Ricardo de Barros Leonel observa que, “buscando

a aproximação entre direito material e processo, e recordando o caráter

instrumental deste com relação àquele, deve-se ter em conta que a pretensão

processual reflete o direito material deduzido, afirmado, ou feito valer pelo autor

ou réu (nas oportunidades em que este formule pedido). Não a real existência do

direito material – pois a conclusão sobre esta depende do desfecho do processo,

e do julgamento do mérito, mas sim sua dedução in status assertionis”.259

Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, no mesmo sentido, ressalta que o

fato superveniente deve integrar a causa de pedir no seu sentido abstrato, como

“categoria jurídica”, ou como “acontecer histórico”, pois solução diferente

“importaria afastar a possibilidade de invocação de fato superveniente constitutivo

ou modificativo, com intolerável e injustificado prejuízo à economia processual.

Dessa forma, em prol da maior eficiência do instrumento processual chega-se a

uma solução de compromisso no aparente conflito entre os princípios dispositivo,

da estabilização da demanda e da economia processual”.260

Nessa mesma linha, Ricardo de Barros Leonel observa que o

surgimento posterior de fatos constitutivos significa, em última análise, a

configuração superveniente de causa de pedir afirmada originariamente, porém a

princípio inexistente. E, nesse sentido, o mencionado autor entende que a

257 Processo civile (diritto vigente) Enciclopedia del diritto, v. XXXVI, cit., p.148/149, e Instituzioni

di diritto processuale, p. 271/273. 258 A causa petendi nas ações reivindicatórias, Revista de Direito Processual Civil 6/194. 259 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 100. 260 Do formalismo no processo civil, p. 181.

125

superveniência de fato constitutivo não altera a configuração objetiva da

demanda, ou seja, a causa petendi e o petitum.261

Contudo, o entendimento segundo o qual o conhecimento do fato

superveniente não altera a causa de pedir conduz a um outro problema, referente

ao princípio da congruência entre a sentença e o libelo. Isso porque, ao admitir-se

que o fato superveniente não altera a causa petendi, estar-se-ia, por via de

conseqüência, admitindo a possibilidade de julgamento extra petita. Tal idéia será

mais bem desenvolvida adiante, no tópico relativo ao princípio da congruência.262

10.3 A relação jurídica como parâmetro para delimitar a

possibilidade de conhecimento do fato superveniente

De todo modo, quer se opte por essa ou aquela solução, a

discussão parece evidenciar um conflito entre os postulados das teorias da

individualização e da substanciação, em face do que se demonstra insuficiente a

teoria da tríplice identidade.

Com relação a tal problemática, José Rogério Cruz e Tucci observa

que “perante várias situações concretas, a teoria da tríplice identidade delineia-se

insuficiente para desempenhar o papel que lhe é reservado no confronto de duas

ou mais ações. E a despeito de sua adoção expressa pelo nosso Código, não

pode restar dúvida de que a doutrina e a jurisprudência devem procurar soluções

para determinadas questões que extravasam os lindes daquela” e acrescenta que

261 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p.242

126

“diante de tais situações excepcionais, que revelam a insuficiência da teoria dos

tria eadem, duas regras devem ser observadas quanto à sua incidência prática: a)

não constitui ela um critério absoluto, mas, sim, uma “boa hipótese de trabalho”,

até porque ninguém se arriscou a apontar outra que a superasse; e b) quando for

inaplicável, perante uma situação concreta, deve ser relegada a segundo plano,

empregando-se, em seu lugar, a teoria da identidade da relação jurídica”.263

Ao que parece, tal situação pode ser mais bem explicada se dermos

razão à parte da doutrina que sustenta que no Brasil não se adotou a teoria da

substanciação em caráter absoluto, mas que, na verdade, o legislador preconizou

um meio termo entre a substanciação e a individualização.264

Desse enfoque, a admissão de fato superveniente na mesma ação

seria possível sempre que se tratasse da mesma relação jurídica. Isso,

naturalmente, desde que respeitado o princípio do contraditório. Assim, seria

possível prestigiar os princípios da instrumentalidade das formas e da economia

processual, sem vulnerar o devido processo legal.

262 Vide item 12 infra 263 A causa petendi no processo civil, p. 213. 264 Vide item 5.2 retro.

127

10.4 Classificação dos fatos supervenientes e considerações acerca

de cada modalidade

O artigo 462 do Código de Processo Civil faz referência a fato

constitutivo, modificativo ou extintivo do direito, ocorrido depois da propositura da

ação, mas capaz de influir no julgamento da lide.

Aliás, é interessante notar que o artigo 462 não faz menção a fatos

impeditivos que possam influir no julgamento da lide. Dessa circunstância,

Cândido Rangel Dinamarco entende ser possível auferir que somente se tomam

por fatos supervenientes aqueles ocorridos após o oferecimento da inicial ou da

contestação, uma vez que o fato impeditivo é, por definição, sempre anterior ou

concomitante ao fato constitutivo original.265

Todavia, parece razoável cogitar-se de fato superveniente que faça

desaparecer o fato impeditivo do direito do autor, alegado pelo réu, e que

mereceria também ser apreciado pelo juiz. Há, nesse sentido, interessante

acórdão do Superior Tribunal de Justiça, considerando que a maioridade do

alimentando seria fato superveniente que faria desaparecer o fato impeditivo à

265 Segundo Dinamarco: “o modo como está redigido o art. 462 confirma esse entendimento. É

respeitável indício dessa intenção a circunstância de ali não estar incluída a possibilidade de serem levados em conta os fatos impeditivos do direito do autor, porque esses ou são simultâneos aos constitutivos (incapacidade do contratante, vício de consentimento, etc...) ou lhes precedem no tempo (moléstia preexistente ao contrato de seguro). A rigor não há fato impeditivo posterior ao constitutivo sobre cuja eficácia ele atua – e foi por isso que o art. 462 não inclui essa categoria, em demonstração de que só pretendeu mandar que sejam tomados em consideração os fatos ocorridos depois” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol III, p. 284).

128

conversão da separação em divórcio consistente na existência de parcelas

vencidas em relação ao filho.266

10.4.1 O fato superveniente constitutivo

Cândido Rangel Dinamarco sustenta que, em função do

princípio do contraditório, dever-se-ia excluir a possibilidade de conhecimento de

fato superveniente constitutivo do direito do autor, para tornar efetiva a máxima

chiovendiana segundo a qual a sentença deveria produzir os mesmos efeitos que

produziria se houvesse sido proferida no momento em que a demanda foi

proposta.267

De fato, em homenagem ao princípio do contraditório, não se

poderia admitir o conhecimento de fato constitutivo de direito novo, que não fora

alegado na propositura da demanda, o que significaria a alteração da causa de

pedir, vedada pelo artigo 264 do Código de Processo Civil.

266 “Civil Separação. Conversão em divórcio. Impugnação calcada no descumprimento de

obrigação alimentar. Lei 6.515/77. Maioridade do alimentado. Atraso nas parcelas, óbice inoponível. Relação jurídica hoje de titularidade distinta. I. Correto o entendimento firmado no acórdão a quo, de não constituir obstáculo à conversão da separação em divórcio, a existência de parcelas vencidas relativas à pensão de filho hoje maior de idade e, portanto, único titular e gestor da verba alimentar. Relação jurídica que, pelo fato superveniente, agora se aparta daquela antes existente entre os cônjuges. II. Recurso especial não conhecido.” (REsp. 278906/SP, Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 25/09/2001, d.j.u. 04/02/2002).

267 Nesse sentido, Dinamarco ressalta que: “A exclusão dos fatos constitutivos supervenientes constitui projeção da sábia máxima chiovendiana, de que a sentença deve produzir os efeitos que produziria se houvesse sido proferida no momento em que a demanda foi proposta” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 72).

129

Contudo, o artigo 462 estabelece que o juiz deverá, até

mesmo de ofício, considerar os fatos constitutivos que influam no julgamento da

lide.

Como já dito anteriormente, a possibilidade de compatibilizar

esses dispositivos aparentemente contraditórios decorre exatamente do critério da

relação jurídica envolvida.

O que se indaga então é como saber se determinado fato que

se pretende introduzir na demanda possui íntima relação com o fato originalmente

alegado, capaz de justificar sua dedução no mesmo processo e não por

intermédio de nova ação.

A doutrina aponta algumas situações nas quais se admite a

causa superveniens constitutiva: por exemplo, quando alguém reivindica o

domínio de determinado imóvel, antes de haver logrado o registro na matrícula do

referido bem, com a resistência do demandado alegando que o autor não é

proprietário. Se no curso do processo o autor consegue o registro, o juiz não

poderá deixar de levar em conta o fato superveniente constitutivo (registro), pois a

improcedência por esse motivo seria lamentável desperdício, uma vez que outra

ação seria incoada, com a sentença de procedência ao final.268

268 O exemplo é de José Rogério Cruz e Tucci: “Configura-se aí, como já escrevemos, o fenômeno

da conversão legal da demanda, decorrente do câmbio da causa petendi: se, por exemplo, quem reivindica o domínio de bem imóvel, ainda não o adquiriu por não haver logrado o registro na matrícula do respectivo título, é justo que o ocupante apresente resistência. No curso do processo, entretanto, o autor consegue o registro, e, com isso, a defesa do réu passa a ser injustificada. Ora, ao prolatar a decisão não poderá o juiz ou tribunal deixar de levar em conta o fato superveniente, constitutivo do direito do autor. Julgar o pedido improcedente, porque não era o demandante proprietário ao tempo em que a ação foi ajuizada, seria um lamentável desperdício, uma vez que, em imediata seqüência, outra demanda seria incoada, cujo pedido certamente seria tido como procedente” (José Rogério Cruz e Tucci. Tempo e processo, p. 47).

130

Também a complementação de prazo legal para a separação

judicial, na pendência do processo, importa em fato superveniente constitutivo de

direito que deve ser levado em consideração pelo juiz.269

Outro exemplo de fato superveniente constitutivo que aparece

em diversos julgados é a posterior apresentação de certificado de conclusão de

curso de segundo grau, em sede de mandado de segurança no qual foi concedida

liminar para garantir a matrícula em curso superior, na pendência de certificação

da conclusão de ensino médio.270

269 Essa situação foi estudada por Barbosa Moreira: “Desse modo, a superveniência de fato

constitutivo, como, por exemplo, a complementação de prazo legal para a separação judicial na pendência de processo, importa em modificação da causa petendi, mas deverá ser levada em consideração pelo juiz ao sentenciar, nos termos do artigo 462. Impossível discutir aqui a questão de saber se esse dispositivo abre ou não abre exceção à regra da inalterabilidade da causa de pedir (art. 264). Há, de qualquer modo, a norma expressa que se tem de atender” (Cf. Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, 8ª, ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 94). A esse respeito, ver também o julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja ementa abaixo reproduzimos: “Divóricio - Direto - Admissibilidade - Separação de fato há quatro anos - Autor que vive com outra mulher, com a qual tem uma filha - Ré que alega separação há mais de um ano e menos de dois - Redução do biênio que serviria para desatender o mandamento constitucional ínsito no § 6º do artigo 226 da Constituição da República de 1988 - Inadmissibilidade - Hipótese que acorre em prol do autor o direito superveniente (CPC artigo 462) - Fluxo processual que alcançou lapso temporal indispensável à configuração da separação fática, como pressuposto do divórcio direto - Divórcio decretado - Recurso provido.” (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, relator: Ney Almada - Apelação Cível 148.298-1 - São Paulo - 25.07.91)

270 Nesse sentido, ver o acórdão cuja ementa segue transcrita abaixo: “Administrativo. Recurso Especial. Curso superior. Segundo Grau não-concluído à época do vestibular. Fato superveniente. Regularização com a apresentação do certificado. Aplicação do art. 462 do CPC. Vastidão de precedentes. 1. A conclusão de Curso de 2º Grau, com apresentação do competente Certificado, deve ser aceito como fato superveniente a sanar a irregularidade porventura existente quanto à apresentação de Certificado apresentado anteriormente, mormente quando o aluno já logrou aprovação no Vestibular e encontra-se no meio do Curso Universitário. Deve-se, neste caso, aplicar-se o disposto no art. 462 do CPC. 2. Por força de liminar concedida em mandado de segurança, o impetrante efetivou sua matrícula em curso superior antes de ser certificado no ensino médio. Na hipótese, ainda que, à época da matrícula, não tenham sido comprovados os requisitos necessários ao ingresso na Universidade, a subseqüente conclusão do segundo grau impõe a aplicação da teoria do fato consumado, que deve ser considerada quando a irreversibilidade da situação decorre da demora no julgamento da ação.” (REsp. nº 611797⁄DF, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 27⁄09⁄2004) 3. “As situações consolidadas pelo decurso de tempo devem ser respeitadas, sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art. 462 do CPC. Teoria do fato consumado. Discussão acerca da matrícula em curso superior na hipótese de ausência de

131

Nesses casos todos, o critério possível parece ser o da

identidade de relação jurídica. Em outras palavras, se estivermos diante de fatos

que redundem na constituição de relação jurídica com conteúdo idêntico ao da

relação originalmente alegada, será o caso de admitir-se o fato constitutivo

superveniente. Contudo, se a relação jurídica for diversa, o fato constitutivo só

poderá ser deduzido por intermédio de nova demanda.

Ainda com relação a essa questão, como bem observa

Ricardo de Barros Leonel, a possibilidade de conhecimento ulterior de fato

constitutivo do direito do autor significa a ocorrência, no curso da ação, do fato já

alegado quando de sua propositura. O mesmo autor pondera que tal situação

normalmente está relacionada à configuração superveniente de condição da ação

(possibilidade do pedido, legitimidade e interesse de agir).271

Guilherme Freire de Barros Teixeira observa que o fato

superveniente constitutivo pode fazer surgir o interesse de agir que não existia no

momento da propositura da ação. É o que se verifica no mencionado exemplo da

separação consensual proposta quando não se havia cumprido o prazo, cuja

complementação, todavia, ocorrera no curso da ação.272

Nelson Nery Júnior observa que o exame da presença ou não

das condições da ação deve ser feito pelo juiz logo no recebimento da petição

inicial. Contudo, “caso o magistrado não tenha feito esse exame inicial e, no curso

conclusão do 2º grau à época, cujo direito de matrícula foi assegurado por força de liminar. Situação consolidada. Segundo grau concluído.”(REsp. nº 365771⁄DF, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 31⁄05⁄2004). 4. Vastidão de precedentes das 1ª e 2ª Turmas e da 1ª Seção desta Corte Superior. 5. Recurso especial não provido. (REsp. 677.217-PE, STJ, Primeira Turma, rel. Min, José Delgado, j.04/11/2004, d.j.u. 13/12/2004)

271 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 244. 272 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 258.

132

do processo venha a ser preenchida condição da ação inexistente no momento da

propositura da ação, deverá julgar o mérito. A recíproca é verdadeira: presentes

as condições da ação quando do ajuizamento e houver carência superveniente, o

magistrado deverá extinguir o processo sem julgamento de mérito. Conclui-se,

portanto, que todas as condições da ação deverão estar presentes no momento

da prolação da sentença de mérito”.273

A esse respeito, Ricardo de Barros Leonel distingue as

pretensões que se referem propriamente ao mérito, daquelas de cunho

eminentemente processual, para afirmar que quanto às últimas, a ocorrência de

fatos supervenientes seria evento corriqueiro que não deveria gerar maiores

dificuldades. Em abono a tal observação, o referido autor cita como exemplos

vários casos relativos à existência de pressupostos processuais ou condições da

ação, tais como a integração da capacidade postulatória no curso da ação, a

configuração superveniente do interesse de agir pelo vencimento da dívida na

cobrança e, ainda, o decurso do prazo legal mínimo para ação de separação ou

divórcio, dentre outros.274

Guilherme Freire de Barros Teixeira, por sua vez, observa

que o fato constitutivo superveniente pode atuar como causa concorrente em

relação à causa petendi originariamente descrita.275 É o que ocorre quando se

reconhece conduta desonrosa do cônjuge réu havida após o ajuizamento da

273 Condições da ação. Revista de Processo 64/37-38.

Nessa linha, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem reconhecendo a perda superveniente do interesse de agir. RECURSO - Perda do objeto - Fato superveniente - Ocorrência - Desaparecimento do interesse de agir - Artigo 462 do Código de Processo Civil - Processo extinto sem julgamento do mérito. O interesse deve existir no momento em que a sentença for proferida. Se ele existir no início da causa mas desapareceu naquela fase, a ação deve ser rejeitada por falta de interesse.(TJSP, Relator: Leire Cintra - Apelação Cível n. 212.187-1 - Sertãozinho -29.06.94).

274 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 98. 275 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 259.

133

demanda e que seja admitida como causa concorrente para a decretação da

separação judicial.276 A esse respeito, Arakén de Assis observa que se admite o

conhecimento do fato superveniente constitutivo como causa concorrente quando

a conduta da parte se acomoda à causa de pedir originária ou a confirma, o que

ocorre por exemplo quando “o ulterior concubinato de Maria com João robora o

pretérito adultério”.277

10.4.2 O fato superveniente modificativo

Quanto aos fatos supervenientes modificativos do direito do

autor, parecem aplicáveis as mesmas considerações relativas ao fato constitutivo,

no tocante à compatibilização com a vedação da alteração da causa de pedir,

contida no artigo 264 do CPC.

Note-se que quando se consideram os fatos modificativos,

não se trata de substituir uma causa de pedir por outra, mas, ao contrário, cuida-

se de modificação ocorrida no mundo dos fatos, que altera a realidade descrita na

própria causa de pedir originária.

Com efeito, a causa de pedir é a mesma, só que alterada em

sua substância, em decorrência de fatos supervenientes que a modificam.

276 Nesse sentido, há julgado do Superior Tribunal de Justiça expressando o seguinte

entendimento: “Separação judicial ajuizada pelo varão – Alimentos postulados pela mulher – A matéria probatória não pode ser reexaminada no âmbito angusto do recurso especial. Não ofende o art. 128 do CPC aresto que admite como causa concorrente para a separação a conduta da mulher após ajuizada a demanda – CPC, art. 462, jus superveniens. Não receberá alimentos o cônjuge que deles não necessitar – Lei 6.515, art. 19” (STJ – 4ª Turma, REsp 11.086-SP – rel. Min. Athos Carneiro – j. 12/08/1991 – DJU 09/09/1991).

134

Portanto, quando o juiz considera o fato superveniente que

tenha o condão de modificar o fundamento jurídico do pedido, não estará

conhecendo de causa de pedir diferente, mas da mesma causa de pedir original,

alterada em sua essência pelo fato superveniente.

10.4.3 O fato superveniente extintivo

Os fatos supervenientes extintivos não alteram a causa

petendi e, quanto a isso, concordam inclusive os autores que vislumbram que a

alteração ocorre nas hipóteses de fatos constitutivos ou modificativos do direito do

autor. É o caso de Guilherme Freire de Barros Teixeira, ao afirmar que, havendo a

ocorrência superveniente de fatos extintivos, não há que se falar em modificação

da causa petendi.278

Realmente, não há alteração da causa de pedir, uma vez que

não há modificação dos fatos alegados na petição inicial, mas sim a apreciação

de fato superveniente que leva à extinção do processo.279

277 Extinção do processo por superveniência de dano irreparável, Doutrina e prática do processo

civil contemporâneo, p. 197-198. 278 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 261. 279 Ibid., p. 261.

135

10.5 O conhecimento do fato superveniente de ofício

O art. 462 do Código de Processo Civil é claro ao estabelecer que o

fato superveniente pode ser conhecido de ofício ou a requerimento da parte.

Contudo, a possibilidade de conhecimento do fato superveniente de

ofício leva a indagações acerca dos reflexos no tocante ao princípio da

imparcialidade do juiz e aos limites impostos pelo princípio do contraditório, o que

se pretende analisar neste tópico.

10.5.1 Conhecimento do fato superveniente de ofício e o

princípio da imparcialidade

Guilherme Freire de Barros Teixeira sustenta que, em

decorrência do princípio da lealdade processual, as partes deveriam comunicar ao

juiz a ocorrência de fatos supervenientes capazes de influenciar no julgamento da

demanda, sob pena de violar os incisos I e II do art. 14 do Código de Processo

Civil.280

Todavia, conforme dispõe o artigo 462 do Código de

Processo Civil, o fato superveniente pode ser conhecido de ofício, o que significa

que, embora as partes não informem a ocorrência de fato superveniente, o juiz

280 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 263.

136

deverá considerar tal fato, se dele tiver conhecimento, independentemente de

provocação.

Diante de tal regra, questiona-se se não haveria violação ao

princípio da imparcialidade.

Nesse ponto, Guilherme Freire de Barros Teixeira sustenta

que o juiz violaria o princípio da imparcialidade apenas se, deliberadamente,

agisse com o intuito de auxiliar qualquer das partes, o que seria inaceitável.

Contudo, é plenamente cabível que o julgador, “voltando sua atuação para a

busca da verdade real, participe ativamente do desenvolvimento da relação

jurídica processual, inclusive no que diz respeito à delimitação do thema

decidendum. Com isso, privilegia-se a economia processual, devendo o julgador

estar preparado para uma atuação menos formalista, abandonando a concepção

de que ele deve ser um mero espectador”.281

Volta-se, assim, à discussão em torno da busca da verdade

real no Processo Civil.282

Contudo, como visto anteriormente, hoje, sobretudo em

decorrência da concepção segundo a qual o processo civil é um instrumento de

realização do direito material, esse predomínio da verdade formal sobre a verdade

real tem sido bastante questionado.

Tendo em vista tais considerações, parece razoável

entender-se que o fato superveniente, tanto o favorável ao autor, quanto o

281 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 299. A respeito da participação mais ativa do

juiz no processo, ver Cândido Rangel Dinamarco (A instrumentalidade do processo, p. 285) e José Roberto dos Santos Bedaque (Poderes instrutórios do juiz, p. 78).

282 A esse respeito, vide item 7.2 retro.

137

favorável ao réu, pode ser conhecido de ofício, sem violação ao princípio da

imparcialidade e em homenagem à busca da verdade real.

10.5.2 Conhecimento do fato superveniente de ofício e o

princípio do contraditório

Como já assinalado, o artigo 462 do Código de Processo Civil

é expresso ao estabelecer que o fato superveniente deve ser considerado

inclusive de ofício, pelo magistrado.283

De todo modo, cumpre ressaltar que se o juiz tomar em

consideração a ocorrência de fato superveniente, deve, antes de decidir,

possibilitar a manifestação das partes, inclusive com a produção de provas, se for

o caso.284

O fato de o juiz proferir decisão sem possibilitar a prévia

manifestação dos interessados, ainda que seja possível o exame de ofício,

283 A esse respeito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“Processo Civil. Recurso Especial. Mandado de Segurança. Direito Superveniente à propositura da ação. Consideração, de ofício, pelo julgador. art. 462 DO CPC. O direito superveniente à propositura do mandado de segurança, que tenha evidente influência no julgamento da lide, impondo restrições ao direito dos impetrantes, deve ser levado em consideração de ofício, pelo julgador, quando do julgamento da causa (art. 462 do CPC), Precedentes. Recurso conhecido e provido.” (REsp. 438623/RS, Superior Tribunal de Justiça, 5ª Turma, rel. Min. Felix Fischer, j. 10/12/2002, d.j.u. 10/03/2003).

284 Guilherme Freire de Barros Teixeira (O princípio da eventualidade no processo civil, p. 263). No mesmo sentido, Antonio Carlos de Araújo Cintra (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 287) e Araken de Assis (Extinção do processo por superveniência de dano irreparável, in Doutrina e prática do processo civil contemporâneo, p. 198).

138

significaria negar às partes o exercício do direito de defesa e, em conseqüência,

violar-se-ia a garantia constitucional do contraditório. 285

Aos interessados deve ser assegurada a possibilidade de

influir na formação do convencimento do juiz, ainda que se trate de matéria que

possa ser conhecida pelo juiz, independentemente de provocação.286

285 A esse respeito já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “Viola a Lei decisão que,

desconsiderando as exigências do contraditório, tem em conta, para acolher o pedido do autor, fato que não integra a causa de pedir deduzida na incial.” (REsp 33945-RJ, STJ. 3ª Turma, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 22/06/1996, d.j.u. 16.08.1993).

286 José Roberto Bedaque sustenta que o modelo processual constitucional, ao consagrar o princípio do contraditório, impede o juiz de tomar qualquer decisão sem ouvir as partes a respeito de questões a serem abordadas no provimento, não se podendo conceber o contraditório real e efetivo sem que as partes possam participar da formação do convencimento do juiz, mesmo nas questões de ordem pública, cujo exame independe de provocação. Assim, para o referido autor, o debate anterior à decisão é fundamental para conferir eficácia ao princípio do contraditório, ainda que se trate de matéria cognoscível de ofício (Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência, p. 98). No mesmo sentido é o entendimento de José Rogério Cruz e Tucci, que defende a necessidade de participação conjunta e recíproca de todos os protagonistas do processo, com vistas a evitar que as partes sejam surpreendidas por uma decisão baseada em fundamento não debatido (Lineamentos da nova reforma do CPC, p.101-102). Também na mesma linha, Paulo Henrique dos Santos Lucon sustenta enfaticamente que: “é preciso pôr fim, definitivamente, ao processo civil de armadilhas, no qual o julgador surpreende a parte com decisão terminativa a respeito de matéria sobre a qual não se desenvolveu um mínimo de contraditório, violando o preceito constitucional constante do inciso LIV do art. 5º da CF. Na legislação comparada, com a preocupação de preservar o contraditório, o art. 16 do CPC Francês foi claro ao impor o dever de submeter às partes até mesmo as questões releváveis de ofício (Litisconsórcio necessário e eficácia da sentença na lei de improbidade administrativa. Improbidade Administrativa (Questões polêmicas e atuais), p. 301, nota 2.

139

11. SITUAÇÕES PECULIARES – CAUSA DE PEDIR NAS AÇÕES

POSSESSÓRIAS E NA TUTELA ESPECÍFICA DAS

OBRIGAÇÕES DE DAR, FAZER E NÃO FAZER

11.1 A fungibilidade das ações possessórias e a alteração dos elementos objetivos da demanda – 11.2 Alteração da causa de pedir na tutela específica das obrigações de dar, fazer e não fazer

11.1 A fungibilidade das ações possessórias e a alteração dos

elementos objetivos da demanda

Em determinados casos, a lei admite que o juiz, até mesmo de

ofício, conceda tutela diversa daquela originalmente pleiteada pelo autor.

Como observa José Rogério Cruz e Tucci, “sem embargo do ônus

imposto ao autor de individualizar, na inicial, os fatos e os fundamentos jurídicos

do pedido, deve ser aduzido que o legislador, considerando as peculiaridades de

algumas situações de direito material, abriu margem para que, no curso do

processo, pudesse o juiz analisando a causa petendi originária e sua subseqüente

variação, alterar a extensão da pretensão deduzida pelo demandante”.287 É o que

ocorre nas ações possessórias, em relação às quais vigora o princípio da

fungibilidade, consagrado no artigo 920 do Código de Processo Civil.

287 A causa petendi no processo civil, p. 181.

140

Na verdade, a razão de tal princípio reside menos na preocupação

em possibilitar a correção de erros de enquadramento e mais no reconhecimento

de que a relação jurídica de direito material, por ser essencialmente dinâmica,

está sujeita a variações.

Assim, na prática, a ameaça, por exemplo, pode transformar-se, no

curso do processo, em turbação ou esbulho, justificando, com base nos fatos

novos, a concessão de medida diversa da originalmente pleiteada.288

Antonio Carlos Marcato observa que “por vezes o autor promove

ação em razão de determinada conduta do réu e esta vem a ser modificada no

curso do processo, impondo ao juiz, demonstrada tal circunstância, a concessão

da proteção possessória pertinente”.289

Portanto, o ponto de interesse no caso da fungibilidade das ações

possessórias é exatamente o fato de tratar-se de hipótese em que a lei, de modo

expresso, estabelece que a causa petendi e o pedido devem adaptar-se à relação

jurídica de direito material, que por sua vez é dinâmica, por definição.

288 Conforme Guilherme Freire de Barros Teixeira. O princípio da eventualidade, p. 213. 289 Procedimentos especiais, p.115-116.

141

11.2 Alteração da causa de pedir na tutela específica das obrigações

de dar, fazer e não fazer

Nessas ações, embora o pedido feito inicialmente seja o de

obtenção da tutela específica, pode haver variação na causa petendi, se for

impossível o cumprimento da obrigação.

Conforme observa Eduardo Talamini, a causa petendi do pedido de

indenização por perdas e danos é normalmente mais ampla que aquela que

ampara o pleito de resultado específico. Isso porque a conversão da tutela

específica em perdas e danos pode levar o juiz à apreciação de novos elementos,

tais como: “a) a definição da existência, extensão e valor dos danos que

apresentem nexo de causalidade com a transgressão (ressalvada, no que tange à

quantificação, a hipótese de prévia liquidação convencional do dano); e b) quando

a conversão em tutela genérica se der por impossibilidade, o exame da culpa do

réu (ressalvado o caso de responsabilidade objetiva)”.290

Todavia, Eduardo Talamini pondera que o autor não pode, no curso

do processo, modificar o pedido e/ou a causa de pedir, requerendo a conversão

em perdas e danos, quando ainda seja possível obter a tutela específica. Assim, a

possibilidade de alteração do pedido e da causa de pedir somente deve ser

admitida quando haja impossibilidade superveniente do cumprimento da própria

obrigação inadimplida.291

290 Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, p. 331. 291 Ibid., p. 336-337.

142

Ainda a esse respeito cabe assinalar que, segundo Cândido Rangel

Dinamarco, “há no art. 461 do Código de Processo Civil e em seus parágrafos

transgressões a dois dogmas instalados muito solidamente no sistema do

processo civil moderno, que são (a) o da necessária correlação entre a sentença

e a demanda e (b) o do exaurimento da competência do juiz a partir do momento

em que publica a sentença de mérito”.292

Especificamente quanto à violação ao princípio da correlação,

Dinamarco ressalta que “é mais do que razoável, também para a efetividade da

promessa constitucional de tutela jurisdicional e acesso à justiça, superar a regra

da correlação entre sentença e demanda (arts. 128 e 460), com vista à efetividade

dessa tutela”.293

Na mesma linha, Ricardo de Barros Leonel observa que, no caso da

tutela específica, “há clara violação à proibição de que o juiz inove no processo de

conhecimento após proferir a sentença, quando ele, v.g.: a) determina a fixação

de multa que não tenha sido anteriormente fixada; b) altera o valor da multa fixado

na sentença (para majorá-lo ou reduzi-lo); c) ou determina medidas para o

cumprimento da decisão”. E arremata ressaltando que, “de outro lado, há clara

violação dos “princípios” ou regras da demanda e da congruência, quando v.g. : a)

se permite ao juiz conceder medida equivalente ou providências que assegurem

aquilo que era pretendido pelo autor, fazendo-o de ofício; b) quando o juiz, de

ofício, determina a imposição de multa, ou mesmo a fixa em valor superior ao que

foi pedido pelo autor.”294

292 A reforma da reforma, p. 226. 293 Ibid., p. 228. 294 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 142.

143

Portanto, é possível concluir-se que no caso da tutela específica, o

legislador fez uma série de concessões em relação ao princípio da demanda e da

congruência, para garantir, como valores preponderantes, o acesso à justiça e à

efetividade da tutela jurisdicional.

144

12. O FATO SUPERVENIENTE E O PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA

12.1 O princípio da congruência – 12.2 A alteração da causa de pedir e o princípio da congruência - 12.3 O fato superveniente e a mitigação do princípio da congruência – 12.4 Síntese das conclusões sobre o tema

12.1 O princípio da congruência

Como corolário do princípio da estabilização da demanda, nosso

ordenamento jurídico consagra também o princípio da congruência entre a

sentença e os elementos objetivos da demanda.295

De acordo com o princípio da congruência, a causa petendi

deduzida na petição inicial deve, necessariamente, encontrar ressonância na

motivação da sentença que deve explicitar as razões de decidir, ou seja, as

circunstâncias fáticas e jurídicas que justificam a decisão.296

A esse respeito, Cândido Rangel Dinamarco alude à existência

de uma linha imaginária que une, de um lado, a causa de pedir da

295 Sobre o princípio da estabilização da demanda, vide item 2 supra. 296 José Rogério Cruz e Tucci. A motivação da sentença no processo civil, p. 15.

145

demanda à motivação da sentença e, de outro, o pedido formulado pelo

autor ao dispositivo da decisão.297

Por força de tal princípio, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu

inclusive que “é rescindível a sentença proferida em desconformidade com a

causa de pedir”.298

12.2 A alteração da causa de pedir e o princípio da congruência

Convém observar que compreender as implicações do princípio da

congruência no que diz respeito à causa de pedir remete à indagação

anteriormente referida, no sentido de saber se o conhecimento do fato

superveniente significa, ou não, alteração da causa petendi.

Desse modo, se admitirmos que o conhecimento do fato

superveniente conduz à modificação da causa de pedir, não haverá que se falar

em violação ao princípio da congruência, uma vez que a sentença será proferida

com base na causa de pedir, só que modificada.

Contudo, se entendermos que a causa petendi é, na verdade, uma

categoria abstrata colocada na petição inicial in status assertionis, será

necessário reconhecer, nesse caso, uma exceção ao princípio da congruência,

uma vez que, ao considerar o fato superveniente, a sentença estaria afastando-se

da causa petendi, tal como inicialmente exposta pelo autor.

297 Capítulos da sentença, p. 58 e 61.

146

Portanto, se entendermos que a causa petendi permanece

inalterada quando se considera o fato superveniente, haverá violação ao princípio

da congruência. Nesse sentido, a permissão contida no artigo 462 poderia ser

tomada como demonstração de que o princípio da congruência entre a demanda

e o provimento jurisdicional não seria absoluto.

12.3 O fato superveniente e a mitigação do princípio da congruência

Da afirmação de que o princípio da congruência não seria absoluto,

não seria razoável deduzir-se que haveria a possibilidade ampla e genérica de

admitir fatos não contidos na inicial, o que equivaleria à própria negação do

princípio da congruência.

O que se revela necessário, à luz da instrumentalidade do processo,

é na verdade o abrandamento das conseqüências da violação ao princípio da

congruência, especialmente no que diz respeito à teoria das nulidades.

Desse modo, será possível admitir-se, em determinadas situações,

que o julgador considere os fatos supervenientes, sem que isso represente um

julgamento extra petita, ou, mais precisamente, extra causa petendi.

298 Theotônio Negrão. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 28 ed., São

Paulo: Saraiva, 1997, nota 9ª ao art. 264, p. 241.

147

Aliás, nesse sentido é o entendimento de José Roberto Bedaque, ao

defender a mitigação do princípio da congruência, desde que observado o

contraditório.299

Vallisney de Souza Oliveira, em abrangente estudo a respeito do

princípio da congruência, observa que, “quando a sentença altera a causa de

pedir, invocando acontecimentos não suscitados no processo, para julgar com

base neles, advirá nulidade por violação ao princípio da congruência, cabendo ao

tribunal reconhecer a situação na via recursal”. Afirma, ainda, que “se o juiz

considerar outros fatos, não cogitados no processo e, ignorando os suscitados,

julgar de acordo com a pretensão de uma das partes, sua sentença será extra

petita (ou melhor, extra causa petendi)”.

Contudo, temperando a rigidez do princípio da congruência, o

mesmo autor observa que “se o juiz ignorar os fatos formadores da causa de

pedir e invocar outros, haverá julgamento extra causa petendi, que não acarretará

299 José Roberto Bedaque observa que: “A exposição minuciosa dos fatos e a formulação precisa

da pretensão permitem ao réu saber exatamente o que deve apresentar como matéria de defesa. O que importa, pois, é que os fatos sejam submetidos ao devido processo legal, ainda que sua introdução não tenha observado as exigências legais. Sustenta-se mesmo, talvez com certa dose de exagero, que o princípio da congruência encontra-se em crise e tende a desaparecer do sistema. Nessa linha, chega-se a sugerir, de forma ampla e genérica, a possibilidade de o julgador considerar fatos não propostos na inicial. Tal solução se revela inadequada, porque elimina completamente importante mecanismo técnico destinado a preservar a efetividade do contraditório. Preferível, portanto, conservar a regra, minimizando, todavia, as conseqüências decorrentes de sua não observância, em conformidade com os princípios informativos do sistema das nulidades processuais. Daí por que eventual transgressão às regras da correlação entre a demanda e o provimento somente deve ser considerada como fator de nulidade do processo se impedir a realização plena do contraditório. Caso isso não ocorra, a atipicidade do ato processual torna-se irrelevante, pois não obsta a que os objetivos visados pela técnica sejam alcançados, ainda que o ato não corresponda ao modelo legal. Essa conclusão representa, em última análise, aplicação da regra da instrumentalidade das formas” (José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência, tentativas de sistematização, p. 97).

148

a nulidade do julgamento, se esses outros fatos foram anteriormente carreados

para os autos”.300

Portanto, para Vallisney de Souza Oliveira, “um fato ocorrente no

curso do processo pode autorizar a quebra do princípio da estabilidade do pedido

e atenuar o princípio da congruência, porque o juiz aceitará, para fins de exame, o

novo pedido à luz dos novos fatos, havendo então a divergência da sentença com

a demanda (inicialmente) proposta. Nessas circunstâncias, a decisão não

incorrerá na nulidade ultra, extra ou citra petita”.301

12.4 Síntese das conclusões sobre o tema

Postas tais premissas, em síntese, o princípio da congruência se

coloca da seguinte forma em face do problema da imutabilidade da causa petendi:

a) se considerarmos que o conhecimento do fato superveniente modifica a causa

de pedir, não haverá que se falar em violação ao princípio da congruência, uma

vez que a sentença, a rigor, estará fundamentada na causa de pedir (modificada);

b) todavia, se entendermos que a causa de pedir é uma categoria abstrata,

tomada in status assertionis, de tal modo que o fato superveniente não tenha o

condão de alterá-la, haverá, então, quando do conhecimento do fato

superveniente na sentença, uma violação ao princípio da congruência;

c) entretanto, se for respeitado o princípio do contraditório, tal violação não

acarretará em nulidade do julgado.

300 Nulidade da sentença e o princípio da congruência, p.254-255..

149

13. O PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE E O FATO

SUPERVENIENTE

13.1 Correspondência entre o princípio da estabilização da demanda e o princípio da eventualidade – 13.2 Alcance da expressão “direito superveniente” – 13.3 A possibilidade de alegações incompatíveis entre si o princípio da lealdade processual – 13.4 O princípio da eventualidade e o princípio do contraditório – 13.5 O princípio da eventualidade e o princípio da economia processual

Como aludido anteriormente, a doutrina majoritária costuma distinguir o

princípio da imutabilidade da demanda, tal como consagrado no artigo 264 do

Código de Processo Civil, do princípio da eventualidade, decorrente do artigo 300

do mesmo código.

Segundo tal entendimento, o primeiro princípio diria respeito ao autor, ao

passo que o segundo teria como destinatário o réu.

Observou-se, ainda, que razões de ordem teórica e prática parecem

justificar o tratamento distinto de ambas as situações.302

Partindo de tais premissas e com o objetivo de explicitar melhor as idéias

até então delineadas, passa-se ao exame do princípio da eventualidade, que é

301 Ibid., p.303.

150

absolutamente correlato ao princípio da estabilização da demanda, mas que com

ele não se confunde.

13.1 Correspondência entre o princípio da estabilização da demanda

e o princípio da eventualidade

Como já mencionado, a grande maioria da doutrina trata do princípio

da eventualidade na parte referente à resposta do réu.303

Nesse ponto, é preciso reconhecer que a redação do artigo 300 do

Código de Processo Civil acolheu a definição restritiva de eventualidade,

sugerindo que o mencionado princípio seria aplicável somente ao réu, tanto que

vem inserido na parte em que o Código trata da contestação.

Todavia, a questão não é pacífica. Já na obra de Liebman, verifica-

se entendimento segundo o qual o princípio da eventualidade diria respeito

também ao autor. Nesse sentido, Liebman observava que nosso sistema

processual herdou dois importantes postulados do processo medieval: “o de uma

ordem legal necessária das atividades processuais, como uma sucessão de

estádios ou fases diversas, nitidamente separadas entre si; e o princípio da

302 A esse respeito, vide item 2.1.1 retro. 303 Ver, nesse sentido Moacyr Amaral Santos (Primeiras linhas de direito processual civil, v. 2, p.

211); Humberto Theodoro Júnior (Curso de direito processual civil, v. 1, p. 378); Arruda Alvim (Manual de direito processual civil, v. 2, p. 317); Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de direito processual civil, v. III, p. 469); Vicente Grecco Filho (Direito processual civil brasileiro, v. 2, p. 117; Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, p. 773-774); Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini (Curso avançado de processo civil, v. 1, p. 367); Marcelo Abelha Rodrigues (Elementos de direito processual civil, v. 2, p. 267.

151

eventualidade, que obriga as partes a propor ao mesmo tempo todos os meios de

ataque ou de defesa ainda que contraditórios entre si”.304

Guilherme Freire de Barros Teixeira defende, com veemência, que

por força dos artigos 282, III; 264 caput e parágrafo único do Código de Processo

Civil, o princípio da eventualidade recairia também sobre o autor, não se

justificando a limitação apenas no tocante ao réu.305

Dessa forma, Guilherme Freire de Barros Teixeira define a

eventualidade como “o princípio que impõe ao autor a alegação, na petição inicial,

dos fatos essenciais, dos fundamentos jurídicos e dos pedidos deles decorrentes,

sob pena de não mais poder deduzi-los ou formulá-los posteriormente, e, ao réu,

a apresentação concentrada e simultânea de todas as alegações e exceções em

sua resposta, ainda que de natureza diversa ou incompatíveis entre si, para a

eventualidade de não ser acolhido algum dos argumentos utilizados, sob pena de

preclusão”. 306

Nessa mesma linha, José Rogério Cruz e Tucci sustenta que o

princípio da eventualidade, na medida em que impõe um sistema rígido de

preclusões, seria, inclusive, “pressuposto da teoria da substanciação, ao exigir a

exposição simultânea, na petição inicial, dos fatos que fazem emergir a pretensão

do demandante (causa petendi remota) e do enquadramento da situação

concreta, narrada in status assertionis, à previsão abstrata, contida no

304 Notas às instituições de direito processual civil de Chiovenda, 2ª ed., trad. Port. J. Guimarães

Menegale, São Paulo, Saraiva, v. 3, 1965, p. 158, NT. 1. 305 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 27-28. Também divergindo da corrente

majoritária, encontramos José Rogério Cruz e Tucci (A causa petendi no processo civil, p. 88-90); Everardo de Sousa (Do princípio da eventualidade no sistema do Código de Processo civil, Revista Forense 251/110-111); Calmon de Passos (Comentários ao Código de Processo Civil, v. III, p. 251); e Carlos Alberto Álvaro de Oliveira (Do formalismo no processo civil, p. 172).

306 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 50.

152

ordenamento de direito positivo, e do qual decorre a juridicidade daquela (causa

petendi próxima).”307

Contudo, nada obstante a sólida argumentação dos que integram a

corrente minoritária, nesse ponto, como já assinalado, parece correta a doutrina

majoritária.

Com efeito, há razões de ordem teórica que tornam preferível tratar

separadamente a imutabilidade dos elementos objetivos da demanda e o princípio

da eventualidade, reconhecendo tratar-se de fenômenos distintos.

Nessa linha, Moacyr Amaral Santos ilustra com precisão as

diferentes origens do princípio da eventualidade e da inalterabilidade do libelo,

indicando que se trata de categorias que, embora correspondentes, são

ontologicamente distintas: “Do princípio da imutabilidade da ação decorre o

princípio da inalterabilidade do libelo, conforme o qual ao autor é vedado aditar,

no curso do processo, pedido não formulado na inicial (adição do libelo) (art.294),

ou mudar a causa de pedir (mudança do libelo). Correspondente a essas

vedações em relação ao autor, justificou-se a formação do princípio da

eventualidade ou da concentração da defesa na contestação, pelo qual todas as

defesas, salvo as exceções e os incidentes, deverão ser alegadas na

contestação, com caráter preclusivo, sendo ao réu vedado produzi-las

posteriormente, no curso do processo (art. 303) “.308

Portanto, trata-se de institutos correlatos, porém distintos. À

vedação imposta ao autor em razão do princípio da imutabilidade da ação,

corresponde o princípio da eventualidade em relação ao réu, impondo-se a este a

307 A causa petendi no processo civil, p.151.

153

concentração da defesa na contestação, o que significa que todas as defesas,

salvo as exceções e os incidentes, deverão ser alegadas na contestação, sob

pena de preclusão.

Desse modo, quando se fala em princípio da eventualidade, faz-se

referência à vedação imposta ao réu, no sentido de impedir a introdução de novos

argumentos de defesa, o que não se confunde nem com a imutabilidade do

pedido e tampouco com a estabilização da demanda, que são vedações impostas

ao autor, o qual não poderá alterar os elementos da ação, após decorrido

determinado momento processual.

Não se trata de mero formalismo, mas de distinção que permite

melhor compreender as diferenças de tratamento dispensado ao fato

superveniente, conforme se trate de alegação que beneficie o autor, ou o réu,

como se verá mais adiante.309

13.2 Alcance da expressão “direito superveniente”

Como examinado anteriormente, o Código de Processo Civil, ao

cuidar do problema da superveniência no processo, refere-se ora a fato, ora a

direito superveniente e, ainda, a questões de fato. 310

No que diz respeito ao princípio da eventualidade, o artigo 303 do

Código de Processo Civil enumera exceções específicas, as quais prevêem

308 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 410. 309 Item 14 infra. 310 Vide item 6.3 retro.

154

serem admissíveis novas alegações quando: “I – relativas a direito superveniente;

II – competir ao juiz conhecer delas de ofício; III – por expressa autorização legal

puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo”.

Ricardo de Barros Leonel observa que a expressão “direito

superveniente” leva a pensar, em um primeiro momento, nas “leis” em sentido

lato, elaboradas após dado momento, por entes políticos aos quais a ordem

constitucional outorgou o poder de legislar. Adverte, contudo, que tal concepção

conduziria, a rigor, ao problema do direito intertemporal, o que não parece ser o

encaminhamento que melhor se coaduna com a busca do sentido do artigo 303,

inciso I, do Código de Processo Civil. 311

Nelson Nery Júnior ensina que a expressão “direito superveniente”,

contida no art. 303, inciso I, do Código de Processo Civil, não se trata de uma

nova regra de direito positivo promulgada no curso do processo e que tem

incidência sobre a matéria nele controvertida. Seria, na realidade, o direito que a

parte adquire, no curso do processo, pela ocorrência de um fato sobre o qual

incide o jus superveniens.312

No mesmo sentido, Milton Paulo de Carvalho entende que a

expressão “direito superveniente”, tal como consta do artigo 303, inciso I, do

Código de Processo Civil, refere-se “não a regras novas do direito positivo que se

promulguem no correr do processo e tenham incidência sobre a matéria nele

controvertida, mas aos fatos ocorridos nesse tempo e que possam influir, criando,

modificando ou extinguindo o fundamento jurídico da pretensão”.313

311 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 102. 312 Separação judicial – direito superveniente. Revista de Processo 25/218. 313 Do pedido no processo civil, p. 156.

155

Por outro lado, José Rogério Cruz e Tucci sustenta que a distinção

feita por Milton Paulo de Carvalho não teria relevância do ponto de vista prático,

uma vez que fato superveniente ou direito superveniente capaz de dar ao fato um

efeito diferente significariam a mesma coisa.314

Na verdade, a posição de José Rogério Cruz e Tucci parece

oferecer a melhor solução do ponto de vista da finalidade da norma, qual seja, a

possibilidade de o réu introduzir no processo alegações que não pôde apresentar

no momento da contestação, sendo razoável entender-se que a permissão refere-

se tanto a alterações legislativas que dêem aos fatos conseqüências jurídicas

diversas, quanto aos fatos supervenientes propriamente ditos.

Portanto, consoante com o que já se disse anteriormente a respeito

da exegese da expressão fato superveniente com relação ao artigo 462 do

Código de Processo Civil,315 bem como com relação ao direito superveniente

aludido no artigo 303, inciso I, entende-se que as expressões significam, na

prática, a mesma coisa.

13.3 A possibilidade de alegações incompatíveis entre si e o

princípio da lealdade processual

O princípio da eventualidade impõe ao réu o ônus de concentrar na

contestação todas as alegações de defesa disponíveis, para que o juiz, se rejeitar

uma delas, passe à análise das demais.

314 A causa petendi no processo civil, p. 176, nota 82. 315 Vide item 6.3 retro.

156

Se a matéria de defesa não for alegada no momento da

contestação, ocorrerá, quanto a ela, a preclusão, o que leva a doutrina a defender

que devem ser admitidas, inclusive, alegações incompatíveis entre si.

Cabe observar que tal aspecto reforça a distinção entre o princípio

da eventualidade e o da imutabilidade da causa de pedir. Isso porque, quando se

trata do autor, não há quem sustente que se possam admitir, na petição inicial,

alegações incompatíveis entre si.

Como se verá melhor mais adiante, tal solução diferenciada decorre

exatamente do fato de que, se por um lado o réu, ao deixar de alegar determinada

matéria de defesa, não poderá mais fazê-lo em decorrência da eficácia preclusiva

da coisa julgada, por outro lado o autor, embora não possa sustentar sua

pretensão por meio de alegações incompatíveis na mesma ação, poderá ajuizar

nova ação fundada na alegação não deduzida na primeira demanda.

Portanto, enquanto na contestação a admissão de alegações

incompatíveis encontra abrigo no princípio da eventualidade, na petição inicial, a

apresentação de alegações incompatíveis pode acarretar até mesmo, conforme o

caso, o indeferimento da petição inicial por inépcia.

Para Guilherme Freire de Barros Teixeira, a afirmação de que o

princípio da eventualidade implica a admissão simultânea de todas as alegações

e exceções, ainda que incompatíveis entre si,deve ser lida com certo

temperamento, pois, além do princípio da ampla defesa, há os deveres de

veracidade e lealdade processual, o que exigiria um mínimo de coerência e

homogeneidade na defesa.

157

Ilustrando tal observação, o autor cita o clássico exemplo: “primeiro,

não me deste dinheiro algum; segundo, já o devolvi faz um ano; terceiro, disseste

que era um presente; e, por fim, a dívida já prescreveu”. 316

No mesmo sentido, Cândido Rangel Dinamarco adverte que a

incompatibilidade lógica entre as defesas apresentadas pelo réu não pode chegar

ao ponto extremo, capaz de caracterizar malícia ou litigância de má-fé e observa

que tal faculdade atribuída ao réu representa a necessária contrapartida à eficácia

preclusiva da coisa julgada. 317

13.4 O princípio da eventualidade e o princípio do contraditório

O princípio da eventualidade está intimamente relacionado com o

princípio do contraditório, e tem como escopo garantir o normal desenvolvimento

do processo, evitando tanto as surpresas, quanto as manobras protelatórias.318

316 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 247. 317 Segundo Cândido Rangel Dinamarco: “A garantia constitucional da ampla defesa abre portas

ao réu para cumular defesas em ordem sucessiva, ainda que logicamente incompatíveis entre si, desde que essa incompatibilidade não chegue ao ponto extremo de caracterizar malícia ou litigância de má-fé. Tal é o chamado princípio da eventualidade, que visa a assegurar a efetividade da defesa ampla, cujos fundamentos serão depois apreciados pelo juiz. Essa faculdade bastante larga repercute depois nos limites da eficácia preclusiva da coisa julgada, pela qual a sentença passada em julgado fica imune a qualquer alegação que pudesse pôr em dúvida a estabilidade de seus efeitos. Ao impedir o conhecimento de qualquer questão referente a processo já extinto, quer as que ali foram suscitadas e discutidas, quer as que não o foram embora pudessem sê-lo (o deduzido e o dedutível), o art. 474 do Código de Processo Civil transmuda em autêntico ônus do réu o exercício das faculdades inerentes à eventualidade da defesa – porque, ou ele alega todas as defesas que tiver, ou não poderá alegá-las mais, depois que o mérito for julgado e a sentença ficar coberta pela coisa julgada” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol, III, p. 469).

318 A esse respeito, José Rogério Cruz e Tucci observa que: “Os litigantes, a seu turno, participando do contraditório, também têm o dever de colaborar com o órgão jurisdicional para o normal desenvolvimento do processo. E por isso, os sistemas que adotam um procedimento informado pela concentração das alegações (Eventualmaxime) são marcados pela exigência de economia e celeridade processual. Com efeito, o denominado princípio da eventualidade assegura o pleno exercício do contraditório, evitando a possibilidade de uma das partes surpreender o antagonista com a

158

Com efeito, assim como por força do artigo 264 caput do Código de

Processo Civil, cabe ao autor concentrar na petição inicial todos os argumentos

que entender cabíveis para sustentar o seu direito. Também cabe ao réu, por

força do artigo 300 do mesmo Código, alegar todas as suas razões de defesa319

na contestação.320

O princípio da eventualidade relaciona-se ainda com a ciência

bilateral dos atos e termos do processo, uma vez que contribui para que os

alegação de fatos sobre os quais este não mais poderá se pronunciar, bem como refreia as manobras protelatórias” (Tempo e processo, p.39).

319 A esse respeito, Moacyr Amaral Santos observa que: “no sistema brasileiro, a contestação é o instrumento formal normal da defesa do réu. E o é porque, conforme o Código de Processo Civil, toda a defesa do réu, a não ser as referentes às exceções do art. 304 e às defesas incidentes, deverá ser alegada na contestação. A que não o for não mais poderá ser deduzida em outra fase do processo. Com a contestação dá-se a preclusão das alegações que o réu poderia oferecer em sua defesa. Quer dizer que o Código adotou o princípio da concentração da defesa na contestação, o que, na lição de ALFREDO BUZAID,‘“exige que toda a defesa do réu, salvo as exceções e incidentes, seja alegada na contestação, com caráter preclusivo, de modo que, transcorrido o prazo,não lhe seja mais lícito aduzi-las’. O princípio da concentração da defesa na contestação, denominação que lhe deu JOSÉ ALBERTO DOS REIS, é o mesmo princípio da eventualidade, em relação ao réu: todas as defesas devem ser formuladas de uma só vez, ’como medida de previsão - ad eventum - para o caso de que a primeira oferecida seja rejeitada’ (ALSINA, PEREIRA, GABRIEL DE REZENDE FILHO, FREDERICO MARQUES). O réu, assim, terá que formular desde logo, na contestação, concomitantemente, todas as defesas, inclusive as suplementares que devem ser apreciadas no caso de as primeiras serem repelidas” (Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol, p.211).

320 Sobre a importância da contestação e o princípio da eventualidade, Cândido Rangel Dinamarco observa que: “O Código de Processo Civil dá tanta importância à contestação como peça básica de resistência, responsável pela fixação dos limites do litígio, do conhecimento judicial e da instrução processual a fazer, que procura confinar nela todas as defesas que o réu tiver, dando por excepcionais as hipóteses em que alguma defesa omitida possa ser suscitada depois. Seu art. 303, expressão da natureza rígida e preclusiva, que é um dos elementos identificadores do modelo processual civil brasileiro, diz que novos fundamentos defensivos só podem ser trazidos depois da contestação ofertada (a) quando relativos a direito superveniente, (b) quando competir ao juiz conhecê-los ex officio ou (c) quando a lei o permitir de modo específico. A extinção da faculdade de formular defesas omitidas em contestação caracteriza-se como preclusão consumativa. Está no inc. I do art. 303 do Código de Processo Civil a permissão de alegar defesas não contidas na contestação, quando ’relativas a direito superveniente’. Esse dispositivo associa-se ao art. 462, que manda o juiz levar em conta fatos supervenientes. Interpretado em harmonia com este, o inc. I do art. 303 revela-se como autorização a alegar depois o que não pode alegar antes – quer se trate de fatos verdadeiramente posteriores, quer acontecidos antes mas seguramente desconhecidos pelo réu quando contestou a demanda. A locução direito superveniente, contida no inc. I do art. 303 do Código de Processo Civil, não alude a eventual edição de norma jurídica nova, pois a regência da aplicabilidade desta é tema de direito intertemporal disciplinado pela Lei de Introdução ao Código Civil (art. 6º). A permissão de alegar depois refere-se a situações jurídicas novas, criadas pela superveniência ou descoberta de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, benéficos às pretensões do Réu” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 469).

159

litigantes tenham a necessária informação e, conseqüentemente, a possibilidade

de reagir aos atos desfavoráveis.321

13.5 O princípio da eventualidade e o princípio da economia

processual

A eventualidade está relacionada também com o princípio da

economia processual.

Nesse sentido é oportuno lembrar a lição de Chiovenda, segundo a

qual: “O princípio da economia processual, que mais não é que a aplicação do

princípio do menor esforço à atividade jurisdicional, e não só em cada processo,

mas igualmente em referência a vários processos relacionados entre si: importa

obter o máximo resultado na atuação da lei com o mínimo emprego possível de

atividade processual”.322

Todavia, Guilherme Freire de Barros Teixeira pondera que “a

eventualidade, aplicada em sua formulação originária, que exige a apresentação

concentrada e simultânea dos meios de ataque e de defesa na petição inicial e na

contestação, respectivamente, pode gerar resultados opostos, não apenas

abarrotando o processo com questões desnecessárias expostas pelas partes, de

modo a não correrem o risco de serem atingidas pela preclusão, mas também

podendo excluir alegações, pedidos e exceções que os litigantes não tenham

apresentado ou formulado, culminando na resolução apenas parcial do conflito de

interesses e deixando margem a novas demandas entre as mesmas partes, para

321 Guilherme Freire de Barros Teixeira. O princípio da eventualidade no processo civil, p. 57.

160

que sejam resolvidas questões que já poderiam ter sido solucionadas no processo

anterior”.323

O mesmo autor ressalta ainda que, “não raro, a situação fática não

se apresenta claramente delimitada logo no início da demanda, o que pode

acontecer somente durante a tramitação do processo, acarretando a resolução

apenas parcial do conflito de interesses existente entre as partes, deixando aberta

a porta para novas demandas entre elas, de modo a serem resolvidas questões

não abordadas ou não decididas no processo anterior”.324

Portanto, quanto à relação entre o princípio da eventualidade e a

economia processual, é preciso considerar que muitas vezes é inútil apressar a

resolução de determinado processo em específico, se dessa aceleração resulta a

subsistência do conflito, o que dará ensejo ao ajuizamento de um novo processo.

Enfim, é preciso cuidar para que, no afã de propiciar a economia

processual a partir do ponto de vista interno de determinado processo, não se

deixe de enxergar a necessidade de obtenção da economia processual em

sentido externo, ou abrangente, que preconiza, em última análise, a solução

efetiva da lide. 325

322 Instituições de direito processual civil, p. 131. 323 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 63. 324 Ibid., p. 55. 325 A respeito das propostas de flexibilização da regra da eventualidade, tendo como escopo a

busca da economia processual em sentido externo, vide item 18 infra.

161

14. DISTINÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE DA CAUSA DE PEDIR E O PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE. RAZÕES QUE JUSTIFICAM TRATAR DE MODO DIFERENTE A POSSIBILIDADE DE ALEGAÇÃO DE FATO SUPERVENIENTE PELO AUTOR E PELO RÉU

14.1 O problema da identificação da ação – 14.2 Diferenças entre as posições do autor e do réu, em face da eficácia preclusiva da coisa julgada: 14.2.1 Considerações gerais a respeito da eficácia preclusiva da coisa julgada; 14.2.2 A insuficiência da teoria da tríplice identidade em face dos problemas decorrentes da eficácia preclusiva da coisa julgada; 14.2.3 O maior rigor do artigo 474 do Código de Processo Civil em relação ao demandado – 14.3 O conhecimento novo de fato velho. Possibilidade de alegação pelo réu e impossibilidade de alegação pelo autor, na mesma ação – 14.4 Matérias cognoscíveis de ofício e que podem ser alegadas pelo réu a qualquer tempo – art. 303, incisos II e III. Possibilidade de alegação pelo autor, somente se relativas a fato ocorrido após a estabilização da demanda

14.1 O problema da identificação da ação

Como já observado, parece mais adequado tratar do princípio da

eventualidade como instituto ligado à resposta do réu, enquanto a estabilização

da demanda diria respeito à fixação dos elementos objetivos da demanda, pelo

autor, na petição inicial.

162

Do ponto de vista teórico, o aspecto mais significativo dessa

distinção refere-se ao fato de a causa excipiendi nada ter a ver com a

identificação da ação.

Com efeito, segundo a teoria predominantemente aceita entre nós,

o que identifica a ação são as partes, o pedido e a causa de pedir, tal como

delineados na petição inicial.

Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel observa que “a dedução

de ‘direito superveniente’ (cf. art. 303 I, do CPC) pelo réu, após a contestação,

embora inove, não interfere diretamente na configuração do objeto litigioso

(pedido, delimitado pela causa de pedir), pois este é fixado pelo autor”.326

Portanto, quando se fala do conhecimento de alegações feitas pelo

réu, em momento posterior à contestação, não se coloca em jogo a identificação

da ação, já que o réu defende-se, sempre, da mesma causa de pedir. Em outras

palavras, a alteração das alegações de defesa em nada interfere no problema da

estabilização da demanda.

14.2 Diferenças entre as posições do autor e do réu, em face da

eficácia preclusiva da coisa julgada

Outro dispositivo referente tanto ao princípio da imutabilidade da

causa de pedir, quanto ao princípio da eventualidade é o art. 474 do Código de

Processo Civil, que consagra a eficácia preclusiva da coisa julgada.

163

O exame conjunto dos artigos 264, 300 e 474 do Código de

Processo Civil, a partir de uma exegese meramente literal, conduz a uma solução

aparentemente paradoxal.

Se, por um lado, o autor não pode alegar fatos novos após o

saneamento do processo e o réu deve concentrar todos os argumentos de defesa

na contestação, por outro, reputam-se deduzidas e repelidas todas as alegações

e defesas que a parte poderia ter apresentado, mas tenha deixado de fazê-lo.

Por esse motivo, Arakén de Assis refere-se, com razão, ao artigo

474 do CPC como “fonte de tormentas” e “campo de ensaio inexaurível”.327

Pretende-se, nesse ponto, buscar uma sistematização de tais

dispositivos, do que decorrerá a evidência de que a eficácia preclusiva da coisa

julgada não atinge de igual modo o autor e o réu. Entretanto, convém,

preliminarmente, tecer algumas considerações de ordem genérica, a respeito da

eficácia preclusiva da coisa julgada.

14.2.1 Considerações gerais a respeito da eficácia preclusiva da

coisa julgada

Liebman, ao comentar o artigo 287 do Código de Processo

Civil de 1939, que é precursor do artigo 462 do Código de Processo Civil de 1973,

explicava que: “... se uma questão podia ser discutida num processo, mas de fato

326 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 244.

164

não o foi, não obstante isso a coisa julgada se estende mesmo a ela, no sentido

de que não poderá ser utilizada para se negar ou contestar o resultado a que se

chegou no processo. Por exemplo: se o réu, em defesa, poderia opor uma série

de argumentos, e não o fez, vindo a ser condenado, não mais poderá deles se

valer para contestar a coisa julgada, pois a tanto se opõe a finalidade prática

desse instituto, que exige o respeito à coisa julgada ainda quando importantes

questões tenham sido discutidas por acaso de modo incompleto”.328

Segundo Moacyr Amaral Santos, “proferida a sentença de

mérito e tendo ela produzido coisa julgada, resulta particular preclusão quanto às

alegações e defesas tendentes ao acolhimento ou à rejeição do pedido, que

hajam sido omitidas. Encerrado o processo, com o trânsito em julgado da

sentença de mérito, nada mais há a alegar. A sentença passada em julgado, com

autoridade de coisa julgada, é imutável e indiscutível (Cód. Proc. Civil, art. 467). A

imutabilidade e indiscutibilidade da sentença passada em julgado tornam

preclusas todas as alegações e defesas, que a parte poderia ter oposto, e não

opôs, assim ao acolhimento como à rejeição do pedido (....). As alegações e

defesas omitidas ‘reputar-se-ão deduzidas e repelidas’, não mais podendo ser

aventadas em futuro processo sobre a mesma lide, nada obstando, entretanto,

sejam discutíveis e sujeitas a decisão em outro processo referente à lide diversa à

daquela em que se operou a coisa julgada”.329

327 Cumulação de ações, p. 122. 328 Limites objetivos da coisa julgada. Estudos sobre o processo civil brasileiro, p. 129. O artigo

287 do Código de Processo Civil de 1939 tinha a seguinte redação: “Art. 287. A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas. Parágrafo único. Considerar-se-ão decididas todas as questões que constituam premissa necessária da conclusão”.

329 Primeiras linhas de direito processual civil, v. 3 , p. 62.

165

Barbosa Moreira afirma que, nesses casos, “o que se passa

com a solução de semelhantes questões, após o trânsito em julgado da sentença

definitiva, é o mesmo que se passa com a das questões que o juiz tenha

apreciado unicamente para assentar as premissas da sua conclusão: nem a umas

nem a outras se estende a auctoritase rei iudicatae, mas todas se submetem à

eficácia preclusiva da coisa julgada. Nesse sentido, e só nele, é exato dizer que a

res iudicata ‘cobre o deduzido e o dedutível’”. E especificamente quanto à

finalidade do instituto, sustenta que se trata “menos, com efeito, de reputar

‘deduzidas e repelidas’ as ‘alegações e defesas’ capazes de influir no resultado

do processo, do que de proibir que tais ‘alegações e defesas’ deduzidas ou não,

se venham a usar como instrumento de ataque àquele resultado”.330

Na mesma linha, Marcelo Abelha Rodrigues explica que não

se trata de estender os efeitos da coisa julgada às questões decididas, uma vez

que, como se sabe, a coisa julgada incide sobre a decisão do mérito da causa.

Trata-se, sim, de um dos efeitos da sentença, que impede utilizar as questões

deduzidas ou não no curso do processo para atacar a coisa julgada. E uma vez

que, a rigor, a preclusão é um fenômeno eminentemente endoprocessual, o

mencionado autor prefere chamar esse fenômeno de “eficácia preclusiva pan-

processual da coisa julgada”. 331

330 Eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil brasileiro, Temas de

direito processual civil, 1. série, p. 100 e 102. 331 Nesse sentido, explica Marcelo Abelha Rodrigues: “Destarte, o art. 468 deve ser interpretado

em conjunto com o art. 474 do CPC. Quando o art. 468 afirma que a sentença tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas e quanto ao art. 474 menciona que,‘“passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento, como à rejeição do pedido’. Isso significa que o legislador deu à sentença de mérito transitado em julgado (coisa julgada material) uma força tal que nenhuma questão (ventilada ou não ventilada no processo, debatida ou não debatida) poderá ser rediscutida em outro processo, com a finalidade de ofender o conteúdo da sentença sobre a qual paira autoridade de Coisa Julgada.

166

Barbosa Moreira apresenta exemplo da eficácia preclusiva da

coisa julgada, caracterizando com clareza essa categoria: “Em ação proposta por

X contra Y, para revogação de indenização por ingratidão, com fundamento em

que o donatário, não obstante pudesse ministrar-lhos, recusou ao doador os

alimentos de que necessitava (Código Civil, art. 1.183, IV), é obviamente capaz

de influir no resultado do processo a alegação de que Y recebera vultosa herança,

caso provada, tal alegação forneceria um dos pressupostos da procedência do

pedido, a saber, a possibilidade de Y alimentar X. Se porém se rejeitou o pedido,

e a sentença transitou em julgado, a questão perde toda a relevância, quer haja X

deduzido, quer não haja deduzido o fato. Nesta última hipótese, não aproveitará a

X, em novo processo, eventualmente instaurado com o mesmo objeto,

argumentar que no feito anterior não se levara em conta a herança deixada a Y

e, se se a houvesse levado em conta, seria outra a conclusão do juiz: do ponto de

vista prático, não há diferença entre essa situação e a que ocorreria caso X

tivesse alegado, no primeiro processo, o recebimento da herança por Y, e o órgão

judicial tivesse desprezado a alegação, v.g. por não a julgar provada”.332

Portanto, a finalidade do instituto é impedir que o julgado seja

atacado com fundamento no argumento de que determinada questão não foi

Em outros termos, significa dizer também que sobre as questões (deduzidas ou dedutíveis) não paira a autoridade da coisa julgada, porque esta está reservada ao conteúdo meritório da decisão proferida. Contudo, há um fenômeno que incide sobre tais questões, que impede a sua discussão quando se pretenda utilizá-lo para atacar a autoridade da coisa julgada. A esse fenômeno a doutrina deu o nome de eficácia preclusiva da coisa julgada. Entretanto, como a preclusão é um fenômeno endoprocessual, e o que ocorre com as questões extrapola o próprio processo, preferimos dizer que se trata de uma eficácia preclusiva pan-processual da coisa julgada. É o que se dá quando o réu não alega a prescrição e contra si é dada uma sentença condenatória. Não poderá em ação posterior, em ação declaratória de inexistência de relação jurídica com o credor, pretender atacar a coisa julgada com fundamento na prescrição do crédito” (Elementos de direito processual civil, volume 1; 3ª Edição, p.349).

332 Temas de direito processual civil, 1a. série, p. 103.

167

apreciada, o que não significa que tal questão não possa ser apreciada em outro

processo, no qual seja diferente a lide.333

14.2.2 A insuficiência da teoria da tríplice identidade em face

dos problemas decorrentes da eficácia preclusiva da

coisa julgada

As questões atinentes à coisa julgada, na maior parte das

vezes, podem ser resolvidas à luz da teoria dos tria eadem. Como se sabe, a

coisa julgada pressupõe a identidade de partes, pedido e causa petendi, de modo

que, se houver, entre duas ações, a variação de um desses elementos, essas

ações não serão consideradas idênticas. Assim, se a segunda demanda for

proposta com base em causa de pedir diversa, não será o caso de incidência da

eficácia preclusiva da coisa julgada, uma vez que se trata de outra ação e a coisa

julgada material não vai além dos limites da demanda proposta.

Segundo Sérgio Gilberto Porto, “pelo fato de a mudança da

causa representar alteração dos parâmetros da demanda, resulta impossível

aceitar o entendimento que admite a preclusão de todos os fundamentos no

333 Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Também não constitui óbice ao aqui

afirmado a invocação do que se contém no art. 474 do CPC. Aí se dispõe que a sentença de mérito transitada em julgado, faz com que se considerem repelidas não só as alegações apresentadas no processo, como as que o poderiam ser. As deduzidas e as dedutíveis, costuma-se dizer. Isso significa apenas que a intangibilidade da coisa julgada não poderá ser afetada pela circunstância de alguma questão haver deixado de ser suscitada no processo. Na medida em que necessário para manter-se o decidido, é como se as partes houvessem apresentado todas as questões. Ainda aquelas que não o foram e que, eventualmente, pudessem conduzir, se acolhidas, a resultado diferente. Não se pode pretender infringir o julgado, com base em que não apreciada determinada questão, o que não significa não possa

168

acolhimento ou na rejeição de determinado pedido, mesmo quando não postos

em causa, consoante estabelecido no art. 128 do CPC, salvo se adotada

expressamente a teoria da individualização, que identifica o conteúdo da causa de

pedir na simples afirmação da existência de relação jurídica”. E conclui que:

“Nesse diapasão e nessa medida é que deve ocorrer a fixação da extensão da

eficácia preclusiva, que diz com os limites causais do litígio, considerando como

se tivesse sido deduzido tudo em torno da causa que dá suporte à pretensão, ou

seja, entendendo consumidas todas alegações e defesas relativas à causa

deduzida, mas não todas as causas que poderiam ensejar a mesma pretensão,

sob pena de – se assim não for – suprimir-se da apreciação do Poder Judiciário

ameaça ou lesão a direito, o que se constituiria em verdadeira violação de

garantia constitucional, tal qual a coisa julgada”.334

No entanto, como observa Guilherme Freire de Barros

Teixeira, a teoria dos tria eadem nem sempre é suficiente para delimitar o alcance

da eficácia preclusiva da coisa julgada, havendo a necessidade de se recorrer,

em determinadas hipóteses, à teoria da identidade da relação jurídica. O autor

cita o exemplo dos embargos do devedor, fundados, por exemplo, em novação

ocorrida anteriormente à sentença proferida no processo de conhecimento, mas

neste não alegada. Mesmo sendo diferentes a causa de pedir e o pedido dos

embargos do devedor, em relação ao processo de conhecimento, uma vez que se

trata de causa anterior à formação do título executivo, a novação não pode ser

alegada por estar acobertada pela coisa julgada. Assim, como demonstra o

mencionado autor, a coisa julgada pode incidir sobre uma questão que não foi

ser examinada em outro processo, em que outra a lide” (REsp. 11.315-0, STJ, 3ª Turma, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 31/08/1992, RSTJ, n.37, p. 413).

334 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 6, p. 232-233.

169

debatida pelas partes em determinado processo, mas que foi decidida em outra

ação.335

José Maria Tesheiner vai mais além, para considerar que,

embora possa haver diferença entre os elementos objetivos da demanda, incidirá

a eficácia preclusiva da coisa julgada nas hipóteses em que os fatos sejam da

mesma natureza e conduzam ao mesmo efeito jurídico.336

De todo modo, parece ser correto reconhecer que o problema

da eficácia preclusiva da coisa julgada por vezes não se resolve pelo critério da

tríplice identidade, levando o intérprete a buscar solução na teoria da relação

jurídica.

335 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 283-284. 336 O autor distingue quatro situações: a) fatos da mesma natureza que produzem o mesmo efeito

jurídico; b) fatos de natureza diversa, mas que produzem o mesmo efeito jurídico; c) fatos da mesma natureza que produzem efeitos jurídicos diversos; e d) fatos de natureza diversa e que produzem efeitos jurídicos também diversos. Com base nesse quadro, exemplifica sua conclusão afirmando que, se o autor pede o despejo, alegando dano nas paredes do imóvel, não pode propor outra demanda, alegando danos nas portas, salvo se ocorridos após o encerramento da instrução, não sendo vedada, no entanto, a propositura, concomitante ou posterior, de ação de despejo fundada, por exemplo, em locação não consentida, tendo em vista que se trataria de fato de natureza diversa. Por outro lado, se o pedido fosse de indenização pelos danos causados, nada impede que seja ajuizada uma ação pleiteando indenização pelos danos havidos nas paredes e posteriormente outra, com base nos danos nas portas. Nesse caso, os fatos são de idêntica natureza, mas produzem efeitos jurídicos próprios, ainda que iguais. O mesmo ocorre em caso de dissolução da sociedade conjugal, quando há dois adultérios, com diferentes parceiros, pois constituem fatos da mesma natureza, de modo que se o autor alegou apenas um dos adultérios e restou vencido, não poderia propor outra ação para alegar o outro adultério, salvo se superveniente (Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil, p. 161).

170

14.2.3 O maior rigor do artigo 474 do Código de Processo Civil

em relação ao demandado

José Roberto dos Santos Bedaque sustenta que, embora a

regra do art. 474 do Código de Processo Civil incida sobre ambas as partes, é

mais rigorosa para o demandado. Nesse sentido observa que “tal como

estabelecido no art. 474, o réu não pode mais apresentar argumentos de defesa,

pois a coisa julgada os torna preclusos. Já o autor pode deduzir outra demanda,

com nova causa petendi. A eficácia preclusiva atinge com mais intensidade a

causa excipiendi. Justificar-se-ia esse tratamento diferenciado porque, na nova

demanda, o réu poderá deduzir todos os argumentos de defesa relacionados com

aquela causa de pedir”.337

Portanto, há uma diferença vital entre as posições do autor e

as do réu, em face do problema da eficácia preclusiva da coisa julgada.

Para o autor, se determinada alegação deixou de ser feita

em momento oportuno, tratando-se de fato distinto do alegado na petição inicial,

nada impede que ele venha a pleitear, por intermédio de uma nova ação, o seu

direito fundado agora na causa de pedir omitida na primeira ação.338

337 Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do contraditório. In Causa de pedir e

pedido no processo civil (questões polêmicas), p. 27. 338 A esse respeito, Cândido Rangel Dinamarco salienta que: “Os efeitos da sentença só se

tornam firmes entre as partes, mediante a autoridade da coisa julgada material, nos limites do objeto e da causa de pedir. Fatos constitutivos não alegados e por isso não considerados ao julgar, constituem causa petendi, não integrante da demanda julgada e conseqüentemente sua alegação em outra demanda é plenamente possível, não obstante a coisa julgada material. Uma só diferença entre a demanda julgada e a nova, seja em relação às partes, os fatos ou o pedido, é suficiente para excluir a proibição de proferir nova sentença de mérito (art. 301, §§ 1º a 3º). Isso significa que, com ou sem o art. 462 do Código de Processo Civil, ou mesmo que ele não fosse efetivamente aplicado em algum caso, o não-conhecimento do fato superveniente não comprometeria de morte o eventual direito do autor, uma vez que a

171

Contudo, em se tratando do réu, a situação é bem mais

grave. É que se o mérito for decidido contra ele, não lhe restará mais nada a

fazer, pois a eficácia preclusiva da coisa julgada impedirá que a rediscussão da

matéria seja oponível ao que ficou estabelecido na decisão transitada em

julgado.339

14.3 O conhecimento novo de fato velho. Possibilidade de alegação

pelo réu e impossibilidade de alegação pelo autor na mesma

ação

Um ponto que comporta larga controvérsia diz respeito exatamente

ao alcance da expressão fato superveniente, no sentido de saber se esta

designaria somente os eventos ocorridos após o oferecimento da inicial ou da

contestação, ou se compreenderia, também, os fatos ocorridos antes, mas

conhecidos apenas após a estabilização da demanda.340

sentença fará coisa julgada somente nos limites dos fatos alegados na petição inicial. Essas razões conduzem a limitar o espaço de incidência do disposto no art. 462, porque o autor não sofreria dano irreparável; ele terá a necessidade de voltar a juízo com outra demanda, alegando o fato que antes não alegara mas não estará impedido de fazê-lo” (Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 283).

339 Como observa Cândido Rangel Dinamarco, “quanto à defesa do réu, vige a regra geral de que a eficácia preclusiva da coisa julgada cobre todas as possíveis defesas, quer alegadas ou não” (Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 285).

340 A esse respeito, Cândido Rangel Dinamarco observa e indaga o seguinte: “o art. 462 do Código de Processo Civil estabelece uma norma relevantíssima, pertinente ao tema da correlação entre a tutela jurisdicional e a demanda, ao dispor que ‘se depois da propositura da ação algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito de influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte’. Da confusa redação desse texto, resultam na doutrina e entre os tribunais duas dúvidas muito sérias, relacionadas entre si. Só fatos ocorridos depois da propositura da demanda ou da defesa comportam essa absorção ou também fatos precedentes, só depois descobertos e provados? Só fatos circunstanciais ou também aqueles que possam alterar a causa petendi ou a causa excipiendi?” (Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 283).

172

Em Portugal, a doutrina chega a distinguir os fatos supervenientes,

classificando-os em objetivos e subjetivos. Jorge Augusto Pais de Amaral,

comentando o artigo 506º do Código de Processo Civil português, observa que a

superveniência dos fatos pode ser objetiva, quando estes ocorreram após a

apresentação do articulado, ou subjetiva, quando, embora ocorridos antes, a parte

só tomou conhecimento deles posteriormente.341

Guilherme Freire de Barros Teixeira sustenta que o ius superveniens

diz respeito somente aos fatos ocorridos ou normas que tenham entrado em vigor

posteriormente à propositura da ação, não se admitindo como fatos

supervenientes os preexistentes, ainda que a apuração ocorra apenas no curso

do processo.342

Todavia, o mesmo autor entende que em decorrência do art. 517 do

Código de Processo Civil, admite-se a alegação de fato velho, mas de

conhecimento novo, desde que a parte prove que deixou de produzir a alegação

em momento oportuno por motivo de força maior.343

É bem verdade que o art. 517 do Código de Processo Civil refere-se

especificamente “às questões de fato, não propostas no juízo inferior”, que

“poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por

motivo de força maior”.

Na Espanha, Ignácio Díez-Picazo Gimenez observa que “hechos que no pudieron aducir em su demanda o em su contestación, bien por tratarse de hechos novos, es decir, hechos acaedidos con posteridad, o bien por tratar-se de hechos anteriores desconocidos, es decir, hechos que, aunque acaecidos com anterioridad a la demanda y a la contestación, las partes aleguen y acrediten que no habían tenido noticia de los mismos (Derecho procesal civil - el processo de declaración, p. 271).

341 Direito processual civil, p.177. 342 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 256. 343 Ibid., p. 258.

173

De fato, em uma interpretação literal do dispositivo, poder-se-ia

concluir que a norma diria respeito à possibilidade de alegação do fato de

conhecimento novo tão-somente na apelação, e não no juízo de primeiro grau.

Contudo, essa interpretação meramente literal não parece

adequada. A esse respeito, diz Calmon de Passos que: “se a força maior (...)

autoriza a argüição do fato velho de conhecimento novo, na segunda instância,

como não autorizá-lo na primeira, dando-se ao julgador os elementos de fato em

sua totalidade, para que decida com acerto? A força maior devidamente

comprovada autorizaria, por conseguinte, a dedução do fato de conhecimento

superveniente, ainda quando a respeito silencie o art. 303”.344

No mesmo sentido, Arakén de Assis observa que o conhecimento

novo de fato velho “só é admitido alegada e provada a força maior, ainda que em

primeiro grau, conforme dispõe, no concernente à alegação em segundo grau, o

art. 517”.345

Todavia, se é pacífico o entendimento quanto à possibilidade de

alegação, pelo réu, do conhecimento novo de fato velho, o mesmo não ocorre em

relação ao autor.

Tomando por base as já aludidas diferenças entre as posições de

autor e réu, quanto às implicações da eficácia preclusiva da coisa julgada, parece

sustentável dizer que, para o autor, em que pese o disposto no artigo 517 do

Código de Processo Civil, a permissão da alegação de fato superveniente

restringe-se tão-somente aos fatos que tenham ocorrido após o momento de

344 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 289.

174

estabilização da demanda, até porque resta ao autor a alternativa de propor uma

nova ação para pleitear o direito que decorra do fato omitido na inicial.346

O autor, ao contrário do réu, pode alegar em outra demanda o fato

não referido na primeira ação, fundando assim a pretensão em uma nova causa

petendi.347

Já quanto ao réu, parece razoável entender-se de modo diverso,

para admitir que se deduzam inclusive os fatos ocorridos antes da estabilização

da demanda, mas só conhecidos após aquele momento,348-349 justamente

porque, se o réu não puder apresentar esse argumento de defesa, não poderá

345 Extinção do processo por superveniência de dano irreparável. Doutrina e prática do processo

civil contemporâneo, São Paulo: RT: 2001. 346 Nesse sentido, afirma Cândido Rangel Dinamarco: “em princípio justifica-se, portanto, em

relação ao autor, a interpretação menos ampla do art. 462, não se reputando superveniente o fato já existente, ainda quando só apurado no curso do processo (STJ). Preserva-se por esse modo a correlação entre a sentença e a causa de pedir, assim como o respeito às razões que estão à base do art. 128 do Código de Processo Civil. Preserva-se também a integridade da estabilização da demanda, ditada em seu artigo 264 (Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 284).

347 Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Coisa julgada. Limites objetivos. A imutabilidade própria da coisa julgada alcança o pedido com a respectiva causa de pedir. Não esta última isoladamente, pena de violação do disposto no art. 469, I, do CPC. A norma do art. 474 do CPC faz com que se considerem repelidas também as alegações que poderiam ser deduzidas e não o foram, o que não significa haja impedimento a seu reexame em outro processo, diversa a lide” (REsp. 11.315-RJ, STJ, 3ª turma, rel. Min. Eduardo Ribeiro – DJU 28/09/1992).

348 Segundo Cândido Dinamarco, tendo em vista os desdobramentos da eficácia preclusiva da coisa julgada, “quanto ao réu é sistematicamente adequada a interpretação mais ampla e liberal dos disposto no art. 462 do Código de Processo Civil. Os fatos modificativos ou extintivos do direito do autor devem ser considerados na sentença, ainda quando ocorridos antes da contestação, desde que só depois dela tenham vindo ao conhecimento do réu – ou também em caso de dúvida seria razoável sobre essa última circunstância” (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, vol. III, p. 286).

349 Em sentido contrário encontramos o entendimento de Moacyr Amaral Santos, segundo o qual: “Admitem-se defesas novas, posteriormente à contestação, quando fundadas em direito superveniente à própria contestação, isto é, direito que somente se constituiu ou se integrou posteriormente a esta. Assim, por exemplo, os aluguéis, as rendas, as prestações periódicas em geral, que se tornarem exigíveis somente depois da contestação” (Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol. p. 217).

175

mais fazê-lo, caso a ação seja julgada procedente, tendo em vista a já

mencionada eficácia preclusiva da coisa julgada. 350

Sendo diferentes as conseqüências da não-admissão da alegação

do fato superveniente, conforme se trate de argumento que favoreça ao autor ou

ao réu, parece sustentável que a regra da imutabilidade da causa de pedir,

relativa ao autor, deva ser vista com mais rigor, ao passo que o princípio da

eventualidade, referente ao réu, deva ser tomado com certo temperamento.351

14.4 Matérias cognoscíveis de ofício e que podem ser alegadas pelo

réu a qualquer tempo – art. 303, incisos II e III. Possibilidade de

alegação pelo autor, somente se relativas a fato ocorrido após a

estabilização da demanda

Enquanto a alteração da causa de pedir sofre as restrições

referentes à estabilização da demanda, decorrentes dos artigos 264 e 294 do

350 É bem verdade que tal posição pode acabar por transformar a exceção em regra, como

observa Cândido Rangel Dinamarco: “O resultado das permissões de alegações posteriores à contestação, contidas principalmente no inc. II do art. 303 do Código de Processo Civil, acaba sendo o de transformar em regra geral a possibilidade de alegá-las, passando as proibições ao campo da excepcionalidade. Em resumo, salvo situações particulares, são estes os fundamentos de defesa inadmissíveis depois da contestação: a) a compensação, (b) a incapacidade relativa do agente como vício dos negócios jurídicos, (c) o erro, (d) o dolo, (e) a coação, (f) a fraude, (g) a simulação, (h) a convenção de arbitragem e (i) as nulidades processuais relativas. A prescrição também depende de alegação pelo réu, mas lei expressa permite que seja alegada a qualquer tempo ou grau ordinário de jurisdição (CC, art. 193)” (Instituições de direito processual civil, vol.III, p. 471).

351 Segundo Cândido Rangel Dinamarco: “diante dessas razões divergentes, na interpretação do disposto no art. 462 do Código de Processo Civil, é indispensável distinguir entre: (a) fatos que beneficiam o autor, ou seja, constitutivos de seu direito e (b) fatos favoráveis ao réu, que são os modificativos ou extintivos do direito do autor. Em relação ao réu, uma série de concessões deve ser feita. Como para ele a conseqüência da omissão é mais grave (art. 474) e como há fatos que sequer dependem de ser alegados na

176

Código de Processo Civil, a modificação ou a adição da defesa, relativas a

matérias cognoscíveis de ofício ou que não estejam sujeitas à preclusão, podem

ser feitas mesmo depois de superados os limites temporais estabelecidos nos

mencionados artigos. 352

Guilherme Freire de Barros Teixeira estabelece interessante relação

entre a intensidade na aplicação do princípio da eventualidade e a possibilidade

de cognição de ofício, de determinada matéria, observando que, “em relação ao

réu, o maior ou menor grau de intensidade do princípio da eventualidade varia

conforme a possibilidade de o juiz conhecer ou não de ofício determinada matéria.

Caso a lei possibilite o conhecimento ex officio, a eventualidade é minorada ou

atenuada, pois não se pode cogitar da preclusão, já que tanto o réu pode fazer a

alegação posteriormente, como o juiz deve conhecer a matéria

independentemente de provocação do interessado. Por outro lado, se não é

possível a cognição de ofício, a eventualidade assume maior intensidade, pois a

falta de dedução da defesa pelo réu, em regra, levará à preclusão da alegação e

à presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, ressalvadas as

hipóteses em que a natureza da relação jurídica de direito material, por envolver

direitos indisponíveis, impeça a mencionada preclusão (arts. 302, I, 351 e 320, II,

do CPC)”.353

defesa, a regra liberalizadora contida no artigo 462 encontra campo bem mais fértil para se estender e assim ocupar maior espaço”. (Instituições de direito processual civil, vol III, p. 285).

352 Guilherme Freire de Barros Teixeira que sustenta que a imutabilidade da causa petendi seria uma manifestação do princípio da eventualidade, defende que “a eventualidade é mais rígida para o autor, já que a alteração do pedido ou da causa de pedir sofre as restrições referentes à estabilização da demanda, estabelecidas nos arts. 264 e 294 do CPC, enquanto a modificação e a adição de defesa, com relação às matérias cognoscíveis de ofício, podem ser feitas mesmo após superados os limites impostos nos dispositivos mencionados” (O princípio da eventualidade no processo civil, p. 230).

353 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 235.

177

De todo modo, convém notar que o artigo 462 do Código de

Processo Civil, que se aplica tanto ao autor, quanto ao réu, diz que o fato

superveniente pode ser conhecido inclusive de ofício pelo juiz.

Assim, da interpretação sistemática dos dispositivos acima

mencionados, é possível concluir que, para o réu, as matérias cognoscíveis de

ofício poderão ser alegadas a qualquer tempo, uma vez que quanto a elas não

ocorre a preclusão. Quanto ao réu, tal regra independe do fato de a matéria

cognoscível de ofício ser nova ou preexistir ao momento da contestação.

Por outro lado, no que se refere ao autor, como o que está em jogo

não é a preclusão, mas sim a estabilização da demanda, tais matérias, ainda que

cognoscíveis de ofício, só poderão ser alegadas se disserem respeito a fato

ocorrido após a estabilização da demanda.

Isso porque, se, por um lado, o próprio artigo 462 diz que o fato

superveniente será conhecido de ofício pelo magistrado, por outro, com base nas

observações quanto ao sentido da expressão ‘fato superveniente’ quando se diz

respeito ao autor, somente se admite como tal o fato ocorrido após a estabilização

da demanda, afastando-se, assim, o chamado conhecimento novo de fato velho.

Portanto, ainda que se diga respeito a matéria cognoscível de ofício,

se esta, por si só, tiver o condão de fundamentar o pedido, o autor somente

poderá alegá-la por intermédio de nova ação, salvo se decorrente de fato havido

após a estabilização da demanda.

Enfim, pode-se concluir que, embora nosso sistema processual

tenha adotado um sistema rígido, tal rigidez é sempre maior em relação ao autor

da ação, tanto por conta da necessidade de garantir a integridade da

178

estabilização da demanda, quanto pelo fato de que ao autor sempre é facultado o

acesso à justiça por intermédio de nova ação. Por outro lado, quanto ao réu, a

rigidez do sistema sofre, necessariamente, certo temperamento, pois em virtude

da eficácia preclusiva da coisa julgada, a impossibilidade de alegar determinados

fatos pode ter conseqüências muito mais graves.

179

15. FATO SUPERVENIENTE E CAUSALIDADE. TENTATIVA DE

SISTEMATIZAÇÃO DOS ARTIGOS 22, 462 E 303 INCISOS I, II E III, DO

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

15.1 O artigo 22 do Código de Processo Civil e o princípio da causalidade – 15.2 Distinção entre as hipóteses previstas nos artigos 22 e 462 do Código de Processo Civil – 15.3 Condenação em custas e perda do direito aos honorários de sucumbência e as hipóteses previstas no artigo 303, incisos I, II e III do Código de Processo Civil: 15.3.1 O artigo 22 do Código de Processo Civil e o direito superveniente (art. 303, inciso I, do Código de Processo Civil); 15.3.2 Incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil nas hipóteses de alegação tardia de matérias que o juiz possa conhecer de ofício (art. 303, inciso II), ou que possam, por autorização expressa da lei, ser alegadas a qualquer tempo (art. 303, inciso III); 15.3.3 Distinção entre a inércia culposa prevista no artigo 22 e a litigância de má-fé prevista nos artigos 17 e 18 do Código de Processo Civil

15.1 O artigo 22 do Código de Processo Civil e o princípio da

causalidade

Outra norma positivada em nosso ordenamento, que apresenta

grande relevância para o estudo da superveniência no processo, é o artigo 22 do

Código de Processo Civil.

180

Referido artigo estabelece que, se o réu dilatar o julgamento da lide

por não argüir na sua resposta fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito

do autor, será condenado nas custas a partir do saneamento e perderá, ainda que

vencedor, o direito de haver do vencido os honorários advocatícios.

Segundo Arruda Alvim, “o sentido prático do citado artigo 22 é o de

criar um ônus, de caráter econômico, para o réu, consistente em que, não

argüindo determinados fatos, na sua resposta, se o fizer depois do saneamento

arcará com as custas do processo e perderá o direito à verba honorária, mesmo

que seja o vencedor da causa”.354

Comentando o artigo 22, Celso Agrícola Barbi pondera que: “o

réu, na resposta, deve alegar as objeções que tiver, relativas a validade,

desenvolvimento e modificação da relação processual, e as relativas ao

direito substancial pretendido pelo autor. Se não o fizer, ou o fizer mais tarde,

ainda assim o juiz deverá conhecer desses fatos. Mas o réu será condenado

nas custas devidas a partir do saneamento do processo, apesar de vencedor

na causa. E a sentença não poderá condenar o autor vencido a pagar os

honorários do advogado do réu. Logo, o autor vencido só pagará as custas

até o saneamento do processo. A sanção prevista na lei não depende de

intenção do réu. É imposta pela sua negligência, ou falha, o que, de qualquer

modo, pressupõe culpa”.355

Faz sentido preconizar-se a condenação do réu nas custas a

partir do saneamento, pois, se em virtude daquele fato alegado tardiamente

pelo réu, o processo poderia ter-se encerrado com julgamento antecipado da

354 Código de processo civil comentado, p. 200.

181

lide e não o foi, é justo que, a partir do saneamento do processo, seja o réu

condenado nas custas, que nesse caso, assumem uma posição

manifestamente de sanção.356

Já a perda do direito de reclamar os honorários advocatícios do

vencido homenageia o princípio da causalidade.357

O artigo 22 do Código de Processo Civil é expressão do princípio

da causalidade, eis que a parte, mesmo vencedora, fica obrigada pelo

pagamento das despesas relativas aos atos inúteis a que deu causa,

perdendo o direito a haver honorários do sucumbente.358

355 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 206. 356 José Manoel de Arruda Alvim. Código de processo civil comentado, p. 202. 357 Cândido Rangel Dinamarco observa que “a doutrina está consciente de que a sucumbência

não é, em si mesma um princípio, senão apenas um indicador do verdadeiro princípio, que é a causalidade (Chiovenda, Piero Pajardi, Yussef Cahali)” e arremata ressaltando que “responde pelo custo do processo aquele que haja dado causa a ele, seja ao propor demanda inadmissível ou sem ter razão, seja obrigando quem tem razão a vir a juízo para obter ou manter aquilo que já tinha direito” (Instituições de direito processual civil, vol. II, p. 648).

358 Sobre o tema tratado, acerca do critério adotado pelo sistema processual pátrio, transcrevemos abaixo parte de venerando Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que bem elucidou a questão: “A ratio do princípio da sucumbência está na causação, sem justo motivo – ainda que de boa fé – de um processo. Normalmente, o fato da sucumbência demonstra resistência injustificada à pretensão da parte contrária: aquele a quem o juiz acabou por não dar razão pode, de ordinário, ser considerado o responsável pela instauração do processo, e, assim, a posteriori, ser condenado nas despesas (Liebman, Manuale, ed. 1968, vol. I/166/167). Casos há, porém, em que a aplicação do princípio puro da sucumbência (senz’altro, adverte Sérgio Costa) não tem nenhuma razão de ser e fere o da eqüidade. Daí dizer Liebman (ob. cit.) que, em tais hipóteses, a obrigação de pagar as despesas judiciais desaparece sempre que a parte, embora vencida, demonstre, com seu comportamento, di non aver causato la lite. Tal entendimento, resultante da interpretação do art. 91 do Código Italiano, que, como o nosso, adota o princípio da sucumbência, encontra guarida no Direito pátrio no art. 22 do Código ‘Buzaid’, do qual se infere que a parte, mesmo vencedora, que por sua conduta no processo, fizer com que este se prolongue desnecessariamente, e, com isto, acarretar despesas injustificadas, com elas arcará. A contrário sensu, se as despesas acarretadas pela parte vencida com a instauração do processo (tratando-se do autor) foram despesas justificáveis, nelas não deverá ser condenada. De tudo, vê-se que, no Direito brasileiro, como no italiano, domina o princípio da causalidade para a aferição da responsabilidade pelas despesas do processo, posto que inexista sequer menção a ele nos textos legais respectivos. E não se veja nele um corretivo ou um sub-rogado do princípio da sucumbência, mas, antes, o verdadeiro elemento informador da responsabilidade pelas despesas do processo, do qual a sucumbência é simples indici rivelatori, como parece a Angelo Gualandi (Spese e danni nel processo civile, ed. Giuffre, 1962 – Milano, p. 251, nota 11)”.

182

O mencionado dispositivo diz respeito também ao escopo da

celeridade processual e contempla o reconhecimento de que a demora na

prestação jurisdicional prejudica o autor, bem como de que as alegações

serôdias ocasionam dispêndio inútil de tempo e recursos ao Estado, cuja

atividade não pode sujeitar-se a meros caprichos do réu.359

A norma ora examinada prestigia ainda os princípios do

contraditório e da lealdade processual, na medida em que visa a evitar a

surpresa processual.

Quanto a esse aspecto, Edson Prata é enfático no seguinte

trecho de seus comentários ao artigo 22 do Código de Processo Civil:

“Qualquer fato impeditivo, modificativo, ou extintivo do direito do autor será

imediatamente alegado pelo réu. Desapareceu do nosso direito a surpresa

final, antigamente reservada pelo litigante, que, à última hora, como um

mágico feliz, apresentava seu trunfo até então guardado cuidadosamente no

bolsinho do paletó. Agora, o réu alega desde logo esse fato, ou será punido.

Não se concebe mais o processo como um jogo, nem tampouco como um

duelo observado por um juiz displicente”.360

Todavia, em que pese o salutar entusiasmo de Edson Prata no

trecho acima reproduzido, parece correta a observação de Cândido Rangel

Dinamarco, no sentido de que, na prática, o artigo 22 do Código de Processo

Civil é de difícil aplicação. Atento aos aspectos práticos e à realidade do

processo, Dinamarco faz a seguinte ponderação: “Posto que eticamente

sadio, porque visa favorecer a celeridade processual e portanto a

359 Edson Prata, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 147.

183

tempestividade da tutela jurisdicional, reprimindo deslealdades, esse

dispositivo é de difícil aplicação porque o art. 303 do Código de Processo

Civil restringe a possibilidade de alegar fatos novos depois da resposta à

inicial; só se cogita de aplicar tais sanções, portanto, nos casos em que a

inovação seja permitida e, ao inovar, o réu causasse a necessidade de ouvir

o autor sobre os fatos novos (art. 326), retardando-se com isso a marcha do

procedimento. Além disso, os regimentos de custas não costumam dividir as

custas ou a taxa judiciária pelas fases do procedimento”.361

De todo modo, parece justo reconhecer que a doutrina não tem

dado a devida atenção ao artigo 22 do Código de Processo Civil, no que diz

respeito às implicações referentes ao tema do fato superveniente.

Procuraremos, a seguir, delinear algumas premissas que se tem

fixado a respeito desse artigo, na tentativa de sistematizar as diversas normas

que se entrelaçam no tocante aos limites impostos ao réu para alegar fatos após

a contestação e a incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil.

15.2 Distinção entre as hipóteses previstas nos artigos 22 e 462

do Código de Processo Civil

O primeiro aspecto que parece interessante examinar diz respeito à

circunstância de que o artigo 22 do Código de Processo Civil refere-se

360 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 148-149. 361 Instituições de direito processual civil, v. II, p. 655-656.

184

expressamente a fato impeditivo, enquanto o artigo 462 do Código de Processo

Civil não usa tal expressão, fazendo referência, por sua vez, a fato constitutivo.

Como já se disse anteriormente, em virtude de o artigo 462 não

fazer referência aos fatos impeditivos, e uma vez que tais fatos são, por definição,

sempre anteriores ou concomitantes à constituição do direito cuja realização se

busca no processo, é possível depreender-se que, por fato superveniente,

entende-se somente o fato ocorrido após o ajuizamento da demanda.362

Assim, uma primeira conclusão possível seria a de que o artigo 22

do Código de Processo Civil não trata apenas dos fatos supervenientes, mas

alcança também os fatos anteriores ao ajuizamento da demanda e que não

tenham sido alegados pelo réu em momento oportuno, mas que, por força das

exceções ao princípio da eventualidade previstas no artigo 303, incisos II e III,

poderá o réu (mas não o autor), alegá-los a qualquer tempo.363

Desse modo, a circunstância de o artigo 22 dirigir-se somente ao réu

e fazer referência aos fatos impeditivos confirmaria a assertiva, também já feita

anteriormente, de que apenas o réu pode alegar, após o momento próprio que

seria a apresentação da defesa, fato ocorrido antes do ajuizamento da demanda,

mas de que teve conhecimento somente após o oferecimento da defesa, o que

abrange os fatos impeditivos.364

Em outras palavras, o artigo 22 não se dirige ao autor e não se

refere a fatos constitutivos, exatamente porque nem sequer se cogita da

possibilidade de o autor apresentar fatos constitutivos ocorridos anteriormente ao

362 Vide item 10.4 retro. 363 Vide itens 14.3 e 14.4 retro.

185

ajuizamento da demanda, no mesmo processo, ainda que deles tenha tomado

conhecimento somente após o ajuizamento da demanda, e isso vale mesmo em

se tratando de questão cognoscível de ofício ou em relação à qual não se opere a

preclusão.

Tal solução harmoniza-se com o que já foi dito a respeito das

diferenças entre as posições de autor e réu, quanto à eficácia preclusiva da coisa

julgada. Como já aludido, a vedação da alegação de fatos após o momento

apropriado é muito mais intensa em face do autor, do que em relação ao réu,

porque, como também já observado, se os fatos não alegados constituírem nova

causa de pedir, o autor poderá, simplesmente, pleitear o mesmo direito por

intermédio de nova ação. Já quanto ao réu, a eventual omissão de algum fato

relevante é muito mais séria, pois, ao deixar de alegar a matéria de defesa ao

longo de determinado processo, não mais poderá utilizar-se da alegação omitida

para opor-se ao julgamento proferido, em decorrência da eficácia preclusiva da

coisa julgada.

15.3 Condenação em custas e perda do direito aos honorários

de sucumbência e as hipóteses previstas no artigo 303,

incisos I, II e III do Código de Processo Civil

O caráter assimétrico da legislação pertinente ao tema gera certa

dificuldade quanto a especificar os casos em que cabe a condenação em custas e

364 Vide item 14.3 retro.

186

a perda do direito aos honorários de sucumbência, tal como previsto no artigo 22

do Código de Processo Civil.

Pergunta-se, então, se em qualquer caso de alegação de fato

impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, feita após o oferecimento

da contestação, o réu estaria sujeito às conseqüências impostas pelo artigo 22 do

Código de Processo Civil, ou se haveria situações nas quais tal solução não seria

cabível.

Nesse ponto, cumpre lembrar que o artigo 303, em seus incisos I, II

e III, permite expressamente que o réu alegue em seu favor, após a contestação,

a matéria relativa a direito superveniente, ou da qual o juiz possa conhecer de

ofício, ou, ainda, a que por expressa autorização legal possa ser formulada a

qualquer tempo.365

A harmonização do artigo 303 com o artigo 22 do Código de

Processo Civil não é tarefa simples. Nesse ponto, parece conveniente tratar a

situação prevista no inciso I – direito superveniente, separadamente das situações

retratadas nos incisos II e III – matérias que podem ser conhecidas de ofício, ou

que por expressa autorização legal puderem ser formuladas em qualquer tempo e

juízo.

365 Vide itens 14.3 e 14.4 retro.

187

15.3.1 O artigo 22 do Código de Processo Civil e o direito

superveniente (Art. 303, inciso I, do Código de Processo

Civil)

Como observado anteriormente, adota-se neste trabalho o

entendimento segundo o qual a expressão direito superveniente designa tanto as

alterações legislativas que emprestem aos fatos pretéritos novas conseqüências

jurídicas, quanto os fatos jurídicos ocorridos após o ajuizamento da demanda.366

Fixado esse ponto, cumpre então indagar se o artigo 22

incidiria com relação à hipótese do inciso I do artigo 303. Nesse ponto, a resposta

parece ser negativa, por dois motivos.

Em primeiro lugar, cabe anotar que a sanção prevista no

artigo 22 do Código de Processo Civil volta-se para o desestímulo à inércia

culposa do réu.

Nesse sentido é a lição de Arruda Alvim: “No fundo o sentido

e função do art. 22 é o de albergar e configurar uma forma de culpa do réu, que

afeta a regra geral do Código, de que o vencedor tem sempre direito às custas e

honorários. Na exata medida em que esse vencedor agiu com inércia culposa,

deixando de argüir oportunamente, o que poderia ter feito, a lei lhe retira o direito

às custas e honorários”.367

366 Vide item 13.2 retro. 367 Código de processo civil comentado, p. 200.

188

Assim, não seria razoável falar-se em incidência do

mencionado dispositivo no que diz respeito a fatos ocorridos após a contestação,

exatamente porque é evidente que a não-alegação no momento da apresentação

da defesa nada tem a ver com culpa. Se o fato efetivamente ocorreu após o

oferecimento da contestação, não haveria mesmo como alegá-lo naquele

momento.

Em segundo lugar, cabe observar que o entendimento

segundo o qual as conseqüências previstas no artigo 22 do Código de Processo

Civil incidiriam sempre que o réu alegasse fato superveniente modificativo ou

extintivo do direito do autor368 após a contestação, seria de difícil sustentação

quando se compara tal solução com o tratamento dado ao autor, no tocante à

possibilidade de alegação dos mesmos fatos.

Isso porque, se, por um lado, ao autor seria lícito alegar fato

superveniente por força do artigo 462, independentemente de qualquer reflexo

quanto aos ônus de sucumbência, por outro lado, o réu, se alegasse em sua

defesa o fato superveniente, ao amparo tanto do artigo 462, quanto do artigo 303,

inciso I, do Código de Processo Civil, mas sujeito ao artigo 22 do mesmo Código,

estaria sujeito, ainda que vencedor da demanda, a responder pelas custas a partir

do saneamento, bem como perderia o direito de haver do vencido os honorários

advocatícios. Tal solução, ao que parece, deixaria de atender à necessária

isonomia de tratamento que deve existir entre autor e réu.

368 Como visto anteriormente, não faz sentido falar-se em fato superveniente impeditivo do direito

do autor.

189

Posto isso, a solução que proporcionaria o melhor

encaminhamento da questão é no sentido de afastar a incidência do artigo 22,

quando se tratar de alegação de fato superveniente, ou direito superveniente.

Todavia, como visto anteriormente, as hipóteses do artigo 22

são mais abrangentes do que as do artigo 462, pois dizem respeito não só aos

fatos supervenientes, mas também aos fatos anteriores ao ajuizamento da

demanda.

Afirmou-se, também, que por força do artigo 517 do Código

de Processo Civil, ao réu é possível alegar fato ocorrido antes da apresentação

da defesa, mas conhecido somente após esse momento.369 Indaga-se então se

seria o caso de impor ao réu as conseqüências previstas no artigo 22, quando

configurada essa hipótese.

Com efeito, também nesse caso não parece razoável impor

ao réu as punições previstas no artigo 22, porque, como já dito, a sanção

decorrente da norma em comento está intimamente associada à existência de

culpa do réu.

Assim, não seria razoável impor ao réu as conseqüências

previstas no artigo 22, quando a alegação tardia tivesse como fundamento o

artigo 517, exatamente porque se o réu se abrigou em tal dispositivo, é porque

teria provado que deixou de alegar tal fato no momento oportuno por motivo de

força maior, o que afasta, por via de conseqüência, a caracterização da inércia

369 Vide item 14.3 retro, inclusive no que diz respeito à impossibilidade, para o autor, de alegar o

conhecimento novo de fato velho na mesma demanda.

190

culposa que justificaria a condenação em custas e a perda do direito aos

honorários de sucumbência.

Nessa linha, Pontes de Miranda já observava que “o art. 22

não é invocável se o ato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do

demandado era, com fundamento, ignorado por ele”. Cita como exemplo o caso

de “ fiador que havia pago a dívida com depósito no banco que, demandante e

demandado, em cláusula negocial, haviam indicado para a solução da dívida, e o

demandado não recebeu comunicação do banco, nem do fiador, nem de outra

pessoa”.370

Portanto, conclui-se que o artigo 22 não incide nem sobre a

alegação de fato ou direito superveniente, e tampouco sobre as alegações que se

enquadram no permissivo constante do artigo 517 do Código de Processo Civil.

Daí resulta que um entendimento possível seria, em tese, o

de que o artigo 22 estaria alargando as possibilidades de deduzir matérias de

defesa após a contestação, para conceber a possibilidade de alegar fato anterior

à apresentação da defesa, e do qual o réu tinha conhecimento, tendo deixado de

alegá-lo por esquecimento ou desleixo, fazendo incidir, quanto ao réu displicente,

apenas um ônus de natureza patrimonial.

Contudo, tal solução não se sustenta, se considerarmos a

importância do princípio da eventualidade em nosso ordenamento processual. De

fato, se fosse admissível alegar quaisquer fatos tardiamente, com a imposição

tão-somente de um ônus econômico, isso equivaleria, na prática, ao completo

esvaziamento do princípio da eventualidade.

191

Portanto, como observa Arruda Alvim, “inocorrendo a

hipótese contemplada no artigo 517, sobre as questões de fato, pesará, regra

geral, preclusão, seja a preclusão consumativa (ingresso de contestação embora

com omissão), seja a preclusão temporal, isto é, o decurso in albis do prazo,

dentro do qual se deveria praticar um ato e isto não foi feito”.371

Prevalece então, quanto ao réu, o princípio da eventualidade.

Isso significa que se da omissão do réu decorreu a preclusão da alegação, não

haverá que se falar na incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil.

De todo o exposto, quanto a esse tópico, é possível concluir-

se que o artigo 22 diz respeito somente às questões que refogem ao poder

dispositivo das partes e que não estejam sujeitas à preclusão.

15.3.2 Incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil nas

hipóteses de alegação tardia de matérias que o juiz possa

conhecer de ofício (art. 303, inciso II), ou que possam,

por autorização expressa da lei, ser alegadas a qualquer

tempo (art. 303, inciso III)

Como já foi antecipado, não se mostra cabível cogitar da

aplicação do artigo 22 do Código de Processo Civil aos casos em que haja

ocorrido a preclusão, dada a prevalência do princípio da eventualidade.

370 Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo I, p. 423. 371 Código de processo civil comentado, v. II, p. 201.

192

Se ocorreu a preclusão, o fato que deixou de ser deduzido no

momento oportuno simplesmente não poderá mais ser alegado, de maneira que

não faria sentido preconizar-se qualquer sanção quanto a tal alegação.

Tal ordem de conclusões já demonstra que o campo de

incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil é, por excelência, o das

matérias cognoscíveis de ofício e em relação às quais não ocorre a preclusão.

Nesse sentido, Arruda Alvim observa que “certamente os

fatos a que alude o artigo 22 são aqueles que, precisamente porque podem ser

objeto de atividade oficiosa, a sua não argüição não retira do réu o direito de

alegá-los ulteriormente”, e arremata ressaltando que “a única conseqüência

decorrente da sua inércia é de ordem pecuniária”.372

Ainda segundo Arruda Alvim, quanto às hipóteses abrangidas

pelo artigo 22 do Código de Processo Civil, “basicamente são elas as matérias

contidas no artigo 301 do estatuto processual civil, que devem ser discutidas

antes do mérito e, desta forma, devem ser alegadas antes do mérito”. O mesmo

autor ressalta novamente que, “na medida em que isso inocorra, não há que se

falar tecnicamente em preclusão, mas sim em perda do direito de reembolso,

oneração nas custas e perda da verba honorária, apesar de o réu ser tido como o

litigante com razão”.373

Como também já mencionado, as hipóteses nas quais se

admite a dedução de novas alegações após a contestação são especificadas no

artigo 303 do Código de Processo Civil. No cotejo entre a situação contemplada

372 Código de processo civil comentado, v. II, p. 200. 373 Ibid., p. 201

193

no artigo 22 do Código de Processo Civil e as hipóteses previstas no artigo 303

do mesmo Código, já foi examinada a questão do direito superveniente (art. 303,

inciso I), extraindo-se a conclusão de que, na verdade, o artigo 22 não incide com

referência à alegação amparada naquele inciso.

Cumpre indagar, então, em quais circunstâncias se justifica a

condenação nas custas a partir do saneamento, bem como a perda do direito de

haver os honorários advocatícios da parte vencida, quando se cuida das matérias

cognoscíveis de ofício (art. 303, inciso II), ou que, por expressa autorização legal,

podem ser formuladas em qualquer tempo e juízo (art. 303, III).374

Quanto a essa indagação, há a dificuldade decorrente do fato

de que, em um primeiro momento, parece incongruente que a lei, de um lado,

autorize a alegação de matérias que possam ser conhecidas de ofício, ou que

possam ser alegadas a qualquer tempo, sem fazer qualquer ressalva quanto a

custas e honorários (art. 303, incisos II e III), e, de outro, estipule a condenação

em custas e a perda do direito de haver os honorários da parte vencida (art. 22).

Contudo, também nesse ponto, a questão parece melhor se

resolver por intermédio do critério da presença ou não de culpa em relação à

ausência de alegação no momento apropriado.

374 Interessante anotar que, com referência a tais matérias, há duas disposições expressas

quanto à atribuição das custas em caso de alegação intempestiva. A primeira é a contida no artigo 113, § 1º, segundo o qual não sendo a incompetência absoluta deduzida no prazo da contestação, ou na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, responderá ela pelas custas. A segunda vem expressa no art. 267, § 3º, segundo o qual o réu deverá alegar, na primeira oportunidade, as matérias previstas nos seguintes incisos do mesmo artigo: IV – ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo; V – perempção, litispendência ou coisa julgada; VI – falta de condições da ação; não alegando, responderá pelas custas do retardamento.

194

Assim, se o réu tinha conhecimento de tais matérias e por

desídia ou esquecimento deixou de alegá-las na contestação, ainda que o juiz

possa delas conhecer de ofício (art. 303, II), ou que o réu esteja expressamente

autorizado a alegá-las a qualquer tempo (art. 303, III), será ele condenado nas

custas a partir do saneamento do processo e perderá, ainda que vencedor da

causa, o direito de haver do vencido os honorários advocatícios.

Nesse sentido, Arruda Alvim observa que “(...) quanto às

matérias que devam ser conhecidas oficiosamente, não há que falar em

preclusão, pois conhecíveis, de ofício, ou podendo ser formuladas em qualquer

tempo e juízo, nada impede que, a qualquer tempo, sejam alegadas pelo réu. É

certo que se puderem ser alegadas a qualquer momento (art. 303, III), como a

prescrição, e não o tenham sido no prazo da contestação, incidirá o artigo 22”.375

Contudo, uma dificuldade adicional impõe-se com relação às

hipóteses nas quais, embora o réu nada alegue, venha o juiz a conhecer da

matéria de ofício. Nesse caso, não parece sustentável fazer incidir as

conseqüências previstas no artigo 22, até porque, na mesma linha da perquirição

da inércia culposa anteriormente referida, seria razoável presumir-se que, se o

réu não alegou determinada matéria em sua defesa, é porque dela não tinha

conhecimento.

Tal entendimento é esposado por Arruda Alvim, ao defender

o ponto de vista segundo o qual “se, porventura, o juiz decidir pela extinção do

litígio, fundado em qualquer dos incisos do artigo 301, dado que conhece dessa

matéria – salvo a hipótese do § 4º – oficiosamente, é incogitável a aplicação do

375 Código de Processo Civil Comentado, p. 200.

195

art. 22, pois, se o réu não alegou, há presunção iuris et de iure de que

desconhecia a alegação que, apesar disso, veio a beneficiá-lo”.376

Portanto, na verdade, o campo de incidência do artigo 22 é

bastante restrito. Referida norma atinge somente as alegações não sujeitas à

preclusão, assim entendidas as relativas a matérias que podem ser conhecidas

pelo juiz de ofício, ou as que possam, por expressa autorização legal, ser

alegadas a qualquer tempo. Além disso, é preciso que tais matérias sejam do

conhecimento do réu no momento da apresentação da defesa, de modo que fique

caracterizada sua inércia culposa, o que significa, em outras palavras, que se o

réu não tinha conhecimento de tais fatos no momento da contestação, também

não poderia sofrer as sanções pela alegação tardia.

15.3.3 Distinção entre a inércia culposa prevista no artigo 22 e a

litigância de má-fé prevista nos artigos 17 e 18 do Código

de Processo Civil

Nesse ponto, cabe observar, ainda, que a possibilidade de o

réu alegar, após a apresentação da defesa, fatos não sujeitos à preclusão, cuja

ocorrência era por ele conhecida antes da contestação, com sujeição tão-somente

às conseqüências previstas no artigo 22 do Código de Processo Civil, encontra

limites que se definem exatamente pela boa-fé do réu.

376 Código de Processo Civil Comentado, p. 201.

196

Como se disse, o artigo 22 impõe ao réu a condenação nas

custas a partir do saneamento e a perda do direito de haver do vencido os

honorários advocatícios, na hipótese de inércia culposa.

Contudo, se a alegação extemporânea decorrer de má-fé, a

solução não será a aplicação do artigo 22, mas sim do artigo 18 do Código de

Processo Civil. Nesse sentido é a observação de Sérgio Sahione Fadel quanto

aos fatos alegados após a apresentação da defesa: “Convém, todavia, considerar

os limites da não argüição desses fatos na resposta do réu, em que a sanção é a

condenação nas custas após o saneador e a liberação da parte contrária dos

honorários, para não estendê-lo até as raias da má-fé, como a ocultação de

documento ou o procedimento desleal, hipóteses em que a penalidade é a do art.

18. E tais limites estão exatamente na ocorrência, ou não, da intenção deliberada

de proceder de má-fé, como resulta dos incisos II e III do art. 17”.377

Cabe assinalar, também, a existência de julgados

entendendo que, para caracterizar as hipóteses, tanto do artigo 22, quanto do

artigo 18 do Código de Processo Civil, faz-se necessário que haja a efetiva

demonstração da ocorrência de prejuízo às partes ou ao processo.378

377 Código de Processo Civil Comentado, p. 95. 378 Nesse sentido, ver REsp 277.929/SC, Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, rel. Min. Antonio

de Pádua Ribeiro, j. 19/03/201, d.j.u. 30/04/2001, cuja ementa, abaixo reproduzimos: “Processual civil. Litigância de má-fé. CPC, arts. 18 e 22. Interpretação. I – Se o fato, que seria ensejador da má-fé processual, não causou, no caso, qualquer prejuízo quer às partes quer ao processo, não há identificar ofensa aos arts. 18 e 22 do CPC. II – A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia, em razão da iliquidez do título que a originou. III – Ofensa ao art. 585, II, do CPC, não caracterizada. Aplicação das Súmulas nº 5 e 7/STJ. IV – Recurso especial não conhecido.”

197

16. DO CONHECIMENTO DO FATO SUPERVENIENTE EM GRAU

DE APELAÇÃO

Arruda Alvim afirma que a ocorrência de fato superveniente, ainda que

posterior à sentença, deve ser considerada até mesmo no momento do

julgamento da apelação. Sustenta tal afirmação no princípio da economia

processual, que permitiria um abrandamento da regra segundo a qual a ação

deva ser julgada tal como posta em juízo e alude que o próprio artigo 462 do

Código de Processo Civil teria encampado exatamente o princípio da economia

processual.379

Guilherme Freire de Barros Teixeira afirma que “as regras referentes ao ius

superveniens aplicam-se também em segundo grau de Jurisdição, sendo que o

momento final para o seu conhecimento identifica-se com aquele imediatamente

anterior à decisão final, quer em primeira, quer em segunda instância”.380

No mesmo sentido, Arakén de Assis381 e Antonio Carlos de Araújo Cintra382

sustentam que a norma contida no artigo 462 do Código de Processo Civil aplica-

se também ao segundo grau de jurisdição.383

379 Segundo Arruda Alvim: “A ocorrência de fato, ainda que posterior à sentença, deve ser levada

em conta no momento do julgamento da apelação, em face do princípio da economia processual, que tem abrandado o rigorismo do princípio de que a ação deve ser julgada como posta em juízo. Em rigor, o fundamento legal é o artigo 462 que, no âmbito do que dispõe, encampou o princípio da economia processual. As inexatidões materiais e os erros de cálculo não sofrem a ação do tempo, isto é, não precluem” (Manual de direito processual civil, vol. 2, p. 683).

380 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 264. 381 Extinção do processo por superveniência de dano irreparável, in Doutrina e prática do

processo civil contemporâneo, p. 197. 382 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, p. 286.

198

Barbosa Moreira distingue os sistemas nos quais a apelação funciona

como novum iudicium e aqueles pautados no modelo da revisio prioris intantiae:

“No primeiro caso, é natural que se admita em termos amplos o suscitamento,

perante o órgão ad quem, de questões não propostas ao órgão a quo (ius

novorum; beneficium nondum deducta deducendi, nondum probata probandi); no

segundo caso, a regra há de ser a de ficarem preclusas todas as questões não

suscitadas no procedimento de grau inferior. Ali, pede-se ao tribunal que realize

livremente o trabalho de reconstrução, dentro embora da área demarcada pelo

recurso, mas com utilização de quaisquer matérias; aqui, pretende-se que ele se

limite, na reconstrução, ao uso do material já colocado à disposição do juízo

inferior. Este sistema só dá margem a que se corrijam os erros do próprio órgão

judicial; aquele abre oportunidade, ademais, para que sejam supridas as

deficiências das partes”.384

III – Recurso conhecido e provido.”

383 O mesmo entendimento vem sendo acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido, admitindo o conhecimento de fato superveniente em grau de apelação: REsp 75003-RJ, STJ, 3ª. Turma, rel. Min. Waldemar Zveiter, j.26/03/1996, RSTJ vol. 87, p.237, cuja ementa abaixo reproduzimos: Processual Civil – Ação de posse e guarda de menores – fato superveniente à sentença – inteligência do art. 462 do CPC. I – Ocorrendo fato superveniente, no curso da ação, posterior à sentença, que possa influir na solução da lide, cumpre ao Tribunal tomá-lo em consideração ao decidir a apelação. A regra do “ius superveniens” dirige-se, também, ao juízo de segundo grau, uma vez que deve a tutela jurisdicional compor a lide como esta se apresenta no momento da entrega (art. 460, do CPC). II – Precedentes do STJ.

384 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p.446-447.

199

O Brasil vinha adotando o sistema da revisio prioris instantiae.385 Nesse

sentido, Barbosa Moreira observava que: “Quer isso dizer, ao ângulo da política

legislativa, que o direito brasileiro atribui à apelação, precipuamente, a finalidade

de controle. Através dela se abre a oportunidade para que o órgão ad quem

possa corrigir erros porventura cometidos no juízo inferior. Noutros sistemas

jurídicos, o mecanismo da apelação atua, por assim dizer, com abstração do que

se passou antes da interposição do recurso – como se, ao recorrer, se ajuizasse a

causa ex novo”.386

Entretanto, conforme observa José Rogério Cruz e Tucci, após a Lei n.º

10.352, de 26/12/2001, o art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil passou a

dispor que, nos casos de extinção do processo sem julgamento de mérito, o

tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar sobre questão

exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento, caso

em que a apelação passa a ser concebida como um novum iudicium, pois ao

órgão jurisdicional de segundo grau fica permitido o mais amplo reexame da

causa, tanto em relação aos aspectos de fato, quanto de direito.387

Naturalmente, a possibilidade de alegação de fato superveniente em grau

de apelação implica a necessidade de novo contraditório e supõe a possibilidade,

Também nesse sentido, há um interessante julgado do Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa transcreve-se abaixo: “Processual Civil. Apelação Cível. Juntada de documentos com a apelação. Possibilidade. Arts. 397 e 398, CPC. Exegese. Precedentes do STJ. 1. O Direito Brasileiro veda o novorum iudicium na apelação, porquanto o juízo recursal é de controle e não de criação (revisio priori instantiae). Em consonância, ao art. 517 do CPC interdita a argüição superveniente no segundo grau de jurisdição de fato novo, que não se confunde com documento novo acerca de fato alegado. 2. Precedentes do STJ no sentido de que a juntada de documentos com a apelação é possível, desde que respeitado o contraditório e inocorrente a má-fé, com fulcro no artigo 397 do CPC. 3. Recurso especial provido”. (REsp. 466.751-AC, STJ, Primeira Turma, rel. Min, Luiz Fux, j. 03/06/2003, d.j.u. 23.06.2003).

386 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, p. 451. 387 Lineamentos da nova reforma do CPC, p. 99.

200

inclusive, de reabertura da instrução probatória. No Direito espanhol, por exemplo,

há previsão expressa no sentido de, mesmo o processo estando em segunda

instância, ser possível produzir provas a respeito dos fatos supervenientes.388

Assim como ocorre quanto à alegação de fato superveniente em primeiro

grau, também na apelação as questões de fato que se pretende alegar devem

exercer influência sobre a relação jurídica debatida em juízo.

Nesse sentido, José Rogério Cruz e Tucci afirma que: “na fase recursal,

dada a natureza e estrutura de revisio prioris instantiae da apelação, não é

permitido ao demandante alegar, no âmbito desse recurso, a teor do artigo 517,

fato constitutivo do seu direito discrepante daquele que integra a causa petendi

original, deduzida na petição inicial ou alterada até a declaração de

saneamento”.389

Portanto, o artigo 517 do Código de Processo Civil deve ser lido com certo

temperamento. Nesse sentido, Moacyr Amaral Santos, com a precisão que lhe é

peculiar, observa ser necessário que as questões eventualmente não alegadas

por motivo de força maior, se contenham nos limites da lide originária, para que

possam ser conhecidas em grau de apelação.390

388 Ignácio Díez-Picazo Gimenez observa que: “Finalmente, em la segunda instancia, el art.

460.2.3ª LEC permite solicitar que se practiquen pruebas referidas a hechos de relevância para la decisión Del pleito ocurridos después Del comienzo Del plazo para dictar sentnencia em la primera instancia, o hechos anteriores al comienzo de dicho plazo, de los que la parte justifique Haber tenido conocimiento com posteridad” (Derecho procesal civil – El proceso de declaración, p.272).

389 A causa petendi no processo civil, p. 150. 390 Segundo Moacyr Amaral Santos: “A apelação provoca o reexame da causa. Por ela se devolve

ao tribunal o conhecimento das questões suscitadas e discutidas no juízo a quo, para seu reexame e novo julgamento. Falamos em reexame para acentuar que, no sistema brasileiro, se devolve ao juízo do recurso o conhecimento das mesmas questões suscitadas e discutidas no juízo a quo. Haverá, no juízo do recurso, um novo pronunciamento, um novo julgamento com base no mesmo material de que se serviu o juiz de primeiro grau. Os argumentos poderão variar, mas com fundamento nos mesmos fatos deduzidos e nas mesmas provas produzidas no juízo inferior. Daí segue-se que as questões de fato podem ser deduzidas na apelação se as partes provarem que deixaram de fazê-lo no juízo inferior por motivo de força maior. É o que reza o

201

É preciso considerar, ainda, que mesmo em grau de apelação, importa

distinguir se o fato superveniente beneficia o autor ou o réu.

Como visto, quanto ao autor, a possibilidade de alegação de fato

superveniente em sede de apelação, do mesmo modo que no primeiro grau, não

pode implicar completa modificação da causa de pedir.

Entretanto, cumpre considerar que a vedação existente no primeiro grau

em relação ao autor, quanto ao conhecimento novo de fato velho, é válida

também em grau de apelação. Em outras palavras, se o autor não alegou

determinado fato ocorrido anteriormente à estabilização da demanda, ainda que

comprove que não o fez por motivo de força maior, estará impedido de alegar tal

fato em sede de apelação, exatamente porque é vedada a alteração da demanda.

Aliás, não é demais lembrar que tal fato sempre poderá ser alegado por

intermédio de outra ação.

Também os Tribunais tem rechaçado a tentativa de alteração, pelo

autor vencido, dos limites objetivos da demanda, no momento da apelação.391

art. 517 do Código de Processo Civil: ’As questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão se suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior’. Caberá ao juízo ad quem resolver sobre a admissão das novas questões e, na hipótese de admiti-las, permitirá, por conseqüência, a produção de prova dos fatos alegados. Condição de admissibilidade de dedução de novas questões de fato, sempre subordinada à prova de não terem sido formuladas no juízo inferior por motivo de força maior, é que as mesmas se contenham nos limites da lide. São novas questões, mas pertinentes à mesma lide, e que, por motivo de força maior, não puderem ser suscitadas no juízo inferior. (Primeiras linhas de direito processual civil, 3º vol., p. 117).

391 A esse respeito, reproduzimos interessante acórdão do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo: “Ementa: Recurso – Apelação – Âmbito – Alteração dos limites da demanda estabelecidos – Análise que acarreta violação aos princípios da adstrição e da demanda – Possibilidade de configuração de julgamento “extra petita” – Recurso não Provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 724.393-6, da Comarca de São Paulo, sendo apelante Luizão Representações Sociedade Civil Ltda., e apelado Banco Bradesco S/A: Acordam, em Décima Segunda Câmara Extraordinária do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso. 1. Demanda com pedido declaratório, versando inexistência de obrigação cambial, foi rejeitada pela r. sentença de fls. 76/78, cujo relatório se adota. Rejeitados embargos de declaração, a autora interpôs apelação.

202

Por outro lado, quando o fato superveniente beneficia o réu, pelas

mesmas razões que se admite a alegação em primeiro grau de conhecimento

novo de fato velho, também em grau de apelação tal solução se impõe. Como já

se disse, se o réu for impedido de apresentar tal alegação, ainda que em sede de

Afirma ter o apelado reconhecido a irregularidade do valor exigido na execução, pois inclui acréscimos indevidos, como multa, além de sua cumulação com juros moratórios. Também aponta a existência de anatocismo e incidência de juros sobre parcelas ainda não vencidas. Tendo em vista as exigências ilegais, pretende o reconhecimento do direito à indenização por danos morais. Alega cerceamento de defesa, pois pretendia produzir prova pericial, bem como violação ao princípio da reserva legal. Invoca os artigos 8º e 11 do Decreto 22.626/33 e afirma que os juros incidiram sobre o capital corrigido pela TR, que já os contêm. Recurso tempestivo, preparado, respondido e bem processado. É o relatório.” 2. Na inicial foram estabelecidos os limites da demanda. A autora, sob o fundamento de que o réu estava a exigir juros contratuais ainda não vencidos, pediu a declaração de inexigibilidade da cambial e a condenação em perdas e danos. A ré demonstrou haver levado o título a protesto pelo valor correspondente à soma das parcelas vencidas, mais acréscimos contratuais. Estabelecidos os limites objetivos da demanda, a autora, indevidamente, apresentou outros motivos para a suposta nulidade do título: cumulação de juros contratuais e TR, incidência de multa antes de proposta a ação, dupla penalidade (juros moratórios e multa) e anatocismo (fls. 60/65). Tais questões foram renovadas em sede recursal, mas seu exame não se revela possível nestes autos em razão dos limites da demanda. A consideração do elemento objetivo estranho à inicial constitui violação ao princípio da adstrição (cf. CPC, artigos 2º, 128, 459 e 460; Teresa Arruda Alvim, “Nulidades da Sentença”, RT, 3ª ed. pág. 189; v. tb. Milton Paulo de Carvalho, “Do pedido no processo civil”, Sérgio Fabris Editor, 1992, pág. 176; Apel. N. 630.536-6, 1º TACSP, 12ª Câm., j. 10.08.95, v.u.; Apel. N. 587.149-4, Araçatuba, 1º TACSP, 12ª. Câm. J. 11.05.95; Apel. n. 530.822-5, SP, 1º TACSP, 12ª. Cãm. J. 02.02.95), caracterizando julgamento ‘extra petita’. O único fundamento deduzido na inicial – a cobrança indevida de encargos não vencidos – ficou afastado pelo demonstrativo de fls. 46. É esta a ‘causa petendi’ da ação e dela não se pode fugir, sob pena de julgamento ‘extra petita’. Essa irregularidade gera nulidade da decisão judicial, principalmente em situação como a dos autos, em que a parte contrária sequer teve oportunidade de se manifestar a respeito da alteração introduzida na demanda (cf. José Rogério Cruz e Tucci, ‘A causa petendi no processo civil, RT, 1993, págs. 133/134; Apel. n. 683.638-2/SP, 1º TACSP, 12ª Câm. Esp,. Jan/97, j. 18/02/.97, v.u.; Apel. n. 524.118-9, Sorocaba, 1º TACSP, 4ª. Câm., j. 06/04/94). Em última análise, se apreciados os fundamentos novos, o julgamento violaria o princípio da demanda (CPC, artigos 2º e 262), do qual decorrem os limites da sentença (cf. Celso Agrícola Barbi, ‘Comentários ao Código de Processo Civil’, vol. I, tomo I, Forense, 1ª ed. pág. 31; Apel. n. 630.598-6, Tupã, 1º TACSP, 12ª Câm., j. 10/08/95, v.u.) 3. Assim, nega-se provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Juízes Matheus Fontes (Revisor) e Campos Mello. São Paulo, 13 de novembro de 1997. ROBERTO BEDAQUE, Presidente e Relator” (LEX – Jurisprudência dos Tribunais de Alçada Civil de São Paulo, vol. 169, maio-jun., 1998).

203

apelação, não terá outra oportunidade de fazê-lo, pois sofrerá os efeitos da

eficácia preclusiva da coisa julgada.

204

17. DO CONHECIMENTO DO FATO SUPERVENIENTE EM SEDE

DE RECURSO EXCEPCIONAL

Particularmente difícil a indagação relativa à aplicabilidade da regra do

artigo 462 do Código de Processo Civil, complementada pelo artigo 517 do

mesmo Código, quando se trata de recursos excepcionais.

Isso porque, ao contrário da apelação, os recursos excepcionais são de

estrito direito, não se admitindo, em regra, discussão quanto a matéria fática.

A finalidade dos recursos excepcionais é garantir a inteireza positiva do

direito constitucional e infraconstitucional, não sendo vocacionados a corrigir a

injustiça dos julgados. No entanto, como na sistemática adotada no Brasil, os

Tribunais Superiores atuam como instâncias revisoras e não apenas como Cortes

de Cassação, o direito subjetivo do recorrente vitorioso acaba sendo reconhecido

e pratica-se a justiça do caso concreto.

Lionel Zaclis chega mesmo a defender que os recursos excepcionais

teriam uma causa de pedir própria, diferente da causa petendi que identificava a

ação nas instâncias ordinárias. Para o mencionado autor, “a causa de pedir nos

recursos excepcionais consiste na afirmação de haver o julgado recorrido

aplicado inadequadamente o direito a uma determinada situação fática, cujos

contornos nele se acham delineados, afirmação essa que, em última análise,

205

constitui a questão constitucional, no recurso extraordinário, e a questão federal,

no especial”.392

Nesse ponto, para analisar o tema do cabimento da alegação de fato

superveniente em sede de recurso excepcional, convém distinguir os fatos

supervenientes de natureza processual, dos fatos supervenientes de conteúdo

material propriamente dito.

Feito isso, cabe observar que não parece haver maiores dificuldades

quando se trata de alegação de fato superveniente processual, que a

jurisprudência das Cortes Superiores tem admitido com freqüência, sobretudo

quando se trata da ausência superveniente do interesse de agir.393

392 Causa de Pedir nos Recursos Extraordinário e Especial, Revista do Advogado 65/65. 393 Veja-se, nesse sentido, a título de exemplo, o interessante acórdão do Supremo Tribunal

Federal, proferido no Agravo Regimental interposto na Petição n. 2.379-0, no qual a Corte reconheceu a ocorrência de fato superveniente processual consistente na concessão, pelo Superior Tribunal de Justiça, do efeito suspensivo requerido também junto ao STF, bem como o provimento ao Recurso Especial, ocorrendo assim o fenômeno da substituição dos julgados, que tornou prejudicado o Agravo Regimental. O mencionado julgado tem a seguinte ementa: “Petição. Agravo Regimental. Fato processual superveniente. Substituição dos julgados. Prejudicialidade. Concessão de efeito suspensivo ao recurso especial interposto pela entidade pública perante o Superior Tribunal de Justiça. Ocorrência do fenômeno processual da substituição de julgados (CPC, artigo 512). Conseqüência: perda do objeto do processo. Agravo regimental prejudicado.” (Agravo Regimental na Petição 2.379-0 – SC, Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, rel. Min. Maurício Correa, j.12/11/2003, D.J. 02/04/2004).

Também na mesma linha é o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa segue transcrita abaixo, julgando prejudicado o Recurso Especial pela ocorrência de fato superveniente consistente no julgamento da apelação no mandado de segurança: “Processual civil. Agravo de instrumento para atribuir efeito suspensivo à apelação em mandado de segurança. Recurso Especial advindo do Agravo. Julgamento superveniente da apelação nos autos do Mandamus. Perda do Objeto. Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão que, em sede de agravo de instrumento concedeu efeito suspensivo à apelação em mandado de segurança. 1. A ocorrência de fato superveniente – julgamento da apelação no mandamus, torna sem utilidade a apreciação do presente recurso especial que objetiva exatamente a cessação da eficácia suspensiva concedida em segundo grau. 2. Perda do objeto. Recurso especial prejudicado”. (REsp. 638.999/RJ, Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, rel. Min. José Delgado, j. 03/08/2004, D.J. 20/09/2004).

Há, todavia um julgado do Superior Tribunal de Justiça decidindo que o fato superveniente processual deve ser levado ao conhecimento do órgão julgador até o momento em que o recurso for definitivamente apreciado, não cabendo sua admissão após o julgamento. A ementa está assim redigida:

206

Questão mais delicada, contudo, diz respeito à alegação de fato

superveniente de ordem material. Em primeiro lugar, nota-se que a jurisprudência

veda o recurso fundado em “reexame de prova”.394

Entretanto, parece razoável ponderar-se que, no caso do fato

superveniente, não se trata de reexame, mas de fatos que vieram à tona quando

o recurso excepcional já havia sido interposto.

Contudo, há ainda o problema da exigência do prequestionamento. É

preciso considerar, quanto a esse aspecto, que se o fato superveniente ocorreu,

ou tornou-se conhecido, após a prolação do acórdão recorrido, certamente não se

tratará de questão decidida na instância ordinária e, assim, não estaria

preenchido o requisito da prévia apreciação da questão, pela instância ordinária.

Quanto a esse aspecto, observa-se que, apesar de existirem alguns

julgados entendendo que seja cabível a apreciação de fato superveniente em

sede de recurso excepcional,395 a jurisprudência dominante hoje no Superior

Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de não admitir a incidência do artigo 462

“Processo Civil. Embargos de declaração no recurso especial. Processo de execução. Quebra do devedor. Fato superveniente à interposição do recurso especial. Comunicação realizada após o julgamento do apelo. Prejudicialidade recursal afastada. Suspensão do processo de execução. Dedução do pedido perante o Juízo de origem. - O fato superveniente, se notório não for, deve ser levado ao conhecimento do órgão julgador até o momento em que o recurso for definitivamente apreciado. - Comunicado apenas após o julgamento do recurso especial, afasta-se a possibilidade de se declarar a prejudicialidade do apelo, porque já exaurida, na espécie, a jurisdição do Tribunal. - Se a quebra do devedor for cientificada a este Tribunal apenas após o julgamento do recurso especial, perante o Juízo a quo deverá ser deduzido o pedido de suspensão do processo de execução, com a devida comprovação do alegado. - Embargos de declaração no recurso especial a que se rejeitam”. (EDcl no REsp. 330262/SP, Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Adrighi, j. 20/03/2003, DJ. 14/04/2003). No mesmo sentido é o acórdão proferido nos EDcl em EDcl no REsp 317255/MA, Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, rel. Min. Ari Pargendler, j. 07/08/2003, DJ. 01/09/.2003.

394 Súmula 7 do STJ e 279 do STF. 395 No sentido da admissão da alegação de fato superveniente em sede de recurso excepcional,

encontramos os seguintes julgados: STJ, REsp 327.004/RJ, 4ª T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 14/8/2001, d.j.u., 24/9/2001 ; STJ REsp 36.306/SP, 4ª T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 8/4/1997, d.j.u. 19/5/1997.

207

do Código de Processo Civil, quando não houver o necessário

prequestionamento.396

Conclui-se, portanto, que em sede de recurso excepcional, enquanto o fato

superveniente de natureza processual é largamente aceito, dificilmente se admite

o conhecimento de fato superveniente de natureza material, justamente pela

ausência de prequestionamento.

396 Não admitindo a alegação de fato superveniente em sede de recurso excepcional, em

decorrência da ausência de prequestionamento, encontramos: EDcl no AgRg no REsp 492996/SP, Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, rel. Min. Paulo Medina, j. 21/10/2004, d.j.u. 29/11/2004; REsp. 574255/RJ, Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 07/10/2004, d.j.u. 29/11/2004; REsp. 573337/SC, Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.16/09/2004, d.j.u. 13/12/2004; AgRg no AG 510610/RJ, Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 20/11/2003, d.j.u. 09/02/2004; Edcl no REsp 478160, Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, rel. Min. José Delgado, j. 12/08/2003, d.j.u. 13/10/2003; REsp. 499505/RS, Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 09/09/2003, d.j.u. 20/10/2003; EDcl no REsp. 434617/SP, Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, rel. Min. Paulo Medina, j. 03/06/2003, d.j.u. 23.06.2003; EDcl no REsp 447795/SP, Superior Tribunal de Justiça, 5ª Turma, rel. Min. Felix Fischer, j. 22/04/2003, d.j.u. 02/06/2003; AgRg no AG 474090/SP, Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, rel. Min. Paulo Medina, j. 03/06/2003, d.j.u. 23/06/2003; AgRg no REsp 441077, Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, rel. Min. Paulo Gallotti, j. 07/11/2002, d.j.u. 17/03/2003 e RSTJ, vol. 171, p. 511; Edcl no REsp 413117/PE, Superior Tribunal de Justiça, 5ª Turma, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 19/11/2002, d.j.u. 16/12/2002 REsp 432741/RS, Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma. rel. Min. Luiz Fux, j. 24/9/2002, d.j.u. 28/10/2002; REsp 434480/RS, Superior Tribunal de Justita, 1ª Turma., rel. Min. Luiz Fux, j. 03/10/2002, d.j.u. 28/10/2002; REsp 444921/RS, Superior Tribunal de Justiça, 1ª T, rel. Min. Luiz Fux, j. 08/10/.2002, v.u., d.j.u. 11/11/2002”.

208

18. PROPOSTAS DE ABRANDAMENTO DA RIGIDEZ IMPOSTA

PELO REGIME DA ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA E PELO

PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE NO PROCESSO CIVIL

BRASILEIRO

18.1 A necessidade de flexibilização – 18.2 Sugestões formuladas pela doutrina: 18.2.1 Inserção, no Código de Processo Civil, de dispositivo semelhante ao artigo 384 do Código de Processo Penal; 18.2.2 Valorização da audiência preliminar prevista no artigo 331 do Código de Processo Civil, como momento de fixação dos termos da controvérsia e estabilização da demanda; 18.2.3 Alteração consensual da causa petendi e do pedido; 18.2.4 Revisitação do tema da estabilização da demanda à luz do princípio do acesso à justiça

18.1 A necessidade de flexibilização

Como já exposto, segundo a sistemática estabelecida pelo art. 264,

combinado com o art. 462 do Código de Processo Civil, somente podem ser

considerados os fatos não alegados na petição inicial, se forem supervenientes,

ou seja, se tiverem ocorrido posteriormente à propositura da demanda, influindo

209

no julgamento, constituindo, modificando ou extinguindo o fundamento jurídico do

pedido.

Quanto ao réu, como se viu, admite-se, excepcionalmente, a

consideração de fato ocorrido antes da propositura da demanda, mediante

comprovação de que deixou de alegá-lo no momento oportuno, em decorrência

de motivo de força maior (art. 517 do Código de Processo Civil), que é o caso, por

exemplo, do conhecimento novo de fato velho.

Contudo, cumpre reconhecer que, com freqüência, no início do

processo, a situação fática não se apresenta claramente delimitada, sendo

possível que as alegações da parte contrária, a inquirição de testemunhas ou a

produção de determinada prova pericial, por exemplo, tragam novos elementos

fáticos que não foram devidamente enfocados, ou cuja relevância não tenha sido

percebida, fazendo com que não integrassem a causa petendi originária.

Pode ser, inclusive, que não se trate de fatos desconhecidos

propriamente ditos, mas de fatos cuja importância tornou-se evidente somente em

momento posterior ao da estabilização da demanda, o que nos coloca, em

princípio, fora do alcance da exceção prevista no artigo 517 do Código de

Processo Civil.

Tais fatos, cuja importância aflora durante a instrução processual,

não podem ser considerados na sentença, caso provoquem alteração da causa

de pedir. Poderão, todavia, ser alegados em outra ação, uma vez que constituem

causa de pedir diversa.

210

Nesse contexto, Guilherme Freire de Barros Teixeira sustenta que

“até mesmo pelo aspecto prático, seria mais razoável que (...) as sentenças já

decidissem toda a controvérsia que envolve os litigantes, evitando que eles se

vissem na iminência de, tão logo encerrado o primeiro processo, ou até mesmo

antes disso, serem novamente protagonistas de outra demanda”.397

Por outro lado, como observa Ricardo de Barros Leonel, “a

propensão de um sistema processual a adotar critérios mais ou menos

rígidos quanto à estabilização da demanda, e conseqüentemente quanto à

preclusão e à regra da eventualidade, decorre exclusivamente de opção

política do legislador”.398

Partindo da premissa segundo a qual seria possível e desejável

flexibilizar o princípio da estabilização da demanda e da eventualidade, algumas

sugestões têm sido apresentadas pela doutrina. Dentre elas são destacadas as

seguintes.

18.2 Sugestões formuladas pela doutrina

18.2.1 Inserção no Código de Processo Civil, de dispositivo

semelhante ao artigo 384 do Código de Processo Penal

Guilherme Freire de Barros Teixeira sugere a inserção, no

Código de Processo Civil, da figura da mutatio libelli, hoje prevista no artigo 384

397 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 316. 398 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 122.

211

do Código de Processo Penal, de modo a permitir, após a estabilização da

demanda, a alteração da causa petendi e do pedido, abrindo-se prazo para a

emenda da petição inicial pelo autor, seguindo-se a oportunidade de manifestação

do réu e de produção de provas pelas partes.

Do mesmo modo poderia ocorrer, se o demandado

eventualmente formulasse pretensão por intermédio de reconvenção ou pedido

contraposto. O mencionado autor justifica sua posição, ponderando que, “se no

processo penal, em que se costuma sustentar que a ampla defesa assume maior

relevância que no processo civil, é possível o aditamento da denúncia ou da

queixa desde que a prova dos autos revele fatos não constantes da imputação

feita na peça acusatória, o CPC poderia abrigar dispositivo semelhante, de modo

a evitar novos processos entre os litigantes”.399

18.2.2 Valorização da audiência preliminar prevista no artigo

331 do Código de Processo Civil, como momento de

fixação dos termos da controvérsia e estabilização da

demanda

A proposta, nesse caso, representaria a valorização da

audiência preliminar como momento de autêntica delimitação dos termos da

controvérsia, nos moldes da prima udienza di trattazione della causa, do direito

italiano, e da audiência previa al juicio, da legislação espanhola.

399 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 313.

212

No direito italiano, após a fase preparatória realiza-se a

audiência preliminar (prima udienza di trattazione della causa), na qual, não

ocorrendo a conciliação, o juiz trava um verdadeiro diálogo com as partes,

pedindo esclarecimentos sobre os fatos alegados e submetendo às partes

questões não alegadas, discutindo também as questões conhecíveis de ofício,

visando a evitar decisões-surpresa ou de terceira via. Na mesma audiência, o

autor pode propor pedidos e exceções novos, em conseqüência de eventual

demanda reconvencional ou das exceções opostas pelo réu, bem como requerer

o chamamento de um terceiro, caso isso se torne necessário em decorrência da

defesa do demandado. Nesse momento, ambas as partes podem esclarecer e

modificar os pedidos, as exceções e as conclusões já formuladas.

Desse modo, no direito italiano, após a apresentação da

contestação pelo réu, pode haver a modificação do pedido ou da causa de pedir,

sem que, porém, possa haver alteração substancial dos elementos objetivos da

demanda, sendo vedada a mutatio libelli. 400

À semelhança da legislação italiana, a LEC espanhola prevê

a denominada audiência previa al juicio, que tem, dentre outras finalidades, a de

delimitar os termos do debate, mediante a fixação precisa do objeto do processo e

dos pontos de fato e de direito sobre os quais haja controvérsia. Em razão do

exposto pelo adversário, as partes podem efetuar alegações complementares

(LEC, art. 426,1), bem como esclarecer alegações já formuladas e retificar termos

secundários de suas pretensões, sem alterá-las substancialmente (LEC, art.

426,2). As partes podem também acrescentar pedidos acessórios ou

complementares, desde que haja anuência do adversário. Se este não anuir,

213

caberá ao Tribunal decidir sobre o aditamento, que só poderá ser deferido se não

houver prejuízo à defesa da parte contrária (LEC, art. 426, 3). Podem, ainda, ser

alegados fatos novos ocorridos após a petição inicial ou a contestação, ou dos

quais as partes somente tenham notícia após tais escritos (LEC, art. 426, 4).

Segundo Guilherme Freire de Barros Teixeira, “a maior

flexibilidade na fase postulatória, permitindo-se alterações da causa petendi e do

pedido até a audiência prevista no artigo 331 do CPC, à semelhança do que

ocorre na Itália e na Espanha, possibilitaria uma melhor delimitação dos temas da

controvérsia, podendo também evitar novas demandas entre os litigantes, em

benefício da economia processual e da otimização da prestação jurisdicional”.401

18.2.3 Alteração consensual da causa petendi e do pedido

Por força do artigo 584, inciso III, do Código de Processo

Civil, os litigantes podem transacionar, inclusive quanto a matérias não debatidas

em juízo. Todavia, isso só ocorre na hipótese de pedido de extinção do processo

(art. 269, inciso III, do Código de Processo Civil); na hipótese de continuação do

processo, não é possível que se alterem os elementos objetivos da demanda

após o saneamento, mesmo que haja consenso entre as partes, quanto à

alteração.

400 Nesse sentido, ver Comoglio, Ferri e Taruffo (Lezioni sul processo civile, p. 598). 401 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 332.

214

Segundo Guilherme Freire de Barros Teixeira, no Brasil, “a

ampliação dos elementos objetivos da demanda pode ocorrer apenas com a

finalidade de ser extinto o processo, não se admitindo a modificação se as partes

convencionarem que o processo vai prosseguir”.402 Nesse contexto, o referido

autor sugere a inclusão, no Código de Processo Civil brasileiro, de dispositivo

semelhante ao art. 272º do Código de Processo Civil português, que permite

alterar ou ampliar a causa petendi, em qualquer fase do processo, em primeira ou

segunda instância, desde que haja acordo entre as partes, o que favoreceria a

resolução definitiva da controvérsia, evitando novas demandas entre as partes.403

18.2.4 Releitura da visão tradicional de estabilização da

demanda, à luz do reconhecimento da supremacia do

princípio do acesso à justiça

As sugestões anteriormente apresentadas consistem em

propostas de alterações legislativas. Contudo, parece razoável cogitar a

possibilidade de avanços, a partir da mudança de mentalidade dos operadores do

direito com relação ao assunto, sem que, necessariamente, se altere a legislação.

A respeito desse tipo de mudança, José Carlos Barbosa

Moreira cunhou expressões emblemáticas, ao invocar a idéia segundo a qual

seria possível “revisitar” um tema clássico, de maneira a propiciar a “releitura” da

402 O princípio da eventualidade no processo civil, p. 325. 403 Ibid., , p. 324 e 326.

215

visão tradicional, para que “novas sonoridades” sejam atraídas por “antigas

partituras”.404

Nessa linha, José Roberto dos Santos Bedaque observa que

o princípio do acesso à justiça tem sede constitucional, pois decorre da garantia

da ação, enquanto o “princípio da demanda”, que fundamenta o escopo da inércia

da jurisdição, é, a rigor, apenas uma regra inerente à técnica processual.405

Com base nessa afirmação, Ricardo de Barros Leonel conclui

que “a inércia da jurisdição ou o ‘princípio da demanda’ podem sofrer legítimas

mitigações, desde que não prejudiquem, mas ao contrário favoreçam o acesso à

justiça. Este último, diversamente, não pode ser minimizado”.406

Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel sustenta que seria o

caso de reconhecer-se uma verdadeira supremacia da garantia do acesso à

justiça em relação ao denominado princípio da demanda. Afinal, o acesso à

justiça decorre do próprio direito de ação e tem assento constitucional, ao passo

que o princípio da demanda tem função operativa e apóia-se na regra da inércia

da jurisdição.

Desse modo, o princípio da demanda poderia ser mitigado,

desde que, por um lado, não haja prejuízo ao contraditório e, por outro, seja

favorecido o acesso à justiça. Por outro lado, o acesso à justiça não poderia

jamais ser minimizado.407

404 Expressões cunhadas por José Carlos Barbosa Moreira e empregadas em diversos trabalhos

do consagrado autor. 405 Cf. José Roberto dos Santos Bedaque, Os elementos objetivos da demanda examinados à luz

do contraditório, cit., p. 23. 406 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 255. 407 Ibid., p. 255.

216

Desse enfoque, na prática, se houver a introdução de fato

não alegado na inicial ou na contestação, mas se esse for submetido a amplo

debate pelas partes, inclusive com a possibilidade de produção de provas a

respeito, é de admitir-se que tal fato seja considerado na sentença.

Tal solução favorece a economia processual, uma vez que

possibilita a resolução definitiva do conflito. Por outro lado, negar-se tal

encaminhamento significaria, muitas vezes, obrigar as partes a submeterem-se a

um novo processo, com todas as implicações daí decorrentes, tais como a

incerteza, a nova espera, custas etc.

Dito de outro modo, se determinado fato for alegado após o

momento apropriado, inegavelmente haverá violação a regras formais do

processo. Contudo, se houver o amplo debate em torno de tal fato, será

respeitado o princípio do contraditório, de maneira que, em última análise, não

haverá prejuízo algum para as partes, se o juiz tomar em consideração tal fato na

sentença.

Tal encaminhamento mostra-se possível, inclusive quando se

trate, efetivamente, de alteração da causa de pedir. Nesse sentido, Ricardo de

Barros Leonel pondera que “determinada circunstância de fato, apta a configurar

nova causa petendi ou a render ensejo a uma nova pretensão, pode surgir no

curso da instrução” e observa que, “sujeitando-se a ampla discussão pelos

litigantes, com o deferimento e produção de provas a seu respeito, etc, parece

razoável concluir que, em que pese a violação das regras formais relativas à

217

estabilização de demanda, desenvolveu-se, com a maior amplitude possível, o

contraditório a seu respeito”.408

Ricardo de Barros Leonel observa, por fim, que tal solução

mostra-se recomendável, inclusive porque, do ponto de vista prático, o resultado

do ajuizamento de uma nova ação muitas vezes acabaria sendo o mesmo da

admissão da alegação do fato superveniente, tendo em vista a possibilidade de

reunião dos processos por conexão, para que se proceda a julgamento

conjunto.409

Cabe observar, todavia, que não se trata de admitir-se

indiscriminadamente a alegação de fatos novos após o momento apropriado. Com

efeito, Ricardo de Barros Leonel adverte que se trata de solução excepcional, que

408 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 264. 409 Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel observa o seguinte: “Outro aspecto, agora de ordem

prática, deve ser mencionado, e serve para justificar a adoção da solução aqui preconizada. Ainda que não seja admitida a possibilidade de reconhecimento do direito ou eficácia jurídica superveniente em violação às regras inerentes à estabilização da demanda, por via transversa poderia ser alcançado o mesmo resultado.

Basta imaginar que, proposta a demanda fundada inicialmente em determinada causa petendi e com certo pedido, seja posteriormente – já superados os limites para eventual aditamento – aforada nova demanda pelo mesmo autor, em face do mesmo réu, relacionada à mesma hipótese de direito material, todavia, agora com novos fundamentos (causa petendi) e com outro pedido.

Exemplos corriqueiros podem indicar que tal situação se afigura comum. Suponha-se: (a) propositura de reparação de danos por mau uso do imóvel locado, na pendência de ação de despejo por falta de pagamento ou outra causa de rescisão do contrato de locação; (b) segunda demanda objetivando reparação de danos morais na pendência de ação de responsabilidade por danos materiais decorrentes de ilícito civil; (c) ajuizamento de ação de reparação de danos na pendência de possessória, tendo aqueles (os danos) sido descobertos posteriormente ao início do primeiro feito; (d) propositura de separação por adultério, cometido posteriormente ao aforamento de outra ação com a mesma finalidade, fundada em sevícias; (e) alegação de compensação por parte do réu (em ação declaratória por ele movida), em razão da constituição de crédito em seu favor, na pendência de ação de cobrança a ele movida pelo autor.

Nas hipóteses aventadas, em razão de conexão (ou eventualmente, em outros casos imagináveis, continência) entre as duas demandas, a solução poderá ser a reunião para julgamento conjunto, de ofício ou a requerimento das partes (art. 103, 104, 105 e 301 VII e § 4º do CPC).

Desse modo, por via indireta será alcançado o mesmo resultado: acréscimo de causa de pedir, pedido ou defesa, ulteriormente aos limites fixados pelo ordenamento para a estabilização da demanda. E não há razão para negar, em caráter teórico, aquilo que validamente, de forma prática, pode ser alcançado por via transversa”. (Ricardo de Barros Leonel, Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p.266).

218

não afasta as regras inerentes à estabilização da demanda e que depende, além

do respeito ao contraditório e à ampla defesa, também de uma avaliação do

magistrado, no sentido de aferir se há efetivo proveito do ponto de vista global,

em termos de economia processual, na medida em que viabilize a solução

definitiva do litígio, ao mesmo tempo em que não cause prejuízo ao contraditório

e à ampla defesa.410

Portanto, a fixação dos limites dentro dos quais poderá haver

a alegação de fatos novos pressupõe a ponderação concreta dos valores em

jogo. Em outras palavras, é necessário um controle real e não simplesmente

formal, a respeito, de um lado, da preservação do contraditório e, de outro, da

plausibilidade das soluções que visam a proporcionar economia processual. 411

Nessa linha, Ricardo de Barros Leonel conclui que “não se

abandona a tradicional concepção de estabilização da demanda no confronto

410 Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel sintetiza e sistematiza os pressupostos de

admissibilidade da incidência do direito ou eficácia jurídica superveniente, propondo os seguintes parâmetros: a) trata-se de solução excepcional, que não afasta a validade e a necessidade das regras inerentes à formação e à estabilização da demanda; b) depende da incidência do contraditório e da ampla defesa e, em última análise, do respeito ao devido processo legal do modo mais abrangente possível, como forma de legitimação da solução excepcional; c) evidencia a necessidade de que a introdução do dado superveniente não decorra de má-fé, devendo, se for o caso, contar com adequada justificação; d) na análise conjuntural entre as conseqüências da aceitação ou rejeição da dedução superveniente, será necessário ao magistrado considerar o efetivo proveito ou economia, em sentido global, para a solução definitiva da controvérsia (se da inovação decorre tumulto processual, ou necessidade de retorno a fases procedimentais já superadas, como v.g. complexa instrução probatória, deve ser rejeitada e reservada para ulterior demanda); e) será necessário ponderar também, partindo do exame das proposições jurídicas das partes, a inexistência de prejuízo concreto e indevido, considerando o contraditório, a possibilidade de defesa pelos litigantes, e a produção de resultados legítimos (v.g., se a pretensão ou causa de pedir deduzidos pelo autor, violando os limites da estabilização, acabam contando com sentença de improcedência, não há porque se reconhecer nulidade, na medida em que aquele que seria prejudicado, o réu, acabou sendo beneficiado: definitivamente estará afastada a possibilidade de que venha a ser novamente demandado, em função da mesma situação de direito material). (Ricardo de Barros Leonel, Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 268-269).

411 Nesse sentido ver Luigi Paolo Comoglio. Il principio di economia processuale, vol. I, Padova, CEDAM, 1980, p.182.

219

entre o objeto litigioso e o direito superveniente. Mas fica claro que é aceitável ir

mais além, e superar regras técnicas do sistema processual, desde que

respeitados princípios e garantias constitucionais do processo. Daí a viabilidade

de se permitir que a eficácia superveniente afete efetivamente o objeto litigioso,

em determinadas circunstâncias, mesmo após os limites procedimentais fixados

no sistema codificado”.412

412 Objeto litigioso e direito superveniente no processo civil, p. 313.

220

CONCLUSÕES

01. Nada obstante a estabilização da demanda e a conseqüente

imutabilidade do pedido e da causa petendi sejam exigências de ordem

lógica do processo, não se pode ignorar que a realidade social

concreta, de onde emerge a lide e sobre a qual deve atuar a jurisdição,

longe de ser imutável, é, na verdade, extremamente dinâmica.

02. Quando se fala em estabilização da demanda, faz-se referência à

vedação imposta ao autor, que não poderá alterar os elementos

identificadores da ação. A vedação que se impõe ao réu, no sentido de

impedir a introdução de novas alegações após a contestação, decorre

do princípio da eventualidade, que não se confunde com a estabilização

da demanda e, muito menos, com a imutabilidade da causa de pedir.

03. O processo civil brasileiro aderiu ao modelo de procedimento rígido,

caracterizado pela nítida distribuição dos atos processuais em fases e

pelo emprego acentuado do instituto da preclusão, destinado a impedir

retrocessos na marcha do procedimento.

04. Quanto ao conteúdo da causa de pedir, no Brasil, a doutrina

amplamente majoritária afirma que o Código de Processo Civil vigente

teria adotado a teoria da substanciação.

221

05. Contudo, há opiniões respeitáveis em sentido diverso, dentre as quais

se destaca a de José Ignácio Botelho de Mesquita, segundo a qual, no

Brasil ter-se-ia adotado posição de grande equilíbrio entre as teorias da

substanciação e da individualização. Também se destaca a posição de

Ovídio Baptista da Silva, segundo a qual, no Brasil, ter-se-ia optado por

uma atenuação da teoria da substanciação, na medida em que a Lei

exige que só os fatos essenciais integrem a causa de pedir.

06. As teorias da substanciação e da individualização convergem em vários

aspectos. O ponto no qual na verdade se afastam é precisamente a

resposta que cada uma fornece à indagação do que se deva entender

por causa petendi nas ações propostas com fundamento em direitos de

caráter absoluto – os direitos reais, de família e os decorrentes do

estado da pessoa. A contrário sensu, pode-se afirmar que não há

diferença entre ambas as teorias no que diz respeito a direitos relativos,

como os obrigacionais, por exemplo.

07. É relevante notar que o artigo 462 do Código de Processo Civil não diz

que o juiz poderá, mas sim que “caberá” a ele tomar em consideração

os fatos supervenientes, inclusive de ofício.

08. Enquanto na base do artigo 264 do Código de Processo Civil está o

princípio dispositivo, o artigo 462 é manifestação clara da natureza

publicística do processo, que privilegia, em certa medida, a busca da

verdade real e segue a máxima de que a sentença deve refletir as

condições de fato e de direito existentes no momento em que é

proferida.

222

09. Quando há mera alteração do fundamento jurídico da demanda, não

ocorre violação ao princípio da imutabilidade da causa de pedir, até

porque o juiz não se vincula à qualificação jurídica atribuída aos fatos

pelas partes – iura novit curia.

10. Contudo, o brocardo iura novit curia deve ser interpretado

considerando-se a supremacia do princípio do contraditório, de maneira

que se o juiz vislumbrar a possibilidade de enquadramento jurídico

diferente do imaginado pelo autor, deve possibilitar a prévia

manifestação dos litigantes a respeito.

11. Para que não haja violação ao princípio da demanda, o conhecimento

de fundamento jurídico novo na sentença só pode ocorrer se a nova

qualificação jurídica decorrer do mesmo fato essencial descrito na

petição inicial e levar aos mesmos efeitos jurídicos pretendidos

inicialmente pelo autor.

12. Somente os fatos jurídicos ou principais tornam-se imutáveis. Fatos

secundários, também chamados de fatos simples, podem ser alegados

no curso da demanda, sem que isso represente violação ao princípio da

imutabilidade da causa petendi.

13. Discute-se se os fatos simples ou secundários integrariam ou não a

causa de pedir. Há os que sustentam que os fatos simples fariam parte

da causa de pedir remota. Mas a maioria parece defender que tais fatos

não integram a causa de pedir.

223

14. A afirmação de que os fatos simples não integram a causa de pedir diz

respeito ao problema da identificação da ação, o que não significa que

as partes possam alegar tais fatos livremente, sem qualquer limitação.

Deve-se, portanto, observar primeiramente o princípio do contraditório.

15. Distingue-se o fato novo do fato superveniente, uma vez que o primeiro

implica novo pedido ou nova causa de pedir, ao passo que o segundo

ajusta-se à causa petendi e ao pedido originários.

16. O artigo 462 do Código de Processo Civil fala expressamente em “fato

constitutivo, modificativo ou extintivo do direito”, capaz de “influir no

julgamento da lide”, o que significa que esse dispositivo não trata dos

fatos simples ou secundários, até porque tais fatos podem ser tomados

em consideração a qualquer tempo e, segundo parte respeitável da

doutrina, sequer integrariam a causa de pedir.

17. Para que o fato superveniente possa ser considerado, é imprescindível

que participe do fato inicialmente apontado como causa petendi,

constituindo-o, modificando-o ou extinguindo-o. Não participando de

nenhuma dessas formas, será então fato novo, a ser discutido por

intermédio de outra ação.

18. Em razão da ocorrência de fatos supervenientes, a lide se altera,

cumprindo ao juiz considerar tais fatos para julgar a ação procedente ou

improcedente, ou, ainda, para decidir quanto à condenação em custas.

19. Para a maioria da doutrina, tratando-se de fatos supervenientes

constitutivos ou modificativos do direito, haverá, em princípio, alteração

224

da causa de pedir. Contudo, é possível extrair conclusão em sentido

contrário, partindo-se da premissa de que a causa petendi seria uma

categoria abstrata que não se confunde com os fatos tal como se

apresentam no mundo concreto e nem com o direito deles decorrente,

que a sentença dirá se efetivamente existe ou não. Em outras palavras,

a causa de pedir é apresentada na petição inicial in status assertionis e

assim permanece ao longo do processo. Desse enfoque, os fatos

supervenientes interfeririam na procedência ou improcedência da

demanda, mas não alterariam a causa de pedir.

20. Uma coisa é o direito verdadeiro e próprio atualmente existente, e outra

coisa é o direito afirmado pelo autor na petição inicial, que entra no

processo apenas como razão da ação e que a sentença dirá se existe

ou não.

21. Interessante notar que o artigo 462 do Código de Processo Civil não faz

menção a fatos impeditivos que possam influir no julgamento da lide, o

que leva alguns doutrinadores a deduzir que, por fato superveniente, se

tomam somente os fatos ocorridos após o oferecimento da inicial, uma

vez que o fato impeditivo é, por definição, sempre anterior ou

concomitante ao fato constitutivo original.

22. Quanto aos fatos supervenientes constitutivos, é necessário que

resultem na constituição de relação jurídica de conteúdo idêntico ao da

relação originalmente alegada na petição inicial. Portanto, se a relação

jurídica que se origina for diversa, o fato constitutivo somente poderá

ser deduzido por intermédio de nova demanda.

225

23. O fato superveniente modificativo não implica relação jurídica diversa e,

portanto, não gera outra causa de pedir, mas incide sobre a mesma

causa petendi original, alterada em sua essência pelo fato

superveniente.

24. No caso dos fatos supervenientes extintivos, não há que se falar em

alteração da causa de pedir. Com efeito, não há qualquer modificação

dos fatos alegados na petição inicial, mas, sim, a apreciação de fato

superveniente que leva à extinção do processo.

25. A temática da estabilização da demanda e do fato superveniente remete

à discussão em torno da busca da verdade real no Processo Civil. Hoje,

sobretudo em decorrência da concepção segundo a qual o Processo

Civil é um instrumento de realização do direito material, o predomínio da

verdade formal sobre a verdade real tem sido bastante questionado.

26. De todo modo, em razão do princípio do contraditório, o juiz, ao tomar

em consideração o fato superveniente, deve possibilitar a manifestação

das partes, inclusive com a produção de novas provas, se for o caso.

27. A fungibilidade das ações possessórias gera uma situação peculiar em

relação à temática do fato superveniente e da causa de pedir. Assim, na

prática, a ameaça pode, por exemplo, transformar-se em esbulho, o que

justifica a concessão de medida diversa da originalmente pleiteada,

dada a transformação superveniente do contexto fático.

28. Também nas ações que visam à tutela específica das obrigações de

dar, fazer e não fazer, haverá variação da causa de pedir se, no

226

momento da efetivação da medida, ficar demonstrado que se tornou

impossível o cumprimento da obrigação, o que implicará a conversão

em tutela genérica visando à indenização por perdas e danos, quando

então novos aspectos, tais como a extensão do dano, deverão ser

apreciados.

29. Quanto ao princípio da congruência, parece interessante indagar, em

primeiro lugar, se o fato superveniente altera ou não a causa de pedir.

Se considerarmos que o conhecimento do fato superveniente modifica a

causa de pedir, não haverá que se falar em violação ao princípio da

congruência, uma vez que a sentença, a rigor, estará fundada na causa

de pedir (modificada). Todavia, se entendermos que a causa de pedir é

uma categoria abstrata, colocada na inicial in status assertionis, de tal

modo que o fato superveniente não tenha o condão de alterá-la, haverá,

então, quando do conhecimento do fato superveniente na sentença,

uma violação ao princípio da congruência. Entretanto, mesmo dentre os

que adotam essa segunda posição, predomina o entendimento de que

eventual incongruência não implica nulidade, se o fato superveniente

for, em algum momento, introduzido nos autos e submetido ao debate,

respeitando-se, desse modo, o princípio do contraditório.

30. Correspondentemente à vedação imposta ao autor, dado o princípio da

imutabilidade da ação, justificou-se a formação, em relação ao réu, do

princípio da eventualidade, por força do qual todas as defesas, salvo as

exceções e os incidentes, deverão ser alegadas na contestação, sob

pena de preclusão. Desse modo, quando se fala em princípio da

eventualidade, faz-se referência à vedação imposta ao réu, no sentido

227

de impedir a introdução de novos argumentos de defesa, o que não se

confunde nem com a imutabilidade do pedido e tampouco com a

estabilização da demanda, que são vedações impostas ao autor, o qual

não poderá alterar os elementos da ação.

31. O princípio da eventualidade impõe ao réu o ônus de concentrar na

contestação todas as alegações de defesa disponíveis, para que o juiz,

se rejeitar uma delas, passe à análise das demais. Se a matéria de

defesa não for alegada no momento da contestação, ocorrerá, quanto a

ela, a preclusão, o que leva a doutrina a defender que devem ser

admitidas, inclusive, alegações incompatíveis entre si. Cabe observar

que tal aspecto reforça a distinção entre o princípio da eventualidade e

o da imutabilidade da causa de pedir. Isso porque, quando se trata do

autor, não há quem sustente que se possam admitir, na petição inicial,

alegações incompatíveis entre si, o que poderia, dependendo do caso,

resultar até mesmo em seu indeferimento por inépcia.

32. A afirmação de que o princípio da eventualidade implica a admissão

simultânea de todas as alegações e exceções, ainda que incompatíveis

entre si, deve ser lida com certo temperamento, pois, além do princípio

da ampla defesa, há os deveres de veracidade e lealdade processual,

que exigem um mínimo de coerência e homogeneidade na defesa.

33. Quanto à eficácia preclusiva da coisa julgada, convém observar que

não se trata de estender os efeitos da coisa julgada sobre as questões

decididas, uma vez que, como se sabe, tais efeitos incidem sobre a

decisão do mérito da causa. Trata-se, sim, de um dos efeitos da

228

sentença que impede que as questões deduzidas ou não no curso do

processo possam ser utilizadas para atacar a coisa julgada. Em outras

palavras, a finalidade do instituto é impedir que o julgado seja atacado,

com fundamento no argumento de que determinada questão não foi

apreciada, o que não significa que a questão não possa ser apreciada

em outro processo, no qual seja diferente a lide.

34. Há uma diferença vital entre as posições do autor e do réu, em face do

problema da eficácia preclusiva da coisa julgada. Para o autor, se

determinada alegação deixou de ser feita em momento oportuno,

tratando-se de fato distinto do que foi alegado na petição inicial, nada

impede que ele venha a pleitear, por intermédio de uma nova ação, o

seu direito, fundado agora na causa de pedir omitida na primeira ação.

Contudo, em se tratando do réu, a situação é bem mais grave. É que,

se o mérito for decidido contra ele, não lhe restará nada a fazer, pois a

eficácia preclusiva da coisa julgada impedirá que a rediscussão da

matéria seja oponível ao que ficou estabelecido na decisão transitada

em julgado.

35. Tomando por base as já aludidas diferenças entre as posições de autor

e réu quanto às implicações da eficácia preclusiva da coisa julgada,

parece sustentável dizer-se que, para o autor, em que pese o disposto

no artigo 517 do Código de Processo Civil, a permissão da alegação de

fato superveniente restringe-se tão-somente aos fatos que tenham

ocorrido após o momento de estabilização da demanda, excluindo-se,

portanto, a possibilidade de alegar fato anterior, ainda que só conhecido

após o ajuizamento da demanda. Tal solução é razoável até porque

229

resta ao autor a alternativa de propor uma nova ação para pleitear o

direito que decorra do fato omitido na inicial. Em outras palavras, o

autor, ao contrário do réu, pode alegar em outra demanda o fato não

referido na primeira ação, fundando assim a pretensão em uma nova

causa petendi. Por outro lado, quanto ao réu, parece razoável entender-

se de modo diverso, para admitir que se deduzam, inclusive, os fatos

ocorridos antes da contestação, mas conhecidos somente depois

daquele momento, justamente porque se o réu não puder apresentar

esse argumento de defesa, não poderá mais fazê-lo, caso a ação seja

julgada procedente, tendo em vista a já mencionada eficácia preclusiva

da coisa julgada.

36. Para o réu, as matérias cognoscíveis de ofício poderão ser alegadas a

qualquer tempo, uma vez que, quanto a elas, não ocorre a preclusão

(CPC, art. 303, incisos II e III). Quanto ao réu, tal regra independe do

fato de a matéria cognoscível de ofício ser nova ou preexistir ao

momento da contestação. Já no que se refere ao autor, como o que

está em jogo não é a preclusão, mas sim a imutabilidade da ação, tais

matérias só poderão ser alegadas se disserem respeito a fato ocorrido

após a estabilização da demanda. Isso porque se, por um lado, o

próprio artigo 462 diz que o fato superveniente será conhecido de ofício

pelo magistrado, por outro, com base nas observações acima, somente

se admite como superveniente, para o autor, o fato ocorrido após a

estabilização da demanda, afastando-se desse modo o chamado

conhecimento novo de fato velho.

230

37. O artigo 22 do Código de Processo Civil, além de ser expressão do

princípio da causalidade, relaciona-se com o escopo da celeridade e

prestigia os princípios do contraditório e da lealdade processual, na

medida em que se propõe a desestimular a surpresa no processo.

Contudo, tal artigo não tem recebido a devida atenção da doutrina no

que diz respeito às implicações que dele decorrem em relação ao tema

do fato superveniente.

38. O artigo 22 do Código de Processo Civil refere-se somente às questões

que refogem ao poder dispositivo das partes e em relação às quais não

ocorre a preclusão. Em outras palavras, o que prevalece é o princípio

da eventualidade, por força do qual, se determinada alegação deixou de

ser feita na contestação, não mais poderá ser deduzida no processo.

Assim, em relação às matérias sujeitas à preclusão, não há que se falar

na incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil.

39. As conseqüências previstas no artigo 22 do Código de Processo Civil

assumem caráter de sanção, que visa a desestimular a inércia culposa

do réu.

40. O artigo 303 do Código de Processo Civil estabelece as hipóteses nas

quais se admite que o réu deduza novas alegações após a contestação.

Quanto à situação contemplada no inciso I – direito superveniente –,

não há, a rigor, que se falar em incidência do artigo 22 do Código de

Processo Civil. Isso porque, em primeiro lugar, se o fato é posterior à

apresentação da defesa, não há como caracterizar a omissão culposa

do réu que deixa de alegar tal fato na contestação. Em segundo lugar,

231

impor-se ao réu a condenação em custas a partir do saneamento, bem

como a perda do direito de haver os honorários da parte vencida, em

decorrência da alegação de fato superveniente após a contestação,

atentaria contra a isonomia no tratamento, uma vez que, em relação ao

autor, nada se diz quanto a sanções pela dedução de fatos

supervenientes.

41. Também quando se trata de conhecimento novo de fato velho, alegado

pelo réu ao amparo do artigo 517 do Código de Processo Civil, não será

o caso de aplicar-se o artigo 22 do mesmo Código, uma vez que, na

medida em que o réu prova que deixou de alegar determinado fato

porque dele não tinha conhecimento, afasta a chamada inércia culposa,

requisito para incidência das sanções previstas no artigo 22.

42. Quanto às matérias que podem ser conhecidas pelo juiz de ofício (art.

303, II), ou que possam ser alegadas a qualquer tempo por expressa

autorização legal (art. 303, III), se o réu delas tinha conhecimento antes

do oferecimento da defesa e por desídia ou esquecimento deixou de

alegá-las no momento oportuno, será condenado nas custas a partir do

saneamento do processo e perderá, ainda que vencedor da causa, o

direito de haver do vencido os honorários advocatícios.

43. Contudo, se o réu nada alegou, mas o juiz conheceu de ofício de

determinada matéria que veio a favorecer-lhe, não seria sustentável a

incidência das conseqüências previstas no artigo 22 do Código de

Processo Civil, até porque é bastante razoável presumir-se que, se o

232

réu não alegou determinada matéria em sua defesa, é porque dela não

tinha conhecimento, o que afasta a inércia culposa.

44. O pressuposto da incidência do artigo 22 do Código de Processo Civil é

a culpa do réu. Se a alegação tardia decorrer de má-fé, a solução não

será a aplicação do artigo 22, mas, sim, do artigo 18 do Código de

Processo Civil.

45. A ocorrência de fato superveniente, ainda que posterior à sentença,

deve ser considerada no momento da apelação. Contudo, a

possibilidade de alegar fato superveniente em sede de apelação, do

mesmo modo que no primeiro grau, não pode implicar completa

modificação da causa de pedir. Tal como ocorre em relação à alegação

de fato superveniente em primeiro grau, também na apelação, as

questões de fato que se pretende alegar devem exercer influência sobre

a relação jurídica debatida em juízo. Em outras palavras, é necessário

que o fato superveniente se contenha nos limites da lide originária, para

que possa ser conhecido em grau de apelação.

46. Em sede de recurso excepcional, convém distinguir a alegação de fato

superveniente de natureza processual, da dedução de fato

superveniente de ordem material. Quanto ao primeiro, tem sido

tranqüila sua admissão em sede de recurso excepcional, sobretudo nos

casos que digam respeito ao desaparecimento superveniente do

interesse processual. Por outro lado, quanto aos fatos supervenientes

de ordem material, duas dificuldades se colocam. A primeira diz

respeito ao fato de que a jurisprudência veda o recurso fundado em

233

“reexame de prova”. Contudo, no caso do fato superveniente, não se

trata de reexame, mas de fatos que ocorreram quando o recurso

excepcional já havia sido interposto. Em segundo lugar, há que se

considerar o problema da ausência de prequestionamento. E nesse

ponto, estudando a jurisprudência, sobretudo do Superior Tribunal de

Justiça, encontramos posição fortemente majoritária no sentido de não

admitir o conhecimento do fato superveniente em sede de recurso

especial, por ausência de prequestionamento.

47. Partindo-se do reconhecimento de que existe uma supremacia do

princípio do acesso à justiça em relação à regra da estabilização da

demanda, é possível admitir-se, em caráter excepcional, que os fatos

alegados após o saneamento do processo, ainda que impliquem nova

casua petendi, sejam considerados pelo juiz no momento de proferir a

sentença, desde que seja respeitado o princípio do contraditório e que

haja efetivo proveito do ponto de vista da economia processual, apto a

justificar tal solução.

234

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