A Influência Dos Stakeholders Na Estratégia

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A influência dos stakeholders na estratégia

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE ADMINISTRAO, CONTABILIDADE E ECONOMIA

    MESTRADO EM ADMINISTRAO E NEGCIOS

    JFERSON WEBER DOS SANTOS

    A INFLUNCIA DOS STAKEHOLDERS NA ESTRATGIA: UM

    ESTUDO DE CASO EM UMA ORGANIZAO DO TERCEIRO SETOR

    Porto Alegre, agosto de 2006.

  • 1

    JFERSON WEBER DOS SANTOS

    A INFLUNCIA DOS STAKEHOLDERS NA ESTRATGIA: UM

    ESTUDO DE CASO EM UMA ORGANIZAO DO TERCEIRO SETOR

    Dissertao apresentada como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em Administrao, pelo Mestrado em Administrao e Negcios da Faculdade de Administrao, Contabilidade e Economia da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul. Orientadora: Prof. Dr. Gabriela Cardozo Ferreira

    Porto Alegre, agosto de 2006.

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Bibliotecria Responsvel

    Ginamara Lima Jacques Pinto CRB 10/1204

    S237i Santos, Jferson Weber dos A influncia dos stakeholders na estratgia: um estudo de caso em uma organizao do terceiro setor / Jferson Weber dos Santos. Porto Alegre, 2006. 128 f. Diss. (Mestrado) Faculdade de Administrao, Contabilidade e Economia. Programa de Ps-Graduao em Administrao e Negcios. PUCRS, 2006. Orientador: Prof. Dr. Gabriela Cardozo Ferreira. 1 Planejamento Estratgico. 2. Stakeholders. 3. Organizaes No- Lucrativas Administrao.. I. Ttulo. CDD : 658.4

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    JFERSON WEBER DOS SANTOS

    A INFLUNCIA DOS STAKEHOLDERS NA ESTRATGIA: UM

    ESTUDO DE CASO EM UMA ORGANIZAO DO TERCEIRO SETOR

    Dissertao apresentada como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em Administrao, pelo Mestrado em Administrao e Negcios da Faculdade de Administrao, Contabilidade e Economia da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

    Aprovada, em 31 de agosto de 2006, pela Banca Examinadora.

    BANCA EXAMINADORA

    ________________________________________ Prof. Dr. Grace Vieira Becker

    ________________________________________ Prof. Dr. Nilton Bueno Fischer

    ________________________________________ Prof. Dr. Srgio Luiz Lessa Gusmo

    ________________________________________ Prof. Dr. Gabriela Cardozo Ferreira

    (Orientadora)

  • 3

    Para minha esposa, pelo incentivo e apoio em todos os momentos. Para minha filha, recm nascida e j trazendo muitos ensinamentos. Para meus pais, com sua simplicidade, sempre acreditaram na minha capacidade e fizeram o possvel para dar as condies para o meu desenvolvimento. Aos meus irmos, pelas oportunidades de compartilharmos experincias e aprendizados.

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    AGRADECIMENTOS O ser humano no aprende sozinho, ... ningum educa ningum, ningum educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo (Paulo Freire, in Pedagogia do Oprimido, 1987). Este trabalho fruto de muita reflexo, mediatizada por muitas pessoas que contriburam para torn-lo possvel. Jos Francisco Miranda da Cunha e zio Rezende abriram as portas da Fundao Projeto Pescar, possibilitando o acesso s informaes necessrias para o desenvolvimento do estudo. Sempre solcitos, foram parceiros nesta jornada. Os representantes dos stakeholders entrevistados destinaram seu tempo e conhecimento nas entrevistas. Demonstraram comprometimento e satisfao em ser um parceiro da Fundao. Alceu Terra Nascimento, Gerente Executivo da Fundao Maurcio Sirotsky Sobrinho, meu sponsor e amigo. Deu as condies para que eu pudesse ser um aluno do MAN. Lo Voigt, amigo e professor, acreditou que um ferrovirio pudesse compor a sua equipe de trabalho e abriu as portas da rea social, para minha alegria e realizao. Mrcio Milletto Mostardeiro, colega de trabalho e faculdade, amigo. Foram horas dedicadas a orientar, ajudar no melhor caminho para tornar este estudo vivel. Gabriela Cardozo Ferreira, inteligente e dedicada, foi parceira estratgica nesta pesquisa. Suas orientaes deram segurana ao pesquisador e qualidade ao trabalho. Grace Becker e Srgio Gusmo, professores da banca examinadora e do MAN, com suas crticas e sugestes, contriburam para o desenvolvimento desta pesquisa. Nilton Fischer, reconhecido por sua solidariedade e compromisso social, aceitou o convite para compor a banca examinadora e agregou valor ao trabalho.

  • 5

    RESUMO

    Os graves problemas sociais e ambientais tm mobilizado a sociedade civil,

    impulsionando a constituio de organizaes sem fins lucrativos voltadas exclusivamente a

    melhoria da qualidade de vida das populaes. O terceiro setor, como conhecido o conjunto

    de organizaes sociais, ganhou importncia no cenrio econmico e social. O objetivo deste

    estudo analisar a influncia dos stakeholders no processo de formao e na implementao

    das estratgias de uma organizao do terceiro setor de origem empresarial. A metodologia

    para o desenvolvimento da pesquisa foi o estudo de caso e a organizao selecionada foi a

    Fundao Projeto Pescar. A partir da reviso conceitual sobre terceiro setor, formao de

    estratgias e stakeholders, foram definidas as variveis de pesquisa. Os dados foram coletados

    por meio de entrevistas com os principais gestores da organizao pesquisada, com

    stakeholders selecionados e anlise de documentos. Os resultados apresentaram os principais

    stakeholders da Fundao; as suas expectativas; o grau de influncia em relao Fundao a

    partir dos atributos poder, legitimidade e urgncia; a relao de dependncia entre os

    stakeholders e a organizao pesquisada; e por fim, o processo de formao e implementao

    das estratgias da Fundao, considerando a influncia dos stakeholders analisados. A busca

    pela melhoria nos processos de gesto das organizaes sociais uma realidade e o presente

    estudo uma contribuio a este complexo desafio.

    Palavras-chave: terceiro setor, estratgia, stakeholders.

  • 6

    ABSTRACT

    The serious social and environmental problems have been mobilizing the civil society,

    impelling the constitution of nonprofit organizations linked exclusively to the improvement of

    the quality of populations life. The third section, as the group of social organizations is

    known, won importance in the economical and social scenery. The objective of this study is to

    analyze the influence of the stakeholders in the formation process and in the implementation

    of the strategies of an organization of the third section of business origin. The methodology

    for the development of the research was the case study and the selected organization was the

    Projeto Pescar Foundation. Starting from the conceptual revision on third section, formation

    of strategies and stakeholders, were defined the research variables. The basis were collected

    through interviews with the main managers of the researched organization, with selected

    stakeholders and analysis of documents. The results presented the main stakeholders of the

    Foundation; their expectations; the influence degree in relation to the Foundation starting

    from the attributes to power, legitimacy and urgency; the dependence relationship between the

    stakeholders and the researched organization; and finally, the formation process and

    implementation of the strategies of the Foundation, considering the influence of the analyzed

    stakeholders. The search for the improvement in the processes of administration of the social

    organizations is a reality and the present study is a contribution to this compound challenge.

    Word-key: third section, strategy, stakeholders.

  • 7

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Modelo de Funcionamento Simplificado de uma Organizao Privada e de uma

    Organizao do Terceiro Setor .................................................................................................31

    Figura 2 Modelo Trevo..........................................................................................................33

    Figura 3 Formas de Estratgia ...............................................................................................47

    Figura 4 Relao de Stakeholders e suas Expectativas de Doyle adaptado ..........................57

    Figura 5 Classes de Stakeholders de Mitchell et al. ..............................................................59

    Figura 6 Desenho de Pesquisa ...............................................................................................67

    Figura 7 Estrutura de Apoio e Gesto da FPP.......................................................................76

    Figura 8 Grau de Importncia do Stakeholder em relao FPP com Base nos Atributos

    Poder, Legitimidade e Urgncia Perspectiva da FPP ............................................................84

    Figura 9 Grau de Importncia do Stakeholder em relao FPP com Base nos Atributos

    Poder, Legitimidade e Urgncia Perspectiva do Stakeholder................................................85

    Figura 10 Classes de Stakeholders da FPP........................................................................88

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Relao dos Elementos Levantados que Caracterizam ou Influenciam o Processo

    de Formao de Estratgias ......................................................................................................51

    Quadro 2 Relao de Dependncia do Stakeholder e Organizao ......................................61

    Quadro 3 Relao de Dependncia com a Organizao e o Tipo de Influncia Exercida ....62

    Quadro 4 Estrutura de Anlise ..............................................................................................69

  • 8

    Quadro 5 Relao dos Principais Stakeholders e do Papel Exercidos na Relao com a

    FPP .........................................................................................................................................79

    Quadro 6 Expectativas dos Stakeholders ..............................................................................81

    Quadro 7 Mecanismos de Influncia .....................................................................................89

    Quadro 8 Relao de Dependncia dos Stakeholders e a FPP ..............................................92

    Quadro 9 Objetivos Estratgicos da FPP...............................................................................97

    Quadro 10 Relao dos Stakeholders que Influenciam os Objetivos Estratgicos ...............98

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Nmero de Fundaes Privadas e Associaes sem Fins Lucrativos Brasileiras,

    Segundo rea de Atuao 2002 ............................................................................................23

  • 9

    SUMRIO

    1 INTRODUO ...................................................................................................................11

    2 DELIMITAO DO TEMA E DEFINIO DO PROBLEMA ...................................14

    2.1 DELIMITANDO O TEMA................................................................................................14

    2.2 DEFININDO O PROBLEMA............................................................................................16

    3 OBJETIVOS ........................................................................................................................18

    4 FUNDAMENTAO TERICA......................................................................................19

    4.1 O TERCEIRO SETOR .......................................................................................................19

    4.1.1 Contextualizando o terceiro setor ................................................................................20

    4.1.2 A participao das empresas: criando fundaes e institutos ...................................24

    4.1.3 A gesto nas organizaes do terceiro setor ................................................................29

    4.2 O PROCESSO DE FORMAO DE ESTRATGIAS....................................................36

    4.2.1 A estratgia e suas tipologias ........................................................................................37

    4.2.2 A estratgia deliberada .................................................................................................39

    4.2.3 A estratgia emergente ..................................................................................................42

    4.2.4 Estratgias Deliberadas e Emergentes: uma possvel convergncia .........................46

    4.3 OS STAKEHOLDERS E A SUA INFLUNCIA NA FORMAO DE

    ESTRATGIAS .......................................................................................................................51

    4.3.1 A teoria e a gesto dos stakeholders .............................................................................52

    4.3.2 Administrando as influncias dos stakeholders na formao de estratgias. ...........58

    5 MTODO DE PESQUISA .................................................................................................65

    5.1 JUSTIFICATIVA DA ESCOLHA DO MTODO............................................................65

  • 10

    5.2 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA..........................................................................66

    5.3 REVISO DA LITERATURA..........................................................................................67

    5.4 IDENTIFICAO E SELEO DAS VARIVEIS DE ESTUDO ................................68

    5.5 COLETA DE DADOS .......................................................................................................70

    5.6 ANLISE DOS RESULTADOS .......................................................................................72

    6 APRESENTAO E ANLISE DOS RESULTADOS ..................................................74

    6.1 FUNDAO PROJETO PESCAR - FPP..........................................................................75

    6.2 OS STAKEHOLDERS E A INFLUNCIA NAS ESTRATGIAS DA FUNDAO

    PROJETO PESCAR.................................................................................................................78

    6.2.1 Os principais stakeholders: papel e expectativas em relao Fundao Projeto

    Pescar ......................................................................................................................................78 6.2.2 Grau de influncia dos stakeholders: poder, legitimidade e urgncia.......................83

    6.2.3 Relao de dependncia entre os stakeholders e a Fundao Projeto Pescar...........91

    6.3 FORMAO E IMPLEMENTAO DAS ESTRATGIAS NA FUNDAO

    PROJETO PESCAR.................................................................................................................95

    6.3.1 O processo de formao das estratgias ......................................................................95

    6.3.2 Implementao das estratgias...................................................................................101

    7 CONSIDERAES FINAIS............................................................................................106

    7.1 CONCLUSES................................................................................................................106

    7.2 LIMITAES DA PESQUISA .......................................................................................112

    7.3 SUGESTES PARA ESTUDOS FUTUROS..................................................................113

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...............................................................................115

    APNDICES .........................................................................................................................121

    APNDICE A - Questionrio / Fundao Projeto Pescar (FPP) - Estratgia ........................122

    APNDICE B - Questionrio / Fundao Projeto Pescar (FPP) - Stakeholders....................123

    APNDICE C - Questionrio / Stakeholders .........................................................................124

    APNDICE D - Relao das Empresas Franqueadas, Mantenedoras e Apoiadoras .............125

    APNDICE E - Relao de Influncia entre os Objetivos Estratgicos e as Aes ..............128

  • 11

    1 INTRODUO

    As organizaes da sociedade civil vm desempenhando um papel cada vez mais

    importante no atual contexto econmico e social, contribuindo para a melhoria da qualidade

    de vida de milhes de pessoas que se encontram em situao de vulnerabilidade social. Estas

    organizaes pertencem ao chamado terceiro setor, assim categorizadas por terem fins

    pblicos, utilizando-se de recursos privados, oriundos de pessoas fsicas e jurdicas. O terceiro

    setor composto por uma variedade de organizaes, como as ambientalistas, as

    comunitrias, as confessionais, os grupos de desenvolvimento, defesas de direitos, os

    institutos, as fundaes, entre outras, atuando nos mais diversos campos, entre eles, a

    educao, a sade, o esporte, a cultura e a assistncia social.

    Num estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE e

    pelo Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada - IPEA e divulgado em 2004, foram

    identificadas cerca de 276 mil instituies privadas e sem fins lucrativos no Brasil. A

    participao deste setor na economia nacional, empregando mais de 1,5 milhes de pessoas e

    pagando salrios e outras remuneraes no valor de R$ 17,5 bilhes ao ano, justifica a

    realizao de estudos com o objetivo de conhecer melhor a dinmica de funcionamento destas

    organizaes.

    A partir dos anos 90, as empresas comearam a ter uma atuao mais forte na rea

    social, constituindo institutos e fundaes para melhor desenvolver as estratgias de

    responsabilidade social que j vinham sendo realizadas. Esta estratgia vem se consolidando

    como uma nova forma das empresas interagirem com a sociedade, no mais se atendo

    exclusivamente a gerao de produtos, empregos e pagamento de impostos, mas contribuindo

    para uma melhor qualidade de vida dos seus trabalhadores, gerando produtos e servios com

    qualidade e respeito ao meio ambiente e, ainda, oportunizando o acesso de pessoas em

  • 12

    situao de vulnerabilidade social ao convvio pleno e de forma cidad por meio de aes

    sociais.

    Muitas organizaes da sociedade civil nasceram do compromisso assumido por

    lideranas sociais engajadas nas comunidades, caracterizando-se pela informalidade

    (ROESCH, 2002) e improvisao do fazer (KOTHER, 2004, p. 26), prestando servios sem

    clareza de qual a misso, a viso e os valores da organizao. A reduo dos financiamentos

    internacionais, a descentralizao das polticas sociais do Estado, a incapacidade do Estado

    em prover s necessidades da populao, o elevado grau de importncia para a sociedade e a

    necessidade da auto-sustentao, obrigaram as organizaes da sociedade civil a qualificarem

    os seus servios, deixando de serem exclusivamente assistencialistas e passando a serem

    promotoras do desenvolvimento sustentvel de comunidades pobres. Esto cientes de que

    apenas vontade no basta, sendo necessrio a profissionalizao. Esse diagnstico est

    levando a procura de eficazes modelos de gesto, buscando melhores resultados no

    atendimento do pblico em questo e a planejar suas aes no longo prazo (COELHO, 2000).

    A capacidade de ler o ambiente e interpretar o grau de influncia e as expectativas dos

    grupos ou indivduos que afetam ou so afetados pela organizao, conhecidos como

    stakeholders (FREEMAN, 1984), pode ajudar a mesma a desenvolver ou a perceber possveis

    estratgias que contribuam na busca de resultados, seja na captao de recursos, na

    comunicao com a sociedade, no gerenciamento das pessoas e voluntrios e ainda, na

    prestao dos servios para o pblico beneficiado. Este cenrio mostra a importncia deste

    estudo, que tem por objetivo analisar o papel dos stakeholders na dinmica de formao das

    estratgias da Fundao Projeto Pescar, uma instituio fundada em 1976 pela Link S.A. e

    que atualmente mantida por um conjunto de empresas.

    Para a realizao deste trabalho, na seqncia da introduo, apresentado no captulo

    dois a delimitao do tema e a definio do problema. No captulo trs est o objetivo geral e

    os objetivos especficos. A fundamentao terica, apresentada no captulo quatro, est

    dividida em trs sees. Na primeira, realizada a anlise do terceiro setor, onde se faz uma

    contextualizao do seu crescimento e desenvolvimento, seguida de uma anlise da

    participao das fundaes e institutos empresariais. O terceiro tpico desta seo trata da

    gesto das organizaes que compe o terceiro setor. A segunda seo aborda o tema

    estratgia, verificando as diferentes interpretaes desta palavra, o que vem a ser estratgia

    formalizada e estratgia emergente, finalizando com a anlise da possvel interface entre

    ambas. Na ltima seo deste captulo, ser possvel analisar os conceitos sobre stakeholders,

  • 13

    quem so e seu poder de influncia na formao das estratgias, principalmente nas

    organizaes do terceiro setor.

    No captulo cinco apresentada a metodologia proposta para o desenvolvimento da

    pesquisa, o estudo de caso. No captulo seis realizada a apresentao e anlise dos

    resultados. Por fim, o captulo sete trs as consideraes finais da pesquisa.

    Este trabalho no tem a pretenso de esgotar o assunto, mas trazer uma contribuio

    para um universo to vasto como o terceiro setor e a formao de estratgias. Ao

    pesquisador cabe apresentar novos elementos que ampliem o conhecimento sobre

    determinado assunto, sem a inteno de ter a verdade absoluta, devendo estar seguro de que

    suas consideraes podero ser refutadas em estudos posteriores, gerando uma espiral de

    aprendizagem.

  • 14

    2 DELIMITAO DO TEMA E DEFINIO DO PROBLEMA

    O terceiro setor apresenta uma multiplicidade de organizaes, atuando nos mais

    variados temas e atendendo populaes diversificadas. Compreender como estas organizaes

    so administradas uma tarefa complexa, exigindo do pesquisador a priorizao de

    determinados elementos para o desenvolvimento do estudo. A seguir, ser apresentada a

    delimitao do tema de pesquisa e o problema central a ser analisado.

    2.1 DELIMITANDO O TEMA

    A rea social foi considerada uma responsabilidade da igreja, cabendo a ela prover as

    necessidades das populaes mais pobres. Parte dos recursos para realizar as suas aes

    provinha das oligarquias e outra do trabalho voluntrio de muitas pessoas. No Governo de

    Getlio Vargas o Estado comeou a desenvolver polticas sociais, disputando com a igreja

    esta condio. Polticas sociais voltadas ao trabalhador, polticas habitacionais, de acesso

    sade, entre outras, foram criadas nesta poca, sendo posteriormente consideradas

    assistencialistas e no capazes de gerar uma significativa mudana na condio dos

    necessitados. A partir da dcada de 70 uma nova fora comeou a emergir, como forma de

    negao ao Estado de exceo e para responder as necessidades da populao em situao de

    vulnerabilidade social, so as chamadas Organizaes No-Governamentais. Estas

    organizaes nasceram como movimentos contestatrios s aes dos Governos

    (KOTHER, 2004, p. 26), e se caracterizaram como espaos onde as pessoas podiam se

    organizar para refletir e propor alternativas de enfrentamento a pouca liberdade poltica e aos

    problemas sociais existentes.

  • 15

    O terceiro setor passou a gerar interesse e ganhar visibilidade recentemente, apesar de

    muitas dessas organizaes estarem atuando h muitas dcadas. No meio acadmico, cada vez

    mais estudos vm sendo realizados, havendo ainda espao para muitas contribuies num

    universo ainda pouco explorado, especialmente quanto gesto administrativa destas

    organizaes. Coelho (2000) identificou alguns fatores que mudaram o perfil do terceiro setor

    no Brasil nos ltimos anos: o processo de democratizao; a valorizao destas organizaes

    no cenrio internacional, influenciando as polticas econmicas e sociais; e o surgimento de

    organizaes comprometidas com valores democrticos, influenciando todo o setor. O

    impacto destas organizaes para a sociedade exigiu a aprovao de uma nova lei para o setor

    em 1999, intitulada Novo Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil, que qualifica as pessoas

    jurdicas de direito privado e sem fins lucrativos como Organizaes da Sociedade Civil de

    Interesse Pblico (OSCIPs) e criou o Termo de Parceria, possibilitando a realizao de

    parcerias com o poder pblico, alm de regulamentar o trabalho voluntrio (FERRAREZI,

    2002). Segundo dados recentes do IBGE e IPEA (2004), j so 276 mil fundaes privadas e

    associaes sem fins lucrativos atuando no Brasil, frente a 170 mil existentes na dcada de 90.

    Estas organizaes possuem algumas caractersticas comuns e que as diferenciam do

    setor pblico e de grande parcela das organizaes empresariais. Entre elas, podem ser citadas

    a autonomia, descentralizao, estrutura leve, flexibilidade, agilidade, simplificao das

    relaes, criatividade, utilizao de trabalho voluntrio, a preocupao com o

    desenvolvimento da cidadania e a promoo do interesse coletivo, como aponta Garay (2003).

    Quanto aos valores, destacam-se a solidariedade, o sentido do dever, a responsabilidade pelo

    outro, o compromisso com o direito de livre expresso e os valores da iniciativa individual em

    prol do bem pblico (GARAY, 2003). Em razo destas caractersticas, estas organizaes

    podem ser consideradas mais permeveis s demandas emergentes da sociedade. Para

    Teodsio (2002), as organizaes da sociedade civil apresentam algumas virtudes que as

    caracterizam como a proximidade com a comunidade, desburocratizao e agilidade, melhor

    aplicao dos recursos, capacidade de envolver a comunidade, valorizao das solues

    apresentadas pela comunidade, rompimento com o assistencialismo e o paternalismo,

    desenvolvimento de projetos visando a gerao de emprego e renda e a capacidade de ter um

    controle mais efetivo sobre as polticas pblicas e programas sociais do Estado.

    Entretanto, estas organizaes apresentam um relativo grau de complexidade para

    serem administradas, j que oferecem servios para um grande nmero de pessoas e contam

    com recursos limitados, dependendo das doaes e parcerias com outras instituies.

    Conforme apontam estudos da Ashoka Empreendedores Sociais e McKinsey & Company

  • 16

    (2001, p. 21), um grande nmero das organizaes deste setor no conhece ou no domina

    algumas ferramentas de administrao e gerenciamento j consagradas no setor privado.

    Neste novo contexto, o cidado no depende mais exclusivamente do Estado para

    prover suas necessidades. Agora, ele pode contar com organizaes da sociedade civil

    atuantes, que fazem valer os seus direitos e contribuem para a garantia dos servios bsicos de

    uma sociedade (NETO e FROES, 1999). Cada vez mais indivduos e grupos se organizam

    conforme seus interesses, manifestando suas vontades e exigindo seus direitos. Paralelo a isso,

    um consumidor com novo perfil emerge, exigindo produtos de qualidade, respeito ao meio

    ambiente, cumprimento da legislao trabalhista e compromisso com o desenvolvimento

    social.

    Percebendo este cenrio, algumas empresas comearam a constituir fundaes e

    institutos para atuarem em parceria com as comunidades e organizaes sociais. O empresrio

    j no tem mais responsabilidade exclusiva com as questes internas do seu negcio, mas um

    compromisso com a sociedade (PAIVA, LIMA e BENEDICTO, 2003).

    O foco deste trabalho so as fundaes de origem empresarial que desenvolvem um

    trabalho reconhecido pela sociedade, com mrito, relevncia e impacto social.

    2.2 DEFININDO O PROBLEMA

    Com o crescimento da importncia e do impacto das organizaes do terceiro setor no

    contexto econmico e social, aliado s exigncias de uma nova lei, se torna cada vez mais

    necessria a qualificao da gesto administrativa das mesmas (CAMARGO et al., 2001).

    Pesquisas com o objetivo de conhecer melhor a dinmica de funcionamento destas

    instituies, contribuiro para uma melhor administrao dos recursos, dos servios e das

    pessoas.

    A complexidade em administrar as organizaes do terceiro setor tem levado muitos

    gestores a buscarem ferramentas de apoio para a tomada de decises, alm da

    profissionalizao das equipes de trabalho. Autores como Hudson (1999), Kother (2004) e

    Fischer (2004) chamam a ateno para a necessidade de adaptar as tcnicas de gesto

    utilizadas na administrao para a realidade das organizaes sociais, respeitando as suas

    caractersticas e identidade. Trata-se de organizaes que precisam desenvolver aes

    voltadas a diferentes pblicos que apresentam uma diversidade de necessidades. Um desafio

  • 17

    permanente para cumprirem sua misso e atender adequadamente estes pblicos a captao

    de recursos junto sociedade, viabilizada a partir da capacidade em manter um estreito

    relacionamento com potenciais doadores.

    O presente estudo analisa um dos grupos que compe este vasto universo de

    organizaes, as fundaes e institutos constitudos e mantidos por empresas privadas. Alm

    de importantes financiadoras de outras organizaes sociais, principalmente aquelas que

    atuam diretamente com as populaes pobres, estas instituies trouxeram uma nova

    dinmica ao setor, introduzindo uma maior racionalidade na gesto. A partir de 1990, as

    fundaes e institutos empresariais se organizaram para desenvolver aes coordenadas.

    Exemplo disso a constituio do Grupo de Institutos, Fundaes e Empresas (GIFE), uma

    organizao formada por fundaes e institutos das principais empresas do Brasil e que no

    ano de 2004 investiram aproximadamente R$ 800 milhes na rea social, um crescimento de

    36%, quando comparado ao ano de 2001 (GIFE, 2004). Elas se consolidaram como mais um

    ator no terceiro setor, ao lado das associaes comunitrias, organizaes no-governamentais

    (ONGs), instituies filantrpicas, entre outras.

    A forma como estas organizaes so geridas est se consolidando como um

    importante campo de estudo para os pesquisadores. Entre possveis elementos a serem

    analisados numa organizao se destaca o processo de formao de estratgias e a capacidade

    dos stakeholders em influenciarem as decises. Cada vez mais as instituies se preocupam

    em considerar na sua gesto as expectativas dos seus pblicos de relacionamento, conhecidos

    como stakeholders. a partir desta reflexo que foi formulado o problema central deste

    estudo: a organizao pesquisada identifica os seus principais stakeholders, buscando

    compreender os papis dos mesmos e considera as expectativas destes pblicos nas suas

    estratgias?

  • 18

    3 OBJETIVOS

    O objetivo geral do presente trabalho analisar a influncia dos stakeholders na

    estratgia de uma organizao do terceiro setor de origem empresarial.

    Os objetivos especficos possibilitaro uma melhor abordagem do tema, contribuindo

    para a realizao do objetivo geral:

    a) Identificar os principais stakeholders da organizao e as suas expectativas.

    b) Analisar o grau de influncia dos stakeholders nas estratgias da

    organizao, a partir dos atributos poder, legitimidade e urgncia.

    c) Caracterizar a relao de dependncia entre os stakeholders e a

    organizao.

    d) Descrever como so formadas e implementadas as estratgias na

    organizao pesquisada a partir da influncia dos stakeholders.

  • 19

    4 FUNDAMENTAO TERICA

    A fundamentao terica uma oportunidade para o pesquisador aprofundar os

    conceitos sobre os temas centrais de seu trabalho, com base em referenciais tericos e

    utilizando diferentes abordagens dos autores. No presente estudo, a fundamentao ir

    discorrer sobre trs temas de relevncia para o trabalho: terceiro setor, formao de estratgias

    e stakeholders. A seo sobre o terceiro setor inicia com uma contextualizao, passa pela

    anlise da formao de fundaes e institutos empresariais e finaliza com o estudo sobre a

    gesto nas organizaes que o compe. Na formao de estratgias sero analisados alguns

    conceitos sobre estratgia, seguido de um aprofundamento sobre estratgias formalizadas e

    estratgias emergentes e a verificao da interface entre estes dois processos. Na ltima seo,

    sero abordados os stakeholders, comeando pela teoria e gesto dos stakeholders,

    finalizando com a anlise do seu poder de influncia no processo de formao das estratgias

    das organizaes.

    4.1 O TERCEIRO SETOR

    O terceiro setor apresenta uma multiplicidade de organizaes, como as no-

    governamentais, os movimentos sociais, as organizaes confessionais, as associaes

    recreativas, as filantrpicas, os institutos e fundaes empresariais, entre outras. Esta

    diversidade de organizaes, muitas apresentando o mesmo objetivo, levou a construo de

    diferentes tipologias visando traar uma radiografia do setor. O termo terceiro setor

    comeou a ser utilizado no Brasil no incio da dcada de 90 e surge com o objetivo de

  • 20

    caracterizar aquelas organizaes de carter social, privadas e sem fins lucrativos (ASHOKA

    EMPREENDEDORES SOCIAIS e MCKINSEY & COMPANY, 2001).

    A seo inicia com uma contextualizao do terceiro setor no Brasil, analisando o

    desenvolvimento, o impacto e a sua identidade. No tpico 4.1.2 o estudo se detm a um dos

    vrios tipos de organizaes sociais que compe este setor, os institutos e fundaes

    empresariais. No ltimo tpico, o enfoque na gesto das organizaes do setor,

    apresentando as suas particularidades, os desafios e relacionando a sua dinmica de

    funcionamento com o segundo setor, formado pelas empresas com fins privados.

    4.1.1 Contextualizando o terceiro setor

    Nos ltimos anos um novo ator se configurou no cenrio brasileiro e internacional: o

    terceiro setor, formado por organizaes da sociedade civil. O termo terceiro setor foi

    criado para designar aquelas organizaes que prestam servio pblico com recursos

    privados. O primeiro setor composto pelo poder pblico, com fins pblicos e utilizando

    recursos pblicos e o segundo setor, formado pela iniciativa privada, utiliza recursos privados

    para fins privados. Coelho (2000) explica que o termo ONG - organizao no-governamental

    - no existe juridicamente e so registradas como sociedades sem fins lucrativos. O setor

    pode ser definido [...] como aquele em que as atividades no seriam nem coercitivas nem

    voltadas para o lucro e suas aes tm como objetivo o [...] atendimento de necessidades

    coletivas e, muitas vezes, pblicas (COELHO, 2000, p. 40).

    Nos Estados Unidos as organizaes do terceiro setor so denominadas nonprofit

    organization (organizaes sem fins lucrativos). Este setor, bem como o seu conceito, ainda

    est se consolidando no Brasil e carece de uma melhor definio dos critrios para identificar

    os diferentes grupos de organizaes que o compe. Segundo Roesch (2002, p. 02) o terceiro

    setor compreende uma srie de organizaes diferenciadas e no h consenso sobre seu

    significado. Tampouco sobre a composio do setor. Algumas tipologias foram elaboradas,

    entre elas, uma proposta por Gohn (1997, apud COELHO, 2000), dividindo as organizaes

    em: caritativas, desenvolvimentistas, cidads e ambientalistas. As caritativas so voltadas para

    a assistncia e existem em maior nmero. As desenvolvimentistas, muito prximas as

    ambientalistas, tiveram impulso a partir da ECO 92 e propem aes de interveno no meio

  • 21

    ambiente. As organizaes cidads tm seu foco voltado aos direitos dos cidados. Por

    ltimo, as ambientalistas, como o prprio nome indica, so pautadas por questes ecolgicas.

    Estas organizaes cumprem um relevante papel social, contribuindo para a

    construo de poltica pblicas com maior eficincia, eficcia e efetividade (TEODSIO,

    2002, p. 98). Para Salvatore (2004, p. 28):

    Trata-se de organizaes de natureza privada e finalidade pblica, portanto sem finalidade de lucro, cujas aes esto voltadas para questes como cidadania, emancipao, autonomia e direitos da populao em geral, e dos excludos preferencialmente.

    At o final do sculo XIX, as aes sociais no Brasil eram na sua grande maioria uma

    responsabilidade da igreja, predominando a caridade crist. As oligarquias e os donos das

    grandes indstrias doavam recursos para sustentar santas casas, asilos, hospitais, entre outras

    organizaes que atendiam a populao em situao de vulnerabilidade social. No final do

    sculo XIX e incio do sculo XX o Estado brasileiro comeou a intensificar a sua atuao na

    rea social (CAMARGO et al., 2001). Desta forma, as organizaes sociais comearam a

    depender do repasse de recursos do Estado para continuar a prestar seus servios, ficando

    submetidas ao controle da administrao estatal, embora as doaes das pessoas fsicas no

    tivessem cessado. A poltica do Estado baseada no assistencialismo e ele ir dividir com a

    igreja a responsabilidade por obras assistenciais paternalistas (CARRION e GARAY, 2000,

    p. 209).

    Na fase da industrializao brasileira, paralela ao crescimento econmico, os

    problemas sociais se intensificaram, principalmente nas reas urbanas. Esta situao fez

    eclodir o surgimento de sindicatos e associaes de defesa do trabalhador. Na dcada de 70

    surge um novo fenmeno, em resposta a represso da ditadura militar, o surgimento das

    organizaes no-governamentais, conhecidas como ONGs, com o objetivo de defender os

    direitos polticos, civis e humanos (ASHOKA EMPREENDEDORES SOCIAIS e

    MCKINSEY & COMPANY, 2001, p. 14). Na dcada de 80 a participao da sociedade civil

    brasileira torna-se mais ativa em decorrncia do processo de democratizao vivido pelo pas,

    vindo a se consolidar com a promulgao da constituio federal em 1988.

    As organizaes no-governamentais eram reconhecidas pelo seu carter

    reivindicatrio, contavam com o trabalho de voluntrios, estavam voltadas a atender as

    necessidades das populaes mais pobres e propunham a transformao estrutural da

    sociedade (SOBOTTKA, 2002, p. 84). Elas contriburam para a redemocratizao do Estado

  • 22

    brasileiro e uma expressiva parte dos recursos que as mantinham em funcionamento eram

    provenientes de fundaes internacionais como a Ford Foundation, a Rochefeller e a

    MacArthur (ASHOKA EMPREENDEDORES SOCIAIS e MCKINSEY & COMPANY,

    2001). O fluxo de recursos internacionais para o Brasil diminuiu substancialmente a partir da

    dcada de 90, sendo redirecionado para pases mais pobres. Esta nova realidade exigiu

    mudanas na forma de gerenciamento de muitas organizaes sociais. Nesta mesma dcada o

    setor privado comea a se engajar em aes sociais, por meio de parcerias com organizaes

    no-governamentais. Com o tempo, algumas empresas constituram suas prprias fundaes

    ou institutos. Hoje, somente as 70 fundaes e institutos associados ao GIFE - Grupo de

    Instituto e Fundaes Empresariais do Brasil - investem mais de R$ 800 milhes/ano em

    programas sociais. Foi a partir deste contexto histrico que o terceiro setor no Brasil foi

    ganhando forma e identidade. As questes sociais deixaram de ser responsabilidade exclusiva

    da igreja e do Estado, passando a contar com a adeso da sociedade civil organizada.

    Em 1999 foi aprovada uma lei no Brasil onde foi possvel diferenciar as organizaes

    sem fins lucrativos de interesse pblico das organizaes de carter comercial, a chamada Lei

    das Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico - Oscip, tambm conhecida como

    Novo Marco Legal do Terceiro Setor (SZAZI, 2004). A nova lei teve por objetivo fortalecer a

    sociedade civil, oportunizar a realizao de parcerias com o Estado, gerar condies para que

    a sociedade pudesse acompanhar o trabalho realizado pelas instituies sociais, reconhecer

    aquelas instituies que estavam na informalidade e principalmente, delimitar aquelas

    organizaes que realmente se caracterizaram como sem fins lucrativos (FERRAREZI, 2002).

    O novo Marco Legal exige destas instituies o aumento da racionalidade na gesto e a

    implementao de projetos, j que as mesmas esto sujeitas as auditorias externas e devem

    prestar contas regularmente. O controle interno realizado pelo Conselho Fiscal, instncia

    obrigatria nestas instituies.

    O impacto deste setor na economia brasileira e mundial visvel. Numa pesquisa

    coordenada pelo Johns Hopkins Center for Civil Society Studies em 35 pases, incluindo o

    Brasil, foi constatado que as organizaes sociais sem fins lucrativos empregavam 39,5

    milhes de pessoas, o equivalente a 6,8% da populao economicamente ativa. No Brasil,

    onde a pesquisa foi coordenada pelo Instituto de Estudos da Religio (ISER) e divulgada em

    1999, o setor j movimentava cerca de R$ 12 bilhes por ano, equivalente a 1,5% do Produto

    Interno Bruto - PIB (LANDIM e BERES, 1999). Nos EUA o setor j representava 6,3% do

    PIB e empregava 7,8% da populao em idade ativa, superior aos 2,2% de pessoas ocupadas

  • 23

    no Brasil. Na Holanda este nmero j chegava a 12,5%, enquanto a mdia mundial era de

    4,8%.

    Pesquisa recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE e Instituto de

    Pesquisa Econmica Aplicada - IPEA, divulgada em 2004, identificou 275.895 fundaes

    privadas e associaes sem fins lucrativos no Brasil, empregando mais de 1,5 milhes de

    pessoas e pagando salrios e outras remuneraes no valor de R$ 17,5 bilhes ao ano. Para

    serem enquadradas sem fins lucrativos as organizaes devem apresentar cinco critrios: 1)

    estarem legalmente constitudas; 2) serem auto-administradas; 3) no terem fins lucrativos, se

    gerados, devem ser aplicados nas atividades fins; 4) privadas, sem estarem sob a

    responsabilidade do Estado; 5) voluntria, as decises so decididas pelos scios e/ou

    fundadores (IBGE e IPEA, 2004, p. 15). A Tabela abaixo apresenta as organizaes segundo

    a classificao adotada no Brasil:

    Tabela 1 - Nmero de Fundaes Privadas e Associaes sem Fins Lucrativos Brasileiras, Segundo rea de Atuao - 2002

    rea de Atuao Nmero de Fundaes Privadas e Associaes sem Fins Lucrativos

    Habitao 322Sade 3.798Cultura e recreao 37.539Educao e pesquisa 17.493Assistncia social 32.249Religio 70.446Associaes patronais e profissionais 44.581Meio ambiente e proteo animal 1.591Desenvolvimento e defesa de direitos 45.161Outras instituies privadas sem fins lucrativos no especificadas anteriormente 22.715Total 275.895Fonte: IBGE e IPEA (2004, p. 21).

    Os dados mostram o elevado nmero de organizaes. Quanto aos postos de trabalho,

    o estudo mostrou que do total de organizaes pesquisadas, 77% no tem empregados.

    Segundo Coelho (2000) caracterstica das mesmas trabalharem com um quadro de pessoal

    reduzido. Os servios so prestados exclusivamente por voluntrios. Estima-se que j existam

    aproximadamente 19 milhes de brasileiros prestando servios voluntrios. Apenas 1% do

    total pesquisado tem 100 ou mais empregados, cerca de 2,5 mil organizaes. Elas absorvem

    61% dos trabalhadores do setor, o equivalente a um milho de empregados (IBGE e IPEA,

    2004, p. 27).

  • 24

    No universo pesquisado, encontram-se as fundaes e os institutos, que tiveram sua

    origem no meio empresarial. Estas organizaes emergem como um novo ator social e iro

    contribuir para a qualificao da gesto no terceiro setor, introduzindo novas ferramentas da

    administrao.

    4.1.2 A participao das empresas: criando fundaes e institutos

    A atuao social das empresas pode se dar em dois nveis: no nvel da filantropia e no

    nvel das aes com a comunidade (NETO e FROES, 1999). No primeiro, os empresrios so

    sensibilizados pelo mrito de uma determinada causa social e ficam motivados a doarem

    recursos financeiros, produtos ou servios para entidades assistenciais e filantrpicas. As

    doaes so pontuais e sem um plano de investimento social previamente elaborado. No

    segundo nvel, a dimenso de responsabilidade social ganha amplitude e deixa de ser eventual

    para se tornar uma estratgia. A responsabilidade social foca a cadeia de negcios da empresa

    e os seus stakeholders: Nesta dimenso, a empresa baliza suas aes sociais em princpios e

    valores ticos e refora as suas relaes com seus funcionrios e familiares, clientes,

    fornecedores, acionistas, parceiros, governo, sociedade e comunidade (NETO e FROES,

    1999, p. 79).

    Nos ltimos anos o segundo setor tem privilegiado o investimento social estratgico.

    Investir em programas assistencialistas e desarticulados no tem o mesmo impacto do

    investimento em programas promotores do desenvolvimento local social integrado,

    conhecido como DLSI (FRANCO, 2004, p. 15). possvel para a empresa agregar mais valor

    a sua marca e gerar vantagens competitivas por meio do apoio sistemtico e planejado junto a

    comunidade, alm de poder contribuir para a efetiva sustentabilidade das pessoas que nela

    vivem. A metodologia do DLSI passa por um diagnstico participativo para identificar os

    problemas e potenciais da comunidade e pelo desenvolvimento de um plano de trabalho. A

    partir do plano so extradas as aes prioritrias e identificadas as organizaes que podero

    ser parceiras para a execuo. Todo o processo participativo, focado na formao de uma

    gesto comunitria empreendedora (FRANCO, 2004, p. 17). neste contexto que as

    empresas podem disponibilizar os seus recursos financeiros, materiais, humanos e

    fundamentalmente, suas competncias essenciais, acumuladas ao longo dos anos e

    imprescindveis para o aperfeioamento do capital social existente nestas comunidades.

  • 25

    Para Austin (2003), existem trs estgios de colaborao entre empresa e sociedade: o

    filantrpico, o transacional e o integrativo. O primeiro se caracteriza pela forma tradicional da

    empresa se relacionar com a comunidade e ONGs, realizando doaes pontuais em dinheiro,

    servios ou mercadorias. Em pesquisa coordenada por Peliano (2001), constatou-se que no

    Sul do Brasil, 46% das empresas realizam algum tipo de ao social, destas, 64% doou

    recursos diretamente para pessoas ou comunidades carentes (PELIANO, 2001, p. 50). No

    estgio transacional as empresas e as ONGs pensam conjuntamente quais sero as aes

    sociais junto s comunidades. As empresas colocam suas competncias e habilidades a

    disposio, alm de recursos financeiros e/ou materiais. No terceiro e ltimo estgio, o

    integrativo, as aes sociais das empresas e das ONGs tornam-se estratgicas para os dois

    parceiros, ocorrendo uma combinao de competncias e a durao da parceria pode se

    estender. Na pesquisa apresentada por Peliano (2001, p. 50), 15% das empresas

    desenvolveram projetos em parceria com organizaes comunitrias, 27% executaram

    diretamente a ao social e 19% utilizaram-se de uma entidade criada pela empresa para

    executar as aes sociais (instituto, fundao, associao, etc.).

    A constituio de uma cultura de responsabilidade social exige um bom

    relacionamento com a comunidade, uma poltica de respeito ao consumidor e ao meio

    ambiente, apoiando e incentivando o desenvolvimento dos seus colaboradores e considerando

    as expectativas dos demais stakeholders. Uma empresa caracterizada como socialmente

    responsvel quando o comportamento tico torna-se uma prtica nas relaes com seus

    stakeholders. Para o Instituto Ethos (2004) a empresa socialmente responsvel :

    [...] aquela que possui a capacidade de ouvir os interesses das diferentes partes (acionistas, funcionrios, prestadores de servio, fornecedores, consumidores, comunidade, governo e meio-ambiente) e consegue incorpor-los no planejamento de suas atividades, buscando atender s demandas de todos e no apenas dos acionistas ou proprietrios.

    A responsabilidade social vai alm do cumprimento das exigncias legais, sejam

    ambientais, trabalhistas e fiscais. A empresa se compromete de forma espontnea e consciente

    a investir em aes sociais que tenham por objetivo a melhoria da qualidade de vida das

    populaes e a preservao ambiental. Esta atitude contribui para estreitar o relacionamento

    da empresa com os seus stakeholders, conquistando uma imagem positiva, principalmente nos

    aspectos sociais. Em relao ao meio ambiente, por exemplo, as empresas passaram por

    profundas mudanas nas ltimas dcadas. A partir dos anos 70 foi necessrio impor limites

  • 26

    explorao de recursos naturais e exigir o adequado destino dos resduos industriais. Para isso,

    o governo criou um conjunto de regulamentaes ambientais, fiscalizando e punindo aquelas

    empresas que descumprissem a lei. No entanto, com o passar dos anos o que era obrigatrio

    passou a ser visto como uma oportunidade e muitas empresas conseguiram estrategicamente

    desenvolver e consolidar uma imagem de amigas do meio ambiente (CLEMENTE, SOUZA

    e SASSON, 2003, p. 1).

    Porter (2000) enfatiza que a riqueza de uma nao criada pelas empresas e pelas

    pessoas. A formao de um ambiente microeconmico favorvel que leve a uma economia

    produtiva, dever considerar algumas caractersticas: insumos de qualidade, recursos humanos

    capacitados, infra-estrutura satisfatria, excelente sistema de comunicao, clientes exigentes

    e regras corretas e claras para o jogo. O cliente exigente e consciente, por exemplo, ir

    considerar se a empresa respeitou as leis ambientais, no utilizou mo-de-obra infantil ou

    escrava, se tem uma poltica adequada na relao com seus funcionrios, se gera produtos de

    qualidade, entre outros aspectos. Este comportamento do consumidor est exigindo uma nova

    postura das empresas e aquelas que desconsiderarem este novo ambiente, podero estar

    perdendo competitividade. O papel das empresas j no est mais limitado gerao de

    produtos e servios, a sociedade espera mais e valoriza aquelas que desenvolvem estratgias

    explcitas de investimento social.

    Esta mudana tornou a comunidade, formada por diferentes pblicos, um importante

    stakeholder para sua formulao estratgica, deixando de ser apenas um potencial mercado

    consumidor. O consumidor j comea a priorizar aquelas empresas que investem em aes

    sociais e que se preocupam em aliar sua imagem a uma causa de interesse pblico (NETO e

    FROES, 1999). Quando as empresas passam a desenvolver projetos sociais em parceria com a

    comunidade, contribuindo com recursos financeiros ou humanos, a responsabilidade social

    surge como um fator importante, agregando valor marca da empresa e contribuindo para

    uma melhor qualidade de vida das populaes pobres (DEAN, 2004).

    O excesso de concorrncia vivido no mundo empresarial pode fazer com que as

    empresas ofeream produtos com pouca diferenciao e a responsabilidade social pode ser

    uma oportunidade de diferenciar os produtos, servios e marca (PAIVA, LIMA e

    BENEDICTO, 2003). Os clientes esto cada vez mais cautelosos e exigentes, conscientes da

    importncia em consumir produtos que no agridam o meio ambiente, em valorizar empresas

    que no empreguem mo-de-obra infantil e tenham uma poltica de valorizao dos seus

    colaboradores e que priorizem uma relao pautada na tica com os seus stakeholders.

    Segundo Austin (2003), estudos mostram que, quando o produto apresenta preo e qualidade

  • 27

    similar, o consumidor opta por aquele produto cuja empresa desenvolva alguma ao social.

    Ter uma imagem de investidor social passa a ser um diferencial competitivo para as empresas

    e o valor social passa a integrar a estratgia de negcio. A atitude da empresa depende da

    sua capacidade de interpretar as variveis externas e se antecipar s novas exigncias de um

    consumidor cada vez mais exigente.

    Em 2004 o Instituto Ethos e o Instituto Akatu1 divulgaram uma pesquisa realizada

    com uma amostra formada por mil consumidores brasileiros, divididos em cotas de classe,

    idade, escolaridade e ocupao. Nesta pesquisa foi possvel verificar as tendncias de

    comportamento do consumidor em relao s empresas socialmente responsveis. Por

    exemplo, para 44% dos entrevistados as empresas tm compromissos que vo alm da

    gerao de lucros, pagamento de impostos, gerao de empregos e o cumprimento das leis,

    elas devem ajudar a construir uma sociedade melhor para todos (INSTITUTO ETHOS e

    INSTITUTO AKATU, 2004, p. 14). A pesquisa mostrou ainda que para 70% dos

    entrevistados as empresas devem estar diretamente envolvidas na resoluo dos problemas

    sociais (INSTITUTO ETHOS e INSTITUTO AKATU, 2004, p. 16). diante deste novo

    cenrio que muitas empresas esto institucionalizando suas prticas sociais, criando institutos

    e fundaes. Para estas empresas, o valor social passou a ser parte integrante do negcio

    (AUSTIN, 2003).

    Aquelas organizaes com habilidade para mobilizar a corporao de forma que traga

    benefcios internos e para a comunidade, no atuando de maneira isolada, mas em conjunto

    com a sociedade, ter mais condies de obter vantagens competitivas (PORTER e

    KRAMER, 2002). Para Kruglianskas et al. (2003, p. 8) as empresas que tiverem um impacto

    significativo sobre algum problema social conseguiro mais credibilidade que outras que no

    passam de grandes doadoras. Porter e Kramer (2002) enfatizam que as empresas doadoras

    com reputao junto sociedade, tm condies de sensibilizarem novos doadores, se

    utilizando da influncia que tm sobre os seus stakeholders, como os clientes, fornecedores,

    entre outros parceiros.

    Para Xavier e Souza (2004), o desafio para as empresas que convivem num regime

    capitalista, marcado pela forte concorrncia em ambientes turbulentos est em conseguir

    atender as expectativas dos acionistas e ofertar um produto socialmente responsvel. Os

    1 O Instituto Ethos uma organizao no-governamental e foi criada com o objetivo de mobilizar, sensibilizar e assessorar as empresas nas suas prticas de gesto e responsabilidade corporativa. Conta com 1115 empresas associadas que respondem por 30% do Produto Interno Bruto brasileiro. O Instituto Akatu foi criado com a misso de sensibilizar, educar e informar os cidados para a prtica do consumo consciente.

  • 28

    autores sugerem que as empresas tm dois objetivos: o primeiro ganhar mercado, maximizar

    os resultados e agregar valor imagem, objetivo este chamado de vertente instrumental; no

    segundo objetivo, a empresa cumpre as normas, respeita o meio ambiente e se compromete

    com a qualidade de vida dos seres humanos, entendido como racionalidade substantiva.

    Alves (2002, p. 2) explica que a racionalidade substantiva determinada pela crena

    consciente em valores - ticos, estticos, religiosos ou sob qualquer outra forma que se

    manifestem - prprios e absolutos de uma conduta, sem relao alguma com o resultado.

    O envolvimento social sistemtico da empresa com problemas sociais gera

    competncias que vo amadurecendo com os anos e podem trazer vantagens competitivas.

    Esta percepo faz com que muitos empresrios comecem a incorporar a responsabilidade

    social a sua gesto estratgia, deixando de fazer apoios dispersos e pulverizados, para adotar

    aes sociais baseadas num plano previamente elaborado, atendendo as necessidades de

    determinada comunidade e alinhadas s metas econmicas da empresa (KRUGLIANSKAS et

    al., 2003). O investimento na rea social importante para o desenvolvimento das empresas

    em mercados competitivos, contribuindo para o fortalecimento do capital social presente

    nas comunidades e inserindo no mercado de trabalho e de consumo, pessoas em situao de

    vulnerabilidade social. O capital social formado pelos ativos presentes na comunidade e pela

    sua capacidade de integrao e cooperao (FRANCO, 2004).

    Diante deste cenrio as empresas esto cada vez mais aliando suas aes sociais as

    estratgias do negcio. A responsabilidade social pode se configurar numa estratgia,

    permitindo a criao de um diferencial competitivo para as empresas e contribuindo para a

    sustentabilidade no longo prazo. Paiva, Lima e Benedicto (2003) identificam alguns

    resultados quando a empresa adota esta estratgia: fortalecimento da marca institucional,

    diferenciao de produtos e servios, melhor relacionamento com os seus stakeholders,

    insero na comunidade para legitimar operaes ou aprimorar suas relaes e empregados

    mais motivados, diminuindo o turn over. Na pesquisa realizada pelo Instituto Ethos e o

    Instituto Akatu (2004), para os entrevistados que trabalhavam em empresas com mais de mil

    funcionrios, quanto mais responsvel socialmente for a minha empresa, mais motivado e

    leal me torno como funcionrio (INSTITUTO ETHOS e INSTITUTO AKATU, 2004, p.

    19). Para Neto e Froes (1999), o retorno para a empresa compreende a valorizao da imagem

    corporativa, a maior fidelidade dos clientes, a conquista de novos clientes, a capacidade de

    contratar talentos e o melhor relacionamento com os stakeholders.

    Embora os acionistas ainda sejam um dos principais stakeholders das empresas, novos

    atores comearam a ter um importante papel na relao com estas organizaes, influindo

  • 29

    definitivamente nas suas estratgias, como os consumidores, comunidades e organizaes

    sociais. Na tentativa de estreitar o relacionamento com estes pblicos, buscando uma

    participao mais ativa na rea social e incorporando a responsabilidade social na gesto, as

    empresas comearam a criar fundaes e institutos empresariais (ASHOKA

    EMPREENDEDORES SOCIAIS e MCKINSEY & COMPANY, 2001). Em decorrncia

    desta nova atribuio - ser parceira na promoo do desenvolvimento social - empresas como

    a Rede Brasil Sul de Comunicaes, a Azalia, a Gerdau, assim como Associaes

    Comerciais e Industriais, caso da ACI de Novo Hamburgo, constituram fundaes e institutos

    empresariais com objetivo de se aproximar da comunidade e contribuir para uma qualidade de

    vida melhor todas as pessoas, principalmente quelas em situao de vulnerabilidade social.

    Estas instituies, alm de tornarem-se parceiras estratgicas para as comunidades, passaram

    a oferecer cooperao tcnica visando qualificao da gesto das organizaes comunitrias

    e assistenciais. Estas parcerias esto gerando uma nova dinmica nas organizaes do terceiro

    setor.

    Para compreender a dinmica de funcionamento destas organizaes, torna-se

    importante conhecer como acontece o seu processo de gesto, assunto que ser abordado no

    prximo tpico deste estudo.

    4.1.3 A gesto nas organizaes do terceiro setor

    As organizaes do terceiro setor nasceram com o objetivo de atender demandas

    sociais e so geridas por lideranas comprometidas e empenhadas na construo de uma

    sociedade mais fraterna. A primeira fase de vida destas organizaes, principalmente as

    comunitrias, marcada pelo entusiasmo, improvisao e informalidade dos trabalhos

    (KOTHER, 2004), realizados muitas vezes sem a devida clareza de qual a misso, a viso e

    os valores da organizao, decorrente do pouco conhecimento das ferramentas de gesto

    (CAMARGO et al., 2001). A condio de informalidade e deficincia na gesto destas

    organizaes no tem impedido a prestao dos seus servios e, em alguns casos, pautada

    por firmes princpios estratgicos (BALARINE, 2004, p. 2). Coelho (2000) e Tenrio

    (2001), de forma semelhante, identificaram uma estrutura organizacional informal nestas

    instituies.

  • 30

    Apesar dos bons resultados apresentados para a sociedade at hoje, isso no gerou

    uma acomodao, pelo contrrio, nos ltimos anos milhares de organizaes do terceiro setor

    esto buscando qualificar os seus servios, deixando de serem exclusivamente

    assistencialistas e passando a promotoras do desenvolvimento sustentvel junto s

    comunidades pobres. Segundo Kother (2004), a improvisao uma caracterstica cultural

    forte do setor, baseada muito mais em aspectos emocionais do que profissionais. A busca da

    profissionalizao se consubstancia na quebra de um paradigma. Este diagnstico est

    levando a procura de eficazes modelos de gesto, buscando melhores resultados no

    atendimento do pblico em questo (FISCHER, 2004). A referncia tem sido os modelos

    administrativos empresariais (DINIZ e MATTOS, 2002).

    A rea social depende da capilaridade para conseguir atingir seus objetivos, prestando

    os mais diversificados servios. O Estado j percebeu que a construo de parcerias com as

    organizaes da sociedade civil oportuniza o atendimento a praticamente todas as pessoas nos

    mais diferentes lugarejos, alm da aplicao eficiente dos recursos, pois a proximidade da

    instituio com o pblico beneficiado elimina intermedirios e a populao fiscaliza

    diretamente a aplicao do dinheiro nas aes sociais (COELHO, 2000). Entretanto, o

    sistema de planejamento e o controle de desempenho nestas instituies ainda ocorrem de

    maneira informal (TENRIO, 2001).

    As organizaes da sociedade civil esto buscando metodologias de planejamento a

    partir das experincias do setor pblico ou empresarial. Para Kother (2004, p. 32) o terceiro

    setor necessita de uma forma de planejamento que se atenha sua realidade. O primeiro

    setor elabora um planejamento a partir do cenrio poltico, o segundo setor ir considerar o

    cenrio econmico e o terceiro setor foca toda sua ao a partir da conjuntura social. O

    cenrio social caracterizado por variveis circunstanciais que devero ser estudadas e

    consideradas na construo do planejamento pelas organizaes da sociedade civil, chamado

    por Kother (2004, p. 31) de planejamento circunstancial.

    Apesar das limitaes na rea administrativa e contando com um oramento

    integralmente voltado para o custeio, o esprito empreendedor e a inovao uma marca

    registrada destas organizaes (CAMARGO et al., 2001). Enquanto as empresas privadas se

    mantm pela venda de produtos e servios, o governo pela arrecadao dos impostos, o

    terceiro setor ir buscar recursos junto a potenciais doadores, pessoa fsica ou jurdica. As

    doaes nem sempre so suficientes, levando as organizaes a buscarem suprir suas

    necessidades por meio de atividades econmicas, vendendo produtos e servios. Apesar de

    controvrsias sobre o regime de tributao, nestes casos permitida a atividade econmica,

  • 31

    desde que esteja vinculada a finalidade estatutria da instituio e o resultado seja totalmente

    reinvestido na organizao (SZAZI, 2004). Na Figura 1 possvel observar o funcionamento

    simplificado de uma organizao privada e de uma organizao do terceiro setor elaborado

    pela Ashoka Empreendedores Sociais e McKinsey & Company (2001).

    Empresa Privada Entidade Social

    Figura 1 - Modelo de Funcionamento Simplificado de uma Organizao Privada e de uma Organizao do

    Terceiro Setor Fonte: adaptado de Ashoka Empreendedores Sociais e McKinsey & Company (2001, p. 19-20).

    Analisando a ilustrao possvel perceber que o funcionamento das organizaes

    componentes dos dois setores muito semelhante. Uma diferena substancial est na

    destinao dos resultados. A empresa reinveste uma parte dos seus resultados e o restante

    repassado para os scios, os acionistas e donos da empresa. No terceiro setor todo o resultado

    dever ser reinvestido na atividade fim, cumprindo com a sua misso de atender

    exclusivamente ao interesse pblico. Camargo et al. (2001, p. 147) destaca que o lucro

    1 Etapa Investimento

    Capital + Recursos Humanos

    2 Etapa Operao

    - Produo de um produto - Prestao de um servio

    3 Etapa Resultados

    Mais recursos financeiros

    Parte retirada para patrimnio de scios, acionistas e donos da empresa.

    1 Etapa Investimento

    Capital + Recursos Humanos

    2 Etapa Operao

    Idia de atuao social +

    Idia de gerao de recursos

    3 Etapa Resultados

    - Atuao social - Mais recursos financeiros

    Melhor qualidade de vida s populaes atendidas pela organizao.

    Reinvestimento na empresa

    Reinvestimento na entidade

  • 32

    decorrente das atividades realizadas nestas organizaes [...] um meio, um instrumento

    para alavancar as aes que atingiro seus reais objetivos filantrpicos.

    Quanto a operao, a complexidade de uma organizao social praticamente a

    mesma de uma privada. Isto refora a necessidade da primeira buscar dominar ferramentas de

    administrao e gerenciamento. Isto no significa que as ferramentas gerenciais utilizadas na

    gesto das empresas podem ser facilmente aplicadas na gesto das organizaes da sociedade

    civil. Segundo Teodsio (2002, p. 106) a transposio de tcnicas gerenciais oriundas da

    esfera privada no se d de maneira linear e absoluta, j que o terceiro setor tem

    caractersticas especificas, prprias da natureza da gesto social. O terceiro setor combina a

    flexibilidade e a eficincia do mercado com a equidade e a previsibilidade da burocracia

    pblica (COELHO, 2000, p. 58). Diniz e Mattos (2002) argumentam que muito do que a

    moderna teoria administrativa apregoa, j vivenciado pelas organizaes da sociedade civil,

    como: reduo hierrquica, trabalho em equipes, organizao de aprendizagem e aes

    fundamentadas em valores.

    Como os recursos captados para a manuteno das organizaes sociais provem do

    mercado e das parcerias com o poder pblico, as turbulncias no ambiente externo acarretam

    impactos diretos nos servios prestados pelas organizaes do terceiro setor. As mudanas

    obrigam as empresas a se reposicionarem no mercado para manter sua competitividade,

    podendo comprometer os investimentos sociais antes previstos. Isto mostra que as

    organizaes do terceiro setor tambm se encontram expostas s mudanas repentinas do

    ambiente externo, levando as mesmas a adotar estratgias de aperfeioamento tcnico, com o

    objetivo de obter uma maior eficincia e eficcia, alm de estabelecer novas estratgias de

    sustentabilidade (SILVA e OLIVEIRA, 2004). Estas mudanas precisam acontecer a partir de

    estratgias explcitas, realocando os recursos existentes e prestando conta aos doadores

    (HUDSON, 1999).

    Os recursos materiais e financeiros so um dos componentes necessrios para a

    garantia da sustentabilidade de uma organizao, seja privada, governamental ou social.

    Segundo Silva (2000) a sustentabilidade depende da existncia de quatro campos: pblico a

    ser atendido, servios a serem prestados, recursos financeiros e materiais e as pessoas, sejam

    contratadas ou voluntrias. O relacionamento entre os campos apresentado por meio do

    Modelo Trevo (SILVA, 2000), apresentado na Figura 2.

  • 33

    Figura 2 - Modelo Trevo

    Fonte: adaptado de Silva (2000)

    Uma organizao existe para oferecer produtos e/ou servios para um determinado

    pblico que se encontra no campo sociedade e o conhecimento do perfil e das necessidades

    deste pblico so informaes importantes para a organizao definir os servios que sero

    prestados. A relao entre o pblico e os servios define a direo, viso e a misso da

    organizao. Entretanto, destaca Silva (2000), este atendimento depende da existncia de

    recursos financeiros e materiais e de uma equipe qualificada, decisivos para definir a

    capacidade. O Modelo, como possvel verificar na Figura, trata ainda de outros elementos

    considerados essenciais para a sustentabilidade, caracterizados como relaes secundrias:

    motivao - relao das pessoas com o pblico-alvo; legitimidade - construda na sociedade a

    partir da boa aplicao dos recursos; viabilidade - capacidade de prestar os servios a partir

    dos recursos existentes; qualidade - definida pelos servios prestados pela equipe. Para cada

    campo existe uma ferramenta apropriada a ser utilizada pelo gestor: para o campo sociedade a

    organizao precisa de uma poltica de comunicao; nos recursos preciso desenvolver

    estratgias de captao de recursos; os servios so definidos a partir do planejamento; por

    Desenvolvimento

    Captao

    SociedadeServios

    Pessoas

    Recursos

    Direcionamento

    Viabilidade

    Qualid

    ade

    Capacid

    ade

    Motivao

    Legitim

    idade

    Planejamento ComunicaoGesto

    Desenvolvimento

    Captao

    SociedadeServios

    Pessoas

    Recursos

    Direcionamento

    Viabilidade

    Qualid

    ade

    Capacid

    ade

    Motivao

    Legitim

    idade

    Planejamento ComunicaoGestoGesto

  • 34

    fim, a qualificao, motivao e comprometimento da equipe dependem da capacidade e

    vontade da organizao em investir no desenvolvimento das pessoas.

    No centro destes campos se encontra a gesto. Ela tem o objetivo de garantir o

    equilbrio, a dinamicidade, a continuidade, o movimento, o bom relacionamento entre todos

    os campos. No bastam recursos, identificar o pblico e ter clareza dos servios a serem

    prestados, se no existirem pessoas comprometidas, motivadas e preparadas. As organizaes

    componentes do terceiro setor tm conscincia de que alm da iniciativa e compromisso,

    necessria a profissionalizao das equipes de trabalho para que um servio de qualidade

    possa ser prestado (FISCHER, 2004). Seguindo um caminho percorrido h muitas dcadas

    pelas empresas, estas organizaes comearam a investir sistematicamente na qualificao

    dos recursos humanos. Independente da motivao e compromisso com a causa social, estes

    profissionais precisam ter uma clara compreenso da presente dinmica no setor e do contexto

    social no qual iro atuar.

    Existem diferentes causas que determinaram a necessidade de profissionalizao do

    terceiro setor. Segundo Kother (2001) quatro possveis causas podem ser apresentadas: o novo

    contexto social, onde os servios prestados pelas organizaes sociais ganham mais

    importncia e passam a ter uma nova posio estratgica; o trabalho voluntrio, cada vez mais

    presente na sociedade brasileira, exigindo das organizaes do terceiro setor mais preparo

    para receber este pblico; a natureza da ao social, voltada a buscar alternativas que

    efetivamente resolvam os problemas sociais, ao invs de aes paliativas e de carter

    exclusivamente filantrpico; e os clientes do terceiro setor, formado na sua grande maioria

    por populaes em situao de vulnerabilidade social, sem acesso ao atendimento das

    necessidades bsicas, carecendo de alternativas de incluso social.

    A busca por ferramentas de gesto oportuniza ao terceiro setor reavaliar suas rotinas

    de trabalho e desenvolver fluxos operacionais que efetivamente respondam pela sua misso e

    viso, e dessa forma, atender cada vez melhor o seu pblico. Para Hudson (1999, p. 262) as

    organizaes do terceiro setor bem sucedidas sero aquelas que conseguirem combinar

    dedicao causa com habilidades administrativas prticas. A descentralizao na tomada de

    decises ainda est limitada s questes operacionais, ficando as discusses estratgicas no

    mbito da cpula administrativa, scios, tcnicos e coordenadores (TENRIO, 2001).

    Gerir organizaes da sociedade civil [...] assume grande complexidade

    (TEODSIO, 2002, p. 108). Os profissionais que atuam nestas organizaes tm o desafio de

    buscar o equilbrio entre a racionalidade instrumental e a substantiva. A instrumental est

    relacionada necessidade da obteno da eficincia na aplicao dos recursos angariados por

  • 35

    meio de doaes. Os doadores investem na organizao por acreditar na sua capacidade em

    potencializar os recursos recebidos em servios de qualidade para populaes pobres. A razo

    instrumental est focada nos resultados e aproveitamento mximo dos recursos, buscando a

    eficincia organizacional que se mede pelo nvel de produtividade (CAMARGO et al., 2001,

    p. 73). Por outro lado, na razo substantiva, os modelos gerenciais esto voltados garantia de

    que a misso da organizao esteja voltada promoo humana e a valorizao dos

    envolvidos, seja o pblico atendido ou colaboradores. Nesse sentido, a organizao precisa

    considerar estas diversidades, na medida em que um modelo de gesto [...] fruto da

    articulao entre as dimenses tcnicas, econmicas, sociais e psquicas (TEODSIO, 2001,

    p. 109).

    A sustentabilidade das organizaes da sociedade civil est relacionada a uma eficaz

    estratgia de marketing social e a construo de parcerias, redes e alianas, conforme destaca

    Drucker (2002). A captao de recursos financeiros e materiais e a adeso de voluntrios tero

    melhores resultados se a instituio conseguir mostrar para a sociedade o mrito, a relevncia

    e o impacto social das atividades desenvolvidas. Isto exige a comunicao constante das aes

    realizadas, agindo de forma transparente e idnea, motivando a que mais pessoas se

    sensibilizem e percebam a legitimidade do esforo empreendido. Entretanto, a comunicao

    no ter efeito caso a entidade no apresente uma relativa capacidade de gesto financeira e

    administrativa (HUDSON, 1999).

    Assim como as organizaes do primeiro e segundo setores, as instituies do terceiro

    setor possuem grupos de interesses, chamados de stakeholders. Segundo Freeman (1984) os

    stakeholders so grupos ou indivduos que afetam ou so afetados pela realizao dos

    objetivos organizacionais. Aps ter mapeado estes grupos ou indivduos a instituio poder

    identificar as expectativas de cada um e analisar em que medida elas so atendidas, para ento

    elaborar uma estratgia de captao de recursos. por meio destes recursos que a organizao

    conseguir atingir seus objetivos e cumprir com sua misso (DRUCKER, 2002).

    O terceiro setor apresenta um complexo conjunto de stakeholders que influenciam a

    formao de suas estratgias. Relacionar-se com estes pblicos possibilita que a organizao

    possa congregar esforos para ter seus objetivos sociais atingidos. Esta relao passa pela

    constituio de parcerias com o poder pblico, empresas e a sociedade civil. A capacidade de

    obter recursos junto a estes pblicos depender da realizao de aes que influenciem a

    sociedade (CAMARGO et al., 2001, p. 148). Esta influncia tem condies de atrair mais

    voluntrios que prestam uma contribuio fundamental para o funcionamento das

    organizaes componentes do terceiro setor. O grupo de voluntrios pode ser considerado um

  • 36

    importante stakeholder na gesto da organizao, em razo das funes que assumem, como

    captao de recursos, apoio na rea administrativa e auxilio na prestao de servios.

    As consideraes apresentadas nesta seo - terceiro setor - oportunizaram a reflexo

    da evoluo deste setor no cenrio brasileiro, da importncia da constituio de fundaes e

    institutos de origem empresarial e, principalmente, dos desafios em gerenciar organizaes

    sociais. Na prxima seo, ser analisado o processo de formao de estratgias deliberadas e

    emergentes, oportunizando um maior aprofundamento dos aspectos gerenciais que permeiam

    as organizaes.

    4.2 O PROCESSO DE FORMAO DE ESTRATGIAS

    O debate em torno da estratgia, por mais antiga que seja esta palavra, tem se

    mostrado atual e se caracterizado como um tema emergente, tornando-se ao longo dos anos

    um importante elemento para o gerenciamento das organizaes. Por meio dela, comeou a

    ser cogitada a possibilidade de antever cenrios, programar aes e posicionar melhor o

    negcio num ambiente cada vez mais competitivo. Para os gestores que tomam decises

    constantemente nem sempre as estratgias esto claras ou so formuladas com antecedncia.

    Quinn (2001, p. 21) explica que as estratgias podem ser encaradas como afirmaes a priori

    para orientar providncias ou resultados a posteriori de um comportamento decisrio real.

    Nas organizaes de terceiro setor o processo de formao de estratgias tem recebido

    pouca ateno. A dinmica de funcionamento destas organizaes relativamente diferente

    do primeiro e segundo setor, respectivamente, governo e empresas privadas. Para Crittenden e

    Crittenden (1997) as organizaes da sociedade civil ainda investem pouco tempo na

    formulao e implementao das estratgias.

    Nesta seo ser analisado o processo de formao de estratgias deliberadas e

    emergentes, identificando as principais caractersticas de cada uma e aps, sero verificados

    os pontos de interface entre ambas.

  • 37

    4.2.1 A estratgia e suas tipologias

    A palavra estratgia foi sendo incorporada administrao e se consolidou como

    disciplina na academia somente nos anos 50. Segundo Vasconcelos (2001) diversos fatores

    influenciaram a formao da disciplina, mas dois se destacaram para esta constituio tardia:

    a influncia da economia neoclssica, onde o mercado seria auto-regulado e tornaria

    desnecessria a formao de estratgias das firmas e o fato dos empreendimentos serem

    geridos pelas prprias famlias, com baixa profissionalizao. Alm da economia, a sociologia

    exerceu forte influncia nesta disciplina. Para a economia a estratgia empresarial

    influenciada pela racionalidade do mercado e pelos recursos escassos para atender

    necessidades ilimitadas, j a sociologia valoriza a insero social e cultural destas

    organizaes, pois aspectos cognitivos e sociais influenciam a ao estratgica das empresas.

    Esta viso dicotmica entre o econmico e o social, limitada e simplificadora

    (VASCONCELOS, 2001), incentivou a elaborao de modelos de classificao das teorias

    sobre estratgia por diversos autores. Entre as inmeras classificaes, mereceu destaque uma

    apresentada pelos autores Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) no livro Safri de Estratgia.

    Eles reuniram as teorias em estratgia empresarial em dez escolas: design, planejamento,

    posicionamento, empreendedora, cognitiva, aprendizagem, poder, cultural, ambiental e

    configurao. Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) distriburam as escolas em trs

    agrupamentos: as prescritivas, as descritivas e a escola de configurao. Nesta ltima,

    acontece a sntese das nove escolas enfatizando o carter transitrio e contextual das

    estratgias (VASCONCELOS, 2001, p. 5). Nas prescritivas o foco est em entender como as

    estratgias devem ser formuladas. Neste agrupamento possvel encontrar a escola do

    design na qual a estratgia um processo de desenho informal; a escola do planejamento onde

    a estratgia vista como um processo formal, tendo muita fora nos anos 60 e 70; e a escola

    de posicionamento para a qual a estratgia um processo analtico e que tem por objetivo

    buscar a melhor posio no mercado (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000).

    Nas descritivas a preocupao est voltada a entender como as estratgias so

    formuladas. A escola empreendedora, categorizada neste agrupamento, associa a estratgia

    viso empreendedora do lder. J a cognitiva entende que a estratgia um processo mental e

    o ambiente exerce o poder de influenciar e no de definir a estratgia. Na escola de

    aprendizagem a estratgia emerge na medida em que a organizao consegue se adaptar e

    aprender em ambientes complexos. Para a escola do poder a formulao da estratgia um

  • 38

    processo de negociao entre as partes interessadas nos resultados da organizao; na cultural

    o processo coletivo e cooperativo de acordo com a cultura organizacional. A estratgia

    tambm pode ser um processo reativo as presses externas impostas pelo ambiente,

    caracterizando a escola ambiental (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000).

    Uma das melhores formas de verificar se uma empresa tem estratgia perguntar se

    ela sabe o que no deve fazer (PORTER, 2000). A elaborao do objetivo de longo prazo

    fora a empresa a impor limites na sua atuao e deixa mais claro o que lhe compete fazer.

    Ainda utilizada das mais diferentes formas, nos mais variados contextos, estratgia no

    sinnimo de reestruturaes (pode ser uma forma de resolver problemas e ineficincias),

    fuses de empresas (comprar outras empresas no resulta necessariamente em estratgia),

    consolidao de setores, alianas, constituio de nichos de mercado ou disponibilizao de

    seus produtos e servios pela Internet. Estas questes podem gerar oportunidades, no

    necessariamente estratgias (PORTER, 2000).

    A estratgia, segundo Zaccarelli (2003, p. 229), no pode ser considerada lgica

    pura, so muitas as variveis do ambiente que podem afet-la, diferente do planejamento,

    que necessariamente segue uma estrutura lgica. Esta seria a razo da incompatibilidade entre

    planejamento e estratgia. Mintzberg (1987a) argumenta que a estratgia pode ser entendida

    como um plano, formada por aes previamente preparadas que levam ao objetivo futuro.

    Pode ser um padro, quando a organizao observa o seu comportamento passado e identifica

    consistncia no comportamento (MINTZBERG, 1987a, p. 13). A estratgia uma posio

    quando a organizao olha para fora e busca um posicionamento no ambiente, considerando o

    contexto interno e externo. Mintzberg (1987a, p. 16) ainda apresenta a estratgia como

    perspectiva, quando o olhar para dentro das cabeas dos estrategistas. Neste caso, as

    estratgias so abstraes que esto na mente das pessoas. Por fim, a estratgia pode ser um

    pretexto na medida em que no tendo um plano real a organizao ameaa a tomada de

    determinada deciso para obter vantagens.

    As diferentes formas de compreender a formao das estratgias foram se organizando

    em torno de dois tipos: deliberada e emergente. As estratgias deliberadas se caracterizam por

    intenes articuladas e as emergentes por uma consistncia de padro, sem uma inteno clara

    (MINTZBERG e WATERS, 1985). Estes dois processos de formao de estratgias so

    analisados nos prximos itens da seo.

  • 39

    4.2.2 A estratgia deliberada

    A estratgia deliberada pode ser formada por um conjunto de atividades organizadas a

    partir de um relacionamento lgico e a eficincia de sua implementao depender de uma

    estrutura organizacional com condies de garantir a coordenao destas aes (ANDREWS,

    2001). As lideranas da organizao ou estrategistas contratados formulam as estratgias de

    forma consciente e explcita a partir de intenes previamente articuladas. Tanto o processo

    de elaborao da estratgia, quanto o planejamento consolidado podem se tornar um

    importante mecanismo de controle formal na organizao. Estas intenes precisam ser

    realizadas como foram exatamente pretendidas (MINTZBERG e WATERS, 1985, p. 258),

    sem interferncias de foras externas, exigindo que para isso as ameaas do ambiente sejam

    previamente detectadas e controladas. Para Quinn (2001, p. 20) estratgia o padro ou

    plano que integra as principais metas, polticas e seqncia de aes de uma organizao em

    um todo coerente.

    Considerando a viso prescritiva, Andrews (2001) argumenta que a formulao e a

    implementao so aspectos fundamentais e, apesar de analisados separadamente, esto inter-

    relacionados. As atividades relacionadas formulao passam pela identificao de

    oportunidades e ameaas para a organizao a partir das influncias do ambiente externo e

    pela avaliao dos pontos fracos e fortes da instituio, considerando o ambiente interno. Por

    meio deste processo, conhecido como a anlise de SWOT (strengths, weaknesses,

    opportunities e threats), so identificadas as variveis constituintes dos possveis cenrios

    futuros, dessa forma, facilitando a deciso de qual a melhor estratgia para a organizao. A

    capacidade da organizao em antecipar possveis eventos diagnosticados na anlise de

    SWOT e incorpor-los ao plano uma das caractersticas da estratgia formalizada

    (MINTZBERG e WATERS, 1985).

    Entre as escolas prescritivas apresentadas por Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) -

    design, planejamento e posicionamento - a escola do planejamento comeou a se difundir a

    partir de 1960 e teve grande popularidade. Ela procurava prever as incertezas e preparar as

    aes para que os objetivos da organizao pudessem ser atingidos. As premissas desta escola

    influenciam at hoje o processo de formao de estratgias. Pela lgica do planejamento a

    estratgia pode ser construda e implementada seguindo etapas pr-determinadas, necessrias

    para atingir os objetivos, constituindo-se num instrumento de orientao para a tomada de

    deciso pelos gestores. Para Hudson (1999, p. 77) a fixao de objetivos importante,

  • 40

    constituindo-se numa ferramenta para concentrar a ateno das pessoas em metas especficas

    que a organizao como um todo deseja atingir num determinado perodo de tempo. Mesmo

    havendo a necessidade de mudanas de rota, existe uma idia, uma viso de onde se quer

    chegar. As aes precisam ser orientadas por objetivos, caso contrrio a organizao poder

    perder o foco. Na viso de Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) o planejamento estratgico

    exige uma boa capacidade de previsibilidade e um relativo grau de estabilidade das variveis

    formadoras dos cenrios, tornando a elaborao da estratgia um processo mecanicista e

    podendo levar a institucionalizao da inovao.

    Na escola de posicionamento a formao de estratgia entendida como um processo

    analtico (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000) e tem Porter como um dos seus

    expoentes. Segundo Porter (1996, p. 68) a estratgia a criao de uma posio nica e

    valiosa que engloba um conjunto de atividades diferentes Os gestores precisam de uma boa

    capacidade de anlise do ambiente externo, interpretar as variveis, para ento buscar um

    melhor posicionamento para a organizao. A eficincia operacional no pode ser considerada

    estratgia, apesar de essencial para a organizao, pois as tcnicas, melhorias produtivas e

    novas tecnologias so rapidamente apropriadas pelos rivais, deixando de ser um diferencial

    competitivo. Porter (1996) entende que a empresa precisa escolher a melhor estratgia, achar

    uma posi