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1 ANDERSON LUIS VENÂNCIO A FORÇA DO CENTRO: A INFLUÊNCIA CONSERVADORA NA PROVÍNCIA DE MINAS GERAIS (1844-1853)

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ANDERSON LUIS VENÂNCIO

A FORÇA DO CENTRO: A INFLUÊNCIA CONSERVADORA NA PROVÍNCIA DE MINAS GERAIS

(1844-1853)

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Anderson Luis Venâncio

A FORÇA DO CENTRO: A INFLUÊNCIA CONSERVADORA NA PROVÍNCIA DE MINAS GERAIS

(1844-1853)

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, em cumprimento às exigências para a obtenção do título de Mestre em História, sob a orientação da Profª. Dr.ª Marisa Saenz Leme.

.

FRANCA

2005

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AGRADECIMENTOS

À Profª. Dr.ª Marisa Saenz Leme, pela orientação precisa e companherismo, que soube

cultivar minha admiração e respeito. Além disso, pela enorme paciência gasta nas horas

exaustivas de orientação. Também sou grato por tolerar minha teimosia.

À Profª. Dr.ª Márcia Regina Capelari Naxara e à Profª. Dr.ª Teresa Maria Malatian, pelas

críticas e sugestões ao trabalho durante o Exame Geral de Qualificação. Na medida do possível, as

mesmas foram incorporadas na redação final do presente estudo.

Aos professores, amigos e funcionários do Instituto de Ciências Humanas da Universidade

Federal de Juiz de Fora, os quais não ouso esquecer, e muito menos deixar de compartilhar com

eles os méritos deste trabalho.Também ao Prof. Dr. Alexandre Barata e a Profª. Dr.ª Claudia

Ribeiro Viscardi, pelo apoio e orientação ainda na graduação.

Aos funcionários do Arquivo Público Mineiro, pela dedicação e profissionalismo

prestados no momento da consulta de seu acervo histórico, bem como aos funcionários da

Hemeroteca Publica de Belo Horizonte.

Aos funcionários da biblioteca da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, em especial à Maria de Lourdes Ferro.

Pelas limitações deste espaço, gostaria ainda de agradecer, sob risco de esquecimento, às

seguintes pessoas:

Ao Prof. Dr. Alberto Aggio, Milton Andrezza, Lucas Miranda. Flavio Saldanha, Douglas

Puglia, pela solicitude e demonstração de amizade.

Aos amigos Fabiane Costa Oliveira, Lia Santos, Raimundo Agnelo Soares Pessoa, Gabriel

Gonçalo Rodriguez, Isadora Falleiros Frare, Reginaldo de Oliveira Pereira, Yrapuan Junior, Helio

Martins Junior, Virna Ligia, Nidia Saraiva,Luciene Capellari,Marcelo Seabra, Cíntia Araújo,

Marcela Marques, Carolina Navarro, pelo apoio e amizade em tempos difíceis.

Aos amigos Jorge, Giovane, Eduardo Cruz e David Magalhâes. E de forma especial a

minha querida Emila Grizende.

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A Deus por ter me guiado e guardado até aqui. Sem Ele nada seria possível.Por último, agradeço a

minha família, maior patrimônio de um homem.

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“Eu queria contar as historias de Minas, para os brasileiros do Brasil”. Noturno de Belo Horizonte (1924) Mario de Andrade

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO 07 CAPÍTULO 1 – Viva a Escravidão: O liberalismo e a realidade brasileira 13 1.1 Grandes Temáticas 15 1.2 Novas Abordagens da Historiografia 23 1.3 Um liberalismo brasileiro? 38 CAPÍTULO 2 – A província dos “Mares de Morros” 41 2.1 A dinâmica da economia mineira em meados do século XIX 42 2.2 A gênese das disputas políticas em Minas Gerais 2.3 Considerações sobre a Revolução Liberal de 1842

47 53

CAPÍTULO 3 – Titãs em Luta 65 3.1 Católicos, Monarquistas e Partidários da Ordem 66 3.2 Mudanças na Maré 86 CAPÍTULO 4 – Forças Pendulares 98 4.1. O Naufrágio 99 4.2 A retomada conservadora 106 CONSIDERAÇÕES FINAIS 129 BIBLIOGRAFIA E FONTES 135

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Introdução

A Historiografia brasileira nas últimas décadas tem feito importantes avanços nas

tentativas de explicar o funcionamento da sociedade brasileira no oitocentos. O esforço tem se

revelado profícuo, na medida em que os mecanismos que regiam tal sociedade estão sendo postos

em discussão, favorecendo o debate teórico sobre temas como nacionalidade, cidadania, política,

etc. Por sua vez, trabalhos que envolvem pesquisas sobre a vida social e cultural no oitocentos têm

sido de grande valia para matizar o período, tratando cada vez mais de temáticas mais especificas.

É nesse sentido que o presente trabalho está inserido. Não pretendemos apresentar soluções que

sirvam de perfeitos modelos explicativos, mas apenas propor um debate mais aprofundado no que

se refere à política partidária nas Minas Gerais, num recorte temporal que vai de 1844 a 1853.

Tal recorte se justifica pelo fato de que nesses anos a política brasileira sofreu importantes

transformações, quando o Partido Liberal e o Partido Conservador buscaram depois de muitos

confrontos um entendimento. Alguns conflitos envolveram lutas armadas, como a Revolução

Liberal de 1842 e a Praieira em 1848.

Em 1853 inaugurou-se a Conciliação, política de “congraçamento” entre os Conservadores

e Liberais, incentivada sobretudo por D. Pedro II, com vistas à unidade política do País. O grande

responsável por essa mudança foi Honório Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná. Político

mineiro, já experimentado em outros gabinetes e conhecido por seu temperamento enérgico e

suas convicções conservadoras, Honório presidiu o Gabinete da Conciliação até sua morte, em

18561. Todos esses fatos repercutiram em Minas Gerais, alterando a composição política na

Província e estabelecendo uma articulação entre o centro político, no caso o Rio de Janeiro, e a

periferia mineira. 1 Uma boa narrativa sobre a Conciliação está em: NABUCO, Joaquim. Um Estadista no Império. Rio de Janeiro,

Editora Nova Aguilar S.A, 1975. P. 153.

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A presente pesquisa visa à análise das relações políticas que se observam na Assembléia

Provincial de Minas Gerais da 5º até a 9º Legislatura. Ou seja, da anistia aos envolvidos na

Revolução de 1842 em 1844 até 1853, quando entrou em cena a Conciliação e, também, com o

poder central representado na Província na pessoa do seu Presidente indicado pelo Gabinete.

Buscamos verificar como os Liberais mineiros encastelados na Assembléia se relacionaram com o

Governo Central, sobretudo após a Revolução Liberal de 1842, na qual a derrota militar significou

também uma perda da capacidade de exercer a hegemonia sobre as diretrizes políticas da Nação e

determinar até onde o Estado poderia interferir na esfera privada. Desta forma, verificar-se-á, à

luz da empiria, se a Assembléia Provincial serviu como um território onde as demandas localistas

puderam ser expostas, negociadas e contrapostas ao projeto centralizador.

Este trabalho vincula-se à História Política. Na análise tentaremos entender melhor o jogo

partidário na Província e os caminhos de resistência institucional que porventura a elite mineira

tenha trilhado, dando especial ênfase às relações recíprocas entre Centro e Periferia. Desta

maneira, não queremos fazer uma simples narrativa dos “acontecimentos e das intenções dos

atores nesses acontecimentos”,2 mas, somando-se a isso, verificar sobre quais estruturas e

instituições o modo de pensar e as ações históricas dos atores foram submetidas. Acreditamos que

os acontecimentos políticos por si só não trazem uma explicação para os fatos, longe disso, os

acontecimentos devem ser conjugados com outros fatores e dimensões da realidade histórica.3

No que se refere à Historiografia sobre Minas Gerais, percebemos que nosso tema ainda

não foi suficientemente explorado. Alguns trabalhos nos oferecem apontamentos importantes

sobre a política mineira no período. José Murilo de Carvalho, em seu livro “A Construção da

Ordem”, defende a tese de que em Minas havia um predomínio de políticos Liberais, tendo em

vista o fato de que a maioria dos mineiros que ocuparam pastas Ministeriais serem filiados ao

2FERREIRA, Marieta de Moraes. A Nova “Velha História”: O retorno da História Política. In: Estudos Históricos.

RJ, Vol 7, N. 10, 1992. P. 211. 3 FALCON, Francisco. História e Poder. IN CARDOSO, Ciro F. S. e VAINFS, Ronaldo (orgs.) Domínios da

Historia: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. P 66.

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Partido Liberal4. Em contrapartida Ricardo Arreguy Maia5 defendeu que em Minas Gerais havia

uma maioria na Assembléia Provincial composta sobretudo por conservadores. Além de

conservadora, essa elite política tinha estreitos laços de parentesco, o que fazia com que toda

política partidária em Minas fosse um “Jogo de Compadres”.6

Patrícia F. Genovês estudando a província, mais precisamente a Zona da Mata Mineira,

chegou a conclusões interessantes sobre as manifestações simbólicas de poder na Província. No

seu trabalho chama a atenção a alta concentração de nobiliarquia na região, o que leva a autora a

sugerir que aos olhos do Imperador, Minas Gerais tinha uma importância fundamental, daí a

necessidade em cooptar as elites locais através de títulos nobiliárquicos.7

Wlamir Silva empreendeu um estudo sobre a Revolta da Fumaça, em que analisa se esse

movimento foi realmente uma revolta de cunho Restaurador ou uma “(...) fantasmagoria criada

para consolidar a hegemonia moderada no plano simbólico (...)”.8

Percebemos que a produção historiográfica na perspectiva da História Política sobre Minas

ainda é suscetível a novas contribuições, tendo em vista que os trabalhos até agora produzidos não

esgotaram as possibilidades que o século XIX em Minas fornece para o historiador. Mas, não

estamos tentando justificar nossa proposta de trabalho baseando-nos na constatação de que não

existem trabalhos suficientes sobre a História Política de Minas Gerais, pois o que justifica um

trabalho historiográfico é a visão que o historiador tem sobre determinado tema; é nisso que

repousa sua originalidade.

Apresentamos então nossa hipótese. De antemão sabemos que no início de 1840 Minas

tinha um quadro considerável de Liberais. Se tal premissa não fosse verdadeira teria sido muito

difícil a articulação de um movimento como o de 1842. Com a derrota de tal movimento é

4 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem. A elite política imperial. Rio de Janeiro, Ed da UFRJ,

1980. 5 MAIA, Ricardo Arreguy. Jogo de Compadres: A Política Partidária na Província de Minas Gerais. Belo Horizonte

Dissertação de Mestrado, UFMG, 1992. 6 Idem, p. 148-153. 7 GENOVEZ, Patrícia Falco. As Malhas do Poder: uma análise da elite de juiz de Fora na Segunda metade do século

XIX. Niterói, Dissertação de Mestrado, UFF, 1996. 8 SILVA, Wlamir. Usos da Fumaça: A Revolta do Ano da Fumaça e a afirmação moderada na Província de Minas

Gerais. Lócus, Juiz de Fora, 1998, Vol 4, N 1. P 118.

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verossímil que as elites batidas tenham adotado pela via institucional (aqui a Assembléia

Legislativa) estratégias de sobrevivência política, de maneira que seus interesses

descentralizadores pudessem de alguma maneira ser preservados diante do avanço centralizador.

Para o entendimento da temática, o primeiro capítulo aborda o tema do liberalismo,

expondo brevemente as condições que permitiram a propagação dessas idéias no Brasil.

Evidentemente, não pretendemos analisar todo o desenvolvimento das idéias liberais ao longo do

século XIX, mas centrar nosso foco do período Regencial até o Segundo Reinado.

Ao longo desse capítulo fizemos um levantamento historiográfico sobre o tema, tentando

situá-lo no transcurso da trajetória política do Brasil Império. Para a construção desse capítulo

fez-se necessário localizarmos o tema no seu contexto histórico, indicando os caminhos pelos

quais o liberalismo encontrou acolhida nas elites brasileiras, centrando o foco no período referente

à nossa pesquisa. Com esse critério selecionamos os autores abordados, apontando o ponto de

vista de cada um sobre as questões e em seguida expressando nosso pensamento sobre os temas.

No segundo capítulo tratamos mais detalhadamente da Província de Minas Gerais,

fornecendo informações sobre a economia regional e discutindo o peso político da Província e as

lutas partidárias dentro dela. Nesse ponto, fez-se necessário tratar do evento político-militar que

moldaria os contornos dos discursos partidários ao longo da década de 1840, a saber, a Revolução

Liberal de 1842.

No terceiro capítulo buscamos mostrar as conseqüências da Revolução Liberal de 1842

para a situação liberal. Também acompanhar a construção do aparato centralizador na província.

Entender como a queda do Gabinete conservador em 1844 influenciou a vida política em Minas

Gerais, e as lutas que se seguiram entre conservadores e liberais.

No quarto capitulo, demos um resumo da política mineira entre 1848 e 1853, o fim

predomínio liberal na Corte e as conseqüências para Minas Gerais. Articulando os acontecimentos

nacionais com os provinciais, buscando amarrar os elos que os prendem. Concluiremos apontando

os resultados que a política de Conciliação empreendida em 1853 trouxe para Minas Gerais.

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Tentamos focar nossa atenção na identidade forjada entre os conservadores mineiros no

período estudado. Nossa intenção é entender a forma pela qual eles se viam e como os liberais

reagiam a isso.

Assim sendo, para construir um quadro mais próximo dos acontecimentos, temos como

referência o conceito de hegemonia de Gramsci; 9 tal conceito é baseado na construção de grupos

que durante certo tempo permanecem aliados, exercendo uma direção política, intelectual e

ideológica, não tendo como condição sine qua non a dominação econômica. Desta forma não

existe uma correspondência direta entre a infra-estrutura e a superestrutura política. O elo entre as

duas é orgânico, vinculando-se no seio da estrutura jurídico – política em que são colocadas na

ordem do dia as contradições econômicas.10 Noberto Bobbio, ao definir o conceito, expressa-se da

seguinte maneira:

(...) a hegemonia de uma classe ou facção sobre outras classes que compõem o poder dominante faz com que cada um renuncie aos seus interesses imediatos, interesses econômico-corporativos, em beneficio do comum interesse político pela exploração e o domino das classes subalternas. A hegemonia atua como principio de unificação dos grupos dominantes, e, ao mesmo tempo, como principio de disfarce de domínio de classe (...)11

Portanto, fica evidente que a disputa política entre grupos dominantes ou entre os grupos

que buscam o poder de indicar a direção política de uma nação, nem sempre se da na forma de

imposição pela força, mas como alternativa pode-se buscar a persuasão ou soluções que levem ao

consenso, num processo que pode levar muito tempo para ser concretizado. Assim quando nos

dispomos a usar esse conceito para nossa pesquisa, esta na verdade busca encontrar os

dispositivos de cooptação que levaram uma parcela da elite imperial a ter assegurada sua vitória

não só em cima dos grupos espoliados, mas também sobre outras parcelas da elite.

9 GRAMSCI, Antonio. Obras Escolhidas. Lisboa: Estampa, 1974, V. 1. 10 VISCARI, Cláudia Maria Ribeiro. O Teatro das Oligarquias: uma revisão da” política do café com leite” . Belo

Horizonte:C/Arte, 2001. P. 25. 11 BOBBIO, Norberto, . Dicionário de Política. UnB, Brasília , 1986. P. 581.

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Utilizamos como fontes básicas as Atas e Anais da Assembléia Provincial de Minas Gerais

e os relatórios dos Presidentes de Província.

Das rotinas expostas nos materiais da Assembléia pudemos extrair informações

fundamentais para procurar traçar o quadro do pensamento da deputação em cada Legislatura.

Complementando as Atas usaremos também os Anais da Assembléia Geral, que permitem

analisar de outros ângulos a política mineira e a situação da Província, por intermédio das

atuações dos seus parlamentares.

No que se refere ao poder executivo, as “Falas” eram um relatório que o Presidente da

Província apresentava na seção de abertura dos trabalhos da Assembléia Provincial, ou quando

tomava posse. Nesses pronunciamentos, os presidentes seguiam a mesma metodologia adotada

pelo Imperador. Davam um quadro da situação da Província e indicavam soluções, alem de

falarem sobre os itens do orçamento. Também apresentavam balanços e avaliações de ações

governamentais feitas anteriormente. Todavia conforme bem assinalou Ungaretti Dias, as “Falas

carregavam claras intenções políticas. Denunciavam as vinculações presidenciais e os interesses

predominantes nos ministérios que os nomeavam”.12 Tais falas são encontradas no Arquivo

Publico Mineiro, e no banco de dados virtuais da Universidade de Chicago.

Como um todo, procuraremos nessas fontes ouvir as vozes discordantes e concordantes da

política centralizadora e entender como a via da instituição legislativa serviu como uma válvula de

escape para aliviar as tensões desse processo na Província. Também tentaremos ver como o

Governo imperial tratou a Província, sobretudo após a Revolução Liberal de 1842 e a posterior

anistia ocorrida em 1844.

12 DIAS, Carlos Alberto Ungaretti. Op. Cit. P. 78

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CAPITULO 1

Viva a Escravidão! O Liberalismo e a realidade brasileira

A historiografia sobre o século XIX no Brasil tem debatido intensamente o liberalismo,

cabendo destacar duas grandes vertentes antagônicas a respeito do tema. A primeira abarca

diversos autores que abordam os posicionamentos então existentes no País como uma reação

mimética das elites brasileiras aos modelos europeus. Nesse sentido, a prática liberal no Brasil

estaria muito distante do seu ideário teórico. A segunda congrega os estudiosos para quem a

mesma teria derivado de uma adaptação à realidade nacional. Ou seja, a escravidão e o latifúndio

não representariam um empecilho à implementação do paradigma liberal.

A proposta deste capítulo consiste em discorrer sobre a argumentação de alguns

historiadores que trataram do assunto, apontando as principais questões e críticas que podem se

relacionar ao presente estudo. Para tanto, os autores selecionados foram: Roberto Schwarcz, As

idéias fora do lugar,13 Maria Silvia de Carvalho Franco, As idéias estão no lugar,14 Emilia Viotti

da Costa, Da Monarquia à Republica: Momentos Decisivos, 15 Paula Beiguelman, Formação

Política do Brasil,16 Thomas Flory, El juez de Paz y el jurado en el Brasil imperial: Control

Social y Estabilidad Politica en nuevo Estado,17 José Murilo de Carvalho, Teatro das Sombras: A

política Imperial,18 Izabel Marson, O Império do Progresso,19 Ilmar Rolhoff de Mattos, O Tempo

Saquarema.20

13 SCHWARCZ, Roberto. “As idéias fora do lugar”. Ao vencedor as batatas. São Paulo, Duas Cidades, 1977 14 FRANCO. Maria Silvia de Carvalho. “As idéias estão no lugar”. Cadernos de Debates. São Paulo, nº 1, 1976�����

� � � 15 COSTA, Emilia Viotti da. Da Monarquia à Republica: Momentos Decisivos. São Paulo, Ed. Unesp, 1999. O título do capítulo 3 é “Liberalismo: Teoria e Prática”, p.131 a 168. 16 BEIGUELMAN, Paula. Formação Política do Brasil. São Paulo: Pioneira, 1976. 17 FLORY, Thomas. El juez de Paz y el jurado en el Brasil imperial: Control Social y Estabilidad Politica en nuevo Estado. Mexico: Fundo de Cultura Economica, 1986, p. 35. 18 CARVALHO, José Murilo de. Teatro das Sombras: A política Imperial. São Paulo: Vértice/IUPERJ, 1988 19 MARSON, Isabel Andrade. O Império do Progresso: a revolução praieira em Pernambuco (1842-1855). São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987. 20 MATTOS, Ilmar Rohloff. O Tempo Saquarema. São Paulo: Editora Hucitec, 1987.

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O debate a respeito do liberalismo no Brasil ganhou força a partir da década de 1970,

contexto muito propício à reflexão sobre os fundamentos da formação política nacional, posto que

o País celebrara em 1972 os 150 anos de sua independência. Além disso, o próprio regime militar

então vigente representava um desafio à intelectualidade brasileira, no sentido de explicação da

nossa História.

Num primeiro momento, não foi a História, como disciplina, que se ocupou de levantar o

debate, mas sim intelectuais oriundos de outros braços das Ciências Humanas. Nesse momento

tentava-se entender o sentido do Estado Nação no Brasil. Grandes temas, como escravidão e

latifúndio projetaram-se em paralelo com a busca da compreensão do desenvolvimento do

liberalismo no pais.

Esse debate foi posto em evidência por Roberto Schwarcz e Maria Silvia de Carvalho

Franco.O primeiro ligado à literatura, a segunda, filósofa. Infelizmente foge ao nosso propósito

tratar desse importante debate teórico em toda a sua profundidade e complexidade; entretanto

julgamos importante fornecer alguns apontamentos que se tornaram referencias para a avaliação

do liberalismo no Brasil, no período que envolve o recorte da presente pesquisa.

Roberto Schwarcz no seu texto “As idéias fora do lugar” (1977) 21, colocava-se entre os

que acreditavam que o liberalismo no Brasil do século XIX fora s uma tentativa desastrada de

seguir os padrões europeus..Assim essas idéias não estariam adequadas à realidade histórica do

Brasil.Essa incompatibilidade dar-se-ia principalmente em função da escravidão. Nessa

concepção, o sistema escravista não permitiria o desenvolvimento e o exercício das liberdades

individuais e sociais implícitas no projeto liberal. O escravismo teria gerado um tipo de sociedade

que nada tinha em comum com as sociedades onde o liberalismo fora gestado, como a inglesa e

francesa.

21 SCHWARCZ, Roberto. “As idéias fora do lugar”. Ao vencedor as batatas. São Paulo, Duas Cidades, 1977.

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Defendendo uma posição oposta, Maria Silvia de Carvalho Franco, em “As idéias estão no

lugar” (1976), mostrou que o liberalismo encontrou na sociedade brasileira um terreno fértil. A

autora não via incompatibilidade entre liberalismo e escravidão:dada a dimensão da propriedade

nesta ultima, as elites brasileiras teriam se apropriado adequadamente, de determinados valores e

procedimentos do liberalismo. Teriam, porém, lhes atribuído um novo significado, especifico ao

contexto escravista. Argumentou ela:

No Brasil, contudo, essas idéias esbarravam com a instituição da escravidão. Longe de tentar eliminar a coerção imposta ao braço africano (pois não tiveram significação as vozes favoráveis à Abolição no período da Independência), a particular via liberal brasileira iria adequar as idéias liberais européias à nossa estrutura econômica, amálgama de braço livre e escravo. Assim colocados “fora de seu lugar”as idéias se fundiram com a autoridade necessária para a exploração escrava num contexto característico : a ideologia do favor.22

No mesmo período, a historiografia retornou criticamente o ao tema, produzindo vários

trabalhos repletos de qualidade. Tais trabalhos começaram centrando-se em temas mais gerais,

para em meados de 1980 tratarem de temas mais específicos.

1. 1 – As grandes temáticas.

Como já foi dito, a década de 1970 produziu trabalhos historiográficos de muita relevância

para o aprofundamento dos estudos sobre o liberalismo no Brasil do século XIX. Paula

Beiguelman no livro “Formação Política do Brasil” (1976) tratou do liberalismo, relacionando-o

fortemente com a questão da escravidão no Brasil23. Traçando toda a trajetória da escravidão

desde o Primeiro Reinado até a Lei de 13 de Maio de 1888, a autora tentava demonstrar que o

liberalismo aplicado no Brasil não conseguiu dissociar-se da escravidão, procurando defendê-la

até o limite do suportável. Destacando como a questão da Abolição poderia se tornar um

elemento de conflito entre a Coroa e os setores agrícolas representados tanto no partido Liberal

quanto no partido Conservador .

22 FRANCO. Maria Silvia de Carvalho. “As idéias estão no lugar”. Cadernos de Debates. São Paulo, nº 1, 1976�����

� � � 23 BEIGUELMAN, Paula. Formação Política do Brasil. São Paulo: Pioneira, 1976.

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A autora defendeu que a Coroa detinha um papel de fundamental importância no processo

de formação política brasileira. À época de Independência, a opção pela monarquia representava

antes de mais nada o desejo de manter a unidade do pais, bem como um esforço em manter o

controle do território para a Casa dos Bragança e cultivar o apoio da Inglaterra. 24 Diante do

divórcio entre vários setores da sociedade e D. Pedro I, este decidiu-se pela Abdicação. A

Regência surgiu como saída Constitucional para o problema criado pela saída de D. Pedro I do

poder. Nesse período, o Legislativo tentava se impor sobre o Executivo, atacando tenazmente o

Senado, defensor das prerrogativas do Poder Moderador. Mesmo nesse contexto de crise a

Inglaterra pressionava o Brasil para uma redefinição a respeito do trafico de escravos. O Ato

Adicional de 1834 surge como uma solução de compromisso capaz de aplacar tanto os interesses

dos liberais radicais quanto dos liberais moderados. Segundo a autora, esse episódio proporcionou

que as Assembléias Provinciais fossem criadas, substituindo os Conselhos Gerais das Províncias,

fazendo delas “quase soberanas” em relação ao poder central. 25

Ainda que não concordemos plenamente com a autora nesse aspecto, é fato que a simples

criação das Assembléias Provinciais representaram um duro golpe na estrutura centralizadora

montada por D. Pedro I. Por sua vez, na analise da autora, os pontos arquemedianos do sistema

monárquico brasileiro, continuavam intactos, a saber, o Poder Moderador e o Senado

vitalício.26Fato que mostra a preponderância que a centralização apresentava na sua analise.

Mantido o Poder Moderador garantia-se um aprofundamento da engenharia política que

proporcionaria uma conjuntura mais tranqüila ao longo do Segundo Reinado, engenharia essa que

daria à Coroa um raio de ação mais vasto. Daí a afirmação da autora:

Até aqui operamos com o esquema de uma sociedade agrária unida ante o Moderador para o controle do Executivo com o que, ipso facto, se enfraquece o Moderador, peça básica da organização monárquica. Porém, se a sociedade agrária cindir-se politicamente em dois partidos de patronagem, o Moderador readquirirá toda força com árbitro do revezamento partidário, enquanto, ao mesmo tempo, o parlamentarismo limitara a Coroa a governar com um ou outro dos partidos de patronagem.Ou seja: a organização política imperial

24 Idem, p. 233-241. 25 Idem, p. 239. 26 Idem.

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alcançará seu equilíbrio, conjugando à monarquia o controle do poder pelos partidos que constituem a representação política da sociedade agrária escravista27

Desta forma, a manutenção do Poder Moderador abria maiores possibilidades de diálogo

intra-elites, permitindo que determinados interesses, mesmo aqueles que não estavam na pauta dos

grandes produtores de café, fossem atendidos devido à continua ação de um Poder

suprapartidário, portanto mais independente das bases eleitorais.

Quanto ao sentido do liberalismo brasileiro, Paula Beiguelman nos fornece alguns

apontamentos bastante interessantes. Assim como na Europa, o liberalismo no Brasil constituía-se

em uma luta pela manutenção das liberdades individuais em face do absolutismo monárquico e

dos vícios do Ancién Regime. A opção monárquica brasileira à época da Independência

representava antes de qualquer coisa a necessidade de oferecer garantias aos grupos

economicamente dominantes de que a base agrícola do país, associada à escravidão, seria

mantida. O caos que se instalou na América Espanhola logo após o estabelecimento de

Republicas, fazia com que setores hegemônicos da sociedade brasileira desconfiassem do sistema

republicano e apelassem para o carisma da Monarquia. Porém, as contradições do Primeiro

Reinado, o centralismo excessivo, fizeram com que setores mais radicais da sociedade passassem

a atacar o sistema monárquico e seu principal instrumento legal de ação:o Poder Moderador.

Já no contexto das Regências, em que varias agitações partidárias e separatistas se

abateram sobre o Império, os liberais moderados apelaram para um fortalecimento da autoridade

central em detrimento das periferias, traçando uma linha paradoxal: para a defesa das liberdades

individuais (neste caso defender as liberdades individuais implicava necessariamente em proteger

o direito à propriedade escrava, posta em risco diante da fragmentação do Império) era necessário

limita-las, esvaziando os poderes locais - como o do Juiz de Paz muito fortalecido na conjuntura

do Ato Adicional - , de suas excessivas atribuições, e fortalecendo o poder central. O Regresso,

iniciado em 1837, deveria ser visto, segundo a autora, numa ótica em que o liberalismo assumia

27 Idem, p. 236.

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um caráter mais conservador, passando-se a se suspeitar de determinadas ações que o Ato

Adicional permitia.

A antecipação da maioridade significou antes de qualquer coisa, a possibilidade do

restabelecimento de um ponto de equilíbrio entre as forças políticas do país, via Poder Moderador,

que permitia legalmente ao Executivo ‘construir’ uma maioria, independente da efetiva

composição partidária da Câmara, obtida por intermédio de eleições. Muito sintomática da nova

situação a qual o país estava submetido, foi a primeira eleição realizada pelo Gabinete Liberal em

1840 que deu ampla maioria para o partido na Câmara dos deputados. Para a autora:

Já na eleição presidida por esse gabinete verifica-se que qualquer dos partidos que o Moderador – efetivamente transformado em ‘chave da organização política’, como definia a Constituição de 1824 – chama-se ao poder, teria condições para constituir uma Câmara de sua cor política. Isto é, a concordância entre o Legislativo e o Executivo, requerida pela formula parlamentarista vitoriosa desde 1831, se fazia inverter-se a relação clássica: ao invés de criar o Executivo, a Câmara é que tinha origem nele28.

Pode-se afirmar que o liberalismo praticado no Brasil teve inúmeras particularidades e

adquiriu novos significados, fazendo com que se tornasse uma presença constante na vida política

nacional. A conjuntura apresentada pela década de 1840, política e econômica, determinava que o

liberalismo passasse a ser anti-localista e incorpora-se de forma determinante o escravismo.29

Para a autora, dadas as condições políticas da época, a constituição do partido Conservador e

Liberal não significavam um apelo doutrinário às respectivas correntes ideológicas, mas sim

“meros sinais distintivos adotados para a competição interpartidária”.30

Esvaziando-se progressivamente as funções dos Juizes de Paz e da Guarda Nacional

através da Lei nº 261, de 03 de dezembro de 1841, (que reformava o Código de Processo

Criminal), e o decreto nº 98, de 24 de setembro de 1841,( tratava de reformas na Guarda

Nacional) , o Executivo determinava sua primazia sobre os interesses localistas, centralizando

28 Idem, p. 243. 29 Idem, p. 245. 30 Idem.

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todo o aparato de coerção, fortalecendo o Ministério da Justiça e naturalmente centralizando a

administração no Rio de Janeiro.Com esse processo, a meta básica do liberalismo era cumprida:

“A garantia técnica às liberdades civis aumentava. E a onipotência do Executivo se via atenuada,

sem que se recorresse à formula localista da Regência ( juiz de paz)”.31

Concluindo seu pensamento, Paula Beiguelman acentuava, e talvez esse seja o ponto mais

importante para a compreensão do liberalismo no período, que este, principalmente após a

Abdicação, passou por metamorfoses em diferentes momentos:

(...) o liberalismo na primeira fase da Regência apresenta-se como simples integrante de um complexo ideológico circunstancialmente desenvolvido no curso de um processo que, na verdade, conduziria a esquema diverso. Já na segunda configuração ideológica liberal dá expressão e atua sobre um processo em que o liberalismo esta efetivamente inscrito no nível administrativo, econômico e do trabalho, traduzindo-se na reforma do sistema judiciário e paramilitar, na política econômica e na reforma servil (libertação dos nascituros). Fica, pois dissociada a categoria de Liberalismo – considerado como ideologia característica de duas épocas do Império – de maneira a permitir apreender em cada caso, para além da referencia formal ao valor doutrinário intrínseco, a natureza do vinculo com processo organizatório, econômico e estrutural.32

Outra autora selecionada, Emilia Viotti da Costa (1977) trouxe novos apartes, ao abordar

outras facetas do processo histórico, para o conhecimento do liberalismo no Brasil. Em seu livro

“Da Monarquia a Republica: Momentos Decisivos”33 a autora faz uma descrição clara da

trajetória do pensamento e prática liberal a partir da Independência.

Apesar do liberalismo brasileiro ter tido uma clara inspiração européia, sua prática e

inclinações só podem ser entendidas à luz da própria dinâmica histórica brasileira.�Na Europa o

liberalismo nasceu sob a bandeira burguesa, estando muito vinculado com a própria formação do

capitalismo e com a crescente contestação do Ancién Regime. A burguesia tentava frear os abusos

da Coroa e os privilégios dados tanto à nobreza quanto ao clero.34

31 Idem, p. 249. 32 Idem, p. 253. 33 COSTA, Emilia Viotti da. Da Monarquia a Republica: Momentos Decisivos. São Paulo, Ed. Unesp, 1999. O titulo do capitulo 3 é “Liberalismo: Teoria e Pratica”, p.131 a 168. 34 Idem, p. 133.

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Entretanto, no Brasil, para muito além dessas questões, o liberalismo além da defesa da

propriedade privada e do comercio,que lhe é inerente, estava ligado a defesa dos fazendeiros no

seu status quo. Nas palavras da autora“(...)Era necessário encontrar uma maneira de lidar com

essa contradição (entre liberalismo, de um lado, e escravidão e patronagem, do outro)”.35

De acordo com a autora, no processo de Independência o liberalismo brasileiro assumiu

uma faceta mais revolucionaria, pois visava romper com o sistema colonial. Entretanto, os

mesmos defensores da ruptura com Portugal tornavam-se conservadores no que tange às

transformações sociais de longo alcance. Essas transformações iam desde a questão da posse da

terra, até o problema da extensão dos direitos de cidadania ,em sua plenitude, aos vários setores

que compunham a sociedade brasileira, em especial os futuros ex-escravos..

Passada a fase do que a autora chamava de “liberalismo heróico”36, em que se procedia o

processo de Independência, surgiu a necessidade de se por em prática o liberalismo, nas

engrenagens políticas da recém nação, já agora objetivando-se criar as bases da divisão de poderes

entre executivo e legislativo e judiciário..

Na sua luta contra os privilégios do Ancién Regime, os liberais europeus afirmaram a

soberania do povo, ao menos utopicamente, a supremacia da lei e insistiram na necessidade da

divisão entre os poderes nas formas representativas de governo. Emilia Viotti da Costa comenta

que eles: “(...), converteram em direitos universais a liberdade, a igualdade perante a lei e o

direito de propriedade”.37

A configuração que o novo Estado brasileiro assumiria a partir da Carta outorgada de 1824

daria ao Brasil um caráter liberal, entretanto a mesma Carta continha elementos de autoritarismo,

muito simbólico nesse sentido é o fato da Carta ter sido outorgada, e não promulgada. A

Constituição fortalecia o Executivo em detrimento do Legislativo, o Imperador tornava-se

responsável pela execução das leis aprovadas pelo Parlamento e o grosso da nomeação para os

mais altos cargos burocráticos também era prerrogativa do Executivo; além do que, naturalmente, 35 Idem, p. 134. 36 Idem, p. 138. 37 Idem, p. 133

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toda a nobiliarquia seria de responsabilidade do Imperador. A Igreja continuava associada ao

Estado, sendo responsabilidade do Imperador a execução ou não das bulas vindas de Roma.

Entretanto, a grande novidade que a Carta de 1824 trazia era o quarto poder, ou seja, o Poder

Moderador por intermédio do qual o Imperador obtinha a prerrogativa de escolher seus ministros

à revelia do Parlamento, adiar ou suspender eleições, dissolver a Câmara, e, por conseguinte,

convocar novas eleições quando julgasse necessário. O Poder Moderador ainda conferia ao

Imperador a prerrogativa de nomear os membros do Conselho de Estado e mediante uma lista

tríplice de candidatos ,os que recebessem as maiores votações durante as eleições, nomear

Senadores.

Todas essas características iriam daí em diante tornar-se alvo de constante contestação por

setores da elite. Em 1844, ano em que começa nossa pesquisa, mantinham-se fortes as discussões

a respeito dos limites e alcance da Constituição de 1824.

No seu primeiro embate com os liberais brasileiros, D. Pedro I saiu vitorioso, porém sua

vitória assemelhava-se à de Pirro. Em 24 de Julho de 1824 explodia em Pernambuco uma

revolução comandada por Manuel Carvalho Paes de Andrade. De cunho liberal, republicano e

federalista, a Revolução proclamava Pernambuco juntamente com mais seis províncias do Norte,

autônomo em relação ao Império do Brasil; surgia desta maneira, a Confederação do Equador.

A questão é que a Carta de 1824 promovia uma centralização que aos olhos de muitos

setores liberais era excessiva: as províncias, as municipalidades, o Judiciário, a Igreja, o Exército,

a Armada e todo o grosso do sistema produtivo do país ficavam sob a tutela da burocracia central.

O Governo interferia diretamente na economia fixando alíquotas de importação,

concedendo ou não autorização para empresas nacionais ou estrangeirais operarem no país.

Segundo a autora, tal interferência do Estado no mercado, contrariava, os preceitos do liberalismo

clássico. O relacionamento entre a Igreja e o Estado também era por demais estreito, de forma que

os dízimos eram recolhidos pelo Estado e os padres recebiam seu salário do Governo, o

Catolicismo era a religião oficial do Estado, estando proibido o culto publico de qualquer outra

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religião, além disso, a Igreja controlava os registros de nascimento, casamento e morte. Podemos

dizer que a vida de todo o cidadão do Império ficava sob a tutela e registro da Igreja. Coisas como

essas soavam como afronta para os liberais.38

Após a dissolução da Constituinte, ficou evidente que o liberalismo que a maioria deles

defendia não era compatível com o tipo de Estado construído pelo Imperador por intermédio da

Carta de 1824. A autora observou que em 1826:

(...) os conflitos voltaram à tona, agravados agora por divergências entre as próprias elites. A organização do sistema educacional, a legislação agrária, a abolição do trafico de escravos, a liberdade de culto, a organização dos conselhos provinciais e municipais, a composição do poder judicial: estes eram alguns dos pontos que dividiam os representantes em dois grupos opostos, um liberal e outro conservador. 39

Embora não seja a tônica desta trabalho localizar teoricamente todos os personagens

políticos envolvidos com esse momento da História do Brasil. Observar-se que existiam varias

propostas e várias interpretações sobre o liberalismo e sua aplicação a sociedade brasileira Dessa

maneira, muitos liberais sonhavam com um sistema político mais aberto, em que a força

provincial fosse a tônica. Mas não podemos reduzir a ação liberal somente ao âmbito da

descentralização política. Haviam outras demandas, como, por exemplo, um sistema de educação

livre da influencia eclesiástica, liberdade de culto e o fim do recrutamento militar, tal como era

praticado. 40

Como mostra Emilia Viotti, liberais de variada cepa, como Evaristo da Veiga ou José

Bonifácio empenharam-se em fazer oposição ao monarca e a exigir reformas na Constituição.

Evaristo da Veiga foi um dos principais antagonistas de D. Pedro I e por intermedio do seu jornal

a Aurora Fluminense defendia o Constitucionalismo. Nas suas palavras: “Nada de excessos, a

38 Idem, p. 141. 39 Idem, p. 145.

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linha esta traçada, é a Constituição. Tornar prática a Constituição que existe sobre o papel deve

ser o esforço dos liberais.”.41

Em 1831 D. Pedro I deixou o poder e uma Regência foi instalada.Uma das primeiras

medidas da Regência recém empossada foi garantir a ordem. A tropa estava em polvorosa e a

ameaça de motins era constante. Assim, já em junho o Exército permanente foi reduzido e o

governo é autorizado a constituir milícias civis para manter a ordem: originou-se a Guarda

Nacional42.

As reformas empreendidas pela Regência foram continuas.Em 1832 a Câmara aprovou o

Código de Processos, que na época veio a ser um dos principais instrumentos de descentralização

política institucional. É marcante o fato de que sob a influencia liberal, uma das primeiras

instituições descentralizadas fosse a jurídica. Para Emilia Viotti, com o Código:

(...) o promotor, o juiz municipal o juiz dos órfãos – que até então tinham sido nomeados pelo governo central – passaram a ser escolhidos a partir de uma lista tríplice proposta pela Câmara Municipal. O Código também conferiu amplos poderes ao júri. Nesse sentido o código foi uma conquista dos liberais radicais. 43

Porém, em 1840, parte importante dos liberais assumiram uma postura mais conservadora

frente à estrutura político institucional montada ao longo da década de 1830, voltada para

descentralização. Tal mudança já havia sido sinalizada desde 1838 por Bernardo Pereira

Vasconcelos:

Fui Liberal, então a liberdade era nova no país, estava nas aspirações de todos, mas não nas leis, não nas idéias e praticas; o poder era tudo; fui liberal. Hoje, porém, é diverso o aspecto da liberdade: os princípios democráticos tudo ganharam e muito comprometeram; a sociedade que até então corria o risco pelo poder, corre agora o risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis, quero hoje servi-la, quero salva-la e por isso sou regressista. Não sou trânsfuga, não abandono a causa que defendi no dia do seu perigo, de sua

41 Idem, p. 146. 42 Sobre a Guarda Nacional e o papel desempenhado por essa instituição ver: SALDANHA, Flávio Henrique Dias. Os Oficiais do Povo: A Guarda Nacional em Minas Gerais oitocentista, 1831-1850. Dissertação de Mestrado, Unesp Franca, 2004. 43 Idem, p. 153

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fraqueza, deixo-a no dia que tão seguro é seu triunfo que até o excesso a compromete.44

Apesar do movimento pela centralização ter ganhado impulso na década de 1840, os

liberais mais radicais ou extremistas, ainda tentavam garantir seus interesses locais. A disputa

tendeu à radicalização configurando os conflitos armados de 1842 e 1848. Liberais e

Conservadores tinham bandeiras distintas. Segundo Emilia Viotti:

Os liberais eram federalistas, favoreciam a autonomia local, exigiam a Abolição do Poder Moderador e do Conselho de Estado, opunham-se a vitaliciedade do Senado e à intromissão do governo na economia, eram favoráveis ao comércio livre, a liberdade de expressão e de culto. Defendiam o principio de que o rei reina, mas não governa. Os conservadores defendiam a posição oposta: centralização, o Poder Moderador, o Conselho de Estado, a vitaliciedade do Senado, a religião católica como religião do Estado e o principio do que o rei reina e governa. 45

Contudo, apesar de sinalizar com esses fatores de diferenciação, a autora afirma que os

dois grupos tendiam a se aproximar, já durante a Regência, em razão do medo provocado pelos

setores extremistas de ambos os lados. Entre 1852 e 1862, a Conciliação - política de

congraçamento entre os dois partidos- foi posta em pratica, contribuindo ainda mais para atenuar

eventuais diferenças. A autora, a partir daí não vê grandes diferenças ideológicas entre os dois

partidos.

A autora considerou que os liberais no Brasil foram incapazes de colocar em pratica o

ideário liberal, pelas próprias limitações impostas pelo sistema escravista. Segundo ela:

Os valores associados ao liberalismo: valorização do trabalho, poupança, apego à formas representativas de governo, supremacia da lei e respeito às Cortes de justiça, valorização do individuo e de sua autonomia, crença na universalidade dos direitos do homem e do cidadão, todos esses dogmas típicos do credo liberal tinham dificuldade de se afirmar numa sociedade escravista, que despreza o trabalho manual, cultivava o ócio e a ostentação, favorecendo laços de família, afirmava a dependência, promovia o individuo em razão dos seus laços de parentesco e amizade em vez de seus méritos e talentos, (...).As elites brasileiras não podiam ignorar que o liberalismo nada tinha a ver com a realidade vivida por milhões de brasileiros.(...), no Brasil o liberalismo continuava a funcionar como uma utopia, uma promessa a ser cumprida. Apontava-se para a distância entre o país real e a teoria liberal, criticava-se sua pratica, mas não suas premissas.46

44 SOUZA, Otávio Tarquínio de. Evaristo da Veiga. Rio de Janeiro, 1957. P.�� � � � 45 Idem, p. 157. 46 Idem, p. 167.

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Até agora tratamos das abordagens historiográficas referentes ao liberalismo, produzidas

ao longo da década de 1870. Como já foi dito, tais abordagens se ocupavam de grandes temas, os

recortes eram mais amplos, envolvendo vários assuntos. A década de 1980, trouxe novos

trabalhos. Estes se ocupavam de temáticas mais especificas, enriquecendo ainda mais as

discussões e os estudos sobre o liberalismo. Esse será o assunto do próximo tópico.

1.2 – As novas abordagens da historiografia.

Thomas Flory em “El juez de Paz y el jurado en el Brasil imperial: Control Social y

Estabilidad Politica en nuevo Estado” (1986), esta inserido no grupo de autores que buscou

matizar e tratar de forma mais especifica o liberalismo. Para ele, tal questão no Brasil passava não

só pelo viés da descentralização político administrativa, mas acima de tudo pelo controle do

aparato judiciário, mais precisamente pela descentralização do aparato judiciário.

Sentindo-se incapazes de resistir, num primeiro momento,a D. Pedro I, os liberais

adotaram como estratégia, fortalecer as magistraturas locais. Em 1827 começava, segundo Flory,

a década liberal. Nesse momento, a vertente liberal defensora da limitação da ingerência do

publico sobre o privado começou a ganhar espaço, ainda que de maneira lenta e gradativa.

Flory defende a idéia de que realizando uma espécie de movimento pendular, a

descentralização judiciária - juntamente com o liberalismo - passou por modificações sensíveis,

tanto na praxis, como no campo teórico. Por exemplo, vários juizes apoiaram a descentralização e

o fortalecimento dos juizes de paz, bem como todo o aparato repressivo, por quererem aumentar

sua influência e manter um grau alto de autonomia frente ao Ministério da Justiça, bem como

frente ao próprio poder central. Porém “ (...) cuando, inevitablemente, algunas reformas

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institucionales amenazaban em la teoria o em la prática atenuar la influencia de la elite de los

juristas profesionales ( los letrados), los magistrados cerraban sus filas em oposicíon al

movimiento de reforma liberal.”47

A descentralização permitiu que as lideranças locais tivessem um peso maior no jogo

político.Por sua vez, os magistrados perderam parcelas de sua influência com esse movimento

Registrados abusos por parte das autoridades locais, vários setores que antes apoiavam as

reformas (dentre os quais a própria magistratura), começaram a esboçar um movimente de reação,

visando, sobretudo, centralizar novamente a burocracia, em especial, o judiciário.

Explicando melhor esse movimento Flory traçou a seguinte trajetória que se segue. Em

1827 os liberais começaram a gradativamente fortalecer uma figura remanescente da tradição

lusa: o juiz de paz. Para Flory, fortalecer esses juizes fazia parte do plano de fortalecer os

interesses locais. 48 Em 1832, já como reflexo da nova conjuntura política propiciada pela

Abdicação, a Câmara aprovou o Código de Processos, que se tornou um dos principais

instrumentos de descentralização.49

Mas segundo Flory, o Código de Processos tinha uma outra finalidade além de fortalecer

as elites locais. Ele tinha um caráter profilático na medida em que:

Estas modificaciones dictadas por el código Procesal reflejaron las tensiones politicas de la época en un grado aún mayor que la ley original del juez de paz. Como consecuencia de la abdicaíon del emperador, los liberales brasileños temieron un intento de restauración y una agitacíon interna de los partidarios del gobierno de Portugal. Se esperaba que al fortalecer aún más el poder de las autoridades locales podrian evitar-se consecuencias serias. 50

Para o autor, o Ato Adicional de 1834 foi reflexo de um árduo momento de luta entre os

liberais radicais e moderados e conservadores. Representou naquele momento uma espécie de

47 FLORY, Thomas. El juez de Paz y el jurado en el Brasil imperial: Control Social y Estabilidad Politica en nuevo Estado. Mexico: Fundo de Cultura Economica, 1986, p. 35. 48 Op. cit., p. 57. 49 COSTA, Emilia Viotti da. Op. Cit, P. 153. 50 FLORY, Thomas. Op. cit, p. 107.

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“empate técnico” entre as facções. Carregava em si uma serie de contradições que se, num

primeiro momento, nos conduzem a julga-lo a maior conquista dos liberais, num outro nos fazem

ver essa conquista com mais reserva. Flory assinalou o seguinte:

Es posible interpretar celebre Decreto Adicional de 1834 como la primera expresión institucional de este deseo liberal de volver a centralizar la administración. La historiografia tradicional le há asignado al Decreto Adicional precisamente el papel opuesto; lo há descrito com el máximo logro do liberalismo brasileño, debido a sus concesiones a la autonomia provincial a expensas de la autoridd central. Pero hecho, muchos de los poderes delegados en las autoridades provinciales bajo el Decreto Adicional no se habián otorgado nunca anteriormente al gobierno central. Fueron más prerrogativas del gobierno local, y particularmente de los consejos municipales. Por eso los defensores del gobierno local en Brasil tienen una perspectiva muy diferente. Señalan que a pesar de sus pretensiones de descentralización, el Decreto Adicional sacrificó la autonomía local y le dio el poder a las capitales provinciales.51

Assim, se é verdadeiro que as Assembléias Províncias obtiveram mais autonomia, isto se

deu principalmente em detrimento das municipalidades. Mesmo assim, a solução encaminhada

pelo Ato Adicional não foi capaz de aquietar o país. Muito pelo contrario, em varias províncias

houve revoltas contra o poder central, este teve de buscar maneiras de se fortalecer para fazer

frente ao desafio de manter a unidade da nação.

O pêndulo proposto por Thomas Flory oscilou em 1837. Mas desta vez pendeu para o

lado conservador.A partir de 1837, os liberais mais moderados se aglutinaram em definitivo sob

a bandeira conservadora. Os liberais reformistas se viram na necessidade de passarem à

defensiva. .

A década liberal (1827-1837) foi marcada pelo constante esforço dos liberais em

descentralizar a maquina estatal e o aparato judiciário52. Tal década terminou com a retomada do

projeto de um Estado centralizado, em que todas as forças políticas confluíam para a Corte. Ao

longo dessa década, os magistrados profissionais, com formação em Coimbra, lentamente

retiraram seu apoio ao projeto descentralizador e passaram a combater os juízes de paz. Isso

51 FLORY, Thomas. Op. cit, p. 244-245. 52 Idem, p. 13.

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porque os magistrados em vários momentos sentiram-se ameaçados pelo crescimento da justiça

eletiva. Assim a “ (...) la decadencia de las instituciones liberales iría acompañada de un nuevo

ascenso de la magistratura profesional”.53 Esse movimento pêndular foi acompanhado do

fortalecimento econômico e político dos cafeicultores cuja principal bandeira era a manutenção da

ordem e a defesa da escravidão.54

As reformas conservadoras e a derrota da Revolução Liberal de 1842, segundo Flory,

levaram o país a um clima político de equilíbrio. 55 Os conservadores não puderam promover um

sistema político em que houvesse o monopartidarismo. Isso permitiu uma sobrevivência para o

Partido Liberal. Mas com as reformas de 1841 criou-se uma magistratura profissional e

dependente do poder central. Flory ressaltava o fato de a partir disso as posições dos juizes de

direito serem sempre ameaçadas, dependendo da posição partidária que eles tomassem, podendo

ser removidos de seus postos e levados a regiões longínquas.56

Flory concluiu seu livro assinalando que os magistrados tiveram um importante papel na

vida política do país. Vários deputados eram ligados à magistratura profissionalmente. Desta

forma o exercício da justiça se tornou um meio pelo qual se pode deslumbrar uma faceta das

disputas entre as vertentes do liberalismo no Brasil

Outra autora que procurou lidar de modo mais específico com o liberalismo foi Izabel

Andrade Marson, em sua obra “Império do Progresso: a revolução praieira em Pernambuco”

(1987), debruçou-se sobre o tema da revolução praieira, importante fato que, além de marcar a

vida política pernambucana durante a segunda metade do oitocentos, também serviu para dar

novos contornos às relações entre conservadores e liberais no plano nacional. A revolução praieira

foi o ultimo movimento de contestação pelas armas feito pelos liberais.

Não nos cabe aqui traçar pormenores dessa imensa obra nem dissecar os meios

metodológicos empreendidos pela autora. Queremos nos centrar naqueles itens que estão mais

53 Idem, p. 216. 54 Idem, p. 236-237. 55 Idem, p. 281. 56 Idem, p. 289-296.

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próximos de nossa pesquisa. O próprio recorte temporal feito pela autora parece-nos bastante

significativo. Os anos de 1842 a 1855 foram decisivos para estabelecer a configuração política

predominante ao longo do Segundo Império. Foi nesse período que as instituições conservadoras

ganharam proeminência e hegemonia dentro da política e da própria burocracia imperial.

Isso nos parece muito claro, sobretudo a partir do 1849. Honório Hermeto Carneiro Leão,

grande chefe conservador, havia assumido a Presidência da província de Pernambuco, e o conflito

com os liberais da praia – designação dada para o setor liberal em Pernambuco - , já havia entrado

na sua etapa final, restando ainda um ultimo foco de resistência, representado na pessoa de Pedro

Ivo. As dificuldades de impor uma derrota militar definitiva a esse líder pareciam intransponíveis

ou na melhor das hipóteses muito custosas.57 Honório recusou-se a negociar com os lideres

rebeldes, sobre isso Izabel Marson faz um comentário que traduz bem o espírito conservador que

lentamente tomava conta a praxis do Estado:

Por questão de ética política, Honório deixou de ouvir os conselhos(...), querendo assim dar a entender que a nova configuração do Estado Imperial, assentada sob a insígnia do progresso material e moral, não mais negociava oficialmente com caudilhos incivilizados.(...).Fora-se o tempo em que um Vicente Ferreira de Paula chegava a ser recebido no palácio da presidência em Maceió, para impor suas condições perante as autoridades, como se deu em 1844 na guerra entre lisos e cabeludos. Contra a intransigência de matutos rebeldes ( fosse um grande proprietário ou um sitiante mestiço como Ferreira de Paula), o Estado passaria a responder com a autoridade e força necessária, pois afinal o que a política mais avançada do seu tempo se propunha era exatamente o domínio da ciência, pelos recursos técnicos, sobre os múltiplos chefetes locais, fortalecendo o poder do Estado. Se Pedro Ivo possuía seus trunfos, um dos quais o controle da mata, em contrapartida o Estado dispunha de armas eficientes; além de remeter todo o material necessário... (medicamentos, alimentação, instrumentos para luta na mata como foices e facões), Honório forneceu também obuses e granadas. Agora era a vez de a técnica, aplicada em armas de grande poder destrutivo, enfrentar o conhecimento empírico do território.58 (Grifo nosso)

Dessa maneira, o Estado Imperial assumiu uma nova postura frente aos desafios impostos

pelos poderes locais . Izabel Marson deixou isso bem claro ao afirmar: “O Estado imperial que

emergiu da luta entre os partidos de Pernambuco não tolerava mais fazer grandes concessões

aos senhores locais, exatamente por disputar com eles o império político sobre o território e

57 Idem, P. 114-115. 58 Idem, p. 116-117.

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sobre os cidadãos (...)”59. O gabinete conservador que havia sido formado logo após o fim do

qüinqüênio liberal se empenhou em utilizar de todos os meios para impor sua autoridade. Para os

conservadores, perder para os praieiros, significava antes de tudo abrir mão de sua hegemonia

política, além disso, os conservadores haviam passado um bom tempo no ostracismo político e

tiveram bastante tempo para repensar suas estratégias políticas. Se no inicio da década de 1840 o

discurso da ordem era essencial, em 1849 a ordem deveria vir acompanhada do progresso.

Tanto conservadores quanto liberais defendiam o progresso para o Império. Esse progresso

significava o aumento do investimento em obras de infra-estrutura dentro do pais, principalmente

no que se refere a construção de estradas que interligassem os centros produtores com as zonas de

distribuição no litoral ou nas capitais do interior. Existia uma busca por um ideal de civilização

inspirado claramente na Europa. Izabel Marson analisou esse discurso progressista nos

conservadores e liberais através da imprensa pernambucana, bem como ainda através dos

discursos dos deputados na Assembléia Legislativa Provincial de Pernambuco.60 As tensões entre

os dois grupos se manifestavam na luta pela manutenção de seus redutos eleitorais e na

priorização de áreas de investimento estatal dentro da província.

A autora conclui que a “revolução” estava na pauta tanto do conservadores quanto dos

liberais, segunda ela:

Convertendo a revolução em instrumento político, os projetos praieiros e gabirus se tocavam profundamente quanto a forma, fundamento e objetivos. A revolução se assemelhava a um drama inscrito num processo mecânico do progresso, a ser visto pelas elites proprietárias e seus representantes, no âmbito do Senado, da Câmara e do Paço Imperial. O “povo”, indispensável na composição da cena para fazer numero, é mero espectador, ou, no máximo figurante.61

Debelada a oposição liberal representada pelos praieiros, impunha-se a necessidade aos

conservadores de dar prosseguimento aos projetos de “modernização” do Estado imperial e

consolidar o predomínio político conseguido, muito em função, das vitórias militares. A partir de

59 Idem, p. 118. 60 Idem, p. 290- 365. 61 Idem, p. 397.

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1850 varias leis são aprovadas, tais como a Lei de Terras e a Lei Eusébio de Queiroz. A

conciliação feita em 1853 visava antes de tudo pacificar a cena política no país, sem todavia,

perder de vista os ideais conservadores.

A imposição da nova ordem não se fazia sem oposição. Senhores locais muitas vezes

rejeitavam os projetos vindos do centro, existiam discordâncias entre as lideranças locais e as

nacionais do partido conservador. Ou seja, a execução daquilo que era tramado nos gabinetes da

Corte era mais difícil do que normalmente se supõe.

Outro autor que contribuiu para o avanço dos estudos mais específicos sobre o liberalismo

foi José Murilo de Carvalho na sua obra “A construção da Ordem” (1980)62 . Ele se propôs

analisar em profundidade o interior da elite política imperial. Tomando por base a tradição

lusitana, o autor recuperou os traços comuns herdados dessa tradição na formação do Estado

Brasileiro. Tendo em vista que uma parte significativa da elite política nacional teve sua formação

acadêmica em Portugal, mais precisamente em Coimbra, o autor viu nisso um importante aspecto

de união e de homogeneização dos aspectos ideológicos da elite dominante. Essa homogeneização

resultou em um sistema político voltado para a Monarquia, zeloso pela unidade, cioso da

centralização político-administrativa e contando com baixa representatividade e sentimento de

cidadania.

Por sua vez em “Teatro das Sombras: a política Imperial” (1988) 63, José Murilo de

Carvalho mostrou as relações que envolviam o Governo Imperial e as elites regionais, tais

relações desdobrando-se em diferentes aspectos socioeconômicos e políticos como a questão das

terras, as eleições e a concessão de títulos nobiliárquicos, exigiram a montagem de um aparato

institucional que pudesse conferir legitimidade ao funcionamento do Estado.

Torna-se fundamental salientar na analise de Jose Murilo de Carvalho que o governo

apesar de ser dotado de poderes excepcionais conferidos pela Constituição, tinha sua força muito

limitada em função do orçamento. Os problemas inerentes às disputas em torno da peça

62 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem. A elite política imperial. Rio de Janeiro: 1980 63 CARVALHO, José Murilo de. Teatro das Sombras: A política Imperial. São Paulo: Vértice/IUPERJ, 1988.

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orçamentária, segundo o autor, demonstravam o “(...) o conflito interno de uma elite política que

hesitava entre as necessidades do governo, que ela dirigia, e os interesses dos proprietários que

ela devia representar”64.

Longe de ser uma peça de ficção, o orçamento imperial era o meio pelo qual o Estado

ampliava sua esfera de influência, aumentava a dependência das Províncias e, acima de tudo,

tentava disciplinar os interesses das elites locais. Bastante significativo é o fato do grosso da

arrecadação do governo central vir do imposto sobre exportação, ficando num lugar secundário

os impostos vindos do mercado interno. Isso tornava o governo muito dependente do capital

internacional.65

Quanto à idéia de que as elites políticas buscavam uma imitação pura e simples dos

modelos externos, sobretudo o inglês, José Murilo se contrapõe com o seguinte argumento:

O debate a respeito dos direitos de importação não foi menos intenso (...). A partir da metade do século, houve uma tendência a seguir o modelo inglês de implantar o livre comercio(...). Os debates do Conselho de Estado giravam principalmente em torno da aplicabilidade da teoria liberal no Brasil (...). Predominou, no entanto, o realismo político e a lucidez. Percebeu-se que o que era bom para a Inglaterra não era bom para o Brasil. Poucos conselheiros acreditavam nos benefícios do livre comercio e as propostas de redução dos direitos de importação eram sempre adiadas.66

Desta forma o autor coloca-se entre aqueles que acreditam que longe do mimetismo puro

e simples, havia uma esfera de autonomia das elites locais no que tange a apropriação das idéias

vindas de fora.

A luta pela abolição foi outro ponto em que a Coroa teve de atuar fortemente no sentido de

limitar a influência local sobre os interesses do Estado. As pressões inglesas para o fim do trafico

e a conseqüente queda da Escravidão já se faziam sentir desde 1810, quando foram assinados os

primeiros tratados com Portugal dando um caráter de ilegalidade os trafico e aumentando a

capacidade de intervenção da Marinha Britânica. Por ocasião da Independência a Inglaterra

aproveitou da situação para forçar o Governo brasileiro a considerar a pirataria como

64 Idem, p. 23. 65 Idem p. 33 66 Idem, p. 29-30.

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crime.67Além disso, a constante necessidade de empréstimos junto a banqueiros ingleses, deixava

o Governo Imperial numa situação difícil, já que romper com a Inglaterra significava perder uma

de suas principais fontes de financiamento.

De qualquer forma, independente das pressões inglesas,o governo imperial, mas

precisamente a Coroa, se colocou de forma veemente contra a Escravidão. Essa nova disposição

da Coroa é manifesta a partir de 1866, sendo que no “(...) inicio de 1866, Pimenta Bueno, um dos

mais próximos conselheiros de D. Pedro II, já tinha prontos, por encomenda imperial, cinco

projetos abolicionistas que logo foram entregues ao presidente do Conselho (...)”68 Essa nova

disposição da Coroa irá coloca-la em caminho diametralmente oposto ao da maior parte da elite

da nação. Mesmo auxiliares muito próximos ao Imperador não se furtaram a criticar-lhe a

iniciativa.69

A votação e a aprovação da Lei do Ventre Livre revelou um forte discenso dentro do

núcleo de poder do Pais. Novamente José Murilo relata:

Distinguiam-se assim os atores e os parâmetros decisórios de 1871 dos de 1850. (...); Em 1871 o jogo foi todo interno: não havia pressão física externa e não havia mais traficantes. A iniciativa foi sem duvida da Coroa, secundada pelo gabinete conservador e apoiada na imprensa abolicionista e parte do Partido Liberal. (...); A Oposição em 1871 ficou com os proprietários das províncias do sul, permanecendo os demais em posição de relativa indiferença.(...); Assim é que 70% dos deputados das três maiores províncias cafeicultoras votaram contra a lei (...).70

Se no campo da Abolição a Coroa logrou êxito, no que tange a distribuição de terras no

Império os “Barões” tiveram força suficiente para obstruir qualquer modificação mais

significativa na estrutura fundiária do país.

A Lei das Terras, na realidade, mostrou a incapacidade do governo central em aprovar ou implementar medidas contrarias aos interesses dos proprietários na

67 Idem, p. 50 68 Idem, p. 61. 69 Idem, p.62. 70 Idem, p. 70-71.

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ausência de pressões extraordinárias, como sejam a ameaça externa ou a pressão do Poder Moderador.71

Ficou muito claro para o autor que a aprovação de determinadas leis, ficavam restritas aos

interesses dos cafeicultores fluminenses, principais produtores de café do país. Se a Coroa

conseguiu varias vitórias em um campo onde eles eram radicalmente contrários, a saber, a questão

da Abolição, foi porque o prestigio do próprio Imperador atuou como o fiel da balança. Esse

empenho da Coroa custou-lhe, a longo prazo, a própria Monarquia. O Poder Moderador

encontrava seus limites dentro dos interesses dos cafeicultores. O preço a se pagar nas vitórias

obtidas sobre a sua base de sustentação custou a Coroa um preço altíssimo. No que tange a Lei de

Terras a Coroa adota uma postura mais conservadora, deixando para o próprio Parlamento

(controlado em sua maioria pelos interesses dos grandes proprietários) a decisão e o

encaminhamento da questão.

Outro autor fundamental, Ilmar Rolhoff de Mattos em seu livro “O Tempo Saquarema”

(1987),tratou da trajetória de ascensão do partido Conservador, e, por conseguinte, de sua

hegemonia na política imperial brasileira durante o Segundo Reinado.Com isto apresentou os

matizes que os liberais tinham sobre a sociedade.

Ilmar Mattos começa por demonstrar as grandes mudanças que o Brasil experimentou a

partir de sua independência. A ruptura com a metrópole possibilitou toda uma efervescência de

idéias que tomaram conta da sociedade brasileira daquele período, idéias muitas vezes inspiradas

em modelos estrangeiros. Havia um consenso em determinados setores da elite que era

necessário manter a ordem, pois entendia-se ser esta necessária para se manter a dominação e

claro, o sistema escravista.

Ressalta-se de que forma o autor analisou as posturas em face da escravidão: existiam

aqueles homens que se autodenominavam “boa sociedade”, e estes sentiam-se feridos em sua

honra pela constante pressão inglesa pelo fim do tráfico negreiro intercontinental; essa pressão se

71 Idem, p. 102.

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fazia sentir a todo momento pela diplomacia inglesa ou mesmo pela força, representada pelas

constantes invasões da Marinha de Guerra britânica nas águas do Império.72

É nesse ambiente tumultuado que a cidade do Rio de Janeiro vai se destacar como centro

político e econômico do País. A Corte catalisa as forças políticas da nação e lhe da uma direção

clara. Tudo isso só foi possível pela ação da Coroa. Essa no Primeiro Reinado se viu em uma

situação de grande descrédito frente ao restante do país; principalmente em função da perda da

Cisplatina e da própria inabilidade de D. Pedro I em manobrar e negociar com os mais amplos

setores políticos. Essa incapacidade tornou-se um divórcio, que culminou com a Abdicação em

1831. Após o conturbado período das Regências em que a unidade do Império foi posta em risco,

surge a opção pela antecipação da maioridade do Imperador. A partir disso toda cena política do

país ganha novos contornos.

Mas o que vem a ser a denominação “Saquaremas”? Trata-se de um núcleo de políticos

apoiados na cafeicultura da província fluminense que tinham como principais bandeiras a Ordem

e a Civilização.73 Mas que Ordem é essa? É a ordem necessária para manutenção da Escravidão,

para a regulação e disciplina da violência dentro do país, para a centralização do monopólio da

violência e em ultima instância a completa preponderância do Estado sobre o “Governo da

Casa”.74 Esse esforço por parte dos Saquaremas pode ser melhor entendido a partir de uma

passagem citada por Ilmar Mattos quando os Conservadores haviam acabado de debelar a

Revolução Liberal de 1842:

No calor dos acontecimentos, parecia como imprescindível punir com severidade os responsáveis por “uma rebelião aberta e devastadora” nas palavras do ministro da Justiça, Paulino José Soares de Sousa, e que pretendera que “ a Vontade Nacional, legitimamente representada se curvasse diante do capricho de representantes de interesses meramente provinciais, exorbitando se suas atribuições”. Contra a pretensão dos luzias, a força vencedora defendia a necessidade de “armar o poder com os meios indispensáveis para emancipar-se da tutela das facções”, propugnando, assim, uma distribuição desigual do aparelho do Estado pelo espaço territorial do Império.75

72 MATTOS, Ilmar Rohloff. O Tempo Saquarema. São Paulo: Editora Hucitec, 1987. P. 1 73 Idem, p. 5. 74 Idem, p. 103 a 192. 75 Idem, p. 106

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A Civilização que os Saquaremas sonhavam era inspirada claramente no modelo europeu.

Na crença inabalável do principio de hierarquia. A idéia era tornar o Brasil o mais parecido

possível com a Europa. Isso tudo claro, tendo como modelo econômico o Agrarismo.Havia uma

clara intenção em ser um Império fundamentado nas idéias liberais. Mas que tipo de vertente do

liberalismo? Tentou-se adaptar alguns princípios básicos do liberalismo com a realidade da

escravidão, estabelecendo um “duplo movimento”: um que visava a construção e fortalecimento

do Estado Imperial e outro a construção da classe senhorial.76Além dessas características, as elites

imperiais limitaram a participação política de vários setores da sociedade. Nosso liberalismo não

pressupunha cidadania plena para todos que se sentissem brasileiros ou que de alguma maneira

contribuíssem para o desenvolvimento material e moral da nação.

É dentro desta perspectiva que devemos enxergar o descontentamento dos liberais

moderados (futuros Conservadores) frente ao Ato Adicional.Como as reformas culminadas no Ato

Adicional não satisfizeram plenamente os interesses dos autonomistas mais radicais e nem aos

centralizadores, os conflitos dentro da sociedade passaram por uma fase de extrema

radicalização.Toda impaciência e discordância dos liberais do centro sul acabou por redundar na

Revolução Liberal de 1842. O desenvolvimento dessa revolta será trato no segundo capitulo deste

trabalho. Importa no momento frizarmos que a derrota dos Liberais nesse movimento deu aos

Conservadores a oportunidade perfeita para levarem adiante sua política centralizadora e

impregnarem boa parte da sociedade com seus valores; de forma que para os Liberais essa derrota

não significou apenas um revês temporário, mas sim a total negação para esse grupo de estabelecer

a pauta política para nação. É nesse sentido que devemos entender a hegemonia Conservadora

sobre os Liberais. Desta forma, Ilmar Mattos afirma:

Os saquaremas não se limitaram a impor aos luzias uma derrota no campo de batalha. Empenharam-se por reduzir as pretensões de uma “revolução” à condição de “rebeliões”, reclamaram maiores poderes para o Governo, e mais do que tudo, buscaram imprimir uma direção ao predomínio que exerciam no Mundo do Governo desde então. 77

76 Idem, p.114. 77 Idem, p.129.

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Empenhados na “consolidação monárquica”78 os Conservadoras defendem sua própria

noção de Liberdade e Propriedade. Defendiam a parcial sujeição do “Governo da Casa” frente ao

“Estado”. Ilmar Mattos entende como “Casa” os interesses privadosem si, enquanto

“Estado”pressupunham o estabelecimento de mediações que se impusessem do mundo privado, na

configuração de uma área publica, apresentada como do interesse do bem-estar coletivo. Dessa

Forma garantia-se a perpetuidade dos interesses da classe senhorial como um todo, que não se

limitavam apenas à esfera Provincial.79

A ação saquarema se fazia sentir em amplos setores da sociedade. Na questão do tráfico

negreiro sua unidade e força foram decisivas:

Ora, na ação desenvolvida pelos Saquaremas, a busca de uma restauração nos quadros de uma defensividade ganhou, quase sempre , a formulação da garantia da Soberania Nacional. Sem embargo, os Saquaremas não apenas impuseram a questão da soberania nacional e sobrepuseram a questão da escravidão à questão nativista. No momento de Consolidação do Estado Imperial, eles articularam a Soberania Nacional à questão da escravidão e, por meio da Coroa, levaram a cabo políticas especificas, estreitamente articuladas entre si, caracterizando a direção e a dominação que exerciam.80

Assim, Ilmar Mattos acredita que os Saquaremas não apenas almejavam o poder pelo

poder, mas antes de tudo sua ação era norteada por princípios que visavam acima de tudo garantir

as bases para a manutenção da “boa sociedade”. Ele conclui seu livro da seguinte maneira:

“Para os saquaremas a manutenção da Ordem e a difusão de uma Civilização apareciam como objetivos fundamentais; eram também os meios pelos quais empreendiam a construção de um Estado e a construção de uma classe. Por sua vez, e de modo necessariamente complementar, a construção do Estado imperial e a constituição de uma classe senhorial, enquanto processos intimamente relacionados, tornavam-se não apenas resultados de uma intenção traduzida em ação, mas também os requisitos que asseguravam a Ordem e difundiam a Civilização.”81

78 Idem, p.126. 79 Idem, 132.135. 80 Idem, p. 221. 81 Idem, p. 281.

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1.3 – Um liberalismo brasileiro?

Após a apresentação dessa discursão, devemos estabelecer algumas observações. Fazemos

coro a todos os autores que colocam o escravismo como um entrave à completa execução do

liberalismo no Brasil,principalmente no que se refere aos seus aspectos mais democráticos e

participativos. Por outro lado também concordamos com a afirmação de que o liberalismo nas

condições socioeconômicas brasileiras sofreu adaptações que longe de tornarem-no simplesmente

mimetista, ressaltaram a capacidade das elites nacionais de se praticarem varias leituras das mais

diversas ideologias européias, retendo delas aquilo que lhes parecia mais necessário. A próprio

defesa da escravidão, segundo Maria Silvia de Carvalho Franco, não estava em discordância com

o liberalismo, antes pelo contrário, estava plenamente amparada em autores com John Locke.82

Não podemos concordar com Emilia Viotti no que tange a visão de que os liberais e

conservadores tornaram-se praticamente iguais durante a Conciliação, acreditamos que pelo

contrario, a Conciliação, mesmo sendo bem sucedida no que tange ao enfraquecimento das lutas

interpartidárias, não conseguiu acabar ou eliminar com as diferenciações internas dos partidos

imperiais. Também discordamos de Paula Beiguelman no que se refere ao julgamento de que os

partidos imperiais seriam simples partidos de patronagem, e que a disputa entre eles se limitaria

apenas a obter os favores da Coroa, não existindo maiores diferenciações ideológicas.

Inclinamo-nos a compartilhar o pensamento de Ilmar R. Mattos, quando ele afirma que os

partidos imperiais travaram uma luta pela hegemonia política. Mesmo os dois partidos tendo

matizes liberais semelhantes, a praxis dos dois é completamente diversa. Enquanto os

Conservadores defendem uma expansão cada vez maior do poder do Estado e o monopólio da

violência por esse mesmo Estado, os Liberais estavam mais associados aos interesses localistas,

empenhando-se na defesa da autonomia local, no enfraquecimento da centralização, enfim

construir um Estado em que não se estabelecesse nem o monopólio da violência , nem fiscal, um

estado em que poder Central fosse submisso aos interesses locais.

82 LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo. São Paulo: Ed. Martins Claret, 2004. P. 35-50.

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José Murilo de Carvalho contribui de forma significativa para a observação de nossa

temática,mostrando como a luta pelo poder é intensa e mesmo a Coroa, apesar de todo o seu

capital simbólico e poder de patronagem, se via tolhida em temas fundamentais. A Coroa travou

vários embates com sua base agrária de apoio,evidenciando-se essa disputa entre os interesses

privados e a construção do Estado.

Flory também fornece importantes contribuições ao sugerir que o liberalismo imperial

segue uma lógica pendular, tendo momentos de aprofundamento, sobretudo quando se delegou

aos juizes de paz uma ampla gama de poderes; e momentos de refluxo, quando a autoridade dos

juízes de paz começou a enfraquecer o próprio ideal de ordem estabelecido por setores da elite

agrária, que temiam que um poder central excessivamente fraco não pudesse fazer valer os

interesses da.

Izabel Marson ao tratar da Revolução Praieira descortinou não só a política provincial

pernambucana, mais também mostrou o quão intricada era a rede de interesses que compunha

elite imperial e a sua imposição ao interesses provinciais.

Entendemos então, que quando pensamos em liberalismo brasileiro, não devemos imaginar

uma doutrina social distante e inacessível à realidade brasileira. A escravidão não foi dentro da

sociedade brasileira um impedimento para que determinadas matizes do Liberalismo se

solidificassem o que nos permite pensar nos elementos de uma cultura política para o oitocentos

brasileiro.

Percebe-se assim, como destacou Lucia Paschoal Guimarães, que as idéias liberais não

tinham um significado único.Suas possibilidades de uso eram bastante amplas como a autora

mostra ao dizer:

A linguagem liberal do ideário liberal, no entanto, é bastante abstrata. Seus enunciados não esclarecem quem é nação, ou quem são os cidadãos. Tampouco, explicitam a quem compete elaborar leis. Ou, ainda, quem pode em quem não

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pode participar do sistema representativo nessa proposta de reordenação da sociedade. 83

Certamente que a escravidão criou mecanismos perversos de distinção social e de status

de raça, que infelizmente até hoje estão presentes no cotidiano brasileiro. Se o liberalismo

aplicado aqui não produziu um sistema de cidadania dentro dos amplos seguimentos que

compõem nossa sociedade, a razão não decorre, como alguns haviam sugerido, no mimetismo

dos intelectuais do século XIX em relação à Europa, mas nas contradições de uma sociedade que

primou pelos privilégios aristocráticos de classe, em detrimento da meritocracia.

83 GUIMARÃES, Lucia Paschoal. Liberalismo moderado: Postulados ideológicos e praticas políticas no período regencial (1831-1837), In: PRADO, Maria Emilia et ali.O Liberalismo Imperial: origens, conceitos e pratica.Rio de Janeiro, Ed. Revan: UERJ, 2001. P.103-104.

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Capítulo 2 A Província dos “Mares de Morros”

Neste capítulo será exposta de maneira mais pormenorizada a situação da Província de

Minas Gerais durante o período 1844-1853, nos seus aspectos econômicos e políticos.

Tradicionalmente, grande parte da produção historiográfica sobre Minas Gerais no século XIX

esteve voltada para temas pertinentes à História Econômica.84 Por sua vez, os trabalhos

publicados durante as décadas de 1980 e 1990 também se ocuparam predominantemente em

detalhar as atividades primárias da região.

A maioria dos estudos desse período refutou a tese de que a economia regional fosse

estagnada, carente de mercados interno e externo. Descobriu-se que Minas Gerais, após o ciclo de

extração aurífera, não se tornou uma província inerte, mas dinamizou as atividades ligadas ao

mercado interno, sobretudo culturas agrícolas, bovinos, porcos e derivados. Além disso, na

Região da Zona da Mata desenvolveu-se uma forte cultura cafeeira a partir da segunda metade do

século XIX.85 Portanto, no tocante aos aspectos econômicos, a historiografia mineira sofreu uma

enorme revisão.86

Um dado importante reside na geografia da região, pois Minas Gerais apresenta topografia

peculiar em sua paisagem: formas de relevo conhecidas como meias-laranjas ou mares de morros.

Essas denominações se devem à erosão das serras que compõem o território mineiro (Serra do

Mar, Mantiqueira, Geral e Espinhaço), provocada principalmente pelas chuvas, que

decompuseram os terrenos cristalinos onde predominam principalmente os granitos e gnaisses. Ao

84 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem. A elite política imperial. Rio de Janeiro: 1980. P. 200. 85 FRAGOSO, João Luis. Economia Brasileira, no Século XIX: Mais do que uma Plantation Escravista-

Exportadora. IN: LINHARES, Maria Yedda (org.) História Geral do Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Campos. 1990. P. 144-146.

86 A esse respeito ver os Trabalhos de LENHARO, Alcir. As tropas da Moderação, São Paulo, Ed. Símbolo, 1979, MARTINS, Roberto B. A economia escravista de Minas Gerais no século XIX, Belo Horizonte. CEDEPLAR, 1980, LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1988,FRAGOSO, José Luis. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro. 1790/1830. Rio de Janeiro. Arquivo Nacional, 1992, PIRES, Anderson J. Capital Agrário, investimento e crise na cafeicultura de Juiz de Fora – 1870/1930. Niterói: Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense, 1993, LIMA, João Heraldo. Café e Industria em Minas Gerais – 1870/1920. Petrópolis: Vozes, 1981.

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sofrer o desgaste, os acidentes geográficos adquiriram o aspecto de morros com vertentes

arredondadas, ou meias-laranjas. Originariamente, a região era coberta pela Mata Atlântica, hoje

quase extinta. Foi nas encostas dos mares de morros que a cafeicultura mineira se desenvolveu a

alcançou seu apogeu na segunda metade do século XIX.87

2.1 – A dinâmica da economia mineira em meados do século XIX

Minas Gerais, mesmo em crise econômica por conta do declínio da atividade aurífera, não

adentrou o século XIX estagnada. O ouro já não era abundante como no século XVIII, mas foi na

diversificação de suas atividades que a economia regional conseguiu alento. A atividade de

extração de ouro e diamantes passou a conviver com a produção voltada para o mercado interno –

alimentos, bovinos, porcos e derivados. Na Região da Zona da Mata desenvolveu-se uma forte

cultura cafeeira a partir da segunda metade do século XIX.88

Mesmo viajantes estrangeiros, ao passarem por Minas Gerais, ainda à época de

independência constataram a diversidade econômica da província. Dentre eles cabe citar Auguste

de Saint-Hilaire, de quem se seguem algumas notas:

Hoje, 23 de abril comecei a notar, tanto à beira da estrada como a alguma distância, casas um pouco mais bem tratados de que as vendas, e habitadas por agricultores abastados. Desde ontem comecei a ver plantações de café, hoje mais numerosas. Devem aumentar mais ainda à medida que fora me aproximando do Rio de Janeiro. Esta alternativa de cafezais e atas virgens, roças de milho, capoeiras, vales e montanhas, esses ranchos, essas vendas, essas pequenas habitações rodeadas das choças dos negros e as caravanas que vão e vêm, dão aos aspectos da região grande variedade.89

Conforme observou Mônica Ribeiro de Oliveira,90 a paisagem mineira, no século XIX, era

dominada pelas fazendas, que ocupavam 96% do território e absorviam 79% dos escravos da

província. Essas propriedades surgiram na medida em que o ouro escasseou e o povoamento

passou abarcar as áreas ainda não ocupadas, mantendo estreita ligação com o seu principal

87 VESENTINI, José Willian. Geografia: Série Brasil. São Paulo, Ed. Atica: 2003. P.269. 88 FRAGOSO, João Luis. Op. Cit. p. 144-146. 89 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo. 1822, p. 100. 90 OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Juiz de Fora vivendo a História. Juiz de Fora: Núcleo de História Regional da UFJF, ed. da UFJF, 1994. P. 56.

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mercado consumidor: o Rio de Janeiro.91 Elas abasteciam as províncias vizinhas do Rio de Janeiro

e de São Paulo com sua produção excedente de queijos, porcos, toucinho e têxteis. As principais

cidades de Minas Gerais eram Ouro Preto, Barbacena, São João Del Rei, Diamantina e, já na

metade do século XIX, Juiz de Fora.92

Essa economia mais dinâmica permitiu a ampliação da participação política de Minas

Gerais política no cenário que emergiu com a vinda da Família Real portuguesa ao Brasil.

Segundo observou Alcir Lenharo:

Enquanto se estreitavam os laços mercantis de interdependência entre a Capital e as regiões produtoras do Centro-Sul, correspondentemente ganhavam maior destaque os políticos do interior, muitos dos quais envolvidos nas tarefas de comercialização dos produtos originários de suas próprias propriedades. O centro das exportações mineiras tinha sede na praça comercial de São João Del Rey, que juntamente com Barbacena, constituíam os dois pólos de comercio atacadista, servindo de verdadeiros entrepostos regionais. Situados na entrada das Gerais, centralizavam o fluxo das mercadorias de diferentes regiões, até mesmo de Goiás e Mato Grosso. São João Del Rey drenava a maior parte das exportações de subsistência mineira, ao passo que Barbacena concentrava principalmente exportações de algodão.93

A região sul de Minas Gerais, ainda no início do século XIX, voltava-se

predominantemente para o comércio com a Corte. Essa opção surgiu como mecanismo

espontâneo de sobrevivência à crise da mineração. Pesou ainda o fato de que para a região a

melhor maneira de superar a recessão econômica consistia em redirecionar sua produção

comercial, que sempre foi grande devido à necessidade de abastecimento interno da província. Em

síntese, a crise da mineração liberou excedentes para o comércio com o Rio de Janeiro. E por que

o Rio de Janeiro? Porque a Corte, principalmente após a vinda Família Real portuguesa, elevou

cada vez mais sua demanda por abastecimento de todo gênero. Assim, o sul de Minas se

credenciava, pela sua proximidade, a preencher esse espaço. Isso no futuro contribuiu para o

surgimento de uma rica classe de negociantes, fortemente articulados com a política da Corte.

91 LENHARO, Alcir. As tropas da Moderação, São Paulo: Ed. Símbolo, 1979, p 84. 92 OLIVEIRA, Mônica Ribeiro. Op. Cit. p. 57. 93 LENHARO, Alcir.Op. Cit, p. 89-90.

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Muitos dos Moderados, de vertentes liberais, que participaram da política nacional na época das

Regências, eram oriundos do centro-sul de Minas Gerais.94

Em busca de um novo grande produto para exportação, Minas Gerais se dedicou em

determinado momento à produção de chá. Esse fenômeno não passou despercebido a Leda Maria

de Oliveira, que em suas pesquisas se deparou com o fato de que

(...) A insistência sobre a produção do chá esteve presente nos documentos em que as autoridades provinciais registraram a situação de Minas Gerais. Queixavam-se essas autoridades da indiferença dos fazendeiros que não percebiam a importância do produto95

Outro dado relevante destacado pela autora foi a importância atribuída à abertura de

estradas, sempre presente nas preocupações oficiais.96 Esse empenho se justificava por vários

motivos, mas sobretudo em razão da precariedade das vias de acesso, de questões topográficas e

do imperativo de exportar a produção da Província para o Rio de Janeiro. Como será visto no

próximo capitulo, havia enorme preocupação por parte das autoridades provinciais no tocante ao

aprimoramento dos transportes e comunicações.

A introdução da cafeicultura em Minas Gerais ocorreu no início do século XIX.

Localizou-se, inicialmente, na Zona da Mata, oriunda da região fluminense. Da Zona da Mata se

difundiu rapidamente, transformando-se na principal atividade da província e agente indutor do

povoamento e desenvolvimento da infra-estrutura de transportes. A introdução do café em Minas

Gerais foi de fundamental importância para o crescimento econômico regional. Segundo Quiossa:

O desenvolvimento da cafeicultura não só será o responsável pelo povoamento e ocupação da Zona da Mata mineira, como dela dependerá a reorganização da economia de Minas Gerais através das Exportações e ampliamento de mercado interno. O café vai sustentar e expandir o aparato estatal mineiro.97

Nesse contexto, cumpre observar a participação da Zona da Mata na Produção da

Província. A tabela abaixo fornece esses dados:

94 Idem, p. 104. 95 OLIVERIA, Leda Maria de.Op. Cit. p. 22. 96 Idem, p.29. 97QUIOSSA, Paulo Sérgio. Economia Cafeeira e Efeitos Encadeadores: A expansão da Malha Viária na Zona da Mata (1856-1875). Monografia de Bacharelado, UFJF. Juiz de Fora, 1995. pág. 28.

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Participação Proporcional da Produção Cafeeira da Zona da Mata Na produção da

Província de Minas Gerais 1847 - 1904

Período Minas Gerais Zona da Mata %

1847/48 745.381 743.707 99,77

1850/51 900.264 898.184 99,76

1886 5.776.866 4.316.067 74,71

1888 5.047.600 4.433.800 87,83

1903/1904 9.404.136 5.993.425 63,73

FONTE: QUIOSSA, Paulo Sérgio. Op. Cit. P. 32

Os dados relativos à produção da Zona da Mata, examinados em períodos diferentes,

demonstram que dos anos 1840 até meados de 1850, essa foi a principal região cafeeira da

província. Mesmo nos decênios subseqüentes, essa liderança continuou, ainda que seus números

tenham se tornado modestos.

Além do crescimento econômico, a província, em especial a região supracitada, sofreu um

incremento populacional considerável. A cafeicultura também serviu para acentuar-lhe outra

característica: a grande quantidade de escravos.98 Emilia Viotti da Costa demonstrou isso ao

constatar:

Em 1853, Ubá já contava com 8446 escravos. Pomba com 5 521 e Mar de Espanha com 9.146 (...) O desenvolvimento das lavouras cafeeiras determinou uma redistribuição demográfica. Enquanto os municípios de tradicional área de mineração se despovoam, o inverso sucedia nas zonas cafeeiras.99

Desse modo, a escravidão era fundamental. Segundo o autor acima, a província detinha

uma quantidade substancial de cativos, enquanto no Nordeste brasileiro a escravidão já dava

claros sinais de esgotamento após a abolição o tráfico em 1850. Como se verá no próximo

98 Idem, p.25. 99 COSTA, Emilia Viotti. Da Senzala à Colônia. 3º ed. São Paulo, ed. Brasiliense, 1997. P. 68

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capítulo, algumas autoridades locais afirmavam ser Minas Gerais a província mais populosa do

Império e que a maior parte de seus habitantes eram livres. Deve-se problematizar, porém, essa

assertiva. Pesquisas recentes demonstraram que o número de escravos na Província era muito

grande e possivelmente excedia a população livre.

A razão para tal fenômeno residia na dificuldade em encontrar homens livres dispostos a

trabalhar. Esse desinteresse devia-se ao fato de que em Minas, bem como no restante do Império,

era possível sobreviver sem se tornar um empregado. As famílias podiam se apossar de um

pedaço de terras devolutas e cultivá-lo, extraindo daí o necessário para a subsistência, sem

adquirir trabalho regular.100

Minas Gerais passou por um surto manufatureiro que diversificou ainda mais a economia

da região e contribuiu significativamente para sua modernização. No século XIX, desenvolveu-se

a indústria têxtil, cujos pioneiros foram os ingleses Pigot e Cumberland, fundadores da fábrica de

tecidos Cana do Reino – em 1848, no município de Conceição do Serro –, fechada logo depois em

razão de sua existência irregular.

Na região central da província, a Mina de Ouro de Morro Velho, pertencente a um grupo

britânico, abrigava a mais importante empresa de mineração, recordista que era em número de

empregados. A Morro Velho (St. John Del Rey Mining Company), fundada no início de 1850, foi

um dos mais rentáveis empreendimentos ingleses no Brasil, gerando mais da metade da produção

aurífera durante o século XIX.101

Em síntese, pode-se afirmar que Minas Gerais adentrou o século XIX à procura de uma

nova orientação para sua economia. Após frustradas tentativas com outros produtos, como o

100 Sobre o assunto ver: FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo: Ática, 1974. 101 A empresa utilizou-se com grande êxito da mão de obra escrava, sendo que o trabalho livre somente superou o cativo em 1880. Os ingleses investiram grandes capitais em todo o Brasil, a respeito da influência financeira e política da Inglaterra no Brasil ver: GRAHAM, Richard. Grã-Bretanha e o início da Modernização do Brasil - 1850 / 1914. Brasiliense, São Paulo: 1973

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chá, encontrou acolhida na atividade cafeeira e, por breves momentos, na indústria em sentido

mais amplo. A referida cultura se tornou a alavanca da economia mineira, estreitando suas

ligações comerciais com a capital do Império e articulando-a com o restante das grandes zonas

produtoras do Brasil.

2.2 – A gênese das disputas políticas em Minas Gerais

A Província sempre manifestou intensa participação na vida política nacional. No processo

de independência já se observara forte presença mineira nas articulações que levaram o Brasil a

desligar-se de Portugal. Durante a Regência e no Segundo Reinado, além de possuir numerosos

deputados eleitos para a Assembléia Geral, Minas Gerais também contava com vários Senadores e

Conselheiros para fazer valer seus interesses junto à Corte. Patrícia F. Genovês, estudando a

província, mais precisamente a Zona da Mata, chegou a conclusões interessantes sobre as

manifestações simbólicas de poder que lhe eram peculiares. Constata-se em seu trabalho a elevada

concentração da nobiliarquia na região, fruto do grande número de proprietários de terra ligados à

cafeicultura ali residentes. Daí a autora sugerir que aos olhos de D. Pedro II, Minas Gerais tinha

era de importância fundamental, donde a constante necessidade de cooptar as elites locais através

de títulos nobiliárquicos.102

Para compreender a vida política de Minas Gerais ao longo da década de 1840, faz-se

necessário retomar as discussões presentes na política nacional desde as Regências, pois nestas

está a gênese dos partidos Conservador e Liberal.

Como se sabe, ao final do Primeiro Reinado o Brasil foi sacudido por uma série de

revoltas e insurreições separatistas que ameaçavam a ordem e a integridade do Império. Além

disso, os Regentes viam-se tolhidos diante de um Parlamento que reclamava para si toda a

autoridade. Vários movimentos pediam reformas, principalmente a descentralização. Em outro

102 GENOVEZ, Patrícia Falco. As Malhas do Poder: uma análise da elite de Juiz de Fora na segunda metade do

século XIX. Niterói, Dissertação de Mestrado, UFF, 1996.

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extremo, setores da sociedade argumentaram que a solução federativa e republicana poderia levar

o Império à mesma situação de caos vivida pela América Espanhola. A opção intermediária que se

apresentava consistia em atenuar alguns mecanismos de controle do poder central e reformar a

Constituição de 1824, concedendo às Províncias mais autonomia.103

Entretanto, se a tese de uma Monarquia Federativa foi recusada, tentou-se postular a idéia

de um pacto federativo entre as províncias e o Estado. Isso fica nítido no trabalho de Miriam

Dolhnikoff, O Pacto Imperial, em que a autora trata dos diferentes projetos então propostos para

construir o Estado brasileiro e da sempre presente questão federativa. Segundo ela:

O arranjo institucional consagrado pelas reformas da década de 1830 e pela revisão dos anos 1840 foi resultado de um processo no interior do qual as elites provinciais se constituíram como elites políticas comprometidas com o novo Estado, evitando assim a fragmentação. Como requisito da vitória da unidade nacional, o modelo implementado na década de 1830 significou a derrota de um projeto de inclusão social. Este foi o preço pago pela unidade.104

O anseio por autonomia presente em todo o processo de independência ganhou ainda mais

força na Assembléia Constituinte de 1823. Embora reprimida pela Constituição outorgada em

1824, essa tendência fragmentadora continuou a se manifestar, pois nas Regências algumas

províncias se opuseram tenazmente ao projeto centralizador. Essa resistência, segundo José

Murilo de Carvalho, devia-se em grande parte à fraca ligação de tais áreas ao comércio exterior e

à presença de líderes políticos locais desprovidos da formação burocrática que outros brasileiros

favoráveis à centralização tiveram nas universidades portuguesas.105 Deve-se observar que o

Estado Imperial, durante a fase da Regência e posteriormente no Segundo Reinado, era composto

e legitimado por uma ampla elite política, formada por profissionais liberais, oligarquias do

Nordeste (estas já enfraquecidas devido ao declínio da atividade açucareira), os grandes

cafeicultores do Sudeste e ainda a burocracia governamental.106

103 CASTRO, Paulo Ferreira.A Experiência Republicana. IN HOLANDA, Sérgio Buarque de .T. II. História Geral

da Civilização Brasileira. São Paulo Difel, 1974. 104 DOLHNIKOFF, Miriam. O Pacto Imperial. Origens do Federalismo no Brasil. São Paulo, Ed. Globo: 2005. P. 19 105 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem. A elite política imperial. Rio de Janeiro: 1980. P. 200. 106 CARVALHO, José Murilo. Op. cit. P.197.

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Determinava a Constituição de 1824 que as Províncias eram franquias administrativas de

um Império indivisível. Como prova de que a autoridade monárquica não seria abalada, manteve-

se o dispositivo segundo o qual o Executivo indicaria livremente o Presidente da Província, não

necessariamente nascido na região. A função precípua dos presidentes consistia em executar as

diretrizes do Ministério que os enviava.107 Conforme frisou Marisa Saenz Leme, essa deliberação

foi anterior à Carta Outorgada e já constava em legislação elaborada pela Assembléia Constituinte

e Legislativa, o que, segundo a autora, reverte o sentido usualmente dado pela historiografia à

escolha do presidente de província, qual seja, uma imposição do poder central.108

O Ato adicional de 1834 acabou por redefinir a autonomia de cada Província,

estabelecendo mudanças, ainda que moderadas, aos olhos dos mais radicais que sonhavam com

algo similar a uma república federativa ou confederação.109 Assim, as unidades do Império

passaram a contar suas respectivas Assembléias Legislativas Provinciais.110 Estas tinham como

prerrogativa principal zelar pela economia local, cabendo-lhes ainda legislar sobre "pessoas não

livres". Todavia, as Assembléias não poderiam interferir no tráfico de escravos, atribuição esta

exclusiva do Governo Central.111 Como bem demonstrou Miriam Dolhnikoff:

A partir de 1834 a competência do governo central e dos governos provinciais foi dividida constitucionalmente (já que o Ato Adicional era uma emenda constitucional): enquanto o primeiro respondia pelas questões nacionais, os segundos tornavam-se estratégicos na condução da política provincial. Na Câmara as elites encontraram o espaço de defesa de seus interesses, negociando demandas que se confrontavam tanto entre as diversas províncias como entre estas e o centro.112

107 GRAHAM, Richard. Clientelismo e Política no Brasil do século XIX. Editora da UFRJ, Rio de Janeiro, 1997. P.

86. 108 LEME, Marisa Saenz. Artigo no prelo: Dinâmicas centrípetas e centrifugas na formação do estado monárquico brasileiro: São Paulo no 1º Império. IN JANOTTI, Maria de Lourdes de Mônaco, PRADO, Maria Lígia , OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. A Política na historia e a historia na política.Programa de Pós-Graduação em História –USP/Ed. Atlanta.. 109 MONTEIRO, Hamilton de Mattos. Da Independência a Vitória da Ordem. In: LINHARES, Maria Yedda. (org.).

História Geral do Brasil. Rio de Janeiro. Ed. Campos, 1990. P 118. 110 CASTRO, Paulo Ferreira. Op, cit. P.38. 111 Idem, p. 38. E ver também DIAS, Carlos Alberto Ungaretti, DIAS, Carlos Alberto Ungaretti. A Gênese de São

Paulo: A construção dos Poderes Públicos na Província Paulista 1835/1845. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 1993. P.58-59.

112 DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit, p. 17-18.

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Dessa forma, embora as elites regionais pudessem gerir seus interesses com relativa

liberdade, os moderados113 não estavam dispostos a fazer grandes concessões. Emblemática foi a

recusa veemente em se permitir que os Presidentes fossem eleitos no âmbito da Província. O

"Avanço Liberal" encontrou nos moderados - cada vez mais migrando para o lado conservador -

uma feroz resistência.114

Após longas refregas entre Senado e Câmara, o Ato Adicional foi apresentado a esta

última no dia 09 de agosto de 1834. O deputado Limpo de Abreu foi encarregado de discorrer

sobre a peça legal diante dos membros da Regência. Cumpriu a função proferindo o seguinte

discurso:

Senhor. A Câmara dos Srs. Deputados, tendo ultimado as reformas da Constituição do Império, nos envia em solene deputação para termos a honra de apresentar a V. M. Imperial o fruto de suas meditações e trabalhos. Este beneficio, reclamado há muito tempo pelo progressivo incremento da civilização e das luzes e pelas crescentes necessidades das províncias; este beneficio que o Brasil a despeito dos estímulos de um patriotismo ardente , aguardou respeitoso da ação ordinária da lei , é o monumento novo nos fastos da historia política, que hoje deposita cheio de confiança nas augustas mão de V. M. Imperial. Investida pelo sufrágio livre dos eleitores da privativa autoridade de concluir a obra da reforma (...).115

Pelo trecho acima pode-se perceber a empolgação com que a Assembléia Geral ofereceu à

Regência a reforma constitucional. A intenção do deputado Limpo de Abreu era apresentar o Ato

como resultado de longas meditações, fruto do amadurecimento da vida política nacional. Ele fez

questão de ressaltar que o Ato era necessário “pelas crescentes necessidades das províncias”.

Continuou seu discurso da seguinte forma:

(...) A Câmara dos deputados, cônscia de toda a extensão dos seus deveres, de toda a responsabilidade que contraíra para com a Nação , não podia ser nem mais fiel à lei de 12 de outubro de 1832, que traçara o circulo de seu poder constituinte, nem mais solicita em conferir as províncias todos os recursos necessários à sua nova existência. A capacidade nacional, que deve exaltar

113 Infelizmente não será possível aqui fazer uma discussão sobre a gênese e a composição dos partidos políticos

imperiais, todavia indicaremos uma obra que trata desse assunto de maneira ampla, expondo não só o ponto de vista do autor mas também a discussão historiográfica sobre o tema: MATTOS, Ilmar Rohloff. Tempo Saquarema: A Formação do Estado Imperial. São Paulo: Hucitec, 1990. P. 130-131 e SCHWARCZ, Lilia K. Moritz As Barbas do Imperador:D. Pedro II um monarca nos trópicos. São Paulo, 1998.

114CASTRO, Paulo Ferreira. Op, cit. P. 38. 115 Instituto Nacional do Livro. Organizações e programas ministeriais, regime parlamentar no Império. 3º Ed. Brasília, Departamento de documentação e divulgação, 1979.P. 51.

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mais do que tudo o justo preço do patriotismo prevalece aí acima de mesquinhas considerações locais: os objetos provinciais acham-se cautelosamente descritos e extremados par se evitarem destarte os conflitos e as lutas intermináveis, que tão fatais podem ser aos interesses dos povos, comprometendo a sua paz e segurança; a unidade e a energia de ação, sem as quais o corpo social enlanguece e definha, são conservadas no Governo geral para poder preencher com vantagem do Estado as variadas e difíceis obrigações a seu cargo: o principio federal, amplamente desenvolvido recebe apenas na sua aplicação aquelas modificações que são filhas do estudo e da experiência das nações mais cultas, respeitando-se enfim religiosamente a forma de Governo que a Nação adotou e que tem contribuído nas maiores crises para salva-la do embate das paixões e dos partidos , e as prerrogativas da coroa imperial adquirem novo esplendor e realce.116 (grifo nosso)

Tentava-se estabelecer por intermédio da reforma o principio federal, mantendo-se,

entretanto, a integridade do poder central, diante do qual as províncias contariam com mais

independência.

Apesar do discurso proferido pelo deputado Limpo de Abreu, o federalismo implantado

com o Ato Adicional não esclarecia as atribuições de cada Poder nem atendia na totalidade as

reivindicações autonomistas mais radicais. Entretanto, Miriam Dolhnikoff observa que pelo Ato

Adicional “(...) consagrava-se a autonomia provincial. A partir de então o governo provincial

seria composto por duas instâncias: as Assembléias Legislativas e a presidência da

Província”.117

Como as reformas instituídas pelo Ato Adicional não satisfizeram plenamente os

interesses dos autonomistas mais radicais e nem os centralizadores, emergiram vários conflitos.

Assustados com a eclosão de revoltas simultâneas, os moderados passaram a enxergá-las como

debilitantes e até mesmo separatistas, o que colocou os liberais reformistas em postura defensiva.

Diante da ameaça de secessão, o discurso centralizador e conservador adquiriu mais força

e legitimidade. Com a renúncia de Feijó e a eleição de Araújo Lima em 1837, a maioria das

revoltas118 foram duramente reprimidas (a Sabinada na Bahia, Cabanagem no Pará e a Balaiada no

116 Idem. 117 DOLHNIKOFF, Miriam. Op. cit. P. 97. 118 A respeito das revoltas do período da Regência ver: PESAVENTO, Sandra J. A Revolução Farroupilha. São

Paulo. Brasiliense. 1990, VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial.Objetiva, 2002 e HOLANDA, Sergio Buarque. HOLANDA, Sérgio Buarque de – O Brasil Monárquico. T. II "Declínio e queda do Império" In História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo Difel, 1974.

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Maranhão). Apenas no front sul (Farroupilha) as forças da Regência sofreram algumas derrotas.

Não obstante, manobras incessantes dos moderados – agora chamados de conservadores – na

Câmara Geral implementaram um programa de "contra-reformas" que culminou na Lei de

Interpretação do Ato Adicional, aprovada em 1840. Esta retirava das Assembléias uma série de

atribuições e as transferiam para os Ministérios, fortalecendo o poder central.

Diante da ofensiva conservadora consubstanciada no Regresso, os liberais arquitetaram o

Golpe da Maioridade. Vitoriosos, ascenderam mais uma vez ao Gabinete convocaram novas

eleições (as eleições do "cacete"), das quais emergiram com ampla maioria na Câmara Geral e

nas Assembléias Provinciais. Nesta condição nomearam vários Presidentes, permanecendo nove

meses à frente do governo, ao fim dos quais os conservadores voltaram ao poder.119

Descrevendo tais acontecimentos, Ilmar Rohloff de Mattos comenta:

Os Saquaremas não se decepcionaram completamente: perdiam o governo, ganhavam a Monarquia (...), retornaram ao governo pelas mãos do próprio Soberano, promoveram também uma comemoração: a Coroação e a Sagração do Imperador (...).120

Desta forma, pode-se inferir que a partir de então a política do Império seria norteada pelas

constantes disputas entre Liberais e Conservadores. O Estado edificado pelos segundos exigia

autoridade sobre aquilo que Ilmar Mattos chamava de a “Casa”, ou seja, os interesses

particulares, de indivíduos e grupos deveriam subordinar-se aos interesses gerais de longo prazo,

da classe senhorial como um todo.

Essa contenda não estava restrita ao Parlamento ou ao Senado, mas penetrava nas

províncias, onde, longe dos olhos atentos do Poder Moderador, as particularides, bairrismos e

interesses de classe se misturavam ou se sobrepunham aos interesses político-partidários.

119 Sobre os tumultuados acontecimentos que antecederam a Revolução Liberal de 1842 e Minas Gerais ver:

IGLÉSIAS, Francisco. Minas Gerais. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Monárquico. T. II – “Dispersão e Unidade”. São Paulo Difel, 1974, p. 406-410 e VEIGA, José Pedro Xavier da. Efemérides Mineiras 1664-1897. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1998. P. 543.

120 MATTOS, Ilmar Rohloff. Tempo Saquarema: A Formação do Estado Imperial. São Paulo: Hucitec, 1990. P. 191.

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2.3 - Considerações sobre a Revolução Liberal de 1842

Em 1842, já depois de reformado o Ato Adicional, revoltaram-se os ricos proprietários de São Paulo, Minas Gerais e parte do Rio de Janeiro. Foram derrotados pelo governo conservador que modificara as leis descentralizantes, ao custo de 180 mortos.121

Os acontecimentos ocorridos no ano de 1842, conhecidos como Revolução Liberal,

extrapolaram as fronteiras de Minas Gerais. Tratava-se de um levante armado, planejado por

setores das mineira e paulista. Juntamente com a Praieira de 1848, tornou-se emblema da derrota

do Partido Liberal. Derrota que não se restringia ao campo das armas, mas pertinente sobretudo à

hegemonia na condução dos destinos do Império.

Embora os liberais não tenham sido alijados ou marginalizados da política nacional,

importa salientar que um novo pacto foi firmado entre as elites imperiais. Pacto este que excluía a

via armada como instrumento legítimo de interesses partidários e foi muito bem expressado por

Justiniano José da Rocha em seu panfleto “Ação, Reação e Transação”. A partir de 1842, com o

triunfo do “princípio monárquico”, o Império entraria numa nova fase, em que as paixões e lutas

políticas deveriam serenar. Analisando esse panfleto, Regina Duarte Horta122 apontou que:

(...) Os períodos de ação e reação se esgotaram e a pátria não pode estar eternamente condenada aos revezes da oscilação destes extremos. (...) A conciliação é apresentada como um momento superior no desenvolvimento histórico (...). Ação, Reação e Transação aparece como alerta aos mais altos governantes. O povo aqui é um elemento quase passivo a ser tutelado e guiado, protegido da revolta e do sofrimento desencadeado pela atuação dos liberais, mas salvo também da ruína da liberdade causada pela ortodoxia conservadora.123

A Revolução Liberal de 1842 se inseriu num contexto em que as forças políticas do

Império buscavam equacionar-se e encontrar um ponto de equilíbrio. Embora fuja à proposta

deste estudo descrever os pormenores desta conflagração, é de suma importância tecer

considerações sobre tal acontecimento, tendo em vista que boa parte da vida política da província

121 CARVALHO, José Murilo.�Federalismo e Centralização no império Brasileiro: História e Argumento. In: Pontos e Bordados – Escritos de História e Política. Belo Horizonte: UFMG, 1999. P.166. 122 Citar. P 118 123 Idem.

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mineira na década seguinte foi direta ou indiretamente decorrente desse evento. Segundo

Francisco Iglesias:

Desde 1837, desde a queda de Feijó, Minas tem presidentes conservadores, que se entregam à política do interesse de sua facção; o principal foi Bernardo Jacinto da Veiga. Manipulando eleições, os conservadores fazem a maioria do Legislativo Provincial. Para o período de 1840-1841, em face aos liberais agora unidos, depois de algumas divergências ao inicio da situação conservadora. O Ministério que segue a Maioridade não envia à Província presidente que imprima sua marca aos negócios. Repostos no poder os conservadores, em março de 1841, as autoridades que mandam à presidência são mais decididas. Cabe-lhes a execução das “leis reacionárias”, e cumprem a rigor sua tarefa. 124

Sabe-se que os Saquaremas, uma vez reconduzidos ao poder, após a queda do Gabinete

Liberal de 24 de julho, empreenderam novas revisões na legislação, imprimindo uma face cada

vez mais centralizadora ao Estado Imperial. Para que esse novo Gabinete Conservador fosse

formado, fez-se necessário dissolver a Assembléia Geral, o que ocorreu logo após a leitura de um

relatório enviado pelo Ministro do Império ao Imperador, no qual o primeiro se queixava de que

A actual Câmara dos Deputados, Senhor, não tem força moral indispensável para acreditar seus atos e fortalecer entre nós o sistema representativo. Não pode representar a opinião do Pais porque a expressão da vontade nacional e das necessidades publicas somente pode produzir a liberdade dos votos. A existência dessa Câmara não é compatível com a idéia de um Governo regular, porque predominam homens que, pondo de parte os meios constitucionais, não recuam diante de outros que subvertem todas as idéias de organização social, invadem, usurpam e tendem a constranger, no exercício de suas atribuições, outros poderes do Estado.125

O Ministro foi muito hábil: alegando que a marcha da administração era obstada em

virtude da composição liberal da Câmara, justificava a sua dissolução. Mas para tanto era

necessário destruir qualquer sombra de legitimidade que aqueles deputados poderiam ter. Por isso

o Ministro insistiu que “a existência dessa Câmara não é compatível com a idéia de um Governo

regular”, porque os liberais não respeitaram a Constituição ao promover o processo eleitoral. E o

mesmo Ministro avançou:

124 IGLÉSIAS, Francisco. Op.Cit, p. 406. 125 Instituto Nacional do Livro.Op. Cit. p. 84-85.

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(...) O Brasil inteiro Senhor, se levantará para atestar que em 1840 não houve eleições regulares.(...) Reconhecem os Ministros de V. M. Imperial que os princípios de ordem não foram todo repelidos da composição da atual Câmara dos Deputados; e reconhecem-no com tanto maior prazer quanto isso prova a força da opinião nacional, que apesar de comprimida, conseguiu colocar nessa mesma Câmara homens notáveis por suas luzes, talentos e virtudes; mas o que poderão sues esforços, sua habilidade e seu patriotismo diante dos obstáculos que têm de encontrar? A salvação do Estado, tal qual se acha constituído pela constituição de e seu Ato adicional, exige portanto que a actual Câmara dos Deputados seja substituída por outra, a quem a liberdade do voto dê caráter de representante da opinião nacional e a força moral indispensável para firmar entre nós o sistema monárquico-constitucional-representativo. E por isso os Ministros de V. M. Imperial não hesitaram um momento em pedir a Vossa Majestade Imperial a providencia compreendida no decreto que têm a honra de depositar nas augustas mãos de V. M. Imperial, que resolvera como houver por bem.126

Aos olhos do Ministro, dissolver a Câmara era essencial para a manutenção da

organização estatal então vigente. Para ele, o equilíbrio político do País só seria restaurado

mediante uma nova eleição em que os homens comprometidos com um determinado projeto

nacional seriam, em sua totalidade, reconduzidos ao poder público. Pelo trecho acima afigura-se

evidente que os novos deputados só teriam o perfil adequado se fossem conservadores. Dissolvida

a Câmara e convocadas novas eleições, os conservadores voltaram a ser maioria. Em 1841

retornaram com o Conselho de Estado e no mesmo ano reformularam o Código do Processo

Criminal.

Para os liberais, a situação chegava ao limite do suportável: as conquistas

descentralizadoras obtidas na Regência estavam sendo demolidas uma a uma pelos saquaremas.

Desta maneira, segundo Sérgio Buarque de Holanda, para parte dos liberais a única opção de

curto prazo era uma revolta armada. A resistência destes às reformas conservadoras se estendia

em vários pontos do País, principalmente no Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Paraíba.127 No

entanto, os principais focos de ações armadas estavam em São Paulo e Minas Gerais. Os liberais

em todo o Brasil articularam uma sociedade secreta e, tendo como base o Rio de Janeiro,

prepararam um levante conjunto. A idéia era deflagrar o movimento em São Paulo e estabelecer

126 Idem. 127 HOLANDA, Sergio Buarque de. Op. cit. P. 464-467.

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uma ligação com o movimento Farroupilha no Sul, logo em seguida Minas e Rio de Janeiro

adeririam ao mesmo. Contava-se ainda com a adesão de várias Províncias do Nordeste.128

É interessante notar que em momento algum se questionava a legitimidade do Imperador;

pelo contrário, uma das justificativas ideológicas do movimento era "libertar o Imperador da

tirania que o cercava".129 Evidentemente, além de libertar o monarca fazia-se necessário restaurar

a ordem institucional dentro dos limites do Ato Adicional. Isso se comprova pela fala de uma das

lideranças do movimento em Minas Gerais, José Feliciano Pinto Coelho, mais tarde Barão de

Cocais, em resposta à Câmara Municipal de Barbacena – cidade situada a cerca de 340 km da

capital, Ouro Preto –, que lhe convidou para assumir o cargo de presidente interino da Província

em 10/06/1842:

Ilmos. Srs.: Acabo de receber o oficio de V.Sas., pelo qual me convidam a tomar posse de presidente interino da Província, para que fui aclamado pela Guarda Nacional e o povo desta mui nobre e leal cidade. Com o fim de dirigir os esforços da província na sustentação e defesa da Constituição do Estado e do trono do nosso adorado monarca, o Sr. Dr. Pedro II; e reconhecendo eu o quanto em verdade urge que nos reunamos em torno do trono imperial para libertamos nosso imperador da influência perniciosa de uma oligarquia cega de ambição e capricho (...), protestando desde já e jurando que meu procedimento é dirigido somente pelo desejo de ver minha pátria gozar de liberdade e o meu monarca e amo no pleno, completo e absoluto gozo de todos os seus direitos majestáticos, tanto quanto a Constituição e o Ato Adicional o querem. (...).(grifo nosso) 130

Os liberais não almejavam romper com a monarquia, isso o trecho acima deixa claro.

Também não esperavam romper com o sistema constitucional. Antes, intentavam com seu

movimento reverter a desvantagem política que os afligia. Para eles não se tratava de um simples

ato de rebelião contra a ordem instituída, mas de libertar o Imperador da tirania conservadora.

Esperavam que seu ato fosse reconhecido como heróico e patriótico. Acreditando que a salvação

pública estava em suas mãos, não se furtavam a pegar em armas.

128 DIAS, Ungaretti. Op. Cit. p. 114. 129 VEIGA, José Pedro Xavier da. Op. Cit. P. 545 130 In: VEIGA, José Pedro Xavier da. Op. Cit. P. 546

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Conforme observou Richard Graham, nesse período alguns políticos viam no liberalismo a

possibilidade de favorecer as elites locais em detrimento do poder central.131 Nessa perspectiva, a

ação armada foi tramada e executada. A Revolução Liberal de 1842 foi antes de tudo um

movimento de elites.132 O caráter diferenciado do movimento estava na composição dos

revoltosos. Parcela significativa das lideranças era composta por homens com alguma influência

na Corte, políticos como o Senador Feijó, Teófilo Otoni, Antonio Marinho, etc. Os liberais não

cogitavam a hipótese de secessão, mas ambicionavam a todo custo a hegemonia política e a

direção do Estado Nacional. A articulação da rebelião ocorria em vários pontos do País, mas sua

execução revelou-se aquém das expectativas.133 O discurso de um Senador mineiro, José Bento,

expressa o tom da revolta que atingiu os liberais mineiros com a interpretação do Ato Adiconal:

“Desejávamos uma interpretação, mas que não fosse confusa, que não contivesse idéias falsas em

parte, e noutras não fosse annuladora do Acto Adicional”.134 Teófilo Otoni também não se furtou

a criticar a situação. Para ele:

Tudo quanto tender a modificar os princípios constitucionais garantidos no acto addicional é uma reforma, que esta fora da esphera do poder ordinário, e não pode ser decretada senão por um poder completamente autorizado.135

Teófilo Otoni tornou-se peça essencial para a execução da Revolta. Conforme aponta

Paula e Silva, o referido, quando ainda deputado no ano de 1842, no dia 12 julho:

Procurou refutar a afirmação de Carneiro Leão, defendendo o direito universal dos povos à insurreição e resistência. Passando pela Conjuração Mineira e Pela Revolução Pernambucana, Ottoni chega em 1821 e narra os acontecimentos que antecederam a Independência. Nesta época o Brasil era

131 GRAHAM,Richard. Op cit. P. 232. 132 MARSON, Isabel Andrade. O Império da Revolução: Matrizes Interpretativas dos Conflitos da Sociedade

Monárquica. IN FREITAS, Marcos Cezar de. Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo. Ed. Contexto, 1998, p. 79.

133A respeito da Revolução Liberal de 1842 ver: Autos dos Inquéritos da Revolução Liberal de 1842 em Minas Gerais. Brasília: Senado Federal, Editora da Universidade de Brasília, 1979; FILLER, V. Liberalism in Imperial Brazil: The Regional Rebellions of 1842. Stanford University, 1976; MARINHO, José Antônio. História do Movimento Político de 1842. Belo Horizonte; Itatiaia; São Paulo: Ed. USP, 1977.

134 ANAIS do Senado do Império do Brasil. Segunda Sessão da Primeira Legislatura de 29 de julho e o de setembro de 1839, tomo III, 1913, p.40. 135 ANAIS do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Srs. Deputados, 1838, I, p.43.

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governado por um monarca legitimo e mesmo assim proclamou sua independência por um ato de rebeldia.136

Segundo a autora, o que conferia sustentação moral aos liberais era a alegação de que os

conservadores haviam rompido com a Constituição, “a origem de toda legitimidade e legalidade

do governo”.137 Apesar da previsão ser de que todas as Províncias se levantariam juntas, os

liberais mineiros138 só aderiram ao movimento quando este já havia sido controlado em São

Paulo. Chefiaram a insurreição em Minas Gerais alguns ex-deputados que haviam perdido os

cargos com o advento da nova Assembléia conservadora. Foram eles: Teofilo Benedito Otoni,

José Pedro Dias de Carvalho, cônego José Antônio Marinho, Dr. José Jorge da Silva, Dr. Camilo

Ferreira Armonde, Dr. Manuel de Mello Franco.

Em 10 de junho de 1842, José Feliciano Pinto Coelho foi aclamado Presidente interino da

Província. Embora não tenha sido surpreendido pelo movimento, o Presidente da Província,

Bernardo Jacinto da Veiga, sofreu inicialmente alguns reveses. Em Minas, a direção da Revolta

estava dividida, pois muitos acreditavam que deveriam esperar mais tempo para atacar Ouro

Preto. Já outros julgavam conveniente assaltar e tomar imediatamente a capital. A falta de um

líder mais forte acabou por dificultar a própria ação do governo para reprimir os revoltosos. Estes

desfechavam pequenos ataques em diversos pontos, recuando rapidamente. Ainda que tenham

logrado uma vitória significativa em Queluz, não conseguiram abordar a capital devido às suas

desavenças internas. Segundo o Cônego Marinho, as hesitações em atacar a capital causaram a

derrota da Revolução:

A revolução, porém, se havia perdido no mesmo momento em que a valentia dos chefes e soldados Insurgentes pleiteava com tanta audácia a vitória de Queluz.139

136 SILVA, Fernanda Lourdes Carvalho de Paula e. Em Brancas Lutas: A trajetória de Teófilo Ottoni, suas idéias políticas e sua prática social na consolidação do Estado no Brasil (1831-1869). Dissertação de Mestrado. Faculdade de História. Direito e Serviço Social, Unesp – Franca. Franca, 2003.P. 36 137 Idem. 138:VEIGA, José Pedro Xavier da. Op. cit. P. 545. 139 MARINHO, José Antonio. História do Movimento Político de 1842: apresentação de Francisco Iglesias, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1977, p. 153.

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Ao tomarem conhecimento da aproximação de Caxias, os revoltosos trocaram a direção

do movimento, à frente do qual colocaram Teófilo Otoni. Este, logo que soube da derrota paulista,

deixou o Rio de Janeiro e rumou para Minas. No da 20 de agosto ocorreu em Santa Luzia a

batalha decisiva, onde as tropas liberais foram derrotadas por Caxias. Findo o conflito, foi

nomeado para presidir Minas Gerais o ultraconservador Francisco José de Souza Soares de

Andréia. O preço da Revolta foi bem mais alto do que em São Paulo, em virtude principalmente

dos roubos, pilhagens e todo tipo de excesso praticados por beligerantes de ambos os lados.140

Doravante, a Revolta tornou-se um anátema para os liberais. Apesar de ao longo da década de

1840 haverem surgido tentativas de recuperar a imagem do movimento, este passou a ser

lembrado como um exemplo da falta de patriotismo e respeito à ordem por parte dos liberais.

Mais do que uma derrota militar, os liberais sofreram um revés político, no sentido de que

não poderiam ditar as regras do jogo. Após o fim da Revolução Liberal, os conservadores se

apressaram em nomear presidentes capazes de manter a ordem e Minas Gerais passou por um

processo de pacificação. Os conservadores fizeram questão de assinalar que o movimento não

havia sido uma revolução, mas uma rebelião, justificando maiores poderes ao governo central.

Nas palavras de Ilmar R. Mattos, “buscaram imprimir uma direção ao predomínio que exerciam

no Mundo do Governo, desde então”.141 Conservadores mineiros, como Bernardo Pereira de

Vasconcelos, passaram a exigir modificações no Código de Processo Criminal no sentido de

tornar mais abrangente o conceito de crime de rebelião, visando punir não só os cabeças do

movimento, mas todos que dele participaram142. Inobstante, por ocasião da queda do Gabinete

Conservador em 1844, sucedido por um Ministério em que predominavam seus opositores, os

revoltosos de 1842 foram anistiados pelo Imperador.

140 Idem, p. 418-419. 141 MATTOS, Ilmar Rohloff. Op. cit. P. 129. 142 SILVA, Claudiane da. A Casa Habitada: A construção da representatividade política na província de São Paulo. Dissertação de Mestrado. Franca: UNESP, 2003. P. 114.

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A anistia, além de reanimar os liberais, reafirmava o caráter elitista do movimento e a

importância dos seus protagonistas. Em 1844, assinou-se uma paz, “a paz dos vencedores”.143

Entretanto, vários oposicionistas mineiros mostrar-se-iam futuramente críticos ao projeto

conservador de construção institucional. Mesmo diante da anistia, elementos como Teófilo Otoni

revelavam constantemente seu descontentamento com as concessões feitas por outros liberais ao

Governo. Otoni afastou-se da política por longo período durante a década de 1850, dedicando-se à

sua empreitada de desbravamento da região do Vale do Rio Macuri, nos extremos dos “mares de

morros”.144

Enfatiza-se que talvez um dos ganhos da Revolução de 1842 tenha sido justamente a

negação da via armada enquanto instrumento político aceitável. Essa estabilidade, ainda que

precária e excludente em vários aspectos, mostrou-se positiva na medida em que o País pôde

gradativamente melhorar sua concepção de respeito às instituições. A História Nacional revela

que “quebras institucionais” nunca redundaram em melhorias de vida para a população ou

aperfeiçoamento de um sistema político mais justo e minimamente igualitário.

Conforme dito anteriormente, a partir de 1842 os conservadores começaram a aprimorar o

aparato repressivo do Estado, fortalecendo o Ministério da Justiça e esvaziando, estrategicamente,

os juízes de paz. Para presidir a Província, o Governo Imperial nomeou Francisco Soares de

Andréa, destacado membro do Partido Conservador e substituído somente em 1845. Esta

substituição deve ser examinada no novo contexto político que se esboçava, decorrente do retorno

dos liberais ao Poder. No entanto, Minas Gerais voltaria a ser governada por conservadores a

partir de 1848, com o fim do qüinqüênio liberal e o acirramento das lutas interpartidárias. A

143 DIAS, Carlos Alberto Ungaretti. Op. cit. P. 119-121 144 Retornando a política em 1856, Teófilo Otoni candidatou-se ao Senado, sendo o mais votado da lista. Todavia seu nome foi recusado pelo Imperador. Em 1860 publica sua famosa “Circular dedicada aos srs. Eleitores pela Província de Minas Gerais e especialmente dirigidos aos srs. Eleitores deputados pelo 2º. Distrito eleitoral da mesma província para a próxima legislatura”. Neste Panfleto Teófilo Otoni enfatiza suas convicções liberais causando grande agitação na vida política do Império, sobretudo devido a eloqüência de seus argumentos. Assim sendo a Circular “Tornou-se um marco na volta à cena política do liberalismo de matizes republicanos e americanistas”. O fato é que durante os anos 60 o ideal liberal ganhou fôlego.

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Conciliação de 1853 permitiu um arrefecimento da lutas entre os Partidos na Corte, movimento

esse acompanhado em Minas Gerais.

Tratemos mais detalhadamente das mudanças ministeriais desse período. Os liberais

voltaram ao poder 1844, em uma “inversão” ministerial promovida pelo Imperador. Tal mudança

foi motivada em parte pelos choques entre Honório Hermeto Carneiro Leão, prestigiado líder

conservador, e o monarca. Assim, em 02 de fevereiro subia ao poder o 4º Ministério do Segundo

Reinado, de orientação Liberal, contando com nomes como Manuel Alves Branco (Fazenda e

Justiça), José Alves de Almeida Torres e Visconde de Macaé, na pasta de Império. A partir de

então os liberais se mantiveram no poder por cinco anos, totalizando-se nesse período seis trocas

ministeriais. Todavia, o qüinqüênio liberal foi marcado pela timidez na condução da política

nacional, pois seus chefes hesitavam em alçar quaisquer vôos mais altos, talvez porque a derrota

de 1842 ainda permanecesse viva nas suas memórias.145

Os últimos gabinetes desse período foram marcados pela efemeridade. A Revolução

Praieira,146 ocorrida em Pernambuco em 1848, além de revelar que ainda haviam liberais

dispostos a pegar em armas contra o governo, também evidenciou o descompasso entre os

correligionários do Sul e do Nordeste.147 Ao fim do qüinqüênio liberal, a maioria dos projetos

propostos governamentais ainda não havia sido votada, tais como a reforma da Guarda Nacional

ou as incompatibilidades eleitorais.148

Em 1848, frente à incapacidade dos liberais em levar adiante os projetos do Gabinete, o

Imperador reconvocou os conservadores ao poder. Assim, em 29 de setembro de 1848, assumiu

um Gabinete Conservador, governou até 11 de maio de 1852, quando foi substituído por outro

similar.149 Em 1849, Sales Torres Homem, sob o pseudônimo de Timandro, publicou seu famoso

145 Idem, p.10. 146 Sobre a Revolução Praieira ver: MARSON, Isabel Andrade. O Império do Progresso: a revolução praieira.

Brasiliense, 1987. 147 IGLÉSIAS, Francisco. Op. Cit. 10. 148 Idem, P. 11. 149 Organizações e Programas Ministeriais. Regime Parlamentar no Império. MEC, Instituto Nacional do Livro,

Brasília. 1979, pp. 112-113.

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panfleto “O Libelo do Povo”, criticando a monarquia, em especial a Casa dos Bragança, e

atacando violentamente a situação conservadora.150

O ano de 1850 foi um dos anos mais profícuos dentro dos propósitos da direção

saquarema, e não só para ela, mas para todo o Brasil no Segundo Reinado151. Afinal, justamente

em 1850 aboliu-se o “comércio infame”. Também foi promulgada a Lei de Terras, efetivou-se a

reforma na Guarda Nacional e, por fim, promulgou-se o Código Comercial.152 Além disso, no

plano da política externa, o Brasil logrou uma vitória significativa em seus negócios no Prata,

derrotando o líder uruguaio Oribe.153

Em 1853 inaugurou-se a Conciliação, política de “congraçamento” entre conservadores e

liberais, incentivada sobretudo por D. Pedro II, com vistas à unidade política do País. O grande

responsável por aproximação foi Honório Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná. Político

mineiro, já experimentado em outros gabinetes e conhecido por seu temperamento enérgico e

convicções conservadoras, presidiu o Gabinete da Conciliação até sua morte, em 1856.154

Foi sob a direção de Honório Hermeto Carneiro Leão que o Gabinete encaminhou a Lei

eleitoral. A matéria foi debatida em 1855 e a intenção do projeto consistia claramente em

moralizar o processo eleitoral, renovando-lhe os princípios de gestão.155 Uma vez aprovada, a Lei

dos Círculos tornou-se a principal contribuição do Gabinete da Conciliação para o

aperfeiçoamento das engrenagens políticas do Império. Em Minas, a Lei gerou na eleição

subseqüente situações muito curiosas, tais como as descritas abaixo:

(...) Em Sabará, o conselheiro Luís Antonio Barbosa, que já ocupara postos eminentes, com o apoio do governo, de seu partido e setor do partido adversário, disputa com um médico desconhecido e só consegue eleger-se por dois votos. Em Ubá, um rábula de pouco escrúpulo tem que lutar com Joaquim Fernandes Leão, Liberal, e Fremem Rodrigues Silva, conservador, e o não

150 DUARTE, Regina Horta. História, verdade e identidade nacional. Quatro panfletos políticos do Segundo

Reinado. In: Locus, Juiz de Fora, v. 2, n. 2, p. 119, 1996. 151 É justamente a partir de 1850 que o Império Brasileiro começa a passar por reformas modernizadoras de sua

economia e sociedade. A esse respeito ver: GRAHAN, Richard. Grã-Bretanha e o Início da Modernização do Brasil: 1850-1914. Brasiliense, 1973.

152 SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. Op. Cit, p. 101-102. 153 Idem, p. 103. 154 Uma boa narrativa sobre a Conciliação está em: NABUCO, Joaquim. Um Estadista no Império. Rio de Janeiro,

Editora Nova Aguilar S.A, 1975. P. 153. 155IGLESIAS, Francisco. Op. Cit, p 51.

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menos conhecido deputado Paulo Cândido. Na véspera do pleito, os três se reúnem para que um só se apresente, a fim de evitar a eleição do rábula; todos trabalham contra ele, mas sem êxito, pois sua vitória é tranqüila (...).156

O ano de 1857 foi difícil, marcado já pelo esgotamento da política de conciliação e pela

alta dos produtos agrícolas, além de uma crise no setor bancário. Em fins de 1858, o Gabinete de

Caxias caiu, sendo substituído pelo Visconde de Abaeté. Nesse Gabinete os conservadores

predominavam sem exceção, rompendo dessa forma com a política de conciliação.157

Assim, entre 1840 e 1860, o aparato centralizador do Estado Imperial foi erigido. Isso se

deveu em grande parte ao interesse dos grandes senhores de terra em assegurar a manutenção da

estrutura socioeconômica. Somente um poder central forte poderia garantir a escravidão e o

tráfico negreiro, além de defender os interesses nacionais junto às potências estrangeiras e garantir

a ordem no interior do País.

Entretanto, em Minas Gerais, assim como em todo Império, levantaram-se vozes nas

Assembléias tentando frear ou adaptar essa estrutura aos interesses provinciais. Tentava-se resistir

aos interesses públicos em favor dos interesses privados existentes nas localidades. Em Minas

Gerais tentava-se criar uma infra-estrutura capaz de atender as constantes demandas por melhorias

por parte dos cafeicultores.

A modernidade da Zona da Mata mineira convivia com a tradição das zonas de ocupação

mais antiga, como o centro da Província. Esta pulsava em ritmo acelerado, buscando solucionar

seus conflitos internos e se impor na política imperial do Segundo Reinado. Nesse sentido, a

Assembléia Provincial surgia como o elo de ligação com o Rio de Janeiro. As lutas partidárias

adquiriram contornos mais pacíficos, de modo que a violência ainda tão comum à sociedade

daquela época foi limitada pela nova cultura política, pautada pela negociação entre centro e

periferia, moldando a realidade de um país que buscava ter lugar garantido no mundo europeu

civilizado.

156 IGLÉSIAS, Francisco. Op. Cit, p. 59. 157 Idem, p. 64.

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A história da Assembléia Provincial de Minas Gerais é emblemática, porque nela várias

contradições da política imperial foram expostas visceralmente. Nela o liberalismo brasileiro

deixava de ser um objeto de contemplação teórica e passava a ser elemento prático dentro de uma

sociedade impregnada pela escravidão e pelo latifúndio.

Minas Gerais não estava isolada do Império, pois seus dilemas eram questões que

atravessavam o País. Portanto, quando nos dispomos a aprofundar o estudo da Assembléia

Provincial, nossa motivação não é buscar apenas as especificidades da realidade local, mas “a

existência simultânea de elementos estabilizantes e perturbadores”158 no dia-a-dia dos deputados

provinciais e nos seu discurso partidário.

158 HOBSBAWM, Eric. O que os Historiadores devem a Karl Marx? IN: HOBSBAWN, Eric. Sobre a História. São

Paulo: Cia das Letras, 1998. P.167.

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CAPÍTULO 3

Titãs em Luta

Neste capítulo tratar-se-á da imposição do projeto Saquarema, elaborado com o objetivo

de subordinar os poderes locais, com ganhos de autoridade e ingerência para o governo central.

Assim, será descrita a progressiva instituição desta política em Minas Gerais durante o período

estudado, bem como a resistência Liberal suscitada pela mesma na Assembléia Provincial. Como

referência bibliográfica para os fatos históricos ora expostos foi utilizada a obre de Paulo Ferreira

Castro, Experiência Republicana (1974).

A presente dissertação desposa a tese de que a centralização imposta pelos saquaremas

encontrou resistência em vários pontos do País. A tentativa de obstar esse processo não foi,

portando, uma especificidade mineira. A própria Revolução de 1842 revela que havia um

consenso entre as elites dominantes, em especial no centro-sul, de que a centralização deveria ser

limitada, senão revista. A oposição liberal às reformas conservadoras se manifestava em diversas

regiões: no episódio de 1842, as províncias do Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Paraíba esboçaram

contrariedade, tal como o Rio Grande do Sul.159 No entanto, os principais focos insurrecionais

ocorreram em São Paulo e Minas Gerais.

A via da força ganhava legitimidade entre os liberais em razão da própria noção de

liberalismo por eles desposada, que consistia em ver na referida concepção política, acima de

tudo, uma forma de favorecer as elites locais em detrimento do poder central.160 Os liberais,

enquanto partido, não cogitavam a hipótese de separação, mas almejavam a todo custo arrematar a

hegemonia política e a direção do Estado Nacional.

159 CASTRO, Paulo Ferreira Experiência Republicana. IN HOLANDA, Sérgio Buarque de .T. II . História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo Difel, 1974. 160 GRAHAM, Richard. Clientelismo e Política no Brasil do século XIX. Editora da UFRJ, Rio de Janeiro, 1997. P. 232.

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Foi a busca pela hegemonia o grande propulsor das contendas políticas dentro do Estado

Imperial ao longo do Segundo Reinado. Tal disputa passou ora por complexas estratégias de

negociação, ora por movimentos inicialmente armados. Nesse contexto conturbado, os dois

partidos do Império tiveram suas identidades forjadas. A historiografia aponta para a vitória das

teses conservadoras, mas em vários momentos a preponderância do partido foi questionada. O

objetivo deste capítulo consiste em mostrar as nuances da luta partidária dentro de Minas Gerais,

umas das mais importantes províncias do Império.

3.1 - Católicos, Monarquistas e Partidários da Ordem

O cotidiano da Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais, assim como toda a vida

política do País no período compreendido entre 1844 e 1853, foi repleto de lutas partidárias.

Resolveu-se após a malograda experiência liberal de 1842 que o apelo às armas, longe de ser boa

opção, acabava por colocar seus protagonistas em grande desvantagem. O sistema político

elaborado no Segundo Reinado passava por redes de negociação entre centro e periferia e, mais

tarde, sobretudo a partir de finas da década de 1860, por uma maior intervenção do Poder

Moderador, de forma a equilibrar as disputas partidárias, evitando exageros ou radicalizações que

desembocassem no rompimento das engrenagens institucionais.

Seguindo essa lógica, o ano de 1844 foi deveras turbulento para cenário político nacional,

pois o Imperador decidiu permitir a reabilitação dos Liberais. Isso implicava em formar um novo

gabinete no qual estes fossem predominantes. Era natural, portanto, que nas províncias se

fizessem sentir modificações na conjuntura.

Em Minas Gerais não foi diferente. Presidia a província o general Soares de Andréia,

elemento ligado ao Partido Conservador, tendo sido uns dos repressores nomeados pelo governo

central para combater a Rebelião de 1842, após o desfecho da qual seu governo começou. Os

prejuízos materiais na província mineira haviam sido enormes, o que a debilitou sobremaneira. A

maioria da Assembléia era composta por Conservadores, fruto do ambiente criado pela derrotada

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dos seus antípodas em 1842. Mesmo contando com uma Assembléia em que a cor política de seu

partido era predominante, Soares de Andréia não se furtava a fazer algumas reclamações em seu

relatório enviado a Assembléia nesse ano, insatisfeito que se mostrava com a extinção de um

imposto pelos legisladores. Segundo ele161:

A Assembléia Provincial julgou abolir na última lei do orçamento o imposto sobre a compra, venda e troca dos escravos, e o de 800 rs do gado morto no talho (...). O primeiro desses impostos é pago em todo o Império, e pode mesmo tomar-se como um meio de moralidade. Se nenhuma transacção se fizesse de objectos de valor, sem preceder um registro, não seria tão fácil a apropriação das cousas alheias; e muito particularmente sobre escravos é indispensável que cada um possa a todo tempo mostrar a legitimidade com que os possue e nenhum modo é mais seguro do que pelo pagamento do imposto.162

O argumento do presidente é bastante original. Para manter o imposto – necessário numa

conjuntura em que a cafeicultura ainda não havia feito sentir seus efeitos em Minas Gerais e era

grande a demanda por recursos necessários à reconstrução da província e recuperação da infra-

estrutura – recorreu-se ao argumento de defesa da propriedade. Segundo o general, o tributo seria

um meio de “moralidade”, pois com o registro do mesmo seria possível dificultar ou mesmo evitar

a “apropriação das cousas alheias”, assegurando assim a manutenção da “legitimidade” da

propriedade. O ideal de defesa da ordem cruzava-se com o imperativo de que o Estado dispusesse

de meios de controle, fossem eles tributários, políticos ou sociais.

O argumento parece ter logrado êxito, pois pouco depois a Assembléia voltou atrás e decidiu

restabelecer o imposto. Tal medida chocou-se com a resistência dos deputados liberais, resultando

em protestos públicos de alguns membros da instituição. Impossibilitados de barrar ou derrubar a

volta do tributo, os legisladores da oposição fizeram uma declaração de votos. Nesta,

apresentaram um ato de desagravo à sua causa, fazendo constar suas as razões:

161 Optamos por transcrever as fontes mantendo o português original, evitando qualquer tipo de atualização gramatical. 162 Falla dirigida á Assembléia Legislativa Provincial de Minas Geraes na abertura da sessão ordinaria do anno de 1844 pelo presidente da provincia, Francisco José de Souza Soares 'Andrea. Rio de Janeiro, Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp., 1844.Arquivo da Universidade de Chicago. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/448/000058.html , 21 de outubro de 2003, às 19:00.

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“Declaramos que votamos contra o Imposto da Meia Siza (...), por ser nossa profunda convicção que a restauração dessa imposição, alem de vexatória, pois que (...). a cobrança não pode ser feita em huma terrível inquisição, he eminentemente prejudicial aos interesses da Agricultura, e Industria da Província que tão oneradas estão com as numerozos impostos já (...), recebem um golpe mortal restauração da dita meia Siza.

Ouro Preto, 12 de Abril de 1844163

Assinaram esse documento quatro deputados, sendo eles Francisco de Paula Santos, o

padre Jacinto José de Almeida, Manoel Teixeira Galvão de S. Martinho e um quarto nome que

não foi possível identificar. O tom trágico usado pelos deputados ao redigir a declaração de votos

revela a intenção de frisar sua discordância; para eles a “Agricultura e Indústria” da província

seriam mortalmente feridas, prejudicando a população e o crescimento econômico regional. O

imposto se lhes afigurava uma imposição inaceitável e vexatória, consistindo em verdadeiro ato

de inquisição. Termos fortes proferidos por uma oposição vencida, mas sabedora de que os atos

praticados na casa legislativa teriam repercussão pública, considerando-se que os Anais da

Assembléia eram transcritos para posterior publicação em um Jornal contratado pela instituição.164

Isso explica o tom eloqüente da declaração, pois intentava-se angariar a simpatia da população

letrada de Ouro Preto, então capital da Província.

O aperto econômico não freou, contudo, os investimentos na infra-estrutura da província.

As ligações desta com o Governo eram bastante próximas e, para melhorar a comunicação com a

Corte, iniciou-se a construção da Estrada do Parahybuna. Nesse ano os recursos para a

continuidade da obra saíam dos cofres do Tesouro Nacional e não da Província165.

Mesmo nessa conjuntura de aperto fiscal, percebe-se que Soares de Andréia empenhou-se

em compensar os combatentes do partido conservador que haviam lutado em 1842. Precisamente,

163 Arquivo Público Mineiro, Ata da Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais, ano de 1844, Al 3/28 caixa 54. 164 Tais jornais eram produzidos por tipografias contratadas pela própria Assembléia para publicar seus trabalhos.No caso dessa legislatura a tipografia contratada publicava o Jornal Diário da Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais. 165 Idem, http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/448/000038.html em 21 de outubro de 2003 às 19:15 horas.

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fez aprovar uma lei de “auxílio” aos veteranos e anexou ao seu relatório uma lista com os nomes

dos mortos tombados em defesa da “legalidade” em 1842.166

A oposição tentava se manifestar das mais diferentes formas, cabendo salientar a

importância dos juízes no âmbito das localidades167. Observe-se que a Reforma do Código de

Processos centralizou o aparato judicial, mas os magistrados municipais ainda eram uma peça

importante no jogo de poder das elites imperiais. Ao tomar posse, Soares de Andréia trocou os

juízes em vários municípios. Esse fato não passou despercebido aos deputados da oposição, que

encaminharam o seguinte requerimento:

Requerimento (...) Que se pergunte ao Governo desta Província. 1 Quantos juizes Municipais substitutos nomiados por (?) em conformidade do Art. 19 da Lei de 3 de Dezembro de 1841 tem sido demitidos pelo mesmo Governo. 2 Qual a Lei em Ordem em que se tem firmado o Governo para este procedimento. 3 Quais os motivos que (?) com a essas demissões. Paço da Assembléia, 17 de Fevereiro de 1844

Autor: J. Pereira de Souza168

Esse pleito deflagrou uma série de intensos debates na Assembléia, culminando com sua

rejeição pela deputação em 22 de fevereiro do mesmo ano. Cumpre notar que tais discussões

giravam sempre em torno da seguinte questão: devia o Presidente da província dispor com tanta

facilidade dos cargos que tocavam tão profundamente a vida das localidades? Independentemente

das argumentações da oposição, a resposta dos conservadores foi melhor sintetizada pelo

deputado Resende:

(...) Estava a presidência no seu direito resolvendo a demissão do que se trata, e que a oppinião contraria, além de insustentável oppoem-se a alguns princípios sustentados pelo nobre deputado, côo vou demonstrar. É insustentável, por isso,que ella não pode viver na presença da lei de 3 de dezembro de 1841, e do regulamento respectivo que mui expressamente dão aos presidentes de

166 Idem, http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/448/000103.html em 29 em 29 de outubro de 2003, as 21:10 horas. 167 Ver: FLORY, Thomas. El Juez de Paz y El Jurado en el Brasil Imperial: control social y estabilidad política en el nuevo Estado. México: Fondo de Cultura Economica, 1986. 168 Arquivo Público Mineiro, Ata da Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais, ano de 1844, Al 3/28 caixa 54.

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província o direito de demitir os delegados, subdelegados de polícia e seus suplentes, logo que mal servirem, ou que a sua conservação for inconveniente ao serviço publico. E casos tães tem os presidentes livre arbítrio de demittir esses empregados , e assim o procedendo estão no seu direito: é isso incontestável. Entendo, e é verdade, que esse arbítrio deve ter as limitações da razão e da justiça (apoiados) mas nem por isso deixão os presidentes de tê-los.169

Com maioria na Assembléia, tornava-se fácil aos Conservadores derrotar eventuais

requerimentos que pudessem constranger o Governo. Proteger os atos deste não era só uma

questão de fidelidade partidária, mas também um ato que visava a sobrevivência política;

principalmente porque os juízes municipais tinham um papel importante no período eleitoral.

Além disso, o próprio presidente Soares de Andréia, em seu relatório, deixava claro seu

desconforto diante da força política preservada por alguns dos antigos revoltosos. Segundo ele:

(...) apenas restão da parte da rebellião a má vontade de alguns homens injustamente absorvidos e que nos contão ter sempre a mesma sorte; e do outro lado, alguns pequenos conflictos entre poucas autoridades, a quem lhe custa ver a facilidade com que as funcções publicas passão ás mãos de alguns que forão rebeldes, que pela impunidade estabelecida entre nós, tem sido absolvidos nos trinunaes170

Pode-se notar que o presidente considerava injusta a reocupação dos cargos públicos pelos

mesmos homens que ele combatera em 1842. Assim, não causa estranhamento constatar que a

deputação conservadora apoiou demissões decretadas pelo general no intento de evitar

“inconvenientes ao serviço publico”. Alguns dias depois, o deputado que redigira o primeiro

requerimento encaminhou outro relativo ao mesmo tema. Infelizmente, o documento original ao

qual se teve acesso estava em más condições, o que prejudicou a leitura do mesmo. Por

conseguinte, a transcrição abaixo apresenta algumas lacunas:

(...) informação Se contra a determinado no (...) de 8 de Julho de 1842 alguns dos substitutos dos Juizes Municipais forão nomeados Subdelegados, suplentes destes, e se estão ou não em exercício acumulando ambos os empregos 12 de Março de 1844

169 O Compilador Mineiro, sábado de Março de 1844, n 15, p. 3. 170 Falla dirigida á Assembléia Legislativa Provincial de Minas Geraes na abertura da sessão ordinaria do anno de 1844 pelo presidente da provincia, Francisco José de Souza Soares 'Andrea. Rio de Janeiro, Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp., 1844. Arquivo da Universidade de Chicago http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/448/000004.html, 21 de outubro de 2003, às 20:00 horas.

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J P Souza171

Mais uma vez a bancada conservadora obstruiu o pedido, impedindo-o de ser levado adiante.

Chama a atenção justamente essa firme barragem que os deputados conservadores impuseram aos

seus congêneres considerados de “oposição”. O ambiente de intolerância fez-se presente em todos

os momentos. O clima assemelha-se a um campo de batalha, onde os dois lados esforçam-se para

não ceder nada ao inimigo. As lutas ocorriam por vários motivos. Evidentemente, determinados

temas eram mais sensíveis – como delimitação de municípios e paróquias, remoção de juízes, etc.

– e colocavam os representantes do governo central em choque com as localidades. Isso talvez

explique a iniciativa do presidente em criar alguns cargos de confiança dentro da Assembléia,

reservando para si a prerrogativa de indicar seus ocupantes. Esses postos seriam locados na

Secretaria de Governo, cuja reorganização foi defendida por Soares de Andréia. Afigura-se

relevante a insistência do general em propor o cargo de secretário de “nomeação do governo

imperial” – cujo salário seria de 1:400$000, com gratificação de 932$666, totalizando 2:332$666

– e um “official de Gabinete” nomeado pelo presidente da província que auferiria vencimentos

idênticos aos do primeiro. Pela tabela demonstrada no relatório, estes seriam os cargos de maior

remuneração172 e aparentemente superiores aos demais do ponto de vista hierárquico. O propósito

destas medidas era claro: aumentar o controle do Governo sobre a burocracia da Assembléia.

O recrutamento para a Guarda Nacional foi durante o ano de 1844 motivo de longa

discussão entre os deputados. Em verdade, no que se pode observar, o deputado Pereira e Souza,

pelas suas críticas e discursos identificado com a oposição, lançou um ataque não contra a aludida

conscrição, mas contra determinadas medidas de recrutamento do Exército que, no seu

entendimento, eram abusivas e feriam a economia da Província. Recuperem-se seus argumentos:

171 Arquivo Público Mineiro, Ata da Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais, ano de 1844, Al 3/28 caixa 54.De agora em diante AALPMG. 172 Falla dirigida á Assembléia Legislativa Provincial de Minas Geraes na abertura da sessão ordinaria do anno de 1844 pelo presidente da provincia, Francisco José de Souza Soares 'Andrea. Rio de Janeiro, Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp., 1844. Arquivo da Universidade de Chicago http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/448/000012.html, 21 de outubro de 2003, às 20:20.

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Sr presidente, pedi a palavra para mandar a meza huma indicação, afim de se representar no Governo Geral, para que se faça cessar na Província de Minas Gerais o atual recrutamento, que em minha opinião tem causado mais males a província do que a desoladora febre Escarlatina em todo o Império. Sr Presidente , o estado de nossa província he bem melancólico, e a causa não há outra senão as violências cometidas: nossas povoações achão-se desertas, nossos concidadãos foragidos!... Não são estes foragidos, aqueles que estão na circunstancia de serem recrutados: são paes de família, casados, maiores de 40 e 50 anos, abandonado lavouras e industrias. (...) Terror tem se espalhado que ninguém escapara aos terríveis efeitos do recrutamento, muito mais depois da circular de S. Ex. compreender no recrutamento os G.N. violando assim a Lei de 18 de Agosto de 1831. Veja nessa Lei que a G.N. são isentos do recrutamento (lê o artigo 9º da Lei). (...) Sr. Presidente, além de ser manifestamente contraria a constituição e as Leis , creio que foi mais hum feixo de discórdia que se lançou na Província de Minas.173

Várias questões foram levantadas nesse trecho, como, por exemplo, a legalidade de se

recrutar compulsoriamente elementos diretamente da Guarda Nacional. O deputado parecia

revoltado contra essa medida do poder central “que manda recrutar com preferência os filhos dos

homens mais abastados: não sei se no que fundou a ex. para assim proceder quando o filho de

hum homem he regularmente e bem qualificado G.N e como s. ex. mandou recrutar esses”. Feitas

essas reclamações, o deputado Pereira e Souza ilustrava seu argumento citando a seguinte

situação:

Sr. Presidente, ainda ontem eu soube que chegaria a essa capital hum cidadão recrutado, que em seu districto seria Juiz de Paz e Vereador da Câmara, além de ser casado e negociante abastado. Em que lei, em que ordem se apóia o Governo cometer estes desatinos e arbitrariedade?174

Além de reivindicar o status que determinados cidadãos deveriam ter, o legislador

apresentou argumentos econômicos contra a conscrição:

Segundo os meios, que se tem empregado nessa província o Governo não exceptua a ninguém: paracece-me que s. ex. não terá escrúpulo em mandar recrutar o próprio Vigário Capitular: não sei quem se julgara izento de huma tal arbitrariedade. A continuar semelhante sistema, he querem-se completamente abocanhar tudo, atrasando dessa maneira a agricultura, mineração, industria e comercio(...). Essa província de Minas, que a pouco mais de hum anno passou huma rebelliaão, he por desgraça nossa agitada

173 O Compilador Mineiro, 16 de Fevereiro de 1844, p. 2. Hemeroteca Pública de Belo Horizonte. 174 Idem.

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dessa maneira. Sr. Presidente, consideremos o negocio do recrutamento por outro lado: dado que cessou o comercio da escravatura, começou logo a agricultura a sentir a falta de braços:eu quisera que apparecessem no recinto da casa todos os comerciantes da província, para que nos dissessem o seu estado. Mas srs. Nenhuma destas considerações tem valido, para que não se emprgassem os meios mais violentos, recrutando-se homens casados, Paes de filhos, maiores de quarenta e cincoenta annos (...)175

Após essas exaustivas explicações, o deputado apresentou seu requerimento para votação

em plenário, nele expondo uma preocupação até então oculta, no caso o uso político do

recrutamento:

Indico que se represente ao Governo Central a urgente necessidade que há de fazer cessar o recrutamento nesta província de Minas Geraes, não só porque tem sido recrutados um numero maior do que aqueles que se pode suportar a nossa industria nascente, como porque no estado de ressentimentos, e ódio, que ainda divide a população em alguns lugares, tem o recrutamento servido de meio de opressão para as autoridades pouco escrupulosas no cumprimento de seus deveres.176 (grifo nosso)

Além dessas reclamações, o legislador, em dado momento dos trabalhos, fez uma denúncia

contra o governo da Província, a respeito das eleições para oficiais da Guarda. Nas suas

palavras:

Confesso, sr. Presidente, que na eleição para oficiaes da g. n. tem havido algumas irregularidades, e que por mesmo a lei das eleições deveria ser alterada. Mas terá isso o governo direito de altera-las a seu arbítrio? As leis são feitas pela Assembléia Geral, e por ella tem de ser derrogada. Ora não seria pela muito louvável, que em vez de se expedir esse regulamento, fizesse uma representação aos poderes respectivos pedindo insistentemente a reforma da lei? Que a lei consagra o escrutínio secreto e que o regulamento o proscreve, é coisa, que se depreende muito claramente da leitura da ordem que citei. Eu avistei (...), a uma dessas eleições , e vi que se violou o segredo ordenando-se a um guarda, que reformasse as suas listas. Se não falei nisto na sessão passada foi porque me persuadi, que esse regulamento fora feito para aquelle caso somente e por termos sofrido do estado de perturbação em que se achou a província . Estando porém informado que ainda vigora esse regulamento, julgo de meu dever censura-lo, uma vez que as circunstâncias são diversas (...)177

O deputado Pereira e Souza foi certeiro. Suas palavras revelam a preocupação que ele

nutria pela economia regional, com ênfase na necessidade de mão-de-obra no interior da 175 Idem. 176 Idem. 177 O Compilador Mineiro, 15 de Abril de 1844, p. 1. Hemeroteca Pública de Belo Horizonte.

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província. O recrutamento era caracterizado como lesivo às liberdades individuais e denunciava-

se o descumprimento da lei correlata, que instaurava um clima de insegurança entre os

proprietários e comerciantes. Não é objetivo desse estudo verificar se os argumentos do deputado

são verdadeiros ou apenas intrigas oposicionistas, mas examinar-lhes o conteúdo. O sistema de

recrutamento forçado imposto pelas autoridades imperiais colocava os liberais em situação

bastante difícil naquele momento. Considerando que a maior parte dos cargos de mando estava

nas mãos dos conservadores, tornava-se difícil aos liberais proteger seus agregados da conscrição.

Essa incapacidade conjuntural de defesa dos agregados poderia se revelar desastrosa para os

liberais nas eleições. Pereira e Souza, sendo da oposição, preferiu enfatizar os argumentos

econômicos no intento de persuadir os deputados, independentemente da posição partidária, de

que o recrutamento, tal como então praticado, causaria prejuízos a todos.

Na contramão do deputado Pereira e Souza, o presidente Soares de Andréia se preocupava

em aumentar os controles do Estado sobre o Guarda, sobretudo porque condenava a escolha dos

oficiais mediante eleição; para ele

Continua a existir nesta província um modo, já reprovado em outras, de terem os oficiais de companhias eleitos pelos guardas delas, e é tão claro a inconveniência de comandar por graça dos seus súditos, que direi desta vez que é preciso acabar com esta anomalia, entregar-se ao governo a nomeação e demissão de todos os oficiais.178

Analisando a Guarda Nacional em Minas Gerais, Flavio Dias Saldanha entende que a

corporação teve um caráter descentralizado na sua concepção, o que permitia um fluxo de

lideranças locais dentro da hierarquia. Entretanto, com o “Regresso”, cada vez mais a instituição

se viu subordinada ao Ministério da Justiça, sofrendo um processo de centralização. Essas

reformas começaram:

178 Fala dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais na abertura da sessão ordinária do ano de 1844 pelo presidente da Província, Francisco José Soares de Andréa. In: Site: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/448/index.html. Acessado em 20/11/2003.

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Em virtude de “dependerem dos guardas alguns oficiais, que, ambicionando a reeleição, ou elevação à postos superiores, não os querem desagradar”, ou pela “inconveniência de comandar por graça dos seus súditos”, a legislação original da milícia cívica, na parte referente à nomeação dos postos, sofreria interpretações dos governos provinciais no sentido de fazer com que a hierarquia social presente na sociedade se refletisse nos quadros de comando da Guarda Nacional.179

O ano de 1844 também foi emblemático na medida em que se revelava difícil a

convivência dos deputados conservadores e liberais dentro da Assembléia. Não obstante a palavra

“conciliação” estivesse sempre presente nas declamações, na prática muitos a consideravam uma

degeneração dos valores partidários, uma subversão da superioridade conquistada pela força e

impressa no funcionamento do Estado desde 1842. Por exemplo, quando o deputado Francisco

Duarte Ribeiro Badaró discursava na Assembléia em favor de um requerimento então em pauta,

não se furtou a combater a idéia de conciliação nos seguintes termos:

Fallou o nobre deputado em conciliação com os Santa Luzias, Sr. Presidente não sou inimigo da conciliação, e de todo o coração abraçaria meos adversários políticos, se elles renegando suas idéias anárquicas, quisessem ligados conosco trabalhar na grande obra de reorganização do paíz: porém em quanto esses homens jaetão-se do sangue, que espargirão, em quanto sustentão, que o principio de resistência é dogma do homem social, fallar em conciliação, é fallar em hum cousa impossível.180

Era inadmissível para esse membro do “partido da ordem” que o indivíduo subvertesse as

instituições e a ordem pública alegando o princípio de resistência privada como ação ordinária.

Nesse aspecto, parcela dos conservadores parecia totalmente contrária a qualquer doutrina ou

“dogma” que conferisse ao indivíduo ou à comunidade o direito de se insurgir ordinariamente

contra seus governantes. Isso não representava contradição, com o pensamento liberal, pois num

sistema representativo dependente do voto, com o pensamento liberal, pois as contestações

poderiam ser feitas de modo constitucional.

179 SALDANHA, Flavio Henrique Dias. Os Oficiais do Povo: a Guarda Nacional em Minas Gerais oitocentista, 1831-1850. Dissertação de Mestrado, Unesp-Franca. 2005, p. 70. 180 Compilador Mineiro, Sábado, 23 de Março de 1844, nº 12, p. 4.

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Outro aspecto ideológico interessante, no extremo das posições conservadoras, era a

opinião de um deles, deputado padre Jacinto José Almeida, sobre o Iluminismo:

Quando o nosso Povo apenas acabava de quebrar os ferros que o junglão à Metrópole, quando carecia elle de se lhe distribuíssem Catecismos Religiosos, que se lhe ensinassem a crer, foi quando se lhe entregou Voltaire, Rousseou, Barão d’Holbach, Volney, Talleyrand, e quantas producções anafelficas, anti-religiosas, e anti-sociaes o inferno em sua raiva vomitou sobre a infeliz França. Honra pois ao Povo Brasileiro, que com tantos germes de destruição não esta ainda affogado no cathaclysma da impiedade, e da anarchia. Por sem duvida não tem elle semelhante na História do Mundo! He elle eu creio, o melhor dos Povos do Universo.181

As palavras acima servem para ilustrar o sentimento de reprovação que alguns

conservadores nutriam por toda uma geração de filósofos que se empenhou em derrubar o Áncien

Regime. O padre Jacinto José Almeida fez questão de ressaltar o caráter excepcional do povo

brasileiro, pois este não aderiu em massa aos ensinamentos “anti-religiosos” e “anti-socieaes”

advindos dessa linha de pensamento. Desqualifica-se tanto a corrente filosófica quanto os seus

adeptos. Dessa forma, os liberais eram apresentados como uma negação dos bons costumes: afinal

seriam eles os defensores das pregações do “inferno” que haviam entregue a “infeliz França” à

desordem. Parte dos conservadores em Minas Gerais agarrava-se a esses preceitos para recusar

qualquer trégua ou conciliação ao seu inimigo.

Pode-se avaliar o ano de 1844 em Minas Gerais como um período durante o qual as

paixões partidárias foram mais importantes do que qualquer coisa. Os Conservadores encastelados

no aparelho estatal se esforçaram em não ceder nada ao seu “inimigo”, empenhando-se na

construção da hegemonia a todo custo. A Revolução de 1842 era constantemente lembrada para

estigmatizar o que sobrara de elementos liberais na Assembléia Provincial. Orbitando em torno do

presidente Soares de Andréia, os conservadores levantaram trincheiras e barricadas quase

inexpugnáveis. Entretanto, a anistia imperial aos revoltosos de 1842 e a conseqüente inversão de

gabinetes na Corte ensejaram a modificação do cenário político na Província, fenômeno mais

nitidamente palpável a partir de 1845.

181 Idem, terça-feira, 19 de março de 1844, nº 10, p. 4.

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No plano nacional, Joaquim Nabuco ofereceu uma leitura acurada dos bastidores da

“inversão” de 1844, segundo ele:

Em maio de 1844 Nabuco volta ao Rio de Janeiro, mas para assistir nesse mesmo mês à dissolução da Câmara. No intervalo das sessões tinha-se dado o grande choque entre o Imperador e Honório, e os liberais haviam feito com Aureliano o mesmo pacto que este fizera em 1841 com os conservadores.(...) é assim, exclusivamente em Pernambuco que o partido da Ordem vai combater, de 1844 até 1848, apoiado apenas, na Corte, pelos chefes do Senado. Estabelece-se, então, uma aliança estreita entre ele e o partido Conservador do Rio, chamado Saquarema (...)182

No tocante a Minas Gerais, em 1845, Soares de Andréia foi removido, assumindo em seu

lugar o vice-presidente Quintiliano José da Silva.183 Este se mostrava conservador ao tomar posse,

mas produziu um relatório no qual era perceptível a intenção de transmitir uma imagem mais

moderada. Entretanto, em alguns momentos não se furtou de demonstrar seu descontentamento

diante da volta dos liberais ao poder na Corte.

A destituição de Soares de Andréia foi um duro golpe que a deputação conservadora teve

de suportar. Pelas Atas do ano de 1845, dispõe-se de alguns apontamentos sobre os problemas

surgidos naquele ano. Embora os trabalhos estivessem previstos para começar no dia 31 de janeiro

de 1845, isto só foi possível em 07 de fevereiro, na 9º Sessão Preparatória da Assembléia

Legislativa Provincial, quando se obteve o quorum necessário. Já nas primeiras sessões os

conservadores soltaram suas cargas contra o Quintiliano José da Silva. Exigiram e conseguiram a

aprovação de um requerimento pedindo explicações ao Presidente da Província (no caso era um

vice em exercício, pois o ministério não havia ainda designado um substituto) sobre as

providências tomadas para investigar o “horroroso atentado comettido contra o cidadão

Joaquim Bento Francisco”, datado de 13 de fevereiro de 1845. O autor desse requerimento foi o

deputado Gomes Candido.

No dia 19 de fevereiro de 1845, a Assembléia Provincial recebeu vários ofícios (do Juiz

de paz de Nasareth, a 11 de agosto 1844, e do sub-delegado e juiz de paz de Conceição da Barra, a

182 NABUCO, Joaquim. Um estadista no Império. Rio de Janeiro: Topbooks, 5 Ed. 1997. P. 93-96. 183 A leitura de seu relatório foi bastante complicada. Explica-se: os originais do documento encontravam-se em péssimo estado de conservação, o que complicou muito a leitura do documento. Sinceramente é uma enorme pena, tendo em vista que esse é foi o 1 º relatório do “qüinqüênio liberal”.

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12 de julho) reclamando da Lei 271, art. 6: “inconvenientes que resultão da execução do art. 6 da

Lei 271. Esta lei, promulgada ainda durante a presidência de Soares de Andréia, desmembrava

várias paróquias e vilas, criava novos municípios e extinguia outros.

A lei acabou revogada logo depois. Isso é muito significativo na medida em que se entende

que as localidades perderam parcelas de poder consideráveis com a criação das Assembléias

Provinciais. O documento não especificava, mas, ao que tudo indica, a Lei 272 feriu, de acordo

com as representações, ou criou muitas dificuldades para as localidades atingidas por elas. Talvez

tenha causado um reordenamento das forças dentro das localidades, posto que desmembrava

algumas freguesias. Os ofícios recebidos pela Assembléia Provincial demonstraram o quanto as

autoridades locais julgaram inconveniente tal medida. Atendendo a numerosos pedidos, a Lei foi

revogada e tudo voltou a ser como outrora. Os conservadores na Assembléia tiveram de ceder e

consentir no fortalecimento das localidades, reafirmando em âmbito provincial o que então era

feito nacionalmente com o ressurgimento dos liberais no cenário político nacional.

Num primeiro momento, isso pode parecer contraditório. Entretanto, cumpre considerar

que as Assembléias Provinciais não eram instituições desligadas das municipalidades, pois dentro

das primeiras os interesses locais possuíam grande peso. O Governo central tinha a necessidade

constante de promover negociações com as localidades. Isso conferia à política imperial um

caráter bastante dinâmico.

Em 1845 os conservadores ainda eram maioria na Assembléia Provincial Mineira,

presidida por Bernardo Pereira Vasconcellos, expoente conservador em Minas Gerais. Pelos anais

percebe-se que os deputados tinham consciência do momento político pelo qual o País passava;

em vários momentos transparecia o desgosto dos conservadores pela reabilitação dos liberais. O

deputado Miranda fez alguns comentários nos quais dava sua opinião sobre as mudanças

ministeriais, afirmando em tom de desabafo:184

184 O Compilador Mineiro, Sexta-Feira 28 de fevereiro n 6, p. 1.

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(...) Essa conciliação, que nunca teve por fim a paz (....) e sendo uma das condições dessa torpe aliança a perseguição do partido da ordem, o extermínio dos legalistas e a entrega destes aos seus mais hidagaes inimigos políticos, tudo quanto observamos, não nos deve admirar, é uma conseguencia do progresso do ministério actual.

Tenha-se presente o contexto no qual as palavras desse deputado eram ditas. Os liberais

voltaram ao poder com a anistia concedida pelo Imperador em 1844. Iniciava-se um período em

que os seus antípodas estariam alijados de uma maior representação na Assembléia Geral, nas

Assembléias Províncias, nas Presidências de Província, nos cargos Ministeriais ou em qualquer

situação de mando. O único local onde os conservadores poderiam ainda ser maioria era o

Senado, isso porque o cargo era vitalício. Essa instituição sofreria uma série de ataques visando

sua reforma ao longo do qüinqüênio liberal. Embora o Ministério composto pelos liberais falasse

em conciliação, nítido estava para os conservadores que tempos difíceis se avizinhavam, dado o

caráter de disputa beligerante existente entre os dois partidos.

Além disso, uma vez que as eleições provinciais dariam vitória certa aos liberais, os

conservadores mineiros alimentavam a perspectiva de que seriam perseguidos tal qual

perseguiram seus opositores. A remoção de Soares de Andréia da Presidência da Província por si

só já anunciava uma mudança radical na situação. O vice que o sucedeu afigurava-se moderado

demais para vários conservadores e não lhes dava a sustentação necessária à defesa de seus

interesses eleitorais no interior da província. Não tardou para que surgissem na Assembléia

denúncias de assassinatos e corrupção eleitoral. Ouça-se, por exemplo, as reclamações do

deputado Cruz Machado:

Quantos attentados não estão impunes?Quantos não foram objetos de louvores, e cobertos de uma certa gloria?sim elles estão cheios de triunpho (...) mas,senhores, o 2 de fevereiro não odiava tanto os princípios quanto os homens, e lhe era indiferente que fossem eleitos os Santa Luzias, palacianos, bentevis, ou marombas, com tanto que nem um dos proseriptos tomasse parte do grande banquete eleitoral: é por isso que a Câmara actual constitui um amalgama de todas as opiniões violentas, que erão abraçadas pelas minorias das províncias185

185 Idem, segunda feira, 3 de março de 1845, nº 7, p. 3.

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A tensão entre Quintiliano José da Silva186 e a bancada conservadora na Assembléia

Provincial tendeu a aumentar significativamente. Por exemplo, o deputado Nogueira Barboza, em

acalorado discurso acerca das circunstâncias - segundo ele suspeitas, senão ofensivas à lei - em

que ocorreu o recrutamento de um funcionário público para o Exército, por ocasião das eleições

de 1845, declarou-se desgostoso com a nova administração da província, representada pelo

presidente interino Quintiliano José da Silva, em substituição ao general Soares de Andréia.

Segundo ele, “estas circunstâncias (...) revelão a alma ignóbil do obscuro (...), a quem foi

confiada a presidência da Província de Minas”. Não por acaso, foram aprovados vários

requerimentos nos quais se questionava o comportamento do vice-presidente da Província. Como,

por exemplo, o que segue transcrito abaixo:

“Requeiro que se peça ao Exmo Vice Presidente os seguintes esclarecimentos: - 1 Se na Villa de Baependy houve acontecimentos contrários a ordem publica por ocasião de 29 de Abril(? – leitura muito duvidosa) do ano passado. - 2 Se por motivo delles houve homicídios ou ferimentos - 3 Que provindencias se derão , e qual foi o resultado dellas - 4 Que se envie uma por copia toda a correspondencia official à respeito . - 17 de fevereiro de 1845 - Nogueira Barboza187

Tudo indica que o grande problema do vice-presidente residia na sua identificação com o

Partido Liberal, apesar de sua declarada filiação aos conservadores, estes apeados do poder em

1844, com a anistia dos revoltosos de 1842 e a constituição do Gabinete de 2 de fevereiro, no

qual figuravam nomes do Partido Liberal.

A irritação dos conservadores foi visível na Assembléia Provincial. O discurso do deputado

Miranda é revelador na medida em que permite ter uma idéia dos humores dos deputados

conservadores em Minas Gerais.

186 Quintiliano José da Silva assumiu como vice-presidente da Província de Minas Gerais. Posteriormente foi nomeado presidente da província por um gabinete liberal. 187 Idem, segunda feira, 3 de março de 1845, nº 7, p.5.

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“Sr presidente, eu acho que as couzas vão caminhando muito bem: O Systema de Conciliação foi proclamado. Foi a bandeira que hasteou o gabinete de 2 de Fevereiro, e todas as perseguições que aparecem, os males, os sofrimentos públicos que pesão sobre a maioria da nação, não são senão uma conseqüência muito natural dessa conciliação, que nunca teve por fim a paz, e a concórdia entre os membros da família brasileira, mas a concórdia do governo com os homens, que pegarão em armas, derramando sangue innocente de seus patrícios, quiserão decidir os destinos do império, e sendo uma das condições dessa torpe aliança a perseguição do partido da ordem, o extermínio dos legalistas e a entrega destes nas mãos de seus mais fidagais inimigos políticos, tudo quanto observamos, não nos deve admirar, é uma conseqüência do progresso do Ministério actual”.(Grifo nosso)188

A crítica aqui se voltava contra dois fatos diferentes, porém confluentes: A Anistia e a

Conciliação. Aos conservadores afigurava-se ilógico chamar de volta ao governo um partido que

pegara em armas contra o governo. Considerava-se insano fazer a conciliação com um inimigo

que desejava o seu extermínio. As críticas do deputado Miranda foram completadas pela fala do

deputado Badaró:

O Ministério de 2 de fevereiro concedeo a annistia, mais foi isso o menos, eu sempre respeitei esse acto, por partir do poder moderador, o preâmbulo do decreto foi tardio, por que a rebellião foi justificada, e por tanto, repreendidos aqueles que a esmagarão, e este pensamento (...) estava tanto na mente do governo, que a imprensa governista declarou que os vencidos devião ser annistiados e os vencedores punidos, e que forão demitidos todos os empregados publicos que havião combatido a revellião, sustentados pelos cabeças do movimento de 10 de julho (...) Mas eu sei que o governo entregou-se aos vencidos para esmagar os vencedores (...) cujo o único crime consistia em obedecer ao governo imperial, quando esse mandou combater esse partido que impunhava as armas contra a lei de interpretação do acto adicional, contra a lei de reformas e a lei do conselho de estado, é por que o ministério actual sabe que a opposição repele o principio anarchico de resistência armada, que nunca ira discentir dos seus princípios no campo de combate, que sobre tudo é respeitadora da monarchia e das leis. (...) Não foi o voto livre, mais o voto arrancado pela violência, obtido pela fraude, com a preferência dos princípios mais santos da justiça e do publico decoro.(grifo nosso)189

Essa fala é muito interessante por revelar as novas regras do jogo político então emergente.

Tais regras passavam por uma submissão ao Poder Moderador, pelo repúdio à liderança liberal e,

sobretudo, pelo compromisso com a manutenção da ordem política e da estabilidade interna,

negando o princípio também liberal de resistência armada contra a opressão.

188 Idem. 189 Idem, segunda feira, 3 de março de 1845, nº 7, p. 6.

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A profusão de queixas à Assembléia Provincial sobre os abusos cometidos nas eleições foi

intensa. Além disso, algumas personalidades saquaremas foram perseguidas e mortas. Após

acalorado debate, a casa legislativa encaminhou à Presidência da Província o seguinte

requerimento do deputado Vasconcellos, grande expoente conservador em Minas Gerais:

Requeiro que se solicitem ao exm. Governo da Província, todas as illustrações acerca do processo instaurado em Pouso Alegre acerca do assassinato perpetrado na pessoa do senador João Horta Leite Ferreira de Mello: que andamento tem dado a esse processo (....). Requeiro mais copias das decisões dadas pela presidência da província sobre a competência dos juizes de paz que presidirão as elições. Copias das portarias, e quaisquer ordens tendentes a eleição: o numero de reclamações, que apparecerão e o destino que se lhes deo.190

As reclamações não se limitavam à corrupção eleitoral - corrupção esta da qual

possivelmente a maioria já se beneficiara em algum momento de sua trajetória política. Em várias

ocasiões a indignação dos deputados extrapolava os limites da província. As denúncias sobre as

fraudes ocorridas nas eleições legislativas revelavam não só as mazelas do sistema, mas também

evidenciavam o pânico dos deputados conservadores, que viam seus correligionários serem

batidos em todas as esferas e regiões. Comentando sobre a situação no Rio de Janeiro, o deputado

Cruz Machado fez as seguintes observações:

(...) Na província do Rio não houve eleição: veja-se como foram feitos os eleitores de Saquarema! E ainda nos chamão de Saquaremas. Mas srs. A depuração, a fraude e a violência deo o resultado que observamos: uma amalgama de representantes da minorias turbulentas, numa liga do frio com o quente, do grave com o leve, da luz com as trevas (...)191

Na fala acima, o deputado Cruz Machado negava que seu partido fosse protegido – daí o

termo “saquarema”. Ele entendia que os Liberais eram uma minoria, minoria turbulenta que pela

“fraude” e “violência” lhes tomava o poder na Corte e no restante das províncias do Império.

Como se pode observar, as falas estão repletas de ressentimento.

Para os conservadores era difícil ver os vencidos de 1842 retornarem à cena política

cobertos de glória, impondo-lhes derrotas eleitorais em seus domínios, como que subvertendo o 190 Idem, quarta feira, 12 de março de 1845, n 11, p.2. 191 Idem, sexta-feira, 14 de março n 12, p. 2.

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mundo criado por eles. Um mundo onde a hierarquia e a ordem deveriam prevalecer.

Horrorizavam-se quando recebiam notícias de que numa determinada localidade mineira,

quando ocorridas as eleições, “os legalistas que mais influirão foram imediatamente mandados

para a cadeia”.192 O que talvez lhes parecesse mais desolador era ver os liberais usarem os

mesmos artifícios dos quais outrora eles haviam se valido. Os mesmos mecanismos que

favoreciam a fraude eleitoral para os saquaremas agora se voltavam contra eles. O deputado

Pereira e Souza exprimiu na Assembléia, com muita alegria, sua opinião sobre o resultado das

eleições, segundo ele “as eleições estão sendo julgadas pelo paiz, já forão julgadas pelo poder

competente e legalmente confirmadas”.193

Como os conservadores defendiam a manutenção das instituições, mas estas não lhes

favoreciam, deparavam-se então com uma encruzilhada. Contestar as eleições passava por

contestar determinados instrumentos que eles próprios haviam forjado. Assim, chegou-se ao

ponto em que a criatura se voltava contra o criador. O único recurso de que dispunham para

extravasar sua indignação era ainda a Assembléia. Todavia, tal expediente encontrava na

medida que as eleições de 1845 deram ampla maioria aos liberais dentro da Província. O

deputado Rodrigues Silva encaminhou a seguinte representação ao Imperador em nome da

Assembléia:

(...), A Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais, Senhor prescinde de narrar os attentados commetidos pela administração da província com o fim de arrancar das urnas eleitores votos que elles jamais preferindo se a magestade das leis tivesse sido acatada(...) A Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais não ousa dirigir a V. M. I. um voto de reprovação contra a política que hoje dirige os destinos do Império, apenas se contenta e manifestar suas appreenções acerca do futuro, se um systema governativo mais justo e imparcial não for substituído ao que hoje domina essa infeliz província. Senhor, a Assembléia Legislativa Provincial julga bárbara e cruel (...) perseguir, daqueles cidadãos que em 1842, com tanta demanda pelejarão e vencerão e prol das instituições do paiz.194

192 Idem, p. 4. 193 Idem, segunda feira, 17 de março, n 13, p. 3. 194Idem..

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Tentando talvez ressaltar as diferenças entre conservadores e liberais, o deputado

Rodrigues Silva redigiu essa representação de maneira cuidadosa. Vale a pena analisar

brevemente os principais pontos de sua argumentação. Primeiro, ele não atacava diretamente o

Ministério, talvez temendo que um ataque direto aos Ministros do Imperador parecesse um

ataque direto ao trono. Limitava-se a atacar a administração da Província que representava essa

nova situação liberal. Segundo, seu alvo era a suposta ilegalidade do processo eleitoral em

Minas Gerais, que teria sido manipulado pela vice-presidência. Embora em momento algum a

Assembléia dissesse explicitamente que pretendia radicalizar suas ações, o fato de expressar

suas “apprenções acerca do futuro” caso a gestão da província não fosse modificada era uma

sutil ameaça. A Assembléia fazia questão de terminar lembrando que em 1842, eles, os

conservadores, haviam assegurado a estabilidade do País, salientando que não apenas pelejaram,

mas também venceram, deixando claro que vencedores não aceitavam ser tratados como

perdedores. Entretanto, o mais significativo nisso tudo é a data da representação: dia 07 de Abril

de 1845! Não havia como tecer ameaças de forma mais sutil.195

Batidos em âmbito nacional, restou aos conservadores protestar na imprensa e no Senado

para tentar obstruir quaisquer avanços dos liberais. Dentro da Província o que se assistiu durante

a sessão da Assembléia de 1845 foi uma série de acusações de corrupção eleitoral feitas pelos

conservadores. O partido procurou apresentar-se como vítima, porém uma vítima que defendia

sempre a legalidade. Assim, o ano de 1842 continuava a ser lembrado e fincava-se uma

estratégia de desqualificação do inimigo frente à opinião publica. Nuvens escuras pairavam

sobre o Partido Conservador na Província.

Já em 1846, o que se presenciava era uma Assembléia Provincial composta em sua

maioria por liberais. O próprio discurso do novo presidente da província em fins 1845 revelava-

se muito distante da lógica centralista conservadora. Segundo Quintiliano José da Silva, agora

promovido:

195 Idem.

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Ao governo não cabe organizar processos, nem licito lhe é perturbar a marcha serena e regular da justiça, mas sendo seu rigoroso dever fazer cumprir religiosamente a Lei, elle se não afastará d´esta tarefa, sejão quais forem as considerações, que se lhe apresentem. Com quanto seja hum facto averiguado que os Mineiros são dotados de um excellente índole, e que entre elles, a civilização se acha repartida com huma quasi igualdade(...)196

O novo mandatário fez questão de dar ao seu relatório um caráter mais eqüidistante,

embora se observe que os conservadores não tinham a mesma percepção, pois, como visto

anteriormente, eles não pouparam críticas ao novo presidente.

Ao comentar a posse do novo Bispo de Mariana, Quintiliano José da Silva revelava sua

alegria pelo descomprometimento partidário do mesmo, insinuando que o antecessor era mais

parcial ao observar que um sacerdote não deve: Acobertar tantos crimes (ilegível) dos partidos

políticos para dividirem huma responsabilidade, que lhes era toda pessoal; por isso defendião-se

attribuindo todo ao espírito de partido, como se o ser partidista fosse huma missão do

sacerdócio.197

Em síntese, pode-se inferir a partir das fontes expostas que, no período de 1844 a 1845, os

conservadores mineiros esforçaram-se para imprimir à Província sua lógica de governo.

Combateram e não deram espaço aos poucos deputados liberais que compunham essa legislatura.

Agiram de forma a proteger seu homem de confiança, o General Soares de Andréia, e passaram a

sistematicamente a atacar o novo presidente, Quintiliano José da Silva, assim que este assumiu a

presidência da província. Nutriam forte identidade grupal, identificando-se como defensores da

monarquia, da ordem e da própria fé católica, na medida em que consideravam as idéias do

Partido Liberal contrárias a tudo isso. Talvez quem melhor exprimiu o sentimento dos

conservadores e relação àquele momento político tenha sido o deputado Firmino, nas seguintes

palavras:

196 Falla Dirigida Á Assembléa Legislativa Provincial De Minas Geraes Na Sessão Ordinaria Do Anno De 1845 Pelo Vice-Presidente Da Provincia, Quintiliano José Da Silva. Ouro Preto, Typ. Imparcial De B.X. Pinto De Sousa, 1845, http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/449/index.html em 20/05/2003, 14:50. 197 Idem, http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/449/000013.html em 20/05/2003, 15:00

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O Governo deo as posições officias ao partido nacional para este o sustentar na falta de apoio dos homens que querem a liberdade sem a ordem, cujos esforços se dirigiam a obter a alliança desses dois únicos grandes elementos da grandeza e prosperidade das nações. Houve pois um verdadeiro contracto entre o poder e o partido nacional, e nada há de ais ridículo do que explicar pelos laços de gratidão a alliança do poder com os homens de junho, a gratidão não é, nem pode ser, o resultado de um contrato oneroso.198

3.2- Mudanças na Maré

A volta dos liberais ao poder na Corte redundou no revigoramento da oposição liberal em

Minas Gerais. O chamado “qüinqüênio liberal” começou em 02 de fevereiro de 1844, terminando

em 29 de setembro de 1848, período durante o qual seis gabinetes passaram pela Corte. Apesar

disso, no conjunto os seis gabinetes considerados não conseguiram domar a oposição da

“Patrulha” no Senado, agindo “trôpegamente por dissensões de todo o tipo”.199 A “Patrulha” era

a alcunha dada aos senadores conservadores que fizeram cerrada oposição aos Ministérios entre

1844 a 1848. As grandes teses liberais não foram postas em prática. Segundo Francisco Iglésias:

Realmente, ao fim de um qüinqüênio de exercício do poder, as grandes teses liberais de reforma da Guarda Nacional, a questão das incompatibilidades, a reforma da lei de 3 de dezembro de 1841, entre outras, não haviam sido votadas, em mesmo debatidas como deveriam. Elas convinham ao partido no poder. Demais, não havia unidade liberal sobre elas, como se vê sobretudo na questão do exercício da magistratura, tese defendida pelos praieiros e combatida pelos luzias do Sul.200

Se na execução de seus projetos nacionais os liberais não lograram êxito, não se pode dizer

o mesmo quanto à condução dos negócios provinciais. Ao longo desse período, os liberais dos

Gabinetes apoiaram ostensivamente seus associados nas Províncias, freando a centralização. O

máximo que a oposição conservadora na Corte podia fazer era estabelecer uma trincheira

defensiva no Senado, espaço em que, dada a vitaliciedade, os conservadores eram maioria. Nas

províncias, estes foram batidos e reduzidos em seu número de representantes legislativos.

198 Idem. 199 IGLÉSIAS, Francisco. Vida política, 1848-1868. In HOLANDA, Sérgio Buarque de .T. II. História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1974. P. 09. 200 Idem , p. 11.

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Em Minas Gerais, como já apontado, Soares de Andréia foi substituído por Quintiliano

José da Silva. Este permaneceu na presidência por três anos (1845-1847), após o que foi sucedido

outro liberal, Bernadino José de Queiroga. Tanto este como aquele trataram de favorecer seus

aliados políticos e prosseguiram as obras de infraestrutura dentro da província. Suas ações

caminharam numa linha tênue entre a legalidade e a ilegalidade, acusados muitas vezes de

contrariar a lei em proveito de correligionários locais.

Já no início dos trabalhos, em 1846, os deputados liberais empenharam-se deliberadamente

em barrar o acesso à Assembléia Provincial aos conservadores. Como muitos destes haviam sido

eleitos suplentes, a estratégia situacionista consistiu em não chamá-los, ou postergar-lhes a posse

dentro do possível. O parecer emitido pela comissão de poderes da Assembléia e transcrito abaixo

permite vislumbrar a questão

O sr. Alcântara Machado, como relator da Commissão de Poderes leu e mandou a mesa o seguinte: A commissão de poderes a quem foi apresentado o diploma do sr Firmino Rodrigues Silva, entende que estando em discussão o parecer sobre o diploma do sr. Francisco Diogo Pereira de Vasconcellos, se deve esperar pela aprovação da Casa201

Se a deputação anterior, de maioria conservadora, nutria profunda antipatia pelo

presidente da província em função do seu apoio cada vez maior aos liberais, a nova, que tomara

posse em 1846, mostrava-se extremamente disposta a cooperar com a Presidência. As Atas da

Assembléia deixam claro esse sentimento de empatia. Por exemplo, foi aprovado um

requerimento do deputado Faria e Castro que pedia a criação de uma comissão para redigir os

votos de graça ao novo presidente de forma “no qual se manifeste a mais sólida confiança que a

Assembléia deposita na sua administração, bem como o mais dedicado apoio, que esta decida a

prestar-lhe”.202 Para tanto, o deputado contou com a anuência irrestrita da casa legislativa.

Das deputações até aqui examinadas, essa parece ter sido uma das mas alinhadas com a

Presidência da Província. O orçamento sofreu varias emendas, a região do centro de Minas foi

muito beneficiada, vários pagamentos pendentes foram autorizados pela Assembléia. Além disso,

201 Idem. 202 Ata da Assembléia Legislativa Provincial Mineira. de 1846, Al 3/28 encad. 61, p.245.

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continuaram os investimentos em estradas. Nesse ano Assembléia votou várias comissões de

deputados para irem congratular-se com o presidente, em diversas ocasiões – o aniversário da

Imperatriz, o aniversário da Constituição do Império e também uma comissão para felicitá-lo pela

sua posse, já que anteriormente Quintiliano José da Silva era vice-presidente203 –, revelando uma

relação muito cordial com o Executivo.

Ainda em 1846, o presidente Quintiliano José da Silva informava em seu relatório que o

Imperador conheceria in loco todas as províncias do Império, devendo ir ao Sul em breve e talvez

passando por Minas Gerais. Fez questão de ressaltar que “O Monarcha observa pessoalmente o

Estado do Império, e fica habilitado parar remediar os males de seus fieis súditos”.204 Quando da

visita do Imperador à capital de Minas Gerais, ainda em 1846, a Assembléia votou uma comissão

de sete deputados para recepcioná-lo fora da cidade, fazendo questão de passar a imagem de uma

Assembléia unida.205 Falando a respeito do poder do Imperador, o presidente afirmava que “Huma

vontade superior aos partidos, terminando todas as discordias, abranda, e faz desapparecer o

terrível frenesi das facções, que tantos males nos tem causado”.206

Um ambiente de euforia se apossara da Assembléia Provincial. Compartilhando do

otimismo que cercou esta e a Presidência da província, o deputado Cônego Roussim comentava:

“Srs a actual administração tem desenvolvido um programa de sua política que é estabelecer a conciliação , e por isso não tendo tirado de suas posições a maior parte dos empregados (...) o governo não tem admitido a política de exclusivismo: tem conservado todo o pessoal que já empregado pelas administrações passadas (...)207

Pelo que se nota, nesse primeiro momento os liberais mineiros pareciam compartilhar das

intenções do governo central de pacificar as lutas partidárias. A conciliação, mesmo ainda não

203 Idem. 204 Falla dirigida á Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes na sessão ordinaria do anno de 1846, pelo presidente da provincia, Quintiliano José da Silva. Ouro Preto, Typ. Imparcial de B.X. Pinto de Sousa, 1846,http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/450/000004.html, em 18/11/2003, às 20:00. 205 Idem. 206 Falla dirigida á Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes na sessão ordinaria do anno de 1846, pelo presidente da provincia, Quintiliano José da Silva. Ouro Preto, Typ. Imparcial de B.X. Pinto de Sousa, 1846http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/450/000005.html em 18/11/2003, às 20:30. 207 Idem.

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sendo uma realidade plena, já era buscada e fazia parte do dicionário político do “qüinqüênio

liberal”. Ao mesmo os situacionistas afirmassem trabalhar pela concórdia dentro da província,

alegando não estarem promovendo perseguições ou expurgos, na prática, como visto, barravam o

acesso à Assembléia aos conservadores utilizando expedientes eleitorais duvidosos – nada que os

conservadores quando no poder não houvessem feito – e, claro, trabalhando com um corum

menor de deputados, justamente para não ter de chamar os suplentes conservadores.

A média de comparecimento às reuniões da Assembléia situava-se em torno de 19

deputados, mas o regimento da Casa exigia que fossem convocados 36. Na prática, na Legislatura

de 1846 a 1847, só tomaram posse 22 deputados. Desta maneira, se não existia exclusivismo no

tocante à distribuição dos cargos públicos provinciais, no que se refere ao centro decisório a

política consistia em manter os conservadores fora da Assembléia. Fica evidente que a reclamada

conciliação estava longe de se efetivar.

Entretanto, se de um lado o otimismo aumentava, outros problemas surgiam e

representavam sérios empecilhos para a administração. O presidente expressou em seu relatório

grandes preocupações quanto à organização das forças policiais dentro da Província. A respeito da

necessidade de aumentar-lhes o efetivo, observou que “Tendo-se recolhido à Corte do Império,

por ordem do Governo Imperial, a Força de Linha, que existia nessa Província, não temos hoje

para o serviço senão o Corpo Policial e as duas Companhias de Pedestres do Gequitinhonha e

Rio Doce”.208 Daí inferia o seguinte:

Tornando-se pois de maior urgência o augmento da Força Policial, devo declarar-vos que sobre sua organização a experiencia já deve ter convencido da necessidade de alguma reforma. O atual regulamento assim como esta, não pode contribuir para manter a disciplina do Corpo(...).209

Fica claro pelo fragmento acima que existiam duas preocupações: aumentar o efetivo

militar e tornar mais fortes os mecanismos disciplinares para evitar eventuais distúrbios na tropa.

Ele concluía:

208 Idem, http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/450/000011.html. 209 Idem, http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/450/000012.html.

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(...) e por que este tem necessariamente de ser augmentado, eu vos proponho a creação de huma Companhia de Cavallaria , e outra de Infantaria denominada de addidos, a primeira em atenção ás multiplicadas diligencias do serviço publico, que demandão o emprego de Praças de Cavallaria, e a segunda, que deve ser tudo sujeita aos Regulamentos do Exercito, afim de terem n´ella praça os indivíduos que não apresentarem os documentos de que trata o artigo 10º do Regulamento N. 6, assim como aquelles que, pertencendo á outras Companhias se mostrarem incorrigiveis por sua má conducta..210

Sentindo-se fortes e seguros, os deputados liberais na Assembléia Provincial em 1847

continuavam a agir com tranqüilidade e tocavam adiante seus projetos para Minas Gerais. Ao

mesmo tempo, na Assembléia Geral os liberais da Praia causavam prejuízos e perturbações sérias

dentro da Casa e já emergia no horizonte o confronto que envolveria o Trono, o Senado e a

Câmara dos Deputados por conta da eleição do líder da Praia, Chichorro da Gama.

As oscilações políticas não impediam, contudo a atenção para a infra-estrutura material da

província.Um dado importante que permite entrever a preocupação dos liberais com o

melhoramento dos meios de transporte, sobretudo estradas que pudessem ligar Minas Gerais aos

centros de poder político e econômico do País, foi a Indicação apresentada pelo deputado

Bandeira “para que se dirija a Assembléia Provincial do Rio de Janeiro uma representação

expondo a necessidade de fazerem-se construir a Estrada que segue do Parahybuna até a Cidade

de Petrópolis”.211 O deputado mineiro França Leite já demonstrara na Assembléia Geral os

malefícios da carência de infra-estrutura para a economia mineira e paulista:

A Província de Minas Gerais e o interior de São Paulo são sem duvidas os que ais soffrem pelas dificuldades do transporte (....) e por isso mesmo que offerecendo um transporte fácil, e de horas , por diminuto preço, faz com que as ricas produções possão chegar aos grandes mercados do Brazil e da Europa, sem sobrecarregados de grandes despezas. Eu lembro-me de um exemplo que me foi subministrado pelo nosso colega Sr. Ottoni. Disse-me ele que Minas Novas produzia uma grande abundancia de algodão da melhor qualidade, de cujo producto o paiz não tirava vantagem alguma porque a conducção para o Rio de janeiro era muito difficil, vindo os gastos com transporte, sem imbutir os gastos da produção a ser superiores ao preço que no mercado encontrava o mesmo gênero: aqui temos pois uma produção muito vantajosa perdida inteiramente no interior da Província por causa da falta de transporte.212

210 Idem. 211 Idem. 212 Annaes do parlamento Brazileiro. De Agora em diante APB. Câmara dos Srs. Deputados. Primeiro Anno daLegislatura, Sessão de 1847, Tomo Primeiro. Rio de Janeiro, Typografia de H. J. Pinto, 1880, pp. 23-24.

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Diante desses problemas e dos prejuízos que a falta de estradas provocava, a Assembléia

Provincial, juntamente com a Presidência, deveriam agir para diminuir os custos do transporte de

mercadorias aos centros consumidores. Novamente a Assembléia discutiu a continuidade da

Estrada Normal do Parahybuna, considerada de vital importância para a província, já que a ligava

à Corte no Rio de Janeiro; além disso, a via tornar-se-ia o meio pelo qual os produtores de café do

Vale do Paraibuna escoariam sua produção para os portos do Rio de Janeiro.

A volta dos liberais ao poder permitiu que algumas lideranças do movimento de 1842

pudessem retornar a vida política. Uma delas era Theofilo Benedicto Ottoni, que reapareceu na

Assembléia Provincial após longo período afastado. Como prova de seu revigorado prestígio, fora

nomeado, juntamente com alguns outros cidadãos, pela Assembléia Provincial para felicitar as SS.

MM. Imperiais pelo nascimento da Princesa Isabel. A designação partiu do Presidente da

Assembléia e contou com a anuência da mesma. Mesmo não sendo deputado, Theofilo Ottoni

contava com grande prestígio frente às demais lideranças liberais da província. Outra liderança, o

padre Antonio Marinho, havia conseguido se eleger deputado por Minas para a Assembléia Geral.

As relações entre Assembléia e Presidência continuavam amigáveis, mas embora toda a

deputação fosse composta por elementos ligados ao Partido Liberal, em 1847 surgiram algumas

dissensões. O deputado Joaquim Camillo de Britto, na sessão do dia 18 de março, fez chegar à

mesa uma declaração sua, na qual se manifestava contra as licenças administrativas concedidas

pela Assembléia a alguns “empregados públicos”. Segundo ele tais licenças foram:

Concedidas pela Assembléia por entender que elas se equivaliam a aposentadorias e “(...)1 por entender não estar nas raias das attribuições dos Corpos Legislativos Provinciais dar tais aposentadorias ou licenças, em face do que dispõe a Constituição política do Estado. 2 por não julgar conveniente nem justas tais dispensas , antes comprometterem granvemente o futuro financeiro da Província : injustas porque achando-se em idênticas circunstancias muitos outros Cidadãos pertencentes às classes dos agricultores e negociantes, nenhuma providencia se tem tomado para diminuir seu desgraçado futuro, sendo que estas classes concorrem poderosamente para a sustentação da sociedade. 213

213 Idem

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Pouco tempo depois, o mesmo deputado tornou a se pronunciar nos seguintes termos:

Eu abaixo assinado declaro que votei contra o Parecer da Comissão de Fazenda Provincial, que dava licença por tempo ilimitado à alguns Empregados Públicos: 1 por entender que licenças com tal caráter equivalem à aposentadorias, o direito de cuja a decretação não é liquido que pertença às Assembléias Provinciais. 2 por aumentar as despesas da Província. 3 por entender que os agraciados não estão em circunstancias de as merecer.214

Evidentemente, a atitude do legislador não significou uma grave crise política dentro da

Província, mas serve para ilustrar que a unidade de sua bancada não era tão sólida. Também

demonstra que os liberais em Minas não eram monolíticos, mas possuíam uma certa diversidade

de opiniões sobre gestão do Estado e comportamento político.

Também na Assembléia Geral o comportamento da Assembléia Provincial era

questionado pelo deputado conservador Carvalho, da província do Mato Grosso:

Sr. presidente, em 1843 a província de Minas Geraes decretou o imposto de 4$ por cada animal que entrava naquella província, em 1845 porém, o corpo legislativo, tomando em consideração a inconstitucionalidade de semelhante imposto, decretou a revogação (...) Mas sr. Presidente, não obstante esta decisão do corpo legislativo, continua o mesmo imposto terrível a parar sobre o commercio de duas províncias do império, Goyaz e mato Grosso, e porque? Porque a assembléia provincial de Minas Geraes entendeu que lhe era justo decretar um imposto já revogado e reconheccido inconstitucional pelo poder competente, uma vez que ele aparecesse debaixo de outro titulo e de outra denominação. O senado, na sessão do anno passado, tomando conhecimento dessa lei provincial mineira que contem essa disposição já revogada pelo corpo legislativo, adoptou e offereceu a consideração da câmara um projeto que tem por fim declarar o imposto de 4$ que ora apparece em uma outra lei provincial de Minas Geraes, esta comprehendido na revogação feita pela resolução de 4 de maio de 1845.215

O deputado Carvalho reclamava de um imposto que teoricamente já deveria ter sido

abolido e, no entanto, continuava em vigor na província de Minas Gerais, numa decisão unilateral

da Assembléia Provincial.

Também no parlamento nacional, o deputado conservador Manoel Junqueira criticava os

abusos cometidos pelos liberais em Minas Gerais, esforçando-se por mostrar que os

conservadores no poder não se excediam no exercício da autoridade – claro que tal afirmação

214 Idem 215 APB, 1847. p. 164-165

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deve ser problematizada. Para ilustrar o comportamento “tolerante” dos seus congêneres, o

congressista descreveu a seguinte situação:

(...) conversando com o ilustre general que o governo havia encarregado da pacificação da Província de Minas Gerais, como que indicando-lhe a marcha que ele deveria seguir nessa província, chegou a certo ponto quando o illustre general lhe disse que a commissão era honrosa, mas que era espinhosa, que elle havia de cumprir seus deveres; que se fosse recebido de armas na mão, seria forçado a repellir a agressão, mas que se o recebessem em paz elle os traria amigavelmente e não praticaria um só acto que provasse hostilidade a província .216

Ainda que padecendo de fissuras internas e sofrendo oposição dos conservadores na

Assembléia Geral, os liberais em Minas deram prosseguimento a uma estratégia de consolidação

do poder e reabilitação frente ao fracasso de 1842. O ponto alto desta linha de ação se deu pela

voz do deputado Salomé. Em 1846, existia um requerimento na Assembléia Provincial pedindo a

elevação do Arraial de Santa Luzia à condição de Vila. Discutindo tal projeto, o legislador

pronunciou-se desta arte:

Sr Presidente, vou mandar a Mesa huma pequena emenda sobre o primeiro artigo do Projecto: e lê a seguinte, aonde se lê nesse artigo Villa de Santa Luzia diga-se Villa Eterna de Santa Luzia. (...)Esse nobre deputado de certo quer dar bom testemunho sobre ao movimento que teve lugar em Santa Luzia em o memorável dia de 20 de Agosto de 1842 (...). Srs, quando os antios querião eternizar algum acontecimento memorial, levantavão-lhe um monumento e nós que devemos eternizar o maior acontecimento ocorrido nessa Província para encomendar à lembrança dos vindouros, não podendo agora o fazer de outra maneira, consegui-mo-lo por força de acto desta Assembléia que attesta nossa gratidão para com os briosos Mineiros, que não duvidarão de expor sua vida, e fortuna, appoiando-se numa força armada aos inimigos da Constituição e do Imperador (appoiado) (...) Já se foi o tempo em que a palavra Santa Luzia era pronunciada com horror, medo e repugnância: Já se foi o tempo em que por ella se designava tudo quanto de pior no Mundo, que era sinônimo de infâmia e perversidade. Hoje porém felizmente já nos achamos bem longe desse tempo (...) Hoje o nome de Santa Luzia se dá ao homem reconhecido partidista da nacionalidade Brasileira (appoiado) (...) Eu abraço meu aparte, porque Srs eu desejo perpetuar a memória do generoso movimento de 42.217

Do trecho acima pode-se extrair vários apontamentos. Parece que a bancada liberal

desfrutava então de um momento tão singular que não via motivos para esconder os

216 APB, 1847.P. p. 441 217Idem.

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acontecimentos de 1842. Eles não só se orgulhavam de sua participação na Revolução de 1842

como também faziam questão de redimi-la aos olhos da Nação; daí elevar-se o Arraial de Santa

Luzia a Villa, desmembrando o município de Sabará, e ainda por cima trocar-lhe o nome. Na

concepção do deputado Salomé, os eventos de 1842 serviram para distinguir os “inimigos da

Constituição”, no caso os conservadores, dos “partidistas da nacionalidade Brasileira”.

Talvez essa autodenominação visasse associar os conservadores ao elemento português ao

a qualquer outra coisa que não fosse legitimamente nacional. Se em outros momentos estes

haviam tentado se valer publicamente de seus feitos em 1842, agora os liberais, amparados pelos

sucessivos Ministérios na Corte, faziam questão de recordar que naquele ano alguns “briosos

Mineiros” não “duvidarão de expor sua vida e fortuna” em prol do Imperador e da Nação. Até

então apenas os conservadores invocavam seus mártires de 1842 para atestar patriotismo. A

“inversão” de 1844 não significou apenas uma mudança de direção ministerial, mas uma

oportunidade de redenção para os liberais mineiros. Tal projeto passava pela necessidade de

alterar aquilo que até aquele momento tinha sido o motivo de sua vergonha: Santa Luzia. Cumpre

recordar que os conservadores alcunhavam seus antípodas de Luzias justamente em alusão à

derrota que lhes impuseram naquele arraial.

Essa estratégia demandava a construção de “monumentos” que pudessem moldar a

memória coletiva à nova realidade do poder. Mais do que nunca, tratava-se de conseguir uma

vitória ideológica, de conquistar a hegemonia, de fazer com que 1842 não fosse mais lembrando

como o ano da grande derrota liberal, mais como um momento em que sacrifícios foram feitos em

nome do País. Tratava-se “de perpetuar a memória do generoso movimento de 42”. Ao que tudo

indica, esses deputados possuíam boa noção da importância de se construir símbolos e da

necessidade de moldar a memória nacional. 218

218 Tal artifício será empregado muitos anos depois, já depois da Proclamação da Republica. Os heróis republicanos foram heróis moldados segundo a natureza do novo regime político. É inevitável pensarmos o quanto determinados aparelhos de dominação são repetidamente usados ao longo dos séculos, sempre para “perpetuar a memória” dos vencedores. Sobre isso ver: CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas.

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Entretanto, a Assembléia discutiu longamente o nome mais apropriado para a nova Vila.

O deputado Catão, por exemplo, sugeriu que o nome fosse outro, tendo em vista que foi a pessoa

“(...) Augusta do Imperador que teve de lugar o Acto do Poder Moderador que mandou por fim

nas perseguições de que se fazião na Província”. Assim, em deferência ao Imperador, ele pedia

que a localidade fosse batizada não como Villa Eterna de Santa Luzia, mas como “Villa Nova da

Imperatriz”. Já outro deputado, o sr. Carvalho, propôs que o nome fosse “Villa Heróica de Santa

Luzia”. Estranhamente e sem mais explicações, a opção final foi pela manutenção da antiga

denominação.219

Talvez uma das razões do recuo liberal nessa questão tenha sido a forte oposição ainda

existente na esfera nacional. Se na província os deputados tentavam dar novo significado para

1842, no parlamento nacional os conservadores remanescentes travavam uma guerra para manter

o significado de rebelião do movimento. À frente dessa luta estava o deputado Manoel Junqueira,

que, discorrendo sobre 1842, discursava em referência aos liberais:

(...) as proposições que se lanção no meio da representação nacional contra uma maioria do paiz real que tantas provas tem dado de seu amor á ordem, de sua adhesão á sagrada pessoa do monarcha e a constituição que nos rege? Seria facção aquella porção de brasileiros que nos dias nefastos de 1842 se levantou como um só homem para chamar aos seus deveres os que ousarão levantar o estandarte da rebellião, e derramar o seangue de brazileiro nos campos de Venda Grande e Santa Luzia? Se isto é facção, declaro em alto bom som que pertenço a ela, mas um monarchista desta ordem, um monarchista sem tacha, não podia entregar ao olvido, para não dizer coisa, semelhante proposição. Querem tornar odiosa um porção de homens que desta casa e fora della têm constantemente sustentado as idéias ordem? Que tem concedido ao governo todos os meios de que te carecido para a marcha da aministração? Querem tornar odiosa a nós que com nossos esforços e a outros que com seu sangue e com seu dinheiro acudirão ao chamado do Throno quando o Throno precisava do auxilio de seus filhos? (...)”“(...) Nós, senhores, nos dias de perigo concorremos ao chamado do Throno; e nos dias de perigo(...) ainda nos levantamos para combater a esses que ousarão levantar o grito da rebellião em S. Paulo, em Minas , ou em qualquer outra província do Império.220

Afigura-se evidente que os conservadores tentavam a todo custo afirmar sua identidade em

torno da vitória no campo de Santa Luzia em 1842. Impunham-se como patriotas e partidários da

ordem e apresentavam-se como defensores do trono, proclamando-se monarquistas. Emblemático

219 APB, 1847.P. p. 441 220 APB, 1847. P. 443-444.

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foi o fato de o deputado referir-se à atuação dos conservadores em 1842 como ações de “filhos”

que prestavam auxílio ao “Throno”, reproduzindo uma relação filial entre os conservadores e o

monarca. Ainda nesse movimento de contra-ofensiva, outro congênere mineiro na Assembléia

Geral denunciava os abusos cometidos em sua província de origem, abusos estes que já estariam

se tornando “costumes” entre os liberais de todo o País:

Quando algum magistrado, por mais recto e inteligente que seja, não vai de acordo com os interesses dos grupos que em alguns lugares se ostentão defendores da política do governo, todas as intrigas, todas as calunias são por ellas empregadas para obter do governo a remoção desses magistrados; e quando as não obtêm, recorrem a um meio que vai se generalisando na província de Minas, consiste este meio em armar um processo ao magistrado por qualquer pretexto, pronuncia-lo, prende-lo e atribuir tudo a política, e ainda que os processos não tenhão de ir adiante, servem para vingar-se do magistrado, e apresentar ao governo como necessidade a remoção, porque se diz que o magistrado contra quem procederão não pode mais administrar justiça naquelle lugar (...)221

Nessa conjuntura de guerra entre os partidos, encontrar meios de remover magistrados

comprometidos com um ou outro lado era de fundamental importância. Rebatendo essa acusação,

o deputado pela Assembléia Geral, Antonio Marinho, que participara intensamente do movimento

em Minas em 1842, afirmava:

( ...) mas depois de se ter dissolvido previamente uma câmara, depois de se ter dado instruções contra todo o direito constitucional para a eleição de uma nova , depois de terem entregado o voto do cidadão á poeira, esses mesmo que hoje clamão pela expressão do voto, o que fizerão? Removerão, demittirão e nomearão para Minas um presidente que sabião ser um tição que se ia lançar á mina (...) Corremos para Barbacena, onde tínhamos mais forte apoio, e entendemos que já não para sustentar os direitos civis e a liberdade de voto, mas para garantir as nossas próprias vidas (appoiados), tínhamos necessidade de pegar e armas(...) Eu pertenço a um partido, esse partido comprometeu-se , e eu me comprometi com elle com tal fidelidade com tal convicção que tínhamos praticado um acto que por maneira nenhuma nos deshonrava (...)222

Vê-se que os liberais mineiros tentavam a todo o momento imputar aos seus inimigos a

responsabilidade pela conflagração de 1842. Além disso, alegavam que os conservadores quando

221 APB, 1847.P. 128 222 APB, 1847. P.675-676.

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no poder valiam-se dos mesmos métodos que ora criticavam. A Rebelião aparece aqui como um

ato destinado a salvaguardar a sobrevivência frente a um inimigo que ansiava em devorar sua

presa, em aniquilar totalmente o oponente. Por isso, Antonio Marinho não se sentia desonrado por

ter se insurgido.

Em síntese, durante o período ora examinado, liberais e conservadores buscaram

estratégias similares para se consolidar no poder em Minas Gerais. O biênio 1844-1845 foi

marcado pela hegemonia conservadora na Assembléia Provincial. Já a partir de 1846, tanto a

presidência da província quanto a deputação identificavam-se em maior ou menor grau com o

Partido Liberal. A oposição era representada por alguns conservadores que conseguiram se eleger

para a Assembléia Geral. Ainda nesse período, os liberais tentaram conferir novo significado à

Revolta de 1842, dando-lhe uma conotação de ato patriótico, buscando, além da sobrevivência

política, sua redenção frente à História.

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Capítulo 4 Forças Pendulares

Neste capítulo tratar-se-á da situação política em Minas Gerais a partir de 1848.

Observamos até agora uma dinâmica relação entre conservadores e liberais na Província, marcada

por constantes oscilações. Tais movimentos resultavam da necessidade constante de ligação entre

o poder central e lideranças provinciais. Estas, mesmo apoiadas pelo Rio de Janeiro, precisavam

estabelecer alianças dentro da Assembléia Provincial para viabilizar seu governo e implementar as

medidas propostas pelos Ministérios. A referência bibliográfica para os eventos históricos listados

é Francisco Iglesias, Vida Política, 1848-1868.

Pelas informações coletadas, a Assembléia Provincial de Minas Gerais não atuava segundo

o que eventualmente constituiria o ideário teórico dos partidos que a compunham. Na verdade, ao

mesmo tempo que alguns deputados demonstravam conhecimentos profundos sobre a situação

política da Europa e os principais teóricos do liberalismo; outros seguiam uma lógica pragmática,

buscando agradar suas clientelas no interior da província e, simultaneamente, conciliar os

interesses provinciais com os interesses partidários.

Também afigura-se evidente que, após a presidência do general Soares de Andréia, a

província de Minas passou a ser governada por administrações comprometidas com o Partido

Liberal, as quais mobilizaram a máquina eleitoral para eleger deputações favoráveis. Nesse

período, percebe-se uma clara tentativa dos liberais mineiros de conferir novo significado ao

movimento de 1842, pois muitos entendiam que a hegemonia política só seria possível a partir de

uma releitura desse acontecimento, desqualificando a tese de “rebelião” e dando-lhe uma

conotação patriótica.

Neste capítulo será exposta a subseqüente reação conservadora, não só no âmbito da

Província, como é natural, mas também a nível nacional. Demonstraremos os elos entre ambas as

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esferas e suas conseqüências para a construção de um projeto que inseria Minas Gerais,

juntamente com as demais províncias, na construção do Estado-Nação Brasileiro.

4.1 – O Naufrágio

Em 1848, os liberais em todo o País sofreram um duro revês. Houve uma nova inversão

Ministerial e o Gabinete anunciado pelo Imperador foi composto por conservadores. Era o

Gabinete de 29 de setembro, cuja liderança era ocupada por homens como Visconde de Olinda –

Presidente do Conselho – e Euzébio de Queiroz na pasta da Justiça. Nas Assembléias Provinciais,

os liberais perderam seu esteio ministerial.

O novo presidente da província, Bernadino José de Queiroga, tomara posse em 04 de

novembro 1848. Ao assumir reconheceu a complexidade da situação, pois se tratava da “mais

populosa e importante província do Império”.223 Na nova conjuntura, em que cada vez mais a

cafeicultura despontava como fonte de riqueza, o presidente voltou suas atenções para a questão

das estradas. De acordo com o relatório, a principal estrada de Minas Gerais, a Estrada do

Parahibuna, consumia 9:500U rs dos recursos provinciais.224 Mas na perspectiva do presidente era

necessário fazer mais. Para tanto, ele explicou aos deputados que:

A facilidade de communicação da província entre si com os principais mercados de suas producções, sendo essencial ao desenvolvimento de sua riqueza e população, constitue uma necessidade geralmente sentida, e que sempre mereceo o cuidado e os desvelos dos legisladores Mineiros(...).225

As relações entre Assembléia Provincial e Assembléia Geral, ao que tudo indica, não eram

as melhores. A mudança de Gabinete proporcionou aos conservadores ampla maioria na segunda.

Isso provocou grande descontentamento para o governo em Minas Gerais. Um projeto de

223 Falla dirigida á Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes na sessão ordinaria do anno de 1849 pelo presidente da provincia, José Idelfonso de Sousa Ramos. Ouro Preto, Typ. Imp. de B.X.P. de Souza, 1849. (http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/453/000003.html). Dia 08/10/04 16:00 224 http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/453/000013.html 08/10 16:40 225 Idem, (...) http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/453/000011.html 08/10 16:15

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“Felicitação ao Corpo Legislativo pela sua atual reunião” aparentemente sofria algum tipo de

oposição, sendo sua votação continuamente adiada. O requerimento foi apresentado pelo liberal

deputado B. Machado, no dia 14 de agosto de 1848, e dizia o seguinte: “Requerimento N 3:

Requeiro que se nomeie com urgência uma Commissão Especial afim de redigir uma Felicitação

a Assembléia Geral Legislativa pela sua presente reunião”. Por fim, o projeto foi votado no dia

25 de agosto de 1848, mas foi umas das votações mais tumultuadas da Assembléia até então. Os

deputados conservadores, Negreiros e Gouvêa, em uma manobra interessante, encaminharam à

mesa um pedido para que a votação fosse nominal, no que foram atendidos. Vinte e dois

deputados (incluindo o presidente) votaram a favor e três votaram contra. A fim de registrar seu

descontentamento, o deputado Negreiros apresentou a seguinte declaração:

Declaração de Voto: Declaro que votei contra o Projeto de Felicitação não simplesmente pelo motivo da Reunião da Assembléia Geral, sempre grata e esperançosa, mas sim pelo motivo de estar ela Confeccionando certas de determinadas Leis.226

Não ficou claro que leis ora em votação pela Assembléia Geral tanto incomodavam o

deputado, mas é certo que os liberais no Parlamento já haviam começado a passar por um período

de instabilidade grave. Em março o Ministério presidido por Manuel Alves Branco foi substituído

pelo do Visconde de Macaé. Este, porém, mostrou-se efêmero e caiu, pois perdera toda sua

sustentação na Câmara, sendo logo sucedido pelo Ministério de 31 de maio, último suspiro do

governo liberal.

Entretanto, em Minas Gerais os liberais ainda detinham o domínio da máquina eleitoral.

Comparando os três deputados mais votados para a Assembléia Geral pelo Partido Liberal com os

dois nomes mais votados para Assembléia Geral pelo Partido Conservador temos227:

Deputados Liberais por Minas Gerais mais votados: José Dias de Carvalho – 837 votos José Antonio Marinho – 827 votos Theofilo Ottoni – 803 Votos Deputados Conservadores por Minas Gerais mais votados: 226 APB, 1848, P.22.. 227 APB, 1848.P 19

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Francisco Digo Pereira Vasconcellos – 402 votos Antonio Jose Monteiro de Barros – 370 votos.

Era possível perceber que o prestígio dos chefes liberais dentro da província continuava em

alta. Theofilo Ottoni obteve quase o dobro dos votos de um dos maiores expoentes conservadores

em Minas: Francisco Digo Pereira Vasconcellos. Evidentemente, boa parte desse resultado deve

ser vista na ótica de um processo eleitoral viciado, em que a cooptação era prática comum.

Entretanto, percebe-se que o controle da administração ainda pertencia aos liberais.

Os liberais mineiros passaram à ofensiva dentro do parlamento nacional, convocando sua

bancada a permanecer unida e dar sustentação ao Gabinete Liberal que estava no poder. O

deputado Antonio Marinho assim exortava os deputados: “Para que o Systema representativo se

torne realidade, considero da maior urgência, da maior necessidade, publicar uma lei de reforma

judiciária e outra de incompatibilidades. Eis aqui meus senhores uma que cumpre extremar a

maioria e minoria”.228 Antonio Marinho conclamava os correligionários a cerrarem fileiras para

“realizar o pensamento liberal”,229 e para tanto ele próprio tentava adotar um discurso menos

beligerante e reformista. Outro mineiro, Christiano Ottoni, continuava em guerra contra a

deputação conservadora. Suas críticas asseveram:

(...) Desde a decretação do acto adiconal alguns cidadãos que se tinhão opposto a esta reforma, e não a aceitarão francamente , escreverão no programa do seu partido a necessidade de o modificar, restringindo as franquezas concedidads ás provincias. O systema de restringir as attribuições das assembléias provinciaes tem sido constante, e tem o seu castello forte no conselho de estado; não há expressão , clausula, ou phrase do acto adicional que não procure interpretar no sentido de restringir essas atribuições.230

O trecho permite observar aquilo que a historiografia já apontou em outros momentos: os

conservadores estavam empenhados em limitar as atribuições das Assembléias Provinciais. O

deputado concluiu:

228 APB, 1848. P. 104. 229 Idem, 159. 230 Idem, p.115-116.

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É oppinião corrente no partido político representado pelo lado da câmara que reputo nosso adversário, que convém estabelecer por uma lei quaes os casos em que o poder executivo geral poderá suspender a execução das leis provinciaes; estes senhores te sustentado que o poder legislativo geral pode decretar essa lei, entretanto ella é evidentemente anti-constitucional. O acto adicional arca os casos únicos em que o poder legislativo poderá revogar os actos das assembléias provinciaes e concede ao poder executivo a faculdade de mandar executar as leis provinciaes ainda não sancionadas, mas em hyppotese nenhuma permite que suspenda a sua execução.231

Percebe-se pelo discurso que o deputado tentava retomar o significado do Ato Adicional:

sua ênfase recaía sobre o reforço da autoridade das Assembléias Provinciais. Para ele era

inadmissível que o poder legislativo central anulasse costumeiramente as leis locais. Seu ataque

dirigia-se sobretudo contra as idéias centralistas patrocinadas pelos conservadores. Pensando na

realidade de Minas, Gerais Christiano Ottoni suspeitava que o próprio movimento de 1842

houvesse sido incentivado pelos conservadores, dentro e fora da província, com o fim de aniquilar

com as premissas do Partido Liberal. Para ele:

(...)o ministério de 28 de Março não só não prevenio os movimentos de 1842, como ate provocou e chamou com seus actos guerra civil. E o que se conclui da declaração do ex-ministro da guerra desse ministério, porque dizendo que um anno antes sabia do projecto desses movimentos com todas as suas particularidades, com tudo nada fez, ao tomou medidas preventivas, não pedio á assembléia que habilitasse com os meios necessários, cruzou os braços, e depois disse – desprezei todas as leis porque a salvação publicassem o exigia! (...).232

O deputado praticamente sugeriu que a Revolução de 1842 foi, antes de mais nada, fruto

de uma provocação dos conservadores. Provocação que objetivava conduzir os liberais a uma

situação de guerra.

O ministério parece que desejava que apparecessem esses movimentos para ter ocasião de esmagar seus contrários, e de proprosito não quis tomar medidas preventivas. Quando no senado se disse a esse ex-ministro, segundo elle affirma, que tomasse cuidado, que visse se precisava de mais força, se precisava de outros meios; ele respondeu que não precisava, que as leis lhe davão meios sufficientes para poder vencer a rebellião; mas, depois, accusado de ter calcado aos pés todas as leis, satisfez-se com dizer que não lhe bastarão os meios legaes! Não é bem claro o intento de provocar a guerra civil? Guardou-se o segredo de que o ministério estava ao facto da conspiração, para que não a desanimassem os conspiradores, para que sahisse a campo e fossem esmagados.233

231 Idem, 232 Idem, 233 Idem, p. 27.

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No campo oposto, o deputado mineiro Francisco Diogo Pereira Vasconcellos defendia os

conservadores mineiros e a ação do governo na repressão ao movimento de 1842. Sua defesa

baseava-se no fato de que nem toda a província aderira à revolta e muitos tomaram o partido do

governo. Segundo ele:

(...) admira-se que se diga que foi a província inteira que se sublevou, quando em muito lugares os briosos guardas nacionaes leaes ao seu juramento, repellirão as forças do partido que então se insurgio. Em muitos lugares da província de Minas correu sangue mineiro, não porque a legalidade provocasse combates, mas porque era provocada para os aceitar. Não houverào em 1842 muitos sacrifícios generosos da parte dos mineiros? Quantos cidadãos não fizerão consideráreis donativos em dinheiro? Quantos não abandonarão suas propriedades para marcharem para o capo de batalha?234

O deputado Francisco Diogo Pereira Vasconcellos prosseguiu na exposição daquilo que

julgava uma série de crimes cometidos pelos liberais ao assumirem o controle de Minas Gerais em

1844:

Passando a examinar as violações da lei que partirão da presidência, diz que pode-se fazer juízo do estado da sua província, sabendo que em 1844 todas as autoridades policiaes forão demittidas, desde a mais graduada até a ultima, quase todos os officiaes da guarda nacional, os collectores das rendas publicas, etc., etc.... removidos quase todos os juizes de direito e juizes municiapes, e que estes empregos forão coinfiados aos mais violentos agentes do movimento de 10 de Junho. Não se satisfizerão porém com isto; o presidente da província não querendo achar tropeços em lei alguma, começou por demittir o oficial-maior da secretaria da presidência, demissão que pouco depois foi seguida de outra de um official da secretaria. Talvez se diga que não há nada mais ordinário do que demittir-se um offficial de secretaria em que o governo não confia, mas nota que na província de Minas há uma lei que prohibe a demissão destes officiaes (...).235

Percebe-se pelo trecho acima uma séria divergência entre o testemunho do deputado em

relação às declarações da bancada liberal ao longo do período 1844-1848. Esta insistia que não

havia promovido nenhum tipo de perseguição ou demissão arbitrária. Entretanto, o relato afirma

que até funcionários cujos cargos deveriam ser garantidos por lei, como o caso do oficial da

secretaria – lembremos que esse cargo foi criado pelo ex-presidente de Minas, o conservador

Soares de Andréia, objetivando garantir uma maior centralização da burocracia provincial –,

foram sumariamente demitidos. Não se pretende entrar no mérito partidário, mas demonstrar que

234 Idem, p.28. 235 Idem, p. 44.

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tanto liberais como conservadores não se prendiam a determinados aspectos legais. O importante

para a boa parte dos componentes desses grupos era a manutenção do poder e da governabilidade.

As reclamações públicas contra eventuais desvios de conduta de seus adversários visavam acima

de tudo encenar uma peça, onde o sistema representativo era viciado pela corrupção da burocracia

e do processo eleitoral.

Além dos debates que envolviam corrupção e uso indevido do direito de nomear ou

demitir funcionários, os deputados dessa legislatura provincial, assim como os de outras, também

se preocupavam com problemas de infra-estrutura e gastos com estradas. Como já foi referido,

estas eram de extrema importância o presidente da província de Minas. Ele comentava estarem

todos convencidos “(...) de que o objeto do mais vital interesse para um Paíz, é a facilidade das

communicações entre suas diversas povoações”.236 O presidente também se preocupava com a

atividade agrícola e questões que envolviam a regulamentação do sistema financeiro e da posse de

terras. Segundo ele: “Creio também que uma Lei sobre Sesmarias, e a abolição de alguns

privilégios, que só tem servido para animar a fraude, unida a instituição de Bancos deverião

concorrer para muito augmentar nossa lavoura, melhorar nossos productos, e por conseguinte

os nossos interesses”.237 É interessante notar que esse comentário foi feito em 1848. Em 1850 a

Assembléia Geral regulamentou o acesso à terra com a Lei nº 601, de 4 de setembro do mesmo

ano – conhecida como a Lei de Terras –, que representou a primeira tentativa no Brasil

independente criar parâmetros claros para a posse da terra. Essa lei acabou sofrendo forte

embargo de parcelas significativas dos fazendeiros que sentiam-se prejudicados de alguma forma.

Outro dispositivo criado que também atendia as reclamações do presidente foi a Lei nº 556. de 25

de Junho de 1850. Esta criava o Código Comercial, no intento de regulamentar a ação dos

comerciantes e banqueiros, tornando o mercado interno mais estável, ao menos sob o ponto de

vista jurídico.

236 Fala dirigida à Assembléia Provincial de Minas Gerais no ano de 1848. Presidente: Bernadino José de Queiroga. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/452/000017.html, dia 08/04/2004, às 21:50. 237 Idem. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/452/000015.html dia 11/05/2004, às 17:12.

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A deputação liberal na província de Minas Gerais continuava a enfrentar problemas, não

apenas com relação à volta dos conservadores, mas também sérias dissensões em suas fileiras. O

deputado Negreiros teve um sério atrito com o restante da bancada liberal. O motivo era o projeto

número 31 da Comissão de Poderes, para que fosse dirigida uma representação aos “Supremos

Poderes do Estado” pedindo a reforma do Artigo 40 da Constituição, que tratava dos limites das

Assembléias Províncias, pois dizia que somente a Assembléia Geral e o Senado poderiam fazer

modificações em projetos de lei. Um segundo ponto de discórdia foi o parecer Nº 87, o qual

solicitava a “verdadeira” interpretação do art. 61 da Constituição, que fixava o número de 116

deputados para a Assembléia Geral. Negreiros acreditava que não se devia enviar “representação

alguma”. A discussão foi encaminhada da seguinte forma: o deputado Negreiros pediu que a

votação fosse nominal. Primeiro foi votado o parecer nº 31, com vinte votos a favor, incluindo o

do próprio, e sete contra. Quanto ao parecer nº 87, a votação foi de vinte e um a favor e oito

contra, incluindo Negreiros. Os perdedores deste segundo pleito encaminharam e entregaram uma

declaração em que demonstravam todo o seu descontentamento.

A Assembléia Provincial de Minas Gerais demonstrou ter um entendimento próprio sobre

liberdade, confeccionando uma lei que prejudicava os interesses das nações contrárias à

escravidão. No dia 25 de setembro de 1848, a referida instituição aprovou um artigo aditivo do

deputado Leão que dizia o seguinte: “Fica creada (...) uma imposição de 2 /-/ 000 sobre Escravos

comprados ou alugados por Estrangeiros não naturalizados residentes na Província pertencente

aquelas Nações que se ocupão da abolição da Escravatura.”238 Embora não fosse atribuição da

Assembléia regular a questão do tráfico negreiro, os deputados liberais mostraram-se irritados

com a crescente pressão inglesa pela extinção do mesmo. Isso explica esse novo imposto que

penalizaria justamente aqueles que de alguma forma estavam ligados à Inglaterra ou a qualquer

outra nação que pressionasse o Império pelo fim do tráfico. Fazia-se sentir no âmbito provincial

todo o descontentamento que a abolição e as crescentes pressões externas podiam causar, o que

238 AALPMG de 1848, p. 231.

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revela a sintonia então existente entre os assuntos regionais e os nacionais. O presidente

Bernadino José de Queiroga reconhecia que sem a escravidão a província passaria por inúmeras

crises. Referindo-se a uma pequena rebelião de escravos ocorrida no Distrito de Baependy e São

Tomé das Letras do Termo de Baependy, o presidente informava que a situação estava sobre

controle, porém fazia a seguinte advertência:

Não obstante porém o que fica dito cumpre que não estejamos desprevinidos: a nossa lavoura é toda mantida por braços escravos; e se o numero d´estes em augmento, se os abolicionistas continuarem em seus projetos, ao passo que não for promovida com afinco a colonização Européia, nós estaremos sobre um formidável volcão.239

Nestes anos observa-se uma tentativa de reação dos liberais em Minas Gerais, frente ao

avanço dos conservadores na Corte. Os primeiros tornaram-se praticantes dos mesmos

expedientes de manipulação da máquina pública dos quais os segundos eram acusados durante

suas gestões. Temas como escravidão, reforma agrária, atividades bancárias e agricultura estavam

nas pautas de debates e ocasionalmente transcendiam o alcance da Assembléia Provincial, o que

não impedia que o presidente e os deputados emitissem opiniões e até mesmo legislassem sobre

essas questões. Encerrando-se o ano de 1848, os liberais mineiros sofriam uma dupla desilusão:

perdiam o necessário apoio dos ministérios e viam outra revolta liberal, a Praieira, fracassar.

4.2 A Retomada Conservadora

Já em 1849 a retomada conservadora na Corte parecia irreversível. Um novo presidente foi

enviado a Minas Gerais. A deputação empossada nesse ano ainda contava com alguns

remanescentes liberais. Logo que assumiu, a bancada destes passou a fazer uma série de

questionamentos ao presidente. Assim que os trabalhos foram iniciados, os deputados revelaram

firme disposição para investigar determinas demissões de delegados de polícia e eleições de

Juízes de Paz, conforme demonstram os dois requerimentos expostos abaixo:

239 http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/452/000005.html , dia 11/05 de 2004, hora 16:25

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Requerimento N 1: Requeiro que se peça a Exma Presidência da Província um quadro das demissões e nomeações havidas entre 1844 a 1848 dos Cargos de Delegados e Subdelegados de Policia com declaração das épocas em que forão efectuadas. Outro sim das alterações havidas durante o mesmo período na lista dos substitutos dos Juízes Municipais e dos Órfãos.” (20 de agosto de 1849, deputado Teixeira)240 Requerimento N 2: Requeiro que se peça ao Governo uma relação nominal de todos os Juízes de Paz ultimamente eleitos com declaração dos Distritos e Municípios a que pertencem” (20 de agosto de 1849, deputado Jose Augusto)241

Surgiram mais requerimentos questionando o governo sobre a demissão de “colletores”,

pedindo uma lista dos “demitidos e nomeados”, bem como a relação de distritos e municípios

onde os liberais sofreram maiores derrotas. Questionou-se muito as eleições de vários Juízes de

Paz, principalmente no intervalo entre 1848/1849.

No Parlamento presenciou-se a bancada conservadora de Minas Gerais apoiar

ostensivamente o novo presidente, José Idelfonso de Sousa Ramos. Este, ainda como deputado na

Assembléia Geral, tecera então severas críticas às administrações liberais na província. Segundo

ele, o comportamento da deputação liberal na Assembléia Provincial mineira e dos sucessivos

presidentes nomeados pelos gabinetes liberais foi desastroso porque:

A administração da província de Minas Gerias é accusada ali de haver exercido uma ditadura infreme, e por meio da violência, do terror, da ameaça ter conquistado o voto da província. Da analyse dos factos se verá, Sr. Presidente , que nenhum se apresenta que prove semelhante asserção. (...) Achava-se reunida a Assembléia Província nos dias que se succederão a 29 de Setembro ; de todos os meios se lançou mão afim de por tropeços, embaração insuperáveis à marcha da administração. (Muitos apoiados) Aquella Assembléia que na mesma sessão havia reconhecido a sua incompetência para legislar sobre a guarda nacional, logo depois se julgou autorisada para fazer vitalícios todos os postos. (Apoiados) Os empregados públicos que ate a classe de administrador de barreira forão julgados vitalícios, e, que mais doe, os recursos da província que só devião ser applicados para sua prosperidade, forão estragados acintamente. (Muitos apoiados) Quase todas as verbas do orçamento forão esgotadas e 4 meses do anno financeiro; contractos prejudiciaes se improvisarão, carregando um déficit (...) os que assim procederão voltarão para suas casas fazendo alarde de haverem posto o governo e circunstancias de não ter 10$ para despender.242

240 AALPMG de 1849, p. 255. 241 Idem. 242 APB, 1849. P.26

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A grande crítica de Sousa Ramos repousava na tentativa da Assembléia Provincial de

legislar sobre a Guarda Nacional. Em relação a esta, os conservadores reconduzidos ao poder não

tolerariam esse tipo de atitude das Assembléias Provinciais. Esse incidente (conforme mais tarde

se verá) será sempre lembrado como uma tentativa de usurpação das atribuições do poder central.

Os liberais, diante da iminência de deixar o poder, praticaram a política de “terra

arrasada”, consumindo as rendas provinciais, para que a próxima administração não tivesse

recursos e entrasse em colapso. Segue-se outra acusação grave do deputado Sousa Ramos:

“Logo depois (...) tiverão os desastrosos acontecimentos da província de Pernambuco. Ninguém ignora que o partido da opposição na Província de Minas Geraes applaudio a revolta (muitos apoiados), procurou por todos os meios agitar a população (apoiados). Eu não poderei deixar de trazer a lembrança da câmara que o administrador da província de Minas Geraes se viu a braços constantemente com uma opposicão que lhe declarava guerra, e guerra de morte, qualquer que fosse seu procedimento, mesmo antes de aparecerem seus actos (...)”243

Novamente os liberais mineiros foram retoricamente envolvidos em mais uma revolta.

Embora a Praieira tivesse ligações diretas com Minas Gerais, Souza Ramos sugeria que os

mesmos estavam dispostos a apoiar mais esse movimento de oposição à Corte e, e além disso,

teriam tentado obstruir ao máximo a ação do novo presidente indicado em fins de 1848 e de seu

sucessor Dias de Carvalho, ambos do Partido Conservador.

No parlamento, muitos deputados liberais acusavam seus adversários de fraudar o processo

eleitoral: as críticas às eleições de Minas Gerais foram muito severas, emitindo-se várias

representações contra o processo eleitoral, o que provocou a seguinte reação do deputado

Francisco Diogo Pereira Vasconcellos:

Eu sinto muito que nesta casa não esteja alguns dos representantes, porque eu queria convencel-o aqui , eu o queria fazer retractar, assim como consegui que se retratasse a assembléia provincial de Minas Geraes, retirando uma representação que era em tudo semelhante a essa (...) A paixão cega aos representantes a um ponto tal , sr. Presidente, que elles ate esquecem das

243 Idem.

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regras as mais ordinárias das convenciencias e do decoro , elles ofendem a cada passo o bom senso nesta representação.244

Ao que tudo indica, na própria Assembléia Provincial de Minas Gerais teriam surgido

críticas à lisura do processo eleitoral. A mesma casa legislativa emitiu algumas representações

questionando as eleições, movimento seguido por parte da bancada liberal na Assembléia Geral.

Tais representações, segundo Vasconcellos seriam, além de absurdas, ofensivas ao decoro

parlamentar.

Apresentando as razões que levaram os conservadores a obterem maioria, tanto na

Assembléia Provincial de Minas quanto na sua representação na Câmara, o mesmo deputado

afirmou:

Eu creio, sr. Presidente, que se os illustres representantes consultassem seus antecedentes, seu procedimento, teriam em si mesmos satisfactoria explicação da tremenda derrota que a opinião publica lhes deu em Minas. Os artigos incendiários que ali apparecerão, os Timandros que ali se espalharão e a que se deu uma divulgação extraordinária, as epigraphes de – abaixo a centralização, viva a confederação das províncias; - as sympathias que confessão ter pelos desgraçados de Pernambuco, são sem duvida as causas que contribuirão para que a província de Minas os excluísse deste recinto, esses homens que tinhão faltado a todos os seus compromissos, a todas as suas promessas mais sagradas (...).245

Para Francisco Diogo Pereira Vasconcellos, o que trouxe a derrota aos liberais foram suas

posições contra a centralização proposta pelos saquaremas, sua adesão – ainda que simbólica – ao

movimento Pernambucano e sua apaixonada defesa do federalismo, avaliado como confederação.

Não é proposta deste trabalho lidar com a questão do federalismo no oitocentos brasileiro, mas

pode-se supor que toda a rejeição sofrida pelos liberais nas urnas não tenha como única causa

questões referentes à centralização e descentralização. As possibilidades que surgem são

inúmeras, desde a simples corrupção eleitoral até questões de cunho ideológico e de organização

política.

244 APB, 1849. P. 32 245 Idem, p. 32-33.

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O ano de 1850 foi importantíssimo na trajetória conservadora. Foi o ano em que os

conservadores voltaram efetivamente a comandar a Província de Minas Gerais e, na Assembléia

Geral, consolidaram sua hegemonia. As eleições provinciais de 1849 deram-lhes na província uma

esmagadora vitória. Seu retorno ao poder significava a oportunidade de desmontar as

modificações introduzidas pelos liberais na burocracia da província ao longo do qüinqüênio,

demitindo funcionários ligados à antiga gestão, removendo juízes, enfim dando à situação

conservadora condições de governabilidade.

O novo presidente, Alexandre Joaquim Siqueira, em seu relatório apresentado na sessão

extraordinária da Assembléia, ressaltava para a bancada conservadora que:

Sendo urgente a necessidade de habilitar-se o governo com os convenientes meios para bem reger a província, e havendo a Assembléia Provincial em sua ultima reunião confeccionado Leis calculadamente meditadas para embaraçar a marcha regular da Administração, pelo que tiverão de (...) força foi que meu Antecessor vos convocasse extraordinariamente para reverdes essas preposições, ‘as quaes um ligeiro exame basta, para as convencer que à ellas não presidira o espírito consciencioso do Legislador.246

Ao que tudo indica, os liberais, sabendo que seriam batidos nas eleições de 1849, adotaram

uma estratégia de terra arrasada. Pelo regimento anterior da Assembléia, os deputados só

deveriam se reunir em julho. Entretanto, a urgência pedida pelo novo presidente fez com que já

em março fosse convocada uma sessão extraordinária. Observa-se que o mandatário fez questão

de nomear novos funcionários para cargos de confiança dentro da província, demitindo aqueles

que não detinham a cor política do partido que agora retornava ao poder. Isso é verdadeiro na

medida em que o próprio presidente admitia que:

Achão-se nomeados os 276 substitutos dos 46 Juízes Municipaes e de Orphãos da Província os quaes tem de funccionar no quatriênio p. f. D`eles não conheço pessoalmente a quase totalidade. Declaro-vos porém solemnemente, que esforcei-me por colher informações que me habilitassem a nomear indivíduos, que, sobre terem dado provas de) sua adhesão a actual forma do Governo compenetrassem bem da santidade das attribuições que a lei lhes confere, administrando justiça imparcial e inteira.247

246 Relatorio do presidente da provincia de Minas Geraes, o ill.mo e ex.mo dr. Alexandre Joaquim de Siqueira, na abertura da sessão extraordinaria da Assembléa Legislativa Provincial no dia 25 de março de 1850. Ouro Preto, Typ. Social, 1850. (http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/454/000004.html)( http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/454/000005.html 247 Idem, (http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/454/000009.html, http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/454/000010.html

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Também em seu relatório o presidente não se constrangeu em demonstrar alegria frente à

nova situação. Mais do que nunca os conservadores consolidavam uma posição confortável no

cenário político nacional. Citando uma mensagem que a Assembléia havia recebido do Ministro

do Império, ele disse: “O Ministério de 29 de Setembro, asteou a bandeira da Justiça e da

Tolerância para com todos os brasileiros, tem sido defendido e susntentado por todos sos amigos

da verdadeira liberdade, da pax e da ordem publica.”248�

Não obstante, a vantagem dos saquaremas em todos os setores da política nacional não

significava que eles poderiam baixar a guarda. A oposição na Assembléia Geral continuava

questionando as eleições em Minas Gerais. Eram necessários constantes esforços para legitimar a

maioria obtida na província no pleito anterior. O deputado Inácio Joaquim Barbosa lembrava aos

seus colegas que:

Aproveitarei esta occasião para protestar contra uma proposição do Sr.deputado pela Província do Pará, quando disse que não era crível que na província de Minas Geraes, cuja máxima parte pertence ao grande partido liberal, houvesse uma eleição livre sem que esse grande partido tivesse dado um só representante...!(...) Mas se o nobre deputado quizesse dar-se ao trabalho de esmerilhar um pouco os factos convercer-se-hia facilmente de que o partido que sustenta o governo, se não é não o que ais grita e Minas, e se não é o que se apresenta mais violento, é seguramente aquelle que é mais forte pelas sympathias da população.249

É interessante notar que, para esse deputado, não foi a violência que deu aos

conservadores a maioria dos votos, mas a simpatia da qual o Partido Conservador dispunha junto

aos eleitores. E continuou dizendo:

A prova disso poderia o nobre deputado encontrar facilmente, lembrando-se que o tal partido chamado liberal (apoiados.) (titulo usurpado, mas com elle esta habituado a assim appellidar-se e eu não quero dar grande importância a questões de palavras, chamai-o hei liberal), partido que elle supõe dominar a maxima parte dos habitantes de Minas, e ter alli maioria, nunca pode dar um representante quando esteve fora do poder. Este facto fala muito mais alto (apoiados.) (...) Se o nobre deputado quizesse recordar também das eleições de 1847, quando estávamos inteiramente fora do poder, sem termos um empregado de policia a nosso favor, um meirinho, um porteiro de câmara sequer, se estarmos arregimentados, veria que pela votação espontânea da província de Minas tivemos ainda um terço dos votos dos eleitores que concorrerão á eleição (...)250

248 http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u248/000012.html 249 APB, 1850. P. 140. 250 Idem,

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A questão dos conservadores serem maioria tanto na Assembléia Provincial mineira

quanto no parlamento nacional foi alvo constante de críticas da bancada liberal em ambas as

casas. No parlamento, tomando a defesa da causa saquarema, o deputado mineiro Pereira da Silva

tratou de explicar em pormenores porque os liberais não estavam em maioria:

Mas disse o nobre membro, porque é que não vierão opposicionistas para a actual câmara? O honrado membro sabe melhor do que ninguém que o motivo porque o paiz não mandou representantes da sua opinião.O partido do nobre deputado entrou no poder em 1844, para sustentar certas idéias políticas pegou me armas em 1842 em Minas e em S. Paulo, e declarou no seu manifesto que isto praticava para obter a revogação de certas leis inconstitucionaes como a lei do conselho de estado, a da interpretação do acto addicional, e a lei de 3 de Dezembro de 1841; entretanto subio em 1844 para o poder, e durante todo o tempo em que esteve nelle não tratou de revogar estas leis por amor das quaes fizerão uma rebelião.

Podemos observar pelo trecho acima que para o deputado Pereira e Silva os liberais não

tiveram capacidade de articulação para desfazer as reformas conservadoras, o que conferia ainda

mais legitimidade ao aprofundamento das mesmas. Ele completou dizendo:

(...) esquecerão-se nas doçuras do poder dquellas ideas que na opposição havião abraçado, que aconteceu foi cahirem em 1848 desmoralisados, todos os homens moderados que tinhão acopnhado esse governo como elemento de ordem, o abandonarão, elles se acharão sós no paiz e para ainda mais se desacreditarem pegarão em armas em Pernambuco em favor da Idea de uma assembléia constituinte, isto é, de ua idéia contraria as instituiçòes do paiz. E Minas estabelecerão por lei a vitaliciedade dos postos da guarda nacional, distribuirão em contractos todo o dinheiro dos cofres públicos para o fim de tirarem aos seus sucessores os elementos de força governativa (...)251

Joaquim Nabuco ofereceu uma outra versão para explicar a queda dos liberais em 1848 e a

ascensão dos conservadores. Segundo ele:

Com o gabinete Paula Souza caía a situação liberal, queda atribuída por Teófilo Ottoni, não como era notório, ao esfacelamento do partido, à sua falta de coesão, às incompatibilidades pessoas dos seus chefes, mas ao arrefecimento das boas graças do palácio (...).252

251 APB, 1850. P. 732. 252 NABUCO, Joaquim. Op. Cit. P. 106.

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Os poucos congressistas liberais eleitos tentavam a todo custo sustentar sua causa. No

parlamento, os liberais mineiros pressionavam a Casa para que os suplentes fossem chamados.

Chamar os suplentes tornou-se vital, na medida que muitos suplentes por Minas eram do Partido

Liberal. Numa discussão entre a deputação mineira, o deputado liberal Souza Franco disse para

seu colega conservador Paula Fonseca:

Eu desejava que o nobre deputado concorresse commigo para a vinda de alguns supplentes por Minas Geraes, para que pudessem vir discutir os negócios de sua província, hoje fora da lei; eu desejaria que o nobre deputado quisesse sentir commigo que a província de Minas Geraes esta muito mal representada... (Vivas reclamações. O orador continua com força) em numero, em numero, Srs deputados. Eu nunca costumei rebaixar assim meus colegas, para que no meio de uma proposição e venhão interromper e antes que eu houvesse concluído. Contem-se quantos deputados por Minas estão presentes na casa; estão presentes quatro ou cinco, quando deverão estar vinte, e a importante província de Minas Geraes vai agora arrastada a cauda das outras, não tem mais na câmara aquella influencia que antes tinha, ella que sempre marchou a testa de outras deputações! Concorra o nobre deputado commigo para que sua província tenha nesta câmara a devida influencia. (...)253

O apelo girava em torno da recuperação da influência que a deputação mineira tivera

historicamente até aquele momento no parlamento e que as dissensões partidárias estavam

prejudicando. Surgiu um debate interessante entre os deputados Mello Franco (liberal) e Souza

Ramos (conservador e ex-presidente da província de Minas Gerais). O caso é que o segundo havia

afastado um juiz da cidade de Paracatu e nomeado outro. Segundo o deputado Mello Franco, esse

juiz operava favoravelmente nas eleições para dar vitória aos conservadores. Nas suas palavras, o

presidente da província havia corrompido o novo juiz, pois o“(...) encarregou da conquista

eleitoral daquella cidade com a promessa de ser nomeado juiz de direito (...).254 Prosseguiu em

suas acusações, argumentando que o homem nomeado para ser juiz em Paracatu “(...) é o mesmo

que já figurou em uma espécie de sediçãozinha que teve lugar no Araxá, é um homem que não

devera merecer a confiança de nenhum governo, é um juiz venal e corrupto (...)”255 Mello Franco

então desferiu a sua principal acusação:

253 Idem, p. 402. 254 Idem, p. 570. 255 Idem.

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(...) Esse homem chegado em Paracatu, tão austero para co seus adversários políticos, tão perseguidor, enxergando crimes em quantos não partilhavam as opiniões dominantes, procedeu desta maneira: despronunciou a um individuo que negociou notas falsas, apezar das provas e dos documentos que tinhão partido do governo anterior ao Sr. ex-presidente daquella província (...)256

O complicador nesse debate é que o acusado de possuir notas falsas era irmão de uma

liderança conservadora em Minas Gerais, o ex-presidente da província Quintiliano José da Silva.

Para Mello Franco o erro do ex-presidente Souza Ramos foi “Na nomeação de tal juiz V. Ex.

curvou-se às exigências de partido para vencer as eleições, e elle já foi premiado com a

nomeação de juiz de direito, em remuneração desses serviços(...)”257 e completou:

“(...) eu não digo, senhores, que o ex-presidente da minha província tivesse aconselhado ou directamente influído para que esses factos ocorressem alli mas parece que ninguém poderá desconhecer que se não fosse a política adoptada de proteger o bem-estar do partido dominante, e de proscrever o adversário, elles não se darião, ou se reproduzirião em tão grande escala (...)”258

Na verdade, ao que indicam as falas do deputado Mello Franco, o grande ressentimento dos

liberais era concernente ao resultado inglório das eleições. Isso fica evidente na seguinte fala do

mesmo legislador:

(...) Entendo Sr. presidente, que os factos que se derão em minha província são de muita gravidade (...), não quero discutir as eleições da província de Minas, que foi o único alvo a que se propôs o ex-presidente daquela província (...).259

Mas o trecho em sua totalidade permite entrever como os partidos atuavam para manter a

qualquer custo suas bases políticas. O império das circunstâncias acabava impondo em alguns

momentos aos presidentes de província a consecução dessa tarefa. Os presidentes, antes de

servirem às províncias, deviam lealdade ao gabinete que os sustentava. Daí algumas atitudes que

beiravam o destempero. O deputado Antão, liberal mineiro, denunciava as práticas eleitorais

conservadoras na província:

(...) A província de Minas tem victima desta violência. (Não apoiados). A necessidade em que o governo tinha collocado o partido que o apoiavaa empenhar-se na luta com todo o esforço, a necessidade e que o governo tinha collocado os presidentes de empenhar-se no triumpho eleitoral, fez com que o presidente de Minas descesse da altura em que se devera collocar. Eu lamento a

256 Idem. 257 Idem. 258 Idem. 259 Idem, p. 571.

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sorte do paiz, lamento o estado de immoralidade a que tem chegado o povo; houve um tempo em que uma carta de um presidente escripta a um particular em occasião de eleiçòes era um grande crime; a opinião publica se revoltava contra o presidente que se animava a escrever uma carta a respeito de eleições.260

Os argumentos do deputado só corroboram a idéia de que o sistema eleitoral do

Império não conseguia exprimir com lealdade a verdade das urnas. Nas engrenagens da cooptação

eleitoral, o presidente da província tinha um papel fundamental. Para que a centralização

ocorresse satisfatoriamente, era necessário que o governo tivesse total controle das sucessões

presidenciais. Controlando o presidente era possível interferir mais nas eleições. O deputado

prosseguiu afirmando:

Muitos dos nobres membros que pertencem a maioria fizerão censuras a u presidente de Minas porque uma outra vez escrevesse uma carta a um amigo a este respeito; mas o que temos visto na quadra actual? Como se fazem as eleições? Os presidentes assignão seu nome nas circulares em que convidão a todo mundo a tomar parte das eleições, elles impõem a obrigação de votar em uma chapa; isto praticou o presidente de Minas, este facto creio que nenhum de nos contestará. (Reclamações.) O presidente de Minas dirigio-se por muitas vezes a differentes lugares por circulares confidenciaes recommendando o plano eleitoral. Eu estranho mais ainda esse facto, quando observo que na Província de Minas o presidente formava como um directorio geral com outros indivíduos para triumphar o seu partido nas eleiçòes; o presidente de Minas, o chefe de policia, o juiz de direito da capital, que é juiz dos feitos, o secretario do governo, todos assignavão as circulares a respeito da eleição; impunhão se chapas a todos os lugares; ouvi dizer mesmo que tinhão commissões locaes com que se correspondião; tenho provas de que algumas dessas commissõeslocaes estavão autorisadas a fazer nomeações e demissões, que depois devião ser approvadas.261

Novamente devemos ressaltar que os presidentes de província tinham um papel

importantíssimo na burocracia imperial. Não só por representarem o poder central, mas por serem

elos fundamentais para a continuidade política do partido que compunha o gabinete. O mesmo

deputado continuou seu discurso alegando que:

Mas senhores, para que este aparato de força na província de Minas? O que fez a opposição? Portou-se de maneira a mais submissa, portou-se como uma opposição que te consciência de sua força, parecia que o partido da opposição era o partido do governo, e que o partido do governo era o partido da opposição, a opposição portou-se com toda a moderação, entretanto que o

260 Idem, p. 66. 261 Idem.

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partido do governo agiu como desordeiro, assolando a população, instigando cidadãos uns contra os outros (...)262

Talvez tentando resgatar a imagem de moderados, comprometida que fora pela Praieira, o

deputado Antão fez questão de ressaltar que mesmo diante de tantos abusos o seu partido soube

manter a disciplina. A resposta às denúncias feitas por ele foram dadas pelo deputado conservador

Barbosa:

Conclue o nobre deputado grande reacção na província de Minas. Eu não sei se o nobre deputado queria que o governo actual governasse com agentes do nobre deputado nos commandos de força e empregos de polícia. Ë verdade que comandantes da guarda nacional e autoridades policiaes forão demittidos, era uma necessidade política, a que toda administração que quizesse marchar com força havia de sujeitar-se. O Sr, Souza Ramos, que mui dignamente, occupou a presidência da província de Minas, não tinha vistas de demitti-los, tentou governar sem demittir; depresssa porém conheceu que não era possível. O primeiro acto de demissão dado pelo Sr. Souza Ramos, que foi a um subdelegado do município da capital, foi acolhido como signal da mais violenta reacção; todas as fúrias da imprensa do nobre deputado se desenvolverão contra elle (...)263

Sintomática foi essa resposta. O próprio deputado Barbosa admitia que sem o uso da força

e do monopólio sobre a distribuição dos cargos públicos seria impossível imprimir ao governo o

sentido da administração defendida pelo partido dominante. Para ele tais expedientes eram

justificados pela “necessidade política”. Assim, o presidente Souza Ramos não deveria ser

responsabilizado pelos seus atos, necessários que eram à manutenção da governabilidade da

província. Não satisfeito, o deputado Barbosa continuou com sua defesa, agora num tom bastante

irônico, procurando comparar os acontecimentos de Pernambuco aos de Minas Gerais em 1842:

(...) se houvesse em Minas a repercussão dos acontecientos de Pernambuco, aos deputdos acontecerãao o mesmo que aconteceu em 1842; um dos nobres deputados seria o primeiro a ir-se entregar ás autoridades, e o outro seria o primeiro a se offerecer como parlamentario entre aquelles que tivessem a desgraça de rebellar-se, e o governo legal; portanto nada tinhamos a receiar dos senhores, e realmente nunca nada receamos. (...) se queixou o nobre deputado da grande irascibilidade em que se achão os partidos, que tem chegado a este ponto depois que subio ao poder o actual ministerio: o nobre deputado não achou outra explicaçào para isto que não seja a violência do procedimento havido na província de Minas. A explicação é muito ais simples, é que quando os nobres deputados estavão no poder a opposição que se lhes fazia era uma opposição toda de moderação (...) quando os nobres deputados

262 Idem, p. 66. 263 Idem, p. 107.

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passarão para a opposição não houve recurso de que não lançassem mão (...)264

�Além de promover demissões, afastar desafetos e mudar a compatibilizar a legislação

com a nova situação política, os conservadores também se empenharam em alterar os

“monumentos” erigidos pelos rivais quando no poder. Desta maneira, as energias da Assembléia

foram canalizadas para modificar o status do principal símbolo liberal: Santa Luzia. Conforme

demonstrado anteriormente, os liberais haviam elevado o arraial à categoria de Vila,

desmembrando-o do distrito de Sabará. Argumentando que Santa Luzia não reunia condições

econômicas e sociais para se manter como Vila, a Assembléia Provincial decretou a supressão das

Vilas de Santa Luzia e São Francisco das Chagas do Capo Grande e ainda determinou que os

territórios pertencentes ao município de Santa Luzia fossem incorporados ao município de

Sabará.265

Se os liberais tentaram reconstruir a memória coletiva elevando o arraial de Santa Luzia a

Vila, fazendo com que a derrota de 1842 fosse vista como uma vitória moral, como um ato de

patriotismo, os conservadores agora adotavam a estratégia de desconstrução e impunham-lhes

nova derrota no campo simbólico. Neste, pequenas coisas assumiam grandes significados. Por

exemplo, o deputado Pinto de Vasconcellos, aproveitando que a Assembléia discutia uma profunda reforma no Seminário de Mariana, propôs que alguns professores fossem chamados a

dar explicações por que, segundo ele, “Em lugar do retrato de S. M. I foi colocado o retrato do

Revolucionário Nunes Machado (...)”.266 A volta ao poder significava destruir todos os símbolos e

figuras do partido oponente.

Outra tarefa da deputação mineira na Assembléia Geral consistiu em justificar a situação

da província no tocante ao recrutamento. Vários deputados de outras províncias mostravam-se

indignados com o fato de Minas Gerais não oferecer recrutas em número compatível com seu

tamanho. O deputado mineiro Paula Santos defendeu sua terra natal nesses termos:

264 Idem, p. 108. 265 APB, 1850. P. 339 266 Idem.

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Sr. Presidente, tenho observado que alguns nobres deputados se persuadem que a província de Minas não carrega co ônus do recrutamento para o exercito. Se assim é, os nobres deputados não estão bem informados do eu ocorre na minha província . A província de Minas manda par ao exercito um grande numero de recrutas. (...) Mas,sr. Presidente, quando seja mesmo exacto que a província de Minas não concorra para o exercito com um numero de recrutas correspondente ao das outras províncias, isto é devido às circunstancias em que se acha, como já disse, a maior parte da população que em razão da sua industria esta protegida pela letra das instrucções de 1822. A minha província abunda de homens industriosos, que não podem ser recrutados sem manifesta infracção da instrucções (...)267

Para Paula Santos, se os mineiros não se alistavam no Exército, era porque a prosperidade

econômica da província não o permitia, pois a maior parte da população estava ocupada em

atividades econômicas. Recrutar pessoas com esse perfil, para Paula Santos, infringiria da lei. O

mesmo congressista defendeu a atuação do gabinete conservador quando este mandou anular a lei

que dava vitaliciedade nos cargos aos guardas nacionais. Para ele:

(...) a questão que versava sobre a lei da assembléia provincial de Minas que decretou a vitaliciedade dos officiaes da guarda nacional daquela província (...) Pelo acto adicional estavão as assembléias provinciaes autorisadas para legislar sobre a organisação da guarda nacional (...), mas desde que se publicou a lei interpretativa de 12 Maio de 1840, lei que o nobre deputado reconhecerão e sustentarão, e cuja revogação não propuzerão nesta casa, ficarão as assembléias provinciaes inteiramente inhibidas de legislar sobre a guarda nacional; e tanto isto é verdade, que a propria assembléia provincial de Minas, poucos dias antes de decretar essa lei e levantar essa barricada a acção legal do governo que tomou a administração em 29 de Setembro de 1848 (apoiados) dirigio a assembléia geral uma representação pedindo a reforma da lei da guarda nacional no sentido em que depois legislou.268

Como se observou, o deputado começou sua argumentação demonstrando que a

Assembléia Provincial reconhecera tacitamente que não tinha autoridade para legislar sobre a

Guarda Nacional quando enviou à Assembléia Geral um pedido de reforma da lei que a regulava.

Para o deputado, a Assembléia Provincial havia usurpado uma atribuição que não era sua. Outra

incoerência apontada foi a omissão dos liberais em alterar a legislação no sentido de conferir às

Assembléias Provinciais controle maior sobre a Guarda Nacional. O deputado concluiu seu

pensamento afirmando

(...) pelo que se vê, a assembléia provincial de Minas reconheceu que não estava em suas atribuições legislar sobre a guarda nacional. Ora, tendo depois

267 APB, 1850. P. 524. 268 Idem, p. 580.

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legislado, tendo dado vitaliciedade aos officiaes da guarda nacional, é incontestável que commeteu um abuso. (...) Supponhamos que a assembléia provincial de Minas decreta e o presidente da provncia sancionava uma lei que declarasse a província separada da comunhão brazileira, ou que considerava o presidente da província vitalício. Deveria nesses casos o governo cruzar os braços, aguardar a reunião do corpo legislativo para lhe apresentar a lei? (...) A lei da assembléia provincial de Minas estava nestas casos figurados, o governo a suspendeu, e suspendendo-a , comprehendeu bem sua missão.269

Outro deputado mineiro, Dias Carvalho (conservador), revelou-se muito preocupado com a

possibilidade de os controles do governo central se afrouxarem em Minas Gerais, recordando o

seguinte incidente:

(...) o facto alli acontecido de se haver retirado o presidente da província sem que ficasse na capital o vice-presidente que lhe sucedeu. (...) Essa retirada do presidente da província, sem que na capital ficasse seu sucessor, deu motivo para que a assembléia provincial, que então se achava reunida, tomasse e consideração a matéria e propuzesse a nomeação de um vice-presidente interino. Esta nomeação não teve lugar, porque o Sr. Romualdo Antonio Monteiro de Barros se prestou a ir exercer as funcções de presidentes de província, mas se assim não tivesse acontecido V. Ex. e a casa vê claramente quaes poderião ser as conseqüências de uma semelhante proposição ou medida tomada pela assembléia provincial. 270

No tocante à situação econômica da província, em 1851 o café ainda não se consolidara

como o principal produto de exportação mineiro, embora no País o produto tivesse papel

fundamental. Por isso o presidente José Ricardo de Sá Rego reconheceu que:

A cultura do chá, cujo o desenvolvimento nessa Província chegou ao ponto de excluir em grande parte a concorrência do chá estrangeiro, não encontrando a mesma facilidade de consumo no mercado da corte, apesar do baixo preço a que tem chegado tende naturalmente a afrouxar, o que será para lastimar-se a vista da perfeição em que já se apresenta este produto entre nós. Segundo do relatório ultimamente apresentado às Câmaras pelo Ministério do Império a preferência que igualmente vai tendo o chá preto sobre todas as qualidades poucas esperanças nos deve deixar acerca da exportação deste gênero para outros paizes, e em tal caso muito converia que nossos lavradores que quizessem continuar nesse ramo de producção algumas experiências fizessem sobre aquela qualidade.271

269 Idem. 270 Idem, p. 231. 271 Relatorio que á Assembléa Provincial da provincia de Minas Geraes, apresentou na sessão ordinaria de 1851 o doutor José Ricardo de Sá Rego, presidente da mesma provincia. Ouro-Preto, Typ. Social, 1851. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/455/index.html. Acesso em 03/08/2004.

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A bancada conservadora não se preocupava apenas em destruir os liberais ou com assuntos

econômicos. O ensino na província também era alvo de suas atenções. Diante disso, o presidente

José Ricardo de Sá Rego encaminhou um relatório abordando as deficiências educativas em

Minas Gerais. Listando suas as causas, o mandatário observava:

Um dos maiores erros que tem commettido nossos estadistas, com um notável detrimento do paiz e certamente o terem transplantado para o nosso Império, instituições que com quanto sejam profícuas á sociedade geral, e se compadeção os povos já provectos na marcha da civilização, não são contudo adaptadas á um paiz como o nosso, jovem ainda na civilização, e existência política, e por ainda fraco em recursos para competir com a robustez da Europa culta. De que vem, que não fructificando á medida da esperança publica tão fácil de iludir-se, o aspiro publico desanima no seu cultivo, pragueja o Governo, e seus agentes aquém com a maior injustiça atribue a todos os males que affectão a instrucção, sem examinar as verdadeiras causas, que os tem produzido. Queremos por exemplo, que o ensino simultâneo se generalise por toda a Província , queremos que os mestres produzam fructos sazonados, abundantes.272

A conclusão que se extrai do texto acima é clara: a culpa pelo atraso não era da

administração ou das autoridades imperiais, mas da forma pela qual o ensino era ministrado.

Portanto, a solução seria sistematizar um método educativo próprio para povos de “pouca

civilização” como o brasileiro.273

Interessante notar que o problema do recrutamento era sempre recorrente nos debates da

Assembléia Geral. O deputado Mello Franco teceu diversas críticas ao sistema de recrutamento

adotado pelo presidente de Minas, Sá Rego. Segundo ele:

pensando que o Sr. Sá Rego deixaria os hábitos de um magistrado político, servo humilde de um partido, para administrar uma província tão importante como é a de Minas Geraes. Infelizmente, senhores, a província de Minas parece hoje votada ao desprezo do governo central: parece que não há ninguém que não sirva para governa-la: falla-se de incompatibilidades, dize que os

272 Idem, http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/455/000049.html. Acesso em 09/06/2004. 273 Outra observação interessante é quanto ao peso político da província no parlamento nacional ao que parece inspirava ressentimentos de outras províncias. O deputado Dias Pereira reclamava que. “(...) A província da Bahia tem dous mil e tantos eleitores, e quatorze são os seus deputados, entretanto que a província de Minas, que não tem mais de mil e quinhentos eleitores, dá vinte deputados para a câmara; e note-se que isto não é somente na actualidade, é antigo (...)” Nossa pesquisa não se aprofundou a ponto de verificar o porque desse fato, mas aventamos que essa diferença seja em função da participação mais ativa de Minas Gerais no processo de Independência, enquanto que as províncias do norte mantiveram-se mais afastadas e pouco dispostas a apoiar um governo no Rio de Janeiro.

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magistrados devem occupar-se de seu ministério; entretanto quando se pretende dar um governador á província de Minas, o primeiro bacharel encontrado serve para opprimil-a, e provocal-a á desesperação. (...) Devo dizer a V. ex. que nos primeiros dias da administração do Sr. Sá Rego, um ou outro recruta violentamente arrastado até a capital, encontrou justiça na presidência; quero ser justo, e por isso é que refiro a esta circunstância. E verdade forão dispensados dous recrutas da villa de Curvelo; mas sr. Presidente, o magistrado político recebendo intimações das localidades, ameaçado com a perda da eleição se por ventura continuasse a fazer justiça aquelles que indevidamente erão recrutados, arrepiou carreira (...).274 (grifo nosso).

Ainda nesse trecho nota-se uma associação entre o problema do recrutamento com a

questão das magistraturas. O deputado reclama uma reforma na legislação criando as

incompatibilidades, projeto que já transitava pelo parlamento nessa época. Argumentava

brandindo a incompatibilidade entre a função de magistrado e a carreira política. Esse trecho

também é importante ao revelar que o recrutamento era usado como instrumento de cooptação

política em determinadas situações.

Mesmo em minoria, os liberais na Assembléia Provincial tentavam barrar o avanço do poder

central. Segundo o deputado Dias de Carvalho:

(...) não vejo no poder legislativo geral o direito de cassar as divisões que fizerem as assembléias provinciais (apoiados.) Ora. se eu não vejo esse direito no poder legislativo geral de revogar nesta parte os actos das assembléias proviciaes, muito menos direito tem o nobre ministro da justiça. Senhores se formos admittindo estas invasões nas attribuiçòes das assembléias provinciaes ate onde chegaremos? (...).275

Na tentativa de desmoralizar as acusações dos liberais referentes à centralização excessiva, recrutamentos indevidos e corrupção eleitoral, novamente os conservadores mineiros retomaram os acontecimentos de 1842. Além disso, tentavam se justificar alegando que seus rivais não adotaram posturas diferentes quando no governo. O deputado Firmino assim resumiu esses momentos:

(...) Em 1842 li o programma da opposição publicado em Barbacena ao estampido da fuzilaria. Exigia, como único meio de salvação publica a abolição immediata e instantânea da lei das reformas do código de processo, da lei do conselho de estado, do regulamento da câmara temporária. Em 1844 eu o vejo no poder aceitar todas essas leis, exagerar todos os meios de governo empregados pelos seus antecessores. Em 1849 segue o mesmo rumo inteiramente diverso, renega suas idéias de 1842 e 1849, e hastea o estandarte da constituinte, publicando no Ouro-Preto um período com a epigraphe –

274 Idem, p. 99. 275 Idem, p. 642.

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Abaixo a centralização, viva a confederação das províncias – E 1851 vejo surgir do seu seio uma nova bandeira.276

O trecho acima carrega a idéia de que os liberais teriam apresentado um comportamento

ambíguo, pois quando reconduzidos ao poder não reformaram as leis conservadoras, Levantava-se

a suspeita de que na verdade sua grande demanda fosse um sistema confederado.

Mas estes debates não prejudicavam o ritmo de normalidade dos trabalhos da Assembléia

Provincial de Minas Gerais ao longo do ano de 1851. Entretanto, em 1852 pequenas oposições

surgiram, não necessariamente dentro da casa legislativa, mas na execução de algumas leis. O

presidente Luiz Antonio Barboza relatou à Assembléia que:

Por occasião de executarem-se os Regulamentos nº 797 e 798 de 18 de Junho de 1851, que marcarão a forma de proceder-se ao recenseamento geral da população do Império, determinado pelo art. 107 da Lei de 19 de Agosto de 1846, a perversidade de alguns homens, abusando da ignorância dos habitantes de algumas Comarcas (...), persuadiu-lhes de que o alistamento dos cidadãos, e o Registro de nascimento tinhão por fim escravisar os Paes e os filhos, o que deo lugar a um abalo de caráter grave, mas que felizmente foi de prompto reprimido pelo Governo da Província, sendo a tranqüilidade publica restabelecida desde que cessou a ilusão dos amotinados. Nessa Província, Senhores, os incovenientes práticos daqueles Decretos forão sentidos, alguns talvez exaggerados por espírito de partido, porém se houve alguém que tentasse iludir o nosso povo com intrigas tão grosseiras, devemos felicitar-nos pela resisitencia que lhes opunhão o bom senso dos nossos comprovincianos, e a confiança que elles depositão no Governo de Sua Magestade, e nos meios constitucionais (...)277

Deve ter sido fácil a esses “homens perversos” enganar a população, principalmente

levando em conta que já na época do presidente Soares de Andréia havia reclamações contra

recrutamentos indevidos. Ao que tudo indica, foi o “espírito de partido” que motivou boa parte da

resistência entre a população. Em outras palavras, certamente os liberais, incapacitados de se

valerem da Assembléia para marcarem suas posições, procuraram desestabilizar a atuação da

burocracia provincial.

276 Idem p. 108.

277 Relatorio que á Assembléa Provincial da provincia de Minas Geraes apresentou na sessão ordinaria de 1852, o doutor Luiz Antonio Barboza, presidente da mesma provincia. Ouro Preto, Typ. do Bom Senso, 1852. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/456/000004.html Acesso em 16/08/2004.

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Outro assunto importante para o presidente da Província foi lei que reformou a Guarda

Nacional. No relatório apresentado a Assembléia consta que:

A lei de 19 de Setembro de 1850 deo a Guarda Nacional uma organisação mais forte, e accommodada aos nossos hábitos e circunstancias, e é licito esperar que aquella força satisfaça os fins de sua instituição, quando aquella Lei estiver plenamente executada. Nesta Província esta atrasada a reorganisação da Guarda Nacional; é isto devido ao desmantelamento em que se achava, ao complicado processo das qualificações e mais trabalhos preparatórios, junto as difficuldades que as distancias e faltas de meios promptos de communicação oppõem á acção do Governo.278

Reformar a Guarda Nacional era deveras importante para os conservadores, na medida em

que essa instituição, criada na seqüência da Abdicação, no contexto da defesa da Monarquia

Constitucional, se tornara autônoma em demasia. O fato de seus oficiais serem escolhidos

mediante eleição retirava do poder central boa parte do controle sobre a milícia. A lei de 1850

centralizou-a, extinguindo as referidas eleições e subordinando-a ao Ministério da Justiça. Dessa

maneira, os conservadores conseguiram acomodar a Guarda Nacional às circunstâncias de seu

retorno ao poder.

Cumprir as ordens de recenseamento e reorganizar a Guarda Nacional nos moldes exigidos

pela nova lei não eram as únicas preocupações da Assembléia. Fazia-se também necessário

disciplinar o clero e trazê-lo à ordem conservadora, afastando seus elementos mais

revolucionários:

Também é preciso confessar que se a invasão estragadora dos princípios revolucionários não poupou o Sanctuario, desde que começou para nós a epocha da reorganisação, temos procurado o quanto possível reparar aqueles esttragos.279

Não se pode afirmar quem eram esses revolucionários, mas a própria intenção do

presidente em promover expurgos na hierarquia católica, já revelava a disposição de não tolerar-se

nenhuma contestação às diretivas do poder central.

278 Idem, http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/456/000010.html. Acesso em 12/08/2004. 279 Idem, http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/456/000011.html. Acesso em 12/08/2004, às 19:15.

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Outra questão interessante apontada no relatório do presidente, era a necessidade de dar

continuidade às obras da Estrada do Paraibuna, já que:

Sendo a maior obra da província, quer pelo lado de sua utilidade, quer pelos sacrifícios que nos tem custado, e que tem ainda de custar, é também aquella sobre a qual se tem fixado mais as vistas dos legisladores mineiros.280

Cumpre frisar que a importância dessa obra residia no fato de ser a principal ligação entre

a província e a Corte, mostrando-se posteriormente essencial para a continuidade da expansão

econômica da província, pois escoaria a produção de café da Zona da Mata para os portos

cariocas. Os projetos de modernização e ampliação da estrutura viária da província continuavam a

pleno vapor. No parlamento era proposta ao ministro do Império a construção de uma estrada que

ligasse Minas Gerais a Goiás.

Nessa conjuntura, os liberais, acuados pela onda conservadora, procuravam expor

publicamente sua indignação. Theofilo Ottoni, protestando contra os conservadores, recusou o

convite para assumir uma vaga de deputado geral, já que se qualificava por ser suplente. Ao

recusar ser empossado, ele justificou-se através de uma carta, da qual alguns trechos seguem

abaixo:

Ilm. e Ex. Sr.- A câmara municipal da cidade de Ouro Preto, capital da província de Minas Geraes, me fez portador de um diploma o qual me habilita a preencher a vaga que há na augusta câmara dos Srs. Deputados (...) Há porém uma questão de consciência que me inhibe de acudir aquelle honroso chamado. Em 1849, quando tratava de constituir-se a câmara dos Srs deputados, V. Ex. recordar-se-há que eu e alguns dos meus nobres collegas, cuja eleição havia sido pleiteada na província de Minas Geraes por parte da opposição liberal, tivemos a honra de submetter á consideração dos Srs. Deputados eleitos pelas outras províncias uma representação de 115 documentos, em a qual julgávamos estar sobejamente provada que na província de Minas em o anno de 1849 não tinha havido eleição, e sim uma saturnal indecente, onde a illegalidade e a violência primarão a par do escarneo e do cynismo.. Abundando nesta conviccção, os signatários da representação appelavão para os Srs. Deputados eleitos pelas outras províncias, requerendo-lhes em nome do decoro e da honestidade publica mandassem abrir novamente as urnas na província de Minas, e lhe garantisse a liberdade do voto(...).Por mais porem que eu aprecie a honra de ser eleito deputado, recuo diante da responsabilidade de expor meus amigos políticos a perseguições e vindictas como as de que elles tem sido victimas em conseguencia da eleição de 1849, tanto mais porque, organizado como esta o paiz taes sacrifícios serião e pura perda, como V. Ex. não ignora, e as urnas, em vez de manifestarem o pensamento nacional, continuarão a symbolisar somente a influencia do poder. Bem ponderado quanto exposto fica, resolvi portanto

280 Idem.

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supplicar a V. Ex. queria ter a bondade de fazer chegar ao conhecimento da augusta câmara dos Srs. deputados que eu com muito pezar renuncio este anno a honra de ser representante da nação (...)281

Em resposta à carta de Teófilo Otoni, a comissão de constituição e poderes da Câmara, sob

a liderança de dois conservadores, Francisco Diogo Pereira Vasconcellos e João Antonio de

Miranda, emitiu o seguinte parecer “(...) A commmissão deixa de parte a linguagem desabrida e

apaixonada em que esta concebido o dito officio, não só porque aconselhão as conveniências

parlamentares, como também tende elle a excitar discussão ociosa e inopportuna sobre um facto

que já pela augusta câmara dos Srs. deputados foi julgado regular e legitimo (...)”282 Novamente

os saquaremas procuravam desqualificar seus adversários, daí o emprego de expressões como

“linguagem desabrida e apaixonada”. O parecer da comissão, mesmo com os protestos da

deputação liberal, foi aprovado.283

Mesmo nesse ambiente de extrema militância e intolerância política, os ventos da

Conciliação já se faziam sentir, tanto na Assembléia Geral quanto no Assembléia Provincial. A

partir de 1853, a beligerância entre conservadores e liberais mineiros, acompanhando os

movimentos ministeriais, tendeu a se reduzir. Sabemos que normalmente as eleições no Brasil

Imperial tendiam a ser termômetros das disputas partidárias. Por isso as palavras do presidente

Luiz Antonio Barboza nos fornecem detalhes interessantes sobre os novos tempos que se

avizinhavam:

Nesta Província (é para nos motivo de orgulho, e satisfação) tanto as Eleições Municiapaes, como a de Eleitores tiverão lugar nas 207 Parachias, e Curatos, sem que a ordem publica em parte alguma fosse perturbada. Os partidos empenharão-se na luta em todos os pontos, em que se julgarão com alguma probabilidades de triumpho, porém não contarão força entre os elementos da victória. Á esse facto, e a moderação com que em geral se portarão os diversos agentes da Administração se deve aquelle resultado. Não quero com isto dizer de uma maneira absoluta que, nem um abuso ou irregularidade se praticasse: seria preciso que pertencermos a uma raça privilegiada e estranho ao influxo das paixões, e interesses, que se envolvem em uma eleição; é certo porém que em relação ao empenho dos partidos, a extensão da luta, forão elles em diminuta escala.284

281 APB, 1852. P. 05 282 Idem, p. 06. 283 Idem, p. 07. 284 Idem, http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/457/000003.html Acesso em 12/08/2004, às 22:30.

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Observe-se que em momento algum o presidente indicou que a disputa eleitoral tenha sido

plenamente pacífica, mas frisou que ela foi marcada pela “moderação” dos agentes da burocracia

e que a “ordem publica” não foi afetada. Chega a ser cômico o reconhecimento de que o processo

eleitoral fora de alguma maneira viciado, pois, segundo ele, para que isso não acontecesse seria

necessário “pertencermos a uma raça privilegiada”. Entretanto, o foco está no trecho em que o

mandatário, referindo-se às lutas partidárias, afirmava que em ocorreram “diminuta escala”.

Os resultados das novas eleições foram muito favoráveis para os conservadores. Como

exemplo exporemos os votos arrematados por algumas lideranças conservadoras e liberais dentro

de Minas Gerais:285

Deputados conservadores ais votados em Minas Gerais Luiz Antonio Barbosa – 1406 votos Francisco Diogo Pereira Vasconcellos – 1382 Manoel Teixeira de Souza – 1359 votos Deputados liberais Manoel de Mello Franco – 431 votos Teófilo Otoni – 414 votos José Antonio Marinho – 398 votos

O prestígio da Assembléia Provincial mineira era grande. Uma representação desta ao

Parlamento, pedindo revisão de uma legislação sobre as municipalidades, foi recebida com bons

olhos pela casa maior:

A assembléia legislativa provincial de Minas em sua representação datada de 21 de Maio de 1852, e que foi commettida ao exame da commissão de câmaras municiapaes, pede a esta augusta câmara a reforma da lei de 1º de outubro de 1828, que creou e serve de regimento ás câmaras municipaes. Aponta a sobredita assembléia dous notáveis inconvenientes que nascem das disposições da citada lei, e que obstão á satisfação dos deveres que as municipalidades estão commettidos: é o 1º a difficuldade de poderem essas corporações, compostas de diversos membros, fazerem aos seus municípios todo o bem que lhes cumpre, dependendo todas as suas deliberações e a execução dellas do concurso de mais de uma vontade, cujo desacordo muitas vezes embaraça a adopção e até a execução de qualquer medida; o segundo inconveniente é o reunirem-se as câmaras só em certas épocas, e com longos intervallos, durante os quaes ficão paralysados todos os trabalhos a seu cargo aggravando-se ainda

285 APB, 1853. P. 96.

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este mal com as continuadas substituições de seus membros, do que resulta ainda a falta de uniformidade no pensamento de taes corporações, cujas decisões são muitas vezes alteradas successivamente sem que alguma chegue a ter execução, ficando assim tudo estacionário (...).286

A câmara se comprometeu a deliberar maneiras de reformar a lei de 1º de outubro de 1828,

reconhecendo que o País “se recente dos males e defeitos” dessa lei, que comprometia o

funcionamento dos poderes locais, tornando-os ineficientes. Reformar-la significava atender as

reivindicações localistas canalizadas pela Assembléia Provincial de Minas Gerais. Permitia-se

que os elos entre poder central e localidades fossem fortalecidos. A ligação entre eles era A

Assembléia Provincial.

A volta dos conservadores ao poder em 29 de setembro de 1848; significou uma nova

retomada de seu projeto de construção da ordem. De 1848 a 1853, Minas Gerais ficou

comprometida com a política dos sucessivos Gabinetes conservadores que se sucederam na

Corte. A política mineira oscilou como um pendulo ao longo do período estudado. Tal lógica era

determinada pelos movimentos do poder central. Num primeiro momento as tensões entre

liberais e conservadores não desapareceram, mas tenderam a serem tratadas no ambiente

institucional da Assembléia Provincial.

Ao longo desse período percebe-se que cada vez mais a moderação e o comedimento

foram sendo características do dia a dia da política mineira. Prova disso pode ser verificada pelo

discurso de homens como Teófilo Otoni. Este ao se referir a tentativa de ruptura de 1842, assim

se expressou:

Creio sinceramente que mais teria ganho o sistema constitucional, se (...) a oposição mineira, em vez do recurso às armas , de preferência empregasse contra o Governo os meios pacíficos que lhe restavam.287

A oposição à ordem conservadora não cessou, porém livrou-se de eventuais excessos e

revestiu-se cada vez mais de uma convicção que a melhor saída para os impasses entre poder

central e elites locais era a via institucional. Além disso, a partir dos anos de 1850 a cafeicultura

286 APB, 1853. P. 05 287 IGLESIAS, Francisco. Minas Gerais IN HOLANDA, Sérgio Buarque de .T. II . História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1974. P. 411.

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mineira começou a se tornar vigorosa, fortalecendo economicamente a Província, dando-lhe

uma nova dinâmica. As elites locais não estavam mais dispostas a colocar sua prosperidade em

risco em função de radicalizações.

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Considerações Finais

Ao longo do trabalho, buscou-se recuperar as disputas entre liberais e conservadores em

Minas Gerais. Como marco dessa disputa temos a Revolução Liberal de 1842. A Revolução não

colocou em risco a integridade territorial do Império, tendo em vista que não teve um tom

separatista, mas serviu para mostrar as fissuras existentes entre setores das elites daquela época.

Acima de tudo, a Revolução mostrou descontentamento de alguns grupos vinculados ao partido

liberal em Minas Gerais e em São Paulo. Entretanto devemos ressaltar que não foram todos os

liberais mineiros que participaram deste movimento, antes, algumas Câmaras, mesmo compostas

por maioria liberal, decidiram se manter afastadas dessa luta.

O resultado da Revolução não foi a sonhadora vitória para os grupos liberais litigiantes,

mas forçou o Governo Imperial a adotar varias estratégias de cooptação para que com o fracasso

da Revolução Liberal em Minas, as elites pudessem ser aproximadas daquilo que Ilmar R. Mattos

chamou de “Centro”.288

Tal “Centro” significava, antes de qualquer coisa, centralizar a sede do poder nacional no

Rio de Janeiro. Implicava em costurar alianças com os mais diversos setores da sociedade,

impondo gradativamente a autoridade do Governo sobre os interesses da “Casa” ou seja, os

interesses privados. Em alguns momentos nota-se que o Governo negociava, em outros, como em

1848 na Revolução Praieira, foi obrigado a utilizar da coação militar.

Pela dinâmica da Assembléia Provincial de Minas Gerais conclui-se que após a derrota

dos liberais no campo militar em 1842, abateu-se um quadro repressivo sobre a Província e as

elites políticas mineiras passaram por um processo de rearticulação frente à nova situação política,

em que os liberais tiveram que refluir para a Província e desta tentaram novas estratégias frente ao

projeto conservador. Diante do avanço do projeto centralizador, articulado pelo poder central,

288 MATTOS, Ilmar Rohloff. Op. Cit.P. 126.

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supõe-se que as Assembléias Legislativas Provinciais tiveram este papel, que constatamos para

Minas Gerais. Nesta província a Assembléia passou a representar para os grupos defensores de

interesses locais, um meio de expor suas demandas, defender seus interesses e garantir sua

influência, pelo menos em nível local.

A hegemonia conservadora apontada por Ilmar Mattos não significou um completo

aniquilamento dos liberais, nem tão pouco os anulou completamente. Segundo este autor, os

conservadores após a derrota dos liberais em 1842 “buscaram imprimir uma direção ao

predomínio que exerciam no Mundo do Governo, desde então”.289 Mas essa busca constituía-se

de um movimento continuo. A hegemonia desse grupo não era um fato dado, mais construído a

partir de amplas negociações, recuos e estratégias de cooptação.

Em Minas Gerais, principalmente na gestão do general Soares de Andréia, nota-se um

grande avanço da centralização na Província. Soares de Andréia procurou fortalecer os grupos

conservadores, em especial retribuindo com pensões e menções honrosas à aqueles que tinham

lutado pela legalidade durante a Revolução. Além disso, prestigiou os partidários da centralização

ao coloca-los nos diversos cargos relevantes na burocracia provincial. De forma geral, percebe-se

que todos os presidentes, independentes de sua filiação partidária, procuraram fortalecer

eleitoralmente seus aliados, não só para operarem com mais folga na administração provincial,

mas também para seguir as diretrizes dos gabinetes instalados na Corte.Tendência que de acordo

com a historiografia sobre o período, se observa para o Brasil como um todo.

Quanto às discussões historiográficas realizada neste trabalho, a respeito dos limites e

significados do liberalismo no Brasil, destacou-se que tal liberalismo sofreu um processo de

adequação à realidade brasileira, tendo em visa as especificidades do Brasil, como a escravidão e

a manutenção do latifúndio. No que se refere à construção da cidadania, o liberalismo do Brasil no

oitocentos encontrou muitos limites, e tal liberalismo mesmo entre as elites mais ilustradas nem

sempre foi uma realidade. A leitura das fontes nos autoriza a dizer que pequenas parcelas do

289 MATTOS, Ilmar Rohloff. Op. cit. P. 129.

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partido conservador em Minas Gerais, por exemplo, adotavam posições mais extremistas,

criticando qualquer proximidade com as idéias liberais, tidas para esse grupo como subversivas e

prejudiciais a sociedade. Isso ficou muito nítido através da leitura de algumas falas de deputados

provinciais.

Mas na sua maioria, os conservadores foram partidários do liberalismo. De forma geral

viam nessa ideologia a possibilidade de maior atuação do Estado na sociedade, mantendo o

monopólio tributário e coercitivo.Para tanto, procuraram gerir a Província debelando as oposições

locais, removendo oficiais da Guarda Nacional, juízes e outras autoridades que não fossem

concordantes com sua visão para a sociedade. Já para parcelas do partido liberal, o ideal era que

as localidades dispusessem de mais autonomia frente ao governo, que o monopólio da violência

fosse fragmentado, podendo-se conceder às lideranças locais poderes para administrar a justiça e

punir segundo os interesses dos grandes proprietários locais. Também reivindicavam maior, ou

quase completa, autonomia financeira para a Província.

Procurou-se também entender melhor a dinâmica econômica e política da província de

Minas Gerais, no período estudado. Com o café, Minas Gerais encontrou um caminho de

prosperidade material. Entretanto para que isso se efetivasse eram necessários constantes

investimentos do governo,provincial e central, para incremento da infra-estrutura da província,

sobretudo na construção de estradas que ligassem os centros produtores aos consumidores. Essa

preocupação com o progresso era comum tanto aos conservadores, quanto aos liberais, o que

remete às situações encontradas por Isabel Andrade Marson na Província de Pernambuco. Ao que

tudo indica, em Minas Gerais, independente da vinculação partidária, o progresso era uma meta

das elites políticas, podendo apenas variar a maneira de se consegui-lo. Para tanto recorreu-se ao

cultivo de chá, mas tarde ao café, para se alavancar a economia provincial.

A diferença entre os que se alinharam como “liberais” ou “conservadores” era política.

Como já referido, a Revolução Liberal de 1842 tornou-se um divisor de águas na província,

passando a ser constantemente lembrada tanto por liberais quanto por conservadores. O seu uso

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político ficou evidente ao longo do trabalho. Para os conservadores a Revolução atestou a

incapacidade dos liberais em conviverem num sistema parlamentar, representou um desafio a

autoridade do trono, um pecado frente a Igreja e acima de tudo um ato que atestava a falta de

responsabilidade e patriotismo por parte dos liberais. Para esses conservadores, a vitória em 1842

representou a imposição da ordem sobre o caos e atestou o compromisso do partido conservador

com o Imperador e com a ordem.

A Revolução foi alvo de disputa entre os dois partidos na medida em que ambos tentavam

fazer um uso simbólico da mesma. Os conservadores tentaram criar pela Revolução um

monumento ao fracasso dos liberais. Procuraram torna-la um marco da traição e indisciplina

política dos liberais. Conseguiram algum sucesso nessa estratégia pois os liberais passaram a ser

denominados jocosamente de “luzias” pelos conservares, tornando sempre presente a lembrança

da derrota sofrida nos campos de Santa Luzia, arraial pouco distante da capital mineira.290

Mas como se evidenciou pela pesquisa, os liberais também tentaram construir seus

símbolos, ou melhor, aplicaram-se em dar um novo significado àqueles erigidos pelos

conservadores.

Os liberais, ao longo do período de 1844 a 1848, estiveram no controle da província. Nesse

período, tentaram mudar o nome do arraial de Santa Luzia, além de promovê-lo à cidade.

Buscaram dar um tom de heroísmo aos acontecimentos de 1842, reforçando sua lealdade a

monarquia e ao sistema constitucional.

Os conservadores ao voltarem ao poder em 1848, novamente se dispuseram a desconstruir

todos os mecanismos criados pelos liberais para alcançar sua redenção publica. Tomando o

mesmo exemplo citado no parágrafo anterior, os conservadores reduziram novamente Santa Luzia

à condição de arraial, e diminuíram ainda mais seus limites.

Apesar das diferenças políticas, os debates na Assembléia entre os dois grupos deixam

transparecer a preocupação em se reafirmar o apego ao sistema político nacional. Observam-se

290 MATTOS, Ilmar Roholoff. Op. Cit. P. 145.

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também os mesmos métodos de atuação pratica, consubstanciado num forte esquema de

manipulação das eleições. Tal esquema era comum aos dois partidos. Entretanto no âmbito da

retórica, os grupos derrotados nas eleições procuram postar-se como paladinos da justiça e

equidade. Criticando o abuso das autoridades eleitorais, a violência e a cooptação.

Outra crítica sempre comum aos dois grupos se refere ao recrutamento dentro da

província. Criticavam-se os métodos e critérios para o exercício do recrutamento, principalmente

quando tal pratica colocava em risco suas bases eleitorais e sua rede de clientela. A indicação de

juízes de paz e delegados de policia era tema recorrente nas criticas do grupo que se achava na

oposição. Tais críticas sempre giravam em torno do autoritarismo dos ocupantes dos cargos e

mesmo do próprio presidente da província, que ao substituir uma dessas personalidades, tinha

como principal preocupação as eleições vindouras, fato que contrariava às vezes os interesses das

localidades, exigindo uma maior capacidade de negociação.

A Guarda Nacional também esteve presente nos debates entre conservadores e liberais em

Minas Gerais. Registra-se um esforço constante por parte dos conservadores em disciplinar os

oficiais da Guarda na província, submetendo-os ao controle do presidente da província e em

ultima instancia ao Ministério da Justiça.

Podemos afirmar que a Conciliação de 1853 serenou as disputas na província. Joaquim

Nabuco nos oferece uma boa visão do ambiente criado por esse movimento:

A conciliação era uma idéia que estava sendo advogada com muito aplauso pela imprensa e no parlamento, principalmente pelos liberais. O desastre da Revolução em Pernambuco, aniquilando esse partido na sua forma revolucionaria e tendo fechado o período das revoluções, havia criado um desejo geral de paz e tranqüilidade. Os partidos estavam preparados para fazer e receber propostas de concórdia e a opinião impunha moderação aos vencedores, senhores absolutos do campo.291

Até mesmo liberais mais radicais como Toefilo Ottoni procuravam encontrar maneiras

mais pacificas de demonstrar seu descontentamento com a política corrente. Conforme apontamos

no trabalho, o próprio Teófilo Ottoni lamentava o uso da força em 1842. Dizia que talvez tivesse

sido melhor usar meios pacíficos para resolver os impasses com o Gabinete conservador.

291 NABUCO, Joaquim. Op. Cit. P. 172.

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Dessa forma, no transcorrer do período estudado, a influência conservadora na província

tornou-se uma marca incontestável nas administração. A hegemonia conquistada pelos

conservadores não significou necessariamente o aniquilamento das causas liberais, mas sim um

reordenamento das forças políticas em Minas Gerais. O “jeito” mineiro de fazer política passou a

ter como tônica a busca pelo consenso, a recusa ao uso da força como primeira opção, enfim, a

busca incessante pela negociação. A busca pelo exercício do poder tornou-se mais silenciosa,

evitando grandes radicalizações, porém constante e efetiva. A força do centro subordinou mas não

enterrou os interesses localistas. Entretanto selou-se um pacto mudo em que as partes

concordavam que a oposição aceitável deveria ser praticada nas salas das Assembléias

Legislativas, as lutas políticas despiram-se de seus aspectos mais violentos e adquiriram feições

mais civilizadas, imitando os modelos europeus.

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Fontes

Banco de Dados da Universidade de Chicago

Relatórios dos Presidentes da Província de Minas Gerais referentes aos anos de:

1848 – Relatório apresentado pelo Presidente Dias Carvalho

1850 – Relatório apresentado pelo Presidente Alexandre Joaquim de Siqueira.

1850 – Relatório apresentado pelo Presidente Alexandre Joaquim de Siqueira.

1850 – Relatório apresentado em 3 de maio pelo Presidente Alexandre Joaquim de Siqueira.

1850 – Relatório apresentado em 10 de junho pelo Presidente Alexandre Joaquim de Siqueira.

1851 – Relatório apresentado pelo Presidente José Ricardo de Sá Rego.

1852 – Relatório apresentado pelo Presidente Luiz Antonio Barboza.

1852 – Relatório apresentado pelo Presidente José Ricardo de Sá Rego.

1852 – Relatório apresentado pelo Presidente Luiz Antonio Barboza em 12 de maio.

1852 – Relatório apresentado pelo Presidente Luiz Antonio Barboza em 12 de Setembro.

1853 – Relatório apresentado pelo Presidente Luiz Antonio Barboza.

1853 – Relatório apresentado pelo Vice-Presidente Silva Vianna.

Falas dos Presidentes da Província de Minas Gerais referentes aos anos de:

1844 – Fala do Presidente Francisco José de Souza Soares de Andréa.

1845 – Fala do Vice-Presidente Quintiliano José da Silva.

1846 – Fala do Presidente da Província Quintiliano José da Silva.

1847 – Fala do Presidente Quintiliano José da Silva.

1848 – Fala do Presidente Bernadino José de Queiroga.

1849 – Fala do Presidente José Idenfonso de Sousa Ramos.

Exposições

1850 – Exposição feita pelo Vice-presidente da província Monteiro de Barros

Arquivo Público Mineiro

Inventário do Fundo da Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais, Notação 3/28:

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Atas referentes da 5º Legislatura até a 9º Legislatura, ou seja, abrangendo os anos de 1844, 1845,

1846, 1847, 1848, 1849, 1850, 1851, 1852 e 1853

Hemeroteca Pública de Belo Horizonte

Jornal: O Compilador da Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais: referente

aos anos de 1844, 1845, 1846, 1847.

Jornal: O Conciliador: referente aos anos de 1850, 1852.

Jornal: O Bom Senso: referente aos anos de 1852, 1853.

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