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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
A INDIVIDUAÇÃO DA MULHER NA POLÍTICA ENTRE DOMINAÇÃO, OBJETOS
TÉCNICOS E DISPOSITIVO DE ENUNCIAÇÃO
Carla Maria Martellote Viola 1
Resumo: O texto pretende desvendar o processo de individuação da mulher como ser participativo
na política partidária eleitoral nas diversas instâncias que abrangem o jogo do comando nas
representações públicas, seja como eleitora, como candidata ou como parlamentar eleita, abordando
a concretização dos objetos técnicos e os diversos elementos do dispositivo que enunciam sua
trajetória na memória histórico-social. Para elucidar as questões abordadas foram feitas revisão na
literatura, estudos sobre a legislação pertinente e mapeamento quantitativo das tramitações que
abordam os direitos da mulher na Câmara dos Deputados. Após o estudo, percebe-se que a
sociedade da informação ainda conserva estereótipos equidistantes da mulher como objeto e da
mulher dona de casa que representa o alicerce da instituição familiar e o espírito do lar,
prejudicando a vontade feminina de atuar na política e o entusiasmo das militantes em lutar por suas
causas. Contudo, a busca pelo devir e empoderamento na política, faz com que a mulher desafie a
dominação masculina que persiste no palco de poderes e decisões, renovando as esperanças de
maior representatividade no país.
Palavras-chave: Mulher na política; Feminismo; Individuação; Objetos técnicos; Dispositivo de
Enunciação
Introdução
Os dilemas da mulher implícitos e explícitos da atualidade permitem que se pondere sobre
acepções, confluências e divergências no tocante à representatividade da mulher na política com
objetivo de investigar as questões eleitorais e partidárias.
A individuação da mulher, tendo em vista suas heranças subjetivas e objetivas e a
enunciação do dispositivo, serve para aclarar seus direitos e firmar sua maior participação
sociopolítica.
Nesse cenário, necessárias são a compreensão e a reflexão sobre as normativas, em vigor e
em tramitação, referentes à mulher e sua prerrogativa em participar das questões públicas do país.
Assim sendo, primeiramente se tecem comentários sobre a representatividade da mulher na
política, indicando referenciais sobre a individuação e seu princípio, feminismo e visão
androcêntrica.
1 Aquinos Advogados - Mestranda em Ciência da Informação IBICT/UFRJ – Rio de Janeiro – RJ - Brasil – [email protected].
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No segundo tópico se evidenciam o desenvolvimento dos objetos técnicos, sua importância
para o cotidiano da mulher e a concretização da máquina como meio gradativo de libertação
feminina.
No terceiro item, aspectos normativos e sociais são apresentados visando salientar elementos
do dispositivo que proporcionaram a mulher conquistas ao longo da história e que na atualidade
fazem parte da composição normativa da reforma política em voga.
No quarto momento, fatores inerentes aos partidos políticos são explicados, formas de
dominação são tipificadas, além de se fazer referências as proposições relacionadas à mulher que
tramitam na Câmara dos Deputados.
Se finaliza com o corolário das vertentes que abrangem as situações propiciadas e
vivenciadas por mulheres nos contextos públicos e políticos.
Ressalta-se que os conceitos de feminismo, visão androcêntrica, dominação, individuação e
seu princípio, objetos técnicos, e dispositivo, abordados pelos autores Beauvoir, Bourdieu, Weber,
Deleuze, Simondon e Foucault, embasaram a pesquisa, trazendo junto com o compêndio
pesquisado, esclarecimentos para maior visibilidade e melhor representatividade da mulher.
A individuação da mulher na política
Quando a mulher se propõe a participar da política e a buscar uma função pública, ela
naturalmente está compelida a enfrentar sua individuação em confluência com a estrutura
dominante e o capital simbólica masculino que se estabeleceram desde nossos antepassados e
desencadearam lutas históricas por maior visibilidade e representatividade do gênero.
Nesse sentido, Simondon relata que:
[...] é preciso operar uma reviravolta na busca pelo princípio de individuação, considerando
como primordial a operação de individuação a partir da qual o indivíduo vem a existir e da
qual ele reflete, em suas características, o desenrolar, o regime e, enfim, as modalidades. O
indivíduo seria, então, apreendido como uma realidade relativa, uma certa fase do ser que
supõe antes dela uma realidade pré-individual, e que, mesmo após a individuação, não
existe sozinha, pois além de a individuação não esgotar de uma só vez os potenciais da
realidade pré-individual, aquilo que ela faz aparecer não é somente o indivíduo, mas o
acoplamento indivíduo-meio (SIMONDON, 2005, pp. 24-25).
Ademais, o processo de individuação da mulher na política se manifesta na construção
argumentativa em favor da sua real atuação na vida pública, mobilizando dimensões temporais e
modais na procura do contraponto entre o homem soberano e a mulher que se faz representar.
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Deleuze aduz que “na realidade, o indivíduo só pode ser contemporâneo de sua individuação
e, a individuação, contemporânea do princípio: o princípio deve ser verdadeiramente genético, não
simples princípio de reflexão” (Deleuze, 2014, p. 117). Percebe-se que tal encadeamento
fundamenta o gene singular na prospecção da formação e consciência do ser.
Nesse contexto, Beauvoir dignifica a individuação da mulher, esclarecendo que:
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico
define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da
civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado, que
qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como
um Outro (Beauvoir, 2009, p. 361, grifo do autor).
Assim, ao se projetar a individuação em nível conjuntural, infere-se que o princípio da
individuação feminina se encontra simetricamente desproporcional ao princípio de individuação
masculina, justificado pelo universal categórico masculino.
Como bem observa Beauvoir:
A própria mulher reconhece que o universo em seu conjunto é masculino; os homens
modelaram-no, dirigiram-no e ainda hoje o dominam; ela não se considera responsável; está
entendido que é inferior, dependente; não aprendeu as lições da violência, nunca emergiu,
como um sujeito, em face dos outros membros da coletividade; fechada em sua carne, em
sua casa, apreende-se como passiva em face desses deuses de figura humana que definem
fins e valores (BEAUVOIR, 2009, p. 782).
Contudo, a realidade que a mulher vislumbra na atualidade é seu devir nos contextos social,
político e econômico, e para isso, é imprescindível que a voz feminina ecoe nos âmbitos privado, e
principalmente, no público para fomentar que suas lutas sejam transformadas em leis. Fato que
atualmente está se configurando nos diversos debates em que participam, e também nas
oportunidades que lhe é concedido o poder da escrita.
Aspectos como fragilidade genética, predisposição à trabalhos domésticos e maternidade
não podem ser relacionados de forma arbitrária e necessária, resultando em impeditivos a sua real
individuação nas diversas instâncias de sua vivência, seja como ser social, político ou econômico.
Como preceitua Deleuze “o indivíduo não é somente resultado, porém meio de
individuação” (Deleuze, 2014, p. 117). Nesse entrecho, a mulher enquanto meio de sua própria
individuação, ela vem se empenhando em buscar soluções encadeadas que surtam efeitos nos seus
novos ideais e perspectivas. Inconcebível é a imagem embalsamada da mulher “bela, recatada e do
lar” 2 que a visão da política exercida por homens quer reproduzir.
2 Bela, recatada e do lar: matéria da 'Veja' é tão 1792. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/politica/bela-recatada-e-do-lar-materia-da-
veja-e-tao-1792> Acesso em: 26 jun. 2017.
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Destarte, ao se analisar o processo de individuação das mulheres que foram vitoriosas ao
longo da história, compreende-se que estas possuíam uma determinação obstinada e por vezes
individuais para lutar em nome da visibilidade dos anseios do gênero feminino.
Apesar do longo caminho percorrido pelas mulheres até alcançar o direito de votar e ser
votada, ainda hoje, os conteúdos simbólicos e normativos, que perduram, são identificados como
repressores e desanimadores.
Circunstâncias, como a subordinação à maridos, pais, irmãos e a devoção à correligionários
políticos, resistem na simbologia da política, representando um universal natural articulador que
envolve as lutas enfrentadas pela particularidade do gênero e pela singularidade da mulher.
Nesse entrecho, Bourdieu explica que:
Tendo apenas uma existência relacional, cada um dos dois gêneros é produto do trabalho de
construção diacrítica, ao mesmo tempo teórica e prática, que é necessário à sua produção
como corpo socialmente diferenciado do gênero oposto (sob todos os pontos de vista
culturalmente pertinentes), isto é, como habitus viril, e portanto não feminino, ou feminino,
e portanto não masculino. A ação de formação, de Bildung, no sentido amplo do termo, que
opera esta construção social do corpo não assume senão muito parcialmente a forma de
uma ação pedagógica explícita e expressa. Ela é, em sua maior parte, o efeito automático, e
sem agente, de uma ordem física e social inteiramente organizada segundo o princípio de
divisão androcêntrico (o que explica a enorme força de pressão que ela exerce)
(BOURDIEU, 2012, p. 34, grifo do autor).
Atenta-se que as ações femininas não devem ser cúmplices ou mesmo, influenciadas por
esse imbróglio, sob pena de violarem o lugar do gênero no espaço político potencial. A prudência se
faz necessária, para que as mulheres se sobressaiam através de argumentação própria, vençam as
dimensões de sua passividade e a demanda negativa da soberania masculina.
Como bem observa Beauvoir:
O mundo não se apresenta à mulher como um “conjunto de utensílios” intermediário entre
sua vontade e seus fins, tal qual define Heidegger: é ao contrário uma resistência obstinada
indomável; ele é dominado pela fatalidade e cortado de caprichos misteriosos
(BEAUVOIR, 2009, p. 782).
Ademais, os estereótipos emanados a partir da relação entre gêneros feminino e masculino
estão na base da discriminação sofrida pelas mulheres e, por conseguinte estruturam as diferentes
oportunidades que se apresentam em suas vidas.
A mulher e os objetos técnicos
Os objetos técnicos emergentes da Revolução Industrial direcionaram e ilustraram o
processo de individuação do ser, influenciando o comportamento e os hábitos adotados na época. É
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neste momento que a mulher conhece o imaginário das fábricas, trabalha, se comunica com outras
mulheres, conhece a realidade do uso das máquinas e dos meios de comunicação.
Briggs e Burke observam que “o tempo (e distância) foi redefinido sob a influência,
primeiro, da ferrovia e do primeiro barco a vapor; e depois, de um conjunto de novos meios de
comunicação - telégrafo, rádio, fotografia e cinema” (Briggs e Burke, 2006, p.109).
A indústria com seus artefatos e a comunicação com suas mídias promoveram a replicação
de dados e o fluxo da informação mais rápidos. Consequentemente, a sucessão de adventos dos
objetos técnicos trabalhava em favor das mulheres, possibilitando com que fossem vislumbradas
novas metas, dificilmente pensadas em seus confinamentos aos afazeres do lar e a dedicação a
família.
Como bem explica Simondon “a máquina como elemento do conjunto técnico se torna
aquilo que aumenta a quantidade de informação, aquilo que aumenta a neguentropia, aquilo que se
opõe à degradação da energia” (Simondon, 2008, p. 15). Nessa perspectiva as máquinas do saber
foram os objetos técnicos que contribuíram para o equilíbrio e o desenvolvimento das habilidades
do ser.
Ademais, a concretização de todo maquinário industrial e comunicacional facilitou as tarefas
domésticas e otimizou o tempo de atuação mulher, propiciando sua ida para o mercado de trabalho.
A troca efetiva de informações com outras mulheres e a interação em comunidades femininas
asseguraram uma significativa movimentação contra a dominação masculina.
Simondon descreve a máquina que prospera como “obra de organização, de informação, é,
como a vida e com a vida, aquilo que se opõe à desordem, ao nivelamento de todas as coisas que
tende a privar o universo de poderes de mudança” (Simondon, 2008, p. 15). Foi esta “máquina” que
garantiu a todos maiores facilidades, contudo, proporcionou a mulher, em especial, ganhos
significativos no que tange ao acesso e ao conhecimento das informações que a tornaram apta para
galgar maior espaço em uma sociedade androcêntrica. Assim, os muitos saltos e rupturas, que
transformaram a técnica e a comunicação, permitiram a mulher sair da imanência para a
transcendência.
Nesse cenário, a mulher que busca seu lugar ao sol é a que reivindica “o direito de participar
do movimento pelo qual a humanidade tenta incessantemente justificar-se”, e que na busca da
superação, “ela só pode consentir em dar vida se a vida tem um sentido; não poderia ser mãe sem
tentar desempenhar um papel na vida econômica, política, social” (Beauvoir, 2009, p. 696).
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Ademais, a imagem imanente do passado cede a vez para um olhar transcendente, real e
concreto do mundo em novo formato. A máquina que anteriormente era mediadora entre o homem e
a matéria bruta, hoje é uma ferramenta que se torna um “prolongamento do corpo humano”,
passando “da fase baseada na energia para uma mais recente assente na informação” (Neves, 2007,
p.75).
A hibridização sociotécnica foi um dos fatores que permitiu a mulher uma nova era de
possibilidades e, por conseguinte, a luta pela liberdade de voz e comando, pela ascensão igualitária,
pela oportunidade plena e principalmente por uma representatividade política justa.
Nesse sentido que práticas do cotidiano da mulher, que conciliam a maternidade com o
trabalho, se tornaram verdadeiras bandeiras político-sociais. A exemplo disso, se tem a divulgação,
via web, da foto da deputada Manuela D'Ávila (PCdoB/RS) amamentando a pequena Laura durante
uma sessão na Assembleia da Comissão de Direitos Humanos que foi compartilhada mundo afora.3
Sua imagem foi replicada em países como Índia, Japão e Nigéria inspirando outras mulheres a fazer
parte do processo de individuação nos espaços públicos de poder, perpetuando uma política de
humanização e transformação.
Os elementos do dispositivo e a trajetória da mulher na política
A mulher em sua trajetória política realizou um verdadeiro “trabalho em terreno” (Deleuze
apud Foucault, 1990, p.155), desemaranhando as linhas dos elementos do dispositivo, traçando
mapas, empreendendo uma perfeita cartografia em terras desconhecidas.
No entendimento de Foucault, o dispositivo se apresenta como:
Um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações
arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados
científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são
os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes
elementos (FOUCAULT, 2016, p. 364).
Assim, o desenvolvimento da composição dos elementos do dispositivo ao longo dos anos,
permitiu de forma lenta, porém progressiva, a maior visibilidade da mulher na política. Observa-se
que as mulheres estavam suscetíveis aos “objetos visíveis, as enunciações formuláveis, as forças em
exercício, aos sujeitos numa determinada posição”, que “são como vetores e tensores” (Deleuze,
1990, p. 55) influenciando diretamente em suas conquistas.
3 Por que a foto de uma deputada amamentando se espalhou pelo mundo. Disponível em: <http://www.brasilpost.com.br/2016/07/27/deputada-
amamentando_n_11223570.html> Acesso em: 30 jun. 2017.
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Diante dessas circunstâncias, observa-se que a problemática sociopolítica feminina eleitoral
partidária teve importância enquanto elemento normativo do dispositivo que permitiu seu
pertencimento ao processo poder-saber.
Foram preciso três constituições no país para que a mulher pudesse votar, as duas primeiras,
no Império em 1824 e na República em 1891, negavam esse direito, porém em 1946 o direito ao
voto foi normatizado pela terceira Constituição. Assim, o direito ao sufrágio foi seguido pelo desejo
de ser votada e fazer parte do corpo político do país. O primeiro alistamento eleitoral de mulheres
aconteceu em 1928, na Cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte e em 1929, neste mesmo
Estado, se elegeu a primeira prefeita no Município de Lages, Alzira Soriano de Souza.
Porém foi a partir de 1995, em Beijing, na IV Conferência sobre Mulher, Desenvolvimento e
Paz, promovida pela ONU que as mulheres trilharam passos certeiros em direção à maior
representatividade política. Neste evento, o Brasil foi signatário do protocolo que objetivava
desenvolver e institucionalizar os princípios de igualdade da mulher e potencializar o seu papel na
sociedade. No conteúdo do protocolo estava a proposta legislativa apresentada pela deputada
federal Martha Suplicy que pleiteava a reserva de 20% das vagas para indicação partidária de
candidaturas do sexo feminino aos cargos disputados pelo sistema proporcional na eleição de 1996.
Nova normatização a posteriori proporcionou 25% na campanha de 1998 e 30% nas subsequentes,
contudo apenas como reserva, o que terminava por permitir maquiagem por parte dos partidos
quanto a real apresentação de candidaturas, passando a ser obrigatório o preenchimento dos 30%
apenas em 2009, medida normativa corretiva que sanou a interpretação equivocada. Esta legislação
eleitoral também determinou um mínimo de 5% das verbas recebidas pelo fundo partidário
destinado a programas de promoção e difusão fosse para divulgação das mulheres.
O elemento de enunciação da atualidade é a Lei 13.165/2015, que trata da Reforma Eleitoral
que tem em seus ditames uma série de alterações legislativas, entretanto algumas questionáveis,
como a que determina a aplicação de 5% dos recursos nas campanhas das mulheres, limitando o
teto em 15%; normativa que viola o princípio da igualdade, previsto no artigo 5º da Constituição e
que se contrapõe ao mínimo de 30% de candidaturas femininas. Outra norma preceituada é o
aumento do tempo mínimo reservado à promoção da participação feminina nas propagandas
partidárias em rádio e televisão que aumentou de 10% para 20% do programa e das inserções nas
próximas duas eleições e 15% nas duas subsequentes. Já Proposta de Emenda à Constituição (PEC
134/15) que normatiza o preenchimento mínimo progressivo de cada gênero nas legislaturas
subsequentes, representa uma melhor adequação do espaço do poder.
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Partidos políticos e os diversos tipos de dominação
A legislação brasileira permite criação e existência de várias agremiações políticas. De
acordo com Tribunal Superior Eleitoral são 35 partidos políticos registrados atualmente4.
A Lei dos Partidos Políticos nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, em seu art.1º define: “O
partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime
democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais
definidos na Constituição Federal”.
Para os partidos políticos a baixa participação feminina não interfere, nem impede a rotina
do pleito eleitoral, desde que seja cumprida a cota mínima de 30%, refletindo a forma desigual com
que as legendas tratam as candidatas. Muitas mulheres são incluídas apenas para regularizar tal
normativa.
Como acertadamente constata Bourdieu, a preponderância dos homens dispensa
justificativa.
A força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa justificação: a visão
androcêntrica impõe-se como neutra e não tem necessidade de se enunciar em discursos que
visem a legitimá-la. A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que
tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça [...] (BOURDIEU, 2012, p.
18).
Na política, tal situação, não é diferente, demonstrando que os partidos brasileiros ainda se
encontram na contramão da democratização dos direitos das mulheres, pois são organizados,
administrados e geridos por homens.
Ademais, a cúpula do partido pertence à autonomia de escolher quem poderá se candidatar
aos cargos eletivos e com exceção dos cargos majoritários, o mandato pertence ao partido e não ao
parlamentar.
Nessa conjuntura, importante elucidar os três tipos puros de dominação legítima elucidadas
por Weber (2015, pp. 544-557) que auxiliam a compreensão do domínio exercido pelos homens na
política nacional que ainda se apresenta na atualidade.
A primeira é a dominação legal, baseada em regras racionalmente criadas que se fundamenta
na competência de seu cumprimento. A realidade jurídica que aflige a representatividade da mulher
4 Partidos políticos registrados no TSE. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/registrados-no-tse>. Acesso em: 27 jun.
2017.
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na política se encontra em reforma, visando o ajuste das disparidades eleitorais encontradas em
nosso governo nos três âmbitos, federal, estadual e municipal.
A segunda é a dominação tradicional, que se fundamenta e se legitima no passado. A
tradição traz a figura masculina dominando os cargos exercidos nos três poderes, legislativo,
executivo e judiciário. Esta dominação ainda interfere de forma contundente sobre as mulheres
empenhadas em modificá-la, indicando que ainda existe árduo caminho a ser percorrido.
A terceira é a dominação carismática que se evidencia na hereditariedade política, passando
o poder partidário e político de pai para filha, de marido para mulher e de “padrinho político”
homem para uma mulher. Essas figuras masculinas passam a manipular suas indicações femininas.
A influência da liderança dos homens não pode ser afastada mesmo nos tempos modernos. As
mulheres que chegam a exercer algum cargo na política, na maioria dos casos devem favores,
referendam ou seguem opiniões masculinas.
Recentemente, em 2015, a Lei 13.165 criou mecanismos para incentivar mulheres no
cenário político, ao determinar que 5% dos recursos do Fundo Partidário devem ser investidos na
criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres,
além de dedicar no mínimo de 10% do tempo das inserções da propaganda partidária fixado pelo
órgão nacional de direção partidária para difundir a participação política feminina. Estas medidas
buscam equilibrar a dominação e o exercício do poder que envolvem a necessidade de legitimação
da ordem política e ao mesmo tempo sua institucionalização por meio de um quadro administrativo.
Além desta medida, outras mais estão tramitando no Congresso visando salvaguardar
direitos e regulamentar procedimentos protetivos para as mulheres. São 432 (quatrocentos e trinta e
dois) proposições de acordo com o Portal da Câmara dos Deputados até junho de 2017, conforme
demonstrado na tabela abaixo.
Tabela 1: Proposições sobre a Mulher em Tramitação
Proposições Quantidade
Medida Provisória (MPV) 3
Mensagem (MSC) 6
Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 1
Projeto de Emenda à Constituição (PEC) 13
Projeto de Resolução (PRC) 11
Projetos de Lei (PL) 380
Projetos de Lei Complementar (PLP) 12
Proposta de Fiscalização e Controle (PFC) 1
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Requerimento de Instituição de CPI (RCP) 3
Sugestão (SUG) 2
Total 432
Fonte: Câmara dos Deputados – Brasil.
Em contrapartida, ainda se encontra tramitando no congresso medida retrógada como a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 164/2012, do ex-deputado federal Eduardo Cunha que
estabelece a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção, se contrapondo ao Código Penal
brasileiro que prescreve três casos em que o aborto provocado é legal. São esses: quando não há
meio de salvar a vida da mãe, quando a gravidez resulta de estupro e quando o feto é anencéfalo,
esta última autorizada pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, 54, Distrito
Federal.
Reflexões e Reflexos
A interação da mulher nas suas divisões clássicas, família, trabalho, sociedade e Estado, se
revela na busca frequente por uma conciliação entre direitos e deveres. Identifica-se que a relação
conflituosa entre homem e mulher é representada pela conduta simbólica androcêntrica.
Entretanto, ainda se encontram determinadas situações em que a própria mulher fomenta o
estereótipo arcaico pacificado pelos homens, como o ocorrido recentemente, em 13 de julho de
2016, na votação para presidência da Câmara dos Deputados, circunstância em que se constatou a
dialética da representatividade feminina. Essa eleição foi a primeira da história do país que duas
mulheres concorriam ao posto, pois anteriormente, em 2013, somente uma deputada tinha
concorrido ao cargo, a atual senadora Rose de Freitas (PMDB-ES). Contudo, o fato que foi
reconhecidamente uma conquista, infelizmente, também retratou questões dispares que perduram na
atualidade.
No referido pleito, mulheres foram “utilizadas” como principal chamariz para pedir votos.
Modelos contratadas ocuparam os corredores da Câmara dos Deputados com o objetivo de
distribuir santinhos com mensagens dos candidatos, a maioria usava maquiagem e tinham cabelos
lisos ou alisados, seus uniformes de campanha eram blusas com o nome do candidato e calças
justas. Tentar compreender e explicar tal situação tem seu grau de complexidade aumentado,
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quando se sabe que dentre os deputados contratantes das referidas “cabos eleitorais”, uma era
mulher, a deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ).5
Assim, se pode verificar que a individuação se motiva permanentemente, perpetuando o
devir do ser que nunca se configura em um ser único e sim em um indivíduo que conserva em si
uma atividade de individuação permanente e que é resultado de seu acoplamento ao meio.
Conclui-se que a “individuação” de Simondon está imersa nos efeitos dos “elementos do
dispositivo” de Foucault, não podendo esses ser circunscritos por uma linha que os envolvem sem
que não passem outros vetores por cima ou por baixo, ocorrendo ainda a transposição da linha,
situação em que a força, em lugar de entrar em relação linear com outra força, se volta para si
mesma, exerce-se sobre si mesma ou afeta-se a si mesma (Deleuze, 1990, p.156).
Situação que também se pode constatar com a declaração polêmica da candidata a vice
Prefeitura do Rio, Cidinha Campos, em 2016, que ao fazer referência sobre a acusação de agressão
do candidato a Prefeito, Pedro Paulo a sua esposa, Alexandra Marcondes, relativizou a violência
contra a mulher, a partir dos benefícios oriundos de sua situação financeira, de seu status social e
matrimonial.6
Concepções como essa, estão na contramão do movimento feminista e dos direitos da
mulher, se voltando contra os elementos do dispositivo que visam conquistar o emponderamento, a
maior participação da mulher na política e a divulgação do conceito recentemente criado de
“sororidade” que significa a união e a aliança entre mulheres, baseado na empatia e
companheirismo, em busca de alcançar objetivos em comum.7
Ademais, necessária é a individuação da mulher na política consciente, transparente e
permanente, para tanto, se busca inspiração nas sugestões apresentadas no Encontro Propositivo
pela Igualdade das Mulheres na Política, pela coordenadora de Pesquisa Aplicada da Escola de
Direito de São Paulo da FGV, professora Luciana de Oliveira Ramos.
Entre suas propostas estão: ampliar a transparência no processo de recrutamento eleitoral
feito pelos partidos e coligações, por meio da maior inserção de mulheres nas lideranças partidárias;
verificar periodicamente o percentual mínimo e máximo de candidaturas de cada sexo durante todo
5 Mulheres na eleição da Câmara: de cabos eleitorais 'objeto' a candidatas sem chance. Disponível em:
<https://noticias.terra.com.br/brasil/mulheres-na-eleicao-da-camara-de-cabos-eleitorais-objeto-a-candidatas-sem-
chance,455346fbddf0146c43d668113ce3cce02bmfb9bu.html> Acesso em: 26 jun. 2017. 6 Vice de Pedro Paulo, Cidinha Campos minimiza acusações de agressão à ex-mulher. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/brasil/vice-de-
pedro-paulo-cidinha-campos-minimiza-acusacoes-de-agressao-ex-mulher-19781693#ixzz4FTWymAHI> Acesso em: 27 jun. 2017. 7 Sororidade, substantivo feminino. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/mundo/sororidade-substantivo-feminino-18959230> Acesso em: 27
jun. 2017.
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o processo eleitoral, e não apenas no período do registro de candidaturas e limitar o repasse do
Fundo Partidário para partidos/coligações que não elegeram mulheres.8
Referências
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
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The individuation of women in the politics between domination, technical objects and
enunciation device
Abstract: The text intends to unveil the individuation process of women as participatory in
electoral party politics in the various instances that encompass the command role in public
representations, either as an elector, as a candidate or as elected legislator, addressing the
concretization of technical objects and the various device elements that enunciate their trajectory in
the historical-social memory. In order to elucidate the issues addressed, there were reviews in the
literature, studies on the pertinent legislation and quantitative mapping of the procedures that
address women's rights in the Chamber of Deputies. After the study, it can perceive that the
information society retains equidistant stereotypes of the object woman and the housewife woman
who represents family institution foundation and the home spirit, damaging the female will to act in
politics and the enthusiasm of the militants in fighting for Feminist causes. However, the search for
becoming and empowerment in politics women causes to challenge the male domination that
persists in the stage of powers and decisions, renewing the hopes of greater representativeness in the
country.
Keywords: Woman in politics. Feminism; Individuation; Technical objects; Enunciation device